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Um dos responsáveis por resgatar os depoimentos das vítimas da ditadura em Minas, José Francisco da Silva defende vigilância permanente contra todas as formas de tortura no país POL ÍTICA ESTADO DE MINAS D O M I N G O , 2 4 D E J U N H O D E 2 0 1 2 5 A luta que valeu a pena SANDRA KIEFER “O conjunto dos relatos das ví- timas de tortura em Minas (916 ao todo) serviu como um resgate do período da ditadura no país”, elo- gia José Francisco da Silva, secretá- rio-adjunto, nomeado pelo então governador Itamar Franco, em 2000, para a missão de instalar a comissão dos direitos humanos e abrir os arquivos da ditadura em Minas. O incansável Chico, como é conhecido o ex-militante políti- co da antiga Faculdade de Filoso- fia e Ciências Humanas (Fafich) da Rua Carangola, não desistiu de de- nunciar a prática da tortura, ago- ra não mais a presos políticos, mas a presos comuns. Não apenas nas prisões, mas também nos asi- los, hospitais psiquiátricos, cen- tros de acolhimento a adolescen- tes infratores. “A prática da tortura é intolerá- vel”, alerta José Francisco, que ocu- pa uma cadeira como conselheiro no Conselho Estadual de Direitos Humanos (Conedh-MG). Em par- ceria com o atual presidente do conselho, o advogado Emílcio Jo- sé Lacerda, propõe a criação de um mecanismo de prevenção a tortura e aos métodos degradan- tes em Minas. A proposta, já apre- sentada Secretaria Estado deDesenvolvimento Social (Sede- se), prevê visitas relâmpago a es- tabelecimentos que tiverem sido alvo de denúncias de tortura, por equipe composta de profissionais remunerados (psicólogos, arqui- tetos, médicos), com conheci- mento e autonomia suficientes para flagrar abusos e interditar o lugar. “Ainda que não existisse mais um único caso de tortura, o que não é verdade, ainda assim se- ria importante permanecer vigi- lante”, completa José Francisco Passada mais de uma década, nem todas as indenizações às víti- mas de tortura em Minas foram pagas até hoje. Desde a publicação do Decreto 41.239/2000, que regu- lamentou a indenização às víti- mas da ditadura militar, Minas Ge- rais pagou, até um ano depois, 514 indenizações, de um total de 916 solicitações. O valor de cada inde- nização era de R$ 30 mil, o que sig- nificou um total de R$ 15,4 mi- lhões pagos até agora. Com a edi- ção da Lei 19.458, de 2011, que con- cedeu novo prazo para a solicita- ção das vítimas, o estado recebeu 139 casos para serem analisados pela Conedh-MG. De acordo com a subsecretaria de Direitos Huma- nos, a tramitação do processo demora em média um ano, em ra- zão da necessidade de confirma- ção de vários dados informados pelas vítimas e seus familiares. APURAÇÃO Na segunda-feira, a Comissão da Verdade da Ordem dos Advogados do Brasil em Mi- nas Gerais (OAB-MG) entra com representação no Ministério Pú- blico Federal em Minas para exigir a apuração dos crimes cometidos pela ditadura militar. “Já havíamos feito uma representação (em 26 de setembro de 2011), que não deu resultados. Com as novas revela- ções sobre a tortura da presidente Dilma em Juiz de Fora, publicadas em série de reportagens pelo Esta- do de Minas , tornou-se necessário reivindicar novamente a apuração das denúncias, exigindo a punição dos culpados”, afirma o ex-mili- tante Betinho Duarte, assessor es- pecial da Comissão da Verdade. Na lista do autor do livro digitalizado Rua Viva, Minas concentra um to- tal de 73 militantes políticos mor- tos e desaparecidos, sendo 15 em território mineiro, oito no massa- cre de Ipatinga, 10 desaparecidos na Guerrilha do Araguaia, 14 de origem mineira desaparecidos em outros estados e 26 assassinados em outros estados e países. Ainda que não existisse mais um único caso de tortura, o que não é verdade, ainda assim seria importante permanecer vigilante José Francisco da Silva, conselheiro do Conedh-MG CRISTINA HORTA/EM/D.A PRESS

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Um dos responsáveis por resgatar os depoimentos das vítimas da ditadura em Minas, JoséFrancisco da Silva defende vigilância permanente contra todas as formas de tortura no país

POLÍTICA

E S T A D O D E M I N A S ● D O M I N G O , 2 4 D E J U N H O D E 2 0 1 2

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A luta que valeu a penaSANDRA KIEFER

“O conjunto dos relatos das ví-timas de tortura em Minas (916 aotodo) serviu como um resgate doperíodo da ditadura no país”, elo-gia José Francisco da Silva, secretá-rio-adjunto, nomeado pelo entãogovernador Itamar Franco, em2000, para a missão de instalar acomissão dos direitos humanos eabrir os arquivos da ditadura emMinas. O incansável Chico, comoé conhecido o ex-militante políti-co da antiga Faculdade de Filoso-fia e Ciências Humanas (Fafich) daRua Carangola, não desistiu de de-nunciar a prática da tortura, ago-ra não mais a presos políticos,mas a presos comuns. Não apenasnas prisões, mas também nos asi-los, hospitais psiquiátricos, cen-tros de acolhimento a adolescen-tes infratores.

“A prática da tortura é intolerá-vel”, alerta José Francisco, que ocu-pa uma cadeira como conselheirono Conselho Estadual de DireitosHumanos (Conedh-MG). Em par-ceria com o atual presidente doconselho, o advogado Emílcio Jo-sé Lacerda, propõe a criação deum mecanismo de prevenção atortura e aos métodos degradan-tes em Minas. A proposta, já apre-

sentada Secretaria EstadodeDesenvolvimento Social (Sede-se), prevê visitas relâmpago a es-tabelecimentos que tiverem sidoalvo de denúncias de tortura, porequipe composta de profissionaisremunerados (psicólogos, arqui-tetos, médicos), com conheci-mento e autonomia suficientespara flagrar abusos e interditar olugar. “Ainda que não existissemais um único caso de tortura, oque não é verdade, ainda assim se-ria importante permanecer vigi-lante”, completa José Francisco

Passada mais de uma década,nem todas as indenizações às víti-mas de tortura em Minas forampagas até hoje. Desde a publicaçãodo Decreto 41.239/2000, que regu-lamentou a indenização às víti-masdaditaduramilitar,MinasGe-rais pagou, até um ano depois, 514indenizações, de um total de 916solicitações. O valor de cada inde-nização era de R$ 30 mil, o que sig-nificou um total de R$ 15,4 mi-lhões pagos até agora. Com a edi-çãodaLei19.458,de2011,quecon-cedeu novo prazo para a solicita-ção das vítimas, o estado recebeu139 casos para serem analisadospela Conedh-MG. De acordo coma subsecretaria de Direitos Huma-nos, a tramitação do processo

demoraemmédiaumano,emra-zão da necessidade de confirma-ção de vários dados informadospelas vítimas e seus familiares.

APURAÇÃO Na segunda-feira, aComissão da Verdade da Ordemdos Advogados do Brasil em Mi-nas Gerais (OAB-MG) entra comrepresentação no Ministério Pú-blicoFederalemMinasparaexigira apuração dos crimes cometidospeladitaduramilitar. “Jáhavíamosfeitoumarepresentação(em26desetembro de 2011), que não deuresultados. Com as novas revela-ções sobre a tortura da presidenteDilma em Juiz de Fora, publicadasemsériedereportagenspeloEsta-do de Minas, tornou-senecessárioreivindicarnovamenteaapuraçãodasdenúncias,exigindoapuniçãodos culpados”, afirma o ex-mili-tante Betinho Duarte, assessor es-pecialdaComissãodaVerdade.Nalista do autor do livro digitalizadoRua Viva, Minas concentra um to-tal de 73 militantes políticos mor-tos e desaparecidos, sendo 15 emterritório mineiro, oito no massa-cre de Ipatinga, 10 desaparecidosna Guerrilha do Araguaia, 14 deorigemmineiradesaparecidosemoutros estados e 26 assassinadosem outros estados e países.

Ainda que não existisse mais um único casode tortura, o que não é verdade, ainda assim

seria importante permanecer vigilante

■ José Francisco da Silva,conselheiro do Conedh-MG

CRISTINA HORTA/EM/D.A PRESS