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Era uma vez...IrmÞaos Grimm

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ColetÞanea de contos dos Irmaos Jakob & Wilhelm Grimm

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Coletânia de contos baseado nos livros:

Conto Dos Irmãos Grimm

Tradução e adaptação de

Clarissa Pinkola Estés

Contos de Grimm:

Animais encantados

Grimm: Jakob & Wilhelm

Tradução e adaptação de

Ana Maria Machado

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Aos meus pais, irmãs, familia e amigos pelo apoio e incentivo.

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Jakob e Wilhelm Grimm

JAKOB e WILHELM GRIMM (os autores), os famosos IRMÃOS GRIMM, nasceram em Hanau, na Alemanha, em 1785 e 1786. Mesmo com temperamentos bem diferentes — Jakob era impetu-oso e inovador e Wilhelm, minucioso e prudente — gostavam de trabalhar juntos e assim pesquisaram e adap-taram uma infinidade de contos do folclore alemão, que acabaram por se tornar verdadeiros clássicos da litera-tura de todos os tempos e lugares.

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Apresentação

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Índice1 - A Água da Vida2 - A Amoreira3 - A Bela Adormecida4 - A Bela Adormecida (segunda versão)5 - A Protegida de Maria6 - Branca de Neve e os Sete Anões7 - Branca de Neve e os Sete Anões (segunda versão)8 - Chapeuzinho Vermelho� - Cinderela10 - João sem medo

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11 - O gênio da garrafa12 - O principe sapo13 - Os músicos de Bremen14 - Rumpelstiltskin15 - A serpente branca16 - O ganso de ouro17 - A raposa e o gato18 - Os dois irmãos1� - Os sete corvos20 - Hansel e Gretel (João e Maria)21 - Rapunzel22 - O alfaiate valente23 - O lobo e os sete cabritos24 - Pequeno Polegar25 - Os Três Fios de Ouro de Cabelo do Diabo.26 - O Flautista de Hamelin

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1A água da vida

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Era uma vez um rei muito poderoso que vivia feliz e

tranquilo em seu reino. Um dia adoeceu gravemente e ninguém esperava mais que escapasse. Seus três filhos estavam consternados vendo o estado do pai piorar dia a dia. Choravam no jardim quan-do surgiu à sua frente um velho de aspecto venerável que inda-gou a causa de tamanha tristeza. Disseram-lhe estar aflitos por causa da enfermidade do pai, já que os médicos não tinham mais esperanças de o salvar. O velho lhes disse:-Conheço um remédio muito eficaz que poderá curálo; é a fa-mosa Água da Vida. Mas é muito difícil obtê-la.O filho mais velho disse:-Vou encontrá-la, custe o que custar. Foi imediatamente aos

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aposentos do rei, expôs-lhe o caso e pediu permissão para ir em busca dessa água. -Não. Sei bem que essa água maravilhosa existe, mas há tantos perigos a vencer antes de chegar à fonte que prefiro morrer a ver um fi-lho meu correndo esses riscos. disse o rei. O príncipe porém insistiu tanto que o pai acabou por con-sentir.Em seu íntimo o príncipe pen-sava: -Se conseguir a água me tornarei o filho predilecto e her-darei o trono. Partiu pois montado em rápido corcel na direcção indica-da pelo velho. Após alguns dias de viagem, ao atravessar uma floresta viu um anão mal vestido que o chamou e perguntou: -Aonde vais com tanta pressa?-Que tens com isso, homúnculo ridículo? Não é da tua conta.

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Respondeu altivamente sem de-ter o cavalo. O anão se enfureceu e lhe rogou uma praga. Pouco adiante o príncipe se viu entalado entre dois barrancos;quanto mais andava mais se es-treitava o caminho, até que não pôde mais avançar nem recuar, nem voltar o cavalo nem descer. Ficou ali aprisionado sofrendo fome e sede mas sem morrer. O rei esperou em vão sua volta. O segundo filho, julgando que o irmão tivesse morrido, ficou contentíssimo pois assim seria o herdeiro do trono. Foi ter com o pai e lhe pediu para ir em busca da Água da Vida. O rei respondeu o mesmo que ao primeiro; por fim cedeu ante a insistência do rapaz. O segundo príncipe montou a cavalo e seguiu pelo mesmo caminho. Quando atravessava

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a floresta surgiu-lhe o anão mal vestido e lhe dirigiu a mesma pergunta:-Para onde vais com tanta pres-sa?-Pedaço de gente nojento! Sai da minha frente se não queres que te espezinhe com meu ca-valo. O anão lhe rogou a mesma praga, assim o príncipe acabou entalado nos barrancos como o irmão. Passados muitos dias sem que os irmãos voltassem, o mais moço foi pedir licença ao pai para ir buscar a Água da Vida. O rei não queria consentir, mas foi obrigado a ceder ante suas insistências. O jovem príncipe montou em seu cavalo e partiu; quan-do encontrou o anão na floresta ele, que era delicado e amável, deteve o cavalo dizendo:

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-Vou em busca da Água da Vida, o único remédio que pode sal-var meu pobre pai, que está à morte.-Sabes onde se encontra?perguntou o anão.-Não.-Pois já que me respondeste com tanta amabilidade vou te indicar o caminho. Ao sair da floresta não te metas pelo desfiladeiro que está à frente, vira à esquerda e segue até uma encruzilhada; aí segue ainda à esquerda. Depois de dois dias encontrarás um cas-telo encantado, é no pátio dele que se encontra a fonte da Água da Vida. O castelo está fechado com um grande portão de ferro maciço, mas basta tocá-lo três vezes com esta varinha que te dou para que se abra de par em par. Assim que entrares verás dois leões enormes prestes a se lançarem sobre ti para te devo-

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rar; atira-lhes estes dois bolos para apaziguá-los. Aí corre ao parque do castelo e vai buscar a Água de Vida antes que soem as doze badaladas, senão o portão se fecha e tu ficarás lá preso. O príncipe agradeceu gen-tilmente, pegou a varinha e os dois bolos e se pôs a caminho, e conforme as indicações chegou ao castelo. Com a varinha mági-ca bateu três vezes e o imenso portão se abriu; ao entrar os dois leões se arremessaram contra ele de bocas escancaradas, mas atirou-lhes os dois bolos e não sofreu mal algum. Porém antes de se dirigir à fonte da Água da Vida não resis-tiu à tentação de ver o que ha-via no interior do castelo, cujas portas estavam abertas, galgou as escadas e entro Viu uma série de salões grandes e luxuosos. No primei-

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ro, imersos em sono letárgico, viu uma multidão de fidalgos e criados. Sobre uma mesa esta-va uma espada e um saquinho de trigo; pressentiu que lhe po-deriam ser úteis e levou-os con-sigo. Indo de um salão a outro, no último deu com uma princesa de rara beleza, que se levantou e disse que, tendo conseguido penetrar no castelo, destruíra o encanto que pesava sobre ela e todos os súditos do seu reino; mas o efeito do encantamento só cessaria mais tarde.-Dentro de um ano, dia por dia, se voltares aqui serás meu es-poso. Depois lhe indicou onde es-tava a fonte da Água da Vida e se despediu, recomendando-lhe que se apressasse para poder sair do castelo antes do relógio da torre bater as doze badala-das do meio-dia, porque nesse

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exacto momento os portões se fechariam. O príncipe percorreu em sentido inverso todos os salões por onde passara, até que viu uma belíssima cama com rou-pas muito alvas e recendentes; cansado que estava da longa caminhada deitou-se para des-cansar um pouco e adormeceu. Felizmente mexeu-se e fez cair no chão a espada que co-locara a seu lado, despertando com o barulho. Levantou-se de-pressa, faltava um minuto para o meio-dia e mal teve tempo de correr ao parque, encher um frasco com a água preciosa e fugir. Ao transpor os batentes da entrada soou o relógio dando meio-dia; o portão se fechou com estrondo e tão rápido que ainda lhe arrancou uma espora. No auge da felicidade por

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ter conseguido a água que sal-varia seu pai e ansioso por se ver no palácio pulou sobre a sela e partiu a galope. Na floresta encontrou o anão no mesmo lugar, o qual vendo a espada e o saquinho de trigo disse:-Fizeste bem em guardar este precioso tesouro. Com essa es-pada vencerás sozinho o mais numeroso exército, e com o tri-go desse saquinho terás todo o pão que quiseres e nunca se lhe verá o fundo. O príncipe estava porém apoquentado com a desgra-ça dos irmãos, e perguntou se o anão poderia fazer algo por eles.-Posso, ambos estão pouco dis-tante daqui entalados em bar-rancosmuito apertados; amaldiçoei-os por causa de seu orgulho.

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O príncipe rogou encare-cidamente que os perdoasse e libertasse, e o anão cedeu às suas súplicas.-Mas te advirto que te arrepen-derás. Não te fies neles, são de mau coração; liberto-os apenas para te ser agradável. Assim dizendo fez os bar-rancos se afastarem libertando os entalados, pouco depois reu-nidos ao irmão que os espera-va. Muito feliz por tornar a vê-los o príncipe lhes narrou suas aventuras e disse que daí a um ano voltaria para desposar a maravilhosa princesa e reinar com ela sobre um grande país. Puseram-se os três de regresso para casa. Atravessaram um reino assolado pela guerra, estando o rei desesperado de poder sal-var-se e a seu povo. O príncipe

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confiou-lhe então o saco de trigo e a spada mágica, com os quais o rei derrotou os exércitos inva-sores e encheu os celeiros até o forro. O príncipe tornou a rece-ber a espada e o saquinho de trigo e os três irmãos seguiram viagem, tomando um navio para encurtar o caminho. Durante a travessia os dois irmãos mais velhos, devorados de ciúmes, começaram a cons-pirar contra o mais novo.-Nosso irmão conseguiu a Água da Vida e nós não; com isso nos-so pai o promoverá a herdeiro do trono que deveria ser nosso e nada nos restará. Então juraram perdê-lo. De noite quando ele dormia furta-ram-lhe o frasco e substituíram a Água da Vida por água salgada. Tentaram também roubar-lhe a espada e o saquinho de trigo

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mas os objectos desapareceram de repente. Chegando em casa o jo-vem correu para o pai e lhe apresentou o frasco para que logo sarasse. Mal engoliu alguns goles daquela água salgada o rei piorou sensivelmente. Estava se lastimando quando chegaram os mais velhos e acusaram o irmão de ter querido envenenar o pai. Eles porém traziam a ver-dadeira Água da Vida e lha ofe-receram. Apenas bebeu alguns goles pôde se levantar do leito cheio de vida e saúde como nos tempos da juventude. O pobre príncipe, expulso da presença do pai, se entregou ao maior pesar. Os dois mais velhos vieram ter com ele rindo e mofando:-Pobre tolo! Tu tiveste todo o trabalho e conseguiste encontrar a Água da Vida mas nós tivemos

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o proveito; devias ser mais es-perto e manter os olhos aber-tos, enquanto dormias a bordo trocamos o frasco por outro de água salgada. E poderíamos se quiséssemos terte atirado ao mar para nos livrarmos de ti, mas tivemos dó. Livra-te contudo de reclamar e contar a verdade ao nosso pai, que não te acredita-ria; se disseres uma só palavra não nos escaparás, perderás a vida. Também não penses em ir desposar a princesa daqui a um ano, ela pertencerá a um de nós dois. O rei estava muito zangado com o filho mais moço, julgando que o quisera envenenar. Con-vocou seus ministros e conse-lheiros e lhes submeteu o caso. Foram todos de opinião que o príncipe merecia a morte e o rei decidiu que fosse morto se-cretamente por um tiro. Partindo

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o moço para a caça sem suspei-tar de nada um dos criados do rei foi encarregado de o acom-panhar e matar na floresta. Chegando ao lugar destinado o criado, que era o primeiro caça-dor do rei, estava com um ar tão triste que o príncipe lhe indagou a razão:-Que tens, caro caçador?-Proibiram-me de falar, mas devo dizer tudo.-Dize então o que há, nada te-mas.-Estou aqui por ordem do rei e devo matar-vos.O príncipe se sobressaltou mas disse: -Meu amigo, deixa-me vi-ver. Dar-te-ei meus belos trajes em recompensa e tu me darás os teus, que são mais pobres.-Da melhor boa vontade, disse o caçador.-É preciso que o rei julgue que

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executaste suas ordens senão sua cólera recairá sobre ti. Vestirei estas roupas feias e tu levarás as minhas como prova de que me mataste. Em seguida abandonarei para sempre este reino.Assim fizeram. Pouco tempo depois o rei viu chegar uma embaixada faustosa do rei vizinho incumbi-da de entregar ao bom prínci-pe os mais ricos presentes em agradecimento por ter ele salvo o reino da fome e da invasão do inimigo. Diante disso o rei se pôs a reflectir:”Meu filho seria inocente?”,e co-municou aos que o serviam:-Como me arrependo de o ter mandado matar! Ah, se ainda estivesse vivo ...” Encorajado por estas pala-vras o caçador revelou a verda-de. Disse ao rei que o bom prín-

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cipe estava vivo mas em lugar ignorado. Imediatamente o rei mandou um arauto proclamar por todo o país que considerava o filho inocente e que desejava imensamente sua volta. Mas a notícia não chegou ao príncipe; encontrara seu amigo anão, que lhe dera ouro suficiente para po-der viver como um filho de rei. Nesse ínterim a princesa do castelo encantado que ele livrara do sortilégio mandara construir uma avenida toda calçada com chapas de ouro maciço e pedras preciosas que conduzia direc-tamente ao castelo, explicando aos seus vassalos:-O filho do rei que será meu esposo não tardará a chegar; virá a galope bem pelo meio da avenida. Mas se outros preten-dentes vierem, cavalgando à beira da estrada, expulsem-nos a chicotadas.

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-Com efeito, dia por dia, um ano depois do jovem príncipe ter pe-netrado no castelo, o irmão mais velho achou que podia se apre-sentar como sendo o salvador e receber a princesa por esposa. Vendo aquela avenida calçada no meio de ouro e pe-drarias não quis que o cavalo estragasse com as patas tanta riqueza que já considerava sua e fez o animal passar pelo lado direito. Quando chegou diante do portão e disse ser o noivo da princesa todos riram e depois o correram de lá a chicote. Pouco tempo depois veio o segundo príncipe, e vendo todo aquele ouro e jóias pensou que seria um pecado arruiná-los; fez o cavalo galopar pelo lado esquerdo e se apresentou como sendo o noivo da princesa. Teve a mesma sorte do irmão mais velho, foi corrido a chicote.

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Findava o ano estabelecido e o terceiro príncipe resolveu deixar a floresta para ir ter com sua amada e a seu lado esquecer as mágoas. Pôs-se a caminho pensando só na felicidade de tornar a ver a linda princesa; ia tão embebido que nem sequer viu que a estra-da estava toda coberta de pe-dras preciosas. Deixou o cavalo galopar pelo meio da avenida, e quando chegou diante do portão do castelo este lhe foi aberto de par em par. Soaram alegres fanfarras e uma multidão de fi-dalgos saiu para recebêlo. Dentrou em pouco apare-ceu a princesa, deslumbrante de beleza, que o acolheu cheia de felicidade e declarou a todos que ele era seu salvador e se-nhor daquele reino. As núpcias foram realizadas imediatamente em meio a esplêndidas festas.

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Terminadas as festas, que duraram muitos dias, ela lhe contou que seu pai o havia pro-clamado inocente e desejava vê-lo de novo. Acompanhado da rainha sua esposa ele foi ter com o pai e contou-lhe tudo que se passara: como fora traído pelos irmãos e como estes o obriga-ram a se calar. O rei, extremamente irri-tado contra eles, mandou que seus arqueiros os trouxessem à sua presença a fim de rece-berem o castigo merecido, mas vendo suas maldades desco-bertas eles tinham tomado um barco tentando fugir para terras longínquas para aí esconderem sua vergonha. Não o consegui-ram. Sobreveio uma tremenda tempestade que tragou o navio e eles pereceram miseravelmen-te.

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2A amoreira

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Há muito tempo havia um homem rico casado com

uma mulher muito bonita e re-ligiosa; eles se amavam muito mas não tinham filhos, e por mais que desejassem tê-los, não apareciam. À frente da casa havia uma amoreira. Em certo inverno a mulher estava debaixo da amo-reira descascando uma maçã ecortou o dedo; o sangue escor-reu e caiu na neve.-Ah, disse a mulher com profun-do suspiro, olhando tristonha para aquele sangue.-Se eu tivesse um menino ver-melho como o sangue e branco como a neve! Mal acabara de falar sen-tiu-se serena como se tivesse um pressentimento. Voltou para casa. Passou uma lua e a neve

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desapareceu; após duas luas a terra reverdeceu; após três luas desabrocharam as flores; após quatro luas todas as árvores dobosque se revestiram de galhos viçosos; os pássaros cantavam ressoando por todo o bosque e as flores caíam das árvores; passara a quinta lua o perfume da amoreira era tão suave que a mulher sentiu o coração palpitar de felicidade e caiu de joelhos, fora de si de alegria; depois da sexta lua as frutas iam se tor-nando mais grossas e ela se acalmou; na sétima lua colheu algumas amoras e comeu-as avidamente, mas se tornou tris-te e adoeceu; passou a oitava lua e ela chamou o marido e lhe disse chorando:-Se eu morrer, enterra-me de-baixo da amoreira. Depois voltou a ficar tran-qüila e alegre até que uma outra

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lua, a nona, passou; então nas-ceu-lhe um menino, alvo como a neve e vermelho como o sangue e, quando o viu, sua alegria foi tanta que morreu. O marido a enterrou sob a amoreira e chorou muito durante um ano; no ano seguinte chorou menos e, finalmente, parou de chorar e se casou novamente.Da segunda mulher teve uma filha. Quando a mulher olhava a filha sentia que a amava com imensa ternura; mas quando olhava o menino sentia algo a lhe aguilhoar o coração e achava que era um estorvo para todos. Pensava continuamente o que deveria fazer para que a herança passasse toda à filha. O demônio lhe inspirava os piores sentimentos; passou a odiar o rapazinho, a enxotá-lo de um canto para o outro, a esmur-

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rá-lo e empurrá-lo, de maneira que o pobre menino vivia com-pletamente aterrorizado e não encontrava um minuto de paz. Certo dia a mulher se di-rigiu à despensa e a filhinha a seguiu.-Mamãe,pediu,-dá-me uma maçã?.-Sim minha filhinha, disse a mulher tirando uma bela maçã de dentro do caixão, o qual ti-nha uma tampa muito grossa e pesada além de uma grossa e cortante fechadura de ferro.-Mamãe, disse a menina,-Não dás uma também a meu irmão? A mulher se irritou, mas respondeu:-Dou sim, quando ele voltar da escola. Quando da janela o viu chegando foi como se estivesse

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possessa; tirou a maçã da mão da filha dizendo:-Não deves ganhá-la antes de teu irmão. Jogou a maçã dentro do caixão e o fechou. Quando o menino entrou ela lhe disse, com fingida doçu-ra:-Meu filho, queres uma maçã?,e lançou-lhe um olhar arrevezado. -Oh, mamãe, disse o menino, que cara assustadora tens! Sim, dá-me a maçã.-Vem comigo, disse ela animan-do-o, e levantou a tampa dizen-do:-Tira tu mesmo a maçã. Quando o menino se de-bruçou para pegar a maçã, o demônio tentou-a e paff! ela deixou cair a tampa cortando-lhe a cabeça, que rolou sobre as maçãs.

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Então se sentiu tomada depavor e pensou:-Ah, como poderei me livrar dele? Subiu então ao seu quarto, tirou da primeira gaveta da cô-moda um lenço branco, ajeitou a cabeça no devido lugar atando-lhe em seguida o lenço, depois o sentou numa cadeira perto da porta, com a maçã na mão. Pouco depois Marleninha foi à cozinha, onde a mãe estava mexendo num caldeirão cheio de água quente.-Mamãe, meu irmão está senta-do perto da porta ... todo bran-co, e tem uma maçã na mão; pedi-lhe que ma desse, mas elenão respondeu e eu me assus-tei.-Volta lá, disse a mãe,e se não quiser te responder dá-lhe uma bofetada.

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Marleninha voltou e disse: -Meu irmão, dáme um pedaço de maçã! Como ele continuou calado deu-lhe uma bofetada e a cabeça lhe caiu. Ela começou a chorar e correu para a mãe, dizendo:-Ah, mamãe, arranquei a cabeça de meu irmão!E chorava sem parar.-Marleninha, que fizeste?,disse a mãe.-Acalma-te, não chores, para que ninguém o perceba; não há mais remédio! Vamos cozinhá-lo em molho escabeche. A mãe pegou o menino, cortou-o em pedaços, pôs numa panela e cozinhou com vinagre. Marleninha, porém, chorava sem parar e suas lágrimas caíam todas dentro da panela. Assim não precisaram salgá-lo. O pai chegou em casa,

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sentou-se à mesa e perguntou:-Onde está meu filho? Então a mãe trouxe-lhe uma travessa cheia de carne em escabeche. Marleninha chorava sem se conter. O pai repetiu:-Onde está meu filho?-Ele foi para o campo, para a casa de um parente onde deseja passar algum tempo, respondeu a mãe.-E que vai fazer lá? Saiu sem ao menos se despedir de mim!-Ora, tinha vontade de ir e me pediu para ficar lá algumas se-manas. Será bem tratado, ve-rás!-Ah, isso me aborrece!, retor-quiu o homem, não está direito, devia ao menos se despedir de mim. Assim dizendo começou a comer.

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-Marleninha, por que choras?, perguntou ele. Teu irmão voltará logo. Oh mulher, como está gos-tosa esta comida! Dá-me mais um pouco. Quanto mais comia, mais queria comer, e dizia:-Dá-me mais, não sobrará nada para vocês; parece que é só para mim. E comia, comia, jogando os ossinhos debaixo da mesa. Marleninha foi buscar seu lenço de seda mais bonito, na última gaveta da cômoda, recolheu to-dos os ossos e ossinhos que es-tavam debaixo da mesa, amar-rou-os bem no lenço e levou-os para fora, chorando lágrimas de sangue. Enterrou-os entre a relva verde, sob a amoreira, e tendo feito isso se sentiu logo aliviada e não chorou mais.

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A amoreira começou então a se mover, os ramos se aparta-vam e se reuniam de novo, como quando alguém bate palmas de alegria. Da árvore se desprendeu uma nuvem e dentro da nuvem parecia ter um fogo ardendo; do fogo saiu voando um lindo passarinho, que cantava mara-vilhosamente e alçou vôo rumo ao espaço; quando desapareceu a amoreira voltou ao estado de antes e o lenço com os ossos havia desaparecido. Marleninha se sentiu ali-viada e feliz, como se o irmão ainda estivesse vivo. Voltou para casa muito contente, sentou-se à mesa e comeu. O pássaro voou para longe, foi pousar sobre a casa de um ourives e se pôs a cantar:“Minha mãe me matou,meu pai me comeu,

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minha irmã Marleninhameus ossos juntou,num lenço de seda os amarrou,debaixo da amoreira os ocul-tou, piu, piu, que lindo pássaro sou!” O ourives estava na oficina confeccionando uma corrente de ouro; ouviu o pássaro can-tando sobre o telhado e achou o canto maravilhoso. Levantou-se para ver, e ao sair perdeu um chinelo e uma meia, mas foi ao meio meio da rua, mesmo com um chinelo e uma meia só. Estava com o avental de couro, numa das mãos, tinha a corrente de ouro e na outra a pinça; o sol estava resplande-cente e iluminava toda a rua. Ele se deteve, e olhando para o pássaro disse:-Pássaro, como cantas bem! Canta-me outra vez a tua can-

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ção.-Não, disse o pássaro, não canto de graça duas vezes; dá-me a corrente de ouro que eu a can-tarei outra vez.-Aqui está a corrente, agora can-ta outra vez!, disse o ourives. O pássaro então voou e foi buscar a corrente de ouro, apa-nhou-a com a patinha direita, sentou-se diante do ourives e cantou:“Minha mãe me matou,meu pai me comeu,minha irmã Marleninhameus ossos juntou,num lenço de seda os amarrou,debaixo da amoreira os ocul-tou, piu, piu, que lindo pássaro sou!” Depois o pássaro voou para a casa de um sapateiro; pousou sobre o telhado e cantou:“Minha mãe me matou,

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meu pai me comeu,minha irmã Marleninhameus ossos juntou,num lenço de seda os amarrou,debaixo da amoreira os ocul-tou, piu, piu, que lindo pássaro sou!” O sapateiro o ouviu e correu à porta em mangas de camisa; olhou para o telhado resguar-dando os olhos com a mão para que o sol não o cegasse.-Pássaro, como cantas bem! E da porta chamou:-Mulher, vem cá, está aqui um pássaro que canta divinamen-te!, vem ver. Depois chamou a filha, os filhos, os ajudantes, o criado e a criada, e todos foram para a rua ver o passarinho, que era realmente lindo com as penas vermelhas e verdes, em volta do pescoço parecia de ouro puro

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e os olhinhos eram cintilantes como estrelas.-Pássaro, canta outra vez a tua canção!, pediu o sapateiro.-Não, respondeu o pássaro, não canto de graça duas vezes, tens que me dar alguma coisa.-Mulher, atrás da banca, na par-te mais alta, tem um lindo par de sapatos vermelhos, traz aqui, disse o sapateiro. A mulher foi buscar os sa-patos.-Aqui tens, pássaro; agora canta novamente a tua canção. O pássaro foi buscar os sapatos com a pata esquerda, depois voou para o telhado e cantou:“Minha mãe me matou,meu pai me comeu,minha irmã Marleninhameus ossos juntou,num lenço de seda os amarrou,

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debaixo da amoreira os ocul-tou, piu, piu, que lindo pássaro sou!” Terminado o canto foi-se embora, levando a corrente na pata direita e os sapatos na es-querda, e voou para longe, lon-ge, sobre um moinho. O moinho girava fazendo clipe clape, clipe clape, clipe clape. E na porta do moinho es-tavam sentados os ajudantes do moleiro, que batiam com o mar-telo na mó: tique taque, tique taque, tique taque; e o moinho girava: clipe clape, clipe clape,clipe clape. Então o pássaro pousou numa tília em frente ao moinho e cantou:“Minha mãe me matou”, e um ajudante parou de trabalhar, “meu pai me comeu, outros dois ajudantes pararam de trabalhar para ouvir, “minha irmã Marleni-nha”, outros quatro pararam de

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trabalhar, “meus ossos juntou,num lenço de seda os amarrou”, oito ainda continuavam batendo, “debaixo da amoreira”, mais ou-tros cinco pararam, “os ocultou”, ainda mais um, mais outro, “piu, piu, que lindo pássaro sou!” Então o último ajudante também largou o trabalho e pôde ouvir o fim do canto.-Pássaro, como cantas bem!, deixa-me ouvir-te também, canta outra vez.-Não, disse o pássaro, não can-to de graça duas vezes; dá-me essa mó e cantarei de novo.-Sim, se fosse só minha eu te daria.-Sim, disseram os outros, se cantar novamente a terá. Então o pássaro desceu e os moleiros todos, pegando uma alavanca, suspenderam a mó, dizendo: oop, oop, oop, oop!

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O pássaro enfiou a cabeça no buraco da mó como se fosse uma coleira; depois voltou para a árvore e cantou:“Minha mãe me matou,meu pai me comeu,minha irmã Marleninhameus ossos juntou,num lenço de seda os amarrou,debaixo da amoreira os ocul-tou, piu, piu, que lindo pássaro sou!” Acabando de cantar abriu as asas, levando na pata direita a corrente de ouro, na esquerda o par de sapatos e no pescoço a mó, e foi-se embora voando para a casa do pai. Na sala estavam o pai, a mãe e Marleninha sentados à mesa; o pai disse:-Ah, que alegria; estou me sen-tindo tão feliz!-Oh não, disse a mãe, eu estou

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com medo, assim como quando se anuncia forte tempestade. Marleninha, sentada em seu lugar, chorava, chorava. En-tão chegou o pássaro, e quandopousou em cima do telhado o pai disse:-Ah, que alegria! Como o sol bri-lha lá fora! É como se tornasse a ver um velho amigo!-Ah não, disse a mulher, eu sin-to tanto medo, estou batendo os dentes e parece-me ter fogo nas veias. Assim dizendo tirou o cor-pete. Marleninha continuava sentada em seu lugar e chora-va, segurando o avental diante dos olhos e banhando-o de lá-grimas. Então o pássaro pousou sobre a amoreira e cantou:“Minha mãe me matou”, e a mãe tapou os ouvidos e fechou os

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olhos para não ver e não ouvir, mas zumbiam-lhe os ouvidos como se fosse o fragor da tem-pestade e os olhos lhe ardiam como se fossem tocados pelo raio.“meu pai me comeu”,-Ah mãe, disse o homem, há aí um pássaro que canta tão bem! E o sol está tão brilhante! E o ar recende a cinamomo.”minha irmã Marleninha”, Então Marleninha inclinou a cabeça nos joelhos e prorrom-peu num choro violento, mas o homem disse:-Vou lá fora, quero ver esse pás-saro de perto.-Não vás, não!, disse a mulher, parece-me que a casa toda está estremecendo e ardendo. O ho-mem porém saiu.“meus ossos juntou,num lenço de seda os amarrou,

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debaixo da amoreira os ocul-tou, piu, piu, que lindo pássaro sou!” Com isso o pássaro deixou cair a corrente de ouro exata-mente em volta do pescoço de seu pai, servindo-lhe esta tão bem como se fora feita especial-mente para ele. O homem entrou em casa e disse:-Se visses que lindo pássaro!, deu-me esta bela corrente de ouro, e é tão bonita! Mas a mulher, transida de medo, caiu estendida no chão, deixando cair a touca da cabeça. E o pássaro cantou novamente:“Minha mãe me matou”,-Ah, se eu pudesse estar mil lé-guas debaixo da terra para não ouvi-lo!“meu pai me comeu”, A mulher se debateu, e pa-

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recia morta.“minha irmã Marleninha”,-Oh, disse Marleninha, eu tam-bém quero ir lá fora; quem sabe se o pássaro dá algum presente também a mim!. E saiu.“meus ossos juntou,num lenço de seda os amarrou”, e atirou-lhe os sapatos.“debaixo da amoreira os ocul-tou, piu, piu, que lindo pássaro sou!” Marleninha então se sentiu alegre e feliz. Calçou os sapatos vermelhos; pulando e dançando, entrou em casa dizendo:-Estava tão triste quando saí e agora estou tão alegre! Que pássaro maravilhoso! Deu-me um par de sapatos vermelhos.-Oh não, disse a mulher; ergueu-se de um salto e os cabelos se lhe eriçaram como labaredas de fogo.

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-Parece-me que vai cair o mun-do, vou sair também, quem sabe não me sentirei melhor? Quando transpôs a solei-ra da porta pac! o pássaro lhe atirou na cabeça a pesada mó, que a esmigalhou. O pai e Mar-leninha, ouvindo isso, correram e viram se desprender do solo fogo e fumaça, e quando tudo desapareceu eis que surge o ir-mãozinho, estendendo as mãos para o pai e Marleninha; e muito felizes entraram os três em casa, sentaram-se à mesa e começa-ram a comer.

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3A Bela Adormecida

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Há muitos anos atrás, havia um rei e uma rainha que

desejavam muito ter um filho. Um dia, quando a rainha estava tomando banho, um sapo pulou pela janela e disse-lhe:- Seu desejo será satisfeito. An-tes de um ano você terá uma filhinha. As palavras do sapo torna-ram-se realidade. A rainha teve uma linda menina. O rei exultou de alegria. Preparou uma grande festa para a qual convidou todos os parentes, amigos e vizinhos. Convidou também as fa-das, para que elas fossem boas e amáveis para com a menina. Havia treze fadas no rei-no, mas o rei tinha apenas doze pratos de ouro para serví-las, de modo que uma das fadas teria que ser posta de lado. A festa realizou-se com

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todo o esplendor e, quando che-gou ao fim, cada uma das fadas ofereceu um presente mágico à criança. Uma deu-lhe virtude; ou-tra, beleza; a terceira, riqueza, e assim por diante, foram-lhe dando tudo o que ela poderia vir a desejar no mundo. Quando onze das fadas já haviam feito suas ofertas, de repente, apareceu a décima ter-ceira fada. Ela desejava mostrar o despeito de que estava possu-ída por não ter sido convidada. Sem cumprimentar nem olhar para ninguém, entrou no salão e gritou para que todos ouvissem:- Quando a princesa completar quinze anos, picar-se-á com um fuso de tear envenenado e cairá morta. Sem dizer mais nada, reti-rou-se. Todos os presentes fica-

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ram horrorizados. A décima segunda fada, porém, que ainda não tinha for-mulado o seu desejo, deu um passo à frente. Ela não tinha capacidade para cortar o efeito da praga, mas podia abrandá-la, de modo que disse:- Sua filha não morrerá, mas dormirá um sono profundo, que durará cem anos. O rei ficou tão preocupado em livrar a filha daquele infor-túnio, que deu ordens para que todos os fusos de tear que se encontrassem no reino fossem destrudos. À medida que o tempo ia passando, as promessas das fa-das iam se realizando. A prince-sa cresceu tão bonita, modesta, amável e inteligente, que todos que a viam se encantavam por ela. Aconteceu que, justamen-

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te no dia em que ela completava quinze anos, o rei e a rainha tive-ram necessidade de sair. A me-nina, encontrando-se sozinha, começou a vagar pelo castelo, revistando todos os comparti-mentos. Finalmente chegou a uma velha torre onde havia uma es-cada estreita, em caracol. Por ela foi subindo, até que chegou a uma pequena porta, em cuja fechadura havia uma chave en-ferrujada. Dando-lhe a volta, a porta abriu-se. Num pequeno quarto, esta-va sentada uma velhinha, muito ocupada com um tear, fiando. Vivia tão isolada na torre, que não tomara conhecimento da ordem do rei, com relação aos fusos e teares.´- Bom dia, vovozinha, disse a princesa. Que está fazendo?- Estou fiando, respondeu a ve-

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lhinha e inclinou a cabeça sobre o trabalho.- Que coisa é esta que gira tão depressa? perguntou a princesa, tomando o fuso na mão. Mal o tocou, porém, levou uma picada no dedo e, imedia-tamente caiu numa cama que havia ao lado, entrando num sono profundo. A velhinha desapareceu. Quem sabe se ela não era a fada má? O rei e a rainha, que aca-bavam de chegar, deram alguns passos no vestíbulo e adorme-ceram também. O mesmo suce-deu com os cortesãos. Os cavalos dormiram nas cocheiras; os cães, no pátio; os pombos, no telhado; as moscas, nas paredes. Até o fogo, na lareira, pa-rou de crepitar. A carne, que estava assando, no fogão parou de estalar. A ajudante de cozi-

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nha, que estava sentada, tendo à frente uma galinha para depe-nar, caiu no sono. O cozinheiro, que estava puxando o cabelo do copeiro, por qualquer tolice que ele havia feito, largou-o e ambos adormeceram. O vento parou e, nas árvo-res em frente ao castelo, nem uma folha se mexia. À volta do muro, começou a crescer uma sebe de roseira brava. Cada ano ia ficando mais alta, até que já não se podia mais ver o castelo. Décadas se passaram e surgiu na região uma lenda, so-bre a “Bela Adormecida”, como era chamada a princesa. De tempos em tempos, apareciam príncipes que tenta-vam fazer caminho através da sebe, para entrar no castelo. Não conseguiam, entretan-to, porque os espinhos os impe-diam e eles ficavam presos no

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meio deles. Após muitos anos, um príncipe muito audacioso veio à cidade e ouviu um velho falar so-bre a lenda do castelo que ficava atrás da sebe, no qual uma linda moça, chamada a “Bela Adorme-cida”, dormia havia cem anos e, com ela, todos os habitantes do castelo. Contou-lhe também que muitos príncipes tinham tentado atravessar a sebe e nela haviam ficado presos, morrendo.O príncipe então declarou:- Não tenho medo. Irei e verei a “Bela Adormecida”. O bondoso velho fez o que pode para impedir que ele fosse, mas o rapaz não quis ouvi-lo. Agora, os cem anos já se haviam completado. Quando o príncipe chegou à sebe, como por encanto, os arbustos que estavam cheios de brotos, afas-taram-se e deram-lhe caminho.

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Após sua passagem, fecha-ram-se novamente. No pátio, ele viu os cães dormindo. No telha-do, estavam os pombos, com as cabecinhas escondidas debaixo das asas. Quando entrou no castelo, viu moscas dormindo nas paredes. Perto do trono, estavam o rei e a rainha, também adorme-cidos. Na cozinha, o cozinheiro ainda tinha a mão levantada, como se fosse sacudir o copei-ro. A ajudante de cozinha tinha à sua frente uma galinha preta para depenar. O rapaz continuou a per-correr o castelo. Estava tudo quieto. Finalmente chegou à tor-re, abriu a porta do quarto onde a princesa dormia e entrou. Lá estava ela, tão bonita que ele não se conteve: abaixou-se e beijou-a. Assim que a tocou, a “Bela

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Adormecida” abriu os olhos e sorriu para ele. Levantou-se, deu-lhe a mão e desceram jun-tos. O rei, a rainha e os corte-sãos acordaram também e en-treolharam-se, espantados. Os cavalos, nas cocheiras, abriram os olhos e sacudiram as crinas. Os cães olharam à volta e aba-naram as caudas. As pombas do telhado tiraram as cabeças de sob as asas, olharam ao redor e voaram em seguida para o campo. As moscas, na parede, começaram a mover-se, len-tamente. O fogo, na cozinha, acendeu-se novamente e assou a carne. O cozinheiro puxou as orelhas do copeiro, enquanto a ajudante começou a depenar a galinha. O príncipe, apaixonado, casou-se com a princesa, num claro dia de sol, numa grande

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festa no castelo, e viveram feli-zes por muitos e muitos anos.

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4A bela Adormecida(Segunda Versão)

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Há muito tempo, viviam um rei e uma rainha que todos

os dias diziam:-Ah, se nós tivéssemos uma criança!, e nunca conseguiam uma.Aí aconteceu que, uma vez em que a rainha estava se banhan-do, um sapo rastejou para forada água e lhe disse:-Seu desejo será realizado; an-tes que se passe um ano, vocêdará à luz uma menina. Aquilo que o sapo dissera aconteceu, e a rainha teve uma menina que era tão formosa que o rei mal se continha de felici-dade, e preparou uma grande festa. Ele não apenas convidou seus parentes, amigos e conhe-cidos, como também as fadas, a fim de obter suas boas graças para a criança.

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Havia treze delas em seu reino, mas como ele só possuía doze pratos de ouro, nos quais elas poderiam comer, uma delas teria de ficar em casa. A festa foi celebrada com toda a pompa e, quando chegou ao fim, as fadaspresentearam a criança com dotes mágicos: uma com a vir-tude, outra com a formosura, a terceira com riqueza, e assim com tudo o que há de desejável no mundo. Quando onze já tinham fa-lado, entrou de repente a déci-ma terceira. Ela queria se vingar por não ter sido convidada e, sem cumprimentar ou mesmo olhar para quem quer que seja, exclamou aos brados:-A princesa deverá espetar-se em um fuso quando tiver quinze anos, e cair morta. E sem dizer mais nada, vi-rou as costas e deixou o salão.

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Todos estavam assustados, e então adiantou-se a décima se-gunda, que ainda não tinha feito seu desejo, e como não podia anular a maldição, mas apenas abrandá-la, ela disse:-A princesa não morrerá, apenas cairá em um sono profundo que durará cem anos. O rei, que queria salvar sua querida criança do infortúnio, ordenou que todos os fusos do reino inteiro fossem queimado. Na menina, entretanto, re-alizaram-se plenamente todos os dons das fadas, pois ela era tão bela, educada, gentil e sen-sata que todos que a viam não podiam deixar de gostar dela. Sucedeu que, justamente no dia em que ela completava quinze anos, o rei e a rainha não esta-vam em casa, e a menina estava sozinha no castelo. Ela andou então por todos

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os cantos, examinou à vontade aposentos e câmaras, e final-mente chegou até uma velha torre. Subiu a estreita escada em espiral e deparou-se com uma pequena porta. Na fechadura havia uma chave enferrujada e, quando ela a girou, a porta se abriu de um só golpe e lá, em um quartinho, estava sentada uma velha com um fuso, fiando diligentemente seu linho.-Bom dia, velha mãezinha!, dis-se a princesa, o que você está fazendo aí?-Eu estou fiando, disse a velha, e balançou a cabeça.-O que é isto, que pula tão ale-gremente?, perguntou a me-nina, e pegou o fuso querendo também fiar. Mal ela tinha tocado o fuso, a maldição se realizou, e ela es-petou-se no dedo.

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Mas, no mesmo instante em que foi picada, ela caiu na cama que ali estava, e foi tomada de um profundo sono. E este sono estendeu-se por todo o caste-lo: o rei e a rainha, que tinham acabado de chegar e entrado no salão, começaram a dormir, e com eles toda a Corte. Dormiram então também os cavalos no estábulo, os ca-chorros no pátio, as pombas no telhado, as moscas na parede, e até o fogo, que chamejava no fogão, ficou imóvel e adormeceu, e o assado parou de crepitar, e o cozinheiro, que queria puxar seu ajudante pelos cabelos porque ele havia feito uma coisa erra-da, soltou o menino e dormiu. E o vento assentou-se, e nas árvores defronte ao castelo nem uma folhinha se movia. Ao redor do castelo come-çou porém a crescer uma cerca

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de espinhos, que a cada ano ficava mais alta e que, por fim, estendeu-se em volta de todo ocastelo e cobriu-o de tal forma que nada mais se podia ver dele, nem mesmo a bandeira sobre o telhado. Começou então a correr no país a lenda da bela adormecida, pois assim era chamada a prin-cesa, de modo que de tempos em tempos chegavam príncipes que tentavam penetrar no cas-telo através da cerca viva. Mas nenhum deles conseguiu, pois os espinhos estavam tão entre-laçados como se tivessem mãos, e os jovens ficavam presos ne-les e não conseguiam se soltar, sofrendo uma morte lastimável. Depois de muitos anos, chegou mais uma vez um prín-cipe ao reino e ouviu quando um velho contava da cerca de espinhos, e que havia um caste-

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lo atrás dela, no qual uma linda princesa, chamada Bela Ador-mecida, já dormia há cem anos, e com ela dormia o rei e a rainha e toda a corte. Ele também sabia pelo seu avô que muitos prínci-pes já haviam vindo e tentado penetrar pela cerca viva de es-pinhos, mas haviam ficado pre-sos nela e morrido tristemente. O jovem então disse:-Eu não tenho medo, eu quero ir lá e ver a Bela Adormecida. O bom velho tentou dissu-adi-lo de todos os modos, mas ele não deu ouvidos às suas pa-lavras. Mas agora os cem anos tinham justamente acabado de transcorrer, e havia chegado o dia em que Bela Adormecida deveria acordar. Quando o prín-cipe se aproximou da cerca de espinhos, estes não eram agora mais do que flores grandes e bo-

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nitas que por si sós se abriram e o deixaram passar ileso, e se fecharam atrás dele, formando novamente uma cerca. No pátio do castelo ele viu os cavalos e os cães de caça malhados deitados e dormindo, no telhado estavam pousadas as pombas, e tinham a cabecinha metida debaixo da asa. E quan-do ele entrou na casa, as moscas dormiam na parede, o cozinhei-ro na cozinha ainda levantava a mão como se quisesse agarrar o menino, e a criada estava sen-tada diante da galinha preta que deveria ser depenada. Ele então continuou an-dando, e avistou no salão toda a corte deitada e dormindo, e lá em cima, perto do trono, esta-vam deitados o rei e a rainha. Aí ele continuou andando ainda mais, e tudo estava tão quieto que se podia ouvir sua respira-

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ção, e chegou finalmente à torre e abriu a porta do quartinho, no qual Bela Adormecida dormia. Lá estava ela deitada, e era tão bela que ele não conse-guia desviar os olhos, e ele se inclinou e beijou-a. Quando ele a tinha tocado com os lábios, Bela Adormecida abriu os olhos, acordou e olhou para ele ama-velmente. Então os dois desceram, e o rei acordou, e a rainha e toda a corte, e se olharam espantados. E os cavalos no pátio se levanta-ram e se sacudiram; os cães de caça pularam e abanaram suas caudas; as pombas no telhado tiraram a cabecinha de sob a asa, olharam ao redor e voaram para o campo; as moscas nas pa-redes recomeçaram a rastejar; o fogo na cozinha levantou-se, chamejou e cozinhou a comida; o assado voltou a crepitar; e o

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cozinheiro deu um tamanho ta-befe no menino que este gritou; e a criada terminou de depenar a galinha. E aí foram festejadas com todas as pompas as bodas do príncipe com a Bela Adormeci-da, e eles viveram felizes até o fim.

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Na orla de uma extensa flo-resta morava um lenhador e

sua esposa. Eles tinham apenas uma filha, que era uma menina de três anos. Mas eles eram tão pobres que não tinham mais o pão de cada dia e já não sabiam o que haveriam de dar-lhe para comer. Certa manhã o lenhador foi com grande preocupação até a floresta para cuidar de seu tra-balho e, quando estava cortan-do lenha, lá apareceu de repen-te uma mulher alta e bela que trazia na cabeça uma coroa de estrelas cintilantes e lhe disse:-Sou a Virgem Maria, mãe do Menino Jesus, e tu és pobre e necessitado. Traga-me tua filha, vou levá-la comigo, ser sua mãe e cuidar dela. O lenhador obedeceu, foi buscar a filha e entregou-a à Virgem Maria, que a levou con-

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sigo para o Céu. Lá a menina passava muito bem, comia pão doce e bebia leite açucarado, e seus vestidos eram de ouro, e os anjinhos brincavam com ela. Quando completou quator-ze anos, a Virgem Maria a cha-mou e disse:-Querida menina, partirei em uma longa viagem; tome sob tua guarda as chaves das tre-ze portas do reino celestial; tu poderás abrir doze delas e con-templar os esplendores que há lá dentro, mas a décima terceira, cuja chave é esta pequena aqui, está proibida para ti! Cuidado para não abri-la, pois seria a tua infelicidade. A menina prometeu ser obediente e, quando a Virgem Maria havia partido, começou a olhar os cômodos do reino celestial: a cada dia abria um deles, até que todos os doze ti-

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nham sido vistos. Em cada um dos cômodos estava sentado um apóstolo cercado de grande es-plendor, e toda aquela suntuosi-dade e magnificência dava gran-de alegria a ela, e os anjinhos, que sempre a acompanhavam, alegravam-se também. Até que, então, faltava apenas a porta proibida, e ela sentiu um grande desejo de saber o que estava escondido atrás dela. Por isso disse aos anjinhos:-Não abrirei a porta por inteiro e também não entrarei, mas vou entreabri-la para olharmos um pouquinho pela fresta.-Oh, não, disseram os anjinhos, seria um pecado, a Virgem Maria proibiu fazer isso, além do mais, isso poderia facilmente trazer-te a desgraça. Então ela se calou, mas o desejo não silenciou em seu co-

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ração, mas, ao contrário, conti-nuou roendo e corroendo-a com força, não lhe permitindo ficar em paz. Certa vez, quando os anji-nhos haviam todos saído, pen-sou:-Agora estou totalmente sozinha e poderia olhar lá dentro, afinal, ninguém ficará sabendo o que fiz. Procurou a chave e, tão logo a apanhou, enfiou-a na fe-chadura e, uma vez ela estando lá, sem pensar duas vezes, gi-rou-a. A porta abriu de um salto e ela viu a Trindade sentada em meio ao fogo e à luz. Ficou pa-rada um momento, observando tudo com assombro, depois to-cou de leve com o dedo aquela luz, e o dedo ficou totalmente dourado. No mesmo instante foi to-

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mada de intenso pavor, bateu a porta com força e correu dali. Mas o pavor não diminuía, ela podia fazer o que fosse mas o coração continuava batendo acelerado e não havia como acalmá-lo, assim também o ouro continuou no dedo e não saía de jeito algum, não importa o quanto lavasse e esfregasse. Não passou muito tempo e a Virgem Maria retornou de sua viagem. Ela chamou a menina e solicitou as chaves de volta. Quando ela apresentou omolho, a Virgem olhou em seus olhos e perguntou:-E não abriste mesmo a décima terceira porta?-Não, respondeu. Então ela pousou a mão sobre o coração da menina e sentiu como ele estava baten-do sobressaltado, de modo que

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percebeu que sua ordem tinha sido desobedecida e a porta fora aberta. Então perguntou mais uma vez:-Realmente não a abriste?-Não, respondeu a menina pela segunda vez. Aí a Virgem avistou o dedo que ficara dourado pelo toque do fogo celestial e teve certeza de que ela pecara, e perguntou pela terceira vez:-Não a abriste?-Não, respondeu a menina pela terceira vez. Então a Virgem Maria dis-se:-Tu não me obedeceste e além disso ainda mentiste, portanto não és mais digna de permane-cer no Céu. Nesse momento a menina caiu em profundo sono e quando

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despertou jazia lá embaixo so-bre a terra em meio a um lugar agreste. Quis gritar, mas não con-seguiu emitir qualquer som. Levantou-se de um salto e quis fugir, mas para onde quer que se dirigisse sempre era detida por sebes espinhosas que nãoconseguia atravessar. Nesse ermo em que estava encerrada havia uma velha árvo-re oca que agora teria de ser sua morada. Era lá para dentro que rastejava quando caía a noite, e era lá que dormia, e, quando vinham chuvas e tempestades, era lá que buscava abrigo. Levava uma vida lastimá-vel, e quando recordava como tudo havia sido tão bom no Céu, e como os anjinhos costumavam brincar com ela, chorava amar-gamente. Raízes e frutas silvestres

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eram seus únicos alimentos, e ela os procurava ao redor até onde podia ir. No outono juntava as no-zes e folhas que haviam caído no chão e levava-as para o oco da árvore; comia as nozes no inverno e, quando chegavam a neve e o gelo, arrastava-se como um animalzinho para de-baixo das folhas para não sentir frio. Não demorou muito e suas vestimentas começaram a se rasgar e um pedaço após outro foi caindo do corpo. Tão logo o Sol voltava a brilhar trazendo o calor, ela saía e sentava-se diante da árvore e seus longos cabelos encobriam-na de todos os lados como um manto. Assim foi passando ano após ano e ela ia experimen-tando a miséria e sofrimento do

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mundo. Uma vez, quando as árvo-res tinham acabado de cobrir-se outra vez de verde, o rei que lá reinava estava caçando na flo-resta e perseguia uma corça, e como esta havia se refugiado nos arbustos que rodeavam a clareira da floresta, ele desceu do cavalo e com sua espada foi arrancando o mato e abrindo caminho para poder passar. Quando finalmente che-gou do outro lado, avistou sob a árvore uma donzela de ma-ravilhosa beleza que lá estava sentada totalmente coberta até os dedos dos pés pelos seus ca-belos dourados. Ficou parado admirando-a com assombro até que finalmen-te dirigiu-lhe a palavra e disse:-Quem és tu? Por que estás aqui no ermo? Mas ela não respondeu,

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pois sua boca estava selada. O rei falou novamente:-Queres vir comigo até meu castelo? Ela apenas assentiu leve-mente com a cabeça. Então o rei a tomou nos braços, carregou-a até seu corcel e cavalgou com ela para casa, e, quando chegou ao castelo real, ordenou que a vestissem com belos trajes e tudo lhe foi dado em abundân-cia. Embora não pudesse falar, ela era afável e bela, e assim ele começou a amá-la do fundo de seu coração e, não demorou muito, casou-se com ela. Quando se havia passado cerca de um ano, a rainha deu à luz um filho. Nessa mesma noite, quan-do estava deitada sozinha em seu leito, apareceu-lhe a Virgem Maria, que disse:

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-Se quiseres dizer a verdade e confessar que abriste a porta proibida, destravarei tua boca e devolverei tua fala, mas se insistires no pecado e teimares em negar, levarei comigo teu filho recém-nascido. Nesse momento foi dado à rainha responder, porém ela manteve-se obstinada e disse:-Não, não abri a porta proibida, e a Virgem Maria tomou-lhe o filho recémnascido dos braços e desapareceu com ele. Na manhã seguinte, quan-do não foi possível encontrar a criança, começou a correr um murmúrio no meio do povo de que a rainha comia carne huma-na e teria matado seu próprio filho. Ela ouvia tudo isso e não podia dizer nada em contrário, mas o rei recusou-se a acreditar naquilo porque a amava muito.

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Depois de um ano nasceu mais um filho da rainha. Naquela noite voltou a parecer a Virgem Maria junto dela dizendo:-Se quiseres confessar que abriste a porta proibida, devol-verei teu filho e soltarei tua lín-gua; mas se insistires no pecado e negares, levarei também este recém-nascido comigo. Então a rainha disse nova-mente:-Não, não abri a porta proibida, e a Virgem tomou-lhe a criança dos braços e levou-a consigo para o Céu. De manhã, quando mais uma vez uma criança havia de-saparecido, o povo afirmou em voz bem alta que a rainha a ti-nha devorado, e os conselheiros do rei exigiram que ela fosse levada a julgamento. Mas o rei a amava tanto que não quis acreditar em nada, e ordenou

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aos conselheiros que, se não estivessem dispostos a sofrer castigos corporais ou mesmo a pena de morte, que deixassem de insistir no assunto. No ano seguinte a rainha deu à luz uma linda filhinha e, pela terceira vez, apareceu à noite a Virgem Maria e disse:-Acompanha-me. Tomou-a pela mão e con-duziu-a até o Céu, mostrando-lhe então os dois meninos mais velhos, que riam e brincavam com o globo terrestre. A rainha alegrou-se com aquilo e a Virgem Maria disse:-Teu coração ainda não se abran-dou? Se confessares que abriste a porta proibida, devolverei teus dois filhinhos. Mas a rainha respondeu pela terceira vez.-Não, não abri a porta proibida.

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Então a Virgem Maria a fez descer novamente à terra, tomando-lhe também a terceira criança. Na manhã seguinte, quan-do a notícia correu, todo o povo gritava:-A rainha come gente, ela tem que ser condenada, e o rei não conseguiu mais conter seus con-selheiros. Ela foi submetida a julga-mento e, como não podia res-ponder e se defender, foi conde-nada a morrer na fogueira. Quando haviam juntado a lenha e ela estava amarrada a um pilar e o fogo começava a arder a sua volta, então derre-teu-se o duro gelo do orgulho e seu coração encheu-se de arre-pendimento e ela pensou:-Ah, se antes de morrer eu ao menos pudesse confessar que abri a porta.

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Nesse momento voltou-lhe a voz e ela gritou com força:-Sim, Maria, eu a abri! No mesmo instante uma chuva começou a cair do céu apagando as chamas do fogo, e sobre sua cabeça irradiou uma luz, e a Virgem Maria desceu tendo os dois meninos, um de cada lado, e carregando a meni-na recém-nascida no colo. Ela falou-lhe com bondade: -Quem confessa e se arrepende de seu pecado, sempre é per-doado, e entregou-lhe as três crianças, soltou-lhe a língua e deu-lhe de presente a felicidade para a vida inteira.

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6 Branca de Neve e os Sete Anões

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Há muito, muito tempo mes-mo, no coração do inverno,

enquanto flocos de neve caíam do céu como fina plumagem, uma rainha, nobre e bela, esta-va ao pé de uma janela aberta, cuja moldura era de ébano. Bordava e, de quando em quando, olhava os flocos caindo maciamente; picou o dedo com a agulha e três gotas de sangue purpurino caíram na neve, pro-duzindo um efeito tão lindo, o branco manchado de vermelho e realçado pela negra moldura da janela, que a rainha suspirou, e disse consigo mesma:-Quem me dera ter uma filha tão alva como a neve, carmina-da como o sangue e cujo rosto fosse emoldurado de preto como o ébano! Algum tempo depois, teve uma filhinha cuja tez era tão alva como a neve, carminada

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como o sangue e os cabelos ne-gros como o ébano. Chamaram à menina de Branca de Neve; mas, ao nascer a criança, a rai-nha faleceu. Decorrido o ano de luto, o rei casou-se em segundas núp-cias, com uma princesa de gran-de beleza, mas extremamente orgulhosa e despótica; ela nãopodia suportar a idéia de que al-guém a sobrepujasse em bele-za. Possuía um espelho mágico, no qual se mirava e admirava frequentemente.E então, dizia:- Espelhinho, meu espelhinho, Responde-me com franqueza: Qual a mulher mais bela de toda a redondeza?O espelho respondia:- É Vossa Realeza a mulher mais bela desta redondeza. Ela, então, sentia-se feliz,

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porque sabia que o espelho só podia dizer a pura verdade. No entanto, Branca de Neve crescia e aumentava em beleza e graça; aos sete anos de idade era tão linda como a luz do dia e muito mais que a rainha. Um dia a rainha, sua ma-drasta, consultou como de cos-tume o espelho.- Espelhinho, meu espelhinho, responde-mo com franqueza: Qual a mulher mais bela de toda a redondeza?O espelho respondeu:- Real senhora, sois aqui a mais bela, porém Branca de Neve é de vós ainda mais bela! A rainha estremeceu e ficou verde de ciúmes. E daí, então, cada vez que via Branca de Neve, por todos adorada pela sua gentileza. Seu coração tinha verdadeiros sobressaltos de rai-va.

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Sua inveja e seus ciúmes desenvolviam-se qual erva dani-nha, não lhe dando mais sosse-go, nem de dia, nem de noite. Enfim, já não podendo mais, mandou chamar um caça-dor e disse-lhe:- Leva essa menina para a flo-resta, não quero mais tornar a vê-la; leva-a como puderes para a floresta, onde tens de matá-la; traze-me, porém, o coração e o fígado como prova de sua morte. O caçador obedeceu. Le-vou a menina para a floresta, sob pretexto de lhe mostrar os veados e corças que lá haviam. Mas, quando desembainhou o facão para enterrá-lo no cora-çãozinho puro e inocente, ela desatou a chorar, implorando:- Ah, querido caçador, deixa-me viver! Prometo ficar na floresta, e nunca mais voltar ao castelo;

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assim, quem te mandou matar-me, nunca saberá que me pou-paste a vida. Era tão linda e meiga que o caçador, que não era mau ho-mem, apiedou-se dela e disse:-Pois bem, fica na floresta, mas livra-te de sair, porque a morte seria certa. E, em seu íntimo, ia pen-sando:-Nada arrisco, pois os animais ferozes vão devorá-la em breve e a vontade da rainha será satis-feita, sem que, eu seja obrigado a suportar o peso de um feio crime. Justamente nesse momento passou correndo um veadinho; o caçador matou-o, tirou-lhe o coração e o fígado e levou-os à rainha como se fossem de Bran-ca de Neve. O cozinheiro foi incumbido

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de prepará-los e cozê-los; e, no seu rancor feroz, a rainha co-meu-os com alegria desumana, certa de estar comendo o que pertencera, a Branca de Neve... Durante esse tempo a pobre menina, que ficara abandonada na floresta, vagava trêmula de medo, sem saber, que fazer. Tudo a assustava, o ruído da brisa, uma folha que caía, enfim, tudo produzia nela um terrível pavor. Ouvindo o uivar dos lobos, pôs-se a correr cheia de terror; os pezinhos delicados, feriam-se nas pedras pontiagudas e estava toda arranhada pelos espinhos. Passou ao pé de muitos animais ferozes., mas estes não lhe fizeram mal algum. Enfim, à noitinha, cansada e ofegante, encontrou-se diante de uma lin-da casinha situada no meio de uma clareira.

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Entrou, mas não viu nin-guém. Contudo, a casa devia ser habitada, pois notou que tudo estava muito asseado e ar-rumadinho, dando gosto de se ver. Numa graciosa mesa co-berta com uma fina e alva to-alha, achavam-se postos. sete pratinhos, sete colherinha e sete garfinhos, sete faquinhas e sete copinhos, tudo perfeitamente em ordem. No quarto ao lado, viu sete caminhas uma junto da outra, com seus lençóis tão alvos. Branca de Neve, que morria de fome e sede, aventurou-se a comer um pouquinho do que es-tava servido em cada pratinho, mas, não querendo privar nem um só dono de seu alimento, tirou somente um bocadinho de cada, e bebeu apenas um goli-nho do vinho de cada um.

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Depois, não aguentando cansaço, foi deitar-se numa ca-minha, mas a primeira era curta demais, a segunda muito es-treita, experimentando-as todas até que a sétima tinha a medida justa. Então fez sua oração, en-comendou-se a Deus e em breve adormeceu profundamente. Ao anoitecer chegaram os donos da casa; eram os sete anões, que trabalhavam durante o dia na escavação de minério na montanha. Cada qual acen-deu uma lanterninha e, quando a casa se iluminou, viram que alguém entrara em sua casa, porque não estava tudo na or-dem perfeita conforme haviam deixado ao sair. Sentaram-se à mesa, e, então, disse o primeiro:- Quem mexeu na minha cadei-rinha?

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O segundo: - Quem, comeu do meu pratinho?O terceiro: - Quem tocou no meu pãozinho?O quarto: - Quem usou o meu garfinho?O quinto: - Quem tirou um pou-co da minha verdurinha?O sexto: - Quem cortou com a minha faquinha?E o sétimo: - Quem bebeu do meu copinho? Depois da refeição, foram para o quarto; notaram logo as caminhas amassadas; o primei-ro reclamou:- Quem deitou na minha cami-nha?- E na minha?- E na minha? - gritaram os ou-tros, cada qual examinando a própria cama. Enfim, o sétimo descobriu Branca de Neve dormindo a sono

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solto na sua caminha. Correram todos com suas lanterninhas e cheios de admi-ração exclamaram:- Ah, meu Deus! Ah, meu Deus! que encantadora e linda meni-na! Sentiam-se tão transpor-tados de alegria, que não qui-seram acordá-la e deixaram-na dormir tranquilamente. O sétimo anão dormiu uma hora com cada um de seus companheiros; e assim passou a noite. No dia seguinte, quando Branca de Neve acordou e le-vantou-se, ficou muito assusta-da ao ver os sete anões. Mas eles sorriram-lhe e perguntaram com a maior ama-bilidade:- Como te chamas? - Chamo-me Branca de Neve, respondeu

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ela. - Como vieste aqui à nossa casa? Ela contou-lhes como sua madrasta mandara matá-la e como o caçador lhe permitira que vivesse na floresta. Após ter corrido o dia todo chegara aí e, vendo a linda casi-nha, entrara para descansar um pouco.Os anões perguntaram-lhe:- Queres ficar conosco? Aqui não te faltará nada, só tens que cui-dar da casa, fazer nossa comida, lavar e passar nossa roupa, co-ser, tecer nossas meias e manter tudo muito limpo e em ordem; mas; quando tiveres acabado o teu trabalho, serás a nossa rai-nha.- Sim, anuiu a menina - ficarei convosco de todo o coração! E ficou morando com eles, procurando manter tudo sempre

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em ordem. Pela manhã, eles partiam para as cavernas em busca- de ouro e minérios e, à noite, quan-do voltavam, todos jantavam juntos muito alegres. Como a menina ficava só durante ó dia, os anões adverti-ram-na que se acautelasse:- Toma cuidado com a tua ma-drasta; não tardará a saber onde estás, por isso, durante nossa ausência, não deixes entrar nin-guém aqui. A rainha, entretanto, certa de ter comido o fígado e o co-ração de Branca de Neve, vivia despreocupada, ela pensava, satisfeita, que era, novamente, a primeira e mais bela mulher do reino. Certo dia, porém, teve a fantasia de consultar o espelho, e certa de que lhe responderia não ter mais nenhuma rival em

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beldade. Assim mesmo disse:- Espelhinho, meu espelhinho, Responde-mo com franqueza:-Qual a mulher mais bela de toda a redondeza?Imaginem o seu furor quando o espelho respondeu:- Real senhora, do país sois a mais formosa. Mas Branca de Neve, que por trás dos montes vive e em casa dos sete anões, é de vós mil vezes mais formosa! A rainha ficou furiosa, pois sabia que o espelho não podia mentir. Percebeu, assim, que o caçador a enganara e que Bran-ca de Neve continuava a viver. Novamente devorada pelo ciúme e pela inveja, só pensava na maneira de suprimi-la en-contrando algum alívio só quan-do julgou ter ao alcance o meio desejado. Pensou, pensou, pensou,

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depois tingiu o rosto e disfar-çou-se em velha vendedora de quinquilharias, de maneira per-feitamente irreconhecível. Assim disfarçada, transpôs as sete montanhas e foi à casa dos sete anões; chegando lá, bateu à porta e gritou:- Belas coisas para vender, belas coisas; quem quer comprar? Branca de Neve, que estava no primeiro andar e se aborrecia por ficar sozinha todo o santo dia, abriu a janela e perguntou-lhe o que tinha para vender.- Oh! coisas lindíssimas, - res-pondeu a velha – olhe este fino e elegante cinto. A o mesmo tempo, mos-trava um cinto de cetim cor de rosa, todo recamado de seda multicor.-Esta boa mulher posso deixar entrar sem perigo, calculou

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Branca de Neve; então desceu, puxou o ferrolho e comprou o cinto. Mas a velha disse-lhe:- Tu não sabes abotoá-lo! Vem, por esta vez, eu te ajudarei a fazê-lo, como se deve. A menina postou-se con-fiante na frente da velha, dei-xando que lhe abotoasse o cinto; então a cruel inimiga, mais que depressa, apertou-o com tantaforça, que a menina perdeu a respiração e caiu desacordada no chão.- Ah, ah! - exclamou a rainha, muito contente – Já foste a mais bela! E fugiu rapidamente, vol-tando ao castelo. Felizmente, os anões, nes-se dia, tendo terminado o traba-lho mais cedo que de costume, voltaram logo para casa. E qual não foi seu susto ao

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verem a querida Branca de Neve estendida no chão, rígida como se estivesse morta! Ergueram-na e viram que o cinto apertavademais sua cinturinha. Logo o desabotoaram e ela começou a respirar levemente e, pouco a pouco, voltou a si e pôde contar o que sucedera.Os anões disseram-lhe:- Foste muito imprudente; aquela velha era, sem dúvida, a tua horrível madrasta. Portanto, no futuro, tenha mais cuidado, não deixes entrar mais ninguém quando não estivermos em casa.- A pérfida rainha, logo que che-gou ao castelo, correu ao espe-lho, esperando, enfim, ouvi-lo proclamar a sua absoluta bele-za, o que para ela soava mais deliciosamente que tudo, e per-guntou:- Espelhinho, meu espelhinho,

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Responde-me com franqueza:Qual a mulher mais bela de toda a redondeza?Como da outra vez, o espelho respondeu:- Real senhora, do país sois a mais formosa. Mas Branca de Neve, que por trás dos montes vive o em casa dos sete anões... é de vós mil vezes mais formo-sa! A essas palavras a rainha sentiu o sangue gelar-se-lhe nas veias; empalideceu de in-veja e, depois, torcendo-se de raiva, compreendeu que a rival ainda estava viva. Pensou, no-vamente, num meio de perder a inocente, causa de seu rancor.-Ah, desta vez hei de arranjar alguma coisa que será a tua ru-ína! E, como entendia de bru-xedos, pegou num magnífico

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pente cravejado de pérolas e besuntou-lhe os dentes com o veneno feito por ela própria. Depois, disfarçando-se de outro modo, dirigiu-se para a casa dos sete anões; aí bateu à porta, gritando:- Belas coisas para vender! coi-sas bonitas e baratas; quem quer - comprar?Branca de Neve abriu a janela e disse:- Podeis seguir vosso caminho boa mulher; eu não posso abrir a ninguém.- Mas olhar, apenas, não te será proibido! - disse a velha - Olha este pente cravejado de pérolas e digno de uma princesa. Pega nele e admira de perto, nada pagarás por isso! Branca de Neve. deixou-se tentar pelo brilho das pérolas; depois de o ter bem examinado,

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quis comprá-lo e abriu a porta à velha, que lhe disse:- Espera, vou ajudar você e a pôr o pente nos teus lindos e se-dosos cabelos, para que estejas bem adornada. A pobre menina, sem saber, deixou-a fazer; a velha enter-rou-lhe o pente com violência; mal os dentes tocaram na pele, Branca de Neve caiu morta sob a ação do veneno. A rainha maldosa resmun-gou satisfeita:- Enfim bem morta, Flor de Be-leza! - Agora tudo se acabou para ti! Adeus!, exclamou a rainha, soltando uma gargalha-da medonha e apressando-se a regressar ao castelo. Já estava anoitecendo e os anões não tardaram a chegar. Quando viram Branca de Neve estendida no chão, desacordada, logo adivinharam nisso a mão da

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madrasta. Procuraram o que lhe poderia ter feito e encontraram o pente envenenado. Assim que o tiraram da cabeça, a menina voltou a si e pôde contar o que sucedera. Novamente a preveniram que tomasse cuidado e não abrisse a porta, dizendo:- Foi ainda a tua madrasta quem te pregou essa peça. Preciso que nos prometas que nunca mais abrirás a porta, seja lá a quem for. Branca de Neve prometeu tudo o que os anões lhe pedi-ram. Apenas de volta ao caste-lo, a rainha correu a pegar no espelho e perguntou:- Espelhinho, meu espelhinho, Responde-me com franqueza:Qual a mulher mais bela de toda a redondeza? Mas a resposta foi como

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das vezes anteriores. O espelho repetiu:- Real senhora, do pais sois a mais formosa, Mas Branca de Neve, que por trás dos montes vive e em casa dos sete anões, é de vós mil vezes mais formosa! Ao ouvir tais palavras, ela teve um assomo de ódio, grito a raiva malvada:- Hás de morrer, criatura mise-rável, ainda que eu tenha que o pagar com minha vida! Levou vários dias consul-tando todos os livros de bruxa-ria; finalmente fechou-se num quarto, ciosamente oculto, onde jamais entrava alma viva e aí preparou uma maçã, impreg-nando-a de veneno mortífero. Por fora era mesmo tenta-dora, branca e vermelha, e com um perfume tão delicioso que despertava a gula de qualquer

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um; mas, quem provasse um pedacinho, teria morte infalível. Tendo assim preparado a maçã, pintou o rosto e disfar-çou-se em camponesa e como tal encaminhou-se, transpondo as sete montanhas e indo bater à casa dos sete anões. Branca de Neve saiu à janela e disse:- Vai embora, boa mulher, não posso abrir a ninguém; os sete anões proibiram.- Não preciso entrar, respondeu a falsa camponesa, podes ver as maçãs pela janela, se as qui-seres comprar. Eu venderei mi-nhas maçãs, mas quero dar-te esta de presente. Vê como ela é magnífica! Seu perfume embal-sama o ar. Prova um pedacinho, estou certa de que a acharás deliciosa!- Não, não, - respondeu Branca de Neve - não me atrevo a acei-tar.

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- Receias, acaso, que esteja envenenada? - disse a mulher - Olha, vou comer a metade da maçã e tu depois poderás comer o resto para veres que deliciosa é ela. Cortou a maçã e pôs-se a comer a parte mais tenra pois a maçã havia sido habilmente preparada, de maneira que o veneno estava todo concentrado na cor vermelha. Branca de Neve, tranqui-lizada, olhava cobiçosamente para a linda maçã e, quando viu a camponesa mastigar a sua metade, não resistiu, estendeu a mão e pegou a parte envene-nada. Apenas lhe deu a primei-ra dentada, caiu no chão, sem vida. Então a pérfida madrasta contemplou-a com ar feroz. De-pois, saltando e rindo com uma alegria infernal, exclamou:

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- Branca como a neve, rosada como o sangue e preta como o ébano! Enfim, morta, morta, criatura atormentadora! Desta vez nem todos os anões do mundo poderão des-pertar-te! Apressou-se a voltar ao castelo; mal chegou, dirigiu-se ao espelho e perguntou:- Espelhinho, meu espelhinho, Responde-me com franqueza: Qual a mulher mais bela de toda a redondeza? Desta vez o espelho res-pondeu:- De toda a redondeza agora, Real senhora, sois vós a mais formosa! Sentiu-se transportada de júbilo e seu coração tranquili-zou-se, enfim, tanto quanto é possível a um coração invejoso e mau.

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Os anões, regressando à noitinha; encontraram Branca de Neve estendida no chão, morta. Levantaram-na e procuraram, em vão, o que pudera causar-lhe a morte; desabotoaram-lhe o vestido, pentearam-lhe o ca-belo. Lavaram-na com água e vinho, mas tudo foi inútil: a me-nina estava realmente morta. Então, colocaram-na num esquife é choraram durante três dias. Depois cuidaram de enter-rá-la, porém ela conservava as cores frescas e rosadas como se estivesse dormindo. Eles então disseram:- Não, não podemos enterrá-la na terra preta. Fabricaram um esquife de cristal para que fosse visível de todos os lados e gravaram - na tampa, com letras de ouro o seu nome e sua origem real; colo-caram-na dentro e levaram-na

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para o cume da montanha vizi-nha, onde ficou exposta, e cada um por sua vez ficava ao pé dele para a guardar contra os animais ferozes. Mas podiam dispensar-se disso; os animais, todos da flo-resta, até mesmo os abutres, os lobos, os ursos, os esquilos e pombinhas, vinham chorar ao pé da inocente Branca de Neve. Muitos anos passou Branca de Neve dentro do esquife, sem apodrecer; parecia estar dor-mindo, pois sua tez era ainda como a desejara a mãe: brancacomo a Neve, rosada como o sangue e os longos cabelos pre-tos como ébano; não tinha o mais leve sinal de morte. Um belo dia, um jovem príncipe, filho de um poderoso rei, tendo-se extraviado duran-te a caça na floresta, chegou à montanha onde Branca de Neve

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repousava dentro de, seu esqui-fe de cristal. Viu-a e ficou des-lumbrado com tanta beleza, leu o que estava gravado em letras de ouro e não mais a esqueceu.Pernoitando em casa dos anões disse-lhes:- Dai-me esse esquife; eu vos darei todos os meus tesouros para poder levá-lo ao meu caste-lo. Mas os anões responderam:- Não; não cedemos a nossa querida filha nem por todo o ouro do mundo. O príncipe caiu em profunda tristeza e permaneceu extasiado na contemplação da beleza tão pura de Branca de Neve; tornou a pedir aos anões:- Fazei-me presente dele, pois já não posso mais viver sem a ter diante de meus olhos; que-ro dar-lhe as honras que só se prestam ao ser mais amado neste mundo.

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Ao ouvirem essas palavras, e vendo a grande tristeza do príncipe, os anões compadece-ram-se dele e deram-lhe Branca de Neve, certos de que ele nãodeixaria de colocá-la na sala de honra do seu castelo. O príncipe tendo encontra-do seus criados, mandou que pegassem no caixão e o carre-gassem nos ombros. Aconteceu, porém, que um dos criados tropeçou numa raiz de árvore e, com o solavanco, pulou da boca meio aberta o bo-cadinho de maça que ela mor-dera mas não engolira. Então Branca de Neve re-animou-se; respirou profunda-mente, abriu os olhos, levantou a tampa do esquife e sentou-se: estava viva.- Meu Deus, onde estou? - ex-clamou ela.

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O príncipe, radiante de alegria, disse-lhe:- Estás comigo. Agora acabaram todos os teus tormentos, bela garota; a mais preciosa que tudo quanto há no mundo; vamos ao castelo de meu pai, que é um grande e poderoso rei, e serás a minha esposa bem amada. Como o príncipe era en-cantador e muito gentil, Branca de Neve aceitoulhe a mão. O rei muito satisfeito com a escolha do filho, mandou preparar tudo para umas núpcias suntuosas. Para a festa, além dos anões, foi convidada também a rainha que, ignorando quem era a noiva, vestiu os seus mais ricos trajes, pensando eclipsar todas as damas e donzelas. De-pois de vestida, foi contemplar-se no espelho, certa de ouvir proclamar sua beleza triunfante. Perguntou:

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- Espelhinho, meu espelhinho, Responde-me com franqueza:Qual a mulher mais bela de toda a redondeza? Qual não foi seu espanto ao ouvi-lo responder:- Real senhora, de todas aqui sois a mais bela agora, Mas a noiva do filho do rei, é de vós mil vezes mais formosa! A perversa mulher soltou uma imprecação e ficou tão exasperada que não podia con-trolar-se e não queria mais ir à festa. Entretanto, como a inveja não lhe dava tréguas, sentiu-se arrastada a ver a jovem rainha. Quando fez a entrada no castelo, perante a corte reunida, Branca de Neve logo reconheceu sua madrasta e quase desmaiou de susto. A horrível mulher fitava-a como uma serpente ao fascinar

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um passarinho. Mas sobre o braseiro já es-tavam prontos um par de sapa-tos de ferro, que haviam ficado a esquentar em ponto de brasa; os anões apoderaram-se dela e, calçando-lhe à força aqueles sa-patos quentes como fogo, obri-garam-na a dançar, a dançar, a dançar, até cair morta no chão. Em seguida, realizou-se a festa com um esplendor jamais visto sobre a terra, e todos, grandes e pequenos, ficaram profundamente alegres.

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7 Branca de Neve e os Sete Anões

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Há muito tempo, num reino distante, viviam um rei, uma

rainha e sua filhinha, a princesa Branca de Neve. Sua pele era branca como a neve, os lábios vermelhos como o sangue e os cabelos pretos como o ébano. Um dia, a rainha ficou muito doente e morreu. O rei, sentin-do-se muito sozinho, casou-se novamente. O que ninguém sa-bia é que a nova rainha era uma feiticeira cruel, invejosa e muito vaidosa. Ela possuía um espelho mágico, para o qual perguntava todos os dias:-Espelho, espelho meu! Há no mundo alguém mais bela do que eu?-És a mais bela de todas as mu-lheres, minha rainha!, respondia ele. Branca de Neve crescia e ficava cada vez mais bonita, en-cantadora e meiga. Todos gosta-

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vam muito dela, exceto a rainha, pois tinha medo que Branca de Neve se tornasse mais bonita que ela. Depois que o rei morreu, a rainha obrigava a princesa a vestir-se com trapos e a traba-lhar na limpeza e na arrumação de todo o castelo. Branca de Neve passava os dias lavando, passando e esfregando, mas não reclamava. Era meiga, educada e amada por todos. Um dia, como de costume, a rainha perguntou ao espelho:-Espelho, espelho meu! Há no mundo alguém mais bela do que eu?-Sim, minha rainha! Branca de Neve é agora a mais bela! A rainha ficou furiosa, pois queria ser a mais bela para sempre. Imediatamente man-dou chamar seu melhor caçador e ordenou que ele matasse a

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princesa e trouxesse seu cora-ção numa caixa. No dia seguinte, ele convi-dou a menina para um passeio na floresta, mas não a matou.-Princesa, disse ele, a rainha or-denou que eu a mate, mas não posso fazer isso. Eu a vi crescer e sempre fui leal a seu pai.-A rainha?! Mas, por quê?, per-guntou a princesa.-Infelizmente não sei, mas não vou obedecer a rainha dessa vez. Fuja, princesa, e por favor não volte ao castelo, porque ela é capaz de matá-la! Branca de Neve correu pela floresta muito assustada, chorando, sem ter para onde ir. O caçador matou uma gazela, colocou seu coração numa caixa e levou para a rainha, que ficou bastante satisfeita, pensando que a enteada estava morta.

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Anoiteceu. Branca de Neve vagou pela floresta até encon-trar uma cabana. Era pequena e muito graciosa. Parecia ha-bitada por crianças, pois tudo ali era pequeno. A casa estava muito desarrumada e suja, mas Branca de Neve lavou a louça, as roupas e varreu a casa. No andar de cima da casi-nha encontrou sete caminhas, uma ao lado da outra. A moça estava tão cansada que juntou as caminhas, deitou-se e dor-miu. Os donos da cabana eram sete anõezinhos que, ao volta-rem para casa, se assustaram ao ver tudo arrumado e limpo. Os sete homenzinhos subiram aescada e ficaram muito espan-tados ao encontrar uma linda jovem dormindo em suas ca-mas. Branca de Neve acordou e contou sua história para os

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anões, que logo se afeiçoaram a ela e a convidaram para morar com eles. Sabe qual era o nome dos anõezinhos?-Eu sou o Atchim-Eu sou o Dengoso-Eu sou o Dunga-Eu sou o Feliz-Eu sou o Mestre-Eu sou o Soneca-Eu sou o Zangado O tempo passou... Um dia, a rainha resolveu consultar no-vamente seu espelho e desco-briu que a princesa continuava viva.Ficou furiosa. Fez uma poção veneno-sa, que colocou dentro de uma maçã, e transformou-se numa velhinha maltrapilha.-Uma mordida nesta maçã fará Branca de Neve dormir para sempre, disse a bruxa.

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No dia seguinte, os anões saíram para trabalhar e Branca de Neve ficou sozinha. Pouco depois, a velha maltrapilha che-gou perto da janela da cozinha. A princesa ofereceu-lhe um copo d’água e conversou com ela.-Muito obrigada!, falou a velhi-nha, coma uma maçã... eu faço questão! No mesmo instante em que mordeu a maçã, a princesa caiu desmaiada no chão. Os anões, alertados pelos animais da floresta, chegaram na cabana enquanto a rainha fu-gia. Na fuga, ela acabou caindo num abismo e morreu. Os anõe-zinhos encontraram Branca de Neve caída, como se estivesse dormindo. Então colocaram-na num lindo caixão de cristal, em uma clareira, e ficaram vigiando noite e dia, esperando que um dia ela acordasse.

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Um certo dia, chegou até a clareira um príncipe do reino vizinho e logo que viu Branca de Neve se apaixonou por ela. Ele pediu aos anões que o deixas-sem levar o corpo da princesa para seu castelo, e prometeu que velaria por ela. Os anões concordaram e, quando foram erguer o caixão, este caiu, fazendo com que o pedaço de maçã que estava alo-jado na garganta de Branca de Neve saísse por sua boca, des-fazendo o feitiço e acordando a princesa. Quando a moça viu opríncipe, se apaixonou por ele. Branca de Neve despediu-se dos sete anões e partiu junto com o príncipe para um castelo distante onde se casaram e fo-ram felizes para sempre.

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8 Chapeuzinho Vermelho

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Era uma vez uma menina-zinha mimosa, que todo o

mundo amava assim que a via, mas mais que todos a amava a sua avó. Ela não sabia mais o que dar a essa criança. Certa vez, ela deu-lhe de presente um capuzinho de velu-do vermelho, e porque este lhe ficava tão bem a menina não queria mais usar outra coisa, ficou se chamando Chapeuzinho Vermelho. Certo dia, sua mãe lhe dis-se:– Vem cá, Chapeuzinho Verme-lho; aqui tens um pedaço de bolo e uma garrafa de vinho, leva isto para a vovó; ela está doente e fraca e se fortificará com isto. Sai antes que comece a esquentar, e quando saíres, anda direitinha e comportada e não saias do caminho, senão podes cair e quebrar o vidro e a

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vovó ficará sem nada. E quando chegares lá, não esqueças de dizer bom-dia, e não fiques es-piando por todos os cantos.– Vou fazer tudo como se deve, disse Chapeuzinho Vermelho à mãe, dando-lhe a mão como promessa. A avó, porém, morava lá fora na floresta, a meia hora da aldeia. E quando Chapeuzinho Vermelho entrou na floresta, encontrou-se com o lobo. Mas Chapeuzinho Vermelho não sa-bia que fera malvada era aquela, e não teve medo dele.– Bom dia, Chapeuzinho Verme-lho, disse ele.– Muito obrigada, lobo.– Para onde vai tão cedo, Cha-peuzinho Vermelho?– Para a casa da vovó.– E o que trazes aí debaixo do avental?

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– Bolo e vinho. Foi assado on-tem, e a vovó fraca e doente vai saboreá-lo e se fortificar com o vinho.– Chapeuzinho Vermelho, onde mora a tua avó?– Mais um bom quarto de hora adiante no mato, debaixo dos três grandes carvalhos, lá fica a sua casa; embaixo ficam as moitas de avelã, decerto já sabes isso, disse Chapeuzinho Vermelho. O lobo pensou consigo mesmo:-Esta coisinha nova e tenra, ela é um bom bocado que será ain-da mais saboroso do que a ve-lha. Tenho de ser muito esperto, para apanhar as duas. Então ele ficou andando ao lado de Chapeuzinho Vermelho e logo falou:– Chapeuzinho Vermelho, olha

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só para as lindas flores que cres-cem aqui em volta! Por que não olhas para os lados? Acho que nem ouves o mavioso canto dos passarinhos! Andas em frente como se fosses para a escola, e no entanto é tão alegre lá no meio do mato. Chapeuzinho Vermelho ar-regalou os olhos e, quando viu os raios de sol dançando de lá para cá por entre as árvores, e como tudo estava tão cheio de flores, pensou:-Se eu levar um raminho de flo-res frescas para a vovó, ela fi-cará contente; ainda é tão cedo, que chegarei lá no tempo certo. Então ela saiu do caminho e correu para o mato, à procura de flores. E quando apanha-va uma, parecia-lhe que mais adiante havia outra mais bonita, e ela corria para colhê-la e se embrenhava cada vez mais pela

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floresta adentro. O lobo, porém, foi direto para a casa da avó e bateu na porta.– Quem está aí fora?– É Chapeuzinho Vermelho, que te traz bolo e vinho, abre!– Aperta a maçaneta, disse a vovó, eu estou muito fraca e não posso me levantar. O lobo apertou a maçane-ta, a porta se abriu, e ele foi, sem dizer uma palavra, direto para a cama da vovó e engoliu-a. Depois, ele se vestiu com a roupa dela, pôs a sua touca na cabeça, deitou-se na cama e puxou o cortinado. Chapeuzinho Vermelho, porém, correu atrás das flores, e quando juntou tantas que não podia corregar mais, lembrou-se da vovó e se pôs a caminho da sua casa.

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Admirou-se ao encontrar a porta aberta, e quando entrou, percebeu alguma coisa tão es-tranha lá dentro, que pensou: -Ai, meu Deus, sinto-me tão assustada, eu que sempre gos-to tanto de visitar a vovó! E ela gritou:– Bom-dia! Mas não recebeu resposta. Então ela se aproximou da cama e abriu as cortinas. Lá estava a vovó deitada, com a touca bem afundada na cabeça e um as-pecto muito esquisito.– Ai, vovó, que orelhas grandes que você tem!– É para te ouvir melhor!– Ai, vovó, que olhos grandes que você tem!– É para te enxergar melhor.– Ai, vovó, que mãos grandes que você tem!– É para te agarrar melhor.

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– Ai, vovó, que bocarra enorme que você tem!– É para te devorar melhor. E nem bem o lobo disse isso, deu um pulo da cama e engoliu a pobre Chapeuzinho Vermelho. Quando o lobo satisfez a sua vontade, deitou-se de novo na cama, adormeceu e começou a roncar muito alto. O caçador passou perto da casa e pensou:-Como a velha está roncando hoje! Preciso ver se não lhe falta alguma coisa. Então ele entrou na casa, e quando olhou para a cama, viu que o lobo dormia nela.– É aqui que eu te encontro, ve-lho malfeitor, disse ele, há muito tempo que estou à tua procura. Aí ele quis apontar a espin-garda, mas lembrou-se de que o lobo podia ter devorado a vovó,

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e que ela ainda poderia ser sal-va. Por isso, ele não atirou, mas pegou uma tesoura e começou a abrir a barriga do lobo ador-mecido. E quando deu algumas tesouradas, viu logo o vermelho do chapeuzinho, e mais um parde tesouradas, e a menina sal-tou para fora e gritou:– Ai, como eu fiquei assustada, como estava escuro lá dentro da barriga do lobo! E aí também a velha avó saiu para fora ainda viva, mal conseguindo respirar. Mas Cha-peuzinho Vermelho trouxe de-pressa umas grandes pedras, com as quais encheu a barriga do lobo. Quando ele acordou, quis fugir correndo, mas as pedras eram tão pesadas, que ele não pôde se levantar e caiu morto. Então os três ficaram contentís-simos.

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O caçador arrancou a pele do lobo e levou-a para casa, a vovó comeu o bolo e bebeu o vi-nho que Chapeuzinho Vermelho trouxera, e logo melhorou, mas Chapeuzinho Vermelho pensou:-Nunca mais eu sairei do cami-nho sozinha, para correr dentro do mato, quando a mamãe me proibir fazer isso.

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Era uma vez um homem cuja primeira esposa tinha mor-

rido, e que se casara novamente com uma mulher muito arrogan-te. Ela possuía duas filhas que se pareciam em tudo com ela. O homem tinha uma filha de seu primeiro casamento. Era uma moça meiga e bondosa, bem semelhante a sua mãe. A nova esposa mandava a jovem fazer os serviços mais sujos da casa e dormir no sótão, enquanto as “irmãs” dormiam em quartos com chão encera-do. Quando o serviço da casa estava terminado, a pobre moça sentava-se junto à lareira, e sua roupa ficava suja de cinzas. Por esse motivo, as malvadas irmãszombavam dela. Embora Cin-derela tivesse que vestir roupas velhas, era ainda cem vezes mais bonita que as irmãs, com

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seus vestidos esplêndidos. O rei daquele país organi-zou um baile para que seu filho escolhesse uma esposa, e enviou convites para todas as pessoas importantes do reino e para as moças em idade de casamento. As duas irmãs ficaram mui-to contentes quando receberam o convite e só pensavam na fes-ta. Cinderela ajudava. Ela até lhes deu os melhores conselhos que podia e se ofereceu para ar-rumá-las. As irmãs zombavam de Cinderela, dizendo que ela nunca poderia ir ao baile. Finalmente o grande dia chegou. A pobre Cinderela viu a madrasta e as irmãs saírem numa carruagem em direção ao palácio; em seguida, sentou-se perto da lareira e começou a chorar. Apareceu diante dela uma fada, que disse ser sua fada

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madrinha, que ao ver Cinderela chorando, perguntou:-Você gostaria de ir ao baile, não é?-Sim, suspirou Cinderela.-Bem, eu posso fazer com que você vá ao baile, disse a fada madrinha, e deu umas instru-ções esquisitas à moça:-Vá ao jardim e traga-me uma abóbora. A fada madrinha esvaziou a abóbora até ficar só a casca. Tocou-a com a varinha mágica e a abóbora se transformou numa linda carruagem dourada! Em seguida, a fada madri-nha transformou seis camun-dongos em cavalos lindos. Esco-lheu também o rato de bigode mais fino para ser o cocheiro mais bonito do mundo. Então, ela disse a Cinderela:-Olhe atrás do regador. Você en-

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contrará seis lagartos ali. Traga-os aqui. Cinderela nem bem acabou de trazê-los e a fada madrinha transformou-os em lacaios. Eles subiram atrás da carruagem, com seus uniformes de gala, e ficaram ali como se nunca tives-sem feito outra coisa na vida. Quanto a Cinderela, bas-tou um toque da varinha mági-ca para transformar os farrapos que usava num vestido de ouro e prata, bordado com pedras preciosas. Finalmente, a fada madrinha lhe deu um par de sapatinhos de cristal. Toda ar-rumada, Cinderela entrou na carruagem. A fada madrinha avisou que deveria estar de volta à meia-noite, pois o encanto terminaria ao bater do último toque das doze badaladas. O filho do rei pensou que

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Cinderela fosse uma princesa desconhecida e apressou-se a ir dar-lhe as boas vindas. Aju-dou-a a descer da carruagem e levou-a ao salão de baile. Todos pararam e ficaram admirando aquela moça que acabara de chegar. O príncipe estava encantado, e dançou to-das as músicas com Cinderela. Ela estava tão absorvida com ele, que se esqueceu com-pletamente do aviso da fada ma-drinha. Então, o relógio do palá-cio começou a bater doze horas. A moça se lembrou do aviso da fada e, num salto, pôs-se de pé e correu para o jardim. O príncipe foi atrás mas não conseguiu alcançá-la. No entanto, na pressa, ela deixou cair um dos seus elegantes sa-patinhos de cristal. Cinderela chegou em casa exausta, sem carruagem e sem

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os lacaios, vestindo sua roupa velha e rasgada. Nada tinha restado do seu esplendor, a não ser o outro sapatinho de cristal. Mais tarde, quando as ir-mãs chegaram em casa, Cinde-rela perguntou-lhes se tinham se divertido. As irmãs, que não tinham percebido que a prince-sa desconhecida era Cinderela, contaram tudo sobre a festa, e como o príncipe pegou o sapa-tinho que tinha caído e passou o resto da noite olhando fixa-mente para ele, definitivamente apaixonado pela linda desco-nhecida. As irmãs tinham contado a verdade. Alguns dias depois, o filho do rei anunciou publi-camente que se casaria com a moça em cujo pé o sapatinho servisse perfeitamente. Embora todas as prince-sas, duquesas e todo resto das

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damas da corte tivessem expe-rimentado o sapatinho, ele não serviu em nenhuma delas. Um mensageiro chegou à casa de Cinderela trazendo o sapatinho. Ele deveria calçá-lo em todas as moças da casa. As duas irmãs tentaram de todas as formas calçá-lo, em vão. Então, Cinderela sorriu e disse:-Eu gostaria de experimentar o sapatinho para ver se me ser-ve! As irmãs riram e caçoaram dela, mas o mensageiro tinha recebido ordens par deixar todas as moças do reino experimenta-rem o sapatinho. Cinderela sentou-se e, para surpresa de todos, o sapatinho serviu-lhe perfeitamente! As duas irmãs ficaram ainda mais espantadas quando Cinderela tirou o outro sapatinho de cristal

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do bolso e calçou no outro pé. Nesse momento, surgiu a fada madrinha, que tocou a roupa de Cinderela com a vari-nha mágica. Imediatamente os farrapos se transformaram num vestido ainda mais bonito do que aquele que havia usado antes. A madrasta e suas filhas reconheceram a linda “prince-sa” do baile, e caíram de joelhos implorando seu perdão, por todo sofrimento que lhe tinham cau-sado. Cinderela abraçou-as e dis-se-lhes que as perdoava de todo o coração. Em seguida, no seu vestido esplêndido, ela foi leva-da à presença do príncipe, que aguardava ansioso sua amada. Alguns dias mais tarde, ca-saram-se e viveram felizes para sempre.

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Havia uma vez um pai que ti-nha dois filhos, o maior era

calmo e prudente, e podia fazer qualquer coisa. Mas o jovem era estúpido e não conseguia apren-der nem entender nada, e quan-do o povo o via passar diziam:- Este rapaz dará problemas a seu pai. Quando se tinha que fazer algo, era sempre o maior que tinha que fazer, mas se o pai o mandava trazer algo quando era tarde ou no meio da noite, e o caminho o conduzia através do cemitério ou algum outro lugar sombrio, reclamava:- Ah, não, pai! não irei, me dá pavor, pois tinha medo. Quando se contavam histo-rias ao redor do fogo que colo-cava a carne de galinha pra as-sar, os ouvintes algumas vezes diziam:- Me dá medo!

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O rapaz se sentava numa canto e escutava os demais, mas não podia imaginar o que era ter medo:- Sempre dizem: “Me dá medo”, “Me causa pavor”. - pensava - Essa deve ser uma habilidade que não compreendo. Ocorreu que o pai lhe disse um dia:- Escuta com atenção, estás fi-cando grande e forte, e deves aprender algo que te permita ganhar o pão.- Bem, pai - respondeu o jovem - a verdade é que há algo que quero aprender, se se pode en-sinar. Gostaria de aprender a ter medo, não entendo de todo o que é isso. O irmão maior sorriu ao es-cutar aquilo e pensou:-Deus santo, que cabeça de mi-nhoca é esse meu irmão. Nunca

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servirá para nada. O pai suspirou e respon-deu:-Logo aprenderás a ter medo, mas não se vive disso. Pouco depois o sacristão foi à casa de João, em visita, e o pai lhe contou que seu filho menor estava tão atrasado em qualquer coisa que não sabia nem aprendia nada.- Veja – disse o pai - quando perguntei como ia ganhar a vida, me disse que queria aprender a ter medo.- Se isso é tudo. - respondeu o sacristão - pode aprender comi-go. Mande-o a mim. O pai estava contente de enviar seu filho com o sacristão porque pensava que aquilo ser-viria para endireitar João. Então o sacristão tomou ao rapaz sob sua guarda em sua casa e tinha

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que tocar o sino da igreja. Um dia o sacristão acordou à meia-noite, e o fez levantar para ir À torre da igreja tocar o sino.-Logo aprenderás o que é ter medo, pensava o sacristão. E, sem que João se desse conta, levantou-se e subiu na torre. Quando o rapaz estava no alto da torre, e foi dar a volta para pegar a corda do sino e viu uma figura branca de pé, nas escadas do outro lado do poço da torre.- Quem está aí?- gritou o rapaz, mas a figura não respondeu nem se moveu.- Responde, - gritou o rapaz - ou saia. Não perdeste nada aqui. O sacristão, sem dúvida, continuou de pé, imóvel, para que João pensasse ser um fan-tasma.

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O rapaz gritou a segunda vez:- Que fazes aqui? Diz o que que-res ou te atirarei pelas escadas. O sacristão pensou que era onda de João e continuou para-dão, quieto, como uma estátua.Então o rapaz avisou a terceira vez e como não serviu de nada, se jogou contra ele e empurrou o fantasma escada abaixo. O”fantasma” rodou dez de-graus e caiu num canto. Então João fez soar o sino e se foi para casa e, sem dizer nada, voltou a dormir. A esposa do sacristão ficou esperando seu marido um bom tempo, mas ele não vol-tou. Ela ficou inquieta e acordou João.Perguntou:- Sabes onde está meu marido? Subiu na torre antes de ti.- Não sei - respondeu o rapaz

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- Mas alguém estava de pé no outro lado do poço da torre, e como não me respondia nem se ia, achei que era um ladrão e ojoguei das escadas. A mulher saiu correndo e encontrou seu marido queixan-do-se no canto, um uma perna machucada. Depois de ajudá-lo, ela, chorando, foi ver o pai do rapaz.- Teu filho- gritava ela – causou um desastre. Jogou meu marido pelas escadas e quebrou-lhe a perna. Leva esse inútil de nossa casa. O pai estava aterrado e correu ao rapaz pra saber o que houve:- Que conversa foi essa?- Pai, - respondeu – escuta. Sou inocente. Ele estava ali, de pé, no meio da noite, como se fosse fazer algo mau. Não sabia quem

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era e pedi que falasse por três vezes.-Ah!- disse o pai - só me trazes desgosto. Sai da minha frente, não quero te ver mais.- Sim, pai, como queiras, mas espera que seja dia. Então par-tirei para aprender o que é ter medo, e então aprenderei um ofício que me permita me sus-tentar.- Aprende o que quiseres- disse o pai – tanto faz. Aqui tens 50 moedas para ti. Pega e vai pelo mundo, mas não digas de onde vens e nem quem é teu pai. Tenho razões para me envergo-nhar de ti.– Sim, pai, farei isso. Se não for mais nada que isso, posso lem-brar fácil. Assim que amanheceu, o rapaz colocou as 50 moedas no bolso e se foi pela estrada prin-cipal, dizendo continuamente:

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- Se pudesse ter medo, se sou-besse o que é temer... Um homem se aproximou e ouviu o monólogo de João e, quando haviam caminhado um pouco mais longe, onde se viam os patíbulos, o homem disse:-Olha, ali está a árvore onde sete homens se casaram com a filha do açougueiro, e agora estão aprendendo a voar. Sen-te-se perto da árvore e espera o anoitecer, então aprenderás a ter medo.- Se isso é o que tenho a fazer, é fácil. - disse o jovem - Mas se aprendo a ter medo tão rápido , te darei minhas 50 moedas. Volta amanhã de manhã bem cedo. Então o homem se foi e ele sentou ao lado da forca, e espe-rou até a noite. Como tinha frio, acendeu um fogo. À meia-noite, o vento

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soprava tão forte que, apesar do fogo, não conseguia se esquen-tar e como o vento fazia choca-rem-se os enforcados entre si, e se balançavam, ele pensou:-Eu aqui, junto ao fogo, já sinto frio, imagino quanto devem es-tar sofrendo esses que estão aí em cima. Como davam pena, levan-tou a escada, subiu e um a um os foi desatando e baixando. Então avivou o fogo e os dispôs ao redor para que se esquentas-sem. Mas ficaram sentados sem se mover e o fogo prendeu em suas roupas. Então o rapaz dis-se:- Tenham cuidado ou os subirei outra vez. Os enforcados, é lógico, não escutaram e permaneceram em silêncio, deixando seus far-rapos queimarem.

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O jovem se zangou e dis-se:-Se não querem ter cuidado, não posso ajudálos e não me queimarei com vocês. E colo-cou-os de volta no lugar. Depois se sentou junto ao fogo e ficou dormindo. Na manhã seguinte o homem veio para pegar suas 50 moedas, lhe disse:- Bem, agora sabes o que é ter medo.- Não - disse o rapaz - como que-rias se os tipos lá de cima não abriram a boca?, e são tão idio-tas que deixam que os poucos e velhos farrapos que vestiamse queimem. O homem, vendo que esse dia não ia conseguir as 50 moe-das, se ajoelhou dizendo:- Nunca encontrei alguém as-sim. O jovem continuou seu

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rumo e outra vez começou a falar sozinho - se pudesse ter medo... Um carreteiro que andava por ali escutou e perguntou:- Quem és?- Não sei - respondeu o jovem. Então o carreteiro pergun-tou:- De onde és?- Não sei- respondeu o rapaz.- Quem é tu pai?- insistiu.- Não posso dizer - respondeu o rapaz.- Que é isso que estás sempre murmurando? - perguntou o carreteiro.- Ah, - respondeu o jovem – gos-taria de aprender ter medo, mas nada me ensina.- Deixa de dizer bobagens - dis-se o carreteiro - Vamos, vem comigo, e encontrarei um lugar para ti.

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O jovem foi com o carretei-ro e, ao anoitecer, chegaram a uma pousada onde iriam passar a noite. Na entrada do salão o jovem disse, bem alto:- Se pudesse ter medo... O pousadeiro escutou e rindo disse:- Se isso é o que queres, sai-ba que aqui encontras uma boa oportunidade.- Cala-te, - disse a dona da pou-sada – muitos intrometidos já perderam sua vida, seria uma lástima se olhos tão bonitos não voltassem a ver a luz do dia. Mas o rapaz disse:- Não importa o tão difícil que seja, aprenderei, é por isso que tenho viajado tão longe. E não deixou em paz o dono da pensão até que ele contou que não longe dali havia um castelo encantan-do onde qualquer um poderia

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aprender com facilidade o que é ter medo se pudesse permane-cer ali durante três noites. O rei havia prometido que qualquer um que conseguisse teria a mão de sua filha, que era a mulher mais bela sobre a qual havia brilhado o Sol. Por outro lado, no castelo há um grande tesouro, guardado por malvados espíritos. Esse tesouro seria libertado e fazia rico ao libertador. Ainda que alguns tivessem tentado, nenhum havia saído. Na manhã seguinte o jo-vem foi a ver o rei e disse:- Se me permitir, desejaria pas-sar 3 noites no castelo encanta-do. O rei observou-o e como o jovem o agradava, disse:- Podes pedir três coisas para levar contigo ao castelo, mas

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devem ser três objetos inanima-dos. Então o rapaz disse:- Pois quero um fogo, uma faca e uma tábua para cortar. - o rei fez que levassem essas coisas ao castelo durante o dia. Quando se aproximava a noite, o jovem foi ao castelo e acendeu um fogo brilhante numa das salas, pôs a tábua e o cutelo ao seu lado e se sentou junto ao torno – se pudesse ter medo – dizia – mas vejo que não aprenderei aqui. Era meia-noite e estava atiçando o fogo, e enquanto so-prava, algo gritou de repente de um canto:- Miau, miau. Temos frio.- Tontos, - respondeu - por que se queixam, se têm frio venham sentar-se junto ao fogo. Quando disse isto 2 enor-

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mes gatos negros saíram dando um tremendo salto e se senta-ram um de cada lado de João. Os gatos o olhavam com selvageria. Aos poucos, quando se aqueceram, disseram:- Camarada, joguemos cartas.- Por que não? – disse o rapaz - Mas primeiro ensinem-me. Os gatos mostraram suas garras.- Oh!, - disse ele – tens unhas muitos compridas. Esperem que as corto num segundo. Então os pegou pelo pes-coço, os colocou na tábua de cortas e lhes atou as patas rapi-damente.- Depois de ver os dedos, - disse – me passou a vontade de jogar cartas. Logo os matou e os atirou na água. Mas quando se havia desfeito deles e ia sentar-se

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junto ao fogo, de cada canto sa-íram cães e gatos negros, com correntes, e continuaram sain-do até que não havia mais para onde se mover. Gritavam horrivelmente, esparramaram o fogo e apaga-ram-no. João observou tranqüila-mente durante uns instantes, mas quando estavam passando da conta, pegou a faca e gri-tou:- Fora daqui, sacanas - e co-meçou a esfaqueá-los. Alguns fugiram, enquanto que os que matou, jogou ao fogo. Quan-do terminou não podia manter os olhos abertos por causa do sono. Olhou em volta e viu uma cama enorme.- Justo o que precisava- disse e se meteu nela. Quando estava para fechar os olhos a cama co-

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meçou a se mover por si mesma e o levou por todo castelo.- Isto está bom - disse - mas vá mais rápido. Então a cama rodou como se seis cavalos a puxassem, acima e abaixo, pelos umbrais e escadarias. Mas de repente gi-rou sobre si mesma e caiu sobre ele como uma montanha. João saiu debaixo da cama dizendo:- Hoje em dia deixam qualquer um dirigir... E se foi para junto do fogo, onde dormiu até a ma-nhã seguinte. Na manhã seguinte o rei foi vê-lo, e ao encontrá-lo atirado ao chão, pensou que os espíritos o haviam matado.Disse:- Depois de tudo é uma pena, um homem tão corajoso... O jovem o escutou, se le-

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vantou, e disse:- Não é para tanto. O rei estava perplexo, mas muito feliz, e perguntou como tinha sido.- A verdade é que bastante bem - disse – Já tinha passado uma noite, as outras serão do mesmo jeito. Foi ver o dono da pousada que, olhando com olhos do ta-manho de pratos, disse:- Nunca pensei que voltaria a te ver com vida! Afinal, aprendeste a ter medo?- Não - respondeu - é inútil. se alguém me pudesse explicar... A segunda noite voltou ao velho castelo, se sentou junto ao fogo e uma vez mais começou a cantilena:- se pudesse ter medo... se pu-desse ter medo... À meia-noite se escutou ao

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redor um grande barulho que pa-recia que o castelo vinha abaixo. No início se escutava baixinho, mas foi crescendo mais e mais. De repente, tudo ficou em silêncio e, de repente, com um grito, a metade de um homem caiu diante de João.- Ei, - gritou o jovem – falta-te a metade! Então o barulho começou de novo, se escutaram rugidos e gemidos e a outra metade caiu também.- Tranqüilo, - disse o jovem - vou avivar o fogo. Quando havia terminado e olhou ao redor, as duas metades haviam se unido e um homem espantoso estava sentado no lugar de João.- Isso não entrava no trato, - disse ele - esse banco é meu. O homem tentou empurrá-

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lo, mas o jovem não o permitiu, então o empurrou com todas as forças e se sentou em seu lu-gar. Mais homens caíram do mezanino, um atrás do outro. Recolheram nove pernas huma-nas e duas caveiras e começaram a jogar com elas. João também quis jogar:- Escuta, posso jogar?- Se tens dinheiro, sim. - res-ponderam eles.- Tenho - respondeu - Mas essas bolas não são redondas o bas-tante. Pegou as caveiras, colocou-as no torno e as arredondou.- Agora está muito melhor.- Hurra, - disseram os homens - agora nos divertiremos. Jogou com eles e perdeu algum dinheiro, mas guando deram as doze, todos desapa-

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receram. Ele então se encostou e dormiu. Na manhã seguinte o rei foi ver como estava:- E aí, como foi desta vez? – per-guntou.- Fiquei jogando bola, - respon-deu - e perdi um par de moe-das.- Então não tiveste medo? - per-guntou o rei.- Quê? - disse – passei muitíssi-mo bem. O que realmente não aconteceu foi ter medo. Na terceira noite sentou-se em seu banco e entristecido, disse:- se pudesse ter medo... Quando ficou tarde, seis homens muito altos entraram trazendo consigo um caixão. E disseram ao jovem:- Hahahaha. É meu primo, que morreu há dois dias.Puseram o caixão no chão, abri-

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ram a tampa e se viu um cadáver caído em seu interior. O jovem tocou-o no rosto que estava frio como o gelo.- Espera, - disse - te aquecerei um pouco. Se foi ao fogo, esquentou as mãos e as colocou na cara do defunto, mas esta continuou fria. Tirou-o do ataúde, sentou-o junto ao fogo e o apoiou em seu peito mexendo seus braços para que o sangue circulasse de novo. Como isso também não funcionava, pensou:-Quando duas pessoas se me-tem na cama, se dão calor mu-tuamente. Assim, levou-o para a cama e deitou junto dele. Logo o ca-dáver começou a se aquecer e a mover-se.O jovem disse:

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- Vês primo como te esquentei? O cadáver se levantou e disse:- Te estrangularei.- Como?, - disse o jovem – Assim que me agradeces? Pois voltas pro caixão agora mesmo. E o pegou pelo pescoço, jogou-o no caixão e fechou a tampa. Então os 6 homens vie-ram e levaram o caixão.- Não consigo aprender a ter medo – disse – Nunca em minha vida aprenderei. Um homem mais alto que os demais entrou e tinha um as-pecto terrível. Era velho e tinha uma larga barba branca.- Pobre diabo, - gritou o velho – logo saberás o que é ter medo, porque vais morrer.- Não tão depressa - respondeu rapaz - que eu terei algo a dizer sobre isso.

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- Pronto acabarei contigo. - dis-se o demônio.- Pára com essas bobagens que sou tão forte como tu o até mais.- Vamos testar - disse o velho - se és mais forte, te deixo ir. Vem e comprovaremos. Levou-o através de paisa-gens escuras, até uma forja; ali o velho pegou uma enorme acha e de um talho partiu em dois.- Posso melhorar - disse o rapaz e pegou também uma acha e partiu-a de um talho e, aprovei-tou o quando partia a acha, ta-lhou também a barba do velho.- Te venci - disse o jovem - agora vais morrer - e com uma barra de ferro golpeou o velho até que este começou a chorar e a pedir que parasse, que se parasse lhe daria grandes riquezas. O jovem soltou a barra de

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ferro e o deixou livre. O velho o levou de novo ao castelo e num sótão mostrou-lhe três cofres cheios de ouro.- De tudo isto, - disse o velho – um é para os pobres, outro para o rei e o terceiro para ti. Então deram as doze e o espírito desapareceu e o jovem ficou no escuro. Acho que posso encontrar a saída - disse o jovem. e tate-ando conseguiu encontrar o ca-minho até a saída onde estava o fogo e dormiu junto dele. Na manhã seguinte o rei foi vê-lo e disse:- Já deves ter aprendido o que é ter medo.- Não - disse – vi um morto e um homem com barba me deu um montão de dinheiro, mas nada me fez saber o que é ter medo.- Então, - disse o rei – salvaste o

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castelo e te casarás com minha filha.- Tudo isso é ótimo, - disse o jo-vem - mas sigo sem saber o que é ter medo. Repartiu-se o ouro e ce-lebrou a boda. Mas por muito que quisesse a sua esposa e por muito feliz que fosse o jovem rei sempre dizia:- Se pudesse ter medo... se pu-desse... Isso acabou por aborrecer sua esposa:- Encontrarei a cura, aprenderá a ter medo. Foi ao rio que atravessava o jardim e trouxe um cubo cheio de lambaris. À noite, quando João estava dormindo, sua es-posa levantou as cobertas e jo-gou sobre ele a água fria com os lambaris, de maneira que os peixinhos começassem a saltar

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sobre ele, que despertou e gri-tou:-Que susto! Agora sei o que é me assustar.

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Era uma vez um pobre lenha-dor que trabalhava desde

a manhã até a noite fechada. Quando finalmente ele conse-guiu juntar um pouco de dinhei-ro, disse ao seu menino:- Você é meu filho único e quero aplicar o meu dinheiro, que ga-nhei com o suor do meu rosto, na sua instrução. Se você aprender alguma coisa que preste, poderá me sustentar na minha velhice, quando os meus membros esti-verem endurecidos e eu tiver de ficar sentado em casa. Então o menino foi para uma boa escola e estudou com afinco, de modo que seus mes-tres o elogiavam, e ficou algum tempo por ali. Ele terminou um par de cursos, mas ainda não tinha se formado em tudo, quando aconteceu que o pouco dinheiro que o pai economizara se acabou e ele teve de voltar

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para casa.- Aí, - disse o pai, tristonho - não posso dar-lhe mais nada e com esta carestia não consigo tam-pouco ganhar nem um vintém a mais que para o pão de cada dia.- Querido pai, - respondeu o filho - não se preocupe com isso! Se Deus quiser, tudo terá sido para melhor; eu vou me arranjar. Quando o pai ia sair para a floresta, para ganhar alguma coisa com a lenha preparada, o filho disse:- Eu quero ir com você e ajudá-lo.- Sim, meu filho - disse o pai. - Mas isto lhe será muito difícil; você não está acostumado ao trabalho duro e não vai agüen-tar. Além disso eu não tenho ma-chado sobrando, e nem dinheiro para poder comprar um novo.

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- Vá procurar o vizinho - respon-deu o filho. - Ele lhe emprestará o seu machado até que eu possa ganhar o bastante para comprar um para mim. Então o pai tomou um ma-chado emprestado do vizinho e no dia seguinte, de manhã cedi-nho, os dois saíram juntos para a floresta. O filho ajudou o pai, com esforço e animado, sem se cansar. E quando o sol estava a pi-que sobre eles, o pai falou:- Vamos descansar e almoçar; depois o trabalho rende o do-bro. O filho pegou o seu pedaço de pão e disse:- Descanse, pai, Eu não estou fa-tigado; quero passear um pouco pela floresta e procurar ninhos de passarinho.- Ó rapazinho tolo! - disse o pai.

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- Para que quer ficar correndo de um lado para outro, só para ficar cansado e depois não po-der erguer o braço? Fique aqui sentado ao meu lado! Mas o filho se embrenhou na floresta, comeu o seu pão, muito contente, e espiou por entre os galhos a ver se encon-trava algum ninho. Assim ele andou de um lado para outro, até que chegou a um grande carvalho, que devia ter muitos séculos de idade, e cujo tron-co cinco homens não poderiam abraçar. Ele parou, olhou para a árvore e disse:- Aqui muitos pássaros devem ter construído seus ninhos. Mas aí pareceu-lhe de re-pente ouvir uma voz. Prestou atenção e ouviu gritar em tom bastante abafado:-Deixe-me sair! Deixe-me sair! Olhou em volta e não con-

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seguiu ver nada, mas pareceu-lhe que a voz saía de dentro da terra. Então gritou:- Onde está você?A voz respondeu:- Estou encalhado aqui embaixo, junto das raízes. Deixe-me sair, deixe-me sair! O estudante começou a cavocar debaixo da árvore e a procurar entre as raízes, até que por fim encontrou, num pequeno desvão, uma garrafa de vidro. Levantou-a e segurou-a contra a luz, e então viu lá den-tro uma coisa que parecia um sapo, pulando para cima e para baixo.- Deixe-me sair, deixe-me sair! - ouviu de novo. E o garoto, que não desconfiava de nada de mau, tirou a rolha da garrafa. Imediatamente escapou dela um gênio, que começou a

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crescer, e cresceu tão depressa que em poucos instantes uma figura terrificante, do tamanho da metade da árvore.- Sabe - urrou a aparição com voz aparovante - qual é o seu prêmio por ter-me libertado?- Não - respondeu o estudante, sem se assustar.- Como posso saber disso?- Então eu lhe direi - gritou o gênio. - Vou quebrar-lhe o pes-coço em troca disso.- Isto você devia ter-me dito antes - respondeu o estudante. - mas minha cabeça tem de per-manecer no lugar!- A recompensa merecida, esta você vai ganhar - gritou o gênio. - Ou pensa que foi por benevo-lência que me deixaram tranca-do dentro da garrafa por tanto tempo? Não, foi por castigo. Eu sou o poderoso Mercúrius;

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quem me soltar terá o pescoço quebrado.- Mais devagar! - respondeu o estudante. - As coisas não vão assim tão depressinha! Primeiro eu preciso ter certeza de que você, com este tamanho todo, estava de fato dentro dessa pe-quena garrafa, e de que você é o gênio verdadeiro; se você puder entrar e caber lá dentro de novo, então vou acreditar e poderá fa-zer comigo o que quiser. O gênio falou, cheio de ar-rogância:- Isto não é problema! - e co-meçou a se encolher e ficou tão fino e pequeno como estivera antes, de modo que se enfiou, pela mesma abertura no garga-lo, para dentro da garrafa. Mas nem bem ele estava lá dentro, o estudante tampou de-pressa a garrafa com a mesma rolha, pôs a garrafa de volta no

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antigo lugar, e o gênio foi logra-do. Agora o estudante queria voltar para junto do pai, mas o gênio gritou, muito lamentoso:- Deixe-me sair! Ó, deixe-me sair!- Não, - respondeu o estudante - você iria me enganar como da primeira vez.- Você está pondo a perder a sua própria felicidade - disse o gênio. - Eu não lhe farei mal, mas vou recompensá-lo ricamente. O estudante pensou:-Vou tentar; quem sabe ele mantém a palavra; eu não dei-xarei que ele me faça mal. Então tirou a rolha, e o gê-nio saiu como da primeira vez, espreguiçou-se e ficou do tama-nho de um gigante.- Agora você terá a sua recom-pensa - disse ele, entregando

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ao estudante um pequeno pano, que parecia um emplastro, e continuou: - Se você esfregar um ferimento com uma ponta dele, a ferida se fechará; e se esfregar ferro ou aço com a ou-tra ponta, o metal se transfor-mará em prata.- Preciso experimentar isso - disse o estudante. Pegou o seu machado, fe-riu a casca de uma árvore com ele, e esfregou o corte com uma ponta do emplastro; imedia-tamente o corte se fechou e a casca sarou.- Muito bem, a coisa funciona - disse ele ao gênio - Agora po-demos nos separar. O gênio agradeceu-lhe pela sua libertação e o estu-dante agradeceu ao gênio pelo presente e voltou para junto do pai.- Por onde você andou passean-

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do? - perguntou o pai. - Por que esqueceu o trabalho? Bem que eu disse logo que você não seria capaz de fazer coisa alguma.- Não se zangue, pai; eu vou alcança-lo.- Sim, alcançar, alcançar; - dis-se o pai, irritado - isto não é tão fácil.- Pois preste atenção, pai: vou já derrubar esta árvore aqui tão bem que ela vai tombar com um estrondo. Então ele pegou o seu ma-chado, esfregou-o com o em-plastro e desferiu uma possan-te machadada na árvore. Mas como o ferro tinha virado prata, a lâmina perdeu todo o corte.- Ei, pai, veja que machado ruim você me deu. Ele entortou todo com o primeiro golpe. O pai as-sustou-se e disse:- Ai, o que foi que você fez! Ago-

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ra terei de pagar pelo machado e não sei como nem com quê. É esta a vantagem que me traz o seu trabalho...- Não se zangue, pai! - respon-deu o filho. - Eu vou pagar pelo machado.- Ó seu bobalhão, - exclamou o pai - com o que você vai pagá-lo, se não tem nada além do que lhe dou? Tolices de estudante, é só o que tem na cabeça, mas de cortar lenha você não entende nada. Dali a pouco, o estudante disse:- Pai, agora que eu não posso trabalhar mais mesmo, é me-lhor que encerremos a jornada e vamos para casa.- Qual o quê! - respondeu o pai. - Você pensa que eu quero cruzar os braços no colo como você? Eu ainda preciso traba-lhar, mas você pode se mandar

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para casa.- Pai, é a primeira vez que eu estou aqui no meio da flores-ta, não sei achar o caminho de volta para casa sozinho, venha comigo! Como a sua cólera já se acalmara, o pai deixou-se per-suadir e voltou com o filho para casa. Então lhe disse:-Vá e venda o machado estraga-do e veja o que pode conseguir por ele. Vou tratar de ganhar a diferença com o meu trabalho, para pagar ao vizinho. No dia seguinte, o filho pegou o machado e levou-o à cidade, a um ourives. Este fez a prova, colocou o machado na balança e disse:- Ele vale quatrocentos talers; eu não tenho tanto dinheiro para pagar à vista. O estudante falou:

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- Dê-me o quanto tiver em di-nheiro; eu espero pelo restante, em confiança. O ourives pagou-lhe tre-zentos talers e ficou devendo cem. Com isso o estudante vol-tou para casa e disse:- Pai, eu tenho dinheiro. Vá e pergunte o que o vizinho quer pelo seu machado.- Isto eu já sei - disse o pai. - Um taler e seis décimos.- Então dê-lhe dois talers e doze décimos, isto é, o dobro, e é su-ficiente. Está vendo, pai, eu tenho dinheiro de sobra! E com isso ele entregou ao pai cem talers e disse:- Nunca mais vai lhe faltar nada, pai. Viva agora em conforto.- Meu Deus! - disse o velho. - Como foi que lhe veio essa ri-queza?

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Então o filho contou-lhe como tudo acontecera, e como ele, confiante na sorte, fizera tão rico achado. Mas com o dinhei-ro que sobrou, o rapaz voltou para a escola superior e conti-nuou a estudar. E, como podia curar todos os ferimentos com o seu emplastro, ele tornou-se o médico mais famoso do mundo inteiro.

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Há muito tempo, quando os desejos funcionavam, vivia

um rei que tinha filhas muito be-las. A mais jovem era tão linda que o sol, que já viu muito, fica-va atônito sempre que iluminava seu rosto. Perto do castelo do rei ha-via um bosque grande e escuro no qual havia um lagoa sob uma velha árvore. Quando o dia era quente, a princesinha ia ao bos-que e se sentava junto à fonte. Quando se aborrecia, pe-gava sua bola de ouro, a jogava alto e recolhia. Essa bola era seu brinquedo favorito. Porém acon-teceu que uma das vezes que a princesa jogou a bola, esta não caiu em sua mão, mas sim no solo, rodando e caindo direto na água. A princesa viu como ia de-saparecendo na lagoa, que era profunda, tanto que não se via o

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fundo. Então começou a chorar, mais e mais forte, e não se con-solava e tanto se lamenta, que alguém lhe diz:- Que te aflige princesa? Choras tanto que até as pedras senti-riam pena. Olhou o lugar de onde vinha a voz e viu um sapo colocando sua enorme e feia cabeça fora d’água.- Ah, és tu, sapo - disse - Estou chorando por minha bola de ouro que caiuna lagoa.- Calma, não chores -, disse o sapo – Posso ajudar-te, porém, que me darás se te devolver a bola?- O que quiseres, querido sapo - disse ela, - Minhas roupas, minhas pérolas, minhas jóias, a coroa de ouro que levo. O sapo disse:- Não me interessam tuas rou-

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pas, tuas pérolas nem tuas jóias, nem a coroa. Porém me prometes deixar-me ser teu companheiro e brincar contigo, sentar a teu lado na mesa, co-mer em teu pratinho de ouro, beber de teu copinho e dormir em tua cama; se me prometes isto eu descerei e trarei tua bola de ouro.- Oh, sim- disse ela - Te prome-to tudo o que quiseres, porém devolve minha bola – mas pen-sou- Fala como um tolo. Tudo o que faz é sentar-se na água com outros sapos e coachar. Não pode ser companheiro de um ser humano. O sapo, uma vez recebida a promessa, meteu a cabeça na água e mergulhou. Pouco depois voltou nadando com a boa na boa, e a lançou na grama. A princesinha estava en-cantada de ver seu precioso

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brinquedo outra vez, colheu-a e saiu correndo com ela.- Espera, espera - disse o sapo – Leva-me. Não posso correr tanto como tu. Mas de nada serviu coachar atrás dela tão forte quanto pôde. Ela não o escutou e correu para casa, esquecendo o pobre sapo, que se viu obrigado a voltar à lagoa outra vez. No dia seguinte, quando ela sentou à mesa com o rei e toda a corte, estava comen-do em seu pratinho de ouro e algo veio arrastando-se, splash, splish splash pela escada de mármore. Quando chegou ao alto, chamou à porta e gritou:- Princesa, jovem princesa, abre a porta. Ela correu para ver quem estava lá fora. Quando abriu a

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porta, o sapo sentou-se diante dela e a princesa bateu a porta. Com pressa, tornou a sen-tar, mas estava muito assusta-da. O rei se deu conta de que seu coração batia violentamente e disse:- Minha filha, por que estás as-sustada? Há um gigante aí fora que te quer levar?- Ah não, respondeu ela - não é um gigante, senão um sapo.- O que quer o sapo de ti?- Ah querido pai, estava jogan-do no bosque, junto à lagoa, quando minha bola de ouro caiu na água. Como gritei muito, o sapo a devolveu, e porque insis-tiu muito, prometi-lhe que seria meu companheiro, porém nunca pensei que seria capaz de sair da água. Entretanto o sapo chamou à porta outra vez e gritou:

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- Princesa, jovem princesa, abre a porta. Não lembras que me disseste na lagoa? Princesa, jo-vem princesa, abre a porta.Então o rei disse:- Aquilo que prometeste, deves cumprir. Deixa-o entrar. Ela abriu a porta, o sapo saltou e a seguiu até sua cadei-ra. Sentou-se e gritou:- Sobe-me contigo. Ela o ignorou até que o rei lhe ordenou. Uma vez que o sapo estava na cadeira, quis sentar na mesa. Quando subiu, disse:- Aproxima teu pratinho de ouro porque devemos comer juntos. Ela o vez, porém se via que não de boa vontade. O sapo aproveitou para comer, porém ela enjoava a cada bocado. Em seguida disse o sapo:- Comi e estou satisfeito, mas

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estou cansado. Leva-me ao quarto, prepara tua caminha de seda e nós dois vamos dormir. A princesa começou a cho-rar porque não gostava da idéia de que o sapo ia dormir na sua preciosa e limpa caminha. Po-rém o rei se aborreceu e disse:- Não devias desprezar àquele que te ajudou quando tinhas problemas. Assim, ela pegou o sapo com dois dedos, e a levou para cima e a deixou num canto. Po-rém, quando estava na cama o sapo se arrastou até ela e dis-se:- Estou cansado, eu tambem quero dormir, sobe-me senão conto a teu pai. A princesa ficou então mui-to aborrecida. Pegou o sapo e o jogou contra a parede.- Cale-se, bicho odioso – disse

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ela. orém, quando caiu ao chão não era um sapo, e sim um príncipe com preciosos olhos. Por desejo de seu pai ele era seu companheiro e marido. Ele contou como havia sido encan-tado por uma bruxa malvada e que ninguém poderia livrá-lo do feitiço exceto ela. Também disse que no dia seguinte iriam todos juntos ao seu reino. Se foram dormir e na ma-nhã seguinte, quando o sol os despertou, chegou uma carrua-gem puxada por 8 cavalos bran-cos com plumas de avestruz nacabeça. Estavam enfeitados com correntes de ouro. Atrás estava o jovem escudeiro do rei, Enri-que. Enrique havia sido tão des-graçado quando seu senhor foi convertido em sapo que colocou três faixas de ferro rodeando

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seu coração, para se acaso es-talasse de pesar e tristeza. A carruagem ia levar ao jovem rei a seu reino. Enrique os ajudou a entrar e subiu atrás de novo, cheio de alegria pela li-bertação, e quando já chegavam a fazer uma parte do caminho, o filho do rei escutou um ruído atrás de si como se algo tivesse quebrado. Assim, deu a volta e gritou:- Enrique, o carro éstá se rom-pendo.- Não amo, não é o carro. É uma faixa de meu coração, a coloquei por causa da minha grande dor quando eras sapo e prisioneiro do feitiço. Duas vezes mais, enquan-to estavam no caminho, algo fez ruído e cada vez o filho do rei pensou que o carro estava rom-pendo, porém eram apenas asfaixas que estavam se despren-

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dendo do coração de Enrique porque seu senhor estava livre e era feliz.

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13 Os Músicos de Bremen

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Um homem tinha um burro que, há muito tempo, car-

regava sacos de milho para o moinho. O burro, porém, já es-tava ficando velho e não podia mais trabalhar. Por isso, o dono tencionava vendê-lo. O pobre animal, sabendo disso, ficou muito preocupado, pois não podia imaginar como seria seu novo dono... e então, para evitar qualquer surpresa desagradável, pôs-se a caminho da cidade de Bremen.-Certamente, poderei ser músi-co na cidade, pensava ele. Depois de andar um pouco, encontrou um cão deitado na estrada, arfando de cansaço.- Por que estás assim tão fati-gado? perguntou o burro.- Amigo, já estou ficando velho e, a cada dia, vou ficando mais fraco. Não posso mais caçar; por isso meu dono queria me

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entregar à carrocinha. Então, fugi, mas não sei como ganhar a vida.- Pois bem, lhe disse o burro. Minha história é bem semelhan-te à sua. Vou tentar a vida como músico em Bremen. Venha co-migo. Eu tocarei flauta e você poderá tocar tambor. O cão aceitou o convite e seguiu com o burro. Não tinham andado muito, quando encon-traram um gato, muito triste, sentado no meio do caminho.- Que tristeza é essa, compa-nheiro? lhe perguntaram os dois.- Como posso estar alegre, se minha vida está em perigo? res-pondeu o gato. Estou ficando velho e prefiro estar sentado junto ao fogo, em vez de caçar ratos. Por esse motivo, minha dona quer me afogar.- Ora, venha conosco a Bremen,

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propuseram os outros. Seremos músicos e ganharemos muito dinheiro. O gato, depois de pensar um pouco, aderiu e acompa-nhou-os. Foram andando até que encontraram um galo, cantando tristemente, trepado numa cer-ca.- Que foi que lhe aconteceu, amigo? perguntaram os três.- Imaginem, respondeu o galo, que amanhã a dona da casa vai ter visitas para o jantar. Então, sem dó nem piedade, ordenou ao cozinheiro que me matasse para fazer uma canja. Os outros, então, lhe pro-puseram:- Nós vamos a Bremen, onde nos tornaremos músicos. Você tem boa voz. Que tal se nos reunissemos para formar um conjunto?

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O galo gostou da idéia e juntando-se aos outros segui-ram caminho. A cidade de Bremen ficava muito distante e eles tiveram que parar numa floresta para passar a noite. O burro e o cão deitaram-se em baixo de uma árvore grande. O gato e o galo alojaram-se nos galhos da árvo-re. O galo, que se tinha colo-cado bem no alto, olhando ao redor, avistou uma luzinha ao longe, sinal de que deveria ha-ver alguma casa por ali. Disse isso aos companheiros e todos acharam melhor andar até lá, pois o abrigo ali não estava mui-to confortável. Começaram a andar e, cada vez mais, a luz se aproxi-mava. Afinal, chegaram à casa. O burro, como era o maior, foi até a janela e espiou por uma

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fresta. À volta de uma mesa, viu quatro ladrões que comiam e bebiam. Transmitiu aos amigos o que tinha visto e ficaram to-dos imaginando um plano para afastar dali os homens. Por fim, resolveram aproximar-se da ja-nela. O burro colocou-se de maneira a alcançar a borda da janela com uma das patas. O cão subiu nas costas do burro. O gato trepou nas costas do cão e o galo voou até ficar em cima do gato. Depois, a um sinal combi-nado, começaram a fazer sua música juntos: o burro zurrava, o cão latia, o gato miava e o galo cacarejava. A seguir, quebrando os vidros da janela, entraram pela casa a dentro, fazendo uma barulhada medonha. Os ladrões, pensando que

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algum fantasma havia surgido ali, saíram correndo para a flo-resta. Os quatro animais sen-taram-se à mesa, serviram-se de tudo e procuraram um lugar para dormir. O burro deitou-se num monte de palha, no quin-tal; o cão, junto da porta, como a vigiar a casa; o gato, junto ao fogão, e o galo encarrapitou-se numa viga do telhado. Como estavam muito cansados, logo adormeceram. Um pouco além da meia noite, os ladrões, verificando que a luz não brilhava mais den-tro da casa, resolveram voltar. O chefe do bando disse aos de-mais:- Não devemos ter medo! E mandou que um entrasse primeiro para examinar a casa. Chegando à casa, o homem di-rigiu-se à cozinha para acender

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um vela. Tomando os olhos do gato, que brilhavam no escuro, por brasas, tentou neles acen-der um fósforo. O gato, entretanto, não gostou da brincadeira e avan-çou para ele, cuspindo-o e arra-nhando-o. Ele tomou um grande susto e correu para a porta dos fundos, mas o cão, que lá es-tava deitado, mordeu-lhe a per-na. O ladrão saiu correndo para o quintal, mas, ao passar pelo burro, levou um coice. O galo, que acordara com o barulho, cantou bem alto:- Có, có, ró, có!!!! Sempre a correr, o ladrão foi se reunir aos outros, a quem contou:- Lá dentro há uma horrível bru-xa que me arranhou com suas unhas afiadas e me cuspiu no rosto. Perto da porta, há um homem mau que me passou um

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canivete na perna. No quintal, há um monstro escuro, que me bateu com um pedaço de pau. Além disso tudo, no telhado está sentado um juiz, que gritou bem alto:“- Traga aqui o patife!!!”... Acho que não devemos voltar lá... é muito perigoso!! Depois disso, nunca mais os ladrões voltaram à casa, e os quatro músicos de Bremen sentiam-se muito bem lá, onde faziam suas músicas e viviam despreocupados. De vez em quando alguém das redondezas os chamavam e lá iam eles, felizes e contentes, tocar a sua música....”

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14 Rumpelstiltskin

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Havia uma vez um moleiro pobre que tinha uma filha

muito bela. Um dia aconteceu de ter que ir falar com o rei e, para parecer mais importante, disse:- Tenho uma filha que pode fiar a palha e convertê-la em ouro.- Essa é uma habilidade que me impressiona – disse o rei ao mo-leiro – se tua filha é tão hábil como dizes, traga-a amanhã ao meu palácio e vamos ver isso. Quando trouxeram a garo-ta, o rei a levou para uma quar-to cheio de palha, deu-lhe uma roca e uma bobina e disse:- Trabalha e, se amanhã pela manhã não tiveres convertido toda essa palha em ouro, du-rante a noite, morrerás. Então ele mesmo fechou a porta a chave e a deixou só. A filha do moleiro se sentou sem poder fazer nada para salvar sua

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vida. Não tinha a menor idéia de com fiar a palha e convertê-la em ouro, e se assustava cada vez mais, até que por fim come-çou a chorar. Porém, de repente a porta se abriu e entrou um homenzi-nho:- Boa tarde, senhorita moleira, por que estás chorando tanto?- Ai de mim – disse a garota – tenho que fiar essa palha e convertê-la em ouro porém não sei como fazê-lo.- O que me dás – disse o ho-menzinho – se fizer isso por ti?- Meu colar, disse ela. O homenzinho pegou o colar, sentou-se à roca e whirr, whirr, whirr três voltas e a bobi-na estava cheia. Pôs outra e whirr, whirr, whirr três voltas e a segunda estava cheia também. E seguiu

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assim até o amanhecer, quando toda palha estava fiada e todas as bobinas cheias de ouro. Ao despertar o dia o rei já estava ali, e quando viu o ouro ficou atônito e encantado, porém seu coração se tornou mais ava-rento. Levou a filha do moleiro a outra sala, muito maior e cheia de palha e lhe ordenou que fias-se a noite inteira, se apreciava a vida. A garota que não sabia o que fazer, estava chorando quan-do a porta se abriu de novo. O homenzinho apareceu e disse:- Que me darás se eu converter essa palha em ouro? - pergun-tou ele.- O anel que levo em meu dedo – disse ela. O homenzinho apanhou o anel e começou outra vez a girar a roca, e pela manhã havia fia-do toda a palha e convertido em

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brilhante ouro. O rei ficou felicís-simo quando viu aquilo. Porém como não tinha ouro suficiente, levou a filha do moleiro a outra sala cheia de palha, muito maior que a anterior, e disse:- Tens que fiar isso durante esta noite, se conseguires, serás mi-nha esposa.- “Apesar de ser a filha de um moleiro, “ pensou, “ não poderei encontrar esposa mais rica no mundo.”Quando a garota ficou só, o ho-menzinho apareceu pela terceira vez, e disse:- Que me darás se fiar a palha desta vez?- Não tenho mais nada para te dar – respondeu a garota.- Então me prometa, que se te tornares rainha, me darás teu primeiro filho.- “Quem sabe se isso ocorrerá

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alguma vez.“ pensou a filha do moleiro. E não sabendo como sair daquela situação, prometeu ao homenzinho o que ele queria e uma vez mais a palha foi con-vertida em ouro. Quando o rei chegou pela manhã, e encontrou todo o ouro que havia desejado, casou-se com ela e a preciosa filha do moleiro tornou-se rainha. Um ano depois, trouxe ao mundo um belo menino, e em nenhum momento se lembrou do homenzinho. Porém, de re-pente, veio ao seu quarto e lhe disse:- Dá-me o que prometeste. A rainha estava horrorizada e lhe ofereceu todas as riquezas do reino para deixar seu filho. Porém o homenzinho dis-se:- Não, algo vivo vale para mim

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mais que todos os tesouros do mundo. A rainha começou a se la-mentar e chorar tanto que o ho-menzinho se compadeceu dela:- Te darei três dias - disse – se descobrires meu nome, então ficarás com teu filho. Então a rainha passou toda a noite pensando em todos os nomes que tinha ouvido, e man-dou um mensageiro a todos os cantos do reino para perguntar por todos os nomes que havia. Quando o homenzinho chegou no dia seguinte, ela começou: Gaspar, Melquior, Baltazar... Dis-se um atrás do outro, todos os nomes que sabia, porém a cada um o homenzinho dizia:- Esse não é meu nome. No segundo dia havia perguntado aos vizinhos seus nomes, e ela repetiu os mais curiosos e pouco comuns:

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- Seria teu nome Pata de Cor-deiro ou Laço Largo?Porém ele disse:- Esse não é meu nome.Ao terceiro dia o mensageiro voltou e disse:- Não encontrei nenhum nome. Porém, quando subia uma gran-de montanha ao final de um bosque, onde a raposa e a lebre se desejam boas noites, ali vi um homenzinho muito ridículo saltando.. Deu um cabriola e gritou:-Hoje trago o pão, amanhã trarei cerveja no outro terei o filho da jovem rainha. Já estou contente de que nada aconteça que Rum-pelstiltskin me chamo. Podéis imaginar o conten-tamento da rainha quando escu-tou o nome. E quando logo em seguida o chegou o homenzinho e perguntou:

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- Bem, jovem rainha, qual é meu nome?A rainha primeiro disse:- Te chamas Conrado?- Não.- Te chamas Harry?- Não.- Quem sabe teu nome é... Rum-pelstiltskin?- Te contou o demônio! Te con-tou o demônio! Gritou o homen-zinho e, na sua raiva, bateu o pé direito na terra tão forte que entrou toda a perna e quando tirou com raiva a perna, com as duas mãos se partiu em dois.

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15A serpente branca

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Há muitos e muitos anos, vivia um rei muito cele-

brado por sua sabedoria. Nada era oculto para ele. Era como se o conhecimento das coisas mais secretas chegasse até ele pelo ar. Mas tinha um estranho costume. Quando a refeição do meio-dia acabava, a mesa era tirada e não havia mais ninguém presente, um criado de confian-ça lhe trazia um prato a mais. Esse prato era coberto. Nem mesmo o criado sabia o que havia ali dentro. Nem ele nem mais ninguém, porque o rei só tirava a tampa e comia depois que ficava sozinho. Um dia, depois que isso já acontecia há algum tempo, o criado não agüentou mais de curiosidade na hora de levar o prato embora. Secretamente o carregou para seu quarto, trancou a porta com cuidado e,

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quando levantou a tampa, viu que dentro havia uma serpente branca. Depois de ver a cobra, não agüentou ficar sem dar uma provadinha. Cortou um pedaço bem pequeno dela e o pôs na boca. Assim que o pedacinho da serpente tocou a língua dele, o criado começou a ouvir sussur-ros suaves e estranhos do lado de fora da janela. Quando se debruçou para ver o que era, descobriu que as vozes que murmuravam eram de pardais conversando, que contavam uns aos outros tudo o que tinham visto pelos bosques e campos. Provar a serpente tinha lhe dado o poder de entender a linguagem das aves e dos animais. Ora, aconteceu que justa-mente naquele dia desapareceu o melhor anel da rainha. Como o criado de confiança tinha toda

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a liberdade para ir onde bem entendesse no palácio, suspei-taram que o tivesse roubado. O rei mandou chamá-lo e brigou com ele, dizendo que, a não ser que ele desse o nome do ladrão até o dia seguinte, seria consi-derado culpado e decapitado. Não adiantou jurar inocência. O rei mandou-o embora sem uma palavra de consolo. Com medo e se sentindo desgraçado, ele foi até o quin-tal e ficou pensando, vendo se encontrava um jeito para sair daquela situação. Alguns patos estavam calmamente sentados na beira de um riacho, à von-tade, se alisando com o bico e batendo papo. O criado parou e escutou. Cada um dizia aos ou-tros o que tinha acontecido em todos os lugares por onde tinha nadado naquela manhã, e toda a comida gostosa que tinha co-

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mido. Mas um deles disse, quei-xoso:— Estou com um peso no estô-mago... Estava comendo tão de-pressa que engoli um anel que estava no chão bem embaixo da janela da rainha... O criado rapidamente agar-rou o pato pelo pescoço, levou-o direto para a cozinha e disse ao cozinheiro:— Olha só que pato gordo... Se eu fosse você, assava ele.— É mesmo... — disse o cozi-nheiro, pesando o pato com a mão. — Já que ele se esforçou para ganhar tanto peso, é tem-po agora de ir para o forno. Cortou o pescoço do pato e depois, quando estava limpan-do a ave para assar, encontrou o anel da rainha no estômago dela. Com isso, não foi difícil o criado convencer o rei de sua inocência. Querendo reparar a

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injustiça que tinha feito, o rei lhe perguntou se havia alguma coisa que ele desejasse, e lhe ofereceu o cargo que ele quises-se escolher na corte. O criado recusou todas as honras e disse que só queria um cavalo e um pouco de dinheiro, porque desejava ver o mundo e viajar um bocado. O rei logo lhe deu o que queria, e ele partiu. Um dia, passando por um lago, notou que três peixes es-tavam presos nuns caniços e es-tavam ficando sem água. Dizem que os peixes são mudos, mas ele ouviu muito bem como eles gemiam se lamentando, diante da morte horrível que os espe-rava. Como era um bom sujeito, desceu do cavalo e pôs os três cativos novamente na água. Eles puseram as cabecinhas de fora, se abanando de alegria, e disseram:

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— Vamos lembrar disso e recom-pensar você por nos ter salvo.Ele continuou seu caminho e, pouco depois, ouviu uma voz que vinha da areia a seus pés. Prestou atenção e ouviu a quei-xa do rei das formigas:— Se os humanos conseguissem manter seus animais desajeita-dos bem longe de nós, seria óti-mo! Esse cavalo estúpido com esses cascos imensos e pesados está esmagando meu povo sem piedade... Ouvindo isso, o criado saiu por um caminho lateral, e o rei das formigas gritou:— Vamos lembrar disso e re-compensar você... O caminho levava a uma floresta. Lá, ele viu um casal de corvos empurrando os filhotes para fora do ninho:— Fora, seus marmanjões! —

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gritavam. — Não podemos mais encher as barrigas de vocês. Já estão bem grandinhos para bus-carem sua própria comida. Os pobres filhotes batiam as asas desajeitados e não con-seguiam levantar-se do chão.— Ainda somos filhotes indefe-sos... — gritavam. — Como é que podemos arranjar comida se ainda nem sabemos voar? Vocês vão nos fazer morrer de fome! Ouvindo isso, o bom jovem apeou, matou o cavalo com a espada e deu sua carne para ali-mentar os filhotes de corvo. Eles vieram saltitando, comeram até se fartar, e disseram:— Vamos lembrar disso e re-compensar você. Daí para a frente, ele teve que usar as pernas. Depois de muito caminhar, chegou a uma grande cidade. As ruas estavam

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cheias de barulho e movimento. Um homem a cavalo anunciava que a filha do rei estava procu-rando marido, mas que quem quisesse pedir a mão dela pre-cisava primeiro cumprir uma ta-refa muito difícil e, se falhasse, perderia a vida. Muitos já tinham tentado, mas arriscaram a vida à toa. Quando o jovem viu a fi-lha do rei, ficou tão estonteado com a beleza dela que se esque-ceu do perigo, foi até o rei e se apresentou como pretendente. Foi levado diretamente à beira do mar. Lá, diante de seus olhos, jogaram n’água um anel de ouro. Depois, o rei lhe disse que ele precisaria ir buscar o anel lá no fundo. E acrescentou:— Se você sair da água sem ele, será jogado de volta, tantas vezes quantas necessário, até morrer nas ondas. Os cortesãos todos ficaram

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com pena do jovem e lamenta-ram sua sorte, tão bonito. De-pois, deixaram-no sozinho na praia. Ele ficou um pouco ali para-do, pensando no que ia fazer. De repente, viu três peixes nadando em sua direção — justamente os três cujas vidas ele tinha salvo. O do meio tinha uma concha na boca. Depositou-a na praia, jun-to aos pés do rapaz. Quando ele pegou a concha e abriu, viu que dentro estava o anel de ouro. Todo contente, levou o anel até o rei, esperando receber a recompensa prometida. Mas a princesa era muito prosa e, quando viu que ele era inferior a ela em nascimento, despre-zou-o e disse que ele ia precisar cumprir uma segunda tarefa. Desceu até o jardim e espalhou dez sacos cheios de farelo pelo meio da grama.

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— Você vai ter que recolher tudo isso até amanhã, antes do sol nascer — disse ela —, sem faltar nem um grãozinho. O rapaz sentou no jardim e começou a pensar em um jeito de cumprir a tarefa, mas não lhe ocorria nada. E lá ficou ele, tristíssimo, esperando que o levassem para a morte quando o dia nascesse. Mas quando os primeiros raios do sol chegaram ao jardim, ele viu que os dez sa-cos estavam de pé, cheios até a borda, sem faltar nem um grão-zinho. O rei das formigas tinha vindo durante a noite, com mi-lhares e milhares de formigas, e os bichinhos agradecidos tinham juntado todos os grãos de farelo dentro dos sacos outra vez. A filha do rei veio em pes-soa até o jardim e ficou espan-tadíssima de ver que a tarefa tinha sido cumprida. Mas seu

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coração prosa ainda se recusava a se render. Por isso, ela disse:— Ele cumpriu as duas tarefas. Mas não será meu marido en-quanto não me trouxer um fruto da árvore da vida. O rapaz nem sabia onde fi-cava essa árvore da vida. Partiu procurando, resolvido a andar até onde as pernas o levassem, mas sem qualquer esperança de encontrar. Uma noite, depois de pro-curar por três reinos, ele che-gou a uma floresta. Sentou-se debaixo de uma árvore e estava quase adormecendo quando ouviu um barulho nos galhos e uma fruta de ouro caiu em suas mãos. Ao mesmo tempo, três corvos desceram voando da ár-vore, pousaram em seus joelhos e disseram:— Nós somos os filhotes de cor-vo que você não deixou morrer

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de fome. Quando crescemos e ouvimos dizer que você estava procurando a fruta de ouro, vo-amos por cima do mar até o fim do mundo, onde cresce a árvore da vida, e pegamos a fruta.Muito contente, o rapaz voltou para casa. Deu a fruta de ouro para a princesa e, depois disso, ela não tinha mais desculpa. Di-vidiram a maçã da vida e a co-meram juntos. Aí o coração dela se encheu de amor por ele, e os dois viveram até a velhice numa felicidade perfeita.

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16O ganso de ouro

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Era uma vez um homem que tinha três filhos. Todo mun-

do chamava o mais moço de João Bobo, e ria e zombava dele o tempo todo. Um dia, o mais velho resolveu ir à floresta cor-tar lenha. Antes de sair, a mãe deu a ele um bolo gostoso e uma garrafa de vinho, para matar a fome e a sede. Quando estava no meio do mato, ele encontrou um homenzinho cinzento, que deu bom-dia e disse:— Estou com tanta fome, e com tanta sede... Por favor, me dê um pedaço desse bolo que você tem no bolso e um pouco do seu vinho. O filho esperto respondeu:— Se eu lhe der meu bolo e meu vinho, não vai sobrar nada para mim. Me deixe em paz. E deixou o homenzinho pa-rado ali. Em seguida, começou a cortar uma árvore, mas num

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instante errou o alvo, acertou o braço com uma machadada e teve que ir para casa fazer cura-tivo. Tudo por artes do homen-zinho cinzento. Depois, o segundo filho também foi para a floresta fa-zer lenha, e a mãe também lhe deu bolo e vinho, igualzinho a como tinha sido com o mais ve-lho. E ele também encontrou o homenzinho cinzento, que pediu um pedaço de bolo e um pouco de vinho. Mas o segundo filho também quis ser esperto e res-pondeu:— Se eu der para você, não sobra para mim. Me deixe em paz. E deixou o homenzinho ali parado. Não precisou esperar muito pelo castigo. Logo nas primeiras machadadas que deu numa ár-vore, cortou-se na perna e teve que ser carregado para casa.

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Aí João Bobo pediu:— Papai, deixe eu ir fazer le-nha... O pai respondeu:— Seus irmãos bem que ten-taram e não conseguiram. É melhor você deixar isso pra lá... Afinal, você não entende nada de cortar lenha. Mas João Bobo pediu e implorou até que o pai acabou dizendo:— Muito bem, vá em frente. Se você se machucar, talvez apren-da a lição. A mãe deu a ele um bolo feito de água e cinzas, e uma garrafa de cerveja choca. Quan-do ele chegou à floresta, tam-bém encontrou o homenzinho cinzento que lhe disse:— Estou com tanta fome, e com tanta sede... Por favor, me dê um pedaço de bolo e um pouco

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de vinho. João Bobo respondeu:— Eu só tenho bolo de cinzas e uma cerveja choca. Se você não se incomodar, sente aqui comigo e coma e beba à vontade. Eles se sentaram, mas quando João Bobo pegou o bolo de cinzas, viu que ele tinha vi-rado um bolo finíssimo e muito gostoso, e que a cerveja choca agora era um vinho delicioso. Comeram e beberam e, quando acabaram, o homenzinho disse:— Como você tem bom coração e divide alegremente com os outros o que tem, vou lhe dar sorte. Está vendo aquela árvore velha lá adiante? Se você a der-rubar, vai encontrar uma coisa no meio das raizes.E foi embora. João Bobo derrubou a ár-vore. Quando ela caiu, havia no

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meio das raizes um ganso com penas de ouro puro. Ele pegou o ganso no colo e foi passar a noite numa hospedaria. O hospedeiro tinha três filhas que, assim que viram o ganso de ouro, ficaram curiosís-simas para saber mais coisas de um animal tão estranho. Todas cobiçavam as penas de ouro, e a mais velha pensou: na certa eu vou conseguir arrancar uma para mim. Quando João Bobo foi dor-mir, ela agarrou a asa do ganso, mas ficou com o dedo e a mão presos, sem conseguir soltar. Pouco depois, chegou a segun-da irmã e também só pensou em arrancar uma pena de ouro, mas, assim que tocou sua irmã, ficou presa também. Finalmen-te, chegou a terceira, com o mesmo objetivo. As outras duas gritaram:

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— Fique longe daqui, pelo amor de Deus! Longe daqui! Mas ela não entendia por que tinha que ficar longe dali, pensando: por que não devo ir aonde elas estão? Correu até elas, tocou a irmã e ficou bem presa. Acaba-ram tendo todas que passar a noite com o ganso. Na manhã seguinte, João Bobo pegou o ganso no colo e foi-se embora. Nem reparou nas três moças que estavam pendu-radas nele, e lá se foram elas correndo atrás dele, ora para a esquerda, ora para a direita, por qualquer caminho que ele cis-masse de seguir. Quando pas-saram correndo por uma estra-dinha no campo, cruzaram com o padre. Ao ver a tal procissão, ele disse:— Que horror, garotas! Vocês deviam ter vergonha! Por que

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vocês estão perseguindo esse rapaz? Acham que isso é boni-to? Dizendo isso, agarrou a mão da mais nova e tentou puxá-la, mas, no momento em que fez isso, também ficou preso e teve que sair correndo junto com os outros. Daí a pouco, encontra-ram o sacristão. Quando viu o padre correndo atrás das três moças, gritou espantadíssimo:— Ei, reverendo, aonde é que o senhor está indo com tanta pressa? Não se esqueça: temos um batizado hoje! Correu atrás dele, agar-rou-o pela manga e ficou preso também. Enquanto os cinco seguiam apressados pela estrada, en-contraram dois camponeses que vinham dos campos com suas enxadas. O padre pediu ajuda, mas assim que eles encostaram

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no sacristão também ficaram presos, e a esta altura já eram sete pessoas correndo atrás de João Bobo e de seu ganso. Bem mais tarde, chegaram a uma cidade onde havia um rei cuja filha era tão séria que nin-guém conseguia fazê-la rir. Por isso, o rei tinha decretado que o primeiro homem que conse-guisse fazer a princesa rir casa-ria com ela. Quando João Bobo ouviu isso, foi até a presença do rei , com seu ganso e todo o cortejo. Na hora em que a princesa viu aquelas sete pessoas corren-do enfileiradas, teve um ataque de riso tão forte que parecia que nunca mais ia parar de dar gar-galhadas. Então João Bobo dis-se que tinha o direito de casar com ela, mas o rei não queria um genro como ele e começou a fazer todo tipo de objeção. Até

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que acabou dizendo que, para casar com sua filha, João Bobo ia ter que trazer um homem que fosse capaz de beber uma adega inteirinha cheia de vinho. João Bobo pensou, pensou, e achou que talvez o homenzi-nho cinzento da floresta pudes-se dar alguma ajuda, por isso foi até lá. No lugar onde tinha cortado a árvore, viu um sujeito com um ar muito infeliz, senta-do no chão. Quando João Bobo perguntou a ele por que estava tão triste, o homem respondeu:— Estou com uma sede tão gran-de que nada faz passar. Acabei de beber um barril inteiro de vi-nho, mas isso é só uma gotinha para o que eu preciso.— Eu posso te ajudar — disse João Bobo. — É só vir comigo e se fartar... Foi com ele até a adega do rei, e o homem começou seu

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trabalho nos grandes tonéis. Bebeu, bebeu, até ficar com as bochechas doendo, mas antes do dia acabar tinha secado a adega inteira. Mais uma vez, João Bobo foi reclamar seu direito, mas o rei relutava tanto em deixar que um idiota conhecido como João Bobo casasse com sua filha que acabou pensando em outra con-dição: agora queria um homem que fosse capaz de comer uma montanha inteira de pão. João Bobo nem precisou pensar muito. Foi até a floresta e, no mesmo lugar, encontrou um homem que estava apertan-do o cinto em volta da barriga, fazendo a cara mais infeliz do mundo.— Acabo de comer um forno cheio de pão — disse o homem —, mas, para uma fome como a minha, isso não dá nem para

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a saída. Minha barriga continua vazia como sempre e, se eu não a apertasse muito, a fome ia acabar me matando. João Bobo gostou de ouvir isso.— Venha comigo — disse. — Você vai comer até dizer chega.E levou o homem para o pátio do castelo do rei. Tinham trazido toda a fari-nha de trigo que existia no reino todo e tinham feito uma imensa montanha de pão. Mas o homem da floresta subiu na montanha até o alto e começou a comer, e antes do dia acabar o pão todo já tinha sumido. Pela terceira vez, João Bobo reclamou o cumprimento da promessa, mas o rei ainda pen-sou em outra condição. Agora, ele queria um navio que fosse capaz de velejar tanto na terra como na água.

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— Mas assim que me trouxer o navio, terá minha filha — garan-tiu.João Bobo foi direto à floresta, onde encontrou o homenzinho cinzento a quem tinha dado seu bolo.— Bebi e comi por você — disse ele — e também vou lhe dar seu navio. Tudo isso porque você foi bom para mim. E deu a ele o navio que velejava na terra e na água. Quando o rei viu isso, não pôde mais continuar negando a mão de sua filha, e o casamento foi celebrado. Mais tarde, quando o rei morreu, João Bobo herdou o reino e viveu feliz com a mulher por muitos e muitos anos.

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17A raposa e o gato

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Um dia, o gato encontrou a raposa no bosque e disse

para si mesmo: vou cumpri-mentá-la. Ela é tão inteligente, tão experiente, tão respeitada por todo mundo... E fez uma saudação ami-gável:— Bom dia, querida Dona Rapo-sa! Como tem passado? Como tem levado a vida, agora que as coisas andam tão caras? A raposa ficou inchada de orgulho. Olhou o gato de alto a baixo e levou algum tempo para resolver se respondia ou não. Finalmente disse:— Dobre a língua, seu patife lambedor de bigodes, seu pa-lhaço de meia-tigela, seu pilan-tra caçador de ratos, você não se enxerga? Quem você pensa que é? Como ousa me perguntar como eu tenho passado? Quem é você? Que é que você sabe? O

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que aprendeu? Que artes domi-na?— Só uma — respondeu o gato, modestamente.— E qual é, se mal pergunto?— Quando os cachorros correm atrás de mim, consigo escapar, subindo numa árvore.— Só isso? — disse a raposa. — Pois eu sou senhora de mil artes e além disso tenho um monte de truques que dariam para encher um baú... Fico de coração apertado só de pensar como você é indefeso. Venha comigo, vou lhe ensinar a esca-par dos cachorros. Justamente nesse momen-to, apareceu um caçador com quatro cachorros. O gato deu um pulo rápido para o tronco de uma árvore e foi lá para cima, para o meio da copa, onde as folhas e os galhos o esconderam por completo.

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— Abra o baú, Dona Raposa, abra o baú! — gritava o gato. Mas não adiantou nada. Os cachorros já tinham agarrado a raposa, que estava bem presa e imóvel nas patas deles.— Que pena, Dona Raposa! — disse o gato. — Veja a en-crenca em que a senhora está, com todas as suas mil artes. Se pelo menos soubesse subir em árvores, como eu, salvava sua vida...

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Era uma vez dois irmãos, um rico e outro pobre. O rico

era ourives, e malvado até não poder mais. O pobre ganhava a vida fabricando vassouras, e era bom e honesto. O pobre tinha dois filhos, dois gêmeos iguaizi-nhos como duas gotas d’água. De vez em quando, eles iam até à casa do rico e, às vezes, ganhavam umas sobras de co-mida. Um dia, o fabricante de vassouras foi até o bosque apa-nhar uns gravetos de bétula e viu um pássaro todo dourado, mais bonito do que qualquer outra ave que ele jamais tivesse visto. Pegou uma pedra, jogou nele, e atingiu o pássaro, mas de raspão. Uma pena caiu no chão e o animal voou e foi embora. O homem pegou a pena e a levou até o irmão, que olhou para ela e disse:

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— Mas é ouro puro! E deu muito dinheiro por ela. No dia seguinte, o fabri-cante de vassouras subiu numa bétula, para arrancar alguns galhos. De repente, viu o mes-mo pássaro sair voando da ár-vore. Olhou em volta e acabou encontrando um ninho com um ovo dentro, um ovo de ouro. Ele pegou o ovo, levou para casa e o mostrou ao irmão, que mais uma vez disse:— É ouro puro!E deu a ele tudo o que o ovo valia. Finalmente, o ourives dis-se:— Gostaria de ter esse pássaro.Pela terceira vez, o fabricante de vassouras foi até o bosque. No-vamente, viu o pássaro dourado, desta vez pousado num galho, e

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jogou uma pedra nele, que caiu. Levou o pássaro para o irmão, que lhe deu um dinheirão. Agora vou poder dar um jeito em minha vida — pensou o fabricante de vassouras. E foi para casa. Acontece que o ourives era esperto e sabia uma porção de coisas. Sabia que tipo de pássa-ro era aquele. Chamou a mulher e disse:— Quero que você asse este pássaro com todo cuidado e não deixe se perder nem um pedaci-nho dele. Quero comer ele todo, sozinho. Fique sabendo que esse pássaro não era como os outros. Tinha uma coisa maravilhosa: quem comesse o coração e o fígado dele passaria a achar, to-das as manhãs, uma moeda de ouro debaixo do travesseiro. A mulher limpou o pássaro

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e o pôs num espeto para assar. Enquanto ele estava assando, ela teve que sair da cozinha por causa de algum outro trabalho, e bem nessa hora os filhos do fa-bricante de vassouras entraram correndo. Pararam do lado do fogo, rodaram o espeto algumas vezes e, quando dois pedacinhos pequenos caíram na panela, um dos dois meninos disse:— Vamos comer esses pedaci-nhos? Estou com tanta fome... E ninguém vai reparar. E puseram os dois pedaci-nhos na boca. Quando a mulher voltou, viu que eles tinham comido al-guma coisa e perguntou:— O que é que vocês andaram comendo?— Uns pedacinhos que caíram dessa ave — disseram eles.-Eram o coração e o fígado!

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— gritou a mulher, aflita. Como ela não queria que o marido desse falta e ficasse zangado, rapidamente matou um frango, tirou o coração e o fígado e os pôs dentro do pássa-ro dourado. Quando a ave ficou pronta, ela a serviu ao ourives, que comeu tudo sozinho. Mas na manhã seguinte, quando ele pôs a mão debaixo do traves-seiro, esperando encontrar uma moeda de ouro, não havia nada diferente de todos os outros dias. Os dois meninos nem des-confiavam de sua boa fortuna. Quando se levantaram no dia seguinte, alguma coisa caiu no chão, tilitando. Quando olharam, viram que eram duas moedas de ouro. Mostraram ao pai, que ficou muito espantado: — Que será isso? — perguntou. Mas, no dia seguinte, quando

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acharam mais duas, e mais duas na outra manhã, e assim por diante, ele resolveu ir procurar o irmão e contar aquele caso estranho. Imediatamente, o ourives descobriu que as crianças ti-nham comido o fígado e o cora-ção do pássaro dourado. Mas ele era um homem invejoso e sem piedade e, para se vingar, disse ao pai dos meninos: — Seus filhos fizeram um pacto com o diabo. Não fique com esse ouro, nem deixe que ele fique guardado em sua casa, porque o diabo já se apossou de seus filhos e, se você deixar, vai aca-bar destruindo você também. O pai tinha muito medo do diabo. Por mais que odiasse fazer uma coisa dessas, levou os gêmeos para a floresta e lá, com o coração apertado, largou os dois.

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As crianças andaram e an-daram, procurando o caminho de casa, mas não conseguiram achar. Quanto mais andavam, mais se perdiam. Finalmente, encontraram um caçador, que perguntou: — Quem são vocês? De onde vocês vêm? — Somos os filhos do pobre fabricante de vassouras — res-ponderam. E contaram a ele que o pai não podia mais ficar com eles em casa, porque todas as manhãs apareciam duas moedas de ouro debaixo dos travesseiros deles. — Não há nada de mal nisso — disse o caçador — desde que vocês continuem sendo bons e honestos e não comecem a ficar preguiçosos. O bom homem gostou das crianças. Como não tinha filhos, resolveu tomar conta dos meni-

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nos e disse: — Eu vou ser pai de vocês e criá-los. E fez isso mesmo: criou os dois e os ensinou a caçar. Eles continuaram a achar moedas de ouro todas as manhãs, mas o caçador as guardava com cui-dado, para o caso de algum dia eles precisarem. Um dia, quando eles já tinham crescido e estavam uns homens feitos, o pai de criação os levou à floresta e disse: — Hoje eu vou testar a perícia de vocês como atiradores. Se passarem no teste, deixarão de ser aprendizes e eu vou decla-rá-los mestres-caçadores. Foram todos para o es-conderijo de caça e ficaram um tempão à espera, de tocaia, mas não apareceu nenhum animal. Depois, o caçador viu que vinha

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no céu um bando de gansos sel-vagens, voando numa formação em triângulo, e disse a um dos rapazes:— Abata um em cada ponta. O rapaz acertou e passou no teste. Daí a pouco, outro bando veio chegando, desta vez vo-ando na forma do número dois. O caçador disse ao outro irmão que acertasse um ganso em cada canto, e ele também pas-sou no teste. Diante disso, o pai de criação exclamou:— Muito bem! Vocês agora são mestres-caçadores. Então os dois irmãos foram juntos para a floresta, pensa-ram, conversaram muito e com-binaram um plano. De noite, disseram ao pai de criação:— Resolvemos que não vamos tocar em um único bocado da

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comida enquanto o senhor não nos fizer um favor.— E qual é esse favor? — per-guntou ele.— Já aprendemos bem nosso ofício — replicaram. — Agora devemos nos por à prova, nós mesmos. Queremos sair para correr mundo. O velho ficou feliz e res-pondeu:— Vocês falam como caçadores de verdade. Era isso mesmo o que eu esperava. Podem ir. Te-nho certeza de que vão se dar muito bem. E então eles comeram e beberam juntos, muito alegres. Quando chegou o dia em que tinham resolvido partir, o pai de criação deu a cada um uma boa arma e um cachorro, e disse que eles levassem consigo todas as moedas de ouro que

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quisessem, daquelas que es-tavam guardadas. Seguiu com eles por uma parte do caminho e, na despedida, deu aos dois uma faca com a lâmina muito brilhante.— Se algum dia vocês se sepa-rarem — recomendou —, en-fiem esta faca numa árvore na encruzilhada. Dessa maneira, se um de vocês voltar, vai poder saber como está passando o ir-mão ausente, porque o lado da lâmina que estiver na direção em que ele foi vai enferrujar se ele morrer. Mas, enquanto ele estiver vivo, continuará brilhan-te. Os dois irmãos continua-ram, indo cada vez mais para longe, e chegaram a uma floresta tão grande que não foi possível atravessá-la em um único dia. Pararam para passar a noite e comeram o que tinham em suas

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sacolas de caça. Depois, cami-nharam o outro dia inteiro, mas ainda não conseguiram chegar ao fim da floresta. Não tinham mais nada para comer e um dos irmãos disse:— Vamos ter que abater alguma caça ou ficar com fome. Carregou a arma e olhou em volta. Quando uma velha le-bre apareceu, ele fez pontaria, mas a lebre gritou:— Bom caçador, deixe eu viver,dou dois pequenospara você.

Saiu correndo para dentro de uma moita e voltou com dois filhotes de lebre. As lebrinhas brincavam tão alegres e eram tão engraçadinhas que os ca-çadores não tiveram coragem de matá-las. Então, resolveram

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poupá-las e elas começaram a segui-los.Daí a pouco, apareceu uma ra-posa. Eles iam atirar, mas a ra-posa gritou:— Bom caçador,deixe eu viver,dou dois pequenospara você.

É claro que, em seguida, trouxe duas raposinhas. De novo, os caçadores não tiveram coragem de matá-las e disseram que elas podiam fazer compa-nhia às lebres. Não tinha se passado mui-to tempo e um lobo saiu do mato. Os caçadores apontaram a arma, mas o lobo gritou:— Bom caçador,deixe eu viver,dou dois pequenos

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para você.

Os caçadores puseram os dois filhotes de lobo com os outros bichos e todos foram an-dando atrás deles. Depois apareceu um urso, que queria continuar a viver e gritou:— Bom caçador,deixe eu viver,dou dois pequenospara você.

Os dois ursinhos foram levados para junto dos outros animais, e agora já eram oito. E quem veio no fim de todos? Apareceu um leão, sacudindo a juba. Mas não assustou os ca-çadores. Eles fizeram pontaria e, bem como os outros tinham feito, o leão disse:— Bom caçador,

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deixe eu viver,dou dois pequenospara você.

Também trouxe os dois fi-lhotes dele e agora os caçadores tinham dois leões, dois ursos, dois lobos, duas raposas e duas lebres que iam atrás deles e os serviam. Só que isso não mata-va a fome. Então eles disseram às raposas:— Todo mundo sabe que vocês são espertas e sabidas. Pois então, tratem de nos arranjar comida. Elas responderam:— Perto daqui tem uma aldeia onde já nos servimos de gali-nhas, uma ou duas vezes. Vamos mostrar o caminho a vocês. Assim, eles foram até a al-deia, compraram alguma coisa para comer, deram comida tam-

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bém aos animais e continuaram a viagem. As raposas conheciam bem a região, porque já tinham andado vigiando todos os gali-nheiros por ali. Por isso, sempre sabiam mostrar o caminho aos caçadores. Andaram a esmo durante algum tempo, mas os caçadores não conseguiram encontrar ne-nhum emprego que permitisse que todos ficassem juntos. No fim, disseram:— Não tem jeito. Vamos ter que nos separar. Dividiram os animais, de modo que cada um ficou com um leão, um urso, um lobo, uma raposa e uma lebre. Depois, se despediram, prometeram se amar como bons irmãos até a morte, e enfiaram numa árvore a faca que o pai de criação tinha dado a eles. Depois, um foi para leste, outro foi para oeste.

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Seguido por seus animais, um dos irmãos chegou a uma ci-dade que estava cheia de faixas de crepe preto dependuradas por toda parte. Foi até uma es-talagem e perguntou onde podia deixar os animais. O estalajadeiro os botou num celeiro que tinha um bura-co na parede. A lebre se esguei-rou pelo buraco e acabou con-seguindo um repolho. A raposa pegou uma galinha e, depois de comer, acabou pegando também um galo. O lobo, o urso e o leão eram grandes demais para pas-sar pelo buraco, por isso o esta-lajadeiro teve que levá-los até um lugar onde havia uma vaca deitada no pasto, e eles come-ram até se fartar. Finalmente, quando todos os animais já es-tavam alimentados e abrigados, o caçador perguntou ao esta-lajadeiro porque toda a cidade

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estava de luto. O estalajadeiro respondeu:— Porque a filha única do nosso rei vai ter que morrer amanhã.— Ela está tão doente assim? — perguntou o caçador. — Não — disse o estalajadeiro. — Ela tem ótima saúde, mas, de qualquer jeito, vai morrer.— Como pode ser uma coisa des-sas? — quis saber o caçador. — Não muito longe da cidade, existe uma montanha. Nessa montanha vive um dragão e to-dos os anos ele precisa ter uma donzela imaculada. Se não, ele devasta todo o país. Todas as donzelas já foram dadas ao dra-gão, agora só resta a filha do rei. Por isso, filha do rei ou não, ela não pode ser poupada. Amanhã, ela vai ser entregue ao dragão.— Mas por que ninguém mata esse dragão? — perguntou o ca-

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çador.— É uma história muito triste — disse o estalajadeiro. — Mui-tos cavaleiros já tentaram, mas todos perderam a vida. O rei prometeu a mão de sua filha em casamento para quem matar o dragão e, além disso, o reino todo de herança quando o velho rei morrer. O caçador não disse mais nada. Porém, no dia seguinte, saiu com os animais e escalou a montanha do dragão. Lá no alto, havia uma igreja e no altar havia três taças, cheias até a borda, e ao lado havia uma inscrição que dizia:-“Quem esvaziar estas taças será o homem mais forte da terra e poderá brandir a espada que está enterrada do lado de fora da porta.” O caçador não bebeu. Saiu e achou a espada enterrada,

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mas não conseguiu arredá-la do lugar. Voltou e esvaziou as taças. Aí ficou bem forte, con-seguiu tirar a espada do chão e manejá-la à vontade. Quando chegou a hora de entregar a donzela ao dragão, vieram com ela o rei, o mare-chal e toda a corte. De longe, ela avistou o caçador na mon-tanha do dragão e achou que era o dragão esperando por ela. Não queria subir, mas isso ia ser a desgraça de toda a cida-de. Finalmente, ela acabou se conformando e começando sua amarga subida. Chorando, o rei e os cortesãos voltaram para casa, mas o marechal ficou, pois tinha instruções de acompanhar tudo à distância. No momento em que a filha do rei alcançou o alto da montanha, viu que quem estava lá esperando por ela não era o

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dragão, mas o jovem caçador, que a consolou e prometeu sal-vá-la. Para começar, ele a levou para a igreja e a trancou lá den-tro. Daí a pouco, o dragão de sete cabeças arremeteu com um poderoso rugido. Quando viu o caçador, ficou surpreso e perguntou:— O que é que você está fazen-do na minha colina? O caçador respondeu:— Vim para combater você. O dragão disse:— Alguns cavaleiros já morreram aqui em cima, e num instante eu vou dar cabo de você também.Dizendo isso, cuspiu chamas pelas suas setes goelas. A idéia dele era incendiar o capim seco por ali, de modo que o caçador morresse sufocado no calor e na fumaça, mas os animais vieram

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correndo e pisotearam o fogo até apagar. Em seguida, o dragão ata-cou, mas o caçador brandiu a espada com tanta agilidade e rapidez que ela cantou no ar e cortou três cabeças do mons-tro. Aí o dragão ficou zangado de verdade. Levantou-se no ar, lançando chamas ferozes, e se abateu sobre o caçador bem no instante em que ele brandiu outra vez a espada e cortou mais três cabeças. O dragão caiu no chão. Mas, apesar de toda a fraque-za que sentia, atacou de novo. Reunindo suas últimas forças, o caçador conseguiu cortar fora a cauda do monstro, mas depois disso não podia lutar mais. En-tão, chamou os animais, que fizeram o dragão em pedaços. Depois que a batalha ter-minou, o caçador abriu a porta

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da igreja. A filha do rei jazia no chão, porque tinha desmaiado de medo durante a luta. Ele a levou para fora e, quando ela voltou a si e abriu os olhos, ele mostrou a ela os pedaços do dragão e lhe disse que estava salva. Ela ficou muito feliz e disse:— Então você vai ser meu ma-rido muito querido, porque meu pai prometeu minha mão ao ho-mem que matasse o dragão. Para recompensar os ani-mais, ela tirou do pescoço o colar de coral e o dividiu entre eles. O leão ficou com o fecho de ouro. Ao caçador, ela deu um lenço, com o nome dela bordado. O caçador cortou as sete línguas do dragão, enrolou-as no lenço e as guardou com cuidado. Depois disso, como ele es-tava exausto do incêndio e da luta, disse à filha do rei:— Nós dois estamos caindo de

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cansaço. Vamos dormir um pou-co. Ela concordou, eles se dei-taram no chão e o caçador disse ao leão:— Fique de guarda. Não deixe ninguém nos atacar enquanto estivermos dormindo. E os dois adormeceram. O leão deitou ao lado deles para montar guarda, mas, como também estava muito cansado da luta, chamou o urso e disse:— Deite ao meu lado. Preciso dormir um pouco. Se acontecer alguma coisa, me acorde. O urso deitou ao lado dele, mas também estava muito can-sado. Por isso, chamou o lobo e disse:— Deite ao meu lado. Preciso dormir um pouco. Se acontecer alguma coisa, me acorde. O lobo deitou ao lado dele,

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mas também estava muito can-sado. Por isso, chamou a raposa e disse:— Deite ao meu lado. Preciso dormir um pouco. Se acontecer alguma coisa, me acorde. A raposa deitou ao lado dele, mas também estava muito cansada. Por isso, chamou a le-bre e disse:— Deite ao meu lado. Preciso dormir um pouco. Se acontecer alguma coisa, me acorde. A lebre se sentou ao lado dela, mas, coitadinha, também estava muito cansada e não ti-nha ninguém para quem pudes-se passar adiante a guarda. Mas, mesmo assim, acabou dormindo também. E foi assim que, em pouco tempo, o caçador, a filha do rei, o leão, o urso, o lobo, a raposa e a lebre, todos estavam dormindo a sono solto. Quando o marechal, que

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fora instruído para acompa-nhar tudo à distância, não viu o dragão sair voando com a filha do rei e achou que tudo estava tranqüilo na montanha, tomou coragem e foi até lá. Então viu o dragão estraçalhado e, ali por perto, a filha do rei e um caça-dor com todos os seus animais, todos dormindo profundamente. Como ele era um homem mau e ímpio, tirou a espada, cortou fora a cabeça do caçador, pegou a filha do rei no colo e desceu a montanha com ela. Quando chegaram lá embaixo, ela acor-dou sobressaltada e o marechal disse:— Você está em meu poder. Tem que dizer que fui eu quem ma-tou o dragão.— Não posso dizer uma coisa dessas — respondeu ela. — Foi um caçador com seus animais.Ouvindo isso, ele puxou a espa-

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da e ameaçou matá-la se ela não prometesse confirmar a história dele. Depois, a levou até o rei, que achava que o dragão tinha despedaçado sua filha adorada e não coube em si de alegria ao vê-la viva. O marechal disse:— Matei o dragão, salvei sua filha e todo o reino. Agora ela tem que casar comigo, como o senhor prometeu. O rei perguntou à filha:— É verdade?— É... — disse ela deve ser... Mas o casamento não pode ser celebrado antes de um ano e um dia. Sabe, ela achava que du-rante esse tempo devia ter alguma notícia de seu amado caçador. Na montanha do dragão, os animais ainda estavam dor-

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mindo ao lado do corpo do seu dono morto. Aí veio uma abelha e pousou no focinho da lebre, mas a lebre a espantou com a pata e continuou dormindo. Ela veio outra vez, e mais uma vez a lebre a espantou e continuou a dormir. Mas quando a abelha veio pela terceira vez e picou o focinho da lebre, ela acordou. E no instante que a lebre acordou, acordou a raposa, e a raposa acordou o lobo, e o lobo acordou o urso, e o urso acordou o leão. E quando o leão acordou e viu que a filha do rei tinha sumido e seu dono estava morto, deu um rugido que parecia um trovão e perguntou:— Quem fez isto? Urso, por que você não me acordou? O urso perguntou ao lobo:— Por que você não me acor-dou? O lobo perguntou à rapo-

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sa:— Por que você não me acor-dou? A raposa perguntou à le-bre:— Por que você não me acor-dou? E como a coitadinha da lebre não podia jogar a culpa em cima de ninguém, ficou sen-do a única culpada. Iam todos avançar em cima dela, mas ela pediu:— Não me matem. Eu posso de-volver a vida ao nosso dono. Sei de uma montanha onde cresce uma raiz e, se a gente puser essa raiz na boca de um ferido, ele fica inteiramente curado de qualquer doença ou ferimento. Mas essa montanha fica a du-zentas horas daqui. O leão disse:— Você tem vinte e quatro ho-

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ras para ir e voltar com essa tal raiz. A lebre saiu à toda, feito uma flecha, e em vinte e quatro horas estava de volta com a raiz. O leão pôs a cabeça do caçador no lugar, a lebre pôs a raiz na boca do morto e no mesmo ins-tante as partes se costuraram e ficaram juntas outra vez, o co-ração começou a bater e a vida voltou. Quando o caçador acordou, ficou tristíssimo de ver que a donzela tinha ido embora.— Na certa ela quis se livrar de mim — disse ele. — Aproveitou que eu estava dormindo e foi embora. O leão tinha estado com tanta pressa na hora de con-sertar o dono, que pôs a cabeça dele ao contrário, de trás para frente. Mas o caçador estava tão ocupado com seus pensamentos

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tristes sobre a filha do rei, que nem reparou. Lá pelo meio-dia, quando ele foi comer, notou que a cabeça estava de frente para a direção errada. Ficou muito intrigado com isso e perguntou aos animais o que é que tinha acontecido enquanto ele estava dormindo. Então o leão contou a ele que todos estavam tão can-sados que acabaram dormindo e que, quando acordaram, des-cobriram que ele estava morto, com a cabeça cortada, e que a lebre tinha ido buscar a raiz da vida e que ele, leão, tinha colado a cabeça na posição errada por-que estava com pressa demais, mas agora ia corrigir o erro. As-sim, ele arrancou a cabeça do caçador outra vez, virou-a direi-to, e a lebre colou e tratou da ferida com a raiz. A partir desse dia, o caça-dor, sempre muito triste, passou

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a andar de um lado para o outro com seus animais, fazendo-os dançar para as pessoas. Quando tinha passado exatamente um ano, ele chegou à mesma cida-de onde tinha salvo do dragão a filha do rei. Desta vez, o lugar estava todo enfeitado com fai-xas vermelhas.— Que quer dizer isso? — per-guntou ao estalajadeiro. Há um ano, a cidade estava toda pendurada com faixas de luto. Agora, está toda de vermelho. Por quê? O estalajadeiro replicou:— Há um ano, a filha de nosso rei ia ser entregue ao dragão, mas nosso marechal lutou com o dragão e o matou, e amanhã eles se casam. Por isso é que a cidade estava de preto, de luto, e agora está de vermelho, de alegria. Ao meio-dia do dia do ca-

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samento, o caçador disse ao estalajadeiro:— O senhor acredita que eu vou comer pão da mesa do rei, bem aqui na sua casa, antes que o dia termine? O estalajadeiro respon-deu:— Aposto cem moedas de ouro como não vai. O caçador topou a aposta e pôs em cima da mesa uma bolsa que tinha exatamente as cem moedas de ouro. Depois, chamou a lebre e disse:— Minha querida Pé-Leve, tra-ga-me um pouco do pão que o rei come. A lebre era o menor dos animais, não podia passar a or-dem adiante para nenhum ou-tro, e disse para si mesma:— Se eu for correndo pelas ruas sozinha, todos os cachorros car-

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niceiros vão sair me perseguin-do. E foi isso mesmo: os ca-chorros foram correndo atrás dela, com evidentes intenções de encher sua pele de bura-cos. Mas ela deu um pulo assim — você não viu? — e se meteu dentro da guarita do sentinela. O soldado nem viu que ela esta-va lá. Os cachorros chegaram e tentaram tirá-la dali, mas o sol-dado não gostou nada daquilo e saiu atrás deles batendo com a coronha da espingarda até que eles fugiram uivando e latindo. Quando a lebre viu que o ca-minho estava livre, correu para dentro do palácio, foi direto aon-de estava a filha do rei, sentou debaixo da cadeira e começou a coçar o pé dela. A moça achou que era seu cachorro e disse:

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— Passa fora! A lebre coçou o pé dela mais uma vez e de novo ela dis-se: — Passa fora! Mas a lebre não desani-mou. Quando coçou o pé da filha do rei pela terceira vez, a moça olhou para baixo e a reconheceu pelo coral no pescoço. Pegou o bichinho no colo, levou-o até seu quarto e disse:— Minha lebre querida, que é que eu posso fazer por você? Ela respondeu: Meu dono, que matou o dragão, está aqui. Mandou que eu lhe pedisse um pão, dos que o rei come. Quando ouviu isso, a moça ficou contentíssima. Chamou o padeiro e mandou que ele lhe trouxesse um pão, dos que o rei comia.

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— Mas — disse a lebre — o pa-deiro precisa também entregar o pão, em meu lugar. Se não, os cachorros carniceiros acabam comigo. O padeiro levou o pão até a porta da estalagem. Lá chegando, a lebre ficou de pé em suas patas traseiras, pegou o pão nas patas da frente e o levou ao seu dono. Então o caçador disse ao estalajadeiro:— Como vê, as cem moedas de ouro são minhas. O estalajadeiro ficou muito espantado, mas o caçador con-tinuou:— Sim, senhor! Tenho pão, mas agora quero um pouco da carne que o rei come. O estalajadeiro disse:— Eis uma coisa que eu queria ver... Mas dessa vez não propôs

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nenhuma aposta. O caçador chamou a raposa e disse:— Raposinha, traga-me um pouco da carne assada que o rei come. A raposa sabia todos os truques, esgueirou-se ao longo de muros, passou por buracos de cercas, os cachorros nem a viram. Quando chegou ao palá-cio, sentou-se embaixo da ca-deira da filha do rei e coçou o pé dela. A moça olhou, reconheceu a raposa por causa do coral no pescoço, e disse:— Minha raposa querida, que é que eu posso fazer por você? Ela respondeu:— Meu dono, que matou o dra-gão, está aqui. Mandou que eu lhe pedisse um pouco da carne assada que o rei come. Então a moça mandou cha-mar o cozinheiro e disse que ele

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preparasse um assado como o rei comia e o levasse até a porta da estalagem. Depois, a raposa pegou a bandeja, abanou bem a cauda para espantar as moscas que vinham atrás do assado, e o levou até seu dono. Aí, o caçador disse ao esta-lajadeiro:— Como vê, senhor, tenho o pão e tenho a carne, mas agora quero a guarnição do prato, bem como o rei come. Chamou o lobo e disse:— Caro lobo, traga-me um pou-co da guarnição que acompanha esse assado que o rei come. O lobo foi direto ao palá-cio, porque não tinha medo de ninguém. Quando chegou junto da filha do rei, deu um puxão no vestido dela, pelas costas. Ela teve que se virar e olhar para ele, e logo o reconheceu, por causa

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do coral no pescoço. Levou-o até seu quarto e perguntou:— Meu lobo querido, que é que eu posso fazer por você? O lobo respondeu:— Meu dono, que matou o dra-gão, está aqui. Mandou que eu lhe pedisse um pouco da guar-nição que acompanha o assado, bem como o rei come. Então a moça mandou cha-mar o cozinheiro, que teve que preparar a guarnição, bem como o rei comia, e levar até a porta da estalagem, onde o lobo tirou a travessa da mão dele e a levou a seu dono. Aí, o caçador disse ao esta-lajadeiro:— Como vê, agora eu tenho pão, carne e acompanhamento, mas também quero uma sobremesa, das que o rei come. Chamou o urso e disse:

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— Caro urso, você gosta de do-ces. Traga-me um pouco da so-bremesa que o rei come. O urso saiu trotando para o palácio e todo mundo saía da frente dele. Mas quando chegou ao portão, os sentinelas o ame-açaram com seus mosquetes e não queriam deixar que ele pas-sasse. Ele ficou de pé nas patas traseiras e bateu nas orelhas deles com as patas, para a di-reita e para a esquerda, e todos os sentinelas caíram. Então ele foi direto para onde estava a fi-lha do rei, ficou bem atrás dela e deu uma rosnadinha suave. Ela olhou para trás, reconheceu o urso, pediu-lhe que a seguisse até seu quarto e disse:— Meu urso querido, que é que eu posso fazer por você? Ele respondeu:— Meu dono, que matou o dra-gão, está aqui. Mandou que eu

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lhe pedisse um pouco da sobre-mesa que o rei come. Ela mandou chamar o con-feiteiro e ordenou que ele pre-parasse uns doces como o rei comia de sobremesa e levasse até a porta. Primeiro, o urso lambeu umas ameixas açuca-radas que enfeitavam os doces e tinham rolado de cima deles, depois se levantou nas patas de trás, pegou a travessa e a levou até o dono. O caçador então disse ao estalajadeiro:— Como vê, agora tenho pão, carne, acompanhamentos e so-bremesa, mas ainda quero um pouco de vinho que o rei toma.Chamou o leão e disse:— Caro leão, você gosta de be-ber de vez em quando. Traga-me então um pouco de vinho, do que o rei toma.

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O leão saiu passando pela rua e as pessoas correram para tudo quanto era lado. Quando chegou ao palácio, os guardas tentaram lhe barrar a entrada, mas ele deu um rugido e eles saíram correndo. Aí ele foi até os aposentos reais e bateu na porta com o rabo. A filha do rei abriu e levou um susto quando viu o leão, mas logo o reconheceu pelo fecho de ouro de seu colar de coral. Pe-diu que ele fosse com ela até o quarto e perguntou:— Meu leão querido, que é que eu posso fazer por você? Ele respondeu:— Meu dono, que matou o dra-gão, está aqui. Mandou que eu lhe pedisse um pouco do vinho que o rei toma. Então ela mandou chamar o encarregado da adega e lhe ordenou que desse ao leão um

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pouco do vinho que o rei toma-va. Mas o leão disse:— É melhor eu ir junto, para ter a certeza de que ele está pegan-do o vinho certo. Foi com o encarregado até a adega e, quando chegaram lá, o funcionário queria pegar um pouco de vinho comum, do que os criados tomavam, mas o leão disse:— Espere aí! Vou provar esse vinho. O encarregado deu meio litro ao leão e ele bebeu tudo de um gole. Depois disse:— Não. Este não é o vinho cer-to. O encarregado da adega olhou para ele espantado e foi então até outro barril, que tinha o vinho reservado para o mare-chal do rei. O leão disse:— Primeiro, vou provar esse vi-

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nho. Tirou meio litro, bebeu e disse:— Este é melhor, mas ainda não é o vinho certo. Isso deixou o encarregado da adega furioso. Tão furioso que disse:— Como é que um animal estúpi-do desses pode querer entender alguma coisa de vinho! O leão deu uma patada tão forte atrás da orelha dele, que ele caiu sentado no chão, fa-zendo um barulhão. Quando se levantou, não disse nada, mas levou o leão até uma pequena adega separada, onde se guar-dava o vinho especial do rei, que ninguém jamais tocava. O leão tirou meio litro e provou. Depois, disse:— Ah, este sim pode ser o vinho certo.

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Então, disse ao encarre-gado da adega que enchesse meia dúzia de garrafas, e depois subiram novamente as escadas. Quando chegaram lá fora, o leão estava ligeiramente alegre, e balançava de um lado para outro. O encarregado da adega teve que carregar o vinho até a porta, onde o leão segurou a alça da cesta nos dentes e levou o vinho até seu dono. O caçador disse então ao estalajadeiro:— Como vê, agora tenho pão, carne, acompanhamentos, so-bremesa e vinho, como o rei, e agora vou jantar com meus ani-mais. Sentou-se, comeu e bebeu, dividindo a comida e a bebida com a lebre, a raposa, o lobo, o urso e o leão. Estava feliz, por-que via que a filha do rei ainda o amava. Quando acabou a refei-

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ção, disse para o estalajadeiro:— Como vê, senhor, comi e bebi como o rei come e bebe. Agora, vou até o palácio do rei casar com a filha dele. O estalajadeiro se espan-tou:— Como é que pode? Ela está noiva, vai se casar hoje mes-mo. O caçador tirou do bolso o lenço que a filha do rei tinha dado a ele lá na montanha do dragão, e as sete línguas do monstro ainda estavam embru-lhadas nele.— Vou conseguir isso — disse ele — com a ajuda do que tenho aqui na mão. O estalajadeiro olhou para o lenço e duvidou:— Estou disposto a acreditar em qualquer coisa, menos nisso. Aposto a minha estalagem.

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O caçador tirou da cintura uma bolsinha com mil moedas de ouro, colocou-a sobre a mesa e disse:— Aposto isto aqui contra a sua estalagem. Enquanto isso, o rei e sua filha estavam sentados à mesa real. — O que é que todos aqueles animais que ficaram entrando e saindo do palácio queriam com você? — perguntou ele. Ela respondeu:— Estou proibida de dizer, mas o senhor faria muito bem se mandasse buscar o dono desses animais. O rei mandou um criado ir até a estalagem convidar o es-tranho para vir até o palácio. O criado chegou assim que o caça-dor tinha acabado de fazer sua aposta com o estalajadeiro.

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O caçador disse ao estala-jadeiro:— Como vê, o rei mandou seu criado me buscar, mas eu não vou assim. E respondeu ao criado:— Por gentileza, peça ao rei que me mande trajes reais e uma carruagem com seis cavalos e criados que me sirvam. Quando o rei ouviu a res-posta, perguntou à filha:— Que é que eu faço agora?— O senhor faria bem se man-dasse buscá-lo, como ele diz respondeu. Então o rei mandou os tra-jes reais, a carruagem com seis cavalos e criados para servi-lo. Quando o caçador os viu chegar, disse ao estalajadeiro:— Como vê, mandaram me bus-car, como eu pedi.Vestiu os trajes reais, apanhou

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o lenço com as línguas do dra-gão e foi para o palácio. Quando o rei o viu chegar, perguntou à filha:— Como devo recebê-lo?— O senhor faria bem se andas-se ao seu encontro — respondeu ela. O rei se adiantou, foi ao encontro do caçador e o convi-dou a entrar. Os animais foram atrás. O rei mandou que ele se sentasse a seu lado, perto de sua filha. Do outro lado estava sentado o marechal, porque era o noivo, mas não reconheceu o caçador. Então trouxeram as sete cabeças do dragão para mostrar a todos, e o rei disse:— O marechal cortou estas sete cabeças do dragão. Portanto, estou dando a ele a mão de mi-nha filha em casamento. Ouvindo isso, o caçador se levantou, abriu as sete bocas e

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perguntou:— O que aconteceu com as sete línguas do dragão? O marechal ficou pálido de susto e não conseguia pensar em nenhuma resposta para dar. Finalmente, aterrorizado, aca-bou dizendo:— Dragões não têm línguas. O caçador disse:— Seria muito melhor se quem não tivesse língua fossem os mentirosos. As línguas de um dragão são a presa do matador do dragão. Abriu o lenço e lá estavam, as sete. Aí ele pôs cada uma das línguas na boca em que ela se encaixava, e todas se ajustaram perfeitamente. Depois, ele pe-gou o lenço que tinha o nome da filha do rei bordado, mostrou a ela e lhe perguntou a quem ela o tinha dado.

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Ela respondeu: — Ao homem que matou o dra-gão. Em seguida, ele chamou os animais, pegou os cordões de coral e o fecho de ouro do leão, mostrou tudo à filha do rei e lhe perguntou a quem pertenciam. Ela respondeu:— O colar e o fecho de ouro eram meus. Eu os dividi entre os animais que ajudaram a matar o dragão.— Quando eu estava exausto e me deitei para descansar depois do combate, o marechal veio e cortou minha cabeça enquanto eu dormia. Depois, carregou a filha do rei e disse que quem tinha matado o dragão era ele: Isso é mentira, como eu já pro-vei, com as línguas, o lenço e o colar. Em seguida, contou sua his-tória. Contou como os animais o

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tinham salvo com uma raiz mila-grosa, como ele tinha andado a esmo durante um ano até voltar à mesma cidade e como, então, tinha ficado sabendo pelo esta-lajadeiro que o marechal estava enganando todo mundo. O rei então perguntou à filha:— É verdade que quem matou o dragão foi este jovem?— É, sim — respondeu ela. — Agora posso falar sobre o crime do marechal, pois todos ficaram sabendo sem que eu dissesse nada. Ele me tinha feito prome-ter guardar segredo. Por isso é que eu insisti para que o casa-mento não se celebrasse antes de um ano e um dia. O rei mandou reunir seus doze conselheiros e lhes pe-diu que julgassem o marechal. A sentença o condenou a ser esquartejado por quatro bois. Dessa forma, o marechal foi

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executado e o rei deu a mão da filha ao caçador, que também foi nomeado regente de todo o rei-no. O casamento foi celebrado com muitos festejos e o jovem rei mandou chamar o pai verda-deiro e o pai adotivo e os cobriu de presentes. Também não se esqueceu do estalajadeiro, mas mandou buscá-lo e disse:— Como vê, senhor, casei-me com a filha do rei. Agora, sua estalagem é minha.— De direito, é mesmo — con-cordou o estalajadeiro.Mas o jovem rei disse:— A misericórdia é mais impor-tante que o direito. Pode ficar com sua estalagem. E também vou lhe dar as mil moedas de ouro, de presente. Aí tudo ficou bem com o jovem rei e a jovem rainha, que viveram felizes juntos. Ele ia sempre caçar, porque gostava

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muito, e seus fiéis animais sem-pre iam com ele. Ora, acontece que havia uma floresta, não muito distan-te do palácio, que tinha fama de ser encantada. O que se contava é que quem entrava lá custava muito a sair. Mas o jovem rei queria muito ir caçar lá, e não deixou o velho rei em paz en-quanto não obteve a permissão para ir. E então, partiu, com um grande séquito. Quando chegou à floresta, viu uma corça branca e disse a seus homens:— Fiquem aqui até que eu volte. Vou caçar aquela bela corça. Entrou na floresta e ape-nas seus animais o seguiram. Os homens esperaram até cair a noite. Como ele não voltava, eles foram para casa e disseram à jovem rainha:— O jovem rei foi perseguir uma

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corça branca na floresta encan-tada e não voltou mais. Quando ela ouviu isso, ficou muito preocupada. Enquanto isso, ele perseguia a corça bran-ca, mas não conseguia alcançá-la. Ela parecia estar ao alcance de um tiro às vezes, mas quando ele fazia pontaria e ia atirar, de repente a via dando saltos mais adiante, cada vez mais distante, até que acabou por desaparecer por completo. Vendo que estava na flo-resta profunda, muito longe, ele pegou sua trompa de caça e tocou. Mas não houve resposta, pois seus homens não o ouvi-ram. Quando caiu a noite, ele compreendeu que não ia poder voltar naquele dia. Então, apeou do cavalo, acendeu uma foguei-ra debaixo de uma árvore e se preparou para passar a noite. Quando estava sentado

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com os animais à beira do fogo, achou que ouviu de repente uma voz humana. Procurou, mas não conseguiu ver nada. Depois, ou-viu um gemido que parecia vir do alto. Olhou e viu uma velha sentada na árvore:— Ai, ai! — chorava ela. — Estou com tanto frio!— Pois desça e venha se esquen-tar — chamou ele.— Não — disse ela. — Seus ani-mais iam me morder.— Não se preocupe, vovó — dis-se ele. — Eles são mansos, não vão lhe fazer nada, pode des-cer. Mas a velha era uma bruxa e disse:— Vou quebrar uma varinha e jogar aí embaixo. Bata nas cos-tas deles, que assim não me machucam. Ela jogou a varinha e ele

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bateu nos animais que, num instante, ficaram imóveis, transformados em pedra. Sem os animais para atrapalhar, ela num instante pulou lá de cima e tocou também o caçador com a varinha. No mesmo momen-to, ele virou pedra. Aí, dando uma gargalhada horrível, ela o arrastou, e aos animais, para um barranco onde já havia uma porção daquelas pedras. Quando o jovem rei não voltou, a preocupação e o medo da jovem rainha foram ficando cada vez maiores. Ora, aconte-ce que, nessa mesma ocasião, o outro irmão, que tinha ido para o leste quando se separaram, estava chegando a esse reino. Depois de procurar emprego sem encontrar, resolveu ir de vila em vila com os animais, que dançavam para distrair as pes-soas.

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Depois de algum tempo, ele se lembrou da faca que eles tinham enfiado no tronco da ár-vore quando se separaram, e re-solveu ir até lá para saber como estava o irmão. Quando chegou lá, viu que o lado da lâmina que correspondia ao irmão estava metade enferrujado e metade brilhante. Isso é mau — pensou —, algo deve ter acontecido a meu irmão, mas talvez eu ainda pos-sa salvá-lo, porque metade da lâmina está brilhante. Saiu caminhando para oeste com os animais e, quando chegou aos portões da cidade, um sentinela veio lhe perguntar se queria que mandasse anun-ciar sua chegada para a jovem rainha, sua esposa, porque ela estava muito preocupada, com medo de que ele tivesse morri-do na floresta encantada. É que

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o jovem rei e o irmão eram tão parecidos que o sentinela os confundiu, ainda mais porque o irmão também tinha aquele bando de animais selvagens que o seguiam. Ele entendeu o erro do sentinela e pensou: é melhor eu fazer de conta que sou ele, assim fica mais fácil salvá-lo. Por isso, deixou que o sen-tinela o levasse ao palácio, onde foi recebido com muita alegria. Sua jovem esposa também achou que era o marido dela e perguntou porque ele tinha de-morado tanto.— Eu me perdi na floresta e não consegui achar o caminho — respondeu ele. De noite, ele foi levado ao leito real, mas colocou uma espada de dois gumes entre ele e a jovem rainha. Ela não sabia porque, mas ficou com medo de perguntar.

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E assim se passaram al-guns dias, em que ele tentou descobrir tudo o que podia so-bre a floresta encantada. Depois disse:— Vou lá caçar novamente. O rei e a jovem rainha tentaram dissuadi-lo, mas ele insistiu e partiu com um grande séquito. Quando chegou à flores-ta, aconteceu com ele a mesma coisa que tinha acontecido ao irmão. Viu uma corça branca e disse a seus homens:— Fiquem aqui até eu voltar. Vou caçar essa bela corça branca. Cavalgou para dentro da flores-ta, seguido pelos animais. Mas não conseguiu alcançar a corça e acabou se embrenhan-do tão profundamente na mata que teve que passar a noite lá. Depois que acendeu a fogueira, ouviu alguém gemendo no alto:

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— Ai, ai! Estou com tanto frio!Ele olhou para cima, viu a bruxa na árvore e disse:— Pois desça e venha se es-quentar!— Não — disse ela. — Seus ani-mais iam me morder. Ele então respondeu:— Não se preocupe, vovó. Eles são mansos, não vão lhe fazer nada, pode descer. Então ela disse:— Vou quebrar uma varinha e jogar aí embaixo. Bata nas cos-tas deles, que assim não me machucam. Quando ouviu isso, o caça-dor desconfiou da velha:— Não vou bater nos meus ani-mais. Desça logo ou eu subo aí e pego você — disse ele.— Não me faça rir... — respon-deu a velha. — Você não pode me fazer nada.

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Ele então ameaçou:— Se você não descer, eu lhe dou um tiro.— Pois pode dar — desafiou ela. — Não tenho medo nenhum das suas balas. Ele mirou e atirou, mas a bruxa era à prova de balas. Ficou dando gargalhadas e gritando:— Você não vai conseguir me acertar! Mas o caçador era muito esperto. Arrancou três botões de prata do paletó e carregou a arma com eles, porque contra a prata não havia poder mágico. No momento em que ele puxou o gatilho, ela despencou aos berros. Ele pôs o pé em cima dela e disse:— Sua bruxa velha, se você não me disser imediatamente onde está o meu irmão, eu lhe pego com as duas mãos e jogo você

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no fogo, já, já! Ela ficou com tanto medo que pediu clemência e disse:— Ele e os animais estão caídos naquele barranco, viraram pe-dra. Ele fez a velha levá-lo até o lugar e a ameaçou:— Sua macaca velha! Devolve a vida imediatamente a meu irmão e a todas as criaturas que estão aí, ou então vai para o fogo! Ela pegou uma varinha e tocou as pedras. O irmão e os animais voltaram à vida. E mui-tos outros homens também, mercadores, artesãos, pasto-res. Todos se levantaram, agra-deceram ao caçador por libertá-los e foram para casa. Os gême-os se abraçaram e se beijaram, contentíssimos por se encontra-rem novamente. Agarraram e

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amarraram a bruxa e a jogaram na fogueira. Quando ela acabou de queimar, a floresta se abriu sozinha e deu para ver o palácio real à distância, a mais ou me-nos quatro ou cinco milhas dali. Os dois irmãos voltaram juntos e, pelo caminho, foram contando o que tinha acontecido com cada um. Quando o mais jovem disse que era regente de todo o país, o outro disse:— Eu descobri, porque, quando eu cheguei ao palácio e me con-fundiram com você, me deram honras reais. A jovem rainha achou que eu era o marido dela, e tive que sentar ao lado dela na mesa e dormir na sua cama. Quando o jovem rei ou-viu isso, ficou tão zangado e com tanto ciúme que puxou a espada e cortou fora a cabeça do irmão. Mas quando viu que ele estava caído, morto, e viu

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o sangue vermelho escorrendo, ficou transtornado de tristeza.— Meu irmão me salvou — gri-tava —, e foi assim que eu agra-deci! Chorou e se lamentou, mas depois sua lebre se aproximou e se ofereceu para ir buscar um pouco da raiz da vida. Saiu a toda velocidade e chegou de volta em tempo. Deu para res-suscitar o irmão morto, e ele nem percebeu a cicatriz. Depois, continuaram an-dando e o irmão mais moço dis-se: — Você se parece comigo, está usando roupas reais, como eu, e os animais seguem você como me seguem. Vamos entrar por dois portões opostos e aparecer ao mesmo tempo diante do velho rei, vindo de direções diversas. Assim, eles se separaram e depois, dois sentinelas, um de

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cada portão, chegaram ao mes-mo momento junto do velho rei para anunciar que o jovem rei e seus animais estavam voltando da caçada. O velho rei disse:— Impossível. Os dois portões ficam longe um do outro, é uma caminhada de uma hora. Mas nesse instante os dois irmãos entraram no pátio, vin-dos de duas direções opostas, e ambos subiram as escadas ao mesmo tempo. O rei disse à fi-lha:— Diga-me qual dos dois é seu marido. São tão iguais que não sei. Ela não conseguia descobrir e estava muito espantada, mas depois se lembrou do colar que tinha dado aos animais. Olhou bem para eles e descobriu o fe-cho de ouro em um dos leões.— O meu marido é aquele que este leão seguir — disse, toda

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contente. O jovem rei riu e disse:— É, está certo. Sentaram-se juntos à mesa, comeram, beberam e se divertiram. Nessa noite, quando o jovem rei foi para a cama, a esposa perguntou:— Por que foi que você botou uma espada de dois fios na cama nestas últimas noites? Pensei que você ia me matar... Aí ele ficou sabendo como seu irmão lhe tinha sido fiel.

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Um homem tinha sete filhos e nunca tinha uma filha, por

mais que desejasse. Até que, finalmente, sua mulher lhe deu esperanças de novo e, quando a criança veio ao mundo, era uma menina. A alegria foi enorme, mas a criança era franzina e miúda e, por causa dessa fraqueza, foi preciso que lhe dessem logo os sacramentos. O pai mandou um dos filhos ir correndo até a fon-te, buscar água para o batismo. Os outros seis foram atrás do irmão e, como cada um que-ria ser o primeiro a puxar a água para cima, acabaram deixando o balde cair no fundo do poço. Aí eles ficaram assustados, sem saber o que deviam fazer, e ne-nhum dos sete tinha coragem de voltar para casa. Foram ficando por lá, sem sair do lugar. Como estavam demorando

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muito, o pai foi ficando cada vez mais impaciente e disse:— Na certa ficaram brincando e se esqueceram de voltar, aque-les moleques levados... Começou a ficar com medo de que a menininha morresse sem ser batizada e, com raiva, gritou:— Tomara que eles todos virem corvos! Mal o pai acabou de dizer essas palavras, ouviu um baru-lho de asas batendo no ar, por cima da cabeça. Levantou os olhos e viu sete corvos negros como carvão. voando de um lado para outro. Os pais ficaram tristíssimos, mas não conseguiram fazer nada para quebrar o encanto. Feliz-mente, puderam se consolar um pouco com sua filhinha querida, que logo recuperou as forças e cada dia ia ficando mais bonita.

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Durante muito tempo, ela ficou sem saber que tinha tido irmãos, porque os pais tinham o maior cuidado de nunca falar nisso. Mas um dia, ela ouviu por acaso umas pessoas comentan-do que era uma pena que uma menina assim tão bonita como ela fosse a responsável pela in-felicidade dos irmãos. A menina ficou muito aflita e foi logo perguntar aos pais se era verdade que ela já tinha tido irmãos, e o que tinha acontecido com eles. Os pais não puderam continuar guardando segredo. Mas explicaram que o que acon-teceu tinha sido um desígnio do céu, e que o nascimento dela não tinha culpa de nada. Só que a menina começou a ter remorsos todos os dias e resolveu que precisava dar um jeito de livrar os irmãos do en-canto. Não sossegou enquanto

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não saiu escondida, tentando encontrar algum sinal deles em algum lugar, custasse o que cus-tasse. Não levou quase nada: só um anelzinho como lembrança dos pais, uma garrafinha d’água para matar a sede e uma cadei-rinha para descansar. Andou, andou, andou, cada vez para mais longe, até o fim do mundo. Aí, ela chegou junto do sol. Mas ele era quente demais e muito terrível, porque comia os próprios filhos. Ela saiu correndo, fugindo, para bem longe, até que chegou junto da lua. Mas a lua era fria demais e muito malvada e cruel. Assim que viu a menina, disse:- Huuummm... sinto cheiro de carne humana... A menina saiu correndo bem depressa, fugindo para bem longe, até que chegou junto das estrelas.

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As estrelas foram muito amáveis e boazinhas com ela, cada uma sentada em uma ca-deirinha separada. Então, a es-trela da manhã se levantou, deu um ossinho de galinha à menina e disse:— Sem este ossinho, você não vai conseguir abrir a montanha de vidro. E é na montanha de vidro que estão os seus irmãos. A menina pegou no os-sinho, embrulhou-o com todo cuidado num lenço e continuou seu caminho, até que chegou à montanha de vidro. A porta estava bem fecha-da, trancada com chave, e ela resolveu pegar o ossinho de galinha que estava guardado no lenço. Mas quando desem-brulhou, viu que não tinha nada dentro do pano e que ela tinha perdido o presente que as boas estrelas tinham dado. Ficou sem

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saber o que fazer. Queria muito salvar os irmãos, mas não tinha mais a chave da montanha de vidro. Então, a boa irmãzinha pegou uma faca, cortou um dedo mindinho, enfiou na fechadura e deu um jeito de abrir a porta. Assim que entrou, um gno-mo veio ao seu encontro e lhe perguntou:— Minha filha, o que é que você está procurando?— Procuro meus irmãos, os sete corvos — respondeu ela. O gnomo então disse:— Os senhores Corvos não estão em casa, mas se quiser esperar até que eles cheguem, entre e fique à vontade. Lá em cima, o gnomo pôs a mesa para o jantar dos cor-vos, com sete pratinhos e sete copinhos. A irmã então comeu um pouco da comida de cada

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prato e bebeu um gole de cada copo. Mas no último, deixou cair o anelzinho que tinha trazido. De repente, ouviu-se nos ares um barulho de gritos e ba-tidas de asas. Então o gnomo disse:— São os senhores Corvos que estão chegando. Eram eles mesmos, com fome e com sede. Foram logo em direção aos pratos e copos. E, um por um, foram gritando:— Quem comeu no meu prato? Quem bebeu no meu copo? Foi boca de gente, foi boca de gen-te... Mas quando o sétimo corvo acabou de esvaziar seu copo, o anel caiu lá de dentro. Ele olhou bem e reconheceu que era um anel do pai e da mãe deles, e disse: — Quem dera que fosse a nos-

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sa irmãzinha, porque aí a gente ficava livre. Quando a menina, que es-tava escondida atrás da porta, ouviu esse desejo, apareceu de repente e todos os corvos viraram gente outra vez. Come-çaram todos a se abraçar e se beijar e a se fazer mil carinhos e depois voltaram para casa muito felizes.

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20Hansel e Gretel(João e Maria)

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Às margens de uma extensa floresta existia, há muito

tempo, uma cabana pobre, feita de troncos de árvore, na qual morava um lenhador com sua segunda esposa e seus dois fi-lhinhos, nascidos do primeiro casamento. O garoto chamava-se João e a menina, Maria. A vida sempre fora difícil na casa do lenhador, mas naquela época as coisas haviam piorado ainda mais: não havia pão para todos.— Minha mulher, o que será de nós? Acabaremos todos por morrer de necessidade. E as crianças serão as primeiras…— Há uma solução… — disse a madrasta, que era muito malva-da — Amanhã daremos a João e Maria um pedaço de pão, depois os levaremos à floresta e lá os abandonaremos. O lenhador não queria

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nem ouvir falar de um plano tão cruel, mas a mulher, esperta e insistente, conseguiu convencê-lo. No aposento ao lado, as duas crianças tinham escutado tudo, e Maria começou a cho-rar.— João, e agora? Sozinhos na floresta, estaremos perdidos e morreremos.— Não chore, tranquilizou-a o irmão — Tenho uma ideia. Esperou que os pais estives-sem dormindo, saiu da cabana, catou um punhado de pedrinhas brancas que brilhavam ao clarão da lua e as escondeu no bolso. Depois voltou para a cama. No dia seguinte, ao amanhecer, a madrasta acordou as crianças.— Vamos cortar lenha na flores-ta. Este pão é para vocês. Partiram os quatro. O le-

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nhador e a mulher na frente, as crianças, atrás. A cada dez pas-sos, João deixava cair no chão uma pedrinha branca, sem que ninguém percebesse. Quando chegaram bem no meio da flo-resta, a madrasta disse:— João e Maria, descansem en-quanto nós vamos rachar lenha para a lareira. Mais tarde passa-remos para pegar vocês. Após longa espera, os dois irmãos comeram o pão e, can-sados e fracos como estavam, adormeceram. Quando acorda-ram, era noite alta e, dos pais, nem sinal.— Estamos perdidos! Nunca mais encontraremos o caminho de casa!, soluçou Maria.— Esperemos que apareça a lua no céu, e acharemos o caminho de casa — consolou-a o irmão. Quando a lua apareceu, as pedrinhas que João tinha deixa-

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do cair pelo atalho começaram a brilhar; seguindo-as, os irmãos conseguiram voltar até a caba-na. Ao vê-los, os pais ficaram espantados. Em seu íntimo, o lenhador estava até contente; mas a mulher, assim que foram deitar, disse que precisavam ten-tar novamente, com o mesmo plano. João, que tudo escutara, quis sair a procura de outras pe-drinhas, mas não pôde, pois a madrasta trancara a porta. Ma-riazinha estava desesperada:— Como poderemos nos salvar desta vez?— Daremos um jeito, você vai ver — respondeu o irmão. Na madrugada do dia se-guinte, a madrasta acordou as crianças e foram novamente para a floresta. Enquanto ca-minhavam, Joãozinho esfarelou todo o seu pão e o da irmã, fa-zendo uma trilha. Dessa vez se

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afastaram ainda mais de casa e, chegando a uma clareira, os pais deixaram as crianças com a desculpa de cortar lenha, aban-donando-as. João e Maria ador-meceram, por fome e cansaço e, quando acordaram, estava muito escuro. Maria começou a chorar. Mas, desta vez, não con-seguiram encontrar o caminho: os pássaros da floresta tinham comido todas as migalhas. An-daram por muito tempo, du-rante a noite, e, após um breve descanso, caminharam o dia se-guinte inteirinho, sem conseguir sair daquela mata imensa. Estavam com tanta fome que comeram frutinhas azedas e retomaram o caminho. Quando o sol se pôs, deita-ram-se sob uma árvore e ador-meceram. O piar de um passa-rinho branco que voava sobre suas cabeças, como querendo

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convidá-los, acordou-os. Segui-ram o passarinho e, de repente, se viram diante de uma casinha muito mimosa. Aproximaram-se, curiosos, e admiraram-se ao ver que o telhado era feito de chocolate, as paredes de bolo e as janelas de jujuba.— Viva! — gritou João. E correu para morder uma parte do telha-do, enquanto Mariazinha enchia a boca de bolo, rindo. Ouviu-se então uma vozinha aguda, gri-tando no interior da casinha:— Quem está o teto mordiscan-do e as paredes roendo? Subitamente, abriu-se a porta da casinha e saiu uma velha muito feia, mancando, apoiada em uma muleta. João e Maria assustaram-se, mas a velha lhes deu um largo sorriso, com a boca desdentada.— Não tenham medo, crianças. Vejo que têm fome, a ponto de

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quase destruir a casa. Entrem! Vou preparar uma jantinha. O jantar foi delicioso, e gostosas também as caminhas macias aprontadas pela velha para João e Maria, que adormeceram feli-zes. Não sabiam, os coitadinhos, que a velha era uma bruxa que comia crianças e, para atraí-las, tinha construído a casinha de doces. Agora ela esfregava as mãos, satisfeita.— Estão em meu poder, não po-dem me escapar. Porém, estão um pouco magros. É preciso fa-zer alguma coisa. Na manhã seguinte, en-quanto ainda estavam dormin-do, a bruxa agarrou João e o prendeu em um porão escuro; depois, com uma sacudida, acordou Maria.— De pé, preguiçosa! Vá tirar água do poço, acenda o fogo e apronte uma boa efeição para

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seu irmão. Ele está fechado no porão e tem de engordar bas-tante. Quando chegar no ponto, vou comê-lo. Mariazinha chorou e desesperou-se, mas foi obri-gada a obedecer. Cada dia cozinhava para o irmão os melhores quitutes. E também, a cada manhã, a bruxa ia ao porão e, por ter vista fraca e não enxergar a um palmo do nariz, mandava:— João dê-me seu dedo, quero sentir se já engordou! Mas, o esperto João, em vez de mostrar seu dedo, estendia-lhe um os-sinho de frango. A bruxa ficava zangada porque, apesar do que comia, o moleque estava cada vez mais magro! Um dia perdeu a paciên-cia.— Maria, amanhã acenda o fogo logo cedo e coloque água pare ferver. Magro ou gordo, pre-

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tendo comer seu irmão. Venho esperando há muito tempo! A menina chorou, suplicou, im-plorou, em vão. Na manhã se-guinte, Mariazinha tratou logo de colocar no fogo o caldeirão cheio de água, enquanto a bru-xa estava ocupada em acender o forno, dizendo que ia preparar o pão — mas, na verdade, que-ria assar a pobre Mariazinha. E do João, faria um cozido. Quando o forno estava bem quente, a bruxa disse a Maria:— Entre ali e veja se está na temperatura certa para assar o pão. Mas Maria, que já compre-endera, não caiu na armadilha.— Como se entra no forno? — perguntou ingenuamente.— Você é mesmo uma boba! Olhe para mim! E enfiou a cabe-ça dentro do forno. Mariazinha, então, mais que depressa deu-lhe um empurrão, enfiando-a no

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forno, e fechou a portinhola com a corrente. E a bruxa malvada queimou até o último osso. Ma-ria correu ao porão e libertou o irmão. Abraçaram-se, chorando lágrimas de alegria; depois, nada mais tendo a temer, ex-ploraram a casa da bruxa. E quantas coisas acharam! Cofres e mais cofres, cheios de pedras preciosas e de pérolas.— Reluzem mais que as minhas pedrinhas — disse João— Vou levar algumas para casa. E encheu os bolsos de pé-rolas. Com seu aventalzinho, Maria fez uma trouxinha com diamantes, rubis e esmeraldas. Deixaram a casa da feiti-ceira e avançaram pela mata, mas não sabiam para que lado deveriam ir. Andaram bastante, até chegar perto de um rio.

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— Como vamos atravessar o rio? — disse Maria, pensativa — Não vejo ponte em nenhum lado.— Também não há barcos — acrescentou João.— Mas, lá adiante, estou vendo um marreco. Quem sabe nos ajudará? Gritou na direção, mas o marreco estava longe e pare-ceu não escutá-lo. Então João começou a entoar:— Senhor marreco, bom nada-dor, somos filhos do lenhador, nos leve para a outra margem, temos que seguir viagem. O marreco aproximou-se docil-mente. João subiu em suas cos-tas e acenou para a irmã fazer o mesmo.— Não, disse Maria.— Um de cada vez, para não cansar demais o bichinho. E as-sim fizeram. Um de cada vez, atravessaram o rio na garupa do marreco e, após agradecer

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carinhosamente, continuaram seu caminho. Depois de algum tempo, perceberam que conheciam aquele lugar. Certa vez tinham apanhado lenha naquela cla-reira, de outra vez tinham ido colher mel naquelas árvores. Finalmente, avistaram a cabana de um lenhador. Começaram a correr naquela direção, escan-cararam a porta e caíram nos braços do pai que, assustado, não sabia se ria ou chorava. Quanto remorso sentira desde que abandonara os filhos na mata! Quantos sonhos hor-ríveis tinham perturbado suas noites! Cada porção de pão que comia ficava atravessada na garganta. Por grande sorte, a madrasta ruim, que o obrigara a se livrar dos filhos, já tinha mor-rido. João esvaziou os bolsos, retirando as pérolas que havia

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guardado; Maria desamarrou o aventalzinho e deixou cair ao chão uma chuva de pedras pre-ciosas. Agora já não deveriam mais temer nem miséria, nem cares-tia. E assim, desde aquele dia o lenhador e seus filhos viveram na fartura, sem mais nenhuma preocupação.

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Era uma vez... um casal mui-to feliz que há muito tempo

desejava um filho ou uma filha. Um dia, a mulher sentiu que por fim seu desejo ia se realizar. Sua casa tinha uma pe-quena janela na parte de trás, donde se podia ver um magní-fico jardim, cheio de belíssimas flores e todo o tipo de plantas, árvores frutíferas e verduras maravilhosas. Estava rodeado por um muro alto e ninguém se atrevia a entrar ali porque lá vi-via uma bruxa. Um dia, olhando para aquele jardim, olhando aquele jardim, a mulher se fixou numa árvore carregadíssima de es-plêndidas maçãs que pareciam tão frescas e deliciosas que an-siava por comê-las. Seu desejo crescia dia a dia e, como pensa-va que nunca poderia comê-las, começou a se debilitar, a perder

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peso e ficar pálida e frágil. Co-meçou a adoecer. Seu esposo se preocupou e lhe perguntou:-O que você tem, querida espo-sa?-Ai, disse; Se não comer umas maçãs da horta aí detrás, mor-rerei. Seu esposo, que a amava muito, disse:-Não permitirei que morras, querida. Quando escureceu o ho-mem trepou no muro, entrou no jardim da bruxa e rapidamente colheu algumas maçãs e as foi metendo num saco que levava e correu a entregá-las a sua es-posa. Ela de imediato começou a comê-las com prazer, sabo-reando até o último pedacinho. Eram tão deliciosas que no dia seguinte cresceu seu desejo por

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mais maçãs. Para mantê-la contente, seu esposo sabia que teria que ser valente e ir à horta outra vez. Esperou até escurecer porém, quando saltou o muro, deu de cara com a bruxa. Como te atreves a entrar em minha horta e roubar minhas maçãs? disse ela furiosa. -Ai!, ele falou, tive que fazê-lo, tive que vir aqui porque me senti obrigado pelo perigo que ameaça a minha esposa. Ela viu tuas maçãs da janela e foi tão grande seu desejo de come-las que pensou que ia morrer se não saboreasse algumas. Então a bruxa disse:-Se é verdade o que me disses-te, permitirei que tomes quan-tas maçãs quiseres, porém em troca me darás o teu filho que está para nascer. Terá um bom lugar e eu serei sua mãe.

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O homem estava tão as-sustado que aceitou. Quando sua esposa deu a luz a uma pe-quena menina, a bruxa veio e a levou. Chamou-a Rapunzel. Rapunzel chegou a ser a menina mais bela de todo o planeta. Quando fez doze anos, a bruxa a aprisionou numa torre em meio a um bosque. A torre não tinha escadas nem portas, somente uma pequena janela no alto. Cada vez que a bruxa queria subir ao alto da torre, parava sob a janela e gritava: -Rapunzel, Rapunzel, joga tua trança de ouro! Rapunzel tinha um mara-vilho e abundante cabelo longo, dourado como o sol. Parecia de ouro. Sempre que escutava o chamado da bruxa, jogava-lhe o cabelo, atava-o ao redor de uns ganchos da janela e o deixava cair. Então a bruxa trepava pela

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trança de ouro. Um dia um príncipe, que cavalgava pelo bosque, passou pela torre e escutou uma canção tão bela que se aproximou para escutar. Quem cantava era Rapun-zel. Atraído por tão melodiosa voz, o príncipe procurou porta ou janela para entrar na torre, porem foi tudo em vão. Sem dúvida, a canção havia chegado tão fundo em seu coração que o fez regressar ao bosque todos os dias para escuta-la. Um desses dias, viu a bruxa se aproximar da torre. O príncipe se escondeu atrás de uma árvore para observar e a escutou dizer:-Rapunzel! Rapunzel!, joga tua trança de ouro! Rapunzel deixou cair sua longa trança e a bruxa subiu até a janela.

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-Ah! É assim que se entra na torre!, terei que experimentar minha sorte. No dia seguinte, ao escu-rer, foi à torre e chamou:-Rapunzel! ¡Rapunzel!, joga tua trança de ouro! O cabelo de Rapunzel caiu de imediato e o príncipe subiu. A princípio Rapunzel es-tava muito assustada ao ver a um homem estranho, porém o príncipe lhe disse gentilmente que a havia escutado cantar e que sua doce melodia lhe havia roubado o coração. Então Rapunzel mudou seu temor. O príncipe lhe perguntou se ela queria ser sua esposa ao que ela concordou de imedia-to e sem pensar muito porque – além do príncipe ser jovem e belo – estava desejosa de sair do domínio da bruxa que a man-tinha presa naquele tenebroso

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castelo. O príncipe vinha visitá-la todas as noites e a bruxa, que vinha durante o dia, não sabia de nada. Um dia, em sua subida, a bruxa deu um grande puxão na trança e Rapunzel reagiu come-tendo um grande erro:-Diz, porque sobes de forma que me arrancas o cabelo enquanto o príncipe sobe até aqui rápido e sem fazer-me dano? -Garota perversa, gritou a bru-xa, o que estudo? Estás me en-ganando! Em sua fúria, a bruxa to-mou o lindo cabelode Rapunzel, enrolou-o um par de vezes ao redor de sua mão e rapidamen-te o cortou. Todo o cabelo de ouro e as maravilhosas tranças caíram no piso. Depois a bruxa levou Ra-

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punzel a um lugar remoto e a abandonou para que vivesse em solidão. À tarde, quando escurecia, a bruxa se escondeu na torre. Logo chegou o filho do rei e cha-mou:-Rapunzel! Rapunzel!, joga tua trança de ouro! Quando a bruxa escutou o chamado do príncipe, amarrou o cabelo da pobre Rapunzel a um gancho da janela e o deixou cair ao solo. O príncipe subiu até a janela e qual não foi sua sur-presa quando encontrou com a malvada bruxa em lugar de sua doce Rapunzel. Ela olhou-o com olhos per-versos e diabólicos e lhe disse:-Perdeste Rapunzel para sem-pre. Nunca mais a verás outra vez. O príncipe estava desola-

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do. Para cúmulo da desgraça, caiu da janela sobre um mato de espinhos. Não morreu, mas ficou cego. Incapaz de viver sem Ra-punzel, o príncipe se internou no bosque. Viveu muitos anos co-mendo frutas e raízes, até que um dia, por casualidade, chegou ao lugar solitário onde Rapunzel vivi na miséria. De repente escutou uma melodiosa voz que lhe era co-nhecida e se dirigiu a ela. Quan-do estava perto, Rapunzel o re-conheceu. Ao vê-lo ficou louca de alegria porém triste quando se deu conta de sua cegueira. Abraçou-o ternamente e cho-rou. Suas lágrimas caíram so-bre os olhos do príncipe cego. De imediato os olhos dele se encheram de luz e pôde ver como antes. Então, feliz por es-

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tar reunido com seu amor, levou Rapunzel a seu reino, onde se casaram e viveram felizes para sempre.

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22O alfaiate valente

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Era uma vez, num país muito distante, um modesto al-

faiate que vivia costurando ale-gremente na frente da janela da sua casinha, quando, num dia como outro qualquer, ouviu, do lado de fora, um homem anun-ciando geléia para vender.- Geléia de morango! Deliciosa geléia!, anunciava o vendedor. O alfaiate ficou com água na boca e depressinha comprou um pote de geléia vermelhinha e cheirosa. Passou uma boa ca-mada de geléia numa fatia de pão, que deixou na mesa para comer depois de terminar o tra-balho. E continuou a costurar, cantarolando. Mas a geléia deu água na boca também de umas moscas, que voaram zumbindo para cima dela. O alfaiate não gostou nada de ver as moscas avançando na sua geléia.

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- Mas que atrevimento!, excla-mou ele. Vocês já vão ver o que é gostoso! E, com a própria costura que tinha na mão, ele deu tama-nho golpe na mesa, que espar-ramou a geléia, mas em com-pensação achatou sete moscas duma vez! O alfaiate ficou tão orgu-lhoso da sua proeza, que bor-dou no seu cinto estas palavras: -Sete de um golpe só! E resolveu sair pelo mun-do, para mostrar a toda a gente como ele era valente. Pôs um pedaço de queijo na sacola e pegou a estrada. No caminho, encontrou um passarinho caí-do no chão, e, com pena dele, colocou-o na sacola, junto com o queijo. E continuou andando, muito alegre. Foi andando ladei-ra acima, ladeira abaixo, e no alto de um morro deu de repen-

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te com um homem enorme. Mas não se intimidou, e fa-lou com o gigante:- Estou andando pelo mundo para mostrar como sou valente! Leia só isto! E mostrou o seu cinto ao homenzarrão.- “Sete de um golpe só!”, leu o homem, e ficou muito impressio-nado, pensando que o pequeno alfaiate matara sete homens de um golpe só. Mas, só para tirar a dúvida que tinha, ele pegou uma pedra e esmagou-a nas mãos, com a maior facilidade.- Isto para mim é canja!, disse o alfaiate. E, tirando o seu queijo da sacola, esmagou-o nas mãos, sem o menor esforço. O gigante, que era míope ou burro, ou ambas as coisas, tornou a ficar impressionado. Mas queria certificar-se mais

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ainda. Então, ele apanhou outra pedra e atirou-a ao ar até uma nuvem que passava. Mas o nos-so alfaiate mais uma vez não se deu por achado: tirou da sacola o passarinho que encontrara na estrada, e jogou-o para o alto. O pássaro, feliz por se ver livre, voou para cima, até sumir de vista. Desta vez, o gigante ficou tão espantado, que achou melhor tratar bem aquele baixi-nho tão perigoso, e convidou-o a passar a noite na sua casa, convite que este aceitou, pois já estava anoitecendo. Mas na calada da noite, quando o al-faiate dormia na enorme cama do gigante, este, com inveja e receio do seu pequeno hóspe-de, resolveu matá-lo, quebran-do pelo meio a cama onde seu hóspede dormia, encolhido num canto debaixo das cobertas. E foi por estar tão encolhidinho que o

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alfaiate escapou da morte, sem que o malvado percebesse nada. E quando de manhã o pequeno alfaiate se plantou na frente do gigante, ameaçando-o de mãos na cintura, o grandão ficou tão apavorado que saiu correndo, aos berros, de pavor! Os seus gritos foram ouvidos pelos sol-dados da guarda real, que fica-ram espantados ao ver o terrível gigante fugir gritando do nosso valente alfaiate. E, quando os soldados lhe perguntaram quem ele era, foi só mostrar-lhe o seu cinto com “sete de um golpe só” bordado, para eles acharem melhor con-duzir o herói ao palácio, para apresentá-lo ao rei. O rei, a rainha e a prince-sa ficaram cheios de admiração pelo pequeno valentão, que todo gentil e mesuroso, ofereceu seus serviços a Sua Majestade.

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O rei gostou da idéia e aceitou o oferecimento, e a prin-cesa até sorriu para o pequeno alfaiate. Assim, o baixinho ficou morando numa bonita casinha perto do palácio, onde era con-vidado permanente. Até que um dia o rei chamou e disse:- Tenho um encargo para lhe dar, já que você é tão forte e valente. Existe neste reino dois gigan-tes malvados que perturbam e assustam todo o meu povo. Se você conseguir livrar-nos deles, eu lhe darei como paga metade do reino e, como prêmio, a mão da princesa em casamento. Entusiasmado, o alfaiate aceitou a tarefa e se mandou direto para a floresta, onde não demorou a encontrar os dois ter-ríveis homenzarrões, dormindo a sesta no campo, de costas um para o outro. Então, enchendo os bolsos

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de pedras pontudas, o alfaiate subiu na árvore onde os dois es-tavam encostados. Fazendo boa pontaria, o alfaiate atirou com força duas pedras na cabeça de um dos gigantes.- Para com isto!, berrou um gi-gante, e deu um soco na cara do outro.- Eu não fiz nada!, reclamou o outro, você está sonhando! E os dois adormeceram de novo, roncando alto. O alfaiate esperou um pouco e logo atirou duas pedras na cabeça do segun-do gigante, que acordou furioso e partiu para cima do primeiro. E os dois se engalfinharam numa luta mortal. Eles até arrancaram árvores para bater um no outro! E a briga foi tão violenta, que acabaram os dois caindo mor-tos!- Missão cumprida!, disse o al-faiate. E voltou ao palácio, para

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relatar ao rei o seu novo feito heróico. Mas, na hora de dar o prêmio ao alfaiate, o rei não quis cumprir sua promessa, e saiu com outro encargo:- Você foi valente, disse o rei, mas preciso de um serviço seu: quero que você me traga o chifre mágico do unicórnio selvagem, que vive solto na floresta. Antes disso, nada feito. A princesa fi-cou desapontada, mas o alfaiate não desanimou.- Isto será fácil para mim. Matei sete de um golpe só e liquidei dois gigantes malvados. Vou tra-zer-lhe o tal chifre, Majestade. E partiu de volta para a floresta. Ele nem andou muito, quan-do, no meio de um descampado, viu investir contra ele, a galope, o enorme unicórnio, feroz cavalo branco de chifre na testa! Ágil como um gato, o al-faiate pulou para trás de uma

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árvore, e o unicórnio, na sua fúria cega, sem poder deter a corrida, espetou o seu chifre no tronco da árvore, e lá ficou preso, sem poder levantar a cabeça! Sem perder tempo, o esperto alfaiate tirou da sacola o machado que levara consigo e, com uma machadada certei-ra, cortou o chifre do bicho, que vendo-se livre, fugiu a galope.- Muito bem, disse o alfaiate, satisfeito. Esta missão também está cumprida! Quero só ver se Sua Majestade me dá a recom-pensa agora! Mas o rei, que achava que o alfaiate não era nobre o bastante para ser seu genro, inventou outra saída. Disse ao alfaiate para ele ficar no palá-cio, aguardando os preparativos para o casamento com a prin-cesa, coisa que o alfaiate achou certa. Mas, nesse meio tempo,

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o rei chamou os seus soldados e lhes deu uma ordem:- Esta noite, quando o alfaiate estiver dormindo, invadam o seu quarto e amarrem-no bem amarrado, que eu vou cuidar de livrar-me dele duma vez! Mal sabia ele que a prince-sa estava escondida na escada, escutando tudo. Ela gostava do pequeno alfaiate e queria casar-se com ele. Por isso, resolveu avisá-lo do perigo que ele cor-ria.- Você tem de fugir daqui, meu amor!, disse ela. Fuja sem per-da de tempo!- Não vou fugir! Não quero deixá-la, minha prometida! Eu quero casar com você!- Eu também quero casar com você!, disse a princesa, mas te-remos de esperar por uma hora menos perigosa! Agora, fuja!

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- Não vou fugir!, disse o pequeno alfaiate, que no fundo era cora-joso mesmo. Não se preocupe, eu sei o que fazer! Tenho o meu plano. E o nosso alfaiate foi para o seu quarto e fingiu que estava dormindo. Mas na verdade ele se escondeu atrás da porta e ficou esperando pelos soldados que viriam prendê-lo. E, quando os ouviu chegando, deixou que se aproximassem bem, e abrindo a porta de repente, gritou com a sua voz mais forte:- Eu já matei sete de um golpe só, dei cabo de dois horrendos gigantes e cortei o chifre de um unicórnio selvagem! Não preciso ter medo de sete simples solda-dinhos que estão aí fora! Quando os soldados ouvi-ram isto, tremeram de susto e saíram correndo, apavorados. E dessa vez o rei não teve desculpa

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para não cumprir o prometido. Ainda mais porque a princesa teimou que queria casar com o valente alfaiate! E insistiu tam-bém que queria aquela metade do reino, como dote! Assim, o pequeno alfaiate casou-se com a princesa e virou príncipe-con-sorte. Prêmio merecido para o herói que “matou sete de um golpe só!”

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23O lobo e os sete cabritos

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Era uma vez uma cabra que tinha sete cabritinhos. Ela

os amava com todo o amor que as mães sentem por seus filhi-nhos. Um dia, ela teve que ir à floresta em busca de alimento. Então, chamou os cabritinhos e lhes disse:- Queridos filhinhos, preciso ir à floresta. Tenham muito cuidado por causa do lobo. Se ele entrar aqui, vai devorá-los todos. É seu costume disfarçar-se, mas vocês o reconhecerão pelas sua voz rouca e por suas patas pre-tas. Os cabritinhos responde-ram:- Querida mãezinha, pode ir descansada, pois teremos muito cuidado. A cabra baliu e foi andando despreocupada. Não se passou muito tempo e alguém bateu à porta dizendo:

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- Abram a porta, queridos fi-lhinhos. A mamãe está aqui e trouxe uma coisa para cada um de vocês. Os cabritinhos perceberam logo que era o lobo, por causa de sua voz rouca, e responde-ram:- Não abriremos a porta, não! Você não é nossa mãezinha. Ela tem uma voz macia e agradável. A sua é rouca. Você é o lobo! O lobo, então, foi a uma loja, comprou uma porção de giz e comeu-os para amaciar a voz. Voltou à casa dos cabritinhos, bateu à porta, e disse:- Abram a porta, meus filhinhos. A mamãe já voltou e trouxe um presente para cada um de vo-cês. Mas o lobo tinha posto as patas na janela e os cabritinhos responderam:

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- Não abriremos a porta, não! Nossa mãe não tem patas pretas como as suas. Você é o lobo. O lobo foi à padaria e disse ao padeiro:- Tenho as patas feridas. Preciso esfregá-las em um pouco de fa-rinha. O padeiro pensou consigo mesmo: “O lobo está querendo enganar alguém”. E recusou-se a fazer o que ele pedia. O lobo, porém, ameaçou devorá-lo e o padeiro, com medo, esfregou-lhe bastante farinha nas patas. Pela terceira vez, foi o lobo bater à porta dos cabritinhos: - Meus filhinhos, abram a por-ta. A mãezinha já está aqui, de volta da floresta, e trouxe uma coisa para cada um de vocês. Os cabritinhos disseram:- Primeiro mostre-nos suas pa-tas, para vermos se você é mes-mo nossa mãezinha.

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O lobo pôs as patas na ja-nela e, quando eles viram que eram brancas, acreditaram e abriram a porta. Mas, que surpresa!!! Fica-ram apavorados quando viram o lobo entrar. Procuraram es-conder-se depressa. Um entrou debaixo da mesa; outro meteu-se na cama; o terceiro entrou no fogão; o quarto escondeu-se na cozinha; o quinto, dentro do guarda-louça; o sexto, embaixo de uma tina, e o sétimo, na cai-xa do relógio. O lobo os foi achando e co-mendo, um a um. Só escapou o mais moço, que estava na caixa do relógio. Quando satisfez o seu ape-tite, saiu e, mais adiante, deitou-se num gramado. Daí a pouco pegou no sono. Momentos de-pois, a cabra voltou da floresta. Que tristeza a esperava!

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A porta estava escanca-rada. A mesa, as cadeiras e os bancos, jogados pelo chão. As cobertas e os travesseiros, fora das camas. Ela procurou os filhi-nhos, mas não os achou. Cha-mou-os pelos nomes, mas não responderam. Afinal, quando chamou o mais moço, uma vo-zinha muito sumida respondeu:- Mãezinha querida, estou aqui, no relógio. Ela o tirou de lá, e ele lhe contou tudo o que havia acon-tecido. A pobre cabra chorou ao pensar no triste fim de seus filhinhos!!! Alguns minutos de-pois, ela saiu e foi andando tris-temente pela redondeza. O ca-britinho acompanhou-a. Quando chegaram ao gramado, viram o lobo dormindo, debaixo de uma árvore. Ele roncava tanto que os galhos da árvore balançavam. A cabra reparou que alguma coisa

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se movia dentro da barriga do lobo.- Oh! Será possível que meus filhinhos ainda estejam vivos, dentro da barriga do lobo? pen-sou ela falando alto. Então, o cabritinho cor-reu até sua casa e trouxe uma tesoura, agulha e linha. Mal a cabra fez um corte na barriga do lobo malvado, um cabritinho pôs a cabeça de fora. Ela cortou mais um pouco e os seis salta-ram, um a um. Como ficaram contentes!!! Cada qual queria abraçar mais a mamãe. Ela também estava radian-te, contudo, precisava acabar a operação antes que o lobo acor-dasse. Mandou que os cabritos procurassem umas pedras bem grandes. Quando eles as trou-xeram, ela as colocou dentro da barriga do bicho e coseu-a rapidamente. Daí a momentos,

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o lobo acordou. Como sentisse muita sede, levantou-se para beber água no poço. Quando começou a andar, as pedras bateram, umas de encontro às outras, fazendo um barulho es-quisito. O lobo pôs-se a pensar:“Estavam bem gostosinhosOs cabritos que comi.Mas depois, que coisa estrra-nha!Que enorme peso senti!” Quando chegou ao poço e se debruçou para beber água, com o peso das pedras, caiu lá dentro e morreu afogado. Os cabritinhos, ao saberem da boa notícia, correram e foram dan-çar, junto ao poço, cantando, todos ao mesmo tempo:

“Podemos viver,Sem ter mais cuidado.O lobo malvado morreu,

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No poço afogado.

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24Pequeno Polegar

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Certa noite, um pobre cam-ponês assentou perto do

fogão e atiçava o fogo, quando sua mulher assentou-se e esti-rou-se. Então, ele disse:-Como é triste, a gente não ter nem uma criança! Há tanto silên-cio por aqui, e nas outras casas há tanta algazarra e alegria.-É, a mulher respondeu e suspi-rou, tivéssemos pelo menos um, por pequeno que fosse, ainda que do tamanho de um polegar, ainda assim, eu ficaria contente; nós o teríamos com todo amor! Então, aconteceu que a mulher engravidou-se e, depois de sete meses, nasceu uma criança, completinha, com todos os membros em ordem, mas que não mediu mais que o tamanho de um dedo polegar. Então, eles disseram:-Ele é tal como nós desejamos, e deve ser nossa criança queri-

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da, e, por causa da sua forma, batizaram-no com o nome de Pequeno Polegar. Eles o alimentaram bas-tante, mas a criança permane-ceu como era, desde a primeira hora; porém, mostrava sensibi- lidade e parecia ser inteligente e audaz diante de tudo, tendo êxito em tudo que começava. Um dia, o camponês apron-tou-se para ir à floresta e lá der-rubar madeira. Então, falando sozinho, disse:-Como eu gostaria que alguém levasse o carro mais tarde.-Oh, pai, disse o Pequeno Pole-gar, eu quero levar o carro, não se preocupe, ele estará no mo-mento certo na floresta. Aí, o homem riu e disse: -Como permitir isso? Você é muito pequeno para conduzir` cavalo com a rédea.

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-Isso não é nada, pai, é só a mãe arrear o cavalo, eu me assento na orelha dele e digo-lhe como deve ir.-Então, respondeu o pai, vamos tentar uma vez. Quando chegou a hora, a mãe arreou o cavalo e colocou Pequeno Polegar na orelha dele, e então o bebê comandou como o cavalo deveria ir: jüh e joh! hott e har! Assim, ele saiu-se muito bem, tal qual um mestre, e o carro foi sendo conduzido pelo caminho certo para a floresta. Aconteceu que, ao passar por uma curva, dois homens estranhos que vinham dali ouvi-ram o Pequeno gritar har, har!-Meu Deus, disse um deles, que é isso? O carro está indo, um candeeiro guia o cavalo, mas não é visto.

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-Ah!, aí tem... disse o outro, va-mos seguir o carro e ver onde ele pára! Porém, o carro adentrou pela floresta e foi direto para o lugar onde estava a madeira. Quando o Pequeno Polegar viu seu pai, ele o chamou.-Viu, pai? Cá estou eu com o carro, agora, desça-me. O pai segurou a rédea com a mão esquerda e com a direita tirou o filhinho da orelha do ca-valo, e assentou-se todo alegre em uma palha. Quando os dois homens estranhos viram o Pe-queno Polegar, eles não soube-ram o que eles deveriam dizer, ficaram assombrados. Então, cochicharam de lado e combinavam:-Escuta, o pequeno rapaz pode nos dar sorte, nós podemos exi-bi-lo em uma cidade grande por dinheiro, nós devemos comprá-

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lo. Eles foram ao camponês e disseram:-Venda-nos o rapaz. Ele nos será muito útil.-Não, respondeu o pai, é meu bem mais precioso, e não o tro-co por todo o ouro do mundo! Pequeno Polegar, porém, como tinha tino comercial, tre-pou pelas costuras no manto de seu pai, alcançou o seu ombro e sussurrou nos seus ouvidos:-Pai, só entregue-me, eu vou e volto logo. Então, o pai vendeu-o por uma bela quantia em dinheiro aos dois homens.-Onde você quer se assentar? Perguntaram-lhe.-Oh, deixem-me na aba de um dos seus chapéus, lá eu posso passear para cima e para baixo e observar a paisagem, porém,

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sem cair. Eles satisizeram sua vonta-de, e depois que Pequeno Pole-gar despediu-se de seu pai, eles partiram com ele. Assim, eles caminharam até escurecer. Então, disse o menino:-Desça-me, é preciso fica quieto aí, sô!, disse o dono do chapéu, eu não me importo, mas, às vezes, os pássaros também me derrubam.-Não, Pequeno Polegar falou, eu sei, também, o que me convém, desça-me logo daqui. O homem pegou o chapéu e pôs o pequeno em um des-campado pelo caminho, e ele foi logo saltando e rolando pra lá e pra cá, entre os torrões de terra, até que se deparou com uma toca de rato que ele tinha escolheu para pernoitar.-Boa noite, senhores, só que

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vocês vão para casa sem mim! exclamou ele, e riu deles. Eles correram por ali e en-fiaram varas na toca do rato, mas nada adiantou. Pequeno Polegar rastejou sem parar, e, então, ficou tudo tão escuro que eles tiveram de voltar para casa com raiva e com a bolsa vazia. Quando o Pequeno Polegar notou que eles foram embora, ele rastejou novamente até à saída da toca.-É muito perigoso caminhar pelo campo na escuridão, disse ele, qualquer um quebra facilmente pescoço e perna. Felizmente, ele esbarrou em uma concha vazia.-Deus seja louvado!, disse ele, Aqui eu posso, mais protegido, passar a noite. E acomodou-se nela. Pou-co tempo depois, quando já

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estava com sono, ele ouviu dois homens que passavam por ali, e um deles falou:-Como vamos afanar o dinheiro e a prata do padre rico? -Isso eu posso lhe dizer, intro-meteu-se Pequeno Polegar.-Que é isso?, disse um dos la-drões, assustado, eu ouvi al-guém falando. Eles pararam e escutaram, quando Pequeno Polegar falou novamente:-Levem-me, pois eu quero aju-dar vocês.-Onde você está, então?-Procure somente no chão e observe de onde vem a voz, ele respondeu. Então, os ladrões o acha-ram e o ergueram para o alto.-Você, sujeitinho, por quê quer nos ajudar?,perguntou um de-les.

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-Veja, respondeu ele, eu rastejo entre as vigas de ferro do quarto do padre e alcanço o que vocês quiserem.-Muito bem, disseram eles, va-mos ver se você pode mesmo. Quando chegaram à casa do padre, Pequeno Polegar ras-tejou pelo quarto, porém, ime-diatamente, gritou até cansar:-Vocês querem tudo que está aqui? Os ladròes ficaram apreen-sivos e disseram:-Fale baixo pra não acordar nin-guém. Mas Pequeno Polegar agiu como se não tivesse entendido, e gritou novamente:-O que vocês querem? Vocês querem tudo que está aqui? A cozinheira, que dormia no quarto ao lado, ouvindo aquilo,

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levantou-se da cama e espiou. Porém, os ladrões já haviam corrido de medo um bom peda-ço do caminho de volta e, final-mente, quando recuperaram a coragem, pensaram:-O sujeitinho quer é brincar co-nosco. Eles voltaram e sussurra-ram-lhe:-Agora, leve a sério, e traga al-guma coisa cá pra fora. Aí, Pequeno Polegar gritou mais uma vez, tão alto quanto ele pôde:-Eu quero lhes passar tudo, po-nham suas mãos aqui dentro. A atenta empregada ouviu isso, claramente; pulou da cama e empurrou a porta para dentro.Os ladrões puseram as pernas para correr como se um irado caçador estivesse atrás deles; a empregada, porém, como não

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podia ver nada, foi acender uma luz. Quando ela foi ver, Pequeno Polegar escondeu-se lá fora no celeiro e a empregada, depois de tudo, porém, depois de exa-minar todos os ângulos e nada encontrar, voltou novamente para a cama, pensando que, talvez, tivesse tido um pesade-lo, embora com olhos e ouvidos abertos. Pequeno Polegar tinha escalado um monte de feno e achou um bom lugar para dor-mir. Ali ele quis descansar até que amanhecesse e, então, vol-taria para a casa de seus pais novamente. Mas ele tinha que vivenciar outras coisas.-É, há muita aflição e sofrimento pelo mundo! A empregada pulou logo da cama, quando amanheceu o dia, para alimentar o gado. Sua primeira parada foi no celeiro,

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onde ela encheu os braços com um feixe de feno, exatamente aquele onde o pobre Peque-no Polegar ficou e dormiu. Ele dormiu tão profundamente que nada percebeu , nem mesmo acordou, até que chegou à boca da vaca junto com o feno.-Oh Deus, exclamou ele, como vim parar nesta moenda? Mas, ele notou logo onde estava. Então, tomou o cuidado de não se colocar entre os dentes e ser triturado, e, em seguida, escorregou para o estômago.-Esqueceram a janela do quar-tinho aberta, disse ele, e o Sol não brilha aqui dentro: a luz, também, não entra aqui. O quarto não lhe agradava de jeito nenhum, e o pior é que chegava feno, cada vez mais, pela porta de entrada, e o lugar ficava mais estreito. Então, apa-vorado, finalmente, ele gritou

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tão alto quanto pôde:-Não me traga mais comida fres-ca, não me traga mais ração! A empregada estava orde-nhando a vaca, e como ouviu alguém falar, sem ver ninguém, mas, reconhecendo a mesma voz que ouviu à noite, assustou-se tanto que caiu da sua cadeira e derramou o leite. Ela correu depressa até ao patrão e excla-mou:-Oh Deus, seu , padre, a vaca falou!...-Você está louca?, respondeu o padre; mesmo assim, foi até ao celeiro e quis ver o que aconte-cia. Mal ele pôs os pés lá den-tro, Pequeno Polegar gritou de novo:-Não me traga mais comida fres-ca, não me traga mais ração! Aí, assustado, o padre pensou que um espírito malig-

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no havia se apossado da vaca, e mandou matá-la. Ela foi aba-tida, porém, seu estômago, no qual Pequeno Polegar estava, foi lançado ao esterco. Pequeno Polegar tinha que fazer grande esforço para sair dele, e já estava muito cansado com aquilo, pois precisava achar um lugar, mas, quando ele es-tava com a cabeça quase para fora, veio um novo azar. Um lobo faminto correu lá e engoliu o estômago inteiro de uma só vez. Pequeno Pole-gar não perdeu o ânimo, talvez, pensou ele, o lobo fale consigo mesmo, e o chamou da pança:-Querido lobo, eu sei onde há uma suculenta comida para você.-Onde posso pegá-la?, pergun-tou o lobo.-É uma casa, mas, você tem que rastejar pela sarjeta, onde acha-

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rá bolos, toucinho e lingüiça, e muito mais para você comer, e descreveu exatamente a casa do seu pai. O lobo não pensou duas vezes e, à noite, apertou-se dentro da sarjeta e comeu da despensa à vontade. Quando se saciou, ele quis sair de volta, mas, ficou tão gordo que não pôde voltar pelo mesmo caminho. Pequeno Polegar tinha contado com isto, e, então, começou a fazer uma barulheira e um reboliço no cor-po do lobo, batendo e gritando o mais alto que podia. -Quer ficar quieto, o lobo falou, você acorda as pessoas.-O quê?, respondeu o meni-no, você comeu o bastante, eu também quero ficar à von-tade,, e começou novamente a gritar com toda a força. Assim, seu pai e sua mãe, finalmente, acordaram, saíram do quarto e

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olharam entre as colunas. Como viram que um lobo estava ali, eles se apressaram; o homem pegou um machado, e a mulher a foice.-Fique atrás, disse o homem quando eles entraram na des-pensa, se eu lhe der um golpe e, contudo, ele não morrer, então, você deve golpeá-lo e cortar o seu corpo pelo meio. Então, Pequeno Polegar ou-viu a voz de seu pai e chamou: -Pai querido, eu estou aqui, eu estou no corpo do lobo. O pai exclamou, cheio de alegria:-Graças a Deus, encontramos nossa querida criança nova-mente, e mandou que a mulher deixasse a foice, de forma que Pequeno Polegar não fosse atin-gido. Em seguida, deu um golpe na cabeça do lobo, que já caiu morto; então, eles pegaram fa-

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cas e tesouras, cortaram e abri-ram o corpo dele e puxaram o pequeno novamente para fora. -Oh, falou o pai, como ficamos preocupados com você!-É, pai, eu corri muito ao redor de no mundo; e Graças a Deus que eu respiro ar fresco nova-mente!-Onde você esteve, então?-Oh, pai, eu estive na toca de um rato, no estômago de uma vaca e na pança de um lobo: agora, estou com vocês.-E nós não o venderemos nova-mente, nem todas as riquezas do mundo!, disseram os pais, abraçando-se e beijando-se com o querido Pequeno Polegar.

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25Os Três Fios de Ourode Cabelo do Diabo

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Há muitos e muitos anos, numa casinha pobre, nas-

ceu um menino bonito e forte, mas que, ao contrário de todas as outras crianças, nasceu com todos os dentes na boca. Os pais, assim que o viram, ficaram muito assusta-os, pen-sando se tratar de alguma bru-xaria. As vizinhas, entretanto, os tranqüilizaram, dizendo que nascer com dentes era sinal de boa sorte. E uma delas, que era considerada feiticeira, profetizou que o menino, ao com¬pletar quinze anos, se casaria com a filha do imperador do país. Um dia, quando o menino ainda era bem pequeno, o impe-rador passou casualmente pela vila e ouviu contar a história da criança, que era chamada de o “Filho da Sorte”. Indignado com a possibilidade de ver sua filha casada com um tipo qualquer,

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pobre e de origem humilde, o imperador resolveu dar um jei-to de impedir que a profecia se cumprisse. Dizendo-se um rico co-merciante, apresen¬tou-se na casa onde vivia o Filho da Sorte. Tomou a criança nos braços e, fingindo-se en-cantado com sua beleza, disse aos pais que era muito rico e não tinha ninguém a quem deixar sua herança. Por isso, gostaria muito de poder levar o bebê e criá-lo como se fosse seu filho. O casal, a prin-cípio, não aceitou a proposta, mas o imperador foi tão hábil e convincente que os fez acreditar que daria ao menino uma vida muito melhor do que ele teria naquela casa pobre. Assim, o perverso impe-rador levou consigo o pequeno Filho da Sorte e, logo que se viu sozinho, fora da cidade, colocou-

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o numa caixa e atirou-a ao rio, na certeza de que ela afundaria, matando a criança. Mas o menino parecia me-recer mesmo o nome de Filho da Sorte, pois a caixa, em vez de afundar, saiu flutuando rio abaixo, indo parar no açude de um moinho. Um velho moleiro que ali trabalhava, pensando ter encon-trado um tesouro, foi correndo tirar a caixa da água. Quando a abriu, ficou comovido por ver uma criança tão linda e esperta abandonada para morrer. Como não tinha filhos, levou o bebê para casa. A mulher do molei-ro ficou muito feliz, e o Filho da Sorte cresceu ali, rodeado pelo carinho dos pais adotivos. O tempo passou e, um dia, alguns meses depois que o me-nino havia completado quinze anos, o imperador e sua comi-

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tiva viajavam pela região quan-do caiu uma tempestade muito forte. Como não havia nada por perto a não ser o moinho, o imperador foi obrigado a pedir abrigo na casa do velho molei-ro. O casal de velhos o re-cebeu muito bem. Para que o tempo passasse mais depressa, ficaram conversando com o im-perador. Não demorou para que a beleza e a vivacidade do Filho da Sorte chamassem a atenção do monarca, que perguntou ao moleiro se o menino era seu filho. A mulher, inocentemente, res¬pondeu-lhe que não, e aca-bou contando a história de como haviam encontrado a criança. Quando ela terminou de falar, os olhos do imperador es-tavam vermelhos de ódio, pois ele logo se deu conta de quem era o rapaz. Furioso por ele ain-

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da estar vivo, começou imedia-tamente a pensar num jeito de liquidar o moço de uma vez. Como estava no meio de uma grande via¬gem e demo-raria muitos meses para voltar ao palácio, o imperador ficou com medo de que a profecia se concretizasse durante sua ausência. Assim, resolveu agir rapidamente e, dando algumas moedas aos velhos, pediu-lhes que deixassem o rapaz levar uma mensagem à rainha, na capital do reino. Em seguida, mandasse à sua mulher orde-nando que ela mandasse execu-tar imediatamente o rapaz que lhe entregasse aquela carta. No dia seguinte, bem cedi-nho, lá se foi o Filho da Sorte na direção da capital do reino, sem saber que levava nas mãos sua própria lentença de morte. Andou o dia inteiro, sem

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descanso, pois queria chegar logo ao palácio. No entanto, como nunca havia deixado a vila em que mo-rava, o rapaz se desviou do caminho certo e acabou se perdendo no meio da floresta. Quando já estava anoite-cendo, o Filho da Sorte viu, numa clareira, uma cabana, onde re-solveu pedir ajuda. Bateu à porta e uma velhinha muito bondosa veio atender. Á mulher o acolheu com simpatia e, depois de ouvir sua história, deu-lhe de comer e de beber, mas avisou-lhe que seria melhor ele não dormir ali, pois aquela cabana servia de esconderijo a perigosos ladrões, que certamente o matariam quando o encontrassem. O rapaz, entretanto, não teve medo e insistiu tanto que a boa senhora arranjou-lhe um canto da cabana onde pudesse

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dormir aquela noite. De madrugada, quando o Filho da Sorte dormia a sono solto, chegaram os ladrões. A velha, temendo pela vida de seu hóspede, avisou aos malfeitores que havia alguém na cabana, mas que se tratava apenas do filho de um moleiro que estava a caminho da capital para levar uma carta do imperador à mu-lher. O chefe dos bandidos ficou muito curioso para saber o con-teúdo da carta e a abriu para ler. Ao ver a maldade que estava fazendo com o pobre rapaz, fi-cou indignado e resolveu pregar uma peça no malvado soberano. Imitando a letra do imperador, escreveu uma nova mensagem à rainha, ordenando que ela ca-sasse imediatamente a princesa com o portador daquela carta. Em seguida, queimou a carta

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verdadeira e colocou a outra em seu lugar. Na manhã seguinte, o Filho da Sorte, sem saber de nada, partiu. Orientado pelo próprio chefe dos ladrões, encontrou fa-cilmente o caminho certo para a capital e horas de¬pois se apre-sentava no palácio. A rainha, ao ler a men-sagem que julgava ler de seu marido, preparou tudo para o casamento, que se realizou na-quela mesma tarde, na capela do palácio. Meses depois o imperador voltou de sua viagem e, ven-do sua filha casada com o filho do moleiro, ficou furioso com a mulher, lista, sem entender por que o marido estava tão bravo, mostrou-lhe a carta que havia recebido. Como não havia mais remédio para a situação, o im-perador decidiu não punir nem

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a mulher nem o genro, para a felicidade da princesa, que gos-tava muito do marido. Por outro lado, era impossível aceitar que a princesa vivesse casada com um tipo qualquer, sem eira nem beira, como aquele; por isso o imperador chamou o genro e lhe disse:— Para eu consentir que você e minha filha continuem vivendo juntos, é preciso que você se torne digno de ser um príncipe rea-lizando alguma façanha. Por isso, eu lhe dou uma tarefa para cumprir: quero que vá até o in-ferno e traga de lá três cabelos de ouro do Diabo. Se conseguir realizar esse feito, quando voltar eu o farei príncipe. O Filho da Sorte, esperto e valente como era, partiu sem demora rumo ao inferno. Caminhou durante muitos dias, até chegar à porta de uma

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grande cidade, onde uma senti-nela lhe perguntou que proble-mas ele sabia resolver.— Todos! — respondeu o ra-paz.— Todos?! — disse o guarda. — Então faça-me o favor de dizer por que a fonte do nosso mercado, que antes jorrava um vinho delicioso, agora está tão seca que não solta nem uma gota de água!— Não posso responder ago-ra — ele respondeu —, mas, se me deixar passar, eu lhe trarei a resposta na volta. A sentinela, confiando na palavra do rapaz, abriu as por-tas da cidade para que ele pas-sasse. O Filho da Sorte seguiu seu caminho e alguns dias depois chegou à porta de uma outra ci-dade, onde havia outra sentinela que também lhe perguntou que

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problemas ele sabia resolver.— Todos! — respondeu ele mais uma vez.— Ah, é? — disse a sentine-la. — Então me responda por que é que a árvore grande dos jardins do nosso rei, que antes dava frutos de ouro, agora está tão seca que não tem nem uma folha mais!— Nao posso responder ago-ra — disse o moço —, mas, se me deixar passar, eu lhe trarei a resposta na volta! O guarda também acredi-tou em sua palavra e o deixou seguir. Alguns dias depois, o filho do moleiro chegou a um gran-de rio que precisava atravessar para chegar ao inferno. Só havia ali um barqueiro que, ao vê-lo, perguntou a mesma coisa que as duas sentinelas. Quando ouviu o rapaz dizer que sabia resolver

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todos os problemas, o barquei-ro, interessado, disse-lhe:— Meu jovem, se você sabe mesmo de tudo, então me ex-plique logo por que eu preciso ficar a vida inteira sendo bar-queiro, atra-vessando gente de um lado para outro do rio, sem nunca encontrar uma alma boa que venha me substituir neste trabalho!— Não sei explicar o motivo — disse o Filho da Sorte —, mas, se me levar à outra margem, prometo que na volta eu trarei a resposta à sua pergunta! O barqueiro também acre-ditou na palavra do Filho da Sor-te e o levou para o outro lado do rio. Bem perto dali ficava a por-ta do inferno. O rapaz bateu bem forte e esperou ser atendido. Algum tempo depois, apareceu à porta a avó do Diabo, dizendo

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que seu neto não estava. Como ela parecia ser uma boa pessoa, o moço contou-lhe sua história, e a velha, condoendo-se da sua situação, resolveu ajudá-lo.— Mas se o meu neto o encontrar aqui — disse ela —, vai ficar tão furioso que vai querer matá-lo no mesmo instante e comê-lo as sado no jantar. Por isso preciso escondê-lo. Assim, a velha transformou o Filho da Sorte numa formi-guinha e o escondeu numa das dobras de sua saia. Minutos depois, chegava em casa o Diabo, e já vinha fa-minto, pois havia sentido cheiro de carne humana, seu prato predileto. Farejou por todos os cantos do inferno, mas, como nada encontrasse, a velha lhe disse:— Você anda com mania de sen-tir cheiro de gente! Venha comer

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que eu matei um franguinho novo especialmente para. o seu jantar! O Diabo comeu até fartar-se e, depois, como era seu cos-tume, deitou-se no colo da avó para que ela lhe fizesse cafuné. Dali a pouco, dormia profunda-mente e a velhinha aproveitou-se disso para arrancar o primeiro fio de ouro de sua cabeça.— Ai! — gritou Satanás. — Que é que você está fazendo, minha avozinha?— Nada — respondeu a velha. — É que tive um sonho mau e acordei agarrada em seus cabe-los!— E qual foi o sonho que teve? — perguntou o Diabo.— Sonhei que a fonte do mer-cado de uma cidade, que anti-gamente só jorrava vinho, agora anda tão seca que não solta nem uma gota de água.

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Satanás deu uma gostosa gargalhada e depois respon-deu:— É verdade! É verdade! É que existe uma pedra tampando o nascedouro da fonte! Se a tirarem, a fonte voltará imediatamente a jorrar vinho. A avó do Diabo voltou a fazer cafuné na cabeça do neto e logo depois ele dormia tão pesado que roncava. Quando estava num sono ferrado, a ve-lha aproveitou para arran¬car o segundo fio de cabelo.— Ai! Ai! Ai! — fez ele de novo. — O que é que aconteceu ago-ra?— Eu sonhei outra vez! — disse a avó. Desta vez foi com uma ou-tra cidade onde havia, no jardim do rei, uma árvore que dava frutos de ouro e que agora está

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cada dia mais seca! O Diabo riu gostosamente e respondeu:— Isto também é verdade, mi-nha avó! E sabe por que a árvore secou? Porque em¬ baixo dela há um rato que diariamente rói suas raízes. Se matarem o rato, a árvore fi¬cará verde outra vez. Se o deixarem lá, ela ficará cada dia mais seca, até morrer! Depois de dizer isso, Sata-nás ajeitou de novo a cabeça no colo da avó e, logo, emba¬lado pelo cafuné, dormia outra vez. A velhinha aproveitou então para arrancar o terceiro fio e ele, acordando por causa da dor, gritou furioso:— Ai, minha avó! Seus sonhos vão aca¬bar me deixando care-ca! O que foi desta vez?— Sonhei com um barqueiro — disse a avó — que se queixava de ficar eternamente passando

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gente de uma margem para ou-tra do rio sem nunca encontrar alguém que o substituísse nesse trabalho sem fim!— Ah! — respondeu o Diabo, dando outra gargalhada. — Esse barqueiro é um bobo! Se ele qui-ser sair de lá, é preciso apenas que abandone os remos na mão da primeira pessoa que apare-cer pedindo para passar à outra margem do rio! A pessoa não terá outro remédio senão tomar o lugar do barqueiro! Como já estava de posse dos três fios de cabelo, e já ha-via obtido as respostas para as três perguntas, a velhinha final-mente deixou Satanás dormir sossegado. Logo de manhã, dizendo ao neto que ia buscar água, a avó do Diabo saiu do inferno e retirou a formiguinha da dobra da saia, restituindo ao Filho da Sorte a

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forma huma¬na. De posse das três respostas, o rapaz pegou os três fios de cabelo de ouro e, depois de agradecer muito à -velhinha, iniciou o caminho de volta. Logo chegava outra vez à margem do grande rio e o bar-queiro, ansioso, perguntou pela sua resposta.— Primeiro você precisa me le-var ao outro lado — respondeu o rapaz. E, assim que o barqueiro o atravessou, o moço ensinou-lhe como deveria fazer para escapar da sina de ser barqueiro eter-namente. Muito feliz, o homem agradeceu a ajuda e o Filho da Sorte seguiu seu caminho. Depois de alguns dias, che-gava ao portão da cidade onde existia a árvore que dava frutos de ouro. Ensinou à sentinela o que se devia fazer para recupe-

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rar a árvore, e o homem, agra-decido, deu-lhe como recom-pensa dois jumentos carregados de ouro e pedras preciosas. Mais à frente, passou outra vez pelo portão da cidade cuja fonte de vinho havia secado. A sentinela logo indagou da res-posta e o moço ensinou-lhe o que fazer, conforme havia ou-vido da boca de Satanás. Muito feliz, o guarda deu-lhe mais dois jumentos carre¬gados de ouro e lá se foi o Filho da Sorte, rumo ao reino de seu sogro. Chegou ao palácio muito satisfeito, pois, além de haver cumprido a façanha exigida, es-tava agora muito rico. A princesa, sua esposa, o recebeu com muita alegria e o imperador, depois de ter em mãos os três cabelos de ouro e ver a ri-queza que o genro tra-zia, permitiu que ele vivesse com

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sua filha e o tornou príncipe. Tudo ia muito bem no palá-cio, mas o imperador era muito ambicioso e morria de curiosida-de para descobrir como e onde o genro havia conseguido tantas riquezas. Um dia, não resistindo mais, acabou perguntando, e o Filho da Sorte lhe respondeu:— Foi muito fácil, meu sogro! No caminho para o inferno há um grande rio onde está sempre um barqueiro que atravessa to-das as pessoas. É só pedir para ele atravessá-lo e colher, na margem de lá, todo o ouro que pu¬der carregar, pois o ouro ali é a areia do chão!— E eu posso ir até lá pegar ouro para mim também? — per-guntou o imperador.— Claro, meu sogro! — res-pondeu o ra¬paz. — É só falar com o barqueiro!

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O ganancioso imperador saiu logo na manhã seguinte, ansioso por encontrar o lugar onde havia tanta riqueza. Via-jou por vários dias e, de fato, acabou encontrando o barquei-ro. Este, que aguardava an-siosamente o aparecimento de alguém, assim que o imperador lhe pediu que o atravessasse, entregou-lhe com satisfação os remos e disse: – Atravesse você mesmo, ora! Movido pela ambi-ção, o imperador aceitou a tare-fa e saiu remando, enquanto o barqueiro, feliz da vida, saía por esse mundo afora, livre outra vez. E dizem que até hoje o imperador está lá, Cumprindo a eterna tarefa de atravessar gente de um lado para outro do rio. Quanto ao Filho da Sorte, viveu feliz por muitos e muitos

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anos, junto com a princesa, sua amada esposa.

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26O Flautista de Hamelin

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Há muito, muitíssimo tem-po, na próspera cidade de

Hamelin, aconteceu algo muito estranho: uma manhã, quando seus gordos e satisfeitos habi-tantes saíram de suas casas, encontraram as ruas invadidas por milhares de ratos que iam devorando, insaciáveis, os grãos dos celeiros e a comida de suas bem providas despensas. Ninguém conseguia ima-ginar a causa de tal invasão e, o que era pior, ninguém sabia o que fazer para acabar com tão inquietante praga. Por mais que tentassem exterminá-los, ou ao menos afugentá-los, parecia ao contrá-rio que mais e mais ratos apare-ciam na cidade. Tal era a quanti-dade de ratos que, dia após dia, começaram a esvaziar as ruas e as casas, e até mesmo os gatos fugiram assustados.

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Ante a gravidade da situ-ação, os homens importantes da cidade, vendo perigar suas riquezas pela voracidade dos ratos, convocaram o conselho e disseram:-Daremos cem moedas de ouro a quem nos livrar dos ratos. Pouco depois se apresen-tou a eles um flautista taciturno, alto e desengonçado, a quem ninguém havia visto antes, e lhes disse:-A recompensa será minha. Esta noite não haverá um só rato em Hamelin. Dito isso, começou a andar pelas ruas e, enquanto pas-seava, tocava com sua flauta uma melodia maravilhosa, que encantava aos ratos, que iam saindo de seus esconderijos e seguiam hipnotizados os passos do flautista que tocava inces-santemente.

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E assim ia caminhando e tocando, levou-os a um lugar muito distante, tanto que nem sequer se poderia ver as mura-lhas da cidade. Por aquele lugar passava um caudaloso rio onde, ao ten-tar cruzar para seguir o flautista, todos os ratos morreram afoga-dos. Os hamelineses, ao se ve-rem livres das vorazes tropas de ratos, respiraram aliviados. E, tranqüilos e satisfeitos, voltaram aos seus prósperos negócios e tão contente estavam que orga-nizaram uma grande festa para celebrar o final feliz, comendo excelentes manjares e dançan-do até altas horas da noite. Na manhã seguinte, o flautista se apresentou ante o Conselho e reclamou aos impor-tantes da cidade as cem moe-das de ouro prometidas como

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recompensa. Porém esses, libe-rados de seu problema e cegos por sua avareza, reclamaram:-Saia de nossa cidade! Ou aca-so acreditas que te pagaremos tanto ouro por tão pouca coisa como tocar a flauta?. E, dito isso, os honrados homens do Conselho de Hame-lin deram-lhe as costas dando grandes gargalhadas. Furioso pela avareza e in-gratidão dos hamelineses, o flautista, da mesma forma que fizera no dia anterior, tocou uma doce melodia uma e outra vez, insistentemente. Porem esta vez não eram os ratos que o seguiam, e sim as crianças da cidade que, arre-batadas por aquele som mara-vilhoso, iam atrás dos passos do estranho músico. De mãos dadas e sorriden-tes, formavam uma grande fi-

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leira, surda aos pedidos e gritos de seus pais que, em vão, entre soluços de desespero, tentavam impedir que seguissem o flau-tista. Nada conseguiram e o flau-tista os levou longe, muito longe, tão longe que ninguém poderia supor onde, e as crianças, como os ratos, nunca mais voltaram. E na cidade só ficaram a seus opulentos habitantes e seus bem repletos celeiros e bem cheias despensas, protegi-das por suas sólidas muralhas e um imenso manto de silêncio e tristeza. E foi isso que se sucedeu há muitos, muitos anos, na de-serta e vazia cidade de Hamelin, onde, por mais que se procure, nunca se encontra nem um rato, nem uma criança.

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Fim

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Na tradição oral, as histórias compila-das não eram destinadas ao público infantil e sim aos adultos. Foram os irmãos Grimm que as dedicaram às crianças por sua temática mágica e maravilhosa.

Fundiram, assim, esses dois univer-sos: o popular e o infantil. O título escolhido para a coletânea já evidencia uma proposta educativa.

Alguns temas considerados mais cru-éis ou imorais foram descartados do manus-crito de 1810.

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