4
8 Física na Escola, v. 3, n. 1, 2002 Trabalhando Ciência sob Enfoque Histórico-Filosófico Este artigo apresenta uma atividade realizada ao longo dos últimos cinco anos em escolas da cidade do Rio de Janeiro, que tem por propósito introduzir nos cursos de física de nível médio discussões histórico-filosóficas sobre a ciência. A exigência de um olhar crítico à Ciência e à Tecnologia torna o ensino das Ciências fundamental no processo de formação da cidadania Introdução O s aparatos científicos e tecno- lógicos preenchem nosso co- tidiano, apresentando-nos constantemente novas questões, fazendo com que o exercício da cida- dania implique, necessariamente, em posicionar-se diante da Ciência e da Tecnologia. Como ser cidadão sem dis- cutir as estratégias para investimentos energéticos, o problema dos transgê- nicos, das radiações eletromagnéticas em torres de alta energia que cortam as cidades, dentre tantos outros que podemos aqui mencionar? A exigência de um olhar crítico à Ciência e à Tecnologia torna o ensino das Ciências fundamental no processo de formação da cidadania. Entretanto, não pode- mos nos contentar com a certeza da urgência de um ensino de Ciências de qualidade; precisamos, ainda, nos per- guntar sobre seus objetivos e os ca- minhos que devemos seguir em nos- sas salas de aula. As possibilidades para os cursos de Ciências são grandes. Porém, quais- quer que sejam as opções tomadas, existe uma questão que precisa ser dis- cutida com os alu- nos: quais os limites e possibilidades do conhecimento cien- tífico? É pensando e re- fletindo sobre a Ciência que os alunos poderão no futuro enfrentar novas questões científicas, mesmo estando trabalhando em áreas completamente distantes do meio de produção cien- tífica e tecnológica. Assim, trazer a reflexão da Ciência para a sala de aula é tarefa de todos os professores envol- vidos com a educação científica. Andreia Guerra e José Claudio Reis Colégio Pedro II - Grupo Teknê E-mail: [email protected] Marco Braga CEFET-RJ - Grupo Teknê E-mail: [email protected] Reconhecemos que várias são as estratégias possíveis a serem tomadas pelos professores para que a reflexão citada se concretize. Nós, por exem- plo, optamos por problematizar a Ciência e a Tecnologia a partir da dis- cussão histórico-filosófica de sua construção. Apesar dessa defesa, transformar um curso de Ciências em aulas de História da Ciência seria empobre- cedor para o aluno. As aulas devem permitir aos alunos o contato com a Ciência nos seus diferentes aspectos, inclusive, no lúdico. Então como tra- zer o estudo histórico-filosófico da Ciência e com ele a reflexão sobre os limites e possibilidades desta, sem transformar as aulas de Ciências em aulas de História das Ciências? A alternativa que temos adotado ao longo dos últimos 10 anos é escolher certos momentos cruciais para o desenvolvimento da Ciência, e em nosso caso da Física, para serem historicamente trabalhados. Tendo realizado a escolha, nos envolvemos com a construção de estratégias concretas de ação em sala de aula que levem os alunos a lerem e refletirem sobre o assunto tanto no tempo de aula como no horário extra-esco- lar. Uma das estratégias que muito sucesso tem logrado é a realização de um “julgamento”. Essa atividade tem se mostrado muito pertinente para fazer com que os adolescentes dediquem tempo à leitura e à reflexão do assunto que desejamos debater. Apresentaremos a seguir um “julgamento” que temos realizado há

Escolas

Embed Size (px)

DESCRIPTION

F609

Citation preview

  • 8 Fsica na Escola, v. 3, n. 1, 2002

    Trabalhando Cincia sob Enfoque Histrico-Filosfico

    Este artigo apresenta uma atividade realizadaao longo dos ltimos cinco anos em escolas dacidade do Rio de Janeiro, que tem por propsitointroduzir nos cursos de fsica de nvel mdiodiscusses histrico-filosficas sobre a cincia.

    A exigncia de um olharcrtico Cincia e

    Tecnologia torna o ensinodas Cincias fundamental

    no processo de formao dacidadania

    Introduo

    Os aparatos cientficos e tecno-lgicos preenchem nosso co-tidiano, apresentando-nosconstantemente novas questes,fazendo com que o exerccio da cida-dania implique, necessariamente, emposicionar-se diante da Cincia e daTecnologia. Como ser cidado sem dis-cutir as estratgias para investimentosenergticos, o problema dos transg-nicos, das radiaes eletromagnticasem torres de alta energia que cortamas cidades, dentre tantos outros quepodemos aqui mencionar? A exignciade um olhar crtico Cincia e Tecnologia torna o ensino das Cinciasfundamental no processo de formaoda cidadania. Entretanto, no pode-mos nos contentar com a certeza daurgncia de um ensino de Cincias dequalidade; precisamos, ainda, nos per-guntar sobre seus objetivos e os ca-minhos que devemos seguir em nos-sas salas de aula.

    As possibilidades para os cursosde Cincias so grandes. Porm, quais-quer que sejam as opes tomadas,existe uma questoque precisa ser dis-cutida com os alu-nos: quais os limitese possibilidades doconhecimento cien-tfico?

    pensando e re-fletindo sobre a Cincia que os alunospodero no futuro enfrentar novasquestes cientficas, mesmo estandotrabalhando em reas completamentedistantes do meio de produo cien-tfica e tecnolgica. Assim, trazer areflexo da Cincia para a sala de aula tarefa de todos os professores envol-vidos com a educao cientfica.

    Andreia Guerra eJos Claudio ReisColgio Pedro II - Grupo TeknE-mail: [email protected]

    Marco BragaCEFET-RJ - Grupo TeknE-mail: [email protected]

    Reconhecemos que vrias so asestratgias possveis a serem tomadaspelos professores para que a reflexocitada se concretize. Ns, por exem-plo, optamos por problematizar aCincia e a Tecnologia a partir da dis-cusso histrico-filosfica de suaconstruo.

    Apesar dessa defesa, transformarum curso de Cincias em aulas deHistria da Cincia seria empobre-cedor para o aluno. As aulas devempermitir aos alunos o contato com aCincia nos seus diferentes aspectos,inclusive, no ldico. Ento como tra-zer o estudo histrico-filosfico daCincia e com ele a reflexo sobre oslimites e possibilidades desta, semtransformar as aulas de Cincias emaulas de Histria das Cincias?

    A alternativa que temos adotadoao longo dos ltimos 10 anos escolher certos momentos cruciaispara o desenvolvimento da Cincia, eem nosso caso da Fsica, para seremhistoricamente trabalhados. Tendorealizado a escolha, nos envolvemoscom a construo de estratgias

    concretas de aoem sala de aula quelevem os alunos alerem e refletiremsobre o assuntotanto no tempo deaula como nohorrio extra-esco-

    lar. Uma das estratgias que muitosucesso tem logrado a realizao deum julgamento. Essa atividade temse mostrado muito pertinente parafazer com que os adolescentesdediquem tempo leitura e reflexodo assunto que desejamos debater.

    Apresentaremos a seguir umjulgamento que temos realizado h

  • 9Fsica na Escola, v. 3, n. 1, 2002 Trabalhando Cincia sob Enfoque Histrico-Filosfico

    Para uma efetivacompreenso da Cincia ede seu papel na sociedade

    contempornea, fundamental que se discuta

    as condies histricas efilosficas para o chamado

    Nascimento da CinciaModerna, pois do contrrio

    a Matemtica e aexperimentao se

    apresentaro como passesde mgica

    cinco anos com alunos de um cursode Fsica de primeira srie do EnsinoMdio, em escolas da cidade do Rio deJaneiro. Pelo tempo que estamos tra-balhando sobre esse projeto, o queaqui relataremos a verso final, re-sultado de modificaes das primeirasatividades executadas.

    Nos cursos de Fsica da primeirasrie das escolas selecionadas, o tematrabalhado o estudo da Mecnica.Os assuntos tratados nessa srie so:

    1. Medidas: o que significa medir,o que so padres de medidas

    2. Erros e algarismos significati-vos

    3. O estudo do movimento3.1. Movimento retilneo unifor-

    me e uniformemente variado (a classi-ficao dos movimentos foi historica-mente apresentada, sem que muitotempo fosse despendido com o assun-to).

    3.2. Queda livre3.3. Movimento planetrio/ leis

    de Kepler4. Leis de Newton e Gravitao

    Universal5. Fora de atrito e aplicaes de

    Leis de Newton.Ao enfocarmos o item 1, Medi-

    das, optamos por discutir historica-mente a introduo da linguagemexperimental e matemtica na Cin-cia. Isto porque defendemos que parauma efetiva compreenso da Cinciae de seu papel na sociedade contem-pornea, fundamental que se discutaas condies histricas e filosficas pa-ra o chamado Nascimento da CinciaModerna, pois do contrrio a Mate-mtica e a experimentao se apresen-taro como passes de mgica. Paradar, ento, incio discusso, os alu-nos lem o livro Galileu e o Nasci-mento da Cincia Moderna (Guerra,1997), que discute como a Matem-tica e a experimentao tornaram-secritrios de verdade para as Cincias.Para concretizar o debate, o livro apre-senta a sociedade medieval e as trans-formaes tcnico-culturais que aEuropa sofreu a partir do sculo XII.O papel da Igreja na Idade Mdia res-saltado, assim como a importncia depensadores religiosos como SantoAgostinho e So Toms de Aquinopara a cincia medieval. Discute-se,

    tambm, a importncia de algumasordens religiosas, como a dos francis-canos com Robert Grosseteste, RogerBacon, John Scotus, William deOckham e outros para o questiona-mento da posio ali hegemnica. Aotravar esse debate, a Cincia se apre-senta como uma construo de ho-mens inseridos em uma cultura.

    Ao trmino da leitura, continua-mos com a projeo do filme O Nomeda Rosa de Jean Jacques Annaud(1986), baseado no livro homnimode Umberto Eco, em que os temas jabordados no livro foram aprofun-dados e debatidos. Apesar dessas eta-pas incentivarem a reflexo sobre odesenvolvimentodas idias cientfi-cas, acreditvamosque o estudo doNascimento da Ci-ncia Modernaprecisasse ser conti-nuado durante otrabalho dos outrostemas do curso deprimeira srie. Co-mo percebemos quenovas aulas nocausariam maistanto impacto, propusemos aos alu-nos a realizao de um julgamento.

    As Etapas Preliminares ao Diado Julgamento

    O julgamento tem por prop-sito, como destacamos anteriormente,impulsionar os alunos a estudarem onascimento da Cincia moderna forado espao de sala de aula. Por isso,indicamos a seguinte sentena: O de-senvolvimento da Cincia foi atrasadoao longo da Idade Mdia?.

    Para concretizar a atividade, osalunos foram divididos em trs gru-pos. Um, a promotoria, teria por pro-psito defender a tese afirmativa emrelao pergunta colocada, um ou-tro, a defesa, a tese negativa e um ter-ceiro constituir-se-ia no corpo de jura-dos.

    A promotoria e a defesa escolhe-ram dois advogados para apresen-tarem suas teses. O restante doscomponentes desses grupos eram tes-temunhas chamadas, no dia dojulgamento, a depor a favor da tese

    defendida por seu grupo. Foi solicitadoque as testemunhas representassemsupostamente pessoas que viveram naEuropa em fins da Idade Mdia ou noRenascimento. Assim, hipotetica-mente, o julgamento aconteceria naEuropa no final do Renascimento.

    Os jurados formavam, por suavez, o grupo dos inquisidores. Cadaum tinha por funo formular per-guntas s testemunhas e aos advoga-dos dos dois grupos. A cada apresen-tao de uma testemunha, o grupode jurados selecionava uma pessoa pa-ra levantar questes quele persona-gem, de modo a no repetir o inquisi-dor.

    Para se prepa-rarem para o dia dojulgamento, o gru-po da promotoria eo da defesa recebe-ram textos suple-mentares, sendoainda incentivados apesquisar outrasfontes bibliogrfi-cas. Aps a escolhado papel a ser de-sempenhado no diado julgamento,

    cada aluno dedicou sua ateno ao es-tudo de seu personagem histrico,criando argumentos para defender atese de seu grupo e atacar a do adver-srio. Como os advogados seriam des-tinados a construir uma histria l-gica para defender a tese do grupo,foi lhes solicitado que estudassem umpouco da vida e dos argumentos cons-trudos para cada testemunha.

    O grupo de jurados, aps estudaro assunto, formularia, em conjunto,perguntas que tinham por propsitoquestionar os dois grupos.

    O Dia do JulgamentoOs jurados escolheram um juiz,

    cuja funo no dia do evento foi a deorganizar as apresentaes, mantendoa ordem.

    O julgamento iniciou-se com osadvogados de cada lado apresentandoum resumo da tese defendida. Feitoisso, foi sorteado um grupo para co-mear. Um dos advogados, ento,chamava a primeira testemunha,apresentando-a. Inicialmente o outro

  • 10 Fsica na Escola, v. 3, n. 1, 2002Trabalhando Cincia sob Enfoque Histrico-Filosfico

    advogado, do grupo da testemunha,que no a apresentara, lanava-lheuma pergunta. Aps a resposta datestemunha, iniciava-se a inquisiodo corpo de jurados. Dois jurados rea-lizavam individualmente uma per-gunta testemunha. Aps o questio-namento dos jura-dos, o juiz permitiaao grupo advers-rio questionar atestemunha comuma nica pergun-ta. Fechado o cicloo juiz avaliava a si-tuao, e caso jul-gasse esclarecidosos argumentos da testemunha, a dis-pensava. Em caso contrrio, convi-dava um novo jurado a colocar-lhenovas perguntas. Tendo encerrado aapresentao da testemunha, o juizrequisitava ao outro grupo que cha-masse sua testemunha. O processo re-petia-se, alternando-se os grupos, atque todas as testemunhas tivessemdeposto.

    Concludo o interrogatrio dastestemunhas, os advogados tinhamnovamente a palavra para fazer umresumo do ocorrido. Os jurados,ento, se reuniam com os professoresque assistiram ao julgamento paradar um veredicto.

    Avaliando os AlunosAo longo do processo de prepara-

    o, que durou dois meses, os gruposentregaram relatrios parciais ao pro-fessor. O primeiro relatrio, entregueuma semana aps a diviso dos gru-pos, consistia apenas da apresentaodo levantamento bibliogrfico reali-zado. O segundo relatrio era maiselaborado que o primeiro; nele os alu-nos da defesa e da promotoria apre-sentavam as testemunhas e um pro-ttipo dos argumentos a serem levan-tados pelos advogados no dia doencontro. O grupo de jurados, nessesegundo relatrio, mostrava umarelao de dvidas e questionamentosa serem abordados com os advogadosno julgamento.

    Aps o professor ter lido e comen-tado os relatrios dos grupos da pro-motoria e da defesa, esses eram entre-gues aos jurados. Uma semana antes

    do dia marcado para a realizao daatividade, os trs grupos apresen-taram o relatrio final, contendo umrelato de cada testemunha, a tese decada advogado e no caso dos juradosas perguntas previamente formuladass testemunhas e aos advogados.

    Fora os relat-rios, os alunos fo-ram avaliados pelodesempenho no diada apresentao,que contou com onvel de participaoe profundidade de-monstrada. Essaavaliao foi sempre

    feita em conjunto com outros pro-fessores e membros da coordenaoda escola que assistiram o julgamen-to.

    Fontes Cinematogrficas eBibliogrficas Fornecidas aosAlunos

    Foram fornecidos aos alunos umalista de filmes, que ajudam a compre-ender o ambiente cultural que estavasendo estudado.

    Em Nome de Deus - CliveDonner, 1988;

    O Nome da Rosa - Jean-Jacques Annaud, 1986.

    Tambm alguns livros foramindicados como fonte de pesquisa:

    Galileu e o Nascimento da Ci-ncia Moderna, Ed. Atual;

    Histria Ilustrada da Cincia,Colin Ronan, Jorge Zahar Editores, v.2 e 3;

    Crnicas da Fsica- tomo 3 -Jos Maria Bassalo, Editora da Uni-versidade Federal do Par;

    De Arquimedes a Einstein - aface oculta da inveno cientfica,Pierre Thuillier, Jorge Zahar Editor.(principalmente captulos II, III e IV);

    A Vida de Galileu texto dapea de Berthold Brecht;

    O Mundo de Sofia, JosteinGaarder, Companhia das Letras;

    Leonardo da Vinci: Pode ummesmo Homem ser Engenheiro, Cien-tista e Artista?, Marco Braga, RevistaCEFET-RJ.

    Obs: Os alunos recorreram a li-vros de Histria Geral indicados porseus professores de histria e biogra-

    fias de personagens envolvidos naque-le processo, como Galileu Galilei.

    Avaliando o TrabalhoPedaggico

    Construir uma avaliao de umaatividade pedaggica no uma tarefamuito simples. Apesar desse fato,reconhecemos a importncia de pro-blematizarmos nosso trabalho. Nocaso especfico do julgamento, dese-jvamos perceber se com a atividadeos alunos estudariam com maior pro-fundidade o nascimento da Cinciamoderna, percebendo que a questoA Idade Mdia atrasou o desenvolvi-mento da Cincia? no fazia sentido.Nos preocupamos, assim, em analisarse os alunos compreenderam que aCincia moderna foi construda porhomens que, vivendo em um ambi-ente em transformao, dialogavamcom seus contemporneos, apesar doshorrores da Inquisio. A Cincia mo-derna no foi implementada por umou mais homens geniais, ela foiconstruda em um tempo e em umespao muito bem determinados emfuno dos conflitos e questionamen-tos dos homens que l viveram.

    Com essas preocupaes em men-te, analisamos os relatrios entreguespelos alunos e o julgamento em si.Os advogados de defesa argumen-taram que para examinar a questoera preciso entender o papel da Igrejana sociedade medieval, uma vez queela era a instituio que mais poderexerceu naquela poca. Tendo apresen-tado o argumento, chamaram teste-munhas como por exemplo RogerBacon. Apresentaram-no como umhomem que, apesar de ser membroda Igreja, contribura muito para odesenvolvimento da Cincia. Leonardoda Vinci e Galileu Galilei tambm fo-ram chamados a depor. O aluno queinterpretou Leonardo da Vinci apre-sentou no dia do julgamento dese-nhos do personagem e dados biblio-grficos de sua vida que mostraramaos jurados que Leonardo da Vincicriara projetos muito especiais, por tersido educado em um ambiente degrande rebulio cultural.

    O aluno que encenou Galileu Ga-lilei tambm participava do grupo dedefesa. No dia do julgamento, ele

    A Cincia moderna no foiimplementada por um ou

    mais homens geniais, ela foiconstruda em um tempo eem um espao muito bemdeterminados em funodos conflitos e questiona-

    mentos dos homens que lviveram

  • 11Fsica na Escola, v. 3, n. 1, 2002 Trabalhando Cincia sob Enfoque Histrico-Filosfico

    apresentou os desenhos de Galileu dascrateras da Lua feitos em 1610, a par-tir das observaes da luneta, compa-rando-os com os do astrnomo inglsThomas Harriot. Esse astrnomo tam-bm observara a Lua com uma luneta,porm, como no tinha os conhe-cimentos tcnicos de desenho de Ga-lileu, no soube interpretar as mudan-as de tonalidade lunares como pe-numbras e sombras e assim ele norepresentou a Lua com crateras1. Apsconfrontar os desenhos, o ator querepresentava Galileu contou sua vida,o ambiente em que se formara e argu-mentou que, apesar da Inquisio, oshomens de sua poca, sob forte dom-nio da Igreja, tiveram uma formaoque os permitiu criar coisas novas eultrapassar aqueles velhos ensinamen-tos. A concluso foi, portanto, de quea Igreja no atrasaraa Cincia. As outrastestemunhas foramdepondo nessamesma linha deargumentao.

    A promotoriachamou para teste-munhar GiordanoBruno, Coprnico eGalileu, dentre ou-tros. Defenderamque a Idade Mdiaatrasou a Cincia, pois a Igreja calaramuitas pessoas, impedindo que certasobras fossem divulgadas. Fora isso con-denara priso ou morte muitas pes-soas pelo simples fato de se oporem s

    normas e s idias da instituio.Argumentavam, ainda, que caso astestemunhas chamadas no tivessemsido perseguidas por aquela instituioou tido suas obras condenadas, aCincia teria progredido mais, visto quemais pessoas teriam se dedicado a ela eos prprios condenados teriam tidomais tempo para trabalharem comassuntos cientficos.

    O confronto entre os dois gruposfoi bastante intenso. As testemunhasde ambos os lados estavam muito bempreparadas, trazendo problemas noapenas para o adversrio mas tambmpara o corpo de jurados, que muitasvezes teve que formular perguntas deimproviso devido a complexidade dasrespostas apresentadas.

    Os argumentos dos grupos, a pre-parao das testemunhas e o envolvi-

    mento dos alunoscom o evento mos-trou-nos que pelomenos um dos nos-sos objetivos foi atin-gido: eles estudaramcom cuidado onascimento da Cin-cia moderna.

    Apresentamosuma pequena amos-tra dos resultados dotrabalho. Motivados

    pelo julgamento, os alunospesquisaram e leram a bibliografia dadapelo professor. Isso fez com que du-rante o primeiro semestre, enquanto oitem 3 do programa ia sendo tra-

    Harriot, como Galilei,observou a Lua com umaluneta; porm, como notinha os conhecimentostcnicos de desenho de

    Galileu, no soubeinterpretar as mudanas de

    tonalidade lunares comopenumbras e sombras, e

    assim ele no representou aLua com crateras

    balhado, os alunos trouxessem cons-tantemente questes ao professor,tornando a sala de aula um ambienterico, um espao em que a Cincia foihistoricamente trabalhada com a ajudados prprios alunos. Mesmo nosegundo semestre, quando o julga-mento j terminara, os alunos aindase referiam a ele quando estimuladospelo professor. Assim, o curso de pri-meira srie deixou de ser um emara-nhado de frmulas para constituir-seem um aprendizado histrico-filosficoda Mecnica.

    Referncias BibliogrficasBraga, M. A Nova Paidia: Cincia e Edu-

    cao na Construo da Modernidade, Rio deJaneiro, e-papers (www.e-papers.com.br),2000.

    Edgerton, Jr. S.Y. The Heritageof Giot-tos Geometry - Art and Science on the Eve ofthe Scientific Revolution, Ithaca e London,Cornell University Press, 1993.

    Guerra, A. et al. Galileu e o Nascimentoda Cincia Moderna, So Paulo, Ed. Atual,1997.

    Thuillier, P. De Arquimedes a Eisntein -Face Oculta da Inveno Cientfica, Rio deJaneiro, Jorge Zahar Editor, 1994.

    _____ Science et Socit - Essais sur lesDimensions Culturelles de la Science, Paris,Fayard, 1998.

    Nota1. Essas informaes, discutidas por

    Edgerton na obra The Heritage of GiottosGeometry - Art and Science on the Eve of theScientific revolution, foram debatidas peloprofessor com a turma durante o debateinicial a respeito do nascimento da Cinciamoderna.

    Solues do nmero anterior

    Ao e reao (p. 38): Resposta (d) verdade, a fora que o cavalo

    exerce sobre a charrete a mesma que

    Desvendandoa Fsica!

    a charrete exerce sobre o cavalo, masestamos interessados na acelerao eno na fora. A acelerao de um obje-to depende da sua massa assim comodepende da fora. Bem, quem temmassa maior, o cavalo ou a charrete?No importa, porque o cavalo est li-gado Terra atravs dos cascos. As-sim, efetivamente, uma fora puxa acarroa e uma reao igual e opostapuxa o cavalo E A TERRA. Para puxarpara trs o cavalo tambm necess-rio puxar para trs toda a Terra maci-a, enquanto a charrete, sendo menosmacia que a Terra, move-se muitomais facilmente. Enquanto a charretemove-se para a frente, toda a Terramove-se UM POUQUINHO para trs.Sabe quanto? Cerca de 10-23 m...

    Uma explicao mais detalhadaem termos das foras aplicadas nocavalo e na charrete pode ser encon-trada em Leituras de Fsica Mecnica(GREF), (2001) p. 75.

    Numa noite fria (p. 38): Resposta (c)As malhas esto em srie. Ou seja,

    o calor deve atravessar ambas as ma-lhas antes de escapar. Calor flui de lu-gares quentes para lugares frios domesmo modo que eletricidade flui dealtas para baixas voltagens. Isolantestrmicos em srie funcionam comoresistncias eltricas em srie, no im-portando a ordem em que esto dis-postos.

    Problemas adaptados de ThinkingPhysics, Lewis Carroll Epstein, InsightPress, San Francisco (1979).