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39 Escorço Histórico da Lógica Matemática Carlos Magno Corrêa Dias * Compor considerações, mesmo que resumidas sobre a história da Lógica Matemática, é labuta que so- licita, para além do dogmatismo, considerável grau de particulariza- ção sobre a história da evolução do pensamento humano. Porquanto, alerte-se, de início, que, em princí- pio, seria de todo impossível traduzir, com rigor e especialização, a diversificada amálgama de prescri- ções e condicionamentos que encetam ser a Lógica "a arte que dirige o próprio ato da razão". Assim, no presente estudo, ten- ciona-se apresentar, de forma objetiva, porém em sentido compen- diado, considerações basilares sobre o caminho histórico que levou o ho- mem a aceitar, não antes sem acirrados exames, a impregnação mútua entre Matemática e Lógica; para, posteriormente, difundir o que, hodiernamente, com a devida propri- edade, predica-se qualificar Lógica Matemática. Assim, percorrendo a estrada da evolução do conhecimento, encon- tra-se nos estudos de Aristóteles (384-322 a.C.) a primeira sistemati- zação relacional do tema que viria, ulteriormente, a ser intitulado Lógica; sendo que, saliente-se, o vocábulo "lógica" somente assumiria o contex- to moderno cerca de quinhentos anos após a morte do filósofo grego, quan- do Alexandre de Afrodísias a utilizou. Contudo, não se pode deixar de dizer que o âmbito da investigação lógica tem sua essência determinada pelo conteúdo dos tratados sobre o racio- cínio reunidos no que se arbitrou denominar Organon de Aristóteles. Em síntese, o Organon de Aristóteles institui, por seu conjunto de asserções, um instrumento do qual se serviria a razão para atingir a plenitude da verdade. Diga-se, sem exagero algum, que os trabalhos de Aristóteles fundamentaram a hoje chamada Lógica Formal. Porquanto, pela primeira vez na história da hu- manidade são estabelecidos: uma concepção de validade universal, o emprego de variáveis, valores-ver- dade dicotômicos; bem como, formas sentenciais contendo apenas cons- tantes lógicas; sendo a Silogística de Aristóteles uma obra capital. Passando, Aristóteles, a tomar, em suas discussões, sentenças enun- ciativas constituídas de termos na forma designação-atributo, onde um termo, a desiganação, é vinculado a outro, o atributo, por meio da ligação "é" quando da concordância entre os termos, ou "não é" quando a desig- nação eo atributo estão em discordância; tem-se principiado a Lógica Bivalente (base estrutural da Lógica Formal); pois que quando a concordância ou a discordância as- severada for confirmada promulga-se que o enunciado assume o valor- verdade Verdade, mas, em sentido oposto, assume o valor-verdade Fal- sidade; e, tais valores-verdade são mutuamente excludentes. Contudo, registre-se, que as fór- mulas lógicas, formuladas a partir dos enunciados qualificados acima, consistiam de palavras da linguagem ordinária, sujeitas às regras sintáti- cas usuais; ou seja, os teoremas lógicos eram derivados da lingua- gem usual, não se servindo de uma metalinguagem. Pode-se, desta forma, em sentido restrito, particularizar a Lógica de Aristóteles, no que tange à Silogística, como estando associada ao que, nos dias atuais, entende-se por Lógica das Classes (ou dos Predicados). Por outro lado, Aristóteles vem for- mular a maioria de seus resultados na forma de condicionais traduzidos em linguagem objeto e o estado ontológico de suas fórmulas não se encontra perfeitamente estruturado, uma vez que não se tem bem defini- do se aquelas são seqüências de sinais, estruturas mentais ou estrutu- ras objetivas. Mas, a despeito de tais observações, constitui a Lógica de Aristóteles um marco na história da Professor de Lógica Matemática, de Fundamentos de Matemática e de Cálculo Diferencial e Integral do Departamento de Matemática e Física da PUC PR.

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Escorço Histórico da Lógica Matemática

Carlos Magno Corrêa Dias *

Compor considerações, mesmoque resumidas sobre a história daLógica Matemática, é labuta que so-licita, para além do dogmatismo,considerável grau de particulariza-ção sobre a história da evolução dopensamento humano. Porquanto,alerte-se, de início, que, em princí-pio, seria de todo impossível traduzir,com rigor e especialização, adiversificada amálgama de prescri-ções e condicionamentos queencetam ser a Lógica "a arte quedirige o próprio ato da razão".

Assim, no presente estudo, ten-ciona-se apresentar, de formaobjetiva, porém em sentido compen-diado, considerações basilares sobreo caminho histórico que levou o ho-mem a aceitar, não antes semacirrados exames, a impregnaçãomútua entre Matemática e Lógica;para, posteriormente, difundir o que,hodiernamente, com a devida propri-edade, predica-se qualificar LógicaMatemática.

Assim, percorrendo a estrada daevolução do conhecimento, encon-tra-se nos estudos de Aristóteles(384-322 a.C.) a primeira sistemati-zação relacional do tema que viria,ulteriormente, a ser intitulado Lógica;sendo que, saliente-se, o vocábulo"lógica" somente assumiria o contex-to moderno cerca de quinhentos anos

após a morte do filósofo grego, quan-do Alexandre de Afrodísias a utilizou.Contudo, não se pode deixar de dizerque o âmbito da investigação lógicatem sua essência determinada peloconteúdo dos tratados sobre o racio-cínio reunidos no que se arbitroudenominar Organon de Aristóteles.

Em síntese, o Organon deAristóteles institui, por seu conjuntode asserções, um instrumento do qualse serviria a razão para atingir aplenitude da verdade. Diga-se, semexagero algum, que os trabalhos deAristóteles fundamentaram a hojechamada Lógica Formal. Porquanto,pela primeira vez na história da hu-manidade são estabelecidos: umaconcepção de validade universal, oemprego de variáveis, valores-ver-dade dicotômicos; bem como, formassentenciais contendo apenas cons-tantes lógicas; sendo a Silogística deAristóteles uma obra capital.

Passando, Aristóteles, a tomar,em suas discussões, sentenças enun-ciativas constituídas de termos naforma designação-atributo, onde umtermo, a desiganação, é vinculado aoutro, o atributo, por meio da ligação"é" quando da concordância entre ostermos, ou "não é" quando a desig-nação e o atributo estão emdiscordância; tem-se principiado aLógica Bivalente (base estrutural da

Lógica Formal); pois que quando aconcordância ou a discordância as-severada for confirmada promulga-seque o enunciado assume o valor-verdade Verdade, mas, em sentidooposto, assume o valor-verdade Fal-sidade; e, tais valores-verdade sãomutuamente excludentes.

Contudo, registre-se, que as fór-mulas lógicas, formuladas a partirdos enunciados qualificados acima,consistiam de palavras da linguagemordinária, sujeitas às regras sintáti-cas usuais; ou seja, os teoremaslógicos eram derivados da lingua-gem usual, não se servindo de umametalinguagem.

Pode-se, desta forma, em sentidorestrito, particularizar a Lógica deAristóteles, no que tange à Silogística,como estando associada ao que, nosdias atuais, entende-se por Lógicadas Classes (ou dos Predicados).Por outro lado, Aristóteles vem for-mular a maioria de seus resultadosna forma de condicionais traduzidosem linguagem objeto e o estadoontológico de suas fórmulas não seencontra perfeitamente estruturado,uma vez que não se tem bem defini-do se aquelas são seqüências desinais, estruturas mentais ou estrutu-ras objetivas. Mas, a despeito de taisobservações, constitui a Lógica deAristóteles um marco na história da

• Professor de Lógica Matemática, de Fundamentos de Matemática e de Cálculo Diferencial e Integral doDepartamento de Matemática e Física da PUC PR.

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sistematização do raciocínio huma-no; atribuindo-se, sem embargo, aomesmo o título de fundador da Lógi-ca; porquanto, durante mais de doismil anos quase todos os estudossobre Lógica têm sido influenciadospelo fascinante e extraordinário "pen-samento" aristotélico.

No fim da Antiguidade tinha-seinstaurado duas grandes correntescorrelacionadas com a Lógica; quaissejam: a Peripatética, derivada deAristóteles; e, a Estóica, desenvolvi-da por Crísipo (281-205 a.C.) a partirdos Megáricos. A Escola doMegáricos, segundo se pode dedu-zir, teria seus ensinamentosconcentrados na dialética de Zenon(335-264 a.C.), fundador da Escolados Estóicos (Escola do Pórtico), bemcomo, nas disputas dialéticas que,posteriormente, segundo Platão (427-347 a.C.) e Aristóteles, chamou-seErística. Apesar da Lógica dos Estói-cos e Megáricos permanecersubjugada pelas idéias de Aristótelespor mais de vinte séculos, há de seexaltar, atualmente, que muitos dosaspectos desenvolvidos na Lógicaatual encontram correspondência naLógica dos Estóicos e Megáricos.

Dentre as contribuições apresen-tadas pelos Estóicos e Megáricospara o desenvolvimento da Lógicahá de se considerar: a invenção deuma série de paradoxos, a ree-xaminação dos conceitos modais e odebate sobre a natureza das frasesdeclarativas. Acrescente-se, tam-bém, que foram os Estóicos osprimeiras a elaborar uma teoria dademonstração com proposições con-dicionais, como também, diversasoutras formas de proposições com-plexas. Embora os Estóicos eMegáricos tenham desenvolvido as-pectos não verificados em Aristóteles,observa-se que estes obtiveram re-sultados compatíveis com os daquele.

Em termos gerais, a EscolaMegárico-Estóica é particularizada,em contraposição com a Escola deAristóteles, segundo três posi-cionamentos distintos, quais sejam:a Lógica Megárico-Estóica é umaLógica das Proposições, existe a for-mulação de regras de inferênciatraduzi das por uma metalinguagem,e tem-se elaborado uma teoria dossinais onde os teoremas são enunci-ados de forma a apresentar umsignificado ao nível do domínio (uni-verso) relacional. Saliente-se, apropósito, portais peculiaridades, queas investigações lógicas desta esco-la deslumbram-se mais conscientesdo efetivo fim das mesmas do quequaisquer um de seus predecesso-

res; além do mais, alocaram um lugardefinido a seus estudos no esquemado conhecimento humano, defenden-do uma doutrina definida sobre oconteúdo da Lógica.

Diz-se, em intenção, que os Estói-cos deram início ao que na atualidadepredica-se chamar Cálculo Pro-posional (o organismo fundamentalda Lógica Matemática, sem o qual oCálculo das Funções Proposicionaisnão poderia ser elaborado de formasistemática); pois que, os Estóicosmanipularam as inferências que de-pendiam apenas de noçõesexpressas pela conexão de enuncia-dos na forma designação-atributo emsentenças complexas, enquanto que,por exemplo, Aristóteles direcionouseus estudos sobre inferências queenvolviam relações entre termos ge-rais. Nestas condições, diz-se,portanto, que a Lógica das Proposi-ções, estudada pelos Estóicos, é mais"fundamental" do que a Lógica dosTermos Gerais, estudada porAristóteles; o que pode conduzir aosconceitos de Lógica Geral e LógicaPrimária, sendo que a primeira nãopode ser desenvolvida sem a segun-da, mas esta última pode vir aconstituir uma teoria independente.Assim, por exemplo, a Dialética deCrísipo corresponde à Lógica Primá-ria, enquanto que a Silogística deAristóteles pode ser encarada comouma parte da Lógica Geral.

Como a Lógica Megárico-Estóicatrabalha com teoremas lógico-sentenciais, ao nível da Semântica,esta principia o formalismo lógico; jáque apresenta uma notável elabora-ção da técnica lógico-formal dastabelas de valores corretamente es-tabelecidos e um notável posi-cionamento sobre a discussão dosentido da implicação. Tem-se aaxiomatização da Lógica Sentencialcom evidente distinção entre leis emetateoremas.

Ao passar dos séculos, após osurgimento do período dos Me-gáricos-Estóicos em Lógica,constata-se uma quase obscuridadetotal quanto ao levantamento de no-vos questionamentos e/ou odesenvolvimento específico de ou-tras pesquisas sobre a Lógica. Nadade relevante foi desenvolvido até oséculo XI, segundo as poucas obrasde que se tem conhecimento; umavez que a grande maioria, ou quasetotalidade, dos estudos limitaram-sea estabelecer traços de convergên-cia entre os estudos aristotélicos e osestóicos. Diga-se, porém, que as ten-tativas de "união" das correntesanteriores têm seu ápice na obra de

Boécio (480-524), a qual, quando daretomada do estudo da Lógica porvolta do século décimo da era atual,era mais conhecida do que a deAristóteles. Assim, corrobora-se aassertiva de que Boécio é "essenci-almente importante como um agentede transmissão da cultura clássicapara a Idade Média"

No atual estado de investigaçãosobre a história da Idade Média há dese afirmar, em verdade, que muitopouco se sabe sobre os trabalhoslógicos desenvolvidos neste perío-do. Os estudos apresentados pelosespecialistas mostram uma estagna-ção, e/ou uma fase de decadência,em termos de novos posicionamentossobre a Lógica até Pedra Aberlado(1079-1142).

Tomando-se por fundamento ostrabalhos difundidos sobre a filosofiamedieval, pode-se apresentar a for-ma Escolástica da Lógica divididaem três períodos distintos; quais se-jam: o Período de Transição, oPeríodo Criador e o Período de Ela-boração. Contudo, de forma ampla,ressalte-se que a Lógica Escolásticaembora trabalhe com a linguagemordinária, seu desenvolvimento secaracteriza por regras sintáticas dife-renciadas e por funções semânticasespecializadas; contudo, os teoremaslógicos continuam derivados de umalinguagem usual.

No primeiro período, como já abor-dado, que culmina com Abelardo,nenhum novo problema foi tratado ediga-se, a bem da verdade, o legadodo passado era conhecido imperfei-tamente. Já, no segundo período,que se estende até os fins do séculoXIII, iniciando-se em meados de 1150,retomam-se os conhecimentoscentrados em épocas passadas.Além do mais, começam a surgirnovas problemáticas tais quais asquestões sobre as propritatesterminorum. No Período Criador tem-se como a obra mais conhecida asSummulae Logicales de PedroHispano (falecido em 1277); poden-do-se destacar, também, ospensadores Alberto Magno (1193-1280), Roberto Kildwardby (falecidoem 1279) e Guillermo de Shyreswood(falecido em 1249). Por fim, no tercei-ro período, que tem seu início comGuillermo de Ockham (falecido em1349/50), atingindo seu término noséculo XV com o fim da Idade Média,tem-se a fase da sistematização doconhecimento, onde deve-se salien-tar os trabalhos sobre Lógica Formale sobre Semiótica. Esclareça, entre-tanto, que a Lógica Escolástica, emsentido completo, apresenta-se a um

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nível mais elevado que o Organon,tratando, também, das questões im-postas pela Lógica Megárico-Estóica;é pois, segundo afirmam os pesqui-sadores, nesta fase que surgerealmente uma Lógica Formal.

Pondere-se, também, que a Lógi-ca Escolástica desenvolveu umaforma inteiramente nova de LógicaFormal, pois que esta consiste daintenção de abstrair da linguagemusual as leis e regras desta mesmalinguagem para atender o sentidomais amplo de funções semânticas esintáticas dos símbolos, quase insti-tuindo uma metalinguagem. Além doque os problemas e técnicas da Lógi-ca Sentencial apresentam-se deforma mais "abstrata" do que emquaisquer outras épocas. A despeitode tais ponderações, acrescente-seque a Lógica Modal assume, naEscolástica, grau de investigaçãonunca antes verificado.

Dos cerca de quatrocentos anosque compreendem o meio do séculoXV ao meio do século XIX tem-seapresentado diversos tratados de Ló-gica, contudo muito poucas destasobras abordam algo que seja inteira-mente novo ou que não seja trivial;verifica-se mais uma recapitulaçãodo anteriormente estabelecido do quecriações inovadoras propriamenteditas. Contudo, neste período, pode-se particularizar três tendênciasdistintas: a do Humanismo (que podesertaxado como um movimento radi-cal de simples negação daEscolástica), a da Lógica Clássica(em sentido estrito) e das novas ten-tativas de ampliação da LógicaClássica.

Sobre o Humanismo, diga-se ape-nas que este estava mais preocupadocom os problemas afetos à Retórica,à Psicologia e à Epistemologia doque com questões orientadas à Lógi-ca. De forma geral, reputavam suaobjeção à Escolástica e à LógicaMedieval por serem estas, não "fal-sas" na essência, mas antes porapresentarem natureza bárbara noestilo e constituírem teoria sem inte-resse no conteúdo.

Todavia, o posicionamento estérilpreposto pelo Humanismo não duroumuito tempo. E, em seguida, umaLógica Formal predicada como Clás-sica, em sentido estrito, emergiu. Temsua fundamentação a partir daLogique ou /'art de penser de P.Nicole (1625-1695) e A. Arnault(1612-1694), obra estapublicada emParis, em 1662, conhecida, também,por Logique de Port Roya/. A con-cepção exposta pelos autores nestelivro, conquanto desprovida de pro-

blemática inovadora e/ou profunda,obteve grande aceitação e passou adominar o estudo da Lógica pela gran-de maioria dos filósofos durante osduzentos anos seguintes.

Afirme-se, como se poderia facil-mente concluir, que os séculos XVII,XVIII e a metade do século XIX pou-co ou quase nada contribuíram parao desenvolvimento da Lógica. Poroutro lado, seria injusto deixar decomentar, neste resumo, oposicionamento assumido porGottfried Wilhelm Leibniz (1646-1716), o qual seria convenientementeconsiderado, tão-somente, no fim doséculo XIX.

Leibniz utilizou em diversos deseus trabalhos o que considerou cha-mar Calculus Ratiotinator ou Logi-ca Mathematica. Muito embora, asidéias de Leibniz nunca tenham sidoteorizadas por ele, seus trabalhosapresentam, evidentemente, a con-cepção da Lógica Matemática; sendo,por muitos estudiosos considerado oprimeiro lógico matemático; entre-tanto, não pode ser considerado ofundador da Lógica Matemática; hajavista que muito de seus trabalhosforam publicados muito tempo de-pois de sua morte.

Na Lógica Matemática tem-seuma forma absolutamente inovadorade se tratar a Lógica; porquanto, en-quanto as outras formas da Lógicateoremas lógicos eram simplesmen-te derivados da linguagem usual(ordinária), nesta nova forma tem-sea construção de uma linguagem arti-ficial própria elaborada nas bases deum sistema puramente formal, en-contrando na linguagem natural umainterpretação tão- somente após suaestruturação formal. Além de um talfato, suas leis são formuladas emlinguagem artificial a qual se asse-melha, pela adoção de símbolosparticulares, à linguagem da Mate-mática. As proposições da LógicaMatemática são formuladas assimem linguagem objeto. Mas, uma dascaracterísticas fundamentais de umatal Lógica Matemática é o uso de umcálculo no sentido estrito da palavra.Como neste estudo não se pretendedizer, em verdade, o que vem a serLógica Matemática, mas simposicioná-Ia no curso da história; in-formações de caráter sistêmico e/ouestrutural não serão apresentados.Contudo, pode-se sugerir a leiturados textos Lógica Matemática: umaintrodução ao Cálculo Proposiciona/;Lógica Matemática: um sistema cien-tífico de raciocínio; Teoria daArgumentação e Análise Inferencialem Lógica Matemática; As leis lógi-

cas do pensar coerente; e outrospublicados pelo autor do presentetexto.

Efetivamente, tem-se como o fun-dador da Lógica Matemática GeorgeBoole (1815-1864) que, com sua obraThe Mathematical Analysis of Logic,publicada em 1847, dá início a umperíodo revolucionário no desenvol-vimento da Lógica.

Também em 1847, Augustus DeMorgan (1806-1871) publicou o For-mal Logic. Comparando as leis dopensamento com as leis da Álgebra,Boole publicou em 1854 sua obrafundamental denominada Inves-tigation of the Laws of Thought.

A partir dos estudos de Boole mui-tos outros estudiosos enveredarampor caminhos semelhantes. Dentreeles merecem destaque os trabalhosde R. L. Ellis (em 1863), W. S. Jevons(em 1864), R. Grassmann (em 1872),J. Venn (em 1880, 1881), HughMcColI (em 1877, 1878) e por E.Schroder (em1877). Diga-se, tam-bém, que entre 1891 e 1895, E.Schroder (1841-1902) publicou umdos maiores tratados de Lógica Ma-temática, o Vorlesungen über dieAlgebra der Logik. Entretanto, sali-ente-se, que os estudos de Schrodertiveram sua base nos ensaios de C.S. Pierce (1839-1914).

Em sua Investigation of the Lawsof Thought de 1854 Boole explicousuas idéias de 1847 e fundamentou aLógica Formal, apresentando, tam-bém, uma nova álgebra, a Álgebra deBoole ou a Álgebra da Lógica. Deforma sumária, registre-se que a Ál-gebra Booleana (B, +, .) constitui-sede um conjunto B de elementos x, y,z, ... (de classes) e de duas opera-ções binárias, denominadas soma eproduto lógico, designadas, respec-tivamente, por (+) e (.); tais que (x +y) indica a união de duas classes;enquanto que (x . y) corresponde àinterseção de duas classes. No novocálculo instituiu-se a relação de iden-tidade representada pelo símbolo =.Ou seja, considerando-se o símbolo= entre os símbolos que designamduas classes quaisquer (x e y, porexemplo) está a indicar-se que asclasses têm os mesmos membros edenota-se: x = y. Além do mais, ossímbolos 1 e O passam a caracterizaras classes universal e nula.

Contudo, uma Álgebra de Booledifere da Álgebra Ordinária; senãoconsidere. Se x denota uma classe, ainterseção dessa classe com ela pró-pria haverá, obviamente, de gerar amesma classe x; ou seja: tem-se quex . x = x; o que pode ser generalizadopara x. x. x. . x = x"= x, tornando

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a Álgebra da Lógica especial em re-lação à Álgebra Ordinária. E,partindo-se do mesmo universoconceitual, tem-se que x + x = x; umavez que asoma lógica denotaa uniãoentre classes. Observe, aseutempo,que em um tal sistema são possíveisas exspressões: (1 . x) = x, (1 + x) =1, (O . x) = ° e (O + x) = x.

A Álgebra Booleana difere, tam-bém, da Álgebra Ordinária tendo emvista que (z . x) = (z . y), onde a classez sendo distinta do conjunto vazio,não conduz à expressão x = y. Alémdo mais, se x . y = 0, tal fato nãoassegura que x ou y deve ser 0,como se pode claramente constatartomando-se os princípios anteriores.Ao interpretar x + y como sendo arepresentação da união ou da somalógica (num sentido inclusivo), dasclasses x e y, de forma que aclasse x + y contém a classe x . y; talparticularidade traz vantagens con-sideráveis do ponto de vista formal,pois que permite afirmar a legitimida-de da equação x + x = x e estabelecertodo o cálculo de acordo com o prin-cípio da dualidade para a união epara a interseção.

Após as idéias de Boole (que pre-tendia qualificar a Lógica como umaparte da Matemática), surgem asconcepções de Gottlob Frege (1848-1925), o qual tencionava mostrar quea Aritmética era idêntica á Lógica;sendo que em 1879 publicou seuBegriffsschrift, ensaio este que cor-responde a um manual de ideografiaou escritura conceptual. Em 1884,Frege, lança seu Die Grund/agemder Arithemetic onde expõe, de for-ma informal, opiniões e críticas sobreas correntes sobre a natureza daAritmética. Porém, em 1893, surge oprimeiro volume de sua fundamentalobra Die Grundgesetze derArithmetik; sendo que o segundovolume somente seria publicado em1903.

Nos trabalhos de Frege há de seassinalar a precisão com que dife-rencia variável de constante; a criaçãode sistemas lógicos tal qual o quehoje se conhece por CálculoProposicional, a concepção de fun-ção lógica, o conceito (fundamental)de quantificador, as dintinções entrelei e regra (entre linguagem emetalinguagem) e a distinção entreas premissas nas quais se baseiauma dado raciocínio e as regras deinferência.

Informe-se, em complementaçãoàs informações já apresentadas, queC. S. Peirce, Gottlob Frege e G. Peano(1858-1932) são os principais repre-sentantes da nova escola da Lógica

Matemática, a qual vem surgir apósG. Boole e que apresenta como metaprincipal a fundamentação das Mate-máticas; tendo, a seu tempo,desenvolvido importantes métodoslógicos.

No século atual surge uma dasobras fundamentais em Lógica Ma-temática publicada em três volumesentre 1910 e 1913; ou seja, os Princi-pia Mathematica de B. Russell(1872-1970) e A. N. Whitehead (1861-1947). Nesta obra tem-sedesenvolvido todos os possíveis de-talhes quanto à prova de que aMatemática Pura pode serestabelecida a partir de um númeroespecífico de princípios lógicos fun-damentais; chegando-se a afirmarque a "Matemática é indistinguível daLógica." Tomando-se algumas dasidéias de Frege, a obra em questãopromulga que a Matemática deveriaser apresentada como um sistemaque se edifica a partir da Lógica. E,Russell afirma, com propriedade que"a Matemática é a juventude da Lógi-ca e que a Lógica é a maturidade daMatemática".

Das considerações acima e se-gundo Bochenski, a história da LógicaMatemática pode ser dividida, emsentido cronológico, em quatro fasesfundamentais; quais sejam: I) - DeLeibniz até 1847 com o TheMathematica/ Ana/ysis of Logic deBoole; 11) - De Boole até o Vor/esungenüber die A/gebra der Logik deSchroder; 111) - Do Begriffsschrift(1879) de Frege até os PrincipiaMatehematica de Russell eWhitehead; e, IV) - Dos PrincipiaMathematica (1910-1913) até os diasatuais.

Dada a excelência do trabalho deB. Russell e A. N. Whitehead, há dese afirmar que o grande avanço cons-tatado nos dias atuais em Lógica sedeve aos mesmos. Contudo, em ter-mos gerais, ressalte-se que o perí odoatual da Lógica apresenta-se desen-volvido em duas fases. A primeira,desenvolvida até 1930, estabelece aMetalógica; tendo como represen-tantes principais D. Hilbert,Lowenhein e Skolem. A segunda, apartir de 1930 (aproximadamente),corresponde à formalização daMetalógica e tem por representantesprincipais A. Tarski, R. Carnap, K.Godel. Destacam-se, também, ostra-balhos de L. Brouwer, J. Lukasiewicz,St. Lesniewski, G. Gentzen, S.Jaskowski, A. Heyting, C. I. Lewis, eoutros; todavia os estudos corres-pondentes não dizem respeito aopresente escopo.

Muito embora o posicionamento

dicotômico de tempos passados es-teja presente nos ensinamentos deinúmeros matemáticos e lógicos daatualidade, felizmente, a despeitodesta aparente involução, se tem ins-taurado, em estudos admiráveis, acolaboração necessária entre a Ma-temática e a Lógica por inúmerosoutros estudiosos destas áreas doconhecimento; os quais, não servin-do-se de preconceitos e dogma-tismos, promulgam a impregnaçãorelacional de opiniões no sentido decaracterizar que a Lógica torna-se,em determinadas instâncias, maisMatemática e, a Matemática, por suaparte, cada vez mais Lógica.

Diversos pesquisadores, direta ouindiretamente, têm direcionado seusesforços no sentido de dissimular asbarreiras ideológicas, diga-se, a bemda verdade, secionais, existentesentre a Matemática e a Lógica; umavez que, tanto a Matemática quanto aLógica, tratam de relações univer-sais estabelecidas pela razão e nãode realidades particulares advindasdo "mundo real". Ressalte-se, contu-do, que ambas as ciências não seprestam a afirmar ou a estudar, emseus universos relacionais, per-tinências experimentais, mas sim,necessárias e formais, cujos siste-mas axiomáticos são dotados, emgrande parte, de uma impregnaçãomútua. Não se pretende, alerte-se deimediato, com tal deliberação, homo-logar que a Matemática e a Lógicasão "entidades" coincidentes. O que,por natural conseqüência, seria,sistemicamente, um absurdoconceitual. É lícito, todavia, conjetu-rar que a Matemática é condicionadapela Lógica; mas, tal condicionamen-to é interior em sua forma específica.Por outro prisma, a Lógica Formal,em essência, emerge de métodosmatemáticos, embora na forma parti-cular dos mesmos.

Partindo-se do pressuposto quenão é concebível, tomando-se porbase o atual estágio de desenvolvi-mento destas ciências, ignorar aamálgama de concepções heterogê-neas que conduz, pelo caminho dosincretismo, a um núcleo comum. Éclaro, porém, que o presente resumoapresenta, apenas, uma contribui-ção preliminar inserida no cerne datentativa maior de se estabelecer aevolução do que se considera cha-mar Lógica Matemática. Porquanto,seria, de todo, um descabido erroconsiderar esta compilação comopretendendo encerrar o que, não semcontrovérsias, é usual denominar-se, na maioria das vezes, a ''fun-damentação lógica" da Matemática.