5
Lógica Matemática - Uma introdução ~o cálculo proposicional 11 LÓGICA MATEMÁTICA Uma introdução ao cálculo proposicional Carlos Magno Corrêa Dias' Partindo-se do escorço históri- co da Lógica (ou, mais especifica- mente, de seu atual estado de desenvolvimento). esta pode ser ca- racterizada, ou antes subdividida, de forma particularizada, em Lógica Clássica e Lógica Formal. Enquanto Lógica Clássica, esta não adota a axiomatização no seu tratamento e, por assim dizer, é uma Lógica mais "intuitiva", porquanto, não sendo tratada por meio de métodos a na- líticos, não é passível de ser forma- lizada através de uma linguagem simbólica, sendo, em essência, um desenvolvimento puramente filosó- fico dissociado dos símbolos. En- quanto Lógica Formal (a qual en- cerra em seu universo conceitual a Lógica Matemática, as Lógicas Complementares e as Lógicas Hete- rodoxas). esta, em contrapartida, está fundamentada na axiomatiza- ção. Contudo, em sua dimensão, a Lógica Matemática (ou Simbólica, ou Algorítmica), sendo uma lógica axiomatizada e bivalente, é indivi- dual izada por processos anal íticos conexos através de métodos mate- máticos. A Lógica Matemática se desen- volve na instância das relações abs- tratas dos símbolos e se detém à combinação destes mesmos símbo- los entre si, quando, então, passa a estudar as inferências (v ia argumen- tação) do ponto de vista da validade da estrutura sentencial, subtraindo o significado concreto de sua deter- minação para atingir a coerência de raciocínio. Abstraindo o significado relativo dos elementos constitu intes de um determinado sistema (uni- verso), passa a estabelecer normas, princípios e/ou axiomas que possi- bilitem a construção coerente do pensamento em termos de ju ízos necessários, serv indo-se, para tanto, das estruturas em sua constitu icão formal. É, pois, a Lógica Mate~á- tica um sistema científico de racio- cínio onde a axiomatização, o for- malismo e a simbolização são suas características fundamentais. Assim, a partir da diferenciação estabelecida anteriormente, à Lógi- ca Matemática cabe, entre outras funções, consolidar os meios pelos quais as inferências válidas (qualifi- cadas na análise estrutural) possam ser analisadas a partir da formaliza- ção e do relacionamento intrínseco entre os entes de um dado sistema, consignando o raciocínio em ter- mos de operações e relações lógicas. Porquanto, desdobra-se, a Lógica Matemática, na especificação de uma linguagem proposicional e na determinação de princípios primei- ros que norteiam a fundamentação e o desenvolvimento de um sistema formal de raciocinio. Sedimentada nestas bases, emanam, pela carac- terística ímpar de sua estruturação, dois cálculos efetivos: o Cálculo Proposicional (ou Sentencial) eo Cálculo dos Predicados. O Cálculo Proposicional encer- ra um aparato conceitual capaz de determinar, ou antes de verificar, as relações lógicas vál idas (legí- timas) entre unidades mínimas de análise, bem como possibilita o es- tabelecimento de procedimentos de decisão que permitem contextuali- zar a "verdade" ou a "fa Isidade" de uma estrutura analítica a partir de seus elementos componentes. Quanto às inferências, o Cálculo Proposicional dispõe de meios lógi- cos estruturados para formular cri- térios de análise quanto à legitimi- dade de um dado argumento dedu- tivo a partir do relacionamento (conexão) das premissas (princí- pios ou teses anteriormente estabe- lecidas) com a conclusão (enuncia- do infer ido a partir de seu s antece- dentes - prem issas). Cabendo, en- tretanto, ao Cálculo dos Predicados a avaliação da estrutura lógica in- terna dos enunciados envolvidos na inferência que, no Cálculo Propo- sicional, são considerados indivisí- veis. Além do mais, o Cálcu 10 dos Predicados perm ite ver ificar a legiti- midade de argu mentos cuja comple- xidade não é passível de ser anali- sada segundo os princípios nortea- dores do Cálculo Proposicional. Ob- serve, contudo, que ao longo do * Professor das Disciplinas de Lógica Matemática e Fundamentos de Matemática da PUC-PR.

LÓGICA MATEMÁTICA Uma introdução ao cálculo proposicional. ACAD... · Uma introdução ao cálculo proposicional Carlos Magno Corrêa Dias' Partindo-se do escorço históri-co

  • Upload
    others

  • View
    19

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: LÓGICA MATEMÁTICA Uma introdução ao cálculo proposicional. ACAD... · Uma introdução ao cálculo proposicional Carlos Magno Corrêa Dias' Partindo-se do escorço históri-co

Lógica Matemática - Uma introdução ~o cálculo proposicional 11

LÓGICA MATEMÁTICAUma introdução ao cálculo proposicional

Carlos Magno Corrêa Dias'

Partindo-se do escorço históri-co da Lógica (ou, mais especifica-mente, de seu atual estado dedesenvolvimento). esta pode ser ca-racterizada, ou antes subdividida,de forma particularizada, em LógicaClássica e Lógica Formal. EnquantoLógica Clássica, esta não adota aaxiomatização no seu tratamento e,por assim dizer, é uma Lógica mais"intuitiva", porquanto, não sendotratada por meio de métodos a na-líticos, não é passível de ser forma-lizada através de uma linguagemsimbólica, sendo, em essência, umdesenvolvimento puramente filosó-fico dissociado dos símbolos. En-quanto Lógica Formal (a qual en-cerra em seu universo conceitual aLógica Matemática, as LógicasComplementares e as Lógicas Hete-rodoxas). esta, em contrapartida,está fundamentada na axiomatiza-ção. Contudo, em sua dimensão, aLógica Matemática (ou Simbólica,ou Algorítmica), sendo uma lógicaaxiomatizada e bivalente, é indivi-dual izada por processos anal íticosconexos através de métodos mate-máticos.

A Lógica Matemática se desen-volve na instância das relações abs-tratas dos símbolos e se detém àcombinação destes mesmos símbo-los entre si, quando, então, passa aestudar as inferências (v ia argumen-tação) do ponto de vista da validade

da estrutura sentencial, subtraindoo significado concreto de sua deter-minação para atingir a coerência deraciocínio. Abstraindo o significadorelativo dos elementos constitu intesde um determinado sistema (uni-verso), passa a estabelecer normas,princípios e/ou axiomas que possi-bilitem a construção coerente dopensamento em termos de ju ízosnecessários, serv indo-se, para tanto,das estruturas em sua constitu icãoformal. É, pois, a Lógica Mate~á-tica um sistema científico de racio-cínio onde a axiomatização, o for-malismo e a simbolização são suascaracterísticas fundamentais.

Assim, a partir da diferenciaçãoestabelecida anteriormente, à Lógi-ca Matemática cabe, entre outrasfunções, consolidar os meios pelosquais as inferências válidas (qualifi-cadas na análise estrutural) possamser analisadas a partir da formaliza-ção e do relacionamento intrínsecoentre os entes de um dado sistema,consignando o raciocínio em ter-mos de operações e relações lógicas.Porquanto, desdobra-se, a LógicaMatemática, na especificação deuma linguagem proposicional e nadeterminação de princípios primei-ros que norteiam a fundamentaçãoe o desenvolvimento de um sistemaformal de raciocinio. Sedimentadanestas bases, emanam, pela carac-terística ímpar de sua estruturação,

dois cálculos efetivos: o CálculoProposicional (ou Sentencial) e oCálculo dos Predicados.

O Cálculo Proposicional encer-ra um aparato conceitual capaz dedeterminar, ou antes de verificar,as relações lógicas vál idas (legí-timas) entre unidades mínimas deanálise, bem como possibilita o es-tabelecimento de procedimentos dedecisão que permitem contextuali-zar a "verdade" ou a "fa Isidade"de uma estrutura analítica a partirde seus elementos componentes.Quanto às inferências, o CálculoProposicional dispõe de meios lógi-cos estruturados para formular cri-térios de análise quanto à legitimi-dade de um dado argumento dedu-tivo a partir do relacionamento(conexão) das premissas (princí-pios ou teses anteriormente estabe-lecidas) com a conclusão (enuncia-do infer ido a partir de seu s antece-dentes - prem issas). Cabendo, en-tretanto, ao Cálculo dos Predicadosa avaliação da estrutura lógica in-terna dos enunciados envolvidos nainferência que, no Cálculo Propo-sicional, são considerados indivisí-veis. Além do mais, o Cálcu 10 dosPredicados perm ite ver ificar a legiti-midade de argu mentos cuja comple-xidade não é passível de ser anali-sada segundo os princípios nortea-dores do Cálculo Proposicional. Ob-serve, contudo, que ao longo do

* Professor das Disciplinas de Lógica Matemática e Fundamentos de Matemática da PUC-PR.

Page 2: LÓGICA MATEMÁTICA Uma introdução ao cálculo proposicional. ACAD... · Uma introdução ao cálculo proposicional Carlos Magno Corrêa Dias' Partindo-se do escorço históri-co

12 Revista Acadêmica

presente desenvolvimento a atençãoestará direcionada ao Cálcu 10Proposicional, uma vez que ocompêndio em questão pretendecontextualizar diretrizes prelimina-res sobre Lógica Matemática.

Mas, o que vem a ser, realmen-te, Lógica Matemática? A LógicaMatemática e a Matemática consti-tuem sistemas (ciências) mutua-mente excludentes? Pode-se, efeti-vamente, renegar um tratamento ló-gico da atividade matemática? Qual,então, a fronteira, se é que a mesmaexiste, entre Matemática e LógicaMatemática? Em suma, o que tornamatemática a Matemática e, deresto, lógica a l.óqica? Um fato éinquestionável: não se pode, efetivae evidentemente, definir, de manei-ra exata e precisa, Matemática e Ló-gica Matemática sem entrar em rni-núcias técnicas ou sem estudar oprogressivo desenvolv imento deambas as ciências. Por outro lado,questões de tal mérito, certamente,dirigem as discussões a respeito da"filosofia" da Matemática e da Ló-gica Matemática no âmbito da his-tór ia da ciência. No estadohodierno em que figuram tais ciên-cias deve-se salientar que, mu itoembora Matemática e Lógica Mate-mática não constituam uma únicaestrutura formal, desconsiderar asrelações inerentes entre as mesmasé antes de qualquer estudo porme-norizado, um grande e infeliz equí-voco. Há de se observar, também,que uma linha divisória, uma de-marcação efetiva, entre Matemáticae Lógica Matemática é praticamenteimpossível de ser estabelecida, umavez que o desenvolvimento da Ma-temática se deve a uma construçãológico-racional e a axiomatização daLógica Matemática é consolidadaatravés de processos matemáticos.

Contudo, o poder cognoscitivoda racional idade vem caracter izar ofundamento "a pr ior i" da Matemá-tica, ou, pelo contrário, a Matemá-tica, enquanto instrumento ou mo-delo hipotético das ciências natu-rais, tem seu fundamento "a pos-teriori"? Este, em contrapartida, éoutro dos problemas fundamentaisna história da Matemática. Mas, acomplexidade e a essência da Mate-mática não podem resumir à ques-tão de lhe individualizar o funda-mento, embora o ponto nodal derelevância "a prior!" ou "a poste-rior i" dos limites matemáticos nor-teie a fronteira entre o pensamentocrítico e o pensamento lógico-racio-nal. É certo, entretanto, que não sepode vislumbrar aplicações da Mate-mática ao mundo sensível sem, con-tudo, conhecer sua estrutura ou as

verdades que lhe caracterizam o de-safio intelectual em si mesmo.

O fascínio e a exuberância daMatemática tal qual da Lógica Ma-temática residem no fato de seremos seus fundamentos determinadospelas leis do pensamento. Toda ver-dade matemática encerra em si umagenu ína e transparente construçãoda razão. Essencialmente, as leismatemáticas, enquanto racionali-dade, são construídas por juízosnecessários, os quais, regimentadospelo princípio da Identidade, daNão-Contrad ição e do TerceiroExcluído, constituem estruturainteiramente coerente e logicamen-te formalizada. Tais juízos, ditosanal ít icos, corroboram as verdadesmatemáticas, dando à Matemáticaum fundamento cognoscível "apr ior i" em que a precisão e a exa-tidão de suas estruturas advêm deleis racionais, ou, antes, de relaçõesentre ju IZOS apoiados em princípiosprimeiros oriundos da pura razão.

Assim, as leis matemáticas, e deresto as leis lógicas, não constituemum aglomerado inútil de tautologias(como algu ns desav isados preten-dem afirmar) e tampouco se funda-mentam, exclusivamente, na expe-riência sensível. O mundo da Ma-temática, tal qual o da Lógica Ma-temática, não é aquele em que osenunciados coexistem dialeticamen-te. É, por excelência, o mundo daabstração formal; opera-se no uni-'verso das relações abstratas. forma-'liza seus princípios e as estruturasde seu consignamento e, transpon-do a trivialidade do conteúdo, vemestabelecer suas verdades em funçãoda forma.

Retomando, especificamente, oassunto em pauta, observe que aslinguagens usua is, ditas natura is.tais como o português, o inglês, ofrancês, e outras desenvolv idas pelanecessidade primordial da comu-nicação a partir da evolução e darevolução das cu Ituras não se pres-tam, como é natural concluir, àLógica Matemática ou à Matemáti-ca, uma vez que os termos compo-nentes de um cálculo (procedimen-to dedutivo, onde domina o empre-go de regras formais) não signifi-cam, em essência, à maneira usualdas palavras e expressões de umadeterminada língua. Em contrapar-ti da, os elementos constitu intes daLógica Matemática e da Matemáti-ca, seus símbolos, não servem paraa comunicação usual enquanto tal.A sintaxe ou a forma é o que, efe-tivamente, constitui o comporta-mento teórico.

Cabe ressaltar, portanto, queum enunciado em Lógica Matemá-

tica, tal qual em Matemática, é"verdadeiro" em função de sua for-ma e não de seu conteúdo. Às ciên-cias ditas matemáticas interessamapenas as estruturas formais quepelo acréscimo de variáveis enun-ciativas possibilitam alcançar uni-versalidade e ex atidâo. A principalcaracterística, o ponto de distinção,das ciências matemáticas, em oposi-ção às demais ciências, é o uso deprovas em vez de simples (e relati-vas) observações. E, desta forma,na dei im itação do presente escopo,um mlnimo de enunciados é sufi-ciente para a dedução de todos osdemais, o que vem constituir, porexcelência, as bases de um sistemadedutivo.

A Lógica Matemática serve-sede uma linguagem proposiciona I(ou enunciativa), a qual consistede conectivos lógicos, de parênte-ses e de um conjunto de símbolosproposiciona is estruturados a partirde axiomas fundamentais. As regrassintáticas da linguagem em questãodefinem um conjunto de fórmulas,ditas fórmulas proposicionais, bemdefinidas, as quais são estabelecidasatravés do relacionamento dos sím-bolos proposicionais com os conec-tivos lógicos. Por seu turno, asregras semânticas da linguagemtransmitem o significado dos conec-tivos lógicos e associam a cada fór-mula proposicional um valor lógico(ou valor-verdade): ou verdade oufalsidade, e não ambos. Há de seobservar que a linguagem técnicaespecial de que a Lógica Matemá-tica se serve transformou-se numinstrumento extremamente podero-so para a análise e para a dedução.Assim, seus símbolos estruturadospermitem apresentar com maiornitidez as estruturas lógicas tantode proposições (ou enunciados)quanto de argumentos dedutivos(legítimos ou não-legítimos).

É oportuno observar que àLógica não interessa (de uma for-ma geral) descrever e/ou explicaros processos mentais que se mani-festam na inferência (operação deraciocínio pela qual se passa deuma verdade a outra, ju Igada tal emrazão de seu liame com a primeira).Partindo do pressuposto que exis-tem inferências que apresentamconclusões obtidas a partir de equi-valências e outras não, a Lógica seinteressa pela correção do proces-so inferencial como um todo. E aoestudar Lógica verifica-se que estaestabelece os meios pelos quais épossível qualificar a validade, ouinvalidade, de uma inferência a par-tir das formas dos enunciados queconstituem as premissas e as con-

Page 3: LÓGICA MATEMÁTICA Uma introdução ao cálculo proposicional. ACAD... · Uma introdução ao cálculo proposicional Carlos Magno Corrêa Dias' Partindo-se do escorço históri-co

Lógica Matemática - Uma introdução ao cálculo proposicional 13

clusões de um argu mento, sendo,em última análise, o estudo das for-mas de argumento válido e dos di-ferentes tipos de enunciados logica-mente "verdadeiros".

A Lógica Matemática baseia-senum sistema dicotômico, ou biva-lente, onde dois estados, que mu-tuamente se excluem, servem paraapresentar ou representar todas assituações possíveis. Isto é, não háa possibilidade de um determinadoente ser, ao mesmo tempo, nummesmo universo, "verdadeiro" e"falso". Será, quando muito, ou"verdadeiro", ou "falso", não exis-tindo outra possibilidade. Portanto,estados dicotômicos, bem defini-dos, são estados mutuamente ex-cludentes.

Sendo a Lógica Matemáticauma Lógica axiomatizada, está fun-damentada em três ax iomas básicos,ditos princípios fundamentais, osquais são qualificados como: Princí-pio da Identidade, Princípio daNão-Contradição e Princípio doTerceiro-Excluído. O Princípio daIdentidade afirma que "se qualquerenunciado é "verdadeiro", entãoele é "verdadeiro"; o Princípio daNão-Contrad ição afirma que "u menu nciado não pode ser "verdadei-ro" e "falso" simultaneamente", eo Princípio do Terceiro-Excluídoafirma que "ou um enunciado é"verdadeiro" ou "falso", não admi-tindo uma terceira possibilidade dis-tinta destas".

Na Iinguagem, falada ou escri-ta, de forma geral, distinguem-sequatro tipos particularizados desentenças, ou sejam: as declarativas,as interrogativas, as exc lamativas eas imperativas. Em termos De Lógi-ca Matemática, especificamente noCálculo Proposicional, esta tem porobjeto de anál ise as sentenças decla-rativas (afirmativas e bem defini-das). Isto é, a Lógica Matemática(no Cálculo Proposicional) trabalhacom sentenças que são passíveis deserem predicadas como "verdadei-ras" ou "falsas", cada uma dasquais excluindo a ocorrência daoutra. Desta forma, diz-se que taissentenças são proposições, cabendosal ientar que as mesmas são consti-tuídas, esquematicamente, por umnome ou designação e por um pre-dicado ou atributo. Por exemplo,na expressão: "A Matemática éfantástica.", "Matemática" é umnome ou designação, enquanto que"fantástica" é um predicado ouatributo. Assim, no Cálculo Propo-sicional, todo conjunto de palavrasou de símbolos, bem definido, queencerra um pensamento de sentido

completo é denominado proposição(ou enunciado).

Considere a sentenca(sen 300) = (5·25.cos 450). Evide~-temente, é possível tomar-se umadecisão no que diz respeito às possi-bil idades "verdadei ro" ou "fa lso",uma vez que a dada sentença encer-ra um pensamento de sentido com-pleto e bem definido, sendo, porsua vez, um exemplo de proposição.Assim sendo, proposições transmi-tem pensamentos, os qua is estãosujeitos aos princípios fundamen-tais, que anteriormente foram quali-ficados.

Sejam as proposições: "O biná-rio (0111)2 corresponde ao númerodecimal (7)10'''; "Num triânguloretângulo a soma dos quadrados doscatetos é igual ao quadrado da h ipo-tenusa.": "O oxigênio não é neces-sário à sobrevivência humana.";"(2.cos 450 + sen 830) = (37 -- tg 560)"; "Rosas vermelhas sãoflores sintéticas ou tomates verdessão pensamentos voláteis." Taisexemplos constituem proposiçõesdo Cálculo Proposicional, uma vezque é possível predicar um, e so-mente um, dos valores: ou o "verda-deiro" ou o "falso", não se admitin-do outra hipótese distinta destas.Observe, ainda, que as proposiçõesda Lógica Matemática, no CálculoProposicional, devem ser considera-das como um todo, pois as palavrase sinais possuem funções semânticasdemasiadamente limitadas, ou seja,não importa o sentido e a relaçãoexistente entre o sujeito e o predi-cado.

Considere, por outro lado, assentenças: "Um número x somadoao dobro de um número y é ametade de um número z.":"x2 - 25x +4 =0"; "Um número(x+1) pertence ao conjunto numé-rico X."; "Todo x pertencente a Xé o inverso simétrico de Y.";"x - cos x = y +3x.tg y"; "Se todox é homem, então alguns y são ve-getais." Observe que para predicar"verdadeiro" ou "falso" às senten-ças dadas, se faz necessária a determinação dos valores assumidos'pelas variáveis "x", "y" e "z",Assim, tais exemplos não consti-tuem proposições no Cálculo Pro-posicional, uma vez que não expres-sam um pensamento de sentidocompleto, não sendo bem defini-das. Tal classe de sentenças caracte-riza funções proposicionais, as quaissão objeto de estudo do Cálculo dosPredicados e, portanto, não dizemrespeito ao presente conteúdo.

Tendo em vista a natureza dasproposições, é natural concluir quenem todas se apresentam constitu í-das de um único predicado. Ou seja,as proposições podem ser classifica-das em proposições simples e pro-posições compostas. Proposiçõessimples, ou atômicas, ditas tambémátomos, são todas as proposiçõesque não contêm nenhuma outraproposição como parte integrantede si mesma. As proposições comesta característica são designadaspor letras latinas minúsculas, taiscomo p, q, r, ... , as quais dizem-seletras proposicionais (ou enuncia ti-vas). Para se indicar que uma dadaproposição simples é designada poruma determinada letra proposicio-nal, adota-se a seguinte notação.Seja a proposição simples: "A Ma-temática é o idea I da ciê ncia."Para indicar, por exemplo, que a le-tra proposicional "p" designa adada sentença, escreve-se p: A Ma-temática é o ideal da ciência.

As proposições com postas, ouproposições moleculares, ou rnolé-cu Ias, ditas também fórmu Ias pr o-posicionais ou apenas fórmulas, sãotodas as sentenças constituídas deduas ou mais proposições simplescomponentes. Ou seja, são propo-sições que contêm pelo menos umaproposição como parte de si mes-ma. As proposições compostas sãodesignadas por letras latinas maiús-culas tais como P, Q, R, ''', as quaissão designadas, de forma análoga,letras proposicionais, ou variáveisenunciativas. Assim, por exemplo,para se indicar que a letra proposi-cional "P" designa a proposiçãocomposta "O número 97 é irracio-nal se, e somente se, a Física é atri-buto da Matemática.", adota-se aseguinte notação, ou seja, P: O nú-mero 97 é irraciona I se, e somentese, a Física é atributo da Mate-mática.

O exemplo anterior, de propo-sição composta, é caracterizado porconter, como parte integrante desua constituição, duas proposiçõessimples componentes, qua is sejam:"O número 97 é irracional." e"A Física é atributo da Matemáti-ca." Designando por "p" a primei-ra proposição simples e por "q"a segunda, a proposição compostadesignada por "pu será denotadapor P (p.q}: O número 97 é irracio-nal se, e somente se, a Física é atri-buto da Matemática. Desta forma,sempre que se fizer necessárioexplicitar que uma dada fórmulaproposicional P é caracterizada pelacombinação das proposições sim-

Page 4: LÓGICA MATEMÁTICA Uma introdução ao cálculo proposicional. ACAD... · Uma introdução ao cálculo proposicional Carlos Magno Corrêa Dias' Partindo-se do escorço históri-co

14 Revista Acadêmica

o "falso". Assim, denomina-sevalor-verdade ou valor-lógico deuma proposição (simples ou com-posta) a Verdade (V) se a proposi-ção é "verdadeira", ou a Falsidade(F) se a proposição em análise é"falsa". O valor-verdade de todaproposição composta depende dosvalores lógicos das proposições sim-ples componentes que a determi-nam, sendo, evidentemente, neces-sário valer-se de um procedimentode decisão que permita determinarse a fórmula proposicional temvalor-verdade correspondente à Ver-dade (V) ou à Falsidade (F).

Desta forma, dados os valores-verdade (ou determinados tais va-lores) das proposições simples com-ponentes de uma dada fórmula pro-posicional, pode-se sempre determ i-nar, num tempo finito, o valor-verdade da mesma através de pro-cessos formais de decisão.

Observe que para uma únicaproposição simples p, tem-se apenasduas hipóteses possíveis. isto é. aVerdade (V) e a Falsidade (F). Já.para uma fórmu Ia proposicionalP(P.q) têm-se quatro arranjos biná-rios distintos. ou sejam: VV. V F.FV e FF. Para uma fórmula propo-sicional P(p,q,r) obter-se-ão oitoarranjos terciários distintos, ou se-jam: VVV. VVF. VFV. VFF.FVV, FVF. FFV. FFF. Para a deter-minação dos possíveis arranjos dis-tintos dos valores-verdade das pro-posições simples componentes deuma fórmula proposicional tem-se aseguinte regra geral: como o núme-ro de valores-verdade é constante eigual a dois. isto é. tem-se apenas aVerdade (V) e a Falsidade (F), e avariação do tipo e do número de ar-ranjos dependerá do número deproposições que constituem a fór-mula proposicional em análise. Aobtenção dos possíveis arranjos sefaz através da expressão 2n. onden é o nú mero de proposições sim-ples componentes da fórmu Ia pro-posicional e 2 representa os doisralores-verdade.

Dada. portanto. uma fórmulaproposicional constitu ída das pro-posições simples P. q, r. s..... parase determinar seu valor-verdadepode-se servir do procedimento dedecisão denom inado Método dasTabelas-Verdade. Tal procedimentobaseia-se nos valores-verdade dasoperações lógicas estabelecidas paraduas proposições (segundo as clas-ses de fórmulas proposiciona is esta-belecidas pelo Cálcu 10 Proposicio-nal). O número de linhas de umaTabela- Verdade. para as anál isespossíveis, é determinado pela expo-nencial 2n. em que a constante 2

pies P. q. r. s, .... componentes.escrever-se-á P (P. q, r, s.... ).

Tomando-se por base a defini-ção e os exemplos apresentados an-ter iormente, ver ifica-se que as fór-mulas proposicionais são obtidaspela combinação (relacionamentoconexo) de proposições simples.as quais são unidas por palavrasespecíficas, que na linguagem co-mum (trivial) não apresentam. isola-damente. um significado preciso.Entretanto, ta is palavras, u til izadascomo conex ão de duas sentençassão significativas.

Sejam os seguintes exemplosde fórmulas proposicionais dados aseguir: P(p,q): Falácias são argu-mentos ilegítimos ou um silogismoé um argumento válido. Q(P.q):Falácias são argumentos ilegítimose um silogismo é um argumento vá-lido. R (p.q) : Se falácias são argu-mentos ilegítimos. então um silo-gismo é um argumento válido.S(P.q): Falácias são argumentos ile-gítimos se, e somente se, um silo-gismo é um argumento válido. Efinalmente. W(p): Falácias não sãoargumentos ilegítimos.

As palavras grifadas nas propo-sições compostas, exempl ificadasacima. constituem exemplos dos de-nominados conectivos lógicos ouconectivos proposicionais, os quaisdefinem classes de fórmulas propo-sicionais distintas no Cálculo Propo-sicional. Assim. as palavras: "ou","e". "Se .... então ... ". " ... se. e so-mente se, ... " e "não". são osconect ivos da Lógica Matemática.utilizados para formar novas propo-sições a partir de proposições sim-ples. Assim. os chamados conecti-vos proposicionais são os elementospelos quais se torna possível o esta-belecimento de fórmulas proposi-cionais no Cálculo Pr oposicional,ou por assim dizer, caracterizamfunções conectivas específicas.

Os conectivos lógicos. em ú Iti-ma análise. estabelecem operaçõeslógicas sobre proposições que. sujei-tas a determinadas regras formais.fu ndamentam o Cálcu 10 Proposi-cional. Como estabelecido anterior-mente. o Cálculo Proposicionaltrata da determ inação dos valores-verdade das fórmulas proposicionaisa partir das seguintes operações fun-damentais. ditas operações lógicassobre proposições. quais sejam:negação (não). conjunção (e), dis-junção inclusiva (ou), condicional(Se ... então ... ), e bicondicional(. .. se. e somente se.... ). É oportu-no salientar que, no Cálculo Pro-posiciona I. uma fórmu Ia pr oposi-cional é uma seqüência finita. de-terminada por pelo menos uma

letra proposicional, que contenhaao menos uma das operações lógicasdefinidas a partir de conectivoslógicos. Assim. tomando-se as letrasproposicionais "p" e "q", que ve-nham designar quaisquer proposi-ções simples em Lógica Matemática.tem-se estabelecido as segu intesclasses de fórmulas proposicionais:P(P.q); p f\ q; P(p,q): p V q;P(P.q): p ~ q; P(P.q): p <+ q;P(p): ~ p: as quais são denomina-das, respectivamente. por: conju n-ção. disjunção inclusiva, condicio-nal. bicondicional e negação.

Uma conjunção. denotada pelosímbolo f\ . é uma operação entrepelo menos duas proposições sim-ples. cujo valor-verdade é a Verda-de (V) quando todos os valores-ver-dade de suas componentes corres-pondem à Verdade (V). sendo aFalsidade (F) quando ao menosuma de suas componentes possuivalor-verdade correspondente à Fal-sidade (F). Uma disjunção inclusi-va, denotada pelo símbolo V. é umaoperação lógica entre pelo menosduas proposições simples compo-nentes em que o valor-verdade é aFalsidade (F) quando todos os va-lores-verdade de suas componentescor respondem à Falsidade (F).sendo a Verdade (V) nos demaiscasos. Uma condiciona I. denotadapelo símbolo ~ . é uma operaçãológica entre duas proposições com-ponentes em que o valor-verdade éa Falsidade (F) todas as vezes emque o valor-verdade da proposiçãoantecedente for a Verdade (V) e ovalor-verdade da proposição conse-qüente for a Falsidade (F). sendoque nos demais casos o valor-ver-dade cor responde à Verdade (V).Uma bicondicional, denotada pelos ímbo 10 +r. é uma operação lógicaentre duas proposições componen-tes em que o valor-verdade é a Ver-dade (V) todas as vezes em que osvalores-verdade de suas componen-tes são iguais entre si. e correspondeà Falsidade (F) quando os valores-verdade de suas componentes sãodistintos entre si. Por fim. umanegação. denotada pelo símbolo '>,

é uma operação lógica sobre umaproposição "P". cujo valor-verdadeserá a Falsidade (F) se o valor-ver-dade da proposição original "p" é aVerdade (V). e será a Verdade (V)se o valor-verdade de "p" é aFalsidade (F). isto é. se V(p) = V,então V(~p)= F, e vice-versa.

Conforme considerado ante-riormente. a Lógica Matemáticapossu i um caráter bivalente, onde asproposições. tal qual as fórmulasproposicionais. têm um. e somenteum. dos valores: o "verdadeiro" e

Page 5: LÓGICA MATEMÁTICA Uma introdução ao cálculo proposicional. ACAD... · Uma introdução ao cálculo proposicional Carlos Magno Corrêa Dias' Partindo-se do escorço históri-co

Lógica Matemática - Uma introdução ao cálculo proposicional

cor responde aos dois valores-verda-de de que trata a Lógica Matemáti-ca e o n designa o número de pro-posições simples componentes dafórmula em questão. Assim. a partirdos arranjos estabelecidos por 2n•realizam-se. por colunas. as opera-ções lógicas fundamentais. segundoo escopo e a ordem de precedênciados operadores lógicos.

No que diz respeito à ordemde precedência dos operadores ló-gicos. é oportuno ressaltar que. emqualquer que seja a fórmula propo-sicional, as operações lógicas devemser realizadas segundo a seguinteordem de importância. ou seja:negação. conjunção. disjunção. con-dicional e bicondicional. Assim. ooperador negação é o mais "fraco"(dé bill, sendo. por sua vez. o ope-rador bicondicional o mais "forte".Tal ordem deverá sempre ser adota-da. desde que não se tenha estabe-lecido outra precedência mediantea pareação. Ainda. no que diz res-peito às Tabelas-Verdade. quandona coluna resultado (coluna estaque apresenta o resultado lógico daproposição em análise segundo ospossíveis arranjos de valores-ver-dade) figurarem apenas Verda-des (V). a fórmula proposicional édenominada Tautologia. Por outrolado. se figurarem 'apenas Falsida-des (F). a fórmula proposicional édenominada Contradição ou Propo-sição Contraválida. Contudo. há dese considerar também que. se emuma Tabela-Verdade figuraremtanto Verdades (V) como Falsida-des (F) (na coluna resultado). diz-se que a fórmula proposicional emquestão é uma Contingência.

O Cálculo Proposicional atingesua final idade primeira quando. apartir de relações lógicas entre fór-mu Ias proposicionais, passa a de-senvolver o Método Dedutivo. ins-titu indo a Teoria da Demonstra-ção. Destacam-se. desta maneira.duas relações fundamentais: asRelações de Equivalência Lógica eas Relações de Implicação Lógica.No que diz respeito à primeira rela-ção tem-se estabelecido que umafórmula proposicional Píp.q.r.s •... )é logicamente equivalente a outrafórmula proposicional Olp.q.r.s •... )quando em suas Tabelas-Verdade

(na coluna resultado) não ocorremVerdade-Falsidade (V-F) ou Falsi-dade-Verdade (F-V). simultanea-mente. em uma mesma linha. paranenhuma das 2n linhas possíveis.Isto é, as colunas resultado sãoidênticas entre si. No que se refereàs Relações de Implicações Lógicastem-se caracterizado que uma fór-mula proposicional P(P.q,r .s, ...)implica logicamente. ou apenasimplica. uma fórmula proposicionalOlp.q.r.s .... ). se o valor-verdade dafórmula proposicional Otp.q.r.s •... )é a Verdade (V) todas as vezes queo valor-verdade da fórmula propo-sicional Plp.q.r ,s•... ) é também aVerdade (V). Isto é. não ocorreem nenhuma linha das colunasresultado das Tabelas-Verdade apossibilidade do valor-verdade dafórmula proposicional P(p.qrs •... )ser a Verdade (V) e da fórmulaproposicional Olp.q.r,» •... ) ser aFalsidade (F) em uma mesma linhadas respectivas . Tabelas-Verdade.

Tomando-se por base as consi-derações levantadas sobre as rela-ções lógicas acima. estabelece-seque uma fórmu Ia proposicionalPíp.q.r ,s.... ) será equivalente a umafórmula proposicional Q(p.q.r.s •... )se. e somente se. a bicondicional.entre tais fórmulas corresponde auma Tautologia. De forma análoga.verifica-se que uma fórmula propo-sicional Píp.q.r.s .... ) implica logica-mente outra fórmula proposicionalOíp.q.r ,s.... ) se. e somente se. acondicional entre tais fórmulasgerar uma Tautologia.

O conjunto de conceitos estru-turais apresentados anteriormente.que delimitam o universo do Cál-culo Proposicional (sua axiomática.sua simbolização. suas operações erelações lógicas). possibilitam insti-tuir a chamada Álgebra das Propo-sições. a qual (via raciocínio dedu-tivo). caracterizando um rol depropriedades específicas a respeitode equivalências e implicações lógi-cas. permite analisar a validade deestruturas relacionadas evidenciadasem determ inadas configuraçõesmentais. A partir. portanto. dasconsiderações anteriormente esta-belecidas, pode-se. então. estabele-cer regras formais no Cálculo Pro-posicional que permitam analisara validade de argumentos dedutivos.aqui entendidos como toda afirma-ção de que uma dada seqüênciafinita de fórmulas proposicionaistem como conseqüência uma fór-mula proposicional final inferida(deduzida) das primeiras.

O estudo da Análise Inferencial(ou mais especificamente. das infe-rências válidas fundamentais) nãodiz respeito ao presente compêndio.uma vez que se pretendia apresentarapenas uma idéia introdutória sobreo assunto em pauta. Portanto. seriainadmissível estender estas anota-ções sem. contudo. adentrar emespecificações mais detalhadas a res-peito desse estudo. Assim. a AnáliseInferencial ou as inferências válidasfundamentais não poderiam. evi-dentemente. serem abordadasnestas linhas de forma conveniente.

1. BOOLE. George. The mathematical analysis of logic.Oxford: Blackwell, 1948.

REFER~NCIAS BIBLIOGRÁFICAS

4. HEGENBERG, Leônidas. Lógica simbólica. São Paulo:Editora Herder, 1966.

5. RUSSEL, Bertrand. Delineamento de filosofia. São Pau-lo: Companhia Editora Nacional, 1956.2. CARNAP, Rudolf. Introduction to symbolic logic and

its applications. NeyvYork: Dover, 1958.

3. COPI, Irving M. Introdução à lógica. São Paulo: EditoraMestre Jou, 1978.

6. WHITEHEAD, A.N. & RUSSELL, B. Principia Mathe-matica. New York: Cambridge Univ. Press,v.1, 1910,v.2, 1912, v.3, 1913.