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PREFÁCIO * O livro que ora vem a público é a primeira parte de uma estética. Seu centro é a fundamentação da especificidade do pôr estético, a dedução (Ableitung) da categoria específica do estético e a demarcação de suas fronteiras em relação a outros territórios. Na medida em que as formulações aqui feitas se limitam a este complexo de problemas, avançando sobre os problemas concretos da estética apenas em casos de estrita necessidade para o aclaramento dos mesmos, entende-se que esta primeira parte constitui um todo acabado, fazendo-se assim perfeitamente inteligível sem as partes que lhe dão seqüência. Indispensável é deixar claro o lugar do comportamento estético em meio à totalidade das atividades humanas, das reações humanas ao mundo externo, e, a par disso, elucidar a relação das formações estéticas que daí surgem, de sua construção categorial (estrutura formal etc.), com outros modos de reação à realidade objetiva. Observado de um ângulo isento, estas relações aparecem, em linhas gerais, da seguinte forma. O fator primário é o comportamento do homem no âmbito da vida cotidiana, território que, não obstante sua importância central para a compreensão dos tipos de reação mais complexos e elevados, permanece ainda, em grande medida, inexplorado pela teoria. Sem querer antecipar, no presente contexto, o que será exposto em detalhes ao longo da obra, cumpre, rapidamente, delinear a idéia fundamental que aqui se põe. O comportamento do homem na vida cotidiana é ao mesmo tempo o princípio e o fim de toda atividade * Tradução De Rainer Câmara Patriota, Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Filosofia da UFMG.

Estética Prefácio Tradução Do Rainer

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Pontuação dos principais conceitos da tese de Rainer Patriota em sua tese sobre a Estética de Luckas

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PREFCIO

PREFCIO*O livro que ora vem a pblico a primeira parte de uma esttica. Seu centro a fundamentao da especificidade do pr esttico, a deduo (Ableitung) da categoria especfica do esttico e a demarcao de suas fronteiras em relao a outros territrios. Na medida em que as formulaes aqui feitas se limitam a este complexo de problemas, avanando sobre os problemas concretos da esttica apenas em casos de estrita necessidade para o aclaramento dos mesmos, entende-se que esta primeira parte constitui um todo acabado, fazendo-se assim perfeitamente inteligvel sem as partes que lhe do seqncia.

Indispensvel deixar claro o lugar do comportamento esttico em meio totalidade das atividades humanas, das reaes humanas ao mundo externo, e, a par disso, elucidar a relao das formaes estticas que da surgem, de sua construo categorial (estrutura formal etc.), com outros modos de reao realidade objetiva. Observado de um ngulo isento, estas relaes aparecem, em linhas gerais, da seguinte forma. O fator primrio o comportamento do homem no mbito da vida cotidiana, territrio que, no obstante sua importncia central para a compreenso dos tipos de reao mais complexos e elevados, permanece ainda, em grande medida, inexplorado pela teoria. Sem querer antecipar, no presente contexto, o que ser exposto em detalhes ao longo da obra, cumpre, rapidamente, delinear a idia fundamental que aqui se pe. O comportamento do homem na vida cotidiana ao mesmo tempo o princpio e o fim de toda atividade humana. Isto quer dizer que, se imaginarmos a vida cotidiana como um grande rio, veremos a cincia e a arte emergirem e se apartarem dele como formas superiores de captao e reproduo da realidade, veremos ainda que tanto um quanto outro, de acordo com seus fins especficos, se diferenciam e se constituem individualmente, atingindo sua forma pura nesta peculiaridade que tem origem nas necessidades da vida social para, em seguida, e em conseqncia de seus efeitos, de sua ao sobre a vida dos homens, desaguar novamente no rio da vida cotidiana. Esta, por sua vez, continuamente enriquecida com os produtos mais elevados do esprito humano, assimilando-os a suas necessidades prticas, dirias, de onde surgem mais uma vez, como questionamentos e demandas, novas ramificaes das formas de objetivao superiores. Neste sentido, ser preciso examinar em detalhes as complexas interaes entre a completude imanente das produes cientficas e artsticas e as necessidades sociais que as desencadeiam, que constituem a razo de seu surgimento.

Somente percorrendo a via de sua gnese, de seu desenvolvimento, de sua legalidade intrnseca e de seu enraizamento na vida da humanidade, podemos chegar a uma deduo das categorias e estruturas especficas que caracterizam as reaes cientficas e estticas do homem realidade. Obviamente, as reflexes que esta obra encerra esto voltadas para o conhecimento da peculiaridade do esttico. Porm, na medida em que o homem vive uma realidade unitria e com ela interage, a compreenso conceitual da essncia do esttico (das Wesen des sthetischen) no pode ocorrer, nem mesmo aproximadamente, seno mediante permanente comparao com os demais modos de reao humana. Neste sentido, sua relao com a cincia de extrema importncia; tambm imprescindvel pr de manifesto sua relao com a tica e a religio. At mesmo os problemas psicolgicos aqui aflorados resultam, como conseqncia necessria, do nosso questionamento acerca da especificidade do pr esttico.

evidente que nenhuma esttica pode permanecer neste patamar. Kant ainda pde se contentar em responder questo metodolgica geral sobre a pretenso de validez (Geltunganspruch) do juzo esttico. Deixando de lado o fato de que tal questo, a nosso ver, no uma mera questo primria, mas no mbito do esttico, resultado de dedues avanadssimas, lcito afirmar que, desde a esttica de Hegel, nenhum filsofo seriamente interessado em esclarecer a essncia do esttico capaz de se contentar com to estreito mbito de reflexo, limitando-se a uma colocao de problemas unilateralmente orientada para a teoria do conhecimento. Sobre o carter problemtico da esttica de Hegel, no que concerne tanto aos seus fundamentos quanto aos seus resultados especficos (Einzelausfhrungen), muito se dir aqui; entretanto, o universalismo filosfico de sua concepo, sua forma histrico-sistemtica de sntese, permanece sendo um exemplo perene para qualquer um que tenha como projeto a elaborao de uma esttica. Somente a reunio das trs partes desta esttica pode realizar parcialmente - uma aproximao a este alto modelo. Deixando inteiramente de lado o problema do conhecimento e do talento necessrios para tal empreendimento, cumpre reconhecer que o padro de universalismo (Allumfassens) firmado pela esttica de Hegel hoje objetivamente bem mais difcil de alcanar do que foi em seu tempo. Neste sentido, a teoria da arte formulada por Hegel em detalhes - e tambm de forma histrico-sistemtica - fica fora do permetro que circunscreve o plano traado para esta obra conjunta.

A segunda parte cujo ttulo provisrio A obra de arte e o comportamento esttico dever sobretudo concretizar a estrutura especfica da obra de arte, a qual, na primeira parte, apenas esboada e desdobrada em seus aspectos gerais; as categorias obtidas na primeira parte apenas em sua generalidade podero, assim, ser delineadas em sua fisionomia verdadeira e particular. Nesta primeira parte, problemas como contedo e forma, concepo de mundo e dao de forma, tcnica e forma etc. surgem, quando muito, em termos extremamente genricos, apenas como questes de horizonte. Sua verdadeira e concreta essncia s pode vir filosoficamente luz no decorrer de uma anlise pormenorizada acerca da estrutura da obra de arte. O mesmo se aplica ao problema do comportamento criador e receptivo. A primeira parte avana sobre os problemas apenas perifericamente, e, de certo modo, aponta para os respectivos lugares metodolgicos em que os mesmos encontram suas possibilidades de soluo. As relaes reais entre o cotidiano, de um lado, o comportamento cientfico, tico etc. e a produo e reproduo esttica, de outro, o modo categorial especfico de suas propores, interaes, influncias recprocas etc. exige, igualmente, uma anlise que se debruce sobre o concreto, tarefa, por princpio, irrealizvel no mbito dos fundamentos filosficos que definem esta primeira parte.

A situao da terceira parte bem semelhante. (Seu ttulo provisrio A arte como fenmeno histrico-social). Na verdade, inevitvel que j a primeira parte no s contenha excursos histricos especficos, mas, sobretudo, aponte reiteradamente para a essncia histrica originria de todo fenmeno esttico. O carter histrico-sistemtico da arte obteve na Esttica de Hegel, como j foi mencionado, sua primeira figura caracterstica. A rigidez da sistematizao hegeliana, oriunda do idealismo objetivo, foi corrigida pelo marxismo. A complexa interao entre o materialismo histrico e o dialtico, por si mesma, j um indcio significativo de que o marxismo no quer deduzir (deduzieren will) as fases do desenvolvimento histrico de um desenvolvimento interior da idia, mas, pelo contrrio, o que tem em mira apreender o processo real em suas complicadas determinaes histrico-sistemticas. A unidade entre determinaes tericas (estticas, aqui) e histricas se realiza, em ltima instncia, de um modo extremamente contraditrio e, por isso, tanto no plano dos princpios quanto no dos casos concretos singulares s poder ser enfrentada a partir de uma ininterrupta colaborao entre o materialismo histrico e o dialtico. Na primeira e na segunda parte dessa obra predomina o ponto de vista do materialismo dialtico, uma vez que a se trata de expor conceitualmente a essncia objetiva do esttico. Ao mesmo tempo, porm, no h praticamente nenhum problema que possa ser resolvido - numa unidade indissolvel com a teoria esttica - sem o esclarecimento, pelo menos alusivo, de seus aspectos histricos. Na terceira parte predomina o mtodo do materialismo histrico, uma vez que a as determinaes e particularidades histricas acerca da gnese das artes, de seu desenvolvimento, de suas crises, de seu papel reitor ou subordinado etc. esto no centro do interesse. Ser investigado sobretudo o problema do desenvolvimento desigual na gnese das artes, no ser e nas obras de arte, bem como nos seus efeitos. Entretanto, ao mesmo tempo isto significa uma ruptura com toda vulgarizao sociolgica sobre o surgimento e os efeitos da arte. Quanto ao reconhecimento do carter histrico da obra de arte, seria impossvel evitar uma anlise scio-histrica que no incorresse numa simplificao inadmissvel sem a aplicao permanente dos resultados da pesquisa dialtico-materialista sobre sua construo categorial, estrutura e constituio especfica. A permanente e viva interao do materialismo histrico e dialtico, portanto, mostra-se aqui por um outro ngulo, porm no menos do que nas duas primeiras partes.

Como o leitor pode ver, a constituio dessa investigao esttica destoa fortemente das construes habituais. Isso no significa, entretanto, nenhuma pretenso de originalidade no que concerne ao mtodo. Ao contrrio: trata-se nada mais do que, com o mximo de exatido, fazer uso do marxismo no mbito dos problemas da esttica. Para que esta colocao no gere nenhum mal-entendido, ser preciso, ainda que sucintamente, esclarecer qual o lugar e a relao que esta esttica mantm com a esttica marxista. Quando, aproximadamente h trinta anos, escrevi minha primeira contribuio esttica marxista, defendi que o marxismo tinha uma esttica e esbarrei, por isso, com inmeras objees. O motivo disso decorria do fato de que o marxismo anterior a Lnin, tambm na pessoa de seus melhores defensores tericos, como Plekanov ou Mehring, estava quase que totalmente confinado aos problemas do materialismo histrico. Somente com Lnin o materialismo dialtico voltou novamente a constituir o centro dos interesses. Por essa razo, Mehring, amparando sua esttica na Crtica da faculdade de juzo, pde ver na divergncia entre Marx-Engels e Lassalle apenas um embate entre juzos subjetivos de gosto. Essa controvrsia foi encerrada j faz muito tempo. Desde o brilhante estudo de M. Lifschitz sobre o desenvolvimento das concepes estticas de Marx, de sua cuidadosa compilao e sistematizao das esparsas consideraes de Marx, Engels e Lnin sobre questes estticas, no h mais dvidas sobre o nexo (Zusammenhang) e a coerncia deste raciocnio.

Mas expor e provar este nexo sistemtico ainda no o suficiente para solucionar a questo referente esttica do marxismo. Se nas sentenas reunidas e ordenadas de forma sistemtica j houvesse explicitamente uma esttica marxista - ou pelo menos seu perfeito esqueleto - ento no restaria mais nada a fazer seno escrever um bom texto de interligaes a fim de que a mesma surgisse diante de ns. Porm, no se trata disso! Nem um uso monogrfico imediato desse material no mbito de questes singulares, como a experincia mostra de muitas formas, pode trazer resultados decisivos do ponto de vista cientfico para uma edificao de conjunto. Ficamos assim diante de uma situao paradoxal, a saber, que h e no h, ao mesmo tempo, uma esttica marxista, que ela precisa ser conquistada e mesmo criada atravs da pesquisa permanente e que o resultado, ao mesmo tempo, deve, entretanto, apenas fixar e expor conceitualmente o que j tem existncia no plano ideal. O paradoxo se dissolve por si mesmo quando o problema colocado luz do mtodo dialtico-materialista. O antiqssimo sentido da palavra mtodo, indissoluvelmente conexo idia de caminho para o conhecimento, compreende a exigncia de que o pensamento siga determinados caminhos a fim de chegar a determinados resultados. A direo desse caminho est contida, com evidncia indubitvel, na totalidade da viso de mundo traada pelos clssicos do marxismo, particularmente porque os resultados existentes reluzem a nossa frente como o ponto de chegada do caminho a trilhar. Portanto, ainda que no imediatamente, ainda que no como algo visvel primeira vista, est claramente demarcado pelo mtodo do materialismo dialtico qual o caminho a percorrer e como faz-lo caso se queira transpor para o conceito a realidade objetiva em sua verdadeira objetividade e captar, em sua verdade, a essncia de um territrio especfico da vida. S quando este mtodo, este plano de rota, for observado e cumprido com autonomia pelos pesquisadores, ser possvel edificar corretamente a esttica marxista, ou pelo menos aproximar-se de sua verdadeira essncia. Quem se ilude em pensar que basta o mero auxlio de uma interpretao marxista para reproduzir mentalmente a realidade e a concepo marxiana da realidade, falha em ambos os casos. Apenas uma perquirio isenta (unbefangene) da realidade e sua reconstruo atravs do mtodo descoberto por Marx pode alcanar ambos os fins: fidelidade realidade e, simultaneamente, fidelidade ao marxismo. Neste sentido, este trabalho constitui, em todas as suas partes e em seu conjunto, o resultado de uma pesquisa autnoma, embora no tenha pretenso alguma de originalidade. Pois todos os meios aqui empregados de aproximao verdade, seu mtodo, enfim, decorre do estudo do conjunto da obra que os clssicos do marxismo nos legaram.

De mais a mais, fidelidade ao marxismo significa simultaneamente enlace com toda a grande tradio das origens at os dias de hoje - do pensamento que propicia a inteligibilidade das coisas. No perodo stalinista, particularmente desde Zdanov, foi enfatizado exclusivamente aquilo que separa o marxismo do grande legado histrico. Se acentuassem apenas o qualitativamente novo trazido pelo marxismo, isto , o salto que sua dialtica promove em relao aos seus predecessores, como Aristteles ou Hegel, por exemplo, isso seria ento justificvel. Semelhante ponto de vista poderia at mesmo ser estimado como til e necessrio, caso no sublinhasse de modo profundamente no-dialtico o aspecto radicalmente novo do marxismo com tanta unilateralidade, de forma isolada e, por isso, metafsica, isto , caso no negligenciasse o momento da continuidade no desenvolvimento intelectual do homem. A realidade e, portanto, seu espelhamento e reproduo intelectuais constitui uma unidade dialtica de continuidade e descontinuidade, de tradio e revoluo, de transio gradual e saltos. O prprio socialismo, para dar um exemplo, inaugura algo de completamente novo na histria, embora, ao mesmo tempo, represente a materializao de um anseio humano milenar, manifesto com profundidade mxima pelos melhores espritos da espcie. O mesmo vale para a apreenso conceitual do mundo atravs dos clssicos do marxismo. A verdade profunda do marxismo, que cresce ao abrigo de qualquer ataque e guerra de silncio, deriva, em ltima instncia, de sua capacidade para tornar manifesto, trazendo conscincia humana, os fatos fundamentais - at ento ocultos - da realidade, da vida do homem. Ele inova em dois aspectos. No apenas por conta da realidade socialista, inexistente no passado, que a vida humana ganha um novo contedo, um novo sentido, mas este novo contedo e novo sentido obtido tambm na medida em que a desfetichizao possibilitada pelo mtodo, pesquisa e resultados do marxismo, pe a uma nova luz, enquanto realidade conhecida, o presente e o passado, a existncia do homem como um todo. Desse modo, todas as antigas aspiraes do homem para conhecer a si mesmo ganham um sentido completamente novo. A perspectiva de futuro, a captao do presente, o conhecimento das tendncias que, no plano intelectual e prtico, esto na origem deste, so mantidas em uma interao indissolvel entre si. Destacar unilateralmente o que diferente e novo implica em correr o risco de transformar toda a concretude e riqueza de determinaes do verdadeiramente novo em uma alteridade abstrata e por isso empobrecida. O antagonismo entre a Lnin e Stalin, no que diz respeito questo da dialtica, mostra muito claramente as conseqncias de uma tal diferena metodolgica; a tomada de posio totalmente insensata diante da herana da filosofia de Hegel conduziu, no mais das vezes, a uma pobreza de contedo nas investigaes lgicas durante o perodo stalinista.

Nos clssicos mesmos no h nenhum vestgio deste contraste metafsico entre o velho e o novo. Antes, tal relao exibida naquelas propores que o prprio desenvolvimento scio-histrico produziu, de modo a fazer com que assim a verdade possa vir tona. Aferrar-se a este mtodo - o nico correto - talvez tenha para a esttica uma importncia ainda maior do que para outros territrios. Pois aqui a anlise dos fatos mostra com particular nitidez que, no territrio do esttico, a conscincia terica sobre a realizao prtica est sempre em defasagem com relao a esta. Por esta razo, aqueles poucos pensadores que, com relativa precocidade, obtiveram clareza acerca de problemas estticos genunos so para ns de um extraordinrio significado. Por outro lado como nossas anlises mostraro ordenamentos ideais aparentemente muito distantes, como o filosfico ou o tico, revelam-se com freqncia de grande importncia para a compreenso do esttico. Para no antecipar o que s com a exposio detalhada pode ser corretamente contextualizado, observe-se apenas que a estrutura em seu conjunto e todos os pormenores dessa obra justamente porque ela deve sua existncia ao mtodo marxista so profundamente influenciados pelos resultados que Aristteles, Goethe e Hegel obtiveram em seus diferentes escritos, no apenas naqueles diretamente concernentes esttica. Se expresso minha gratido a Epicuro, Bacon, Hobbes, Spinoza, Vico, Diderot, Lessing e os pensadores democrata-revolucionrios da Rssia, menciono apenas aqueles nomes que julgo os mais importantes; a bem da verdade, a lista dos autores de quem me sinto devedor, em relao tanto estrutura quanto 4aos detalhes de meu trabalho, no se esgota com este elenco. Desta convico resultam as citaes. No nosso intento discutir problemas de histria da arte ou da esttica. Trata-se apenas de esclarecer fatos ou linhas de desenvolvimento que so importantes para a teoria em geral. Por isso, de acordo com a respectiva constelao terica, sero citados autores ou obras que corretamente ou de forma falsa, mas significativa expressaram algo pela primeira vez ou cuja opinio particularmente caracterstica acerca de um determinado estado de coisas. Aspirar a uma documentao literria integral no seria compatvel com as intenes deste trabalho.

Do que j foi exposto at aqui, segue-se que o tom polemstico deste trabalho est dirigido contra o idealismo filosfico. Ao mesmo tempo, a guerra epistemolgica contra ele obviamente ultrapassa a moldura aqui delimitada; o que interessa fazer ver como o idealismo filosfico se constitui como obstculo compreenso conceitual adequada do material especificamente esttico. Sobre a confuso que se instala quando o interesse esttico se concentra na questo da beleza (e eventualmente de seus pretensos momentos) um ponto em torno do qual nos iremos deter principalmente na segunda parte; aqui abordaremos tal complexo apenas episodicamente. De igual importncia, ao que nos parece, apontar o carter necessariamente hierrquico de toda esttica idealista. De fato, quando as diversas formas de conscincia figuram como princpios determinantes da objetividade de todos os objetos investigados, de seu lugar no interior do sistema etc. e no so compreendidos como no materialismo como modos de reao ao que existe objetivamente, independente da conscincia, ao que j est concretamente conformado, ento foroso que o idealismo se arvore em juiz supremo da ordem intelectual e estruture um sistema hierrquico para ela. Este ordenamento hierrquico sofre, de acordo com as circunstncias histricas, enormes variaes. Mas isso no ser discutido aqui, uma vez que a ns importa to-somente destacar o modo como toda hierarquia desse tipo falsifica objetos e relaes.

fruto de um difundido mal-entendido acreditar que a viso de mundo do materialismo prioridade do ser sobre a conscincia, do ser social sobre a conscincia social tambm implica numa hierarquia. Para o materialismo, a prioridade do ser , antes de qualquer coisa, a constatao de um fato: um ser existe sem conscincia, mas nenhuma conscincia existe sem ser. Entretanto, da no se segue nenhuma subordinao hierrquica da conscincia ao ser. Ao contrrio, apenas esta prioridade e seu concreto reconhecimento prtico e terico pela conscincia que criam a possibilidade de um domnio do ser pela conscincia real. Os meros eventos do trabalho ilustram esta situao de modo indiscutvel. E quando o materialismo histrico afirma a prioridade do ser social sobre a conscincia social, trata-se igualmente apenas do reconhecimento de um fato. Tambm a prxis social est voltada para o domnio do ser social; que at o presente momento histrico, ela s tenha logrado atingir este alvo de modo muito relativo, tambm no cria entre elas uma relao hierrquica, apenas determina aquelas relaes concretas sob as quais uma prxis bem sucedida se faz possvel, ao mesmo tempo em que, com isso, determina seus limites concretos, isto , aquele campo de desenvolvimento que o ser social oferece, a cada vez, conscincia. Nesta relao visvel uma dialtica histrica, mas nunca uma estrutura hierrquica. Se um pequeno barco a vela revela-se impotente diante de uma tempestade facilmente enfrentada por um poderoso barco a motor, o que a se sobressai a real superioridade ou limite da conscincia sobre o ser, mas no uma relao hierrquica entre o homem e as foras da natureza; tanto menos na medida em que o desenvolvimento histrico e com ele o crescente domnio intelectual da conscincia sobre a verdadeira constituio do ser perpetra um crescimento contnuo das possibilidades de domnio humano sobre o ser natural.

de forma completamente distinta que o idealismo filosfico projeta sua viso de mundo. No so as reais e dinmicas relaes de fora que criam na vida uma preponderncia ou superioridade transitrias; antes, fixado como algo dado desde sempre uma hierarquia daquelas potncias mentais, as quais, no s produzem e subordinam as formas de objetivao e as relaes entre os objetos, mas tambm se encontram entre si numa relao hierrquica de graus. Para esclarecer a situao em face do nosso problema: quando Hegel, por exemplo, articula arte com intuio, religio com representao e filosofia com conceito, concebendo-as como que regidas por estas formas de conscincia, surge da uma hierarquia rgida, eterna, irrefutvel, que, como todo conhecedor de Hegel sabe, determina tambm o destino da arte. (Quando o jovem Schelling, por exemplo, a pretexto de situar a arte, inverte esta hierarquia, no opera nenhuma modificao de princpio). evidente que da surge um novelo de problemas totalmente aparentes, os quais, desde Plato, vm obscurecendo metodologicamente a reflexo esttica. Pois se a filosofia idealista, de um modo ou de outro, subordina a arte a outras formas de conscincia, ou faz o inverso, superiorizando-a, o pensamento que se volta para as propriedades especficas dos objetos finda por se dissolver, de modo que assim estes podem ser postos sob um mesmo denominador, que d origem, mediante uma dada hierarquia, a comparaes e hierarquizaes as mais arbitrrias. Quer se trate da relao entre arte e natureza, arte e religio, arte e cincia etc. de problemas aparentes surge necessariamente uma desfigurao das formas de objetivao, das categorias etc.

O significado da ruptura com idealismo filosfico, no tocante s suas conseqncias, fica ainda mais claro se concretizamos nosso ponto de vista materialista, isto , se concebemos a arte como um modo de manifestao peculiar do espelhamento da realidade, que, por seu turno, apenas uma subespcie das relaes universais do homem com a realidade. Uma das idias fundamentais e decisivas dessa obra que todo tipo de espelhamento e analisaremos sobretudo o da vida cotidiana, da cincia e da arte - refigura sempre a mesma realidade objetiva. Este ponto de vista, como uma evidncia e at mesmo como algo aparentemente trivial, tem conseqncias de grande alcance. Uma vez que a filosofia materialista encara todas as formas de objetivao, todas as categorias inerentes aos objetos e s suas relaes, no como produto de uma conscincia criadora, como no idealismo, mais as considera como realidade objetiva que existe independentemente da conscincia, todas as divergncias e mesmo oposies entre as espcies singulares de espelhamento podem ter lugar apenas no interior dessa realidade unitria em termos materiais e formais. Para poder capturar esta complicada dialtica da unidade de unidade e de diversidade, preciso, primeiramente, romper com a concepo de um espelhamento mecnico, fotogrfico. Fosse esta a origem das diferenciaes, ento todas as demais formas especficas seriam necessariamente desfiguraes subjetivas de uma nica forma de reproduo autntica do real, ou ento as diferenas teriam um carter puramente acessrio, totalmente privado de espontaneidade, de natureza apenas intelectual. Porm, a infinitude intensiva e extensiva do mundo objetivo obriga todo ser vivo, sobretudo o homem, a uma adaptao, a uma seleo inconsciente no ato do espelhamento. Nisso sem prejuzo de seu carter objetivo fundamental - tambm est contido um componente subjetivo ineliminvel, que no nvel animal se apresenta de modo puramente fisiolgico, mas que no caso do homem tambm condicionado socialmente (influncia do trabalho no enriquecimento, ampliao, aprofundamento etc. das faculdades humanas relacionadas ao espelhamento da realidade). A diferenciao, portanto, - sobretudo no territrio da cincia e da arte um produto do ser social, das necessidades que surgem de seu solo, da adaptao do homem ao seu entorno, do crescimento de suas faculdades motivado pela obrigao de se colocar altura das novas tarefas. Em termos fisiolgicos e psicolgicos estas interaes, esta adaptao ao novo, efetivada imediatamente pelos homens singulares, mas ela obtm desde o princpio universalidade social, dado que as novas tarefas estabelecidas, as novas circunstncias modificadoras, possuem uma constituio universal (social) e admitem variaes subjetivo-individuais apenas no interior da esfera social.

Uma parte decisiva em termos quantitativos e qualitativos do presente trabalho est destinada elaborao dos traos essenciais e especficos do espelhamento esttico da realidade. As investigaes que correspondem inteno fundamental desta obra so de natureza filosfica, isto , esto concentradas em torno da seguinte questo: quais formas, relaes, propores etc. o mundo das categorias - inerente a todo espelhamento obtm no pr esttico? Ao mesmo tempo inevitvel discutir questes psicolgicas; a tais problemas dedicado um capitulo em particular (o dcimo primeiro). Alm disso, necessrio j aqui destacar que a inteno filosfica fundamental desta obra nos obriga a explorar, no conjunto das artes, sobretudo os traos comuns do espelhamento esttico, embora, de acordo com a estrutura pluralstica da esfera esttica, a particularidade das artes singulares sejam aqui consideradas, na medida do possvel, a propsito do tratamento dos problemas categoriais. O modo de manifestao do espelhamento da realidade em artes como a msica ou a arquitetura torna imprescindvel a incluso de um captulo especial dedicado a estes casos especiais, com o que se pretende esclarecer diferenas especficas que a radicam sem por isso contrariar a validez dos princpios estticos universais.

Esta universalidade do espelhamento da realidade como fundamento de toda interao dos homens com seu entorno, se pensada at o fim, tem conseqncias amplas no que tange concepo de mundo - para a compreenso do esttico. Para todo idealismo realmente conseqente, as formas de conscincia significativas da existncia humana em nosso caso, pois, a esttica na medida em que sua origem vem hierarquicamente fundada na relao com um mundo ideal, so de uma espcie supra-temporal, eterna; caso sejam tratadas historicamente, isso feito no interior de uma moldura meta-histrica de existncia e validade intemporais. Esta clara posio formal-metodolgica necessariamente deve reverter em uma questo de contedo, de viso de mundo. Da necessariamente se segue que o esttico, na medida em que pertence, enquanto produo e recepo, essncia do homem, deve ser determinado do ponto de vista do mundo das idias ou do esprito do mundo, antropolgica ou ontologicamente. Uma imagem inteiramente oposta deve ser fornecida por nosso modo materialista de anlise. A realidade objetiva, que aparece em diversos tipos de espelhamento, est no apenas submetida a uma transformao ininterrupta, mas apresenta direcionamentos e linhas de desenvolvimento muito determinados. A realidade, pois, em sua natureza objetiva, histrica; as determinaes histricas, formais e de contedo, que aparecem nos distintos espelhamentos, so de acordo com isso, aproximaes mais ou menos corretas a estes lados da realidade objetiva. Uma autntica historicidade no pode nunca consistir em uma mera mudana do contedo de formas estticas, de categorias totalmente imutveis. Justamente esta modificao de contedo deve necessariamente ter influxo modificador tambm sobre as formas, deve, primeiramente, operar determinadas modificaes de funo no interior do sistema categorial e, a partir de um certo ponto, acarretar transformaes completas: o surgimento de novas e a extino de velhas categorias. historicidade da realidade objetiva deve seguir-se uma determinada historicidade da doutrina das categorias.

Certamente preciso estar muito atento para a questo de como e em que medida tais transformaes so de constituio objetiva ou subjetiva. Da mesma forma acreditamos que tambm a natureza precisa ser apreendida historicamente, mas as etapas desse desenvolvimento so de uma tal extenso temporal que suas transformaes objetivas dificilmente podem ser levadas em considerao pela cincia. Naturalmente de igual importncia a histria subjetiva do desvelamento das objetivaes, das relaes, dos nexos categoriais. Apenas na biologia pde ser demarcado um ponto de inflexo no surgimento das categorias objetivas da vida e, com isso, uma gnese objetiva - pelo menos diante da parte por ns conhecida do universo. A questo qualitativamente diferente quando se trata do homem e da sociedade humana. Aqui, sem dvida, o que est em jogo sempre a gnese de categorias singulares e nexos categoriais, os quais no podem nunca ser deduzidos (abgeleitet) de uma mera continuidade do desenvolvimento at ento transcorrido, assim, pois, de uma gnese que coloca ao conhecimento exigncias especiais. Entretanto, seria uma desfigurao dos verdadeiros fatos querer separar metodologicamente pesquisa histrica da gnese e anlise filosfica dos fenmenos que da surgem. A verdadeira estrutura categorial do fenmeno est intimamente vinculada a sua gnese; a revelao da estrutura categorial s possvel de forma completa e em propores corretas quando o desmembramento objetivo organicamente atrelado ao aclaramento da gnese; a deduo do valor, feita por Marx no comeo de O capital, o exemplo que serve de modelo para este mtodo histrico-sistemtico. Esta conexo ser buscada em detalhes na exposio concreta dessa obra a propsito dos fenmenos fundamentais do esttico e de todas as suas ramificaes. Esta metodologia se converte em viso de mundo na medida em que rompe radicalmente com aquelas intuies que vem na arte, no comportamento esttico, algo de supra-histrico ou, pelo menos, inerncias antropolgicas ou ontolgicas da idia do homem. Assim como o trabalho, a cincia e todas as atividades sociais do homem, tambm a arte um produto do desenvolvimento social, do fazer-se homem do homem por meio de seu trabalho.

Mas mesmo para alm disso, a historicidade objetiva do ser e seu modo especfico pregnante de apario na sociedade humana tem conseqncias importantes para a apreenso da peculiaridade de princpio do esttico. tarefa de nossa realizao concreta mostrar que o espelhamento cientfico da realidade procura se libertar sobretudo de toda determinao antropolgica, tanto sensvel quanto espiritual, que ela aspira a reproduzir objetos e relaes tais quais so independentemente da conscincia. O espelhamento esttico, ao contrrio, parte do mundo do homem e a ele se dirige. Isso no significa, como ser exposto em seu devido lugar, um simples subjetivismo. Ao contrrio, a objetividade dos objetos permanece intacta, mas de tal modo que nela todos os nexos que a constituem (Bezogenheiten) so referidos vida humana, aparecendo luz da respectiva situao interior e exterior do desenvolvimento da humanidade, que, por sua vez, um desenvolvimento social. Isso significa que toda configurao esttica contm em si, registra em si, o hic et nunc histrico de sua gnese como momento essencial de suas objetivaes decisivas. Naturalmente, todo espelhamento determinado objetivamente pela situao especfica em que surge. Mesmo nas descobertas de verdades puramente matemticas ou que concernem ao domnio das cincias da natureza o momento temporal nunca casual; entretanto, ele possui significado objetivo mais para a histria da cincia do que para o saber mesmo, portanto, para aquilo que se pode considerar com total indiferena, como, por exemplo, saber quando e sob quais condies histricas necessrias a doutrina pitagrica foi pela primeira vez formulada. Sem poder aqui enveredar pelo complicado domnio das cincias sociais, preciso tambm firmar que os efeitos da situao temporal em suas diversas formas podem interferir de modo prejudicial na criao da objetividade efetiva na reproduo dos fatos histrico-sociais. completamente o oposto o que ocorre com o espelhamento esttico da realidade: sem um tornar-se vivo, a partir da forma, do respectivo hic et nunc histrico inerente ao momento refigurado no surge nenhuma obra de arte significativa. Se os artistas em questo so conscientes disso ou se produzem acreditando que criam algo supra-temporal, se seguem um estilo anterior a fim de realizar um ideal eterno forjado no passado, o fato que, sendo sua obra artisticamente autntica, ela ir emergir das aspiraes profundas de sua poca; o contedo e a forma da verdadeira configurao artstica no podem sobretudo no campo esttico - ser separados do solo de sua gnese. A historicidade da realidade objetiva obtm subjetiva e objetivamente sua figura precisamente nas obras de arte.

Esta essncia histrica da realidade conduz a um outro importante complexo de problemas, o qual, embora tambm seja primeiramente de natureza metodolgica, como todo autntico problema de metodologia corretamente compreendido portanto, no apenas de maneira formal , necessariamente redunda (umschlagen) numa concepo de mundo. Referimo-nos ao problema da terrenalidade (Diesseitigkeit). Considerado do ponto de vista puramente metodolgico, a terrenalidade uma exigncia imprescindvel tanto do conhecimento cientfico quanto da configurao esttica. Apenas quando um complexo de fenmenos aparece conceituado inteiramente a partir de suas propriedades imanentes, da legalidade que nele opera e lhe imanente, que se pode consider-lo como cientificamente reconhecido. Em termos prticos, tal completude, naturalmente, sempre s aproximativa; a infinitude extensiva e intensiva dos objetos, suas relaes estticas e dinmicas etc. no permitem que nenhum conhecimento em sua respectiva conformao possa ser concebido como absolutamente suficiente, que correes, restries, ampliaes etc. possam ser descartadas. Este ainda-no do domnio (Bewltigung) cientfico da realidade tem sido interpretado como transcendncia de diversos modos, desde a magia at o positivismo moderno, desconsiderando-se o fato de que aquilo que outrora fora declarado como ignorabimus j de h muito era tido como solucionvel embora, eventualmente, ainda no como solucionado de fato pelas cincias exatas. O surgimento do capitalismo, as novas relaes entre cincia e produo da advindas, combinado com a grande crise das vises religiosas de mundo, colocou no lugar da transcendncia ingnua uma outra, de natureza mais complexa, mais refinada. j na poca da tentativa de autodefesa ideolgica contra a teoria copernicana por parte dos representantes do cristianismo que vem tona o novo dualismo, a saber: uma concepo metodolgica destinada a reunir o reconhecimento de uma imanncia referida ao mundo fenomnico com o no-reconhecimento de sua efetiva realidade, concepo, pois, que busca contestar a capacidade pretendida pela cincia de poder dizer algo de vlido acerca desta mesma realidade. Visto superficialmente, parece que esta depreciao (Entwertung) da realidade do mundo no tem grandes implicaes, j que o homem pode, na prtica de sua produo, dar cumprimento s incumbncias imediatas, independentemente de saber se o objeto, o meio, etc. de sua atividade se constituem como algo existente em si ou como mero fenmeno. Tal concepo, entretanto, duplamente sofstica. Em primeiro lugar, todo homem atuante, em sua prxis real, est sempre convencido de que lida com a realidade mesma; mesmo o fsico positivista, por exemplo, ao realizar um experimento. Em segundo lugar, tal concepo, se por razes sociais se acha profundamente enraizada e difundida, corrompe as relaes mediadas num sentido moral-espiritual entre os homens e a realidade. A filosofia existencialista, na qual o homem lanado no mundo se pe frente ao nada, do ponto de vista histrico-social o plo complementar necessrio daquele desenvolvimento filosfico que vai de Berkeley at Mach ou Carnap.

O campo de batalha real entre a imanncia e a transcendncia sem dvida a tica. Na moldura desta obra, as determinaes decisivas dessa controvrsia puderam apenas ser levemente tocadas, mas no expostas em sua completude; o autor espera, em breve, poder fornecer sua concepo acerca desta questo de forma sistemtica. Aqui apenas observaremos que o velho materialismo de Demcrito a Feuerbach estava em condies de apresentar a imanncia da estrutura do mundo apenas de um modo mecnico, razo pela qual, de um lado, o mundo pde ser concebido como um tear, o qual necessitava de uma ativao (transcendente) para ser posto em movimento; de outro lado, o homem, luz de uma tal imagem de mundo, pde aparecer apenas como necessrio produto e objeto da legalidade imanente, de forma que sua subjetividade, sua prxis, seguia inexplicvel. S a doutrina hegeliano-marxiana da autocriao do homem por meio de seu prprio trabalho, formulada de forma feliz por Gordon Childe como man makes himself, levou a cabo o carter terrestre da imagem do mundo, criou a base em termos de viso de mundo - para uma tica terrestre, cujo esprito j h muito vivia nas geniais concepes de Aristteles e Epicuro, Espinoza e Goethe. (neste contexto, naturalmente, a doutrina da evoluo no mundo vital, a permanente e cada vez maior aproximao ao surgimento da vida a partir da interao de leis fsicas e qumicas desempenha um importante papel).

Para a esttica, esta questo de mximo significado e ser, por conseguinte, tratada pormenorizadamente na exposio concreta da presente obra. Seria despropositado antecipar, em termos breves, os resultados desta pesquisa, que apenas no desdobramento de todas as determinaes aqui trazidas luz podem possuir fora persuasiva. Apenas para tambm no ocultar o ponto de vista do autor no prefcio, seja dito que a completude imanente, o ser-posto-sobre-si-mesmo de toda obra de arte genuna um tipo de espelhamento que em outros campos das reaes humanas ao mundo externo no tem nenhuma analogia de acordo com o contedo, quer queira quer no, expressa sempre um reconhecimento da terrenalidade. Neste sentido, a oposio entre alegoria e smbolo, como Goethe genialmente enxergou, uma questo de ser ou no-ser para a arte. Por isso, ao mesmo tempo, como ser mostrado num captulo especfico (o dezesseis), a luta de libertao da arte em relao tutela da religio um fato fundamental de seu surgimento e desdobramento. A gnese tem mesmo que mostrar como, a partir da conexo natural e consciente do homem primitivo com a transcendncia - conexo sem a qual impossvel conceber os estgios iniciais do desenvolvimento humano nos mais diversos territrios - a arte se alou paulatinamente a um espelhamento autnomo da realidade, elaborao de sua peculiaridade. Trata-se naturalmente de um desenvolvimento dos fatos estticos objetivos e no sobre o que seus realizadores pensaram acerca de seus prprios atos. Precisamente na prxis artstica a divergncia entre a ao e a conscincia da ao especialmente grande. O moto de Marx que imprimimos nesta obra no o sabem, mas o fazem - tem aqui uma relevncia especial. , pois, a estrutura categorial objetiva da obra de arte que traz todo movimento da conscincia para a transcendncia novamente para o plano terreno, movimento que na histria do gnero humano tem sido, por razes naturais, bastante freqente, e isso na medida em que este plano aparece como aquilo que , ou seja, como parte da vida humana, terrena, como sintoma, historicamente determinado, de seu ser-precisamente-assim. Os muitos e variados repdios dirigidos arte, ao princpio esttico, de Tertulian at Kierkegaard no nada casual; antes um reconhecimento de seu ser efetivo a partir do campo inimigo. Tambm esta obra no registra simplesmente esta luta necessria, mas toma uma posio muito resoluta diante dela: pela arte, contra a religio, no sentido de uma grande tradio, que vai de Epicuro, passando por Goethe e chegando at Marx e Lnin.

O desdobramento dialtico, a separao e reunio de determinaes to mltiplas, contraditrias, convergentes e divergentes das objetivaes e de suas relaes, tambm exige um mtodo prprio para a exposio. Se aqui seus princpios fundamentais devem ser discutidos com brevidade, no se trata de querer no Prefcio fornecer uma apologia do prprio modo de exposio. Ningum pode ver mais claramente seus limites e falhas do que o autor. Ele quer aqui apenas tomar a responsabilidade pelas suas intenes; a ele no compete julgar seus acertos e suas falhas. O que se segue diz apenas dos princpios. Estes tm razes na dialtica materialista, cuja execuo conseqente em um terreno to extenso e to complexo, exige sobretudo uma ruptura com os meios de exposio formais de definio e delimitaes mecnicas, de separaes puras apoiadas em subdivises. Se ns, para irmos diretamente ao centro da questo, partirmos do mtodo da determinao, em oposio ao da definio, ento retornamos ao fundamento real da dialtica, infinitude intensiva e extensiva dos objetos e de suas relaes. Toda tentativa de apreender mentalmente esta infinitude esbarra em insuficincias. Porm, a definio fixa sua parcialidade como algo suficiente e precisa por isso violar o carter fundamental dos fenmenos. A determinao se considera a si prpria, desde o princpio, como algo provisrio, carente de complementaes, como algo que, em sua essncia, precisa ser continuado, complementado, concretizado. Isto : nesta obra, quando um objeto, uma relao de objetivaes, uma categoria, vista, atravs de suas determinaes, luz da inteleco e do conceito, o que se tem em mente sempre um duplo fim: designar o respectivo objeto, reconhecendo-o em sua singularidade inconfundvel, entretanto sem a pretenso de t-lo aclarado em sua totalidade, de ter atingido um ponto para alm do qual no reste mais nada a dizer. No que concerne ao conhecimento do objeto, s possvel uma aproximao gradativa, passo a passo, j que o mesmo objeto, em contextos diversos, em relaes diversas, aparece e tratado no entrelaamento com outros objetos, e isso de modo que, neste processo, a determinao terica feita inicialmente no superada pois ento ela seria falsa mas, ao contrrio, se enriquece ininterruptamente, se aproxima cada vez mais da infinitude do objeto, cercando-a, por assim dizer, de forma cuidadosa. Este processo se cumpre nas mais diversas dimenses da reproduo mental da realidade e, por princpio, s pode ser avaliado como encerrado em termos relativos. Se esta dialtica for corretamente levada a cabo, ento surgir um progresso permanente e crescente no aclaramento das determinaes em questo e de seus nexos sistemticos; necessrio distinguir com exatido o retorno da mesma determinao em distintas constelaes, dimenses de uma simples repetio. Este progresso almejado, entretanto, no apenas um movimento adiante, mas tambm se for correto, efetivamente dialtico em sua execuo o caminho transcorrido, j posto, iluminado novamente, agora percorrido com um sentido mais profundo. Max Weber escreveu-me, na poca, a propsito de meu primeiro e insuficiente esforo orientado nesta direo, que ele se assemelhava aos dramas de Ibsen, onde o comeo s compreendido qua|executei com contedos completamente distintos e com mtodo radicalmente oposto.

No gostaria de tornar pblico este livro sem expressar meus agradecimentos. Eles vo para o prof. Bence Szabolcsi, que ampliou e aprofundou com pacincia incansvel minha precria cultura musical; para a senhora Agnes Heller, que leu meus manuscritos e cuja aguada crtica ao texto final veio a ser bastante profcua; ao dr. Frank Benseler pela sua iniciativa na produo desta edio, por sua dedicao aos manuscritos e pelas correes.

Budapeste, dezembro 1962.

Traduo: Rainer Patriota* Traduo De Rainer Cmara Patriota, Doutorando do Programa de Ps-Graduao em Filosofia da UFMG.

A tendncia vulgarizao do marxismo no perodo stalinista mostra-se tambm no fato de que o materialismo histrico e o materialismo dialtico costumavam ser tratados como cincias independentes entre si, at o ponto de haver especialistas formados para cada uma delas.

Die Sickingendebatte zwischen Marx-Engels und Lassalle [O debate sobre o Sickingen entre Marx-Engels e Lassalle], em Georg Lukcs, Karl Marx und Friedrich Engels als Literaturhistoriker[Karl Marx e Friedrich Engels como historiadores da literatura], Berlim, 1948-1952.

F. Mehring, Gesammeltete Schriften und Aufstze, Berlin 1929; agora em Gesammelte Schriften, Berlin, 1960 ss. [Escritos reunidos]; o mesmo Die Lessing-Legende [A lenda de Lessing], Stuttgart 1898, ltima edio Berlin 1953; G.W. Plekanov, Kunst und Literatur [Arte e literatura], com prlogo de M. Rosenthal, redao e comentrio de N.F. Belchikov, traduo do russo por J.Harhammer, Berlim, 1955.

M. Lifschitz, Lenin o kulture i isskustwe, Marksistsko-Leninskoje isskustwosnanije, 2 (1932), 143 ss.; o mesmo, Karl Marx und die sthetik, Internationale Literatur, III/2 (1933), ss.; M. Lifschitz e F. Schiller, Marx i Engels o isskustwe i literature, Moskau, 1933; Karl Marx-Friedrich Engels, ber Kunst end Literatur [Arte e Literatura], ed. Por m. Lifschitz (1937), direo da edio alem por Kurt Thricht-Roderich Fechner, Berlin 1949; M. Lifschitz, The Philosophy of Art of Karl Marx, trad. De T. Winn, New York 1939; o mesmo: Karl Marx und die sthetik [Karl Marx e a esttica], Dresden 1960.

Ver Gordon Childe, What happened in history, 1941.