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Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação 1 O DEVIR ESTÉTICO DO CAPITALISMO COGNITIVO 1 Ivana Bentes 2 Resumo: Que modelos teóricos são produtivos para problematizar as “estéticas da comunicação”, tornadas campo conceitual? O capitalismo cognitivo, as teorias do dispositivo, o modelo das redes colaborativas são alguns dos campos e conceitos apresentados e mapeados aqui. Aspectos biopolíticos e estéticos do capitalismno contemporâneo que apontam para a co-evolução entre dispositivos, produção de subjetividades e estéticas comunicacionais. Se a estética e o artístico já foram considerados uma “exceção” hoje vêm se tornando a regra e a base do capitalismo comunicacional erigindo a criação como modelo da produção. O “artista” torna- se paradigma na constituição do precariado cognitivo, o produtor simbólico. Palavras-Chave: Capitalismo Cognitivo. Midia-Arte. Teorias dos Dispositivos. 1. Aspectos biopolíticos do capitalismo comunicacional Pensar a produção artística e cultural como fenômeno comunicacional e detectar estéticas potenciais no campo da comunicação significa apontar para um contexto de transição de modelos no campo da comunicação e da arte que nos parece indissociável da conceituação em torno do chamado Capitalismo Cognitivo ou ainda “capitalismo cultural” ou “capitalismo estético” (LAZARATTO. 2006. NEGRI. 2001. 2002. 2005) que implica na idéia de co-evolução entre os dispositivos comunicacionais, a produção da subjetividade e o chamado trabalho imaterial. Sem problematizar esse devir estético do próprio capitalismo, tornado cultural, numa hipertrofia do estético, as estéticas da comunicação surgem como epifenômenos e “exceção” quando, ao contrário, o estético e o cultural, é o que vamos problematizar aqui, são a própria base do capitalismo contemporâneo. Podemos dizer que a "chamada" economia "material" depende cada vez mais dos elementos "imateriais" (NEGRI. 2001. 2002. 2005) que a ela se agregam e a qualificam: ou seja, da produção de conteúdos simbólicos, afetivos, linguísticos, estéticos, educacionais etc. 1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho “Estéticas da Comunicação”, do XVI Encontro da Compós, na UTP, em Curitiba, PR, em junho de 2007. 2 Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro

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Estetica do Capitalismo, texto de Bentes

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    O DEVIR ESTTICO DO CAPITALISMO COGNITIVO 1

    Ivana Bentes2

    Resumo: Que modelos tericos so produtivos para problematizar as estticas da

    comunicao, tornadas campo conceitual? O capitalismo cognitivo, as teorias do

    dispositivo, o modelo das redes colaborativas so alguns dos campos e conceitos

    apresentados e mapeados aqui. Aspectos biopolticos e estticos do capitalismno

    contemporneo que apontam para a co-evoluo entre dispositivos, produo de

    subjetividades e estticas comunicacionais. Se a esttica e o artstico j foram

    considerados uma exceo hoje vm se tornando a regra e a base do capitalismo

    comunicacional erigindo a criao como modelo da produo. O artista torna-

    se paradigma na constituio do precariado cognitivo, o produtor simblico.

    Palavras-Chave: Capitalismo Cognitivo. Midia-Arte. Teorias dos Dispositivos.

    1. Aspectos biopolticos do capitalismo comunicacional

    Pensar a produo artstica e cultural como fenmeno comunicacional e detectar

    estticas potenciais no campo da comunicao significa apontar para um contexto de

    transio de modelos no campo da comunicao e da arte que nos parece indissocivel da

    conceituao em torno do chamado Capitalismo Cognitivo ou ainda capitalismo cultural

    ou capitalismo esttico (LAZARATTO. 2006. NEGRI. 2001. 2002. 2005) que implica na

    idia de co-evoluo entre os dispositivos comunicacionais, a produo da subjetividade e o

    chamado trabalho imaterial. Sem problematizar esse devir esttico do prprio capitalismo,

    tornado cultural, numa hipertrofia do esttico, as estticas da comunicao surgem como

    epifenmenos e exceo quando, ao contrrio, o esttico e o cultural, o que vamos

    problematizar aqui, so a prpria base do capitalismo contemporneo.

    Podemos dizer que a "chamada" economia "material" depende cada vez mais dos

    elementos "imateriais" (NEGRI. 2001. 2002. 2005) que a ela se agregam e a qualificam: ou

    seja, da produo de contedos simblicos, afetivos, lingusticos, estticos, educacionais etc.

    1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho Estticas da Comunicao, do XVI Encontro da Comps, na UTP, em Curitiba, PR, em junho de 2007. 2 Escola de Comunicao da Universidade Federal do Rio de Janeiro

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    Nesse sentido, a "durao" dos ciclos de crescimento no capitalismo est cada vez mais

    ligada ao fato da produo cultural e esttica tornar-se (ou no) a prpria base de sustentao

    da mobilizao produtiva. Eis, portanto, toda a dimenso da cultura/esttica como

    componente estratgico do desenvolvimento capitalista.

    A produo/criao cultural e esttica no mais uma exceo, mas a regra, o

    prprio paradigma da produo em geral. No so apenas os contedos imateriais

    (comunicacionais, lingsticos, informacionais) prprios da cultura que se constituem em

    base de sustentao do crescimento, mas tambm os seus processos de produo tpicos: o

    trabalho da cultura se apresenta como uma atividade que no mais padronizvel na forma

    do emprego (assalariado); da mesma maneira, a atividade criativa foge racionalidade

    instrumental da firma; a relao entre o "produto" do trabalho da cultura e o "pblico"

    implica em uma circulao desses dois momentos que tende a tornar produtivas as prprias

    redes sociais de produo e ao mesmo tempo os consumos culturais:.

    A produo e a criao culturais no so padronizveis, nem dentro da racionalidade

    instrumental da firma (da forma empresa), nem dentro da reduo do trabalho ao estatuto

    subordinado do emprego assalariado. O trabalho da cultura e a produo esttica o fato de

    uma atividade de criao livre e ao mesmo tempo altamente socializada. a prpria vida

    mobilizada na sua totalidade.

    Uma inveno (criao) de linguagens que no saberia se tornar inovao (por

    exemplo: modas e estilos de vida, expresses estticas) sem a validao social que toda

    linguagem precisa e alimenta ao mesmo tempo. O declnio das formas disciplinares de

    mobilizao produtiva de grandes massas de trabalhadores baseadas na hegemonia do cho

    de fbrica uma condio essencial para a singularizao do trabalho, sua integrao social

    (entre produo e consumo-circulao) e a atualizao de seu enorme potencial produtivo e

    criativo. Assim como sua captura pelo biopoder, poder sobre a vida que se utiliza da mesma

    malha comunicacional/cognitiva.

    Quais as novas formas de organizao das atividades de produo, criao e difuso e

    o tipo de dinmicas e de trabalho que as caracterizam? Como essas formas tm impacto

    sobre a produo esttica? Trata-se de articular as esferas da economia da cultura com as

    configuraes, por um lado, das dinmicas empresariais (grandes empresas, pequenas

    unidades produtivas, produo independente, trabalho autnomo etc.) e, por outro, com as

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    formas de trabalho (seja ele um emprego que precisa de uma determinada

    formao/qualificao, seja ele uma atividade precria, independente da relao de emprego)

    e com a emergncia das estticas comunicacionais.

    Isso significa mapear o objeto do ponto de vista de um trabalho caracterizado como

    sendo descontinuo, precrio, varivel e altamente mvel e/ou flexvel. Um trabalho e uma

    atividade que transitam dentro de uma multiplicidade de experincias e projetos (uma

    organizao por projetos) e marcado por vrias temporalidades: tempos de atividade e/ou

    emprego; tempos de desemprego e/ou no atividade; tempos de formao, tempos de vida.

    Uma atividade e/ou trabalho marcados enfim pelas representaes sociais das

    ocupaes culturais que destituem a separao entre o trabalho tcnico e a atividade

    criativa e/ou artstica. Destituem o tempo do trabalho e o tempo livre, o trabalho mecnico

    e o trabalho vivo. a vida mesmo que mobilizada na produo

    cognitiva/afetiva/expressiva.

    2. O artista universal como modelo de subjetividade e as teorias do dispositivo

    Segundo Jean-Louis Weissberg (1999) as tecnologias intelectuais de multimdia erigem

    o amador individual ou coletivo (nem o consumidor tradicional nem o especialista) em figura

    chave da mdia. Nessas tecnologias do consumo produtivo, o ato de consumo torna-se uma

    parte decisiva da produo, numa reconfigurao e singularizao no massivo. A home-

    midia ou o escritrio e o quarto de dormir domstico, a rua, tornados ateli e central de

    produo, cria formas distintas de cooperao produtiva: cooperao na escritura de

    softwares livres, formas intermedirias entre recepo e expresso, idias recicladas e

    recombinatrias, apropriao, zapping, alteraes e autoraes de uso e percursos, como

    novas formas de autoria coletivas ou co-autoria.

    O capitalismo miditico, cultural ou capitalismo esttico produtor e potencializador

    de mudanas subjetivas e tem que gerir bens altamente perecveis, a informao, a notcia,

    mas tambm bens simblicos e imateriais altamente valorizados, como a expresso e a

    produo esttica. No eterno presente das medies e interfaces, o amador e o artista

    universais surgem como modelos de uma subjetividade ps-industrial, numa hipertrofia do

    campo da produo esttica na esfera da Comunicao.

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    Como base terica convergente das diferentes questes e hipteses levantadas aqui,

    nomeamos em especial as teorias dos dispositivos, como base para o desenvolvimento das

    potencialidades estticas no capitalismo cognitivo.

    Obras-dispositivos que evidenciam a relao dos personagens e do prprio espectador

    com a simulao, com a performance, com o espao circundante, e com a experincia do

    tempo real monitorado .

    O exemplo da cmera de vigilncia surge nesse contexto como um dos dispositivos-

    modelos da percepo contempornea. A explicitao dos dispositivos em certo cinema e arte

    contemporneos o que explica a obra e ao mesmo tempo o que deve ser explicado e

    evidenciado.

    Nos objetivos especficos desta pesquisa vamos propomos analisar obras cuja estrutura

    narrativa baseada (ou se assemelha) a percepo de um olho vigilante, um olho sem olhar,

    olho mecnico, aberto num continum espao-temporal. E ao mesmo tempo, fazem um

    esforo para introduzir ai nesse olho-esvaziado uma singularidade. Fabulao,

    ficcionalizao, auto-performance so algumas das figuras dessas propostas que vamos

    mapear, investigar e analisar e que esto presentes nas exposies de arte contempornea, no

    cinema, nos sistemas de vigilncia, em dispositivos os mais distintos.

    Pensar as obras e filmes-dispositivos pensar as condies de possibilidade da

    narrativa. O lugar de onde os personagens se expressam, se afastando do modelo clssico de

    anlise flmica que pressupe certa autonomia da narrativa, encerrada nela mesma. A anlise

    flmica clssica se torna insuficiente para pensar essas obras e filmes que no saberiam se

    encaixar em questes de gnero, ou ser lidos apenas pela psicologia dos personagens ou

    anlise dos contedos.

    Se na arte conceitual a idia o motor da obra, em algumas obras e

    proposies contemporneas, o dispositivo o disparador ou o condicionador de narrativas e

    sensaes.

    A todo instante somos demandados como performers e atores. Que personagem

    viver? Somos demandados a observar e cuidar de nossa performance social, privada, a viver

    identidades prontas mas tambm experimentar que eu sou um outro, oscilaes e

    demandas paradoxais que denunciam o lugar vazio do sujeito, a preencher. Quem sou eu, no

    est dado, estou me performando.

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    Ao confrontarmos, por exemplo, programas-dispositivos como os reallity shows,

    zoolgicos humanos, programas sobre comportamentos, com dispositivos sociais atuantes,

    podemos encontrar outras subjetividades-modelo. O espectador onipotente que exclui e

    elimina participantes, que o tempo todo instigado a exercer uma interveno baseada em

    valores, participar de lgicas de rivalidade, punir e premiar. Capaz de mudar os rumos da

    histria, esse espectador-participador onipotente adulado e colocado no lugar da direo,

    mas tambm na funo de juiz, executor, avaliador. Os dispositivos explicitando

    configuraes sociais e relaes assimtricas.

    Para problematizar a emergncia do campo denominado Estticas da Comunicao

    parece-nos produtivo a retomada da teoria dos dispositivos, formulada nos anos 70, e revista

    hoje a partir de novos termos e contexto, por diferentes autores. Teorias e conceitos que

    podem ser utilizados na anlise de inmeras obras que vm problematizar a projeo e a

    percepo clssicas, criando outra relao com o espectador interator e com distintas

    experincias de espao e tempo.

    No campo da arte, foi Jean Louis Baudry (1975) um terico do cinema, quem

    disseminou o conceito de dispositivo, no ensaio intitulado Le Dispositif (o Dispositivo) que

    tratava da teoria do espectador cinematogrfico. Pensar o cinema como dispositivo

    significava apontar as caractersticas que regulam a relao do espectador com a obra,

    relaes mentais, relaes espaciais, temporais.

    O dispositivo no se reduzindo ao aparato tcnico e colocando em operao um

    modelo mental. A sala de projeo cinematogrfica, segundo Baudry funcionou a partir do

    mesmo modelo da Cmara Escura, origem da fotografia, dispositivo que evitava que o

    observador percebesse sua posio como parte da representao.

    Para Jonhatan Crary (1996), esse tipo de dispositivo separa o ato da viso do corpo

    fsico do observador, as sensaes do observador sendo desqualificadas diante de verdades

    pr-estabelecidas, certezas da razo e um mundo verdadeiro. Como na alegoria da Caverna de

    Plato, a cmara escura e depois a sala de cinema configurou a experincia do espectador

    clssico, introspectivo, distanciado e com autonomia frente ao mundo exterior 3 Dispositivo a

    3 Tema desenvolvido por BENTES. 1994

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    servio da perspectiva clssica, marcado pelo voyerismo, pela pulso escpica e pela

    produo de um certo imaginrio.

    Essa teoria do dispositivo, formulada originalmente nos anos 70 no contexto da

    discusso entre cinema e psicanlise e teorias do estruturalismo migrou para outros contextos

    e recebeu diferentes formulaes, como na teoria da caixa preta de Vilem Flusser (2002)

    na descrio do filme-dispositivo proposto por Jean-Louis Comolli, dentro da conceituao

    do cinema-verdade, na formulao de Anne Marie Duguet (1988) sobre os dispositivos na

    videoarte (presente nas obras de artistas to diversos quanto Nan June Paik, Bruce Naumann,

    Bill Viola, Antoni Muntadas, etc.) e de forma mais ampla no pensamento de Michel

    Foucault (1983. 1993) e Gilles Deleuze, alm de outros autores de campos muito diversos.

    Ao ultrapassar o plano dos significados e contedos, dando nfase em aspectos

    formais, tcnicos, espaciais, que configuram o sentido, o conceito de dispositivo se tornou

    decisivo para se pensar uma srie de campos emergentes, como a videoarte, as vdeo-

    instalaes, a arte telemtica, as estticas e narrativas extradas do campo da comunicao ou

    os usos estticos e sociais da internet, celular, GPS, web-cmeras, sensores e cmeras de

    vigilncia, programas, redes e sistemas de sociabilidade.

    O pensamento em torno dos dispositivos d visibilidade aos elementos estruturantes

    das obras, sua relao com o espao, a forma como mobiliza o corpo do participador, os

    modelos mentais que conjura, tornando-se ao mesmo tempo objeto e discurso.

    A arte contempornea tem que enfrentar uma hiper-atividade esttico-miditica que

    no para de colocar a questo: que ou quem poderia ser um criador? O artista

    contemporneo concorre com a mdia como poder de inveno, se alimenta dela e a subverte.

    faz da cultura miditica uma nova pele. Para Derrick De Kerkove (1995), o ponto de vista

    foi substitudo pelo ponto de existncia. O que significa que somos mobilizados pelo nosso

    corpo e sentidos, posicionados nesse ambiente esttico-miditico ampliado.

    Nesse sentido, esta pesquisa vai investigar a notvel a evoluo dos dispositivos em

    torno da projeo e desterritorizalizao das imagens. Na arte contempornea, as instalaes

    (de vdeo, fotogrficas, cinematogrficas) deslocaram as projees para objetos

    tridimensionais, sobre o corpo, em espaos pblicos, conjuntos arquitetnicos, (colunas,

    escadas, tetos), em materiais diversos, gua, terra, leo, fumaa, vdro, em ambientes de

    estar, em percursos, ou projees diretamente no olho.

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    Numa cultura em que a meta-linguagem vai se tornando um aprendizado de massas e

    que Alice atravessou o espelho, percebemos uma pedagogia dos dispositivos que vai

    evidenciando a performance, os meios de construo da subjetividade, e explicitando a

    imagem como construto. Onde somos imagem entre imagens se construindo,

    experimentando o mundo de muitos lugares, tornados interfaces, mediadores ou ainda

    figuras do controle..

    Queremos investigar essas duas dinmicas complementares na constituio das

    estticas da comunicao ou da chamada mdia-arte. De um lado o devir miditico das artes,

    quando a arte contempornea se apropria dos meios e dispositivos para extrair deles seu

    potencial esttico, incorporando ou subvertendo-os em proposies artsticas (instalaes,

    performaes, ambientes multisensorias, etc). De outro, um devir esttico das mdias., com a

    desterritorializao e circulao das imagens, que migram para os mais diferentes suportes,

    criando um cinema- mundo ou mdia-mundo.

    Se os dispositivos so moduladores de tempo e de espao, tambm so tecnologias

    do afeto, de produo de contato e aquecimento das relaes pessoais, sociais, de produo

    de coletivo. O afeto torna-se (NEGRI. 2005) um valor diferencial no capitalismo miditico ou

    cognitivo. Mercadorias, obras, produtos, imagens, signos, pessoas, discursos investidos de

    afeto tm seu valor multiplicado e mais do que isso se tornam valor. O capital, investido de

    afeto, torna-se biopoder, poder sobre a vida e sobre o corpo social, mas tambm convoca

    uma bio-politica de resistncia aos seus fluxos, atravs de redes de colaborao.

    As tecnologias de comunicao e produo de redes e mediao social (blog, fotologs,

    vdeoblogs, Orkut, Multiply, Frienster e tantos outros) no param de crescer, programas de

    sociabilidade exponenciais. Dispositivos que configuram, classificam e modificam as formas

    de relacionamento. Dispositivos de organizao espacial, temporal e mental, que trazem

    potencialidades estticas sociais e polticas, organizao e controle.. Procuraremos mapear

    essa dupla face dos dispositivos a serem analisados.

    O capitalismo imaterial tem captadores instalados em todo o corpo social, corpo vivo

    que monitora pela vigilncia a cu aberto, rastreamento dos hbitos de consumo, atravs das

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    senhas, cdigos de barras, rastros deixados na internet, celulares etc. Entretanto os mesmos

    dispositivos de controle so dispositivos que colocam os consumidores em contato, criam

    redes, e mais do que isso, organizam os consumidores e os transformam em interatores e

    performadores. De controle e consumo, os dipositivos miditicos podem passar a ferramentas

    de resistncia. organizao, mobilizao, num corpo social que reage e interage, produz,

    estimulado e excitado pelo prprio biopoder, mas capaz de criar biopoliticas.

    A continuidade e extenso entre o tempo da vida, o tempo do trabalho, o tempo do

    lazer, o consumo e a produo esttica caracteriza o capitalismo ps-industrial (NEGRI

    2002). As mquinas que servem produo (computador, telefone, celular, TV, internet), so

    interfaces ldicas, que estreitam a convivncia e servem a comunicao e a arte. A mdia-

    arte se aproxima do game, da televiso quando aposta nos jogos de convivncia como

    simulaes de uma certa vida social, lugar de fidelizao, lealdades, criao de vnculos,

    produo de narrativas .

    Na busca de criar fatos miditicos continuamente, capturar nossa ateno e comprar

    nosso tempo, a televiso convoca o prprio espectador ou usurio a participar do processo de

    produo da informao. As estticas da comunicao tambm podem mobilizar esse

    espectador-participador. Ele o consumidor-produtor que Walter Benjamin anteviu nos

    leitores que escreviam para os jornais, e que hoje recebem cmeras de vdeo para produzir

    imagens que vo entrar no telejornal, no programa de variedades, numa denncia poltica, no

    "lbum" eletrnico coletivo ou em uma obra de arte. As tecnologias domstico-industriais

    transformam cada um de ns em unidades mveis de produo de imagens e informao que

    alimentam o sistema de comunicao e o circuito de arte.

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    3. Dramaturgias do Tempo Real e Tecnologias Colaborativas

    preciso estar atento nesse contexto que queremos investigar para as dramaturgias

    do tempo real apontadas pelos reallity shows e performances em rede, que surgem entre a

    encenao e o acontecimento, como experincia diferencial de tempo e espao.

    Os dispositivos de criao de co-presena e co-realidades, estou aqui e l, propiciados

    pelas web-cams e dispositivos de telepresena, abrem um campo vastssimo para estticas e

    dramaturgias on-line, ou melhor cenas e situaes virtuais, ambientes de co-presena que

    provocam distrbios perceptivos:

    Johannes Birringer nomeia novos espaos de performao, intensamente alimentados por dados --em tempo realque colocam os performers e a audincia em espaos simulados de improviso e presentificao. As telas digitais, de cristal lquido, os espaos da cave, os artistas plugados e sintonizados na rede , passam a substituir os espaos materializados das Artes Plsticas. (COHEN. 2005)

    As salas de instalaes so amplificadas para se conectarem a espaos vivos

    produzidos pela tele-presena, numa ficionalizao do presente e do espao, que produz o

    tempo real da cena e da experincia compartilhada. Quais as qualidades desse tempo real?

    Tempo produtor de experincias e imagens fludas, que esto sempre passando, abertas ao

    acaso e ao acontecimento, mas tambm passveis de controle e monitoramento.

    Temos uma percepo exacerbada da experincia da simultaneidade. A

    possibilidade tcnica da experincia de um continum espao-temporal, por blocos de espao e

    tempo, que duplicam o aqui e agora. Eu estou aqui nesse quarto, mas posso me conectar,

    posso consumir, posso me instalar com certa facilidade em outros ambientes. A cmera de

    vigilncia e web-cam so a forma mais simples de experimentar isso, o consumo de

    ambientes simultneos atravs de cmeras e canais abertos, no mais como simples janelas,

    mas como espaos de visualizao e ao nesse mundo ampliado, em um presente dilatado.

    Uma outra referncia decisiva na investigao de novos modelos tericos para o

    campo da Comunicao e mais especificamente para a questo que nos interessa investigar

    das estticas miditicas ou comunicacionais o modelo P2P (peer to peer, ponto a ponto) de

    tecnologias colaborativas. Questo, da colaborao e do comum que aparece em muitos dos

    dispositivos miditico que trabalham com a proposta de interao , participao, co-

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    autoria, fronteiras entre o autor e seu devir multido ou uma diluio da autoria em novas

    formas de colaborao coletiva.

    Segundo Michel Bauwens (2006) medida que os sistemas sociais, econmicos e

    polticos se transformam em redes distribudas, surge uma nova dinmica produtiva: o

    modelo peer to peer (P2P), ponto a ponto. Mais que uma nova tecnologia de comunicao

    o modelo de funcionamento de novos processos sociais e faz surgir um terceiro modo de

    produo, de autoridade e de propriedade. E poderamos supor, novos modos de produo

    estticas.

    Os processos P2P designam todos os processos que visam aumentar a participao

    generalizada de participantes equipotenciais. Suas caractersticas mais importantes, segundo

    Michel Bauwens, so:

    a) produo de valor de uso atravs da cooperao livre entre produtores que tm acesso

    a capital distribudo: diferente da produo com fins lucrativos e da produo pblica,

    detidas pelo estado. O seu produto no reside num valor de troca destinado ao

    mercado mas num valor de uso dirigido a uma comunidade de utilizadores.

    b) so administrados pela comunidade de produtores e no por mecanismos de alocao

    do mercado ou por uma hierarquia empresarial. Este o modo de autoridade P2P ou

    'terceiro modo de autoridade'.

    c) disponibilizam livremente o valor de uso segundo um princpio de universalidade,

    atravs de novos regimes de propriedade comum. Este o seu 'modo de propriedade

    distribuda ou entre pares', diferente da propriedade privada ou da propriedade

    pblica, estatal

    Mas, o que necessrio para facilitar a emergncia de processos entre pares? Como

    a emergncia desse modelo altera os paradigmas das teorias da Comunicao? A Infra-

    estrutura do P2P e Redes Sociais Colaborativas tem 5 condies bsicas, propostas por

    Bauwens, que nos interessa investigar, e est entre os objetivos gerais e contextos desta

    pesquisa. So elas:

    a) A existncia de uma infra-estrutura tecnolgica instalada. Os movimentos para a incluso

    digital, com a disseminao de computadores pessoais e coletivos, acesso pblico a internet e

    das redes comunitrias sem fios e em defesa do espectro aberto, os sistemas televisivos de

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    file-serving TiVo - e as infra-estruturas alternativas de telecomunicao assentes em

    meshworks so representativos desta tendncia.

    b) Sistemas alternativos de informao e comunicao que permitam a comunicao

    autnoma entre agentes cooperantes. A Web (em particular, a Writable Web e a Web 2.0 que

    esto em vias de ser estabelecidas) permitem a produo, disseminao e 'consumo' do

    material escrito, assim como o podcasting e o webcasting criam uma infra-estrutura

    alternativa de informao e comunicao' multimdia sem o intermdio dos meios de

    comunicao clssicos (embora possam vir a surgir novas formas de mediao).

    c) O terceiro requisito a existncia de uma infra-estrutura de software destinada

    cooperao autnoma global. Um nmero crescente de ferramentas de colaborao que se

    inserem no software de redes sociais, como os blogs e as wikis, facilitam a criao de

    confiana e capital social, permitindo a criao de grupos globais que conseguem criar valor

    de uso sem o intermdio da produo ou distribuio efetuada por organizaes com fins

    lucrativos.

    d) O quarto requisito uma infra-estrutura legal que permita a criao de valor de uso e que o

    proteja da apropriao privada. A General Public Licence (que probe a apropriao do

    cdigo de software), a anloga Open Source Initiative e certas verses da licena Creative

    Commons desempenham esta funo. Elas possibilitam a proteo do valor de uso comum e

    empregam mtodos virais para se disseminar. A GPL e outras licenas semelhantes s podem

    ser utilizadas em projetos que, em troca, colocarem o seu cdigo-fonte adaptado no domnio

    pblico.

    e) O requisito cultural. A difuso da intelectualidade de massa (isto , a distribuio da

    inteligncia humana) e as transformaes associadas nas formas de sentir (esttica) e ser

    (ontologia), formas de conhecer (epistemologia) e nas constelaes de valores (tica) vtm

    contribudo para a criao do tipo de individualismo cooperativo necessrio para manter um

    ethos que torne possvel as redes colaborativas.

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    As estticas da Comunicao tm no modelo P2P uma base importante de problematizao

    de dualidades clssicas: pblico e privado, diludos no conceito de comum, autor tornado

    co-autor ou dissolvido na perspectiva das estticas multitudinrias e a prpria fuso

    arte/sociedade.

    4. O Precariado Cognitivo e o Biopoder

    As lutas eliminam a distino tradicional entre conflitos econmicos e polticos.

    As lutas so ao mesmo tempo econmicas, polticas e culturais e, por

    conseqncia, so lutas biopolticas, valendo para decidir a forma da vida. So

    lutas constituintes, que criam novos espaos pblicos e novas formas de

    comunidade. (NEGRI, HARDT 2005)

    Interessa aqui apontar para as condies materiais da revoluo

    informacional/comunicacional que viemos problematizando, as novas liberdades, mas

    tambm as novas formas de escravido, incertezas e precariedade, para melhor configura o

    contexto em que emergem as estticas da Comunicao

    Se dissemos que, no capitalismo cognitivo, a gerao de renda (de riqueza) no est

    mais indexada gerao de emprego (e vice-versa), logo as curvas de crescimento da

    produo de riqueza no tm mais como mecanismo bsico de distribuio de renda e

    integrao cidad a dinmica do emprego. Mas ocupaes flexivis, mltiplas e incertas.

    Ser trabalhador/produtor cognitivo e ter acesso cidadania material no so mais dois

    momentos que coincidem, essa separao entre dinmica da gerao de renda e dinmica do

    emprego coloca desafios novos, pois se trata de uma das principais causas da amplificao

    dos fenmenos de excluso social (flexibilizao dos direitos trabalhistas, amplificao da

    informalidade, reduo da proteo social etc.), de enfraquecimento das organizaes

    sindicais e, em ltima instncia, de desmanche da prpria dinmica da representao. O

    "emprego" no consegue mais ser a alavanca da distribuio da renda: seja porque ele

    encolhe (no necessariamente de maneira absoluta, mas certamente com relao s taxas de

    crescimento), seja porque ele flexibilizado, fragmentado no tempo e no espao.

    A fenomenologia dessa separao entre gerao de renda (de valor) e dinmica do

    emprego exatamente a que aparece no processo geral de fragmentao social e o declnio

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    dos tradicionais movimentos sociais (em particular dos sindicatos operrios) e das formas de

    representao clssicas.

    Para a singularidade que coopera no mbito da multiplicidade das redes sociais de

    cooperao no ser reduzida a fragmento isolado em competio com os outros (e, portanto,

    merc de ser capturado pelas lgicas mercadolgicas e seus processos de unificao

    padronizada), ela precisa de uma esfera que materialize e permita o exerccio produtivo de

    sua liberdade. Uma esfera do comum, a ser conceituada.

    Na perspectiva desta pesquisa de se utilizar e apontar modelos tericos produtivos

    para problematizar as estticas da comunicao, tornadas como campo terico torna-se

    necessrio diluir cada vez mais as fronteiras entre arte erudita, popular e massiva,

    desconstruir o dualismo experimental e comercial, fazer dialogar objetos de valor esttico

    com produtos culturais, reafirmar a co-evoluo entre subjetividades e dispositivos

    tecnolgicos para alm de qualquer viso instrumental da comunicao, colocando-a na

    esfera da possibilidade de compartilhamento de experincia, produo expressiva e

    potencializao das singularidades.

    Referncias

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