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1 ESTRATÉGIAS DE REPRODUÇÃO SOCIAL NO ASSENTAMENTO PALESTINA EM CRAVOLÂNDIA-BAHIA Aline dos Santos Lima Instituto Federal Baiano - IF Baiano [email protected] Taiane dos Santos Serra Instituto Federal Baiano - IF Baiano [email protected] Uilson Barbosa Oliveira Bolsista IC do IF Baiano [email protected] Vanessa Souza Rotondano – Instituto Federal Baiano - IF Baiano [email protected] Resumo O presente trabalho tem como objetivo analisar o processo de reprodução social das famílias assentadas no município de Cravolândia no Território de Identidade Vale do Jiquiriçá, estado da Bahia. Cravolândia destaca-se, em relação aos demais municípios que compõe o referido Território, por ter sido o primeiro a institucionalizar a primeira forma de acesso a terra no Vale, através da criação do Projeto de Assentamento Palestina. Esta investigação pretende apreender e registrar a formação e desenvolvimento do Assentamento Palestina no quadro de luta pela terra no estado da Bahia, bem como, analisar as estratégias de reprodução social das 180 famílias que residem, desde 1998, nessa comunidade. Para tanto, recorreremos ao uso de entrevistas com as principais lideranças; grupos focais com os moradores mais antigos, idosos e jovens; participação observante, além de realizar levantamento bibliográfico sobre a temática. Palavras - chave: Reforma agrária. Assentamento Palestina. Reprodução Social. Introdução O Território Vale do Jiquiriçá, conforme Figura 1, uma das 27 unidades de planejamento da Bahia, ocupa uma área de 10.286km 2 do estado e possui uma população de 301.682 habitantes, sendo que, 174.633 indivíduos estão localizados na área urbana e 127.049 na área rural, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) (2010).

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ESTRATÉGIAS DE REPRODUÇÃO SOCIAL NO ASSENTAMENTO PALESTINA EM CRAVOLÂNDIA-BAHIA

Aline dos Santos Lima Instituto Federal Baiano - IF Baiano

[email protected]

Taiane dos Santos Serra Instituto Federal Baiano - IF Baiano

[email protected]

Uilson Barbosa Oliveira Bolsista IC do IF Baiano

[email protected]

Vanessa Souza Rotondano – Instituto Federal Baiano - IF Baiano [email protected]

Resumo O presente trabalho tem como objetivo analisar o processo de reprodução social das famílias assentadas no município de Cravolândia no Território de Identidade Vale do Jiquiriçá, estado da Bahia. Cravolândia destaca-se, em relação aos demais municípios que compõe o referido Território, por ter sido o primeiro a institucionalizar a primeira forma de acesso a terra no Vale, através da criação do Projeto de Assentamento Palestina. Esta investigação pretende apreender e registrar a formação e desenvolvimento do Assentamento Palestina no quadro de luta pela terra no estado da Bahia, bem como, analisar as estratégias de reprodução social das 180 famílias que residem, desde 1998, nessa comunidade. Para tanto, recorreremos ao uso de entrevistas com as principais lideranças; grupos focais com os moradores mais antigos, idosos e jovens; participação observante, além de realizar levantamento bibliográfico sobre a temática. Palavras - chave: Reforma agrária. Assentamento Palestina. Reprodução Social. Introdução

O Território Vale do Jiquiriçá, conforme Figura 1, uma das 27 unidades de

planejamento da Bahia, ocupa uma área de 10.286km2 do estado e possui uma

população de 301.682 habitantes, sendo que, 174.633 indivíduos estão localizados na

área urbana e 127.049 na área rural, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatística (IBGE) (2010).

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Figura 1 - Localização do Território de Identidade Vale do Jiquiriçá – Bahia

A população do Vale, que representa 2,15% da população baiana, mantém uma intensa

relação com o campo e com a produção agrícola, fato que sobressai no modo de vida e

nas instituições presentes nessa região, como a Comissão Executiva de Planejamento da

Lavoura Cacaueira (CEPLAC) e o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia

Baiano (IF Baiano) com seus cursos voltados, inicialmente, para o mundo rural.

Segundo Olalde et. al. (2009), a ocupação histórica do Vale do Jiquiriçá, com exceção

do seu extremo oeste, se deu a partir do Recôncavo Sul com a expansão e diversificação

da produção de gêneros alimentícios para exportação e mercado interno, processo que

atingiu as zonas mais interioranas culminando com a fundação de cidades ao longo do

Rio Jiquiriçá. Desde então, o dinamismo econômico do Vale esteve associado aos ciclos

de produção de culturas exportáveis, como o fumo e o café, e do seu escoamento através

da Estrada de Ferro Tram Road de Nazaré que fazia a travessia Jequié-São Roque,

ligando o Sertão ao Recôncavo (INEZ, 1982; CAFÉ, 2007; LINS, 2007).

Entretanto, como pondera Antônio de Santa Inez, no romance As estradas da

esperança, na década de 1960, a ferrovia foi substituída pelo sistema rodoviário

“matando” o trem e as cidades do Vale. Além disso, como reitera Olalde et. al. (2009),

o rodoviarismo reforçou os vínculos com outros centros regionais da Bahia, para além

das cidades do Recôncavo e facilitou a comercialização de outros cultivos introduzidos

a partir de 1960, como o cacau e os hortifrutigranjeiros. Estes últimos, são produzidos

nas áreas de maior altitude e de precipitação intermediária, cuja expansão, no Vale,

esteve associada à chegada de imigrantes italianos, na década de 1950, para os

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municípios de Jaguaquara e Itiruçu, transformando-os em polo regional de produção e

comercialização de hortaliças, Olalde et al (2009).

Outra característica marcante é que o Vale é conhecido, também, por altos índices de

concentração da terra e por baixos indicadores de desenvolvimento econômico e social,

elementos que interferem na dinâmica sócio-espacial. De acordo com o Banco de dados

do Projeto GeografAR (2011), com base no Censo Agropecuário de 2006, a maior

concentração de terras no Território se encontra no município de Brejões, cujo índice de

Gini é de 0,908. No que diz respeito ao melhor indicador de acesso a terra, destaca-se o

município de Lajedo do Tabocal, com o índice de Gini de 0,685.

O Território Vale do Jiquiriçá é formado por 20 municípios1, dentre os quais,

destacamos Cravolândia pela importância que exerce por ter sido pioneiro no processo

de institucionalização das formas de acesso a terra no Vale, através da criação do

Projeto de Assentamento Palestina em uma área de 4.327,45ha ocupada por 180

famílias nas terras do antigo imóvel Palestina/Timbó/Salobro em dezembro de 1998.

O presente trabalho faz parte do Plano de ações do Projeto Contribuição ao estudo do

campesinato baiano: territorializações da luta na/pela terra no município de

Cravolândia-BA, submetido e aprovado, pelo Núcleo de Estudos em Questões Agrárias

(NECA) do IF Baiano Campus Santa Inês, no Edital Interno nº 01/2012 do Programa de

Estímulo à Pesquisa em Iniciação Científica do IF Baiano. O objetivo do Projeto é

analisar o processo de (re) produção do espaço agrário no Território de Identidade Vale

do Jiquiriçá, através do município de Cravolândia, visando compreender as

particularidades referentes às práticas e as vivências políticas, sociais e culturais das

camponesas e dos camponeses assentadas/os e acampadas/os. Este texto abordará um

dos objetivos do Projeto, qual seja: compreender o surgimento do Assentamento

Palestina no quadro de luta pela terra no Estado da Bahia, bem como, analisar as

estratégias de reprodução social das 180 famílias que residem, desde 1998, no referido

Assentamento.

Para tanto, este trabalho se estrutura metodologicamente na consulta à literatura

relacionada à temática (campesinato, luta pela terra e reforma agrária) e pesquisa de

campo por meio de entrevistas com as principais lideranças; grupos focais com os

primeiros moradores, com moradores idosos e jovens; e participação observante. Nesse

sentido, a pesquisa a que se propõe este projeto baseia-se, enquanto método de análise,

na dialética. A escolha deste método deu-se por compreender: a) que o fenômeno

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estudado carece de uma análise mais profunda, buscando, portanto, compreender os

processos históricos; b) a realidade enquanto aspecto eminentemente contraditório; c)

como fundamental a submissão da teoria à realidade e não o contrário, conforme pontua

Oliveira (2002).

O acesso a terra no Brasil: breve discussão

A origem da ocupação territorial do Brasil provocou a concentração de grandes

extensões de terras em mãos de poucos proprietários. Do “Descobrimento” ao Escambo,

da Colônia às Sesmarias, passando pelo Regime de posses até a Lei das Terras, do

Código Civil ao Estatuto da Terra culminando com o Plano Nacional de Reforma

Agrária I e II, pouco ou quase nada contribuiu para modificar a estrutura de posse da

terra na perspectiva de uma melhor distribuição. Tal leitura evidencia que as relações

entre os que frequentavam a intimidade do poder possibilitaram a apropriação privada

da natureza e a organização do espaço com um aparato jurídico-institucional adequado

aos interesses desse grupo seleto, (MARTINS, 1983 e GERMANI, 2006).

São frutos da pressão camponesa as parcas conquistas em defesa ao acesso/posse das

terras no país. Martins (1983), ao discutir a concepção de camponês – e de seu

“transplante” da realidade russa, dos fins do século XIX e do começo do século XX,

para a realidade brasileira – remonta ao período colonial para discutir as origens sociais

do campesinato tradicional e apontar sua exclusão, ou, como prefere o autor, sua

interdição da propriedade. Segundo o sociólogo, quem não tivesse “sangue limpo” e não

dispusesse de renda estava excluído de toda e qualquer participação na estrutura de

poder, como o voto e a concessão de terra pela sesmaria.

Germani (2006), ao analisar a trajetória histórica e social que forjou as bases para o

estabelecimento da estrutura e da organização do espaço rural no Brasil, destacou as

condições históricas e sociais que regularam o acesso a terra. Para essa pesquisadora,

que acompanha a atuação da política fundiária nacional, o acesso a terra foi orientado

pela apropriação privada das terras livres, processo que teve continuidade ao longo dos

anos, garantindo e fortalecendo a concentração da estrutura fundiária como monopólio

de classe, enquanto o número de trabalhadores rurais sem terra continuava a crescer.

Nesta perspectiva, predomina no país a concentração de extensas áreas nas mãos de um

pequeno número de proprietários, fato que, no decorrer dos séculos causou conflitos e

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tensões no campo, dentre os quais, podemos destacar a Guerra de Canudos, a Guerra do

Contestado, a Revolta de Formoso, as Ligas Camponesas, o Massacre de Corumbiara e

o Massacre Eldorado do Carajás, dentre outros. Essas manifestações ratificam a atuação

dos coletivos organizados face suas trajetórias de insubmissão diante da pretensa

dominação pessoal de fazendeiros e coronéis; da expropriação territorial efetuada por

grandes proprietários, grileiros e empresários; da exploração econômica que se

concretiza na ação da grande empresa capitalista; e da política econômica do Estado

(MARTINS, 1983).

Sendo assim, a essência do conflito social está na luta de classes pela apropriação do

espaço geográfico ou, como prefere Fernandes (2004), na conflitualidade territorial

manifestada em decorrência da tensa relação entre os detentores dos meios de produção

(capitalistas e proprietários fundiários) e dos detentores da força de trabalho

(camponeses e assalariados), sendo que, estes últimos, historicamente, têm se articulado

para reivindicar seus direitos, mesmo usurpados na maioria das tentativas. Dessa forma,

é válido rememorar que a usurpação do direito a terra no Brasil se constituiu com a

promulgação da Lei nº 601 de 1850 conhecida como Lei de Terras, através da qual, a

propriedade privada da terra foi institucionalizada, transformando-a em mercadoria. A

maior consequência dessa Lei foi à concentração de terras culminando em paulatinos e

constantes conflitos agrários.

Diante desse quadro, cresce a força dos movimentos sócio-espaciais e sócio-territoriais,

cujo propósito é a apropriação do espaço como trunfo, envolvendo a dimensão social,

política e econômica, sobretudo através da luta pela reforma agrária (FERNANDES,

2001). As primeiras discussões sobre a questão da reforma agrária no Congresso

Nacional ocorreram de forma destacada somente durante a Constituinte de 1946, mas,

frente ao poder reacionário da elite agrária, nenhum dos projetos tornou-se lei até a

década de 1960.

Ao assumir o poder, os militares instituíram o Estatuto da Terra (1964), face ao estado

de conflitos no campo brasileiro, criaram o Programa de Redistribuição de Terras e

Estímulo à Agroindústria do Norte e Nordeste (1971) e a Companhia de

Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (1974). Porém, apesar dos

instrumentos legais, o que predominou no período da Ditadura Militar, com relação à

política agrária do Estado, foram os grandes projetos de colonização, em especial na

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Amazônia, cujo objetivo principal era eliminar os focos de tensão de conflitos agrários

onde eles aconteciam (FREITAS, 2009).

Segundo Freitas (2009), com a redemocratização do país e o acirramento da luta e dos

conflitos de classe no campo brasileiro, a política nacional da reforma agrária foi

reconduzida. Nessa perspectiva, o governo Sarney criou o Ministério da Reforma

Agrária e Desenvolvimento Agrário e o I Plano Nacional de Reforma Agrária, porém

um balanço dos números e da espacialização das famílias assentadas demonstra que,

mais uma vez, a elite latifundiária vetou a realização da reforma no Brasil.

Para Bernardo Mançano Fernandes (2001) os três primeiros governos da chamada Nova

República foram marcados pelo fortalecimento de um modelo de desenvolvimento

econômico para a agropecuária, o que se concretiza na gestão de Fernando Henrique

Cardoso (FHC), ao privilegiar a agricultura capitalista através de um programa de

desenvolvimento rural. O Programa Novo Rural, também conhecido como Novo

Mundo Rural, foi a base da política agrária do mandato FHC (1999-2002), cujo

parâmetro foi o documento Agricultura familiar, reforma agrária e desenvolvimento

local para um Novo Mundo Rural: política de desenvolvimento rural com base na

expansão da agricultura familiar e sua inserção no mercado, conforme destacam

Fernandes (2001), Ramos Filho (2008).

Segundo Fernandes (2001, p. 21), esse Programa passou a reconhecer a importância dos

pequenos agricultores, como pode ser avaliado na intencionalidade da proposta

transcrita pelo autor da página eletrônica do MDA,

promover o desenvolvimento socioeconômico e sustentável em nível local e regional, por meio da desconcentração da base produtiva e da dinamização da vida econômica, social, política e cultural dos espaços rurais – que compreendem pequenos e médios centros urbanos –, usando como vetores estratégicos o investimento na expansão e fortalecimento da agricultura familiar, na redistribuição dos ativos terra e educação e no estímulo a múltiplas atividades geradoras de renda no campo, não necessariamente agrícolas

No cerne do Programa estava, dentre outros, a proposta de uma ‘nova reforma agrária’

que além da desapropriação de terras, incluía a sua compra, ou seja, referenciava a

reforma agrária financiada ou de mercado, situação que entrou em execução no Brasil a

partir de 1996.

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Segundo Fernandes (2001, p. 22), diante do anseio em reforçar o Programa Novo Rural

e tentar diminuir o crescimento das ocupações de terras, FHC, além de promover a

política de compra e venda de terras, criou medidas que fragilizavam os camponeses,

como: a não realização de vistorias em terras ocupadas; o não assentamento de famílias

que participassem de ocupações; a exclusão da lista de possíveis assentados aos que

apoiassem companheiros na ocupação de terra; a criação da Reforma Agrária pelos

Correios2; e a substituição do Programa Especial de Crédito para a Reforma Agrária

(PROCERA) pelo Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar

(PRONAF). Esse último tem como perspectiva o desenvolvimento e a capitalização dos

camponeses, transformando-os em pequenos capitalistas uma vez que é determinado

para todos, sem direito à negociação dos princípios. Essas mudanças, na opinião de

Fernandes (2001, p. 22), “não representa somente uma perda econômica para os

trabalhadores, mas também uma derrota política na implantação de um projeto de

resistência de luta pela terra”.

A organização dos coletivos, sobretudo o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra

(MST) e a Comissão Pastoral da Terra (CPT), impulsionou a existência de vários

acampamentos e projetos de assentamentos no país. Contudo, essas conquistas vêm

sendo minadas pela intensificação da concentração fundiária; pela judiciarização da luta

pela terra, via criminalização das ocupações; e pelos projetos de desenvolvimento do

campo, como discute Fernandes (2001).

É no contexto da organização, permanência e resistência camponesa que versa esse

trabalho, expresso nas contradições e interesses antagônicos da terra como especulação

e, da terra como reduto da vida. Sendo assim, concordamos com Ramos Filho (2008),

para quem os assentamentos de reforma agrária constituem a materialidade do processo

de territorialização das respectivas organizações camponesas e de criação e recriação do

campesinato, não obstante os discursos de que essa categoria é um resquício feudal

fadada ao desparecimento.

Cumpre salientar, com base em Oliveira (2002), que o campesinato é interpretado por

três correntes de análise do desenvolvimento capitalista no campo, a saber: a) defende

que no Brasil houve feudalismo ou relações semifeudais de produção e advoga que para

o campo se desenvolver seria preciso acabar com estas relações e ampliar o trabalho

assalariado através da reforma agrária; b) defende que o capitalismo irá se desenvolver

até o ponto em que o campesinato irá se dissolver internamente e seus membros se

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tornarão proletários ou capitalistas; c) defende o pensamento dialético em que tem lugar

à concepção da unidade dos contrários, ou melhor, a concepção de desenvolvimento

capitalista desigual e combinado. Em suma, advoga que, ao mesmo tempo em que o

desenvolvimento avança reproduzindo relações capitalistas (trabalho assalariado e boia-

fria) produz, também, igual e contraditoriamente, relações camponesas (trabalho

familiar). De modo semelhante a Oliveira (2002), comungamos com esta última

corrente por acreditarmos que o número de camponeses tem aumentado e por

entendermos a persistência das formas não-capitalistas no interior e no processo de

produção e reprodução do capital.

Considerações sobre Cravolândia e assentamento na palestina

É importante ressaltar que o presente trabalho se encontra em fase inicial e propõe

analisar a territorialização do Assentamento Palestina no quadro de luta pela terra no

Estado da Bahia, bem como, compreender as estratégias de reprodução social das

famílias assentadas com o intuito de identificar o processo de apropriação, produção e

organização do espaço rural. Porém, até o presente momento, foi realizada apenas uma

entrevista com um dos moradores e iniciou-se o processo de levantamento e análise

bibliográfica.

Cravolândia, toponímia que homenageia seu primeiro prefeito, o falecido empresário e

ex-deputado estadual Mário da Silva Cravo, tem em sua história uma forte ligação com

a terra e a produção do café, principal produto de exportação da Fazenda Palestina, que

até o final da década de 1970, pertencia à família Cravo. A Fazenda tornou-se uma

propriedade rural produtiva que produzia café para exportação e foi palco de ostentação

de riquezas em desfiles que ocorriam na região ao exibir os animais de raça, produtos

(café e sisal), automóveis e tratores, grandiosidade que pode ser observada nas imagens

da antiga sede da Fazenda, conforme Figura 2, e nas ruínas de seus armazéns, conforme

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Figura 3.

Figura 2. Casa-sede da antiga Fazenda Palestina Cravolândia-Bahia

Figura 3. Ruínas de antigo armazém para estocagem de café na Fazenda Palestina

Conforme dados do IBGE (2010), Cravolândia possui, em uma área de 162km2,

5.041habitantes, 3.180 na área urbana e 1.861 na área rural3, sendo que, essa última, tem

como principal fonte de renda a produção agropecuária. Em se tratando da produção

agrícola, destaca-se, como lavoura permanente, banana, cacau, café, maracujá e sisal e,

na lavoura temporária, a produção de abacaxi, batata-doce, feijão, mandioca, melancia,

milho e tomate. Contudo, a agropecuária não se constitui como principal fonte do PIB

municipal, já que em 2008 esse segmento gerou R$ 4,51 milhões, ao passo que, a

indústria gerou R$ 1,58 e o setor de serviços R$ 12,06 (SEI 2011, p. 70).

Embora não seja a mais representativa financeiramente, a produção agrícola é

valorizada simbolicamente pela população. A imagem do café se faz presente na

bandeira e na letra do Hino4 ao expressar que “do solo a fertilidade farta nas zonas

rurais, com o apoio de Deus e a natureza demonstrados na beleza de viçosos cafezais,

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daí que se tratando em agricultura há lavouras permanentes e também de cereais, enfim

tens tu policultura para nós cravolandenses e para quem queria mais”.

Embora a terra seja associada, nos símbolos municipais e no imaginário social, como

fonte de riqueza, sua posse, assim como na maioria dos municípios brasileiros, é

marcada por conflitos e contradições expressos em modelo concentrado de posse e uso.

Conforme apontam os dados do Projeto GeografAR (2011), a distribuição das terras

nesse município possui uma variação no decorrer das décadas, ora desconcentrada ora

apontando forte processo de concentração. Assim, o índice de Gini que era 0,863 (1970)

melhorou cinco anos depois, passando para 0,810 (1975); já nas duas últimas décadas

do século XX o índice piora, atingindo 0,834 (1980) e 0,878 (1985), melhorando anos

depois para 0,812 (1996) e 0,800 (2006).

O Projeto de Assentamento Palestina, criado em 1998 nas terras do antigo imóvel

Palestina/Timbó/Salobro, é uma das causas do processo de melhoria nos índices do

acesso a terra, já que a área de 4.327,45hectares é ocupada por, aproximadamente, 180

famílias. O Assentamento, distante cerca de 5km da sede do município, é dividido em

duas agrovilas: uma no centro do Assentamento e outra localizada num lugarejo

próximo ao Povoado Agência, pertencente ao município de Itaquara.

As famílias que residem no Assentamento Palestina têm acesso à energia elétrica e a

água, porém esta não é tratada. Além disso, o Assentamento oferta o Ensino

Fundamental I na Escola Juracy Magalhães para as crianças, ao passo que, os

adolescentes e jovens, que necessitam cursar o Ensino Fundamental II e Médio, se

deslocam para a sede do município para estudar, respectivamente, no Colégio Municipal

de Cravolândia e no Colégio Estadual Otto Alencar.

Conclusões

O presente trabalho encontra se em fase inicial e até o presente momento realizou-se

apenas uma entrevista informal com um dos moradores do Assentamento Palestina, uma

vez que, aguarda-se os repasses dos recursos do Projeto, aprovado pelo Edital Interno nº

01/2012 do Programa de Estímulo à Pesquisa em Iniciação Científica do IF Baiano,

para a execução do Plano de ação. Concomitantemente, os bolsistas iniciaram o

levantamento e análise bibliográfica que originou o presente texto.

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Notas ___________ 1São eles: Amargosa, Brejões, Cravolândia, Elísio Medrado, Irajuba, Itaquara, Itiruçu, Jaguaquara, Jiquiriçá, Lafayete Coutinho, Laje, Lajedo do Tabocal, Maracás, Milagres, Mutuípe, Nova Itarana, Planaltino, Santa Inês, São Miguel das Matas e Ubaíra. 2Trata-se do Programa de Acesso Direto à Terra que consiste no preenchimento de um formulário de pré-cadastro a ser remetido ao INCRA, resultado de uma parceria firmada entre esse Instituto e os Correios, em novembro de 2000, e que visa conferir maior rapidez e transparência ao processo de inscrição no Programa de Reforma Agrária do governo federal. Disponível em: <http://www.correios.com.br/publicacoes/revista19/reforma.html>. Acesso em: 21 de agosto de 2011. 3Até o Censo de 1991 a população rural/urbana era proporcional, já que nessa década a população total era de 4.270, sendo 2.475 na área urbana e 2.245 na área rural; em 2000 a população aumenta um pouco passando para 5.001 com 3.000 pessoas vivendo na área urbana e 2.001 na área rural. 4Letra de José Ribeiro de Almeida; melodia de José Ribeiro de Almeida.

Referências

CAFÉ, Elenildo. Mudanças na paisagem física e social associadas à Ferrovia Estrada de ferro de Nazaré no Vale do Jiquiriçá, Bahia. Ilheús-BA: UESC, 2007. Dissertação de Mestrado em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente – linha Identidade Cultural. FERNANDES, Bernardo Mançano. Questão Agrária: Conflitualidade e Desenvolvimento Territorial, 2004. Disponível em: <http://www4.fct.unesp.br/nera/artigodomes/Desenvolvimento_territorial.pdf> Acesso em 1 de maio de 2012. FERNANDES, Bernardo Mançano. Questão agrária atual, pesquisa e MST. São Paulo: Cortez, 2001. (Coleção Questões da nossa época; v.92). FREITAS, Hingryd Inácio de. A questão (da Reforma) Agrária e a Política de Desenvolvimento Territorial Rural no Litoral Sul da Bahia. Salvador: UFBA, 2009. (Dissertação de Mestrado em Geografia). GERMANI, Guiomar Inez. Condições históricas e sociais que regulam o acesso a terra no espaço agrário brasileiro. GeoTextos, vol. 2, n. 2, 2006. 115-147 INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/>. Acesso em. 12 de junho de 2012. INEZ. Antônio Leal de Santa. As estradas da esperança. São Paulo: Clube do Livro, 1982. LINS, Robson Oliveira. A Região de Amargosa: transformações e dinâmica atual (Recuperando uma contribuição de Milton Santos). Salvador: UFBA, 2007. Dissertação de Mestrado em Geografia.

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