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DANIEL ZEMUNER BARBOSA “CRIANÇAS E O PACTO DA GRAÇA” 1. Teologia Sistemática: Deus pensa em cada pessoa antes de chamá-la à existência, dando-lhe nome, individualidade, identidade como filho de Deus e dignidade da qual ninguém deve abusar. 1 Através da Eleição, Deus chama para si a responsabilidade de decretar o sentido da vida humana. O nascimento de uma criança somente acontece devido a um propósito divino e por esse motivo, pode-se concluir que Deus permite o nascimento de uma criança pois este é o seu propósito e o início de um relacionamento do ser humano, como criação e Deus, como criador. Assim sendo, a partir deste momento passaremos a falar o que nos diz a Teologia quando se trata do mistério e da dádiva do Pacto da Graça. É importante partirmos da premissa de que a Graça estende-se até a raça humana devido a uma iniciativa exclusiva da parte de Deus. Cabe lembrar que o fato dos seres humanos existirem, já faz com que Deus se movimente no sentido de alcançá-lo por meio de sua infinita graça e misericórdia. Já que estamos falando sobre crianças, partimos do princípio, também, de que seres humanos indefesos, dependentes de um cuidado especial, como são as 1 LEITH, John H. A Tradição Reformada, pp 155-160.

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1. Teologia Sistemática:

Deus pensa em cada pessoa antes de chamá-la à existência, dando-lhe nome, individualidade, identidade como filho de Deus e dignidade da qual ninguém deve abusar.1 Através da Eleição, Deus chama para si a responsabilidade de decretar o sentido da vida humana. O nascimento de uma criança somente acontece devido a um propósito divino e por esse motivo, pode-se concluir que Deus permite o nascimento de uma criança pois este é o seu propósito e o início de um relacionamento do ser humano, como criação e Deus, como criador.

Assim sendo, a partir deste momento passaremos a falar o que nos diz a Teologia quando se trata do mistério e da dádiva do Pacto da Graça. É importante partirmos da premissa de que a Graça estende-se até a raça humana devido a uma iniciativa exclusiva da parte de Deus. Cabe lembrar que o fato dos seres humanos existirem, já faz com que Deus se movimente no sentido de alcançá-lo por meio de sua infinita graça e misericórdia. Já que estamos falando sobre crianças, partimos do princípio, também, de que seres humanos indefesos, dependentes de um cuidado especial, como são as crianças, desperta em Deus o interesse de estender seus cuidados de forma especial em seu favor.

A Reforma Protestante do século XVI está repleta de discussões a respeito deste tema. Cristãos corajosos tiveram o firme propósito de confrontar imperadores, papas, reis e câmaras municipais, motivados pela vontade de ver e ouvir o Evangelho sendo anunciado de forma coerente e inclusivista, vontade de anunciar a graça livre do Deus

1 LEITH, John H. A Tradição Reformada, pp 155-160.

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todo-poderoso, o Senhor Deus Sabaote, bem como anunciar a centralidade e salvação por meio de Cristo.

De agora em diante passaremos a verificar o que os reformadores falam a respeito da Graça e faremos a ligação com as crianças. Abordaremos também os meios de graça, ou seja, o significado e relevância dos sacramentos enquanto símbolo irrevogável do compromisso divino.

1.1 – Teologia do Pacto da Graça numa perspectiva reformada

Toda a raça humana está sujeita à maldição devido à caída da humanidade nos primórdios, bem como todas as suas implicações. Nesse sentido, toda a humanidade se tornou amaldiçoada, fazendo com que Deus tivesse o desejo de fazer, de alguma forma, com que a humanidade retornasse para o ponto de partida. Durante toda a tradição bíblica e até hoje, podemos perceber que Deus sempre vai em busca do homem para propô-lo uma forma de se reconciliar e voltar para aquele que é o criador. Essa iniciativa por parte de Deus, nada mais é senão um ato de graça e isso nos é dado gratuitamente, como o próprio nome já sugere.

Foi exatamente esse assunto que incitou toda discussão no que diz respeito à Reforma Protestante.

Se pudermos resumir todo assunto proveniente da Reforma relacionado à graça e em seguida, sem qualquer pretensão, apresentarmos em linhas gerais, chegamos a três assuntos principais: Regeneração, Justificação e Santificação. Estes três assuntos são resultado da discussão acerca da doutrina da justificação pela fé

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somente. Neste caso, podemos afirmar que este é o local principal do nascimento do protestantismo.

Pelo que nos parece, a Reforma Protestante tenta trazer ao homem uma forma mais nítida de chegar-se até Deus. Precedendo a Reforma, a história relata momentos de ansiedade, busca e até mesmo aperfeiçoamento espiritual. Alguns movimentos religiosos populares como os lollardos na Inglaterra, os hussitas na Boêmia, os valdenses e franciscanos espirituais na Itália e na França, testificam uma firme e arraigada espiritualidade. Os profundos sentimentos religiosos estavam em desenvolvimento até a época da Reforma, inclusive no período da baixa Idade Média, onde a Teologia experimenta uma certa estagnação vinda posteriormente ao século XIII, chegando até os movimentos reformadores do século XVI.

Os teólogos reformadores tiveram um árduo e penoso trabalho. A teologia experimentava constantes mudanças de forma que, para que eles, os teólogos reformadores, expressassem suas idéias, tiveram que praticamente elaborar todos os seus pensamentos e publicá-los das mais variadas formas na tentativa de influenciar tantos quantos possíveis.

A partir deste momento tentaremos relacionar crianças e o pacto da graça, que é o tema proposto, a partir das discussões relacionadas à graça e sistematizadas pelos reformadores.

1.2 – Justificação pela Fé

Para Martinho Lutero, a discussão em torno da doutrina da justificação pela fé, não era simplesmente uma discussão acerca de uma

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doutrina entre outras, mas sim, uma verdadeira síntese de toda a caminhada e doutrina cristã. Quando descobriu que a justiça de Deus (iustitia Dei), não era exatamente aquilo que a igreja ensinava, deu início a uma busca infindável por respostas se tratando da justiça de Deus. Lutero passou a entender depois de muita luta, que absolutamente nada que se pudesse fazer poderia mudar o conceito de Deus sobre o ser humano. Concluiu que a justiça de Deus independe totalmente de qualquer sacrifício que o homem possa fazer. A punição de Deus aos pecadores parecia ser totalmente injusta. Timothy George em seu livro Teologia dos Reformadores, cita um artigo escrito por Lutero em meados de 1519:

“Eu não amava, na verdade odiava, aquele Deus que punia os pecadores; e, com um murmurar monstruoso, silencioso, se não blasfemo, enfureci-me contra Deus...comecei a entender que a justiça de Deus significava aquela justiça pela qual o homem justo vive mediante o Dom de Deus, isto é, pela fé...”2

Foi a partir desta reflexão que explodiu a controvérsia das Indulgências cobrada pela igreja católica como pagamento dos pecados cometidos pelos fiéis.

Bem, se a justificação é dom de Deus e não necessita de qualquer esforço humano, então é um ato de pura graça e misericórdia por parte de Deus. Independe da condição do homem, pois aceitar e crer nesta condição trata-se de um ato de fé (sola fide). Essa graça estende-se a todas as pessoas, isto é, a justiça de Deus alcança todas as pessoas sem exceção. Como estamos fazendo uma reflexão quanto a participação das crianças neste pacto de Deus, podemos concluir que as crianças se enquadram totalmente neste plano, de forma que a justiça de Deus contempla e alcança também os pequeninos. Isso quer dizer que as crianças, por se tratarem de frutos da criação de Deus, num ato

2 GEORGE, Timothy. Teologia dos Reformadores, pp 64.

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de amor e de misericórdia, Deus estende sobre elas sua justiça. Isso é graça.

1.3 – A Predestinação

Marca da teologia reformada e precursora de muitas controvérsias, é a Doutrina da Eleição, ou Predestinação. Normalmente os cristãos reformados são universalmente relacionados com a predestinação. Sendo assim, este tema tem sido característica principal da teologia reformada.

Mas o que vem a ser Eleição ou Predestinação? Quais as implicações na vida cristã?

Pode-se dizer que João Calvino, foi quem sistematizou este tema. Tratou deste assunto nas Institutas Volume III, onde o assunto principal é a graça. Este volume das Institutas em especial trata daqueles três assuntos principais a que temos referido, Regeneração, Justificação e Santificação.

Na ocasião, século XVI, Calvino foi alvo de inúmeras críticas e em determinados momentos foi simplesmente ridicularizado por defender tal doutrina. Pelo que há registrado, o termo predestinação foi utilizado pela primeira vez por Calvino somente nas Institutas de 1539. O cerne do assunto, não é nem um pouco original. O que de original tem nessa doutrina é o esquema teológico que Calvino adota. A idéia central da predestinação já fora defendido por Lutero e até mesmo por Ulrich Zuínglio, sobretudo quando fala sobre o Vínculo da Aliança por intermédio dos sacramentos, principalmente quando trata do batismo, assunto esse que abordaremos mais para frente. Seus ensinamentos

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sobre esse assunto nos permite concluir que, sempre que possível, recorria a seu pai favorito, Agostinho. A influência da tradição agostiniana na teologia de Calvino é nítida.

Baseado nos comentários de Timothy George, podemos resumir a doutrina da Predestinação em três palavras: absoluta, particular e dupla. Absoluta porque está baseada na vontade imutável de Deus. Particular, porque pertence a indivíduos e não a grupos de pessoas. E por fim, dupla. Isto é, Deus, para o louvor de sua misericórdia, ordenou alguns indivíduos para a vida eterna, e, para o louvor de sua justiça, enviou outros para a condenação eterna.3

O que Calvino diz é que predestinação significa que a vida humana está enraizada na vontade, na intenção e na justiça de Deus. O ensinamento bíblico sobre eleição nos dá margem para concluir que os que crêem em Cristo foram para isso eleitos ou predestinados no Plano eterno de Deus. A eleição tratada pela Bíblia fala sobre salvação e não sobre perdição. Assim, aqueles que entendem o plano de resgate e misericórdia de Deus, são eleitos para a salvação e aqueles que rejeitam tal verdade já estão condenados devido à condição a que está determinado o ser humano e não necessariamente por um decreto de Deus. “A eleição, porém, para a perdição não é ensino bíblico, é idéia oriunda da razão, da lógica, mas não da Palavra de Deus.”4

Neste caso, mais uma vez salientamos que essa iniciativa é um ato exclusivamente divino. Trata-se de graça (Sola gratia). Esse é o pacto da graça com o qual Deus estabelece uma aliança com todos e todas, inclusive com as crianças. Cabe aqui uma reflexão e um questionamento um tanto quanto polêmicos. Se o ser humano já está amaldiçoado por natureza, pode-se dizer então que se ele não voltar-se para Deus estará predestinado à perdição. Logo, se as crianças, devido à 3 GEORGE, Timothy. Teologia dos Reformadores pp 232.4 TEIXEIRA, Alfredo B. Dogmática Evangélica, pp 227.

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sua incapacidade de decisão racional, não reconhecer este propósito estará predestinada à perdição devido à sua natureza pecaminosa? O que podemos concluir é que, a justiça de Deus mediante a graça, está acima de tudo isso. Justamente pelo fato da criança ser indefesa, sem capacidade racional de decisões maduras, sem maldade em suas atitudes, é que a graça de Deus fica à sua disposição. A justiça irrevogável de Deus, por um ato de amor e misericórdia, mediante a graça, dispõe à criança salvação.

1.4 – Teologia do Pacto numa perspectiva contemporânea

Karl Barth em seu livro Churh Dogmatics, afirma que o pacto único da graça de Deus em Jesus Cristo é o tema básico e unificador da Sagrada Escritura. O pacto é a pressuposição da divina obra da reconciliação do mundo em Jesus Cristo e a reconciliação é o cumprimento do pacto.5 Em Cristo a reconciliação de Deus com o mundo é evidente. O antigo pacto que Deus firmou com Israel não perde seu valor com o pacto que Deus estabelece com a igreja do Novo Testamento, pelo contrário, Deus promete: “Eu me lembrarei de minha aliança, feita contigo nos dias da tua mocidade e estabelecerei contigo uma aliança eterna... e saberás que eu sou o Senhor... quando eu te perdoar de tudo quanto fizeste”. (Ex. 16). No NT não existe nenhum indício de que Deus tenha revogado esta aliança com Israel por causa dos pecados. De fato as crianças não são mencionadas de forma direta na aliança que Deus firma com seu povo6, mas através da Eleição, pode-se concluir que as crianças também podem usufruir do pacto da Graça que garante a Salvação por intermédio de Cristo.

5 MCKIM, Donald K. Grandes Temas da Tradição Reformada, pp. 91-98.6 Subentende-se que as crianças estão incluídas no pacto da Aliança, como por exemplo no Pacto do Sinai.

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Charles Hodge, pelo que nos parece, tem a mesma opinião de Barth. Hodge afirma que o Pacto da Graça se estende à todas as dispensações, ou seja, entende-se que o plano da salvação tem sido o mesmo sob todas as dispensações: a patriarcal, a mosaica e a cristã. Hodge cita, também, que o Pacto da Graça encontra seu clímax em Jesus Cristo. Ele afirma que “a salvação é oferecida a todos os homens sob a condição de fé em Cristo”.7

O que de novo encontramos em Hodge, é a relação que ele faz entre o Pacto da Redenção e o Pacto da Graça. O segundo encontra fundamentação no primeiro, já que Pacto da Redenção é um pacto de salvação entre o Pai e o Filho, e isso está além da nossa compreensão. Mas é justamente por conseqüência deste pacto que encontramos fundamentação para o Pacto da Graça, esse como sendo o pacto da salvação entre Deus e a humanidade. Sendo assim, o mediador deste pacto é Cristo, e a condição para esse pacto é a fé nele.

Neste ponto, René Latourelle tem basicamente a mesma definição que Hodge, onde diz “quando o homem se abre ao Cristo pela fé, torna-se membro do Corpo místico do qual o Cristo é o Chefe e, pelo Cristo, chega ao Pai.”8

Ao tratar deste assunto em Dogmática Evangélica, Alfredo Borges Teixeira subdivide a graça em três definições: 1) Graças iniciais – Regeneração; 2) Graças objetivas – Justificação; e, 3) Graças subjetivas – Santificação.9

Aqui, Teixeira defende que o homem experimenta a salvação ao nascer de novo em Cristo. Como cristo andou em retidão, sua justiça vicária imputa ao crente a justificação dos pecados, ou seja, Cristo advoga em favor da humanidade e, por fim, a santificação, que é 7 HODGE, Charles. Teologia Sistemática, pp. 753.8 LATOURELLE, René. Teologia – Ciência da salvação, pp. 293.9 TEIXEIRA, Alfredo B. Dogmática Evangélica, pp. 233-252.

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a obra do Espírito Santo mantendo e desenvolvendo a vida do novo ente que gerou na regeneração. Não se trata necessariamente de uma busca constante, mas sim, da união com Cristo pelo ato da regeneração. (Teixeira, 1958, pp 233s)

Schillebeeckx, ao falar sobre a boa providência de Deus, diz

“É Deus quem fala primeiro. A Revelação é, com efeito, o gesto absolutamente livre pelo qual Deus, de algum modo, sai de si mesmo e vem ao nosso encontro para nos oferecer seu amor, isto é, a ‘comunidade de vida com ele’. Por esta atitude pessoal de amor em face de Deus, nós nos achamos na graça que nos santifica.”10

Por intermédio de Cristo, o homem encontra em Deus a salvação, e como temos visto, trata-se de uma iniciativa divina.

Logo, todos os seres humanos têm o privilégio de encontrar justiça da parte de Deus por intermédio da graça que está disposta. Consequentemente, os filhos dos homens, ou seja, as crianças, experimentam o poder regenerador do amor de Deus, são justificadas e recebem a salvação por intermédio deste Pacto da Graça. Encontramos nos teólogos, embasamento suficiente para podermos concluir, que Deus, na sua infinita sabedoria, numa iniciativa própria, sai de si mesmo e num ato de amor proporciona salvação para todas as crianças, seres inocentes, por intermédio de Cristo, que sempre anunciou que das tais é o Reino dos céus.

Desta forma, podemos concluir que as crianças estão inclusas neste pacto. Numa perspectiva bíblica, as crianças, enquanto filhos, são herdeiras da promessa: “Eu serei teu Deus e de tua descendência. Eu circundarei teu coração e o coração de tua descendência” (Dt 30,6). Portanto, num primeiro momento pode-se

10 SCHILLEBEECKX, Edward. Deus e o Homem, pp 261.

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concluir que a salvação dos filhos está vinculada com a salvação dos pais, mas como temos defendido, a justiça de Deus, que é superior a qualquer coisa, pode, devido à sua soberania, determinar a salvação de qualquer pessoa, mediante a sua graça.

1.6 – Os meios de Graça

Chamam-se meios de graça os recursos de que o homem pode se utilizar para pôr-se em contato com Deus e obter as suas graças ou bençãos. Esses meios, todos fornecidos pelo próprio Deus, são: a Palavra, os Sacramentos e a Oração.11

Não pretendemos tratar sobre Palavra de Deus, nem tampouco sobre a Oração. A ênfase que queremos dar nesta fase, é a relação dos Sacramentos com o Pacto da Graça.

1.6.1 – O Batismo

Por definição, podemos afirmar que os sacramentos são sinais e selo da remissão dos pecados e estabelecimento do pacto da graça.

Se fôssemos tratar deste assunto de forma aprofundada, certamente teríamos um trabalho extremamente trabalhoso, dada a importância e complexidade deste assunto. No entanto queremos apenas destacar o batismo de crianças e suas implicações. A forma de

11 TEIXEIRA, Alfredo B. Dogmática Evangélica, pp 277.

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batismo também não será relevante para a discussão que queremos levantar a partir de agora.

Ao analisarmos a teologia de Ulrich Zuínglio, percebemos que, ao se tratar do batismo de adultos, ele se referia de forma direta às prática do Novo Testamento. No entanto, quando se trata do batismo infantil, a relação que ele faz é por meio do pacto da aliança, podendo assim, assegurar a objetividade do batismo infantil. Para Lutero, a confirmação do batismo para a criança, se dá por meio da boca de quem batiza, e, desta forma, a criança torna-se crente, até porque encontra-se insuficientemente capaz de decidir de forma racional, e por meio do batismo, então, a criança encontra a fé.

Sutilmente, Zuínglio descorda de Lutero nesta questão. “O batismo não pode confirmar a fé nos bebês, porque eles não estão capacitados a crer” (George, 1993, pp 142). De fato, Zuínglio reconhece a fé dos pais da criança, mas a coloca de forma secundária, de forma que para ele, o fator mais importante é a fé da igreja toda como corpo de Cristo. O que recebe o batismo testifica que ele pertence à igreja de Deus, que adora seu Senhor em firmeza de fé e pureza de vida. Podemos, assim, concluir que para Zuínglio o batismo era um fato essencialmente eclesial e que só ganha seu devido valor se reconhecido e ministrado no corpo de Cristo.

Em Calvino encontramos que o batismo é um sinal e selo de nossa purificação e da remissão dos pecados. Ele posiciona-se contra os grupos da Reforma radical que rejeitavam o batismo infantil e ainda remete ao Antigo Testamento relacionando-o com a Antiga Aliança, onde os meninos eram circuncidados, e, que desta forma, o batismo pertence às crianças no Pacto da Graça. (Klein, 2000, pp 29).

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Pierre Ch. Marcel vai mais adiante e afirma que o Batismo é o sacramento exclusivo do Pacto da Graça. De fato, a teologia bíblica não nos dá embasamento claro no que se refere à prática de batismo infantil, pelo contrário, silencia o assunto. De fato, não encontramos qualquer tipo de mandamento para esta prática, mas o contrário também pode ser aplicado. Ou seja, se não há mandamento para batizar, também não há mandamento para não batizar.

O que Marcel nos diz é que o batismo infantil deve ser feito a partir do batismo adulto. O primeiro está vinculado ao segundo.

Gustaf Aulén defende que:

“O batismo é o ato da graça preveniente de Deus mediante o qual o ser humano é admitido à comunhão do corpo de Cristo, a Igreja... A validade do batismo de crianças fundamenta-se no fato de que a graça de Deus é graça preveniente. O batismo de crianças impõe à Igreja obrigação e responsabilidade em relação às crianças batizadas.”12

Aulén confirma este pensamento sobre a confirmação e acesso à graça de Deus por meio do batismo. Desta forma, encontramos embasamento para confirmar a inclusão das crianças no Pacto da Graça. A justiça soberana e inquestionável de Deus encontra as crianças através de seu infinito amor, mediante a graça, e a confirmação e selo desta aliança, se dá por intermédio do batismo infantil, selando de vez o Pacto da Graça com as crianças.

1.6.2 – A Santa Ceia

Como meio de graça, a eficácia da Ceia do Senhor, põe as olhos do comungante as conseqüências terríveis do pecado bem como o meio de evitá-las, oferecido no evangelho.13

12 AULÉN, Gustaf. A Fé Cristã, pp 323.13 A. B. Teixeira, op. cit., pp 291.

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A Eucaristia, ou Santa Ceia, é o ato de Cristo que permite uma comunhão constante dos discípulos de todos os tempos com ele mesmo.

No que diz respeito ao vínculo desta prática com as crianças, encontramos material escasso. Isso nos mostra que a participação das crianças na Eucaristia é assunto de controvérsias e os teólogos não se arriscam em defender essa ou aquela tese.

Se os sacramentos são os meios de graça pelos quais Cristo se relaciona com a Igreja, assim como as crianças são batizadas, estas deveriam também participar da comunhão proporcionada pela mesa do Senhor. Portanto, quem é batizado tem o direito de participar na festa do Reino, cujo anfitrião é Cristo. Quando as crianças queriam se aproximar do mestre, os discípulos colocaram obstáculos. São apenas duas as passagens bíblicas de Cristo com as crianças, entretanto, seu valor é incontestável, já que a condição para participar do Reino dos céus, é se tornando criança.

Sendo assim, concluímos esta etapa de nosso trabalho, mais uma vez confirmando o valor das crianças no Reino de Deus. É por isso que o Pacto da Graça é estendido aos pequeninos, de forma que a salvação e a comunhão com Cristo, em hipótese alguma lhes serão negadas.

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