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Estudo da aplicabilidade de sistemas construtivos no desempenho da sustentabilidade na Engenharia Civil Sara da Cunha de Morais Neves Dissertação para obtenção do Grau de Mestre em Engenharia Civil Júri Presidente: Prof. Doutor Augusto Martins Gomes Orientador: Prof. Doutor Pedro Gameiro Henriques Vogal: Prof. Doutor Manuel Correia Guedes Outubro de 2011

Estudo da aplicabilidade de sistemas construtivos no ... · sua sustentabilidade ao longo do ciclo de vida de um edifício, através da nomeação dos atributos dos sistemas nas diversas

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Estudo da aplicabilidade de sistemas construtivos no

desempenho da sustentabilidade na Engenharia Civil

Sara da Cunha de Morais Neves

Dissertação para obtenção do Grau de Mestre em

Engenharia Civil

Júri

Presidente: Prof. Doutor Augusto Martins Gomes

Orientador: Prof. Doutor Pedro Gameiro Henriques

Vogal: Prof. Doutor Manuel Correia Guedes

Outubro de 2011

i

ii

AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar, as minhas palavras de agradecimento terão de ir para a minha família, pai,

mãe e irmã, pelo profundo carinho, paciência e apoio que me transmitiram ao longo de todo o

meu percurso académico e, em especial, durante a realização deste trabalho.

Aos meus queridos avós, Zé e Lourdes, não poderei, de igual forma, deixar de exprimir a minha

gratidão e apreço pelo amor e apoio incondicionais, assim como pelo legado que me deixaram,

os valores, o interesse pelo saber e os métodos de estudo que me incutiram desde criança, os

quais foram fundamentais em toda a minha vida académica. Neles penso todos os dias e a

eles dedico esta dissertação.

Agradeço aos meus queridos amigos e colegas de curso, Nuno Teodoro e Álvaro Pereira, pela

amizade, apoio e por acreditarem sempre em mim, dando-me força para levar este trabalho a

“bom porto”.

Aos meus amigos, Filipa, Carlos e Pedro, pela amizade e ajuda que me deram na realização

desta dissertação.

Ao Departamento de Engenharia Civil e Arquitectura do Instituto Superior Técnico, em especial

ao Professor Doutor Pedro Gameiro Henriques, pelo apoio e incentivo na realização do artigo e

do poster intitulados “O contributo de sistemas construtivos no desempenho da

sustentabilidade na construção”, apresentados na Conferência Nacional iiSBE 2011:

“Sustentabilidade na Reabilitação Urbana – o novo paradigma do mercado da construção”, os

quais tiveram como base esta dissertação.

Ao Professor Doutor Pedro Gameiro Henriques, orientador da dissertação, agradeço o apoio, a

disponibilidade e a partilha de conhecimentos. Acima de tudo, obrigada por me continuar a

acompanhar nesta jornada e por estimular o meu interesse pelo conhecimento e pela vida

académica.

A todos, que de forma directa ou indirecta, contribuíram para a concretização desta

dissertação, o meu profundo e sentido agradecimento.

iii

RESUMO

O sector da construção está associado a importantes impactes ambientais, sendo grande

consumidor de matérias-primas e energia, e gerando muita poluição. Assim, é indispensável

rumar em direcção à construção sustentável.

Sendo a selecção dos materiais de construção um factor importante para a sustentabilidade,

actualmente parecem contudo privilegiar-se aspectos, como a rapidez de construção e a

redução de custos, em detrimento de uma escolha criteriosa dos materiais, através de análises

de ciclo de vida, já que todas as fases introduzem impactes ambientais, sociais e/ou

económicos.

Tanto o aço como a terra crua são materiais de construção com inegáveis vantagens

ambientais.

No presente documento foca-se especialmente o sector dos edifícios de habitação, visto ser

este um dos sectores que produz maior impacte sobre o ambiente, sociedade e economia,

além de ter um elevado peso na indústria da construção nacional.

Tendo em conta a escolha adequada dos materiais de construção, neste estudo reúnem-se

alguns exemplos de sistemas construtivos mais sustentáveis em alternativa ao sistema

tradicional, descrevendo-se os sistemas construtivos em estrutura de aço leve - Light Steel

Framing – e os sistemas construtivos em terra. Para ambos os casos realiza-se uma análise da

sua sustentabilidade ao longo do ciclo de vida de um edifício, através da nomeação dos

atributos dos sistemas nas diversas fases – concepção, construção, operação e fim-de-vida - e

a sua contribuição para a “cultura sustentável”. Por fim, enunciam-se os factores limitadores,

associados aos sistemas construtivos em estudo, que podem influenciar e condicionar a

implementação destes sistemas no sector da construção nacional.

Palavras-chave: sustentabilidade, construção, materiais, terra, aço, leve.

iv

ABSTRACT

The construction sector is associated with significant environmental impacts, being a major

consumer of raw materials and energy, and generating a lot of pollution. Therefore, it is

essential to move towards a more sustainable construction.

The selection of building materials is a relevant factor in sustainability, nevertheless seems to

be more important to focus on aspects such as speed of construction and cost reduction, rather

than a careful choice of materials, through life cycle assessment, as that all stages introduce

environmental, social or economic impacts.

As building materials, both steel and soil, have undeniable environmental advantages.

This document focuses especially on the residential building sector, since this is a sector that

produces great impact on the environment, society and economy, as well as having a high

weight in the construction industry nationwide.

Given the appropriate choice of building materials, in this study are gathered a few examples of

construction systems more sustainable as an alternative to the traditional system, describing the

construction systems in Light Steel Framing and the earth construction systems. In both cases

is carried out an analysis of its sustainability over the lifecycle of a building, listing the attributes

of the systems allocated to the different phases - design, construction, operation and end-of-life

- and its contribution to the "sustainable culture". Finally, the limiting factors associated to the

construction systems under study are described, factors which can influence and constrain the

implementation of these systems in the construction industry nationwide.

Keywords: sustainability, construction, materials, earth, steel, light

v

ÍNDICE

Introdução ..................................................................................................................................... 1

Enquadramento do tema ......................................................................................................................... 1

Objectivos da dissertação ........................................................................................................................ 2

Estrutura e organização do trabalho ........................................................................................................ 3

1 Desenvolvimento sustentável ............................................................................................... 4

1.1 Enquadramento ambiental ........................................................................................................... 4

1.2 Evolução histórica do conceito de desenvolvimento sustentável ................................................ 6

1.3 As dimensões do desenvolvimento sustentável ........................................................................... 7

2 Construção sustentável ......................................................................................................... 9

2.1 Definição de construção sustentável ............................................................................................ 9

2.2 Novo paradigma da construção sustentável .............................................................................. 14

2.3 Impactes ambientais dos edifícios .............................................................................................. 16

2.4 Caminhar para a construção sustentável ................................................................................... 18

3 Sustentabilidade dos materiais de construção ................................................................... 20

3.1 Enquadramento .......................................................................................................................... 20

3.2 Toxicidade dos materiais ............................................................................................................ 22

3.3 Energia incorporada nos materiais ............................................................................................. 26

3.4 Potencial de reciclagem e reutilização ....................................................................................... 30

3.5 Materiais obtidos a partir de resíduos ....................................................................................... 31

3.6 Materiais obtidos a partir de fontes renováveis ........................................................................ 34

3.7 Materiais duráveis ...................................................................................................................... 34

3.8 Análise de ciclo de vida ............................................................................................................... 35

4 Sistemas construtivos .......................................................................................................... 38

4.1 Introdução .................................................................................................................................. 38

4.2 Sistemas construtivos em terra .................................................................................................. 39

4.2.1 Enquadramento histórico ..................................................................................................... 39

4.2.2 O material ............................................................................................................................. 43

4.2.3 Principais técnicas construtivas utilizadas ............................................................................ 44

4.2.3.1 Taipa ............................................................................................................................ 45

4.2.3.2 Adobe ........................................................................................................................... 49

4.2.3.3 BTC ............................................................................................................................... 51

4.2.4 Sustentabilidade da construção em terra ............................................................................ 54

vi

4.2.4.1 Sustentabilidade na fase de concepção ....................................................................... 54

4.2.4.2 Sustentabilidade na fase de construção ...................................................................... 54

4.2.4.3 Sustentabilidade na fase de operação ......................................................................... 55

4.2.4.4 Sustentabilidade na fase de fim-de-vida...................................................................... 56

4.2.5 Factores limitadores ............................................................................................................. 56

4.3 Sistemas construtivos em estruturas de aço leve – Light Steel Framing .................................... 58

4.3.1 Enquadramento .................................................................................................................... 58

4.3.2 Constituição .......................................................................................................................... 59

4.3.2.1 Estrutura ...................................................................................................................... 59

4.3.2.2 Paredes exteriores ....................................................................................................... 60

4.3.2.3 Paredes interiores ........................................................................................................ 62

4.3.2.4 Lajes de piso ................................................................................................................. 62

4.3.2.5 Cobertura ..................................................................................................................... 63

4.3.3 Processo construtivo LSF ...................................................................................................... 64

4.3.3.1 Fundações .................................................................................................................... 64

4.3.3.2 Estrutura ...................................................................................................................... 64

4.3.3.3 Abertura de vãos .......................................................................................................... 66

4.3.3.4 Revestimento estrutural .............................................................................................. 67

4.3.3.5 Revestimento exterior ................................................................................................. 68

4.3.3.6 Revestimento interior .................................................................................................. 69

4.3.4 Sustentabilidade das estruturas metálicas ........................................................................... 69

4.3.4.1 Sustentabilidade na fase de concepção ....................................................................... 70

4.3.4.2 Sustentabilidade na fase de construção ...................................................................... 71

4.3.4.3 Sustentabilidade na fase de operação ......................................................................... 72

4.3.4.4 Sustentabilidade na fase de fim-de-vida...................................................................... 74

4.3.5 Factores limitadores ............................................................................................................. 75

5 Considerações finais ............................................................................................................ 76

5.1 Conclusões .................................................................................................................................. 76

5.2 Perspectivas futuras ................................................................................................................... 78

6 Referências bibliográficas ................................................................................................... 81

vii

ÍNDICE DE FIGURAS

Figura 2.1 - Pegada ecológica e biocapacidade por região, 2003 ................................................................. 5

Figura 2.2 - Objectivos da sustentabilidade na sua tripla dimensão ............................................................ 7

Figura 3.1 – Abordagem integrada e sustentável às fases do ciclo de vida das construções ..................... 11

Figura 3.2 - Factores de competitividade na construção tradicional ......................................................... 14

Figura 3.3 - Construção eco-eficiente ......................................................................................................... 15

Figura 3.4 - Construção sustentável ........................................................................................................... 15

Figura 3.5 - Ciclo de vida das construções .................................................................................................. 16

Figura 4.1 - Evolução da produção de betão a nível mundial..................................................................... 32

Figura 4.2 - Tipologia dos resíduos industriais ........................................................................................... 33

Figura 4.3 – Destacamento da camada de recobrimento em viga de betão devido à formação de

produtos de corrosão ................................................................................................................................. 35

Figura 5.1 - Troço da Grande Muralha da China construído em taipa ....................................................... 40

Figura 5.2 - Palácio de Potala (Lhasa, Tibete) ............................................................................................. 40

Figura 5.3 - Edificações em terra (Taos, Novo México) .............................................................................. 41

Figura 5.4 - Construções em terra na cidade de Shibam, Iémen ................................................................ 41

Figura 5.5 - Distribuição geográfica das construções tradicionais Portuguesas em terra: a) Taipa; b)

Adobe; c) Tabique....................................................................................................................................... 42

Figura 5.6 – Mapa-mundo – Zonas com elevada densidade de construção em terra ............................... 43

Figura 5.7 - Paredes de terra sobre engradado de madeira (tabique) ....................................................... 45

Figura 5.8 - Construção de paredes em taipa ............................................................................................. 46

Figura 5.9 - Taipal tradicional ..................................................................................................................... 47

Figura 5.10 – Diferentes tipos de pilões ou maços utilizados na taipa tradicional .................................... 47

Figura 5.11 - Construção em taipa com cofragens metálicas, Austrália ..................................................... 48

Figura 5.12 - Compactação de terra por meios mecânicos (compressor pneumático) .............................. 49

Figura 5.13 - Produção manual de adobes ................................................................................................. 50

Figura 5.14 - Produção mecânica de adobes .............................................................................................. 50

Figura 5.15 - Execução de BTC com a prensa CINVA-Ram: a) Enchimento da câmara com terra; b)

confinamento da mistura; c) elevação do BTC; d) retirada do BTC ............................................................ 52

Figura 5.16 - Prensa hidráulica para fabrico de BTC: a) Fixa; b) Móvel ...................................................... 53

Figura 5.17 - Perfis "C" utilizados na estrutura de sistemas construtivos LSF ............................................ 59

Figura 5.18 - Parafuso auto-perfurante e auto-roscante utilizado no sistema LSF .................................... 60

Figura 5.19 - Representação esquemática de uma possível solução construtiva para as paredes

exteriores no sistema LSF ........................................................................................................................... 60

Figura 5.20 – ETICS - Sistema de Revestimento e Isolamento Térmico pelo Exterior ................................ 61

viii

Figura 5.21 - Representação esquemática da solução construtiva das paredes interiores dos sistemas

LSF: 1 – painel de gesso cartonado; 2 – lã de rocha; 3 – estrutura da parede ........................................... 62

Figura 5.22 - Representação esquemática de laje do sistema LSF. a) com revestimento estrutural em

painéis OSB; b) com revestimento estrutural em chapas de cofragem colaborante ................................. 63

Figura 5.23 - Aspecto dos trabalhos de fundação ...................................................................................... 64

Figura 5.24 - Assemblagem dos elementos construtivos ........................................................................... 65

Figura 5.25 - Exemplo de ancoragem entre estrutura metálica e fundação em betão armado ................ 65

Figura 5.26 - Sequência de montagem da estrutura da cobertura LSF: a) Montagem da asna, na

horizontal; b) Colocação das asnas em obra .............................................................................................. 66

Figura 5.27 - Aspecto final de uma estrutura em LSF ................................................................................. 66

Figura 5.28 - Abertura estrutural de vão de janela em superfície de parede exterior ............................... 67

Figura 5.29 - Aspecto visual de uma construção LSF em fase de aplicação de revestimento estrutural

(painéis OSB) .............................................................................................................................................. 68

Figura 5.30 - Exemplo de aspecto final de um edifício construído com o sistema LSF .............................. 68

ix

ÍNDICE DE QUADROS

Quadro 3.1 - Aspectos relevantes da construção sustentável ................................................................... 12

Quadro 4.1 - Número estatístico de anos esperado até à exaustão das fontes de matéria-prima

associadas a alguns dos materiais de construção mais utilizados .............................................................. 20

Quadro 4.2 - Quantidade de matérias-primas geradas durante o processo extractivo ............................. 21

Quadro 4.3 - Agentes com poder cancerígeno presentes em tintas .......................................................... 24

Quadro 4.4 - Energia necessária ao fabrico de alguns materiais de construção ........................................ 26

Quadro 4.5 - Energia consumida em transporte ........................................................................................ 27

Quadro 4.6 - Energia incorporada em materiais de construção ................................................................ 27

Quadro 4.7 - Produção e reaproveitamento de alguns resíduos na Europa .............................................. 33

Quadro 4.8 - Ferramentas para ACV de materiais e produtos ................................................................... 36

Quadro 5.1 - Resumo dos atributos da construção em aço como construção sustentável ....................... 69

Quadro 5.2 - Atributos sustentáveis da construção em LSF na fase de concepção ................................... 71

Quadro 5.3 - Atributos sustentáveis da construção em LSF na fase de construção ................................... 72

Quadro 5.4 - Atributos sustentáveis da construção em LSF na fase de operação ..................................... 73

Quadro 5.5 - Atributos sustentáveis da construção em LSF em fim-de-vida ............................................. 74

x

LISTA DE ABREVIAÇÕES

ACV Análise de ciclo de vida

BEES Building for Environmental and Economic Sustainability

BREEAM Building Research Establishment Assessment Method

BTC Bloco de Terra Comprimido

CAD Computer Aided Design (Desenho Assistido por Computador)

CCA Cobre, Crómio e Arsénio

CFC Clorofluocarbonetos

CIB Conseil International du Bâtiment pour la Recherche l’Etude et la Documentation

(Conselho Internacional de Investigação e Inovação em Edifícios e Construção)

CNUAD Conferência das Nações Unidas sobre Ambiente e Desenvolvimento

CO2 Dióxido de Carbono

COV Composto Orgânico Volátil

DGEG Direcção Geral de Energia e Geologia

ENDS Estratégia Nacional para o Desenvolvimento Sustentável

EPS Expanded Polystyrene (Poliestireno Expandido)

ETAR Estação de Tratamento de Águas e Resíduos

ETICS External Thermal Insulation Composite Systems (Sistemas Compósitos de

Isolamento Térmico pelo Exterior)

GBTool Green Building

GEE Gases responsáveis pelo Efeito de Estufa

HCFC Hidroclorofluocarbonetos

HQE Haute Qualite Environnementale dês Batiments

IPCC Intergovernamental Panel on Climate Change (Painel Intergovernamental sobre

Mudanças Climáticas)

ISO International Organization for Standardization (Organização Internacional de

Normalização)

LCA Life Cycle Assessment (Análise de Ciclo de Vida)

LEED Leadership in Energy & Environmental Design

LGSF Light Gauge Steel Framing

LSF Light Steel Framing

MDF Medium Density Fiberboard (Placa de Fibras de madeira de Média Densidade)

MSDS Material Safety Data Sheet (Ficha de Segurança de Material)

NABERS National Australian Buildings Environmental Rating System

ONU Organização das Nações Unidas

OSB Oriented Strand Board (Painel de Fibras de madeira Orientadas)

PVC Polyvinyl Chloride (Policloreto de Vinilo)

xi

RCD Resíduos de Construção e Demolição

RGCE Regulamento de Gestão do Consumo de Energia

RPE Revestimento Plástico Espesso

RSU Resíduos Sólidos Urbanos

UE25 União Europeia (25 estados membros)

UNESCO United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization (Organização das

Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura)

UNFPA United Nations Population Fund (Fundo da População das Nações Unidas)

1

INTRODUÇÃO

Enquadramento do tema

Desde sempre, o Homem tem modificado o seu meio para o adaptar às suas necessidades.

Para tal, tem feito uso de todo o tipo de materiais naturais que, com o passar do tempo e o

desenvolvimento da tecnologia, se foram transformando em diferentes produtos, mediante

processos de fabrico de crescente sofisticação. Os primeiros materiais utilizados pelo Homem

foram a pedra, a madeira e o barro.

A construção é uma actividade que sempre esteve presente na evolução do Homem, visto que

este sempre procurou protecção da agressividade do meio envolvente (condições climatéricas,

animais, etc.), com vista à sua sobrevivência.

No entanto, à medida que as exigências de melhores condições de vida foram aumentando,

passando a dar-se uma maior ênfase ao conforto em detrimento da sobrevivência, mais

complexos se foram tornando os processos de transformação das matérias-primas, gerando,

por sua vez, maiores consumos de energia e de recursos naturais.

A expansão da presença humana fez aumentar o nível de emissões de dióxido de carbono

para valores muito elevados, através da destruição de florestas, queima de lenha, e

posteriormente a queima de carvão e de petróleo para obtenção de energia.

Segundo um relatório recentemente realizado pela UNFPA (United Nations Population Fund),

em 2007 as emissões de dióxido de carbono a nível global aumentaram 3,2%

comparativamente ao ano anterior, o que representa um aumento de 35% em comparação com

o nível de emissões em 1990. Tal crescimento é insustentável e aumenta ainda mais o risco de

efeitos profundos e adversos sobre o sistema climático global. Assim, o fortalecimento da

acção internacional sobre as alterações climáticas continua a ser pertinente e urgente. [1]

No mesmo relatório, refere-se ainda que a taxa de desflorestação a nível mundial diminuiu,

contudo ainda se encontra a um nível alarmante. Durante a última década, cerca de 13 milhões

de hectares de floresta em todo o mundo foram convertidos para outros usos ou perdidos por

causas naturais a cada ano. [1]

As emissões de gases, os processos industriais, a produção de resíduos e o uso de pesticidas

e fertilizantes, estes últimos resultantes da intensificação da agricultura para fazer face ao

contínuo aumento da população mundial, são exemplos de acções humanas potenciadoras da

poluição ambiental.

Todas estas questões contribuem para o problema das alterações climáticas, contaminação da

água, poluição do ar e riscos químicos, pondo em causa a conservação da biodiversidade e a

saúde humana, assim como, a manutenção dos recursos naturais.

É, então, necessário criar uma consciencialização, por parte de todos, para estes problemas de

forma a encontrar alternativas eficazes que permitam uma diminuição dos impactes na

natureza infligidos pela actividade humana.

2

A indústria da construção é um dos maiores e mais activos sectores da Europa, representando

28,1% e 7,5% do emprego, respectivamente na indústria e em toda a economia europeia. Além

disso, a nível mundial a indústria da construção consome mais matérias-primas

(aproximadamente 3000 milhões de toneladas anuais, quase 50% em massa) que qualquer

outra actividade económica. [2]

Por outro lado, o parque edificado consome cerca de 42% da energia produzida.

Desta forma, e com o aumento das preocupações ambientais, a abordagem da

sustentabilidade na construção assume um papel preponderante.

Assim, torna-se necessário o aparecimento de novas alternativas aos sistemas construtivos

convencionais, que permitam uma diminuição dos impactes na natureza, em cada uma das

fases do ciclo de vida de uma construção.

É nesta temática, da sustentabilidade na construção, que se insere o objecto deste trabalho de

dissertação – “Estudo da aplicabilidade de sistemas construtivos no desempenho da

sustentabilidade na Engenharia Civil”.

Objectivos da dissertação

Neste trabalho vai abordar-se a temática da sustentabilidade no contexto da construção, a qual

é ainda bastante recente em Portugal. Para isso, torna-se necessário analisar e enquadrar a

construção sustentável dentro do conceito mais vasto do desenvolvimento sustentável.

O sector da construção tem grande peso na economia nacional, sendo responsável pela

geração significativa de capital e emprego. No entanto, é também um sector que está

associado a importantes impactes ambientais, gerando muita poluição, grandes gastos

energéticos e sendo grande consumidor de matérias-primas.

Assim, um dos objectivos deste trabalho é a divulgação de conceitos e ferramentas para a

abordagem da sustentabilidade dos materiais de construção.

Com a elaboração desta dissertação pretende-se, fundamentalmente, dar conhecimento

técnico de determinados sistemas construtivos, que surgiram da procura da sustentabilidade na

construção, e promover as suas potencialidades enquanto alternativa aos sistemas

construtivos convencionalmente utilizados em Portugal – estrutura em betão-armado e

alvenaria de tijolo cerâmico. Para tal, discutem-se e analisam-se os atributos dos sistemas

apresentados ao longo do ciclo de vida de um edifício, de forma a contribuir para um

conhecimento explícito da aplicabilidade dos mesmos no contexto social nacional.

Para esse efeito, começou-se por seleccionar os sistemas construtivos que numa primeira

abordagem possuam maiores potencialidades de virem a ser implementados no sector da

construção português, pondo de parte os sistemas que não se consideram adequados à

realidade técnico-económica e climática nacional.

É, ainda, importante referir que o presente trabalho se foca especialmente no sector dos

edifícios, em particular no sector da habitação, visto ser este um dos sectores que produz

3

maior impacte sobre o ambiente, sociedade e economia, além de ter um elevado peso na

indústria da construção nacional.

Estrutura e organização do trabalho

O conteúdo da presente dissertação encontra-se organizado em seis capítulos, que a seguir se

apresentam.

No primeiro capítulo, faz-se uma breve apresentação do trabalho e sintetiza-se o seu conteúdo.

O segundo capítulo consiste numa abordagem ao tema do desenvolvimento sustentável, onde

se faz um enquadramento histórico da evolução deste conceito, clarificando-o.

Segue-se o capítulo 3, onde se explora a definição do conceito de construção sustentável e os

princípios de que se rege, sendo explicados os motivos que levaram à sua génese e crescente

importância, assim como as estratégias para actuar no sentido da sustentabilidade.

Seguidamente, apresenta-se o novo paradigma da construção sustentável, o qual demonstra

como esta deve integrar os princípios do desenvolvimento sustentável, já abordados no

capítulo anterior. Uma abordagem ao impacte ambiental dos edifícios encerra este capítulo,

fazendo menção aos impactes mais significativos, diferenciadamente, ao longo do ciclo de vida

dos edifícios, assim como as devidas medidas para minimizar esses mesmos impactes.

O capítulo 4 diz respeito ao estudo da sustentabilidade dos materiais de construção. Neste

capítulo abordam-se os conceitos e ferramentas para a análise da sustentabilidade dos

materiais de construção, onde se descrevem diversos critérios a ter em conta para uma

escolha adequada dos materiais com vista à sustentabilidade como, por exemplo, a toxicidade

dos materiais, a energia incorporada, o potencial de reciclagem e reutilização ou a

durabilidade, entre outros.

No quinto capítulo, designado “Sistemas construtivos”, apresentam-se alguns sistemas

construtivos não convencionais que se consideram mais sustentáveis comparativamente aos

sistemas convencionais. Alguns desses sistemas resultam do reaparecimento e evolução de

técnicas utilizadas há milhares de anos e outro resultante da procura de soluções inovadoras

com vista a uma maior compatibilidade com o equilíbrio ambiental. Neste capítulo abordam-se

os seguintes sistemas construtivos: sistemas construtivos em terra – a taipa, o adobe e o BTC -

e os sistemas construtivos em estruturas de aço leve – LSF. Para cada um dos sistemas

construtivos apresentam-se as suas características técnicas e discutem-se os seus atributos

sustentáveis ao longo do ciclo de vida de um edifício, assim como se apresentam as suas

limitações.

Por fim, no capítulo 6 – “Considerações finais” – são apresentadas as conclusões deste

trabalho e as perspectivas futuras, dando-se pistas para a acção no domínio da problemática

da sustentabilidade.

4

1 DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

Ao introduzir o conceito de sustentabilidade neste trabalho, é necessário começar por

relacioná-lo com outro conceito que lhe deu origem e de significado muito mais abrangente, o

conceito de desenvolvimento sustentável.

Neste capítulo pretende-se expor a evolução histórica deste conceito, focando alguns

momentos chave, de forma a clarificar o seu significado e perceber a sua importância como

ponto de partida para chegar à aplicação do conceito de sustentabilidade ao sector da

construção em particular.

1.1 Enquadramento ambiental

Tal como se referiu na secção 0, o Planeta Terra está actualmente sujeito a fortes agressões

provocadas pelas mais variadas actividades humanas, enfrentando hoje um desafio ambiental

para o qual é de extrema importância que haja uma consciencialização global.

Um dos maiores problemas com que se depara o Planeta Terra diz respeito ao aumento da

temperatura média do ar, o qual está directamente relacionado com o aumento do nível de

concentração de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera.

De facto, segundo dados publicados pelo IPCC (Intergovernamental Panel on Climate

Change), os últimos onze anos figuram entre os mais quentes nos registos da temperatura

global média à superfície desde 1850. [3]

A subida do nível do mar, provocada pela dilatação térmica da água, é uma das consequências

da referida subida da temperatura do ar. Segundo o IPCC, nos últimos 100 anos o nível do mar

já aumentou entre 10 cm e 20 cm. O mesmo IPCC prevê para 2080 um aumento do nível do

mar que pode ir até 70 cm, num cenário de emissões elevadas. Isto poderá vir a comprometer

inúmeras áreas costeiras e ilhas por todo o mundo. Por outro lado, o avanço da água do mar

também pode levar à contaminação da água doce e inviabilizar actividades de produção e até a

sobrevivência em algumas regiões. [3]

Uma outra consequência da subida da temperatura (aquecimento global) é a ocorrência de

fenómenos atmosféricos cada vez mais extremos como longos períodos de seca, potenciando

a acção de incêndios, mas também chuvas torrenciais, provocando inundações, e mesmo

furacões. [4]

Outro grave problema ambiental diz respeito à perda de biodiversidade devido à acção

humana. Alguns dos factores que podem pôr em risco a preservação da biodiversidade são: as

alterações climáticas, os elevados índices de urbanização, a exagerada exploração de

recursos e a consequente produção de resíduos.

Foi a pensar na dimensão crescente das marcas deixadas pela humanidade e numa forma de

quantificá-las, que os especialistas William Rees e Mathis Wackernagel [5] desenvolveram, em

5

1966, o conceito de “pegada ecológica”. Esta não pretende ser uma medida exacta, mas sim

uma estimativa dos impactes ambientais provocados pela actividade humana sobre o Planeta.

A figura seguinte (Figura 1.1) ilustra graficamente a “pegada ecológica” e a biocapacidade,

diferenciadas por região à data da avaliação (2003), conceito que mede a superfície do Planeta

Terra necessária para gerar recursos e absorver os resíduos de uma unidade (neste caso, por

pessoa). A diferença entre cada pegada ecológica regional (barras a cheio) e a sua respectiva

biocapacidade (linha tracejada) demonstra se essa região possui reserva ecológica (valor

positivo) ou se apresenta défice (valor negativo).

Figura 1.1 - Pegada ecológica e biocapacidade por região, 2003 [6]

A exigência de uma região sobre a biosfera é igual ao total da sua população vezes a sua

pegada ecológica por pessoa.

Assim, é evidente a existência de padrões de consumo e de geração de resíduos, que

reflectem consumidores/poluidores de primeira categoria (América do Norte), de segunda

categoria (Europa) e de terceira categoria, onde se incluem os restantes. É paradigmático que

somente os países de África, América Latina e do Caribe e aqueles países da Europa que até à

data não pertenciam à UE25, ainda não tivessem esgotado a biocapacidade disponível do seu

território, mas não será surpresa que a curto ou mesmo médio prazo o venham a fazer. [4]

Perante o estado actual do planeta e as previsões realizadas para anos próximos, torna-se

crucial adoptar uma atitude diferente e conceitos inovadores. É necessário colocar em prática

medidas ambientais que visem a redução do consumo de recursos, a redução da produção de

resíduos e a preservação da função e biodiversidade dos sistemas naturais. Sob esta

perspectiva, o objectivo é que o consumo de água, energia e materiais ocorra a um nível

passível de ser renovado.

6

1.2 Evolução histórica do conceito de desenvolvimento sustentável

Ao longo das últimas décadas, o conceito de desenvolvimento sustentável tem sido

amplamente discutido e muitos foram os acontecimentos que marcaram a sua evolução.

As preocupações ambientais da sociedade actual começaram a ter maior relevo com a

Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano realizada em Estocolmo, em

1972. Esta centrou-se na abordagem dos problemas ambientais e suas consequências,

introduzindo a dimensão ambiental como condicionadora e limitadora do modelo tradicional de

crescimento económico e de uso de recursos naturais.

Contudo, somente em 1987, o conceito de desenvolvimento sustentável foi utilizado pela

primeira vez, no relatório que ficou conhecido como Relatório Brundtland - Our Common Future

(O Nosso Futuro Comum) – onde é definido da seguinte forma: “Por desenvolvimento

sustentável entende-se o desenvolvimento que satisfaz as necessidades do presente sem

comprometer a capacidade das gerações futuras para satisfazerem as suas próprias

necessidades”. [7] De facto, é esta a definição de desenvolvimento sustentável que reúne

maior consenso e a mais frequentemente citada.

A definição de Brundtland introduz uma mudança muito importante no conceito de

sustentabilidade, de início principalmente ecológica, evoluindo para uma noção que também

inclui o contexto económico e social do desenvolvimento. Desta definição podem tirar-se duas

ideias principais: a da preservação dos recursos existentes e a da necessidade de programar o

rumo da sociedade, conciliando esse aspecto com uma abordagem integrada dos problemas.

[8]

Posteriormente, em 1992, realiza-se no Rio de Janeiro a Conferência das Nações Unidas sobre

Ambiente e Desenvolvimento (CNUAD), também conhecida como Cimeira da Terra, na qual

participaram mais de 170 países. Desta conferência resultaram os seguintes documentos: a

Agenda 21, a Declaração do Rio sobre Ambiente e Desenvolvimento, a Declaração de

Princípios sobre o Uso das Florestas e a Convenção Quadro sobre as Alterações Climáticas.

Por esta altura, as preocupações ambientais deixam de se centrar no controlo da poluição e

passam a centrar-se na sua prevenção. Assim, adoptaram-se, progressivamente, medidas que

visam reduzir a poluição gerada, através de uma perspectiva integradora, considerando a

totalidade do processo produtivo. [8]

A Agenda 21, principal resultado da Conferência do Rio de Janeiro, é um plano de acção para

ser assumido ao nível global, nacional e local, sobre a forma pela qual governos, empresas,

organizações não-governamentais e todos os sectores da sociedade poderiam cooperar no

estudo de soluções para um desenvolvimento sustentável.

Mais recentemente, em 2002, realizou-se na cidade de Joanesburgo a Cimeira Mundial sobre

Desenvolvimento Sustentável, na qual se reafirmou o empenho no cumprimento dos objectivos

da Agenda 21.

No mesmo ano, em Portugal, foi elaborado um documento intitulado Estratégia Nacional para o

Desenvolvimento Sustentável (ENDS), decorrente dos compromissos assumidos por Portugal

7

no âmbito da Agenda 21. Este documento é constituído por um conjunto de acções

coordenadas com o objectivo de assegurar um crescimento económico sustentável, uma maior

coesão social e integrando a protecção e valorização do ambiente.

Em síntese, o desenvolvimento sustentável é um conceito muito mais amplo do que o da

protecção do ambiente, abrange diversas áreas, assentando essencialmente num ponto de

equilíbrio entre o crescimento económico, a equidade social e a protecção do ambiente.

1.3 As dimensões do desenvolvimento sustentável

O desenvolvimento sustentável apresenta três dimensões principais: a ambiental, a social e a

económica.

Assim, as acções tomadas com vista ao desenvolvimento sustentável devem procurar actuar

simultaneamente nestas três dimensões. A Figura 2.2 ilustra os objectivos a atingir em cada

uma dessas dimensões.

Sob a perspectiva ambiental, o desenvolvimento sustentável prende-se com a preservação dos

ecossistemas naturais e da biodiversidade que lhes é inerente. Melhor dizendo, é essencial

garantir que o ambiente natural mantenha as condições de vida dos seres vivos que o habitam.

Para que tal se verifique, dever-se-á, entre outros, fazer um uso racional dos recursos naturais,

dos combustíveis fósseis, reduzindo de igual forma o volume de resíduos e de poluição.

Por sua vez, um plano de desenvolvimento sustentável deverá, no que respeita à dimensão

social, ter a visão de uma sociedade equilibrada e racional, que busca um novo estilo de vida

adequado ao momento presente e ao futuro. Segundo este prisma, procura-se que o

Objectivos Económicos:

Crescimento

Equidade

Eficiência

Objectivos Sociais:

Participação

Iniciativas às populações

Mobilidade social

Coesão social

Identidade cultural

Desenvolvimento

institucional

Objectivos Ecológicos:

Capacidade de

carga

Biodiversidade

Problemas globais

Integridade do

ecossistema

Figura 1.2 - Objectivos da sustentabilidade na sua tripla dimensão [8]

8

desenvolvimento da sociedade se expresse numa melhoria significativa da qualidade de vida

da população mundial, através da procura da justiça social, da segurança e da paz.

No entanto, estas duas dimensões, ambiental e social, são frequentemente remetidas para

segundo plano, sendo a dimensão económica aquela que apresenta maior relevância nos

tempos correntes. Esta diferença, na forma como se encaram estas três dimensões do

desenvolvimento sustentável, coloca seriamente em risco a sobrevivência das gerações

futuras.

Um crescimento económico sustentado está na base da satisfação das necessidades

humanas, devendo inquestionavelmente contribuir para uma maior coesão social e protecção

do ambiente.

Com efeito, o modelo de desenvolvimento sustentável será completo e eficaz quando se

considerarem em simultâneo e de forma intrínseca estas três “frentes de acção”, a económica,

a ecológica e a social, de forma a garantir-se um equilíbrio que é, sem dúvida, fundamental.

Assim sendo, um qualquer projecto conduzido pela sustentabilidade, deverá ter sempre

presentes os efeitos que causará nas gerações vindouras. A par do crescimento económico

deverá impor-se a estabilidade ou melhoria da salubridade e integridade do ambiente e da

qualidade de vida. É fulcral garantir a equidade entre pessoas no presente, mas também a

equidade entre as gerações, para que no futuro se usufrua de uma qualidade ambiental tão

boa, ou mesmo melhor, que aquela que se goza actualmente. Do mesmo modo, deverão tentar

colmatar-se as problemáticas sociais, sanitárias e éticas do bem-estar humano.

Posto isto, acresce o facto de que o desenvolvimento, quando sustentável, deverá balizar o

equilíbrio dos sistemas natural e artificial dentro dos limites necessários.

9

2 CONSTRUÇÃO SUSTENTÁVEL

No presente capítulo começa-se por sumariar alguns acontecimentos relevantes na evolução

do conceito de construção sustentável, procurando a sua definição e princípios de que se rege.

De seguida, apresenta-se o novo paradigma da construção sustentável, resultante de uma

evolução das preocupações da sociedade, tanto a nível ambiental, como aos níveis social e

económico.

Considerou-se, ainda, pertinente realizar uma análise dos impactes ambientais dos edifícios

em cada uma das fases do seu ciclo de vida, salientando que uma abordagem integrada é

essencial.

2.1 Definição de construção sustentável

Como já se referiu anteriormente, a indústria da construção é um dos maiores e mais activos

sectores em toda a Europa, com uma facturação anual de 750 milhões de euros, este sector

representa 25% de toda a produção europeia e é o maior exportador mundial, com 52% do

mercado. [4]

A construção civil é, também, uma das mais antigas e importantes actividades humanas que

contribuiu para o desenvolvimento das civilizações, também as técnicas que lhe estão

inerentes se foram desenvolvendo com o percorrer dos séculos, deixando, as construções, de

atender somente às necessidades básicas de abrigo. De facto, hoje observa-se um extenso

leque de tipologias e construções destinadas aos mais variados e especializados fins, que só

se tornaram possíveis devido ao desenvolvimento desta actividade humana, a construção civil.

Contudo, como já foi referido anteriormente, a indústria da construção tem sido igualmente uma

das principais responsáveis pela degradação ambiental da qual advêm outro tipo de

problemas, sejam eles ambientais, sociais ou económicos, que prejudicam o Homem e todo o

meio que o rodeia, pondo mesmo em risco as gerações futuras.

Estes problemas passam pela poluição ambiental, através de emissões de dióxido de carbono

(CO2) para a atmosfera, como também pela produção de resíduos associados à construção e

respectiva demolição de edifícios (poluição de águas e solos), e pelo consumo desmedido e

inconsequente dos recursos naturais.

Sob esta perspectiva existe uma necessidade crescente de desenvolvimento dos processos,

metodologias e operações de construção de forma a reduzir significativamente os referidos

problemas ambientais e energéticos que surgem associados ao sector da construção civil.

Pretende-se, assim, uma construção eficiente, que respeite as contingências locais e cujo

impacte sobre o meio envolvente natural seja mínimo, pelo que a esta nova perspectiva, ou

mesmo corrente de acções, se deu o nome de Construção Sustentável. [9]

10

É no seguimento destas preocupações que, em 1994, se realiza em Tampa, na Florida, a

Primeira Conferência Internacional sobre Construção Sustentável - The First International

Conference on Sustainable Construction - patrocinada pelo CIB (Conseil International du

Bâtiment pour la Recherche l’Etude et la Documentation) onde se fizeram diversas propostas

no sentido de definir o conceito de construção sustentável e onde foi discutido o futuro da

construção, no contexto da sustentabilidade.

É nesta conferência que surge a primeira definição do conceito de construção sustentável e a

mais aceite, apresentada por Charles Kibert, que a caracteriza como a “criação e gestão

responsável de um ambiente construído saudável, tendo em consideração os princípios

ecológicos (para evitar danos ambientais) e a utilização eficiente dos recursos”. [10]

No âmbito da mesma Conferência, Charles Kibert estabeleceu desde logo os seguintes seis

princípios básicos da construção sustentável [11]:

1. Minimizar o consumo de recursos;

2. Maximizar a reutilização dos recursos;

3. Utilizar recursos renováveis e recicláveis;

4. Proteger o ambiente natural;

5. Criar um ambiente saudável e não tóxico;

6. Fomentar a qualidade ao criar o ambiente construído.

Os princípios da construção sustentável aplicam-se a todo o ciclo de vida de uma construção,

desde a fase de projecto à demolição. Além disso, estes princípios aplicam-se aos recursos

necessários para criar e explorar o ambiente construído durante o seu ciclo de vida: terra,

materiais, água, energia e os ecossistemas.

Assim, a aplicação destes princípios deve ser feita através de uma abordagem integrada, a

todas as fases que constituem o ciclo de vida de uma construção: projecto, construção,

operação/manutenção e demolição/deposição (Figura 2.1).

11

Figura 2.1 – Abordagem integrada e sustentável às fases do ciclo de vida das construções [12]

No ano de 1996, é realizada na Turquia a conferência da ONU Habitat II. Esta conferência

focou-se essencialmente em dois temas, nos quais o ser humano é o centro das

preocupações, “abrigo adequado para todos” e “desenvolvimento sustentável dos aglomerados

humanos num mundo em urbanização”.

Esta agenda surge como um guia importante para a habitação nos países em vias de

desenvolvimento e também nas sociedades industrializadas.

O CIB publica, em 1999, a Agenda 21 para a Construção Sustentável (CIB Agenda 21 for

sustainable construction), procurando fazer uma ponte entre as Agendas internacionais e as

Agendas nacionais e locais.

Neste documento conclui-se que os maiores desafios que a construção civil tem que enfrentar

são:

Promover a eficiência energética;

Reduzir o uso e consumo de água potável;

Contribuir para um desenvolvimento urbano sustentável. [8]

Hoje em dia, para além dos avanços significativos que têm vindo a ser feitos, a construção

sustentável é ainda um conceito recente na indústria da construção sofrendo constantes

actualizações e existindo mesmo várias correntes que a definem.

No Quadro 2.1, apresentam-se as áreas de intervenção relevantes no sentido de obter uma

construção mais sustentável.

12

Quadro 2.1 - Aspectos relevantes da construção sustentável (adaptado de [8])

Área Problemas principais Estratégias

Ocupação

do solo

Uso eficiente do solo

Aproveitamento dos edifícios existentes

Aumento das actividades de reabilitação e recuperação

Criação de edifícios multifuncionais

Escolha do local Consideração do contexto local: clima, topografia, impacte

visual, ruído, economia local

Aumento da utilização

de transportes

públicos

Criação de zonas de boa acessibilidade aos transportes

públicos na proximidade dos edifícios

Protecção da natureza Protecção da flora e da vida animal

Criação de zonas de boa permeabilidade (jardins)

Energia

Optimização do

consumo de energia

Utilização de sistemas de gestão energética

Utilização de fontes de energia renovável

Eficiência energética dos materiais de construção utilizados,

como por exemplo, a escolha de materiais locais, que

permite a diminuição das necessidades de transporte para o

local

Adopção de sistemas de construção/demolição simples

Optimização da

iluminação

Maximização da iluminação natural no interior dos edifícios

Optimização de

aquecimento/

arrefecimento

Concepção procurando que, devido à orientação do edifício

e aos materiais adoptados, não seja necessário recorrer

exageradamente à utilização de sistemas de

aquecimento/arrefecimento

Água Optimização do

consumo de água

Utilização de sistemas de gestão de água

Reutilização de águas de lavagem

Aproveitamento de água da chuva

Materiais

Escolha dos materiais

a utilizar

Selecção de materiais com melhor desempenho ambiental

Selecção de materiais prevendo a reciclagem em fim de

vida

Edifícios recicláveis e

reutilizáveis

Projecto e construção com consideração do destino final

13

Área Problemas principais Estratégias

Utilização eficiente de

matérias-primas

Utilização de materiais locais e de métodos de construção

tradicionais

Aumento da utilização de materiais renováveis

Utilização de técnicas de desconstrução apropriadas de

forma a optimizar a reciclagem

Materiais não tóxicos e

controlo climático

Maior consideração da toxicidade ambiental e ocupacional

dos materiais

Resíduos Gestão de resíduos

Minimização da produção de resíduos, tendo em conta a

política dos 3 R’s – reduzir, reutilizar e reciclar

Sistemas integrados de recolha de resíduos

Realização de planos de prevenção e gestão de resíduos

disponíveis no local da obra

Outros Durabilidade dos

edifícios

Maximização da durabilidade dos edifícios através de

tecnologias construtivas e materiais de construção duráveis

Concepção com vista à flexibilidade/adaptabilidade dos

edifícios de modo a permitir o ajuste a novas utilizações

Planeamento da conservação e da manutenção, de forma a

permitir a dilatação do ciclo de vida dos edifícios

Nos últimos anos, a nível nacional e internacional, foram desenvolvidas várias ferramentas

informáticas dirigidas especificamente à avaliação da sustentabilidade da construção que

procuram seguir os diversos princípios da construção sustentável.

Ao nível internacional destacam-se:

No Reino Unido – o sistema BREEAM (Building Research Establishment Assessment

Method);

Em França – o sistema HQE (Haute Qualite Environnementale dês Batiments);

Na Austrália – o sistema NABERS (National Australian Buildings Environmental Rating

System);

Nos Estados Unidos da América – o sistema LEED (Leadership in Energy &

Environmental Design);

No Canadá – o sistema GBTool (Green Building).

Ao nível nacional também se tem evoluído neste sentido, destacando-se o sistema LiderA, o

qual é utilizado em Portugal desde 2005. Esta ferramenta de avaliação da sustentabilidade da

construção (inspirada no sistema LEED), tem já adquirido uma aceitação relativamente elevada

no mercado. Actualmente está já em vigor uma segunda versão desta ferramenta LiderA 2.0.

14

2.2 Novo paradigma da construção sustentável

No que diz respeito às actividades construtivas, tradicionalmente, as preocupações centravam-

se na qualidade do produto, nos custos associados e no tempo gasto (Figura 3.2). No entanto,

a construção sustentável apresenta novas orientações relativamente à concepção, construção,

operação e demolição, de modo a permitir melhorar o seu desempenho ecológico.

Posteriormente, com a introdução das preocupações ambientais, o conceito de qualidade na

construção evoluiu, passando a abranger os aspectos relacionados com a qualidade ambiental,

através da denominada construção eco-eficiente (Figura 3.3). Esta traduz-se em construir com

impacte ambiental mínimo, integrando as preocupações relacionadas com o consumo de

recursos, as emissões de poluentes e a biodiversidade.

Tempo Custo

Qualidade

Figura 2.2 - Factores de competitividade na construção tradicional [12]

15

Quando se somam aos princípios da eco-eficiência as condicionantes económicas, a equidade

social e a herança cultural – dimensões económica e social -, está-se na presença do novo

paradigma da construção, o qual passa a integrar as três dimensões da construção sustentável

(Figura 3.4).

Assim, a construção sustentável consiste na particularização de um conceito global, o de

desenvolvimento sustentável. Como tal, pressupõe também a interdisciplinaridade, na medida

em que deverá actuar nas três dimensões: ambiental, social e económica.

Emissões nocivas, saúde Qualidade

Custo Tempo

Consumo de

recursos

Biodiversidade

Qualidade

Tempo Custo

Biodiversidade Equidade social Herança cultural

Desenvolvimento economicamente

sustentável

Consumo de

recursos

Emissões nocivas, saúde

Qualidade de vida Qualidade do ambiente construído

Figura 2.3 - Construção eco-eficiente [12]

Figura 2.4 - Construção sustentável [12]

16

Nesta perspectiva, o papel dos vários agentes é fundamental, incluindo o sector da extracção

dos materiais, o da construção, os clientes das estruturas edificadas, os gestores e os

responsáveis pela manutenção. Pode, assim, dizer-se que este novo modo de conceber a

construção procura satisfazer as necessidades humanas, protegendo e preservando

simultaneamente a qualidade ambiental e os recursos naturais. [8]

2.3 Impactes ambientais dos edifícios

As actividades associadas à construção civil são responsáveis por importantes impactes no

ambiente, embora se verifique uma crescente preocupação em minimizar ou compensar os

impactes negativos. De entre os vários impactes, salientam-se: a produção de resíduos, o

consumo de energia, as emissões de gases poluentes e o consumo de recursos naturais.

De facto, segundo a Agenda 21 para a Construção Sustentável, só durante a fase de

construção são consumidos cerca de 50% dos recursos naturais, produzidos mais de 50% dos

resíduos, consumida mais de 40% da energia (nos países industrializados, sendo em Portugal

cerca de 20% da energia total do país) e produzidas cerca de 30% das emissões de CO2. [13]

Por impacte ambiental entende-se o conjunto das alterações favoráveis e desfavoráveis

produzidas em parâmetros ambientais e sociais, num determinado período de tempo e numa

determinada área (situação de referência), resultantes da realização de um projecto,

comparadas com a situação que ocorreria, nesse período de tempo e nessa área, se esse

projecto não viesse a ter lugar. [8]

Assim, os impactes ambientais inerentes à construção de edifícios variam com as respectivas

tipologias e ao longo do ciclo de vida das construções. Entende-se por ciclo de vida de uma

construção todo o período de tempo desde a concepção até à respectiva desactivação/fim-de-

vida (Figura 3.5), embora tenham maior expressão, em termos construtivos, a fase de

construção propriamente dita e a fase de fim-de-vida.

Ao abordar os impactes ambientais da construção, muitas vezes centra-se a análise na fase de

construção, ou seja, na fase de obra em si, remetendo para segundo plano as restantes fases

do ciclo de vida de uma construção, sendo que tal pode conduzir a uma abordagem pouco

representativa.

Com efeito, a fase de construção está, em geral, associada a períodos mais reduzidos

(meses), face à fase de operação (anos). Refira-se que a maioria das infra-estruturas e

edifícios projectados na actualidade tem um tempo de vida superior a 40 anos e alguns dos

edifícios e estruturas existentes podem ultrapassar, ou já ultrapassam, os 100 anos. Isto

Concepção Construção Fim-de-vida Operação

Figura 2.5 - Ciclo de vida das construções

17

significa que as estruturas construídas têm impactes com efeitos muito duradouros, quer a

nível dos consumos, quer na acumulação dos materiais, quer ao nível das emissões e cargas

poluentes, cujos efeitos ambientais importa considerar. [8]

De seguida, apresentam-se os impactes ambientais mais significativos, diferenciadamente, em

cada uma das fases do ciclo de vida de uma construção:

a) Fase de concepção

Os impactes ambientais da fase de concepção (projecto) são muito reduzidos e quase não

apresentam significado quando comparados com as restantes fases, estando principalmente

relacionados com os consumos de:

Energia, transporte e deslocações: para analisar o local e efectuar os levantamentos

necessários;

Consumos e emissões associados à operação de escritórios: como grande parte da

actividade é executada em escritórios, os efeitos da sua operação (consumo de

energia, por exemplo) podem originar impactes ambientais;

Consumo de papel: é uma fase de elevado consumo de papel, no desenvolvimento do

plano e projecto, bem como no processo de autorização e licenciamento.

b) Fase de construção

A fase de construção, correspondente à execução do projecto (obra em si), induz impactes

ambientais importantes, que incluem nomeadamente:

Extracção e consumo de matérias-primas;

Produção de resíduos devido ao não aproveitamento de materiais nas novas

construções e aumento dessa produção no caso de a obra ser uma demolição;

Possível descarga e contaminação dos solos, se os materiais combustíveis e outros

produtos perigosos existentes na obra não forem devidamente armazenados ou

controlados;

Consumo de água e produção de efluentes nas actividades construtivas que, se não

forem devidamente tratados, podem ter efeitos ambientais importantes nos meios

hídricos;

Produção de emissões poluentes devido à necessidade de energia nas actividades

construtivas e aumento das necessidades de transporte, o que por sua vez aumenta o

tráfego, o consumo de combustível e as emissões atmosféricas, cria poluição acústica

e vibrações e provoca a degradação estética do local;

Criação de zonas impermeabilizadas que origina o aumento de escorrência superficial

e o aumento da probabilidade de cheias a jusante;

18

Em zonas de ambientes naturais, ao serem intrusivas, as actividades construtivas

provocam interferências na fauna e na flora e alterações na dinâmica dos

ecossistemas.

c) Fase de operação

Esta fase corresponde ao período de utilização do edifício construído, podendo incluir, também,

as operações de manutenção e renovações pontuais.

Os impactes mais significativos decorrentes da operação de um edifício resultam de: consumo

de energia, de água e de materiais, produção de resíduos, de efluentes e de emissões

atmosféricas.

Como exemplo de impacte ambiental, pode referir-se que grande parte da água consumida,

isto é, mais de 80%, é depois descarregada sob a forma de efluentes líquidos, que exigem

tratamento adequado, obrigando a dispor de ETAR’s, o que por sua vez leva ao consumo de

energia e reagentes e à produção de lamas. [8]

d) Fase de fim-de-vida

No que respeita à fase de fim-de-vida ou desactivação de um edifício, esta resulta na mesma

tipologia de impactes anteriormente descritos para a construção, sendo de destacar que,

consoante a forma de eliminação ou desconstrução, pode traduzir-se num importante

acréscimo, do ponto de vista da produção de resíduos.

Quanto aos restantes impactes são, geralmente, menores e referem-se ao consumo de

materiais, existindo, porém, importantes impactes relativos ao consumo de energia e às

emissões de ruído, vibrações e poeiras.

2.4 Caminhar para a construção sustentável

O sector da construção civil deve estar sempre interligado ao conceito de desenvolvimento

sustentável, abrangendo os factores ambientais, sociais e económicos. Para tal, deve procurar-

se o equilíbrio através da eficiência, reduzindo o consumo de materiais e energia e valorizando

a dinâmica ambiental.

A construção sustentável de novos edifícios e infra-estruturas, assim como a reabilitação

sustentável de edifícios existentes, podem iniciar uma etapa importante no sentido de uma

melhoria do desempenho ambiental das cidades e da qualidade de vida dos seus cidadãos.

O plano de acção para caminhar no sentido de uma construção mais sustentável reside em:

economizar energia e água, assegurar a salubridade e maximizar a durabilidade dos edifícios,

planear a conservação e manutenção dos edifícios, utilizar materiais eco-eficientes, apresentar

baixa massa de construção, minimizar a produção de resíduos, ser económica e garantir

condições de higiene e segurança dignas nos trabalhos de construção.

19

Como anteriormente se referiu, a evolução do sector da construção no sentido da

sustentabilidade apela a um novo paradigma, passando do tradicional triângulo qualidade –

custo – tempo, para incluir também o consumo dos recursos – emissões e saúde –

biodiversidade e qualidade do ambiente construído e equidade social – herança cultural.

A durabilidade é um aspecto de grande relevância no caminho para a sustentabilidade,

baseando-se em aumentar o ciclo de vida da construção, obtendo assim um maior tempo de

utilização do edificado e reduzindo substancialmente a procura de materiais e os impactes

ambientais.

Da mesma forma, para caminhar para a construção sustentável, é importante que desde a fase

inicial da obra, ou seja, desde a fase de planeamento e concepção, se tenha em conta a

redução do consumo e a reutilização dos recursos, incluindo o próprio planeamento da

desconstrução, assim como o uso eficiente do solo e o ordenamento do território. Além disso,

deve apostar-se na eficiência energética e na utilização preferencial de recursos renováveis, tal

como na procura de soluções que resultem em menores emissões de CO2.

Uma vez que se vive actualmente, em média, de 80 a 90% do tempo nos edifícios, outros

aspectos relevantes são as condições do ambiente interior e a qualidade do ar interior, quer no

sentido de evitar a toxicidade e os riscos de inalação de microrganismos, quer no sentido de se

proceder à renovação do ar natural. [8] Como tal, a escolha dos materiais e tecnologias

construtivas a utilizar tornam-se pontos fundamentais da construção sustentável, questões que

se abordam nos capítulos seguintes.

Na União Europeia a indústria da construção é um dos sectores económicos mais importantes,

continuando, no entanto, a basear-se excessivamente em sistemas construtivos convencionais

e na utilização de mão-de-obra não qualificada, sendo caracterizada pela utilização ineficiente

dos recursos naturais e de energia não renovável e pela excessiva produção de resíduos. [14]

Dado à sua importância na sociedade actual, cada vez mais, a indústria da construção terá um

importante papel no fomento de uma dinâmica de mudança, constituindo este um desafio

fundamental para atingir um desenvolvimento sustentável.

20

3 SUSTENTABILIDADE DOS MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO

Após uma discussão acerca dos temas do desenvolvimento sustentável e da construção

sustentável, neste capítulo abordam-se os conceitos e ferramentas para a análise da

sustentabilidade dos materiais de construção, onde se descrevem os diversos critérios a ter em

conta para uma escolha adequada dos materiais com vista à sustentabilidade como, por

exemplo, a toxicidade dos materiais, a energia incorporada, o potencial de reciclagem e de

reutilização ou a durabilidade, entre outros.

3.1 Enquadramento

Para se perceber o papel dos materiais de construção no âmbito da construção sustentável é

importante estudar primeiro os impactes ambientais que estão associados à produção dos

mesmos. Como tal, é necessário ter em conta todo o processo de produção, desde a extracção

das matérias-primas, seu processamento, armazenamento e transporte até ao local de

aplicação. Todas estas fases introduzem impactes, sejam eles ambientais, sociais ou

económicos à “equação”.

Como já se referiu anteriormente, a indústria da construção consome uma grande quantidade

de recursos naturais contribuindo para a delapidação destes. Verifica-se que em todo o mundo

é consumida por esta indústria 25% da madeira e 40% dos agregados (pedra, brita e areia).

[12]

Uma das questões abordadas por diversos autores nas últimas décadas prende-se com o

possível esgotamento das matérias-primas não renováveis. A título de exemplo, no Quadro 3.1

apresenta-se uma estimativa para a duração das reservas de matéria-prima associadas a

alguns dos materiais de construção mais utilizados, segundo o autor Berge [15].

Quadro 3.1 - Número estatístico de anos esperado até à exaustão das fontes de matéria-prima

associadas a alguns dos materiais de construção mais utilizados [15]

Material Duração

(anos)

Aço não reciclado 21

Aço (100% reciclado) (-)1

Alumínio (50% reciclado) 220

Argamassa de cimento (-)1

1 Nota: Para alguns materiais, é difícil estimar o número de anos até à sua exaustão pois as suas fontes

são ainda abundantes ou porque existem factores dificilmente quantificáveis que influenciam a sua duração.

21

Material Duração

(anos)

Argila (telhas cerâmicas) (-)1

Argila (tijolo cerâmico) (-)1

Betão (-)1

Gesso (-)1

Lã mineral 390

Madeira laminada 390

Poliestireno extrudido (XPS) 40

Tela asfáltica 40

Vidro (-)1

Apesar de ser importante perceber que não existem matérias-primas inesgotáveis, não está

comprovado que a duração das mesmas seja a apontada por Berge [15].

Além desta questão, como já se referiu, é necessário ter em conta que os materiais de

construção resultam da extracção das matérias-primas, posterior processo de fabrico e

transporte até aos locais de aplicação em distâncias que podem chegar a ser intercontinentais.

Todo este processo envolve o consumo de energia proveniente de fontes não renováveis. Do

mesmo modo, não se podem esquecer os resíduos gerados durante as actividades de

extracção das matérias-primas (Quadro 3.2), assim como a destruição da biodiversidade do

local de extracção.

Quadro 3.2 - Quantidade de matérias-primas geradas durante o processo extractivo [16]

Matéria-prima Quantidade de rocha ou

solo extraído (Mton) 2

Quantidade que é

aproveitada (%)

Ferro 25503 40

Cobre 11026 1

Zinco 1267 0,05

Alumínio 869 30

Chumbo 1077 2,5

Estanho 195 1

Níquel 387 2,5

Tungsténio 125 0,25

Manganês 745 30

2 Nota: Mton significa milhões de toneladas.

22

Como se pode constatar, o aproveitamento de matérias-primas resultante da actividade de

extracção é muito baixo face à quantidade de material extraído, resultando em vastas

quantidades de resíduos minerais, cuja deposição constitui um risco ambiental em termos de

preservação da biodiversidade, bem como de poluição de fontes de água potável. Como

consequência, desde a década de 70 ocorreram 30 acidentes ambientais graves em minas,

tendo 5 ocorrido na Europa. [4]

Além disso, não pode ser ignorado o perigo que determinados materiais apresentam para a

saúde dos utilizadores dos edifícios e para os ecossistemas, devendo-se analisar previamente

a toxicidade de cada um dos materiais a utilizar.

Considera-se que é na fase de projecto/concepção que se tomam as decisões mais

importantes no que respeita à selecção dos materiais com vista à sustentabilidade.

No entanto, até à actualidade, os materiais são frequentemente seleccionados tendo em conta

essencialmente parâmetros estéticos e funcionais, privilegiando aspectos como a rapidez de

construção e a redução de custos. Para além destes critérios, a selecção deverá ainda

compreender os seguintes critérios [4]:

Toxicidade do material;

Energia incorporada no material;

Potencial de reutilização e reciclagem dos materiais;

Reaproveitamento de resíduos de outras indústrias (materiais obtidos a partir de

resíduos);

Materiais que provenham de fontes renováveis;

Materiais que estejam associados a baixas emissões de GEE;

Materiais duráveis;

Materiais cuja escolha seja levada a cabo mediante uma análise do seu ciclo de vida.

3.2 Toxicidade dos materiais

Ao contrário do que acontecia no passado, em que as construções eram realizadas com

materiais naturais, hoje em dia, o caso é bem diferente, as construções correntes podem conter

variadas combinações de químicos e metais pesados, afectando a qualidade do ar interior, ou

mesmo contaminando as redes públicas de abastecimento de água.

A toxicidade de um material expressa os efeitos nocivos que este pode causar ao ser humano

e ao ecossistema envolvente. Cada material, produto ou componente a utilizar num edifício

deve ser previamente analisado, tendo em conta as suas especificações técnicas e o seu

processo de fabrico de forma a identificar compostos químicos tóxicos.

A exposição a estes compostos causa sérios riscos à saúde dos ocupantes dos edifícios.

Alguns desses problemas de saúde são os seguintes [17]:

23

Irritações da pele, olhos e vias respiratórias;

Distúrbios cardíacos, digestivos, renais ou hepáticos;

Dores de cabeça e mal-estar generalizado;

Distúrbios do sistema nervoso, como perturbações da memória, de atenção,

concentração e da fala, stress e ansiedade;

Perturbações do sistema hormonal (problemas fetais e de reprodução);

Desenvolvimento de cancros das fossas nasais, dos seios frontais e pulmões, quando

presentes em elevadas concentrações.

Como se referiu, os materiais e componentes de construção podem ter na sua constituição

uma grande variedade de produtos químicos. Muitos desses produtos são recentes e, como tal,

ainda não estão suficientemente estudados, sendo desconhecidos os seus efeitos na saúde

dos ocupantes dos edifícios. Menos conhecido e mais grave é o efeito cumulativo e interactivo

da exposição aos compostos químicos, já que existem doenças que só se manifestam passado

um longo período após a exposição e existem compostos que isolados não oferecem qualquer

perigosidade, no entanto quando combinados com outros apresentam riscos para a saúde.

Assim, torna-se difícil estabelecer o conteúdo tóxico de um material pelo conhecimento da

quantidade de compostos químicos, regime de emissões de gases nocivos e de outras

características potencialmente perigosas. Nos Estados Unidos, os fabricantes foram obrigados

a editar folhas de dados sobre a segurança dos materiais (MSDS – Material Safety Data

Sheets), o que constitui o primeiro passo na determinação da presença de produtos químicos

prejudiciais nos materiais. As folhas MSDS são disponibilizadas pelos fabricantes a pedido do

cliente e contêm uma listagem dos compostos químicos que se encontram nos produtos e

respectivos riscos conhecidos para a saúde, cuidados a ter no seu manuseamento,

procedimentos de desintoxicação, etc.. A informação contida nas folhas MSDS pode ainda ser

cruzada com outros manuais sobre toxicologia. [12]

Além da exposição directa e diária decorrente da presença no interior das habitações de

materiais com algum grau de toxicidade, é importante não esquecer que durante a fase de

produção de materiais de base química há emissão de diversos tipos de poluentes, assim

como também há lugar à produção de resíduos muito perigosos, os quais irão afectar

negativamente, e de alguma forma, o ambiente do Planeta Terra, pelo que deveria ser

obrigatório, que os referidos impactes fossem assacados aos materiais em questão. Desses

poluentes merecem destaque os seguintes [17]:

Organoclorados (Dioxinas e furanos) – as dioxinas e os furanos são resíduos

químicos provenientes de processos industriais relacionados com a produção de PVC.

São compostos extremamente tóxicos para a saúde, com a agravante de serem

bioacumuláveis no organismo. Essa perigosidade estende-se por óbvias razões à

biodiversidade por via da contaminação de toda a cadeia alimentar.

24

Ftalatos – grupo de compostos químicos derivados do ácido ftálico, utilizado como

aditivo para reduzir a rigidez dos materiais plásticos. São vários os estudos que

comprovam a toxicidade destes compostos para a saúde humana.

Compostos orgânicos voláteis (COV) – poluentes atmosféricos libertados por

materiais de construção contendo solventes orgânicos, como é o caso das tintas,

vernizes, colas e outros. A redução da ventilação no interior das habitações (para se

minimizarem gastos energéticos) pode contribuir para aumentar o volume destes

poluentes e para agravar os seus efeitos sobre a saúde. Além disso, os COV’s

contribuem para a formação de ozono troposférico, um gás que provoca efeito de

estufa.

Além destes, existem ainda tintas e vernizes contendo metais pesados, os materiais que

libertam fumos tóxicos em caso de incêndio, os materiais contendo substâncias radioactivas,

as situações de toxicidade relacionadas com a presença de amianto em materiais de

construção e também de chumbo em canalizações de abastecimento de água.

No caso das tintas e vernizes utilizados na construção, estas além de libertarem COV’s, podem

ainda conter metais pesados com elevado poder cancerígeno (Quadro 3.3).

Quadro 3.3 - Agentes com poder cancerígeno presentes em tintas [18]

Agente cancerígeno Fonte

Crómio Primários, tintas

Cádmio Pigmentos

Benzeno Solventes

Cloreto de metileno Decapantes

Estireno Solventes orgânicos

Níquel Pigmentos

Chumbo Primários, secantes, pigmentos

Outro caso é o da madeira, que apesar de ser um material com grandes potencialidades de ser

utilizado numa construção mais sustentável, possui uma baixa resistência à degradação por

agentes biológicos, fungos e insectos (carunchos e térmitas).

Até muito recentemente, a preservação das madeiras implicava a sua impregnação com

insecticidas ou fungicidas, produtos como o creosote ou outros à base de sais metálicos como

o cobre, crómio e arsénico (CCA). Estes sais metálicos são bastante tóxicos, além de que são

bioacumuláveis. Quando em contacto com a água da chuva ou outra, grande parte destes sais

acaba por ser lexiviada contaminando o meio ambiente. [17]

Outra fonte de toxicidade reside nos plásticos, que representam actualmente uma parte

substancial dos materiais utilizados pela indústria da construção.

25

Quase todos os plásticos contêm diversos tipos de aditivos como plastificantes, redutores de

rigidez, corantes estabilizadores de radiação solar, redutores de fumo, anti-estáticos, redutores

de ignição e outros, que implicam a utilização de uma vasta gama de produtos, onde se

incluem ftalatos e metais pesados. [17]

Como se pode compreender, a toxicidade dos materiais de construção é um tema

extremamente complexo, não se pretendendo no âmbito deste trabalho realizar um estudo

exaustivo acerca deste tema, pelo que se deram apenas alguns exemplos que se consideram

pertinentes.

Em suma, cabe aos projectistas a responsabilidade da selecção de materiais e componentes

de baixa toxicidade, procurando evitar que a sua utilização afecte a saúde dos habitantes dos

edifícios e das pessoas responsáveis pela construção e manutenção dos mesmos.

Assim, devem analisar-se rigorosamente as fichas técnicas dos diversos materiais e

componentes de construção (por exemplo isolamentos, revestimentos, pinturas e vernizes)

com o objectivo de reduzir a presença de substâncias tóxicas prejudiciais no edifício, como é o

caso dos formaldeídos, COV’s e outros produtos químicos que se encontram correntemente na

constituição dos materiais de construção, os quais apresentam riscos para a saúde dos

ocupantes dos edifícios.

Para esse efeito, na fase de projecto dever-se-ão ter em conta, entre outros, os aspectos

seguintes [12]:

Seleccionar tintas de água à base de látex e sem chumbo, em vez de tintas de óleo

com diluentes tóxicos como o benzeno, o xileno e o tolueno;

Preferir sempre que possível madeiras no seu estado natural aos aglomerados de

madeira, visto que nestes é utilizado o formaldeído como aglomerante e conservante.

Este problema também é comum no mobiliário, pelo que é conveniente a realização de

ensaios que comprovem a possível presença deste químico;

Seleccionar materiais e sistemas que não apresentem clorofluocarbonetos (CFC) e

hidroclorofluocarbonetos (HCFC), pois cerca de 50% dos clorofluocarbonetos

produzidos são utilizados na construção. Estes componentes apresentam diversos

riscos quer à escala local (riscos para a saúde dos ocupantes), quer à escala global

através da destruição da camada de ozono;

Assegurar que no edifício não é utilizado amianto ou qualquer outro material que o

contenha;

Evitar o uso de adesivos, selantes, pinturas, vernizes e revestimentos que possuam

elevadas quantidades de COV’s.

26

3.3 Energia incorporada nos materiais

A energia incorporada nos materiais de construção (embodied energy) corresponde, por

definição, aos recursos energéticos consumidos durante as fases de extracção das matérias-

primas, produção, transporte para o estaleiro de obra, aplicação em obra, manutenção e

demolição, isto é, durante o seu ciclo de vida. No entanto, existem diferentes abordagens a

esta definição, a saber: do início da extracção das matérias-primas até à porta da fábrica

(cradle to gate); do início até à obra (cradle to site), ou do início até à fase de demolição e de

deposição (cradle to grave). [4]

Segundo Berge [15] a energia incorporada abrange somente a energia necessária para colocar

o material ou produto à porta da fábrica (primeiro caso), incluindo-se o seu transporte e

aplicação na fase de construção do edifício. Este autor considera que a energia incorporada

num material representa, assim, cerca de 85-95% da quantidade total de energia consumida.

Os restantes 5-15% incluem a energia consumida durante o transporte dos materiais de

construção para o estaleiro de obra, na fase de construção, para os processos de manutenção

e reabilitação dos elementos de construção e a necessária durante as operações de demolição

do edifício no final do seu ciclo de vida.

Quanto aos consumos associados à produção dos materiais, estes variam consoante o tipo de

processo produtivo e de país para país. Em Portugal, a Direcção Geral de Energia e Geologia

(DGEG) publicou, em 2000, no âmbito do Regulamento de gestão do consumo de energia –

RGCE – alguns valores relativos ao consumo energético específico necessário à produção de

vários produtos (Quadro 3.4).

Quadro 3.4 - Energia necessária ao fabrico de alguns materiais de construção [19]

Material Kgep/ton 3

Clinquer para cimento normal 92

Clinquer para cimento branco 226

Moagem de clinquer 11

Cal hidráulica 33

Cal viva 105

Tijolos e abobadilhas de barro 45

Telhas de barro 60

Pavimentos de barro 60

Pavimentos porcelânicos 190

3 Nota: Kgep significa quilogramas de petróleo equivalente

Para converter a unidade tep (toneladas de petróleo equivalente) para kwh, a DGEG [19] refere que: 1kwh (energia eléctrica) = 290×10

-6 tep

27

Material Kgep/ton 3

Chapa de vidro simples 200

Painéis aglomerados de fibras de

madeira

310

Painéis aglomerados de partículas

de madeira

90

No que se refere à parcela da energia consumida em transporte, esta varia consoante o modo

de transporte utilizado seja marítimo, aéreo, rodoviário ou ferroviário.

Berge [15] refere valores para o consumo de energia no transporte de materiais que se

apresentam no Quadro 3.5.

Quadro 3.5 - Energia consumida em transporte [15]

Transporte MJ/ton Km

Avião 33-36

Rodovia (gasóleo) 0,8-2,2

Ferrovia (gasóleo) 0,6-0,9

Ferrovia (electricidade) 0,2-0,4

Barco 0,3-0,9

Sob esta perspectiva, torna-se evidente a necessidade de se utilizarem materiais locais, de

forma a reduzir a energia incorporada e/ou utilizar somente materiais distantes do local da

obra, desde que tenham baixa massa volúmica. [4]

No Quadro 3.6 apresenta-se uma listagem de valores de energia incorporada em diversos

materiais de construção, utilizada por diversos autores.

Quadro 3.6 - Energia incorporada em materiais de construção [4]

Material MJ/Kg MJ/m3

Agregados em geral 0,1 150

Agregados de rio 0,02 36

Alumínio extrudido 201 542.700

Alumínio extrudido anodizado 227 612.900

Alumínio reciclado 8,1 21.870

Alumínio reciclado extrudido 17,3 46.710

Alumínio reciclado anodizado 42,9 115.830

Asfalto 3,4 7.140

Betume 44,1 45.420

28

Material MJ/Kg MJ/m3

Cimento 7,8 15.210

Argamassa de cimento 2,0 3.200

Betão pronto 17,5 MPa 1,0 2.350

Betão pronto 30 MPa 1,3 3.180

Betão pronto 40 MPa 1,6 3.890

Bloco de betão 0,94 -

Tijolo cerâmico 2,5 5.170

Telha cerâmica 0,81 -

Blocos de adobe estabilizados com cimento 0,42 -

BTC 0,42 -

Taipa estabilizada com cimento 0,8 -

Vidro 15,9 40.060

Vidro laminado 16,3 41.080

Estuque 4,5 6.460

Painel de gesso 6,1 5890

Aço 32 251.200

Aço reciclado 10,1 37.210

Pedra local 0,79 1.890

Pedra importada 6,8 1.890

Zinco 51 364.140

MDF 11,9 8.330

Madeira em bruto seca ao ar 0,3 165

Madeira em bruto seca em estufa 1,6 880

Madeira polida seca ao ar 1,16 638

Madeira polida seca em estufa 2,5 1.380

Contraplacado 10,4 -

Poliéster 53,7 7.710

Poliuretano 74 44.400

PVC 70 93.620

No entanto, os valores apresentados de energia incorporada possuem uma elevada margem

de erro, visto que dependem de vários factores, dos quais se destacam: a eficiência do

processo de transformação; o tipo de combustível utilizado no processo de transformação das

matérias-primas e no seu transporte; a distância de transporte das matérias-primas; a

29

quantidade de matéria reciclada utilizada. Assim sendo, o valor da energia incorporada não é

constante, variando de país para país, e mesmo dentro de cada país, de região para região, e

também de autor para autor, dependendo das variáveis consideradas. [12]

Em 2008, Hammond & Jones [20] apresentam um inventário de valores de energia incorporada

e de carbono incorporado para cerca de 200 materiais de construção, numa abordagem “cradle

to gate”. Segundo estes autores, esta abordagem permite um apuramento mais rigoroso dos

consumos energéticos relativos ao transporte dos materiais para cada caso específico.

De acordo com Thormark [21], uma escolha adequada dos materiais de construção pode

significar uma redução de 17% na energia gasta na construção do edifício.

Assim, uma escolha cuidada dos materiais pode contribuir decisivamente para a redução da

quantidade de energia necessária à construção de um edifício.

Em síntese, de maneira a reduzir a energia incorporada nos edifícios através dos materiais de

construção, deve obedecer-se aos seguintes critérios na selecção dos mesmos:

Preferir os produtos locais.

Utilizar materiais com elevado potencial de reutilização e/ou grande durabilidade.

A ideia de que os materiais de baixa energia são preferíveis aos materiais de alta

energia incorporada nem sempre é correcta. A selecção de um material com maior

quantidade de energia incorporada pode ser mais vantajosa desde que o seu ciclo de

vida seja mais alargado, pois o custo ambiental associado à energia incorporada acaba

por ser amortizado num maior número de anos. Por outro lado, serão preferíveis os

materiais que possam ser directamente reutilizados sem passar por processos de

transformação com custos energéticos (reciclagem).

Utilizar materiais/sistemas de construção de baixa massa. Como a quantidade de

energia incorporada num material/sistema de construção está relacionada com a sua

massa, em geral quanto menor for a massa de um edifício, menor será a quantidade de

energia incorporada. A construção leve, como por exemplo, a construção em madeira,

possui menor energia incorporada do que a construção em betão armado.

Até recentemente pensava-se que a quantidade de energia incorporada num edifício era

pequena em comparação com a energia consumida na operação do edifício durante a sua

vida. Em consequência, realizou-se um maior esforço para reduzir o consumo de energia

operacional através da melhoria da eficiência energética dos edifícios.

De facto, nos edifícios pouco eficientes de um ponto de vista energético e com elevados

consumos, a energia incorporada nos materiais era de apenas 10% a 15% da energia

operacional. Contudo, à medida que a eficiência energética dos edifícios e equipamentos

aumenta, a parcela referente à energia incorporada nos materiais vai-se tornando cada vez

mais importante. [4]

30

Thormark [22] estudou um dos edifícios com menor consumo energético na Suécia, concluindo

que a energia incorporada nos materiais, para uma vida útil de 50 anos, pode representar 45%

da energia total.

O nível de energia incorporada nos materiais reduzirá à medida que a eficiência energética das

indústrias que os produzem aumentar. Contudo, também é necessário haver uma procura por

materiais com baixa energia incorporada, já que esta será uma parcela cada vez mais

significativa.

3.4 Potencial de reciclagem e reutilização

Na selecção dos materiais de construção deve ter-se como critério o potencial de reciclagem e

de reutilização dos mesmos. Depois de esgotada a vida útil do material, este possui um

determinado potencial de reciclagem e reutilização, ou seja, uma determinada capacidade de

vir a gerar outros materiais (reciclagem) ou de ser novamente utilizado (reutilização). Esta é

uma questão importante que pode contribuir para a diminuição do impacte das construções

sobre o meio ambiente, reduzindo o consumo de recursos naturais. Nesta óptica, um produto

que é facilmente reciclável apresenta vantagens perante um produto inicialmente “verde”, mas

que não pode ser reciclado. Da mesma forma, devem preferir-se materiais que possuem

maiores potencialidades de reutilização face a outros com apenas algumas potencialidades de

reciclagem, já que a reutilização directa envolve menor consumo de energia, apesar de ambas

evitarem a descarga de produtos no meio ambiente.

Por outro lado, na selecção dos materiais, é preferível dar ênfase à sua capacidade de

reutilização e reciclagem em detrimento da energia incorporada, já que quanto mais vezes se

utiliza um material ou componente, menor será o custo de energia incorporada, pois este acaba

por ser amortizado no número de utilizações do material. No entanto, existem custos

energéticos associados è reutilização e reciclagem dos materiais que não devem, de forma

nenhuma, ser ignorados nesta análise.

Na indústria da construção, muitos dos produtos ou materiais têm baixo potencial de

reciclagem. Porém, existem produtos que podem ser reciclados várias vezes apesar de que,

hoje em dia, raramente se tire partido deste potencial. Na Suécia, em 1992, o nível de produtos

reciclados era de 5% e na Alemanha, em 1990, foram reciclados 29% dos produtos. Para o ano

2000, ambos países têm o objectivo de atingir os 60%. [23] Na Holanda, a legislação exige que

80% dos materiais provenientes de demolições sejam reciclados para serem utilizados em

novas construções, seja em edifícios ou na construção de estradas. Além disso, as empresas

de demolição, na fase de concurso, têm que declarar a quantidade de material que será

vendido para reciclagem, juntamente com uma apresentação de como irão publicitar esta

situação. [15]

31

Apresentam-se de seguida algumas soluções para a reciclagem de metais, plásticos, vidro,

madeira, betão e materiais cerâmicos. Na realidade, existem muitas outras soluções e

constantemente surgem novas investigações científicas, permitindo avanços neste domínio.

i) Os metais são recicláveis se for possível separá-los por tipo. Os elementos de

construção em aço e em alumínio possuem elevado potencial de reciclagem. É

actualmente possível a produção de perfis de aço laminados e de aço em varão a partir

de matéria-prima 100% reciclada. Com a actual tecnologia de reciclagem do aço é

possível reduzir entre 50% a 70% o consumo energético e a emissão de gases

poluentes na sua produção. O alumínio é também 100% reciclável e com a sua

reciclagem é possível diminuir a energia incorporada e a emissão de gases poluentes

em cerca de 90%. [24]

ii) A maior parte dos plásticos podem ser granulados e reciclados na produção de novos

produtos de plástico. No entanto, as taxas actuais de reciclagem são bastante baixas

devido à grande variedade de plásticos existente, o que torna difícil a sua separação. A

título de exemplo, o polietileno de elevada densidade (PED) pode ser reciclado para a

realização de caixotes de lixo, baldes, cones de tráfego, etc. No entanto, os aditivos,

protecções e os corantes utilizados na produção dos plásticos dificultam a sua

reciclagem. [24]

iii) Os produtos de vidro podem ser reciclados se devidamente separados e não

contaminados. Actualmente, a reciclagem do vidro existente nos resíduos da

construção é pouco praticada. Os vidros dos edifícios podem ser directamente

reutilizados ou reciclados, por exemplo, em novos vidros para aplicar em sistemas de

portas e janelas, bem como em materiais como a fibra de vidro.

iv) Os produtos de madeira podem ser facilmente reutilizados se estiverem em bom

estado de conservação, como é o caso de portas e janelas de dimensões standard ou

de elementos estruturais em madeira se estes estiverem ligados de modo a que sejam

facilmente desmontados.

v) O betão e os produtos cerâmicos (tijolos e telhas) são exemplos de materiais cuja

recuperação e reutilização é difícil. Tanto os elementos em betão, como os produtos

cerâmicos podem ser britados e posteriormente reciclados em agregados para o

fabrico de betão ou utilizados na execução de caixas de pavimento em pisos térreos ou

nas bases de estradas.

3.5 Materiais obtidos a partir de resíduos

Uma das formas para atingir a sustentabilidade dos materiais de construção passa pela

incorporação de resíduos de outras indústrias nos mesmos. Os materiais obtidos a partir de

matérias recicladas ou reutilizadas contribuem para a diminuição dos problemas relacionados

32

com a deposição de resíduos sólidos, diminuição dos consumos energéticos e conservação

dos recursos naturais.

Sendo o betão o material mais utilizado na indústria da construção a nível mundial (cerca de

2000 Mton/ano) [23] e com um ritmo de crescimento exponencial (Figura 3.1), tem nos últimos

anos merecido especial atenção por parte da comunidade científica.

Como exemplo dos avanços já realizados nesta área, refira-se a utilização de resíduos em

betões: com características pozolânicas, cinzas volantes, escórias de alto forno, sílica de fumo,

cinzas de resíduos vegetais, cinzas de resíduos sólidos urbanos e resíduos de vidro. Existe,

também, investigação sobre a incorporação de resíduos em betões, como agregados ou filler, a

saber: resíduos da indústria automóvel, de plástico, têxteis, pó de pedra da indústria das

rochas ornamentais, de extracção de agregados e da indústria cerâmica, e os resíduos de

construção e demolição (RCD). [23]

Figura 3.1 - Evolução da produção de betão a nível mundial [25]

Juntando a este facto as projecções de aumento da população mundial (espera-se que

aumente mais de 2000 milhões de pessoas até ao ano 2030) e as necessidades que daí

advêm em termos de construção de edifícios e outras infra-estruturas, agravar-se-ão de forma

substancial os impactes ambientais associados ao fabrico deste material, isto é, aumentando o

consumo de matérias-primas não renováveis, assim como a produção de resíduos. [25]

Segundo Mehta [26], um betão comum contém cerca de 80% de agregados e 12% de cimento,

em massa. Neste contexto, a substituição de cimento, ainda que parcial, por resíduos reactivos

ou a substituição de agregados naturais por agregados provenientes de resíduos de outras

indústrias, assume um papel fundamental na sustentabilidade dos materiais de construção. [27]

Face ao elevado volume de recursos minerais necessário para responder ao consumo, tanto

de agregados, como de cimento Portland, apresenta-se aqui uma oportunidade excelente para

o reaproveitamento de resíduos de outras indústrias.

No Quadro 3.7, apresentam-se alguns dos resíduos que merecem maior destaque em termos

de potencial de reaproveitamento, são eles: as cinzas provenientes da incineração de resíduos

sólidos urbanos (RSU), os RCD e os resíduos minerais provenientes de minas e pedreiras.

33

Quadro 3.7 - Produção e reaproveitamento de alguns resíduos na Europa [28]

Resíduo Produção

(Mton/ano) Reaproveitamento anual (%)

Cinzas de RSU 10.578 46%

RCD 420 0-90% (consoante o país)

Resíduos minerais 400 -

Convém referir que os RCD constituem uma parte significativa do total de resíduos produzidos,

representando cerca de 1/3 dos resíduos produzidos no espaço Europeu (excluindo as cinzas

de RSU). [4]

Em Portugal, os resíduos de origem mineral constituem a maioria dos resíduos produzidos

(Figura 3.2), representando aproximadamente 30 milhões de toneladas. [4] Estes resíduos têm,

ainda, a desvantagem de estarem depositados em aterros por todo o território nacional,

constituindo um entrave à preservação da biodiversidade.

Figura 3.2 - Tipologia dos resíduos industriais [4]

Na Europa, a taxa média de reciclagem de RCD é de 50%, já na Dinamarca essa mesma taxa

de reciclagem de resíduos é de cerca de 89%, muito por força das taxas de deposição e de

extracção de recursos não renováveis. A incorporação de resíduos industriais em betões

constitui, assim, e no caso concreto de Portugal, uma forma eficaz para se alcançar a meta

prevista no âmbito do 3º objectivo do ENDS 2015 de reduzir em 12,1% o valor dos resíduos

industriais relativamente aos valores do ano de 2001. [23]

É, ainda, relevante referir que a legislação sobre os RCD em Portugal (Decreto-Lei nº 46/2008

de 12 de Março) entrou em vigor em Junho de 2008 e estabelece uma mudança importante na

forma como este tipo de resíduos são agora encarados, tendo especial destaque as seguintes

medidas:

Só é possível a deposição deste tipo de resíduos em aterro após operação de triagem;

É estabelecida uma taxa de deposição em aterro de dois euros por cada tonelada;

58%

11%

9%

5%

5%

4% 9%

Minas e pedreiras

Têxtil

Madeira e papel

Agricultura

Térmicos

Construção e demolição

Outros

34

Nas empreitadas de obras públicas é necessário executar um plano de prevenção e

gestão de RCD.

3.6 Materiais obtidos a partir de fontes renováveis

A utilização de materiais provenientes de fontes renováveis na indústria da construção contribui

de forma inequívoca para a sustentabilidade desta indústria. Incluem-se neste conjunto

materiais como a madeira ou o bambu, desde que o ritmo de renovação destas espécies seja

superior ao ritmo do seu consumo pela indústria da construção. [29]

Porém, esta questão não pode ser tomada de forma absoluta, é necessário ter presente que

nem todas as situações envolvendo o uso de madeiras ou outras espécies vegetais estão

isentas de qualquer impacte ambiental. Neste caso estão as madeiras que tenham elevados

impactes ambientais devido ao seu transporte a longas distâncias ou aquelas que usem

elevadas quantidades de fertilizantes, pesticidas ou fungicidas ou, ainda, que impliquem a

destruição de ecossistemas durante a fase de crescimento. [30]

3.7 Materiais duráveis

Quanto mais durável for um material, maior será também a sua vida útil e por consequência

menor será o seu impacte ambiental.

Esta noção é bem expressa por Mora [31], quando refere, como exemplo, que se se

aumentasse a durabilidade do betão de 50 para 500 anos, isso reflectir-se-ia numa redução do

seu impacte ambiental de um factor de 10 vezes.

Durante a fase de processamento dos materiais, os consumos energéticos são elevados,

portanto um material que seja durável ou que tenha menores necessidades de manutenção,

contribui, em geral, para uma poupança de energia. De igual modo, materiais mais duráveis

contribuem também para a diminuição dos problemas relacionados com a produção de

resíduos sólidos.

É, assim, evidente que os materiais de baixa durabilidade impliquem frequentes operações de

conservação, reabilitação ou mesmo substituição integral, consumindo materiais e energia.

Assim sendo, poderá ser mais vantajoso, em termos ambientais, um material de elevada

energia incorporada mas com uma elevada durabilidade comparativamente a um material com

uma menor energia incorporada mas com uma durabilidade bastante menor.

Embora a utilização de materiais reciclados ou materiais obtidos a partir de resíduos de outras

indústrias constitua um bom critério na procura de maior sustentabilidade, deve ser estudada a

possibilidade da durabilidade desses materiais sair afectada, reduzindo ou mesmo anulando a

aparente vantagem ambiental.

35

O betão armado surge, hoje em dia, como o material de construção mais utilizado na

construção em Portugal. No entanto, este material, que de início se julgava económico e

eterno, revela uma durabilidade limitada e muito dependente de onerosas intervenções de

manutenção e reabilitação. Na realidade, são inúmeros os casos de deterioração precoce de

estruturas de betão armado (Figura 3.3).

Figura 3.3 – Destacamento da camada de recobrimento em viga de betão devido à formação de produtos

de corrosão

A durabilidade deste material deve-se muito ao facto do material ligante (cimento Portland)

apresentar uma elevada quantidade de cal, facilmente susceptível de ataque químico, pelo que

a utilização de betões com materiais pozolânicos é um passo fundamental para o aumento da

durabilidade dos betões correntes. Também a utilização de ligantes alternativos ao cimento

Portland com uma durabilidade superior à deste material, como é o caso dos ligantes activados

alcalinamente, constitui um passo no sentido da sustentabilidade da construção [23].

Hoje em dia, projecta-se dando maior importância à resistência dos materiais em detrimento da

sua durabilidade. Esta situação deve mudar, ambos os aspectos devem ser conciliados, pois

com pequenos investimentos nas fases de concepção e construção é possível alargar bastante

o ciclo de vida dos edifícios. Neste sentido, devem utilizar-se materiais de construção e

sistemas construtivos que sejam duráveis, não esquecendo que as construções devem ser

flexíveis de forma a permitirem ajustes a novas utilizações. Quanto maior for o ciclo de vida de

um edifício, maior vai ser o período de tempo, durante o qual, os impactes ambientais

produzidos durante a fase de construção serão amortizados.

3.8 Análise de ciclo de vida

A análise de ciclo de vida (ACV), conhecida internacionalmente por Life Cycle Assessment

(LCA), é uma metodologia de avaliação dos impactes ambientais causados por um

36

determinado material ou produto durante todo o seu ciclo de vida. Esta metodologia foi utilizada

primeiramente nos Estados Unidos em 1990.

A análise de ciclo de vida “inclui o ciclo de vida completo do produto, processo ou actividade,

ou seja, a extracção e o processamento de matérias-primas, a fabricação, o transporte e a

distribuição, a utilização, a manutenção, a reciclagem, a reutilização e a deposição final” [32].

Internacionalmente, a aplicação de análises de ciclo de vida encontra-se regulamentada, desde

1996, pelas normas ISO 14040, ISO 14041, ISO 14042 e ISO 14043. Porém, as ACV possuem

um grande inconveniente, o de implicarem a existência de vastas quantidades de dados sobre

os impactes ambientais dos materiais em cada uma das fases do seu ciclo de vida.

As metodologias de ACV têm como base diversas categorias de impactes, cada qual com o

seu peso. É, portanto, compreensível que as ponderações das categorias de impacte possam

variar consoante a realidade ambiental de cada país.

As categorias de impactes ambientais habitualmente utilizadas para as ACV podem abranger

as seguintes:

Consumo de recursos não renováveis;

Consumo de água;

Potencial de aquecimento global;

Potencial de redução de camada de ozono;

Potencial de eutrofização;

Potencial de acidificação;

Potencial de formação de smog;

Toxicidade humana;

Toxicidade ecológica;

Produção de resíduos;

Uso de terra;

Poluição do ar;

Alteração de habitats.

Actualmente, existem diversas ferramentas informáticas que utilizam a ACV e que permitem

fazer uma avaliação do impacte ambiental de produtos e materiais de construção (Quadro 3.8):

Quadro 3.8 - Ferramentas para ACV de materiais e produtos

Ferramenta BEES BRE. Envest ATHENA

EcoCalculator

for assemblies

ECO-QUANTUM

País EUA R. Unido Canadá Holanda

A aplicação de ACV ao sector da construção e aos materiais de construção, em particular,

exige a existência de um levantamento exaustivo dos impactes ambientais desses mesmos

37

materiais ao longo do seu ciclo de vida e a nível local, já que estes dados dificilmente podem

ser extrapolados a partir de estudos realizados noutros países, por diferenças óbvias que se

prendem com diferentes contextos tecnológicos e económicos.

38

4 SISTEMAS CONSTRUTIVOS

Depois de se ter abordado a sustentabilidade dos materiais de construção e sabendo que a

selecção destes constitui um factor de grande importância para a sustentabilidade da

construção, no presente capítulo, estudam-se dois tipos de sistemas construtivos – os sistemas

construtivos em terra e os sistemas construtivos em estruturas de aço leve - que se considera

poderem ter um contributo positivo na abordagem da sustentabilidade no sector da construção

nacional.

Para melhor contextualizar as potencialidades de ambos os sistemas construtivos considerou-

se necessário, realizar uma análise da sua sustentabilidade ao longo do ciclo de vida de um

edifício, através da nomeação dos atributos dos sistemas nas diversas fases – concepção,

construção, operação e fim-de-vida.

Não se pretende um estudo exaustivo, pois esse seria extremamente complexo e moroso, por

implicar a existência de vastas quantidades de dados acerca dos impactes ambientais dos

materiais e a utilização de metodologias adequadas para quantificá-los, mas antes uma

abordagem qualitativa que permita sumariar as principais vantagens destes sistemas, sob o

ponto de vista dos materiais empregues, numa perspectiva de análise de ciclo de vida de um

edifício.

Considerou-se igualmente importante listar as principais limitações de cada um dos sistemas

construtivos abordados, já que não se deverá esquecer que todos os sistemas possuem as

suas limitações. É necessário, portanto, pesar pontos fortes e pontos fracos, tendo em conta a

função que determinada construção irá servir e não esquecendo as questões da

sustentabilidade na construção abordadas ao longo desta dissertação, já que este é um

assunto premente.

4.1 Introdução

Como se referiu anteriormente, neste capítulo vão reunir-se alguns exemplos de sistemas

construtivos que se consideram uma alternativa sustentável ao sistema tradicional – estrutura

em betão armado e alvenaria de tijolo cerâmico – considerado neste estudo como a solução de

referência no sector dos edifícios em Portugal.

Entenda-se por sistema construtivo a combinação das soluções construtivas utilizadas na

definição dos principais elementos de construção: pavimentos, paredes e coberturas. Por sua

vez, denomina-se por solução construtiva a combinação de materiais utilizados na

materialização dos diversos elementos de construção de um edifício.

Com a evolução da investigação científica, assistiu-se tanto ao aparecimento de novas

tecnologias construtivas mais compatíveis com o equilíbrio ambiental, como ao reaparecimento

39

de certas tecnologias utilizadas há já muitos milhares de anos e que acabaram por ser

abandonadas na maior parte do globo, como por exemplo, a taipa e o adobe.

De facto, com o evoluir da ciência aplicada à construção, aliada a uma crescente

consciencialização ecológica, o Homem passou a compreender melhor o comportamento de

alguns sistemas construtivos do passado e a corrigi-los de forma a torná-los mais eficientes.

Neste campo destaca-se a tecnologia BTC, que é uma solução relativamente recente.

Os sistemas construtivos em terra – taipa, adobe, e BTC – serão abordados nesta secção.

Em termos de novos sistemas construtivos, focar-se-á um exemplo que é já amplamente

utilizado noutros países, mas que em Portugal é ainda pouco conhecido: o sistema construtivo

em estrutura de aço leve (Light Steel Framing – LSF).

Na selecção dos sistemas construtivos mais adequados é necessário ter em conta alguns

factores importantes [33]:

Durabilidade das soluções em comparação com a vida útil projectada para o edifício;

Análise dos custos económicos ao longo do ciclo de vida;

Consumo energético ao longo do ciclo de vida;

Impacte ambiental de todos os materiais e componentes de construção utilizados;

Disponibilidade de materiais e de técnicos e empresas de construção com a adequada

formação para lidarem com a solução construtiva pretendida;

Requisitos de manutenção;

Flexibilidade da solução e o seu potencial de reutilização/reciclagem;

Distância de transporte prevista para cada material e componente.

4.2 Sistemas construtivos em terra

4.2.1 Enquadramento histórico

Desde que o Homem constrói cidades, há cerca de dez mil anos, que existem construções em

terra crua. Este material foi um dos primeiros a ser utilizado pelo Homem na construção das

suas habitações, muito devido à abundância deste recurso na natureza.

Na antiguidade, este material foi largamente utilizado na Mesopotâmia e no Egipto (junto ao rio

Nilo). Foi, também, uma prática construtiva das civilizações Romana e, mais tarde, da

Muçulmana. Na Ásia, a terra foi muito utilizada pelos hindus e monges budistas e, na América,

pelas civilizações Maia e Inca. No continente Africano, a continuidade é assegurada pelas mais

diversas culturas em países como Marrocos, Nigéria, Mali ou Gana. [34]

Ao contrário do que se possa supor, a terra não foi apenas utilizada em edificações de

pequena escala, como habitações, mas também na construção de edifícios de maior escala,

como monumentos de grande importância militar e religiosa. Exemplos disso são grandes

troços da Muralha da China (Figura 4.1), o palácio de Potala no Tibete (Figura 4.2), as

40

pirâmides de Saqqarah no Egipto ou as ruínas de Chan Chan no Peru, com uma superfície de

14 km2.

Figura 4.1 - Troço da Grande Muralha da China construído em taipa

Figura 4.2 - Palácio de Potala (Lhasa, Tibete)

A primeira cidade da história foi edificada em Jericó, na Palestina. As casas foram construídas

em terra e a cidade rodeada por uma muralha maciça, erguida em blocos de terra [34]. Foi, de

facto, no Médio-Oriente que teve origem a construção em terra crua, bem como o conceito de

cidade.

Na Mesopotâmia, as planícies aluvionares junto aos rios Tigre e Eufrates, ricas em depósitos

de argila, eram uma excelente fonte de matéria-prima para este tipo de construção.

Entre as construções mais antigas com uso de terra, está também o Povoado de Taos, no

estado do Novo México, que foi erguido entre 1000 e 1500 D.C., com paredes de argila seca

ao sol e reforçada com fibras vegetais (Figura 4.3). [35]

41

Figura 4.3 - Edificações em terra (Taos, Novo México)

Efectivamente, são muitas as cidades que, hoje em dia, testemunham ainda o uso ancestral da

terra. Exemplo disso é a cidade histórica de Shibam, no Iémen, que ainda hoje é habitada e

teve origem no século III, embora a maioria dos edifícios que persistiram até hoje sejam do

século XVI (Figura 4.4). A cidade possui as mais altas construções do mundo erigidas em terra

crua, sendo constituída por edifícios que possuem entre 5 e 11 andares. Estes são construídos

com paredes exteriores em adobe cuja espessura vai diminuindo em altura para aligeirar o seu

peso e melhorar a estabilidade. [35]

Figura 4.4 - Construções em terra na cidade de Shibam, Iémen

Na Europa, as habitações rurais em terra fazem parte da paisagem de vários países, tais

como: Dinamarca, Suécia, Inglaterra, Alemanha, França, Espanha e Portugal. Foi com o

Império Romano que se deu uma enorme expansão da construção em terra pela Europa.

Já na Península Ibérica, a construção em terra surge por influência de diversos povos, não só

os Romanos, mas também os Fenícios, Cartagineses e, principalmente, pelos Muçulmanos. De

facto, foram estes últimos que mais divulgaram este tipo de construção, existindo ainda alguns

42

exemplos de arquitectura militar islâmica em taipa no nosso país, como o Castelo de Paderne

ou o de Silves (taipa forrada a pedra vermelha grés). [35]

Em Portugal, a construção em terra data de há várias centenas de anos. Contudo, no início do

século XX este tipo de construção sofreu um declínio, dando lugar à construção em tijolo de

barro cozido. Já no final do mesmo século, assiste-se ao início de um movimento edificatório

no Sul do país com o fim de retomar as técnicas ancestrais da construção em terra crua.

Actualmente, podem ainda observar-se espalhados por quase todo o território nacional, vários

edifícios antigos que ilustram as diversas técnicas tradicionais de construção em terra.

Na zona do Alentejo e Algarve, ainda hoje se podem encontrar exemplares construídos em

taipa (Figura 4.5a), técnica que consiste na execução de paredes auto-portantes in situ.

Já na zona Centro do país, numa faixa que se estende de Sul para Norte e que abarca os

distritos de Setúbal, Évora, Portalegre, Santarém, Leiria, Coimbra e Aveiro, predominam os

edifícios de paredes construídas com recurso a blocos de terra (adobe) (Figura 4.5b).

A Norte do país, na zona das Beiras (Alta e Baixa), Trás-os-Montes e entre Douro e Minho,

encontram-se com maior incidência exemplares da construção em tabique, em que as paredes

dos edifícios são constituídas por um engradado de madeira e preenchidas por terra (Figura

4.5c).

Figura 4.5 - Distribuição geográfica das construções tradicionais Portuguesas em terra: a) Taipa; b)

Adobe; c) Tabique [36]

Na actualidade, estima-se que cerca de 50% da população mundial vive em habitações feitas

com terra crua, algo como 3.000 milhões de pessoas. [35]

Em síntese e de modo a permitir uma visualização mais abrangente da expansão e distribuição

da construção de terra a nível mundial, apresenta-se a Figura 4.6.

43

Figura 4.6 – Mapa-mundo – Zonas com elevada densidade de construção em terra [35]

Hoje em dia, a tradição da construção em terra crua mantém-se em cidades de África e Médio

Oriente, onde se encontram, por exemplo, Kano na Nigéria, Tombouctou no Mali ou Shibam no

Iémen (como atrás já foi referido). [34]

4.2.2 O material

A escolha da matéria-prima é o factor que mais influencia o sucesso da construção em terra,

independentemente da técnica a utilizar. Através de procedimentos simples é possível

conhecer a granulometria de determinada terra e aferir sobre a sua adequabilidade para a

construção. A escolha da terra prende-se essencialmente com dois factores: o seu

comportamento face à água e a sua resistência mecânica (sendo o segundo aspecto

influenciado pelo primeiro). [37]

Em termos gerais, os solos consistem em fases de matéria orgânica (plantas e animais em

decomposição) e em fases que resultam da desagregação de rochas em virtude da acção dos

agentes físicos, químicos e biológicos. Contudo, o material utilizado como matéria-prima na

construção em terra consiste somente na fase mineral dos solos. Esta fase é constituída por

partículas minerais de tamanho variável, nomeadamente, argilas, siltes e material arenoso, as

quais se encontram misturadas entre si também em proporções variáveis.

A definição da estrutura da terra depende da forma como as partículas se agregam e de como

a água e o ar circulam. A parte mineral da terra é constituída por elementos estáveis (saibro e

siltes), os quais conferem resistência mecânica, e elementos instáveis (partículas de diâmetro

inferior a 2µ), sendo o principal elemento as argilas, que conferem plasticidade e coesão à

terra. [37]

De um modo geral, o estudo da granulometria permite definir a composição da terra. Este

estudo, para além de servir de base à escolha da técnica construtiva a utilizar, permite saber

como corrigir a curva granulométrica e a composição do solo através da adição de elementos –

estabilização.

A estabilização tem como principais objectivos os seguintes: obter um melhor comportamento

mecânico, obter uma melhor coesão, reduzir a porosidade e as variações de volume, melhorar

44

a resistência à erosão do vento e da chuva, reduzir a abrasão da superfície e impermeabilizar.

[37]

Os métodos de estabilização mais utilizados consistem na [37]:

Densificação da terra por compressão;

Inclusão de armaduras de fibras;

Adição de cimento, cal ou betume.

No método de estabilização pela adição de fibras, a palha continua a ser hoje em dia a fibra

mais utilizada. No entanto, são também utilizadas redes de fibra de vidro ou aço.

A utilização de fibras permite diminuir e evitar a fissuração nos processos de secagem das

paredes, permitindo distribuir as tensões de retracção da argila por toda a massa. A utilização

da palha, em específico, permite diminuir a massa volúmica do material e aumentar a

resistência mecânica. No entanto, a palha apresenta a desvantagem de se degradar quando

exposta por períodos prolongados a ambientes húmidos.

Hoje em dia, o cimento é o estabilizante mais utilizado. A adição de cimento à terra apresenta

duas reacções principais: a aglomeração das partículas estáveis e uma reacção com a argila,

tornando-a mais estável.

No que diz respeito à adição de cal, a reacção pozolânica é a principal de várias reacções que

esta estabelece com a terra. Verifica-se uma dissolução dos minerais argilosos num ambiente

alcalino, produzido pela cal e a combinação da sílica e do alumínio das argilas com o cálcio,

para formar silicatos de alumínio e cálcio, que aglutinam as partículas. [37]

A utilização de betume pode ser feita através da mistura com solventes, disperso numa

emulsão ou aquecido. O betume aumenta a resistência da terra à água, melhorando a coesão

de solos pouco colantes. Para uma distribuição eficaz e homogénea do betume, é necessária

muita água, pelo que o adobe é a técnica que mais convém a este material de estabilização.

4.2.3 Principais técnicas construtivas utilizadas

As técnicas de construção em terra podem ser divididas em três grandes grupos:

Monolítica (in situ);

Por unidades (alvenaria);

Por enchimento e revestimento.

A construção monolítica pode ser executada de variadas formas. A taipa, por exemplo, a

técnica mais conhecida em Portugal, consiste basicamente na execução de grandes blocos de

terra moldada in situ, compactada com pisões, dentro de cofragens de madeira (taipal).

45

Quanto à construção por unidades, ou seja, a execução de paredes em alvenaria de terra, são

utilizados diferentes tipos de unidades pré-fabricadas, como o adobe, o bloco de terra

comprimido (BTC), os blocos de terra recortada ou terra extrudida.

O adobe é um bloco produzido mediante a moldagem de terra plástica, por um processo de

fabrico manual ou mecânico, que é depois seco ao sol.

Já o BTC produz-se pela prensagem da terra no seu estado húmido, podendo ter um processo

de fabrico mecânico ou hidráulico.

Por último, entre as técnicas de construção por enchimento e revestimento encontra-se o

tabique, também designada por taipa de mão, pau-a-pique ou barro armado no Brasil, torchis

em França, ou por wattle and daub no Reino Unido. Esta técnica consiste na execução de um

engradado de madeira, cana ou vime, que é preenchido com terra argilosa, podendo conter

fibras vegetais (Figura 4.7).

Figura 4.7 - Paredes de terra sobre engradado de madeira (tabique)

A construção em terra recorre actualmente a uma grande variedade de técnicas, desde as mais

rudimentares até aos procedimentos mais sofisticados, industriais, mecanizados e

automatizados.

Os parâmetros de produção têm uma influência considerável na qualidade do produto, sobre os

rendimentos e sobre a economia da solução. A optimização da produção pode ser decisiva

para a aceitabilidade e fiabilidade económica do produto.

Actualmente, são empregues essencialmente três técnicas construtivas em terra: a taipa, o

adobe e o BTC, as quais se irão abordar nos capítulos seguintes.

4.2.3.1 Taipa

A taipa consiste na construção de paredes monolíticas de aproximadamente 50 cm de

espessura com terra húmida, através de um processo de compactação realizado entre dois

painéis de cofragem que são removidos após a secagem da terra (Figura 4.8).

46

Esta técnica, também designada por pisé em França e tapial em Espanha, encontra-se

disseminada a nível mundial e muitas dessas construções já fazem parte do património

mundial da UNESCO.

Figura 4.8 - Construção de paredes em taipa

Este método requer pouca quantidade de água e por essa razão esta técnica encontra-se com

mais frequência em regiões secas, onde a água não abunda.

Na sua utilização tradicional, este processo implicava prazos de obra muito longos.

Actualmente, o processo agilizou-se através da aplicação de cofragens metálicas deslizantes e

sistemas mecânicos de compactação da terra. Para este processo, recorre-se quase sempre a

adições de cimento ou cal à terra.

Esta forma de construir exige alguma perícia e formação na área, uma vez que são

necessários alguns cuidados. As principais dificuldades estão em reunir uma terra adequada e

garantir boas condições de humidificação, para obter uma compactação eficaz.

Nesta técnica, a terra é colocada nas paredes em camadas sucessivas de cerca de 60 cm de

altura e 2 m de comprimento. Em geral, as fundações tradicionais eram executadas em

alvenaria de pedra, de forma a evitar a ascensão de humidade nas paredes de taipa.

Actualmente, este processo tradicional ainda se aplica em pequenas obras. A compactação da

terra é realizada em camadas de aproximadamente 10 cm, até se preencher todo o taipal,

sendo este posteriormente removido e recolocado para a camada seguinte.

Na Figura 4.9 apresenta-se um taipal tradicional constituído por dois taipais laterais, duas

comportas e quatro costeiros que junto com as agulhas fazem o travamento do molde.

47

Figura 4.9 - Taipal tradicional [38]

É fundamental garantir que os elementos de cofragem tenham uma elevada rigidez de forma a

suportar tensões elevadas, bem como os impactos de vibração da compactação. Também

neste processo, à semelhança da descofragem de paredes de betão, pode utilizar-se um óleo

descofrante na face interior dos painéis.

Outra fase crucial do processo de construção em taipa diz respeito à compactação. Esta

operação é realizada manualmente com recurso a pilões, também designados por maços ou

malhos. Embora os equipamentos utilizados variem muito de país para país, considera-se

como peso óptimo para uma ferramenta de compactação cerca de 5 a 9 Kg [38]. Este processo

de apiloamento requer rapidez para que a compactação seja realizada com a terra na

humidade correcta de maneira a obter a coesão desejada (Figura 4.10).

Figura 4.10 – Diferentes tipos de pilões ou maços utilizados na taipa tradicional [38]

Os autores Maniatidis e Walker [39] referem que apesar da actividade de compactação ser

muito morosa, uma equipa de 3 trabalhadores pode executar 1,5 a 3 m3 de taipa diariamente

com recurso a compactação manual.

Tradicionalmente, a construção em taipa obedecia a um ciclo que se relacionava com as

estações do ano. Assim, a construção iniciava-se na Primavera. Durante o Verão a terra

secava, adquirindo maior dureza. No Outono e Inverno, os agregados de maior dimensão

“migravam” para junto da parede exterior, por acção da chuva, produzindo uma superfície com

Taipal

Comporta

Costeiros

48

boa aderência para o reboco, que só era executado na Primavera seguinte, junto com a

caiação, ou conferindo esta última, por si só, uma boa protecção da parede. [37]

Hoje em dia, através das novas tecnologias, já é possível agilizar todo o processo da

construção em taipa, num processo a que se dá o nome de taipa mecanizada. Esta técnica

difere da taipa tradicional apenas na qualidade e dimensões da cofragem e no meio de

compactação.

No processo actual (taipa mecanizada), é prática comum recorrer-se a painéis de cofragem

deslizantes, painéis integrais e, no caso da parede ficar oculta, também se podem utilizar

sistemas de cofragem perdidos.

A escolha dos materiais para a cofragem e dimensões dependem da textura que se pretende

obter na parede de taipa, utilizando-se hoje em dia cofragens de diversos materiais, tais como

contraplacado, alumínio, aço e fibra de vidro (Figura 4.11).

Figura 4.11 - Construção em taipa com cofragens metálicas, Austrália [39]

Relativamente ao processo de compactação, actualmente utiliza-se a compactação

mecanizada por impacto, através de compressores pneumáticos de peso reduzido – até 15Kg,

(Figura 4.12) e por vibração, através de placas vibratórias.

49

Figura 4.12 - Compactação de terra por meios mecânicos (compressor pneumático) [40]

A terra utilizada na taipa é normalmente arenosa, rica em pedras e pouco argilosa. A terra

depositada em zonas aluvionares é habitualmente aproveitada para as paredes em taipa.

Muitas vezes, para aumentar a resistência mecânica à tracção da terra, é adicionada uma fibra

vegetal (palha) ou sintética, como se referiu anteriormente. A argila funciona como elemento

aglutinador, a areia confere rigidez à estrutura e a gravilha proporciona resistência mecânica.

Em termos gerais, a granulometria de uma terra destinada a taipa deve conter,

aproximadamente [41]:

Argila: 15-25%;

Silte: 20-35%;

Areia: 40-50%;

Gravilha: 0-15%.

Normalmente, só deve ser preparada a terra que se vai utilizar diariamente, de forma a evitar

que a terra esteja susceptível a uma humidificação excessiva durante a noite ou à chuva.

4.2.3.2 Adobe

O adobe é uma técnica de construção de paredes com tijolos maciços de terra crua,

preparados em moldes e secos ao sol. Esta é uma das técnicas mais antigas de construção em

terra, permitindo além da construção de paredes, a edificação de arcos, abóbadas e cúpulas.

O termo adobe deriva do árabe attob que significa tijolo seco ao sol. Esta técnica foi

implementada na Península Ibérica aquando da ocupação árabe.

Esta técnica consiste na moldagem de pequenos blocos, normalmente utilizando moldes em

madeira, desmoldados ainda no estado fresco e colocados a secar à temperatura ambiente

(Figura 4.13).

50

Figura 4.13 - Produção manual de adobes [38]

As dimensões e formatos dos blocos de adobe são diversas, podendo ser fabricados blocos

simples ou com encaixe do tipo macho-fêmea para melhorar o travamento da parede.

Para o fabrico dos blocos de adobe, a terra é misturada com água e, por vezes, reforçada com

fibras vegetais (geralmente palha) ou sintéticas, de forma a obter um bloco consistente.

Esta forma de construir é muito semelhante à colocação do tijolo convencional formando uma

alvenaria. O assentamento dos adobes realiza-se com argamassas à base de terra de forma a

obter um melhor comportamento de conexão entre os materiais, mantendo assim o mesmo

nível de retracção e evitando o aparecimento de fissuras ou destacamento do material.

Actualmente, à semelhança do que se verifica no caso da taipa, também a construção em

adobe faz uso da tecnologia actual utilizando máquinas semelhantes às agrícolas, o que

permite um fabrico mecanizado e mais rápido dos blocos (Figura 4.14).

Figura 4.14 - Produção mecânica de adobes [34]

A composição da terra é um aspecto fundamental. Não se devem utilizar solos com argilas

expansivas. As terras utilizadas no fabrico dos adobes podem ter maior teor em argila do que

no caso da taipa. De seguida indica-se a composição granulométrica de referência da terra

destinada a incorporar blocos de adobe [42]:

Argila: 15-18%;

51

Silte: 10-28%;

Areia: 55-75%.

4.2.3.3 BTC

O BTC – bloco de terra comprimido – é um dos métodos de construção em terra mais utilizados

actualmente. Esta técnica surge de uma evolução do adobe por estabilização do solo através

de meios mecânicos, consistindo da prensagem do solo confinado num molde, o que permite

obter blocos de terra prensada com melhores características que os blocos de adobe.

Efectivamente, quando comparados com os blocos tradicionais de adobe, os blocos de BTC

têm formas e dimensões mais regulares e densidades superiores, oferecendo assim uma

melhor resistência à compressão, bem como a resistência à erosão e à degradação através do

contacto com a água.

Esta é uma técnica relativamente recente, desenvolvida nos anos 50, no âmbito de um

programa de pesquisa sobre habitação rural na Colômbia [37]. Nesse mesmo âmbito, foi

desenvolvida, pelo Engenheiro Raul Ramirez, a primeira prensa manual para compactar blocos

de terra, denominada prensa CINVA-Ram. Na Figura 4.15 pode observar-se a execução de um

BTC com a prensa CINVA-Ram.

52

Figura 4.15 - Execução de BTC com a prensa CINVA-Ram: a) Enchimento da câmara com terra; b)

confinamento da mistura; c) elevação do BTC; d) retirada do BTC [35]

Estes blocos compactados com recurso a prensas manuais requerem mais mão-de-obra e

tempo de fabrico. Por outro lado, têm a vantagem de ser mais económicos em termos de

consumo energético e facilidade de transporte para o local de obra.

Actualmente existe equipamento adaptado a diferentes escalas de produção, os blocos de BTC

são produzidos tanto em pequenas oficinas locais, para a execução de uma obra específica,

como em produções semi-industriais e industriais. Como tal, além da prensa manual, pode

ainda ser utilizada uma prensa hidráulica.

O bloco de terra compactado em prensa hidráulica não requer força manual, tornando-se num

processo de fabrico mais rápido, sobretudo em máquinas com capacidade de compactar

diversos blocos ao mesmo tempo. Além disso, também torna o processo bastante fiável, uma

vez que não depende tanto do operador.

Estes blocos apresentam resistências mecânicas substancialmente superiores em relação aos

prensados manualmente. Tendo ainda uma maior resistência ao contacto com a água uma vez

que existe uma menor quantidade de vazios. [35]

As prensas hidráulicas podem ser fixas ou móveis (Figura 4.16). Estas últimas permitem uma

maior mobilidade, podendo os blocos ser executados no local da obra à semelhança das

prensas manuais, utilizando a terra do local e permitindo uma maior rapidez de fabrico. Assim,

a) b)

c)

d)

53

é possível atingir-se uma maior sustentabilidade deste tipo de construção, evitando-se o

transporte economicamente desvantajoso dos blocos.

Figura 4.16 - Prensa hidráulica para fabrico de BTC: a) Fixa; b) Móvel [43]

Na construção em BTC, os limites para a constituição do solo não diferem muito dos que se

referiram para o caso do adobe, recomendando-se os seguintes valores [44]:

Argila: 1-20%;

Silte: 10-20%;

Areia: 50-70%.

Este método de construção em terra (BTC) é aquele que implica prazos de construção mais

curtos, pois praticamente não exige tempo de espera entre a produção e a aplicação do

material. A produção pode ser assegurada todo o ano, independentemente das condições

climatéricas. [37]

b)

a)

54

4.2.4 Sustentabilidade da construção em terra

4.2.4.1 Sustentabilidade na fase de concepção

Na fase de concepção é determinante a escolha dos materiais e sistemas construtivos mais

adequados, assim como o planeamento da construção propriamente dita. Desta forma poder-

se-ão reduzir ao mínimo os impactes ambientais associados não só à fase de construção, mas

também a todas as fases do ciclo de vida do edifício. Ao longo deste seu ciclo de vida, os

edifícios contribuem de várias formas para a degradação ambiental. Daí a necessidade de uma

averiguação profunda de todo o processo, analisando-se os efeitos provocados nesse mesmo

percurso.

Sendo a selecção dos materiais um dos factores críticos na concepção sustentável de um

edifício, a terra crua, como material de construção, tem inegáveis vantagens ambientais e pode

ter uma contribuição significativa para uma maior sustentabilidade na construção.

Esta tecnologia baseia-se em técnicas de construção simples, podendo, geralmente, recorrer-

se a mão-de-obra pouco especializada. Não sendo necessário o uso de maquinaria pesada,

mas apenas de ferramentas simples, permite que seja executada pelos próprios utilizadores

finais (autoconstrução), tornando a construção mais económica.

4.2.4.2 Sustentabilidade na fase de construção

A utilização de solo para a construção em terra não pode propriamente considerar-se como a

utilização de um recurso renovável. Contudo, este tipo de construção em muito difere dos

impactes ambientais provocados pela actividade extractiva de materiais para o fabrico de

cimento, para o fabrico de tijolos cerâmicos ou mesmo do aço, os quais produzem grandes

depósitos de escombreiras e lagos de lamas, pois regra geral o solo utilizado na construção em

terra localiza-se imediatamente abaixo da camada de terra vegetal. Efectivamente, a utilização

de solo para a construção em terra envolve em termos gerais e basicamente a remoção da

camada superficial de terra vegetal e não tem impacte significativo em termos energéticos dado

que é uma tarefa que pode ser efectuada manualmente.

Segundo o autor Houben [45], a produção de betão consome cerca de 100 vezes mais energia

que um material natural como a terra.

Como tal, a terra é um material ecológico pois não utiliza recursos escassos, não é poluente e

não carece de processos de transformação da matéria-prima que recorram a meios

energéticos dispendiosos.

Além disso, esta é uma matéria-prima abundante, estando disponível em praticamente todas

as localizações. Isto significa que, em muitos casos, é possível a construção em terra a partir

de solo extraído do próprio local da obra, ou perto, reduzindo-se o consumo de energia e

emissões de gases poluentes causados pelo transporte deste material. Já a utilização de

alvenarias de tijolos cerâmicos ou de betão cuja produção é muito localizada e raramente

55

próximo das zonas de construção dos edifícios de habitação implicam sempre elevadas

distâncias de transporte com os consequentes impactes em termos de emissões de poluentes

gasosos. [35]

No que diz respeito à geração de resíduos, a construção em terra praticamente não gera

resíduos, excepto aqueles decorrentes da utilização de outros materiais. Os desperdícios da

construção em terra (não estabilizados) podem simplesmente ser objecto de deposição no local

da sua extracção sem qualquer perigo ambiental envolvido. Mesmo quando é objecto de

estabilização com cal ou cimento, o solo pode voltar a ser reutilizado neste tipo de construção.

[35]

4.2.4.3 Sustentabilidade na fase de operação

A construção em terra, por utilizar um material natural e, portanto, não tóxico, não está, regra

geral, associada aos efeitos nocivos da contaminação do ar interior com COV’s, pelo que não

apresenta qualquer efeito pernicioso à saúde dos ocupantes destes edifícios.

Uma outra vantagem da construção em terra diz respeito à sua capacidade de regular o nível

de humidade relativa no ar interior. [38]

Arundel et al [46] referem que níveis de humidade relativa acima de 70% são responsáveis

pelo aparecimento de bolores, os quais podem desencadear reacções alérgicas. Valores de

humidade relativa acima de 60% estão associados à presença de ácaros e doenças do foro

asmático [38].

Por outro lado, valores de humidade relativa abaixo de 40% estão ligados ao síndrome dos

“edifícios doentes”, típico de ambientes muito secos. A exposição prolongada a este tipo de

ambiente dá lugar a uma secagem da mucosa respiratória, propiciando o aparecimento de

doenças do foro respiratório como amigdalites, faringites e bronquites. [47]

A partir destas considerações, conclui-se que, para efeitos de saúde humana, o teor de

humidade relativa do ar interior deve manter-se entre 40% e 60%. Sendo que a construção em

terra consegue manter os níveis de humidade relativa neste intervalo. [48]

Em termos de comportamento térmico, a construção em terra é caracterizada por possuir uma

elevada massa por unidade de superfície. Os edifícios que empregam esta tecnologia possuem

assim elevada inércia térmica, o que a torna adequada a zonas climáticas com grandes

amplitudes térmicas. Este facto permite grande economia de energia durante a fase de

operação, já que os edifícios em terra consomem menos energia em aquecimento e

arrefecimento.

Também devido à sua elevada massa, as paredes em terra apresentam-se como um excelente

isolante acústico, o que contribui para o conforto no interior das habitações.

No que respeita ao comportamento ao fogo, o facto da terra crua ser incombustível contribui

para a protecção do ambiente da poluição atmosférica e da desflorestação.

Em termos de durabilidade, a construção em terra é uma tecnologia utilizada há milhares de

anos, existindo exemplos de edifícios com vários séculos de existência, que ainda se

56

encontram em perfeito estado de conservação. De facto, as construções em terra têm uma

elevada durabilidade, desde que devidamente protegidas contra as condições climatéricas

mais severas – por exemplo, devido à porosidade da terra, esta deve ficar protegida da chuva e

não deve ficar exposta a longos períodos de humidificação. É essencial proteger o topo da

parede da humidade da chuva e a sua base da humidade do terreno. Assim sendo, este tipo de

construção necessita de adequada manutenção e conservação.

4.2.4.4 Sustentabilidade na fase de fim-de-vida

Na fase de fim-de-vida os materiais de terra crua podem ser devolvidos à natureza com maior

facilidade do que qualquer outro material. De facto, a terra, quando utilizada sem aditivos, pode

ser reutilizada um número ilimitado de vezes, não constituindo, portanto, um resíduo nocivo

para o ambiente após a sua demolição. Mesmo quando é objecto de estabilização com cal ou

cimento, o solo pode voltar a ser reutilizado neste tipo de construção.

4.2.5 Factores limitadores

O principal inconveniente da construção em terra crua diz respeito à fraca resistência do

material em presença de água, pelo que a sua utilização está mais difundida nas regiões secas

do que nas húmidas. Assim, quando não são tomadas as devidas precauções, as paredes em

terra podem ser facilmente degradáveis pela acção da água.

É possível reduzir a acção da água construindo boas fundações, elevando-as até uma altura

segura, protegendo a construção com uma boa cobertura e protegendo as paredes com um

revestimento uniforme. [49]

O princípio básico de construir em terra é evitar o contacto entre as paredes e o solo. A terra,

mesmo quando estabilizada com cimento, é susceptível à acção da água, a qual diminui a sua

capacidade de resistência. A possibilidade da ascensão de água nas paredes por capilaridade

deve ser prevista e evitada, através das técnicas correntes de construção, como a utilização de

um solo bem compactado e estável, a previsão de sistemas eficazes de drenagem de águas

periféricas e/ou a execução de barreiras de vapor entre a fundação e o início da parede de

terra.

Outro problema da construção em terra é que apresenta fracas resistências mecânicas,

sobretudo a acções horizontais, como é o caso da acção sísmica.

As paredes em terra crua têm uma resistência razoável a esforços de compressão vertical

devido ao peso próprio, no entanto à tracção e à flexão têm uma resistência bastante reduzida.

Esta característica preconiza a importância do reforço destas construções e o conjunto de

definições geométricas que se devem seguir na concepção e reforço destas estruturas. [50]

57

Tendo em conta os padrões de qualidade actuais, a utilização apenas de terra e dos meios

tradicionais é praticamente impossível, sendo necessário recorrer pontualmente ao betão e a

outros materiais correntes.

Uma construção em terra deverá ter em conta as suas limitações e fragilidades durante os

processos de concepção e construção para que possa ter sucesso. Assim, são normalmente

tidos em especial consideração aspectos como [49]:

Escolha criteriosa do local de implantação;

Maior cuidado na escolha dos materiais e na produção;

Para minimizar os efeitos das cargas horizontais, são utilizados determinados padrões

eficazes de aplicação das peças, para garantir uma correcta relação entre as juntas de

fiadas;

Para edifícios de grande desenvolvimento em planta, as paredes são seccionadas,

para formar vários elementos independentes;

Escolha de formas e concepção arquitectónica apropriada; a assimetria das formas,

tanto em planta como em elevação, bem como as assimetrias na massa e na rigidez

devem ser evitadas; as plantas devem ser preferencialmente compactas e de formas

quadrangulares ou circulares;

Execução de uma fundação correcta;

A espessura mínima das paredes deverá ser aproximadamente de 40 cm e a altura

não deverá exceder 6 vezes a espessura; não devem haver distâncias superiores a 3

m entre dois elementos de ligação verticais; uma parede não deve ter um comprimento

superior a 8 vezes a sua espessura, entre dois contrafortes ou elementos de ligação

verticais;

Os contrafortes devem ser colocados de forma simétrica e correctamente fundados;

As armaduras horizontais (varões de aço, varas de madeira ou canas), a existirem,

devem estar dispostas aproximadamente de 50 cm em 50 cm;

A superfície de aberturas será a estritamente necessária e não deverá exceder 15% a

20% da superfície das paredes;

A largura de cada abertura será limitada a 35% do comprimento da parede;

As paredes devem ser ligadas por um lintel de coroamento contínuo, resistente à

tracção e durável;

Devem ser criados reforços nas zonas dos ângulos;

As coberturas devem ser o mais leves possível e deve tentar reduzir o mais possível as

cargas sobre as paredes; a cobertura deverá estar bem ligada às paredes.

58

4.3 Sistemas construtivos em estruturas de aço leve – Light Steel

Framing

4.3.1 Enquadramento

O material mais abundantemente utilizado em Portugal na execução da estrutura de edifícios é

o betão armado, como já se referiu anteriormente. Contudo, a produção de betão acarreta

elevados consumos energéticos associados à produção do cimento e dos agregados que o

constituem, bem como a elevada quantidade de recursos naturais exigida nestas operações.

Durante a fase de construção, os trabalhos em betão armado são responsáveis pela geração

de grandes quantidades de resíduos e desperdícios prejudiciais ao ambiente. Por outro lado,

no final do seu ciclo de vida, o betão não apresenta grandes possibilidades de vir a ser

reciclado, já que as operações de demolição e de reciclagem são economicamente muito

dispendiosas graças à elevada complexidade dos processos para separação do aço e do

betão. Estas questões tornam este material incompatível com os desígnios da construção

sustentável.

O caminho no sentido da sustentabilidade da construção é premente e engloba diversas

medidas, passando algumas delas pela utilização de novos materiais e novas tecnologias

construtivas.

Os sistemas construtivos em estruturas de aço leve, que se irão abordar neste capítulo,

surgem como alternativa ao sistema construtivo tradicional na procura de maior

sustentabilidade na construção, através da diminuição do consumo de matérias-primas, da

utilização de materiais de construção mais ecológicos e de um processo construtivo mais

industrializado.

Este sistema construtivo é maioritariamente conhecido por Light Steel Framing (LSF) ou, em

alternativa, Light Gauge Steel Framing (LGSF) e está especialmente vocacionado para a

construção de edifícios de dois ou três pisos, com estrutura em perfis de aço galvanizado de

baixa espessura, resultando num peso total dos elementos estruturais bastante baixo. Daí

advém a designação Light Steel Framing que poderá traduzir-se por estruturas de aço leve.

Efectivamente, a leveza dos perfis de aço galvanizado utilizados no sistema LSF, facilita

enormemente o seu transporte e aplicação.

O aço estrutural, por apresentar uma resistência superior à do betão armado, permite a

execução de elementos estruturais de menor secção, possibilitando a construção de estruturas

mais leves e de maiores dimensões, que consomem menor quantidade de matéria-prima. Além

disso, contrariamente ao betão armado, no final da vida útil das construções, o aço pode ser

facilmente reutilizado ou reciclado. [12]

Este sistema caracteriza-se por um grau superior de industrialização em comparação com a

construção convencional em betão armado, já que grande parte dos elementos construtivos

são produzidos em fábrica e não em estaleiro, o que se traduz em maior rapidez de

59

construção, diminui a quantidade de mão-de-obra e equipamento pesado necessários, melhora

as condições de higiene e segurança em obra e diminui a quantidade de desperdícios.

4.3.2 Constituição

4.3.2.1 Estrutura

Como se referiu anteriormente, o material utilizado na estrutura de uma construção LSF é o

aço galvanizado. Os montantes e vigas utilizados nas construções LSF são obtidos a partir de

chapas de aço galvanizado por imersão em zinco quente.

O processo de produção dos perfis referidos consiste no corte de bobines de chapa de aço em

tiras de menor largura, sendo depois a chapa moldada a frio para a forma desejada através de

processos de quinagem ou perfilagem. Os formatos mais utilizados no sistema LSF são o canal

de abas simples – conhecido por “perfil U” – e o canal de abas compostas – “perfil C” (Figura

4.17).

Figura 4.17 - Perfis "C" utilizados na estrutura de sistemas construtivos LSF [51]

Estas peças variam tanto na secção, como na espessura, consoante o tipo de soluções

adoptadas e as cargas a que o edifício estará sujeito.

Na estrutura das paredes é comum usarem-se perfis com alturas da secção variáveis entre os

80 e os 150 mm, e espessura da chapa compreendida entre os 0,8 e os 2 mm. [52]

Na estrutura das lajes, a altura mínima da secção dos perfis é de 150 mm e a máxima pode

atingir os 300 mm, com espessura da chapa variável entre 1,5 e 4 mm.

Nos sistemas LSF, a ligação dos diversos elementos estruturais é, geralmente, mecânica, feita

por aparafusamento. Outra alternativa é a ligação ser feita por soldadura, a qual implica

maiores tempos de construção e torna mais complexo o desmantelamento do edifício no final

da sua vida útil, pelo que é pouco utilizada.

Os parafusos utilizados na ligação das peças metálicas são de aço galvanizado, auto-

perfurantes e auto-roscantes (Figura 4.18), isto porque os parafusos abrem o seu próprio

orifício no perfil, não sendo necessária furação prévia e, por outro lado, não necessitam de

porca. De igual modo, os materiais que revestem a estrutura, tanto pelo interior, como pelo

exterior, são fixos por parafusos. São utilizados vários géneros de parafusos, consoante o tipo

60

de elementos que se pretendem ligar, diferindo essencialmente em comprimento, espessura,

formato da cabeça e tipo de broca.

Figura 4.18 - Parafuso auto-perfurante e auto-roscante utilizado no sistema LSF [52]

4.3.2.2 Paredes exteriores

As paredes exteriores do sistema LSF são compostas por diversas camadas que

desempenham funções diferentes, de modo a satisfazer as várias exigências – estruturais,

térmicas, acústicas, etc. (Figura 4.19).

Figura 4.19 - Representação esquemática de uma possível solução construtiva para as paredes

exteriores no sistema LSF [12]

O revestimento exterior das paredes é geralmente efectuado pela utilização de sistemas

compósitos de isolamento térmico pelo exterior4 que actuam simultaneamente como isolamento

térmico e material de revestimento e acabamento.

4 Também conhecido por ETICS – do inglês “External Thermal Insulation Composite Systems”

EXT. INT.

Reboco impermeabilizante armado

Poliestireno expandido (EPS)

Piso térreo

Rodapé

Lã de rocha

2 x Painel de gesso cartonado

Viga de fundação

Membrana betuminosa

Painel OSB

61

Na Figura 4.20 poderá observar-se, com maior pormenor, uma representação esquemática do

ETICS.

Figura 4.20 – ETICS - Sistema de Revestimento e Isolamento Térmico pelo Exterior [53]

No caso do sistema LSF, o suporte de aplicação do sistema é geralmente constituído por

painéis de OSB – Oriented Strand Board – que, como o próprio nome indica, são painéis

constituídos por fibras de madeira orientadas.

Inicialmente, reveste-se a totalidade dos painéis de OSB com placas de poliestireno expandido

(EPS), por colagem ou aparafusamento. A espessura das placas de EPS varia em função do

nível de protecção térmica pretendido.

Em segundo lugar, aplica-se a camada de base, cuja preparação tem como produto-base uma

pasta idêntica à de colagem – cola pré-preparada disponível no mercado à qual se adiciona

cimento Portland na quantidade de 30% do peso da pasta.

A armadura consiste numa rede metálica ou de fibra de vidro e deverá ficar totalmente

incorporada na camada de base. Esta armadura confere resistência mecânica ao revestimento

e a sua espessura varia consoante o nível de resistência ao impacto pretendido.

Seguidamente, procede-se à aplicação de um primário que se trata de uma pintura opaca, à

base de resinas em solução aquosa, e, cuja função, é regular a absorção e melhorar a

aderência da camada de acabamento.

Por fim, aplica-se uma camada de revestimento plástico espesso (RPE) sob a forma de uma

pasta pronta a aplicar, disponível numa grande variedade de cores e texturas. Este

revestimento possui grande elasticidade, pelo que evita o aparecimento de fissuras, inevitável

num sistema construtivo tradicional.

O revestimento interior das paredes exteriores, tal como o revestimento das paredes interiores,

é realizado através de painéis de gesso cartonado, os quais são aparafusados directamente

sobre a estrutura metálica. O revestimento interior pode, por razões estéticas e termo-

acústicas, ser constituído pela sobreposição de dois ou mais painéis. O gesso cartonado pode

depois receber qualquer tipo de acabamento final, como azulejos ou tinta.

62

A principal vantagem do ETICS reside na eliminação das pontes térmicas, ou seja, fornece um

isolamento integral do edifício, o que impede o ganho ou perda de energia através dos

elementos estruturais, tal como acontece nos pilares de betão ou nos montantes de metal. [52]

Em termos de isolamento sonoro, o facto deste tipo de solução possuir baixa massa torna

praticamente desprezável o efeito de massa da parede na dissipação da energia sonora que é

absorvida pela parede. Assim sendo, o nível de isolamento acústico desejado só é atingido

através da introdução de materiais absorventes de elevadas espessuras, como por exemplo,

mantas ou placas de lã de rocha, lã de vidro ou poliuretano injectado. O material mais utilizado

neste tipo de solução é a lã de rocha.

As mantas ou painéis de lã de rocha são colocados nas cavidades existentes entre os perfis

montantes da estrutura. Este material para além de melhorar o comportamento acústico, é

também isolante térmico, complementando a acção do isolamento térmico pelo exterior

(ETICS).

Entre a lã de rocha e o paramento exterior é colocada uma barreira pára-vapor, geralmente em

papel Kraft. Esta barreira impede que o isolamento térmico humidifique através de infiltrações

de água pelo exterior ou por condensação de vapor de água proveniente do interior, garantindo

assim a durabilidade e o desempenho do isolante. [12]

4.3.2.3 Paredes interiores

As paredes interiores do sistema LSF são do tipo sanduíche, revestidas com painéis de gesso

cartonado em ambas as faces, sendo o seu interior preenchido com material absorvente

acústico, em geral lã de rocha, como se referiu anteriormente (Figura 4.21).

Figura 4.21 - Representação esquemática da solução construtiva das paredes interiores dos sistemas

LSF: 1 – painel de gesso cartonado; 2 – lã de rocha; 3 – estrutura da parede [12]

4.3.2.4 Lajes de piso

Existem várias soluções construtivas para as lajes de piso. Estas relacionam-se com o tipo de

revestimento estrutural e o tipo de perfis estruturais utilizados – neste caso, perfis C - que

63

poderão ser laminados caso a laje esteja sujeita a sobrecargas significativas. Na Figura 4.22

podem observar-se duas possíveis soluções construtivas para as lajes de piso.

Figura 4.22 - Representação esquemática de laje do sistema LSF. a) com revestimento estrutural em

painéis OSB; b) com revestimento estrutural em chapas de cofragem colaborante [12]

Em geral, o revestimento estrutural das lajes de piso é realizado através de painéis de OSB,

podendo, em alternativa, optar-se pela aplicação de painéis de aglomerado de madeira e

cimento ou painéis metálicos de cofragem colaborante com laje de betão armado de pequena

espessura. Esta última solução, apesar de apresentar um fraco potencial em termos de

reutilização e reciclagem dos materiais utilizados, é aquela que tende a ser mais eficaz em

termos térmicos, especialmente em zonas climáticas de grande amplitude térmica, já que a sua

superior massa produz um impacto positivo na inércia térmica deste tipo de construção –

normalmente baixa. [12] Sobre o revestimento estrutural pode ser aplicado qualquer tipo de

pavimento/acabamento.

O revestimento estrutural, na face inferior da laje (tecto), é, geralmente, executado através de

painéis de gesso cartonado.

O comportamento térmico e acústico da laje pode ser melhorado através da interposição de

mantas de lã de rocha nas cavidades entre os perfis, ou seja, entre o tecto e o revestimento

estrutural superior.

4.3.2.5 Cobertura

Existem variadíssimos processos construtivos para a construção das coberturas, podendo

efectuar-se coberturas planas ou inclinadas.

A solução para a construção de coberturas planas é estruturalmente semelhante à solução

empregue para as lajes de piso, sendo neste caso necessário reforçar o isolamento térmico e

garantir a impermeabilização da mesma. Assim, sobre o revestimento estrutural – constituído

por painéis de OSB – é aplicada uma barreira pára-vapor, seguida da aplicação de um

isolamento térmico – constituído por placas de poliestireno expandido moldado, EPS – e, por

64

fim, a solução de impermeabilização, geralmente uma tela de PVC com fixação mecânica e

vulcanização [53].

Na cobertura inclinada, a estrutura é composta por asnas de aço galvanizado. A

impermeabilização da cobertura pode ser efectuada pela aplicação de telha cerâmica, metálica,

asfáltica, PVC, entre outros. No caso de se optar pela aplicação da telha cerâmica, a

impermeabilização deve ser reforçada através da aplicação de uma sub-telha ou, em

alternativa, telas de impermeabilização. O tecto é suspenso e realizado por painéis de gesso

cartonado, sobre os quais assenta a solução de isolamento térmico, geralmente em lã de

rocha.

4.3.3 Processo construtivo LSF

4.3.3.1 Fundações

As fundações, neste sistema construtivo, são realizadas através de processos de construção

convencionais, em betão armado. Estas realizam-se pela construção de vigas de fundação –

um lintel que acompanha a base das paredes de carga do edifício (Figura 4.23) – ou, em

alternativa, por uma solução de ensoleiramento geral.

Figura 4.23 - Aspecto dos trabalhos de fundação [52]

Como o peso de uma construção deste tipo é substancialmente inferior ao de um edifício de

construção tradicional, os trabalhos de fundação são mais ligeiros, já que as fundações estão

sujeitas a cargas menores.

No caso da existência de cave enterrada, a solução passa por construir muros de suporte em

betão armado, tal como na construção tradicional.

4.3.3.2 Estrutura

Após a conclusão dos trabalhos de fundação, inicia-se a construção da estrutura. Apesar da

estrutura de um edifício construído com o sistema LSF ser constituída por diversos elementos

pré-fabricados, esta não se trata de uma estrutura pré-fabricada. Da mesma forma que um

65

edifício convencional é construído com blocos de alvenaria transportados da fábrica para a

obra, também neste caso os perfis metálicos são transportados para a obra, onde

posteriormente são cortados e montados.

As paredes são o elemento de suporte vertical. Para evitar a degradação dos materiais pela

humidade ascensional do terreno, deve-se interpor entre as fundações e as paredes uma tela

betuminosa de impermeabilização. [12]

De seguida procede-se à montagem da estrutura das paredes através da ligação dos vários

elementos que a compõem. A este processo chama-se “painelização”. A painelização é

realizada na horizontal, numa bancada de montagem (Figura 4.24), sendo os painéis

posteriormente colocados em obra e fixados às fundações através de buchas de ancoragem

(Figura 4.25).

Figura 4.24 - Assemblagem dos elementos construtivos [12]

Figura 4.25 - Exemplo de ancoragem entre estrutura metálica e fundação em betão armado [53]

Após a conclusão das paredes de um piso, procede-se à montagem da estrutura da laje do

piso superior. As lajes de piso são constituídas por perfis C, com dimensões superiores aos

perfis das paredes. No caso de vãos de grandes dimensões, a estrutura da laje de piso é

66

realizada viga a viga, aparafusando-as aos perfis das paredes do piso inferior. Quando os vãos

tiverem dimensões relativamente pequenas, pode recorrer-se ao processo de painelização, já

referido para a construção estrutural das paredes.

Em último lugar, realiza-se a estrutura da cobertura. Esta estrutura é, também, totalmente

constituída por elementos metálicos – vigas e/ou asnas. As asnas são montadas na horizontal

em fábrica ou em estaleiro e, posteriormente, colocadas em obra com o espaçamento definido

no projecto. Na Figura 4.26 pode observar-se a sequência de construção de uma cobertura

LSF em asnas.

Figura 4.26 - Sequência de montagem da estrutura da cobertura LSF: a) Montagem da asna, na

horizontal; b) Colocação das asnas em obra [12]

Em comparação com uma solução tradicional de cobertura inclinada, este sistema, mais leve,

permite criar coberturas com as mais diversas formas e tirar partido de vãos maiores.

Concluída, a estrutura de um edifício LSF assemelha-se a uma enorme gaiola de peças

metálicas todas interligadas através de parafusos auto-roscantes (Figura 4.27).

Figura 4.27 - Aspecto final de uma estrutura em LSF [52]

4.3.3.3 Abertura de vãos

Quando a montagem de toda a estrutura do edifício está concluída, procede-se à abertura de

vãos. A abertura de vãos de janela e de vãos de porta é realizada através de processos de

montagem específicos. Na Figura 4.28 pode observar-se a estrutura de uma parede exterior

com abertura de vão de janela.

67

Figura 4.28 - Abertura estrutural de vão de janela em superfície de parede exterior [53]

O processo de abertura de vãos de janela na estrutura previamente executada consiste na

inserção de vigas de cabeceira e de peito, as quais são aparafusadas aos montantes

estruturais das paredes que, por sua vez, são cortados consoante a necessidade, durante este

processo, formando-se, por fim, uma moldura com as dimensões dos vãos.

No caso da abertura de vãos de porta, o processo é semelhante ao da abertura de vãos de

janela, mas procede-se inclusivamente à remoção do perfil guia estrutural inferior de forma a

deixar a área de pavimento livre em toda a largura desse vão.

Após a abertura de vãos ficam concluídos os trabalhos de execução da estrutura metálica,

procedendo-se de seguida ao revestimento dos elementos estruturais, como se verá nos

capítulos seguintes.

4.3.3.4 Revestimento estrutural

Com a estrutura metálica concluída é necessário proceder-se à aplicação do revestimento

estrutural para que haja maior interligação entre todas as peças metálicas que constituem a

estrutura. De facto, não basta que as peças estejam conectadas nas extremidades para que

68

estas funcionem em conjunto. É necessária a colocação de um revestimento que solidarize

todos os elementos estruturais, formando, assim, uma “pele”, horizontal ou vertical, que permite

uma distribuição das cargas mais uniforme. Além disso, o revestimento estrutural serve,

também, de suporte aos materiais de isolamento e acabamento exterior.

Como já se referiu anteriormente, o material mais utilizado para estas funções consiste em

painéis de OSB. Na Figura 4.29 poderá observar-se o aspecto visual de uma construção LSF

nesta fase construtiva de aplicação do revestimento estrutural.

Figura 4.29 - Aspecto visual de uma construção LSF em fase de aplicação de revestimento estrutural

(painéis OSB) [52]

4.3.3.5 Revestimento exterior

Primeiramente, tal como referido anteriormente, realiza-se o revestimento de

impermeabilização da cobertura, de forma a evitar a degradação dos materiais pela acção da

água da chuva.

O primeiro passo consiste em revestir a totalidade dos painéis de OSB com placas de

poliestireno expandido (EPS). Sobre o revestimento térmico aplica-se o reboco armado com

rede de fibra de vidro, tal como se explicou anteriormente.

O aspecto final exterior de um edifício construído com o sistema LSF é aparentemente

indiferenciável de qualquer outro edifício construído convencionalmente (Figura 4.30).

Figura 4.30 - Exemplo de aspecto final de um edifício construído com o sistema LSF [52]

69

4.3.3.6 Revestimento interior

O revestimento do interior das paredes exteriores e das paredes interiores realiza-se através

de painéis de gesso cartonado, que são aparafusados directamente à estrutura metálica.

Geralmente, no revestimento do paramento interior das paredes exteriores sobrepõem-se pelo

menos duas camadas de painéis, enquanto que no revestimento das paredes interiores utiliza-

se apenas uma camada [12].

Antes da colocação dos painéis de gesso cartonado, procede-se ao preenchimento da

cavidade, entre os dois paramentos, com lã de rocha.

As juntas entre os painéis e o local dos parafusos são devidamente tratadas de forma a obter

uma superfície uniforme, sem descontinuidades, ficando pronta para receber qualquer tipo de

revestimento final (pintura, azulejos, papel de parede, etc.).

4.3.4 Sustentabilidade das estruturas metálicas

A construção em aço garante durabilidade, eficiência e capacidade de reciclagem. Estas

propriedades acrescentam-lhe valor como construção sustentável, na medida em que promove

um menor impacte ambiental nas fases de concepção, construção, operação e em fim-de-vida.

Por exemplo, a eficiência dos materiais, o peso relativamente baixo, bem como o grande

potencial de reciclagem das estruturas de aço estão directamente ligados a uma menor

utilização de recursos, menor consumo de energia, menor geração de resíduos, redução das

emissões e menor energia consumida em transporte.

Por outro lado, a boa durabilidade funcional deste tipo de construção traduz-se numa menor

necessidade de reconstrução e, como tal, constitui uma melhoria da sustentabilidade global.

No Quadro 4.1, está listado um resumo dos atributos de sustentabilidade relacionados com o

uso do aço na construção.

Quadro 4.1 - Resumo dos atributos da construção em aço como construção sustentável (adaptado de

[54])

Atributos Descrição

Utilidade

A construção em aço é pré-fabricada através de processos

industriais eficientes com consumo mínimo de recursos, garantindo

um longo ciclo de vida e permitindo a construção de edifícios

flexíveis.

Rapidez As estruturas de aço são instaladas rapidamente no local da obra, o

que reduz as perturbações na obra.

Peso As estruturas de LSF são leves e, portanto, são eficientes no

consumo de materiais, energia, transporte e nível de emissões.

70

Atributos Descrição

Resíduos

A construção em aço é muito eficiente em termos do consumo de

materiais, reduzindo ao mínimo a geração de resíduos os quais, na

sua maior parte, são recicláveis.

Desempenho O aço é um material de alto desempenho e dimensionalmente

preciso, sendo produzido com tecnologia avançada.

Logística

As componentes das estruturas metálicas são entregues em obra na

altura da sua montagem e podem ser produzidas no próprio local da

obra.

Durabilidade As estruturas de aço têm uma vida útil bastante longa, mantendo-se

a alta qualidade do material.

Desempenho ambiental

A construção em aço é uma construção a “seco”, já que não exige

elevados consumos de água, como é o caso da construção

convencional. Além disso, a construção em aço leve é constituída

por materiais com baixos níveis de emissões, processos de

construção controlados e seguros e permite uma arquitectura de alta

qualidade.

Potencial de reciclagem O aço é 100% reciclável e pode ser infinitamente reciclado sem

perda de qualidade. [55]

Potencial de reutilização Os edifícios em aço podem ser desmantelados em fim-de-vida e as

suas componentes reutilizadas.

Os capítulos seguintes abordam os atributos mais importantes atribuídos a cada fase do ciclo

de vida das construções em LSF.

4.3.4.1 Sustentabilidade na fase de concepção

O projectista tem um papel chave na implementação de uma construção sustentável, já que

uma elevadíssima percentagem do custo de uma construção está associada aos materiais e

técnicas construtivas designadas. [53]

No Quadro 4.2 apresentam-se os atributos em matéria de sustentabilidade do sistema LSF na

fase de concepção.

71

Quadro 4.2 - Atributos sustentáveis da construção em LSF na fase de concepção (adaptado de [54])

Atributos Descrição

Eficiência do material

O aço como material estrutural apresenta uma elevada relação

resistência/peso, o que o torna num material muito eficiente,

minimizando o consumo de material e promovendo, assim, um

menor impacte ambiental global.

Um outro aspecto, relacionado com a eficiência deste material, diz

respeito à menor geração de resíduos em obra devido à precisão

das especificações de projecto em combinação com a elevada

qualidade e durabilidade do aço.

Eficiência energética

O consumo de energia operacional é fortemente influenciado pelo

projecto do edifício. As soluções construtivas e os materiais

empregues, têm inegável impacte sobre o nível de sustentabilidade

deste sistema. Como exemplo, tem-se o conforto térmico

alcançado pela qualidade dos materiais empregues, reflectido

numa redução significativa dos gastos energéticos associados aos

sistemas de ar condicionado e recuperação de calor.

Potencial de reciclagem

A construção em aço permite a realização de um projecto adaptado

a todo o ciclo de vida do edifício, incluindo a possibilidade de

"projectar para a reciclagem". A facilidade de montagem de uma

estrutura de aço também demonstra a facilidade de projectar para

desmontar, para a reutilização e para a reciclagem das

componentes.

Flexibilidade

Dadas as características do aço, em termos de resistência e

ductilidade, as estruturas metálicas permitem a construção de

superfícies com grandes vãos livres, pilares mais esbeltos e

fachadas mais leves. Assim, as estruturas metálicas permitem uma

maior liberdade da imaginação na concepção da obra. Ao mesmo

tempo, a existência de espaços amplos, livres de obstáculos

interiores, facilita a alteração ou extensão da estrutura de forma a

adaptar-se a novos requisitos funcionais ou estilos de vida. [55]

4.3.4.2 Sustentabilidade na fase de construção

A industrialização inerente ao sistema LSF permite uma maior eficiência em relação ao tempo,

custo, consumo de materiais e de recursos, sendo este um caminho para a construção

sustentável.

No Quadro 4.3 podem observar-se os atributos sustentáveis do sistema LSF na fase de

construção.

72

Quadro 4.3 - Atributos sustentáveis da construção em LSF na fase de construção (adaptado de [54])

Atributos Descrição

Pré-fabricação

De forma geral, as estruturas metálicas são estruturas que implicam a

pré-fabricação, conduzindo desta forma a um processo de construção

mais eficiente, a uma maior rapidez de construção e à minimização

dos riscos e prejuízos da obra e do estaleiro. [55]

A pré-fabricação permite a minimização dos níveis de poluição e de

ruído no estaleiro da obra, contribuindo para um ambiente de trabalho

mais limpo e com maior segurança.

A pré-fabricação garante uma maior precisão e maior qualidade do

trabalho executado.

Resíduos

A industrialização inerente ao sistema LSF conduz a uma redução

muito significativa da produção de resíduos. Naturalmente, ocorre um

maior controlo nas dimensões e quantidades de material necessário.

Quaisquer resíduos de aço são recuperados e reciclados em aço

novo.

Eficiência

A precisão dos trabalhos de construção terá uma influência positiva

sobre o conforto interior e sobre o consumo de energia operacional.

As estruturas metálicas são construídas rapidamente, poupando

dinheiro – o tempo de construção pode ser reduzido para metade do

tempo necessário para a construção tradicional. [55]

As componentes das estruturas metálicas são entregues em obra na

altura da sua montagem, minimizando a área de armazenamento no

estaleiro e contribuindo para um estaleiro mais eficiente.

As estruturas metálicas facilitam a instalação de infra-estruturas tais

como condutas, cabos e outros equipamentos. Facilitam igualmente a

colocação de materiais de isolamento.

A maior leveza das estruturas metálicas conduz à construção de

fundações mais reduzidas, permitindo a preservação do solo de

fundação e a redução da movimentação de terras.

4.3.4.3 Sustentabilidade na fase de operação

Projectar edifícios para uma vida útil longa e para o mínimo de encargos operacionais são

aspectos-chave da construção sustentável. Como tal, prolongar a vida útil dos edifícios,

utilizando sistemas construtivos baseados no aço, maximiza a valorização do investimento em

recursos financeiros e materiais. A necessidade de recurso a frequentes reconstruções, não só

é um desastre económico, como também é ambientalmente adverso.

No Quadro 4.4 estão listados os atributos sustentáveis do sistema LSF na fase de operação.

73

Quadro 4.4 - Atributos sustentáveis da construção em LSF na fase de operação (adaptado de [54])

Atributos Descrição

Durabilidade

O aço tem um longo ciclo de vida, permitindo amortizar facilmente os

impactes ambientais devidos à sua fase de produção.

A durabilidade e a resistência do sistema LSF garantem segurança e

funcionalidade de longa duração para os ocupantes do edifício, o que

é uma parte importante da utilização sustentável das construções.

Manutenção

A manutenção dos edifícios é vital para atingir a longevidade. As

estruturas metálicas têm uma excepcional durabilidade, com pouca

manutenção, salvaguardando os recursos naturais.

Existe uma grande variedade de revestimentos avançados e

sustentáveis disponíveis para utilizar no sistema LSF. Quando

utilizados de acordo com os planos de manutenção recomendados,

estes revestimentos oferecem protecção a longo prazo, resultando

num impacte ambiental reduzido.

Os materiais utilizados são secos e inorgânicos prevenindo

problemas de humidade e contribuindo para a minimização da

manutenção dos edifícios.

Energia

A energia associada à ocupação dos edifícios, a energia operacional,

é um aspecto-chave do seu desempenho ambiental ao longo do ciclo

de vida. A estrutura em si tem uma influência insignificante sobre a

energia operacional, mas a eficiência térmica da envolvente do

edifício é muito importante. O conforto térmico alcançado pela

qualidade dos materiais empregues no sistema LSF reflecte-se numa

redução significativa dos gastos energéticos operacionais.

Fontes de energias alternativas e/ou renováveis podem ser

facilmente instaladas e adaptadas às estruturas metálicas.

Flexibilidade

A vida útil dos edifícios em aço pode ser alargada através da

adaptação do espaço interior, aumento da estrutura e valorização da

envolvente do edifício.

As estruturas metálicas podem ser facilmente adaptadas a novos

requisitos funcionais durante o ciclo de vida de um edifício.

O isolamento térmico e acústico pode ser adaptado a qualquer local

ou requisito funcional.

No sistema LSF, a instalação de tubagens das infra-estruturas é

enormemente facilitada pelo facto de não ser preciso abrir roços, já

que as mesmas atravessam a alma dos perfis, que poderão vir

previamente furados de fábrica. A mesma lógica está associada à

facilidade de manutenção na eventualidade de ocorrerem problemas

com as instalações. [53]

A reabilitação de edifícios existentes é mais fácil com estruturas

metálicas, conduzindo à preservação dos valores culturais e

históricos.

74

Atributos Descrição

Saúde

A envolvente dos edifícios garante um bom isolamento

térmico/acústico e com fluxos de ar controlados, aumentando o

conforto e as condições sanitárias dos utilizadores.

A construção em aço é constituída por materiais com baixos níveis de

emissões.

4.3.4.4 Sustentabilidade na fase de fim-de-vida

Nos casos em que não é possível, ou é indesejável, prolongar a vida útil do edifício através da

adaptação ou reabilitação e, portanto, a desconstrução torna-se inevitável, é importante que os

impactes em fim-de-vida sejam minimizados. Esta questão envolve, principalmente, minimizar a

poluição e a geração de resíduos, assim como, garantir que os materiais são recuperados,

reutilizados e reciclados.

No Quadro 4.5 apresentam-se os atributos sustentáveis do sistema LSF na fase de fim-de-vida.

Quadro 4.5 - Atributos sustentáveis da construção em LSF em fim-de-vida (adaptado de [54])

Atributos Descrição

Capacidade de

desconstrução

Os edifícios em aço e os elementos em aço são altamente

desmontáveis. O grande número de estruturas temporárias que

são construídas em aço ilustra esse potencial. Os painéis pré-

fabricados, elementos e módulos podem ser facilmente

removidos. Um projecto cuidadoso para a desconstrução e

tratamento em fim-de-vida possibilita o armazenamento de

peças para uso futuro.

Potencial de reciclagem

O aço é único como material de construção, pois tem a

capacidade de ser reciclado vezes sem fim, sem perder

quaisquer propriedades nem capacidade de desempenho. A

taxa de recuperação para muitos dos produtos de construção

em aço é actualmente 94-97%, o que constitui um argumento

muito forte para a sustentabilidade da construção em aço. [56]

A produção de aço a partir de aço reciclado reduz as emissões

de CO2 – em 2006 foram poupadas aproximadamente 894

milhões de toneladas de CO2. [55]

Potencial de reutilização

A reutilização dos elementos de aço oferece uma vantagem

ambiental ainda maior do que a reciclagem, já que não implica

qualquer reprocessamento. O mercado de “segunda-mão”

ainda é pequeno, no entanto existe uma oportunidade

significativa para a crescente reutilização do aço para

construção. Provavelmente, será necessário um certo grau de

normalização destes produtos.

75

4.3.5 Factores limitadores

Um dos inconvenientes do sistema LSF diz respeito à sua fraca inércia térmica e às

consequências que este facto pode ter em termos de desempenho térmico. No entanto, como

já se referiu anteriormente, através da aplicação de materiais de elevada qualidade em

soluções adequadas consegue-se obter um desempenho térmico muito satisfatório.

Outra questão diz respeito às dificuldades em oferecer preços competitivos com os preços

aplicados na construção tradicional, já que é um sistema que ainda se encontra em fase inicial

de implementação. Certamente que um preço reduzido seria um factor aliciante à

experimentação deste sistema.

Por outro lado, verifica-se uma resistência cultural à aplicação de novas soluções construtivas,

não só pelos investidores, como também por parte dos construtores e, ainda, por parte dos

próprios utilizadores finais. Isto deve-se sobretudo à falta informação acerca da tecnologia, ao

risco de não aceitação associado e à falta de mão-de-obra especializada.

A construção rápida e seca efectuada maioritariamente por aparafusamento dos elementos, a

ausência de aplicação de materiais “pesados” e mesmo o som de parede oca que se ouve ao

bater nas paredes interiores, são questões que podem estabelecer uma relação imediata com

soluções “pré-fabricadas” às quais está associada a noção de construção temporária, pouco

durável, efémera, a que os portugueses nunca aderiram. [53]

Em conclusão, o sistema LSF, apesar das suas limitações e dificuldades de implementação no

sector nacional, apresenta grande potencial de resposta às exigências actuais da construção,

como se viu anteriormente através das inúmeras vantagens que caracterizam o sistema.

76

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

5.1 Conclusões

Os desafios ambientais que o Planeta Terra enfrenta são muito graves e a sua solução requer

medidas urgentes e significativas.

O sector da construção, pela magnitude dos seus impactes ambientais, é um daqueles no qual

importa quanto antes agir no sentido de se reduzirem os consumos de materiais e de outros

recursos e de se minimizarem as emissões poluentes e a geração de resíduos.

Como se viu, os materiais de construção podem ter um contributo importante para a

sustentabilidade da indústria da construção. Materiais produzidos a partir de resíduos, não

tóxicos, com elevado nível de reciclagem, mais duráveis, que incorporem menos energia ou

que sejam escolhidos mediante uma análise do seu ciclo de vida, constituem soluções

inequívocas de contributos para uma construção sustentável.

A análise de ciclo de vida, embora seja a forma cientificamente mais adequada para avaliar o

desempenho ambiental de um determinado material, trata-se de uma metodologia muito

morosa e que padece de algumas incertezas, como se referiu no quarto capítulo deste

trabalho. Outra questão de que depende o sucesso da ACV diz respeito à necessidade de

existirem, em cada país, bases de dados exaustivas sobre os impactes ambientais associados

ao fabrico dos diferentes materiais e também aos diferentes processos construtivos. Isto é algo

que dificilmente pode ser extrapolado a partir de estudos realizados noutros países, devido a

diferenças óbvias que se prendem com contextos tecnológicos e económicos.

Após a abordagem da sustentabilidade dos materiais de construção e tendo como base todos

os conceitos abordados nessa óptica, no quinto capítulo desta dissertação, reuniram-se alguns

exemplos de sistemas construtivos que possuem inegáveis vantagens em termos de

sustentabilidade: os sistemas construtivos em terra – a taipa, o adobe e o BTC – e os sistemas

construtivos em estruturas de aço leve – Light Steel Framing.

No que diz respeito à construção em terra, no panorama nacional, ao contrário do que já

acontece noutros países, não tem havido infelizmente um forte movimento em torno da

recuperação destas técnicas ancestrais, o que é um facto bastante contraditório tendo em

conta as condições climatéricas favoráveis de Portugal e o facto deste tipo de construção fazer

parte do património edificado nacional. Contudo, deve referir-se que nos últimos anos se tem já

verificado um interesse crescente pela construção em terra. De facto, denota-se o

aparecimento de uma dinâmica formativa e um interesse das novas gerações de arquitectos

por este tipo de construção, que aliás se explica pelo crescente reconhecimento destas

construções como possuidoras de maior sustentabilidade, apesar de ainda não se encontrar

uma correspondência ao nível do sector da construção civil, se não exemplos pontuais.

77

Ao nível da pesquisa e estudos técnicos e tecnológicos, caminha-se para responder ao desafio

da renovação das técnicas de construção em terra crua, adaptadas às tecnologias e exigências

actuais de funcionalidade, de conforto e de segurança.

As principais técnicas de construção em terra crua evoluíram de uma utilização tradicional,

para passarem a recorrer aos actuais meios tecnológicos, permitindo isto obter melhores

resultados em termos de qualidade do produto final e rapidez dos processos produtivos,

principais factores que ao longo dos tempos acabaram por desmotivar a sua utilização.

Em relação ao adobe e ao BTC, existem hoje máquinas que através de simples processos

mecânicos ou hidráulicos podem permitir uma produção de blocos mais rápida e uniforme, com

custos relativamente baixos.

No caso da taipa, também se assistiram a alterações e melhorias, como a compactação da

terra através de compressores pneumáticos, o que permite maiores densidades e uma maior

uniformidade.

Os processos mecanizados possuem apenas a desvantagem de consumirem mais energia no

processo de fabrico face às técnicas de construção em terra tradicionais, no entanto continua a

ser uma construção vantajosa, mais eco-eficiente e saudável comparativamente à construção

convencional em betão armado.

Por outro lado, a estabilização da terra com cimento e/ou cal é um processo já bem dominado

e conhecido, sendo já utilizado correntemente na construção em terra crua. A utilização de

terra estabilizada poderá ser uma forma eficaz de aumentar a resistência mecânica do material,

assim como a sua resistência à água. Estes, a susceptibilidade à acção da água e a fraca

resistência mecânica, são precisamente os principais problemas da utilização da terra crua na

construção. Além disso, é fundamental para o sucesso deste tipo de construção, uma correcta

utilização da matéria-prima em obra e a adopção de processos construtivos eficazes. Uma

correcta utilização da terra como matéria-prima não dispensará a necessidade de uma

pormenorização minuciosa dos sistemas construtivos.

Neste trabalho, apresentaram-se ainda os atributos sustentáveis da construção em terra ao

longo do ciclo de vida de um edifício, pois se julga importante que esta análise se faça sob uma

perspectiva de abordagem a todas as fases do ciclo de vida de uma construção, como aliás se

abordou no capítulo 4 – “Sustentabilidade dos materiais de construção” – quando se refere a

importância das ACV, já que todas as fases acrescentam impactes ambientais, sociais e

económicos que devem ser cuidadosamente analisados pelos intervenientes.

Como sistema ambientalmente sustentável, a construção em terra apresenta vantagens claras:

os processos produtivos são ambientalmente eficientes, a matéria-prima é reutilizável, baseia-

se em processos simples e pouco dispendiosos em termos energéticos. Neste sentido, a

construção em terra apresenta inegáveis vantagens em relação às técnicas correntes, as quais

implicam processos de reciclagem e reutilização complexos e muito dispendiosos do ponto de

vista energético, podendo por vezes inverter todo o sentido da reciclagem e reutilização.

78

Depois de se abordarem os atributos sustentáveis e as limitações da construção em terra,

considera-se que esta possui vantagens competitivas face à construção corrente que lhe

podem trazer um futuro promissor.

Quanto ao outro sistema construtivo abordado neste trabalho – o sistema construtivo em

estruturas de aço leve (LSF) – como se viu, não são razões tecnológicas que dificultam a sua

implementação no sector da construção nacional, mas sim razões culturais e económico-

financeiras que neste momento impedem o avanço e implementação mais evidente do sistema

LSF em Portugal.

Contudo, as qualidades inerentes ao aço e à construção em aço conferem-lhe todas as

condições para que o mesmo se afirme no sector da construção nacional, principalmente ao

nível de edifícios de pequeno porte, para os quais está vocacionado, oferecendo uma

construção de qualidade.

O sistema LSF apresenta, também, excelente vocação para o segmento da reabilitação, graças

ao baixo peso dos elementos estruturais em aço e dos restantes materiais utilizados. Este

sistema apresenta-se como solução ideal em certas zonas urbanas de difícil acesso, como nos

centros históricos das cidades, devido à utilização de materiais mais leves que facilitam o

transporte e elevação. A elevada relação resistência-peso do aço, muitas vezes elimina a

necessidade de reforçar a estrutura do edifício, tornando-se muitas vezes o LSF na única

alternativa possível para dividir espaços ou acrescentar um novo piso. Além disso, este sistema

não necessita de uma extensa área de estaleiro, pois vem de fábrica pronto a instalar e é

entregue em obra apenas no momento da instalação, resultando assim em menores

perturbações na envolvente da obra, factor determinante em zonas de acessibilidade reduzida.

O sector construtivo nacional atravessa uma fase crítica de estagnação, em termos evolutivos,

sendo necessário o desenvolvimento e divulgação de soluções inovadoras que não só

imprimam dinamismo e avanço tecnológico como também minimizem os impactes ambientais.

Devido às características naturais do aço, as estruturas metálicas permitem a optimização dos

recursos naturais e proporcionam um ambiente construído mais racional e eficaz. Aqui inserido,

o sistema LSF oferece uma efectiva possibilidade de evolução no que respeita à qualidade das

soluções construtivas e eficiência dos materiais empregues, contribuindo simultaneamente

para uma construção mais sustentável.

5.2 Perspectivas futuras

Actualmente o mercado da construção é cada vez mais competitivo, surgindo a construção

sustentável como uma mais-valia. No entanto, o rótulo de “construção sustentável” é por vezes

utilizado por promotores e projectistas de modo a potenciar a venda dos seus imóveis, que

muitas vezes não apresentam quaisquer mais-valias relativamente aos convencionais.

Assim sendo, é necessário que no futuro se desenvolvam metodologias que permitam

diferenciar os diversos produtos ao nível da sua sustentabilidade, de modo a que se possam

79

evidenciar aqueles que são realmente mais sustentáveis. Caso contrário, o conceito será

totalmente descredibilizado e a indústria da construção dificilmente conseguirá contribuir

positivamente para o desenvolvimento sustentável.

Nesse sentido, a aplicação generalizada de ACV aos materiais e sistemas de construção será

o próximo passo. Como tal, uma sugestão para trabalhos futuros, recai na realização de uma

análise de ciclo de vida, em termos quantitativos, procurando comparar os dois sistemas

construtivos abordados neste trabalho com o sistema convencionalmente utilizado em Portugal.

Para tal, será necessário utilizar uma metodologia adequada à realidade nacional, contudo em

Portugal ainda se está numa fase embrionária neste campo.

Relativamente à construção em terra, esta caracteriza-se por baixos consumos de energia e

emissões de gases poluentes e ainda por ser responsável por níveis de humidade interior

benéficos em termos de saúde humana, possuindo assim vantagens competitivas face à

construção corrente que lhe fazem adivinhar um futuro promissor.

Ao nível nacional, o futuro da construção em terra passa em primeiro lugar, pela credibilização

da sua utilização, através de regulamentação própria. Em segundo lugar, passará pelo fomento

de uma política de formação nesta área, suas especificidades técnicas e científicas, através de

acções de sensibilização para uma construção mais sustentável, de forma a potenciar o

número de possíveis clientes e entusiastas da construção em terra crua. Além disso, é

fundamental o apoio à investigação nesta área, no sentido de estudar novas soluções para

melhorar as características deste material e fazer face às suas limitações, quer em termos de

resistência mecânica, quer no comportamento à acção da água.

Actualmente, a construção em terra passa ainda por estrangulamentos ao seu

desenvolvimento que lhe dificultam a implementação de forma mais evidente no sector

nacional, como sejam:

A falta de trabalhadores qualificados nas artes da construção e reconstrução de edifícios

em terra;

A ausência de instituições de formação de profissionais de construção em terra;

O facto da construção em terra estar associada às camadas populacionais com menos

recursos económicos.

Para que se inverta esta situação, é necessário apostar na formação de profissionais e na

divulgação deste tipo de construção e das suas qualidades enquanto construção sustentável,

através de estudos e metodologias credíveis. Só assim a população em geral poderá deixar de

olhar para esta construção como sendo capaz de contentar apenas aqueles que não possuem

recursos financeiros para terem uma habitação construída nos moldes convencionais.

No que diz respeito ao sistema LSF, como se viu ao longo deste trabalho, este contribui

favoravelmente para os objectivos da construção sustentável. Assim sendo, é necessário que a

indústria do aço seja reconhecida pelo papel desempenhado na realização desses objectivos,

através da demonstração dos benefícios das estruturas metálicas com base em dados

80

credíveis e metodologias apropriadas, como é o caso das análises de ciclo de vida, que

permitem evidenciar as vantagens das estruturas metálicas, nomeadamente o potencial de

reutilização e de reciclagem do aço.

Para garantir um nível adequado de competitividade, o sistema construtivo em estrutura de aço

leve, exige uma correlação precisa com as indústrias a montante em termos de qualidade,

flexibilidade e rigor. Algumas das condicionantes ao sucesso deste sistema prendem-se, entre

outros, com o poder negocial dos fornecedores, a fiabilidade das entregas e a garantia de

qualidade dos materiais, exigindo, também, equipas de projectistas e mão-de-obra

especializados e equipamento específico. Neste sentido, será necessário um fomento à

formação de profissionais especializados em estruturas metálicas. Por sua vez, a optimização

de resultados adquire-se através da experiência.

A imagem ecológica associada à tecnologia empregue no sistema LSF, a enorme flexibilidade

arquitectónica, a inegável rapidez de construção e uma real possibilidade de poupança de

custos, numa óptica de custo global da construção – associada às poupanças energéticas ao

nível da climatização (na fase de operação), devido a uma elevada eficácia térmica da

construção – são algumas das vantagens que tornam possível acreditar na possibilidade de ver

este sistema construtivo vingar no sector da construção nacional, tal como já acontece noutros

países da Europa e do Mundo.

Depois de uma abordagem aos conceitos de “desenvolvimento sustentável” e de “construção

sustentável”, um estudo acerca da sustentabilidade dos materiais de construção, uma

descrição dos sistemas construtivos em terra e do sistema LSF e depois de feita uma análise

da sustentabilidade e das limitações destes sistemas construtivos, consideram-se alcançados

os objectivos inerentes a esta dissertação e dá-se o trabalho por concluído.

81

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