12
ESTUDO DA RIBOFLAVINA: EXAMES BIOQUÍMICO E CLÍNICO EM COMUNIDADES DO ESTADO DE SÃO PAULO, BRASIL Donald Wilson * Maria José Roncada * Ignez Salas Martins * Flaviano Ojeda Villalba * Helena A. P. C. Baldo * Yaro Ribeiro Gandra * RSPU-B/335 WILSON, D. et al Estudo da riboflavina: exames bioquímico e clínico em comunidades do Estado de São Paulo. Brasil. Rev. Saúde púhl., S. Paulo, 11:13-26, 1977. RESUMO: O Departamento de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo realizou inquéritos nutricionais em regiões interioranas do Estado de São Paulo, Brasil, a fim de estabelecer aspectos epide- miológicos dos problemas nutricionais. A prevalência de arriboflavinose foi um dos vários problemas de Nutrição pesquisados sob o ponto de vista de Saúde Pública. Para tal fim, foram realizados inquéritos alimentares, clínicos e bioquímicos, visando enfocar diferentes momentos da história natural da arribo- flavinose. Pôde-se constatar que 30,8% das pessoas examinadas tiveram pelo menos um sinal clínico atribuível à deficiência de riboflavina; 41% apresen- taram níveis de excreção urinária abaixo da normalidade e mais de 50% das famílias amostradas tiveram uma adequação de consumo abaixo de 60% das necessidades recomendadas. UNITERMOS: Riboflavina. Arriboflavinose. Inquéritos nutricionais. Inqué- rito alimentar. Inquérito clínico-nutricional. Inquérito bioquímico. Estado de São Paulo, Brasil. INTRODUÇÃO O Departamento de Nutrição da Fa- culdade de Saúde Pública da Universi- dade de São Paulo realiza anualmente in- quéritos nutricionais em diferentes regiões do Estado de São Paulo, visando levan- tar dados referentes à situação nutricional da população interiorana, com vistas a fornecer subsídios a uma política nacio- nal de saúde. O objetivo primordial desses levanta- mentos tem sido a caracterização epide- miológica dos problemas nutricionais em nosso meio, através dos inquéritos alimen- tar, clínico-nutricional e bioquímico. Num espaço de tempo de 5 anos ( 1969- 1973). foram realizados inquéritos em 11 localidades do Estado de São Paulo **. sendo duas ao norte (Morro Agudo e Sa- *Do Departamento de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública da USP — Av. Dr. Arnal- do, 715 — São Paulo, SP — Brasil. ** Foram realizados 18 inquéritos, porém, apenas nas 11 localidades de que trata este trabalho, foram realizados os três tipos de inquérito.

ESTUDO DA RIBOFLAVINA: EXAMES BIOQUÍMICO E CLÍNICO … · HISTÓRIA NATURAL DA ARRIBOFLAVINOSE Como se sabe, à arriboflavinose são atri-buídas as seguintes manifestações: anore-xia,

  • Upload
    hathuan

  • View
    216

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

ESTUDO DA RIBOFLAVINA: EXAMES BIOQUÍMICO E CLÍNICOEM COMUNIDADES DO ESTADO DE SÃO PAULO, BRASIL

Donald Wilson *Maria José Roncada *Ignez Salas Martins *Flaviano Ojeda Villalba *Helena A. P. C. Baldo *Yaro Ribeiro Gandra *

RSPU-B/335

WILSON, D. et al Estudo da riboflavina: exames bioquímico e clínico emcomunidades do Estado de São Paulo. Bras i l . Rev. Saúde púhl., S. Paulo,11:13-26, 1977.

RESUMO: O Departamento de Nutrição da Faculdade de Saúde Públicada Universidade de São Paulo realizou inquéritos nutricionais em regiõesinterioranas do Estado de São Paulo, Brasil, a fim de estabelecer aspectos epide-miológicos dos problemas nutricionais. A prevalência de arriboflavinose foium dos vários problemas de Nutrição pesquisados sob o ponto de vista deSaúde Pública. Para tal fim, foram realizados inquéritos alimentares, clínicos ebioquímicos, visando enfocar diferentes momentos da história natural da arribo-flavinose. Pôde-se constatar que 30,8% das pessoas examinadas tiveram pelomenos um sinal clínico atribuível à deficiência de riboflavina; 41% apresen-taram níveis de excreção urinária abaixo da normalidade e mais de 50% dasfamílias amostradas tiveram uma adequação de consumo abaixo de 60% dasnecessidades recomendadas.

UNITERMOS: Riboflavina. A r r i b o f l a v i n o s e . Inquéritos n u t r i c i o n a i s . Inqué-rito al imentar . Inquérito c l í n i c o - n u t r i c i o n a l . Inquérito bioquímico. Estado deSão Paulo, Brasil .

I N T R O D U Ç Ã O

O Departamento de Nut r ição da Fa-culdade de Saúde Pública da Universi-dade de São Paulo realiza anualmente in-

quéritos nutr icionais em diferentes regiõesdo Estado de São Paulo, visando levan-

tar dados referentes à situação nutr ic ionalda população interiorana, com vistas a

fornecer subsídios a uma política nacio-nal de saúde.

O o b j e t i v o pr imordial desses l evan ta -mentos tem sido a caracterização epide-miológica dos problemas nut r ic ionais emnosso meio, através dos inquéritos a l i m e n -tar, cl ínico-nutricional e bioquímico.

Num espaço de tempo de 5 anos ( 1969-1973). foram realizados inquéritos em 11localidades do Estado de São Paulo **.sendo duas ao norte ( M o r r o Agudo e Sa-

*Do Departamento de Nut r i ção da F a c u l d a d e de Saúde P ú b l i c a da USP — Av. Dr. Arna l -do, 715 — São Paulo, SP — Brasi l .

** Foram realizados 18 inquér i tos , porém, apenas nas 11 l o c a l i d a d e s de que t ra ta este t r a b a l h o ,foram rea l izados os três tipos de inqué r i to .

les Oliveira), uma na zona central (Getu-lina), duas na região da Grande São Pau-lo (Embu-Guaçu e Cipó), três ao sul, naregião do Alto Ribeira (Apiaí, Ribeira eBarra do Chapéu) e três no litoral sul(Iguape, Icapara e Pontal) ; as seis últi-mas localidades pertencem ao Vale do Ri-beira, que é a zona paulista menos desen-volvida e por este motivo tem merecidoparticular atenção do Governo do Estado.

A prevalência de arriboflavinose (hipo-vitaminose B2) foi um dos vários proble-mas de Nutrição pesquisados sob o pontode vista de Saúde Pública, e o objetivodo presente trabalho é a sua apresentação.

M E T O D O L O G I A

Amostragem

O universo de trabalho constituiu-se pe-la totalidade da população urbana das 11localidades anteriormente mencionadas.

Foram realizados sempre levantamentoscadastrais num passo inicial, para permi-tir um conhecimento preciso da área aser trabalhada.

Fixou-se a família como unidade amos-tral.

As famílias foram numeradas arbitra-riamente e foi feito um sorteio, atravésda tabela de números casuais de Fischer,para a composição da amostra e a ordemde visitas no inquérito alimentar.

Para a realização dos inquéritos clíni-co-nutricional e bioquímico foi feita umasub-amostra, obtida também ao acaso.

Inquérito alimentar

O inquérito alimentar para pesquisa deconsumo de alimentos e de hábitos ali-mentares, foi realizado através de umacombinação entre os métodos da pesagemdos alimentos e o recordatório, preceden-do de um dia aos inquéritos clínico ebioquímico. Os resultados foram expres-sos em termos de adequação média fa-miliar.

Inquérito clínico-nutricional

Os indivíduos pertencentes às famíliassorteadas para este inquérito, foram sub-metidos a um exame clínico-nutricional,que constou de medidas antropométricas eexame de sinais de deficiências nutricio-nais.

No caso específico da arriboflavinose,procuraram-se os seguintes sinais: sebor-réia (nasal, nasolabial, frontal e retroauri-cular) ; lesão das bordas palpebrais e ble-farite angular; lesão do vestíbulo nasal;injeção circuncorneal; estomatite angular,cicatrizes angulares, queilose e língua ma-genta. Destes sinais, são consideradosmais específicos: blefarite (lesão das bor-das), injeção circuncorneal e língua ma-genta.

Inquérito bioquímico

Foram colhidos urina e sangue para arealização de várias análises necessáriasao levantamento.

Para a dosagem dos constituintes uri-nários de interesse no nosso trabalho, aprimeira urina da manhã 1 foi colhida emfrasco opaco e preservada em pH ácido(entre 2 e 3, com HCl), sendo a seguirarmazenada em congelador a — 20°C.

Método de laboratório

A riboflavina urinária foi dosada pelométodo recomendado pelo Interdepart-mental Committee on Nutrition for Na-tional Defense (ICNND)7 .

O método utilizado na dosagem de crea-tinina foi o de Folin-Wu (picrato alca-lino) 7.

O critério de classificação adotado foio recomendado pelo ICNND7 ; para efei-to de discussão, adotamos os resultados"baixo" e "deficiente" como "não nor-mais".

HISTÓRIA NATURAL DAARRIBOFLAVINOSE

Como se sabe, à arriboflavinose são atri-buídas as seguintes manifestações: anore-xia, insônia, cefaléia, mialgias, enjoos,nervosismo, diminuição da visão, epífora,injeção circuncorneal, ulcerações corneais,catarata, blefarite angular, blefarite, quei-lose, estomatite angular, lesões do vestí-bulo nasal, lesões ano-perineais, sebor-réia e língua magenta.

Esses sinais e sintomas não aparecem aomesmo tempo, nem na mesma ordem, aindaquando em situações de pesquisa, onde serealizam restrições severas de riboflavina.Em vista disso, poderemos esperar que omesmo ocorra em trabalhos prospectivos,nos quais a restrição de riboflavina não étão drástica.

Por outro lado, é de interesse em SaúdePública, que se faça um diagnóstico nafase mais precoce possível, para que asmedidas instituídas sejam mais eficazes.

Ao observarmos a história natural daarriboflavinose (Figura 1), veremos queo período pré-patológico (do ponto de vis-ta da Saúde Pública, o verdadeiro inícioda doença) inclui vários fatores, entre osquais destacamos aqueles relacionados oucom o meio, ou com o hospedeiro, e quesão: os hábitos alimentares (tanto comu-nitários, como familiares ou pessoais) e aflora intestinal (não sabemos até que pon-to ela sintetiza riboflavina, o que, prova-velmente, explicaria o fato de não encon-trarmos casos com sintomatologia plena,a não ser, talvez, em condições experi-mentais) .

Decorre, daí, que a única maneira dopesquisador ter uma idéia do que ocorreno período pré-patológico, é através deinquéritos de consumo e de hábitos ali-mentares.

Quando a interação dos vários fatoresno período pré-patológico favorecer a pro-

dução de estímulos patogênicos, ocorreráa carência de riboflavina, inicialmentesem o aparecimento de sinais e sintomase, via de regra, não evidenciável atravésde técnicas de laboratório. À medida queessa carência se acentua, será cada vezmais fácil evidenciá-la por dosagens bio-químicas, quando então começarão a apa-recer os primeiros sintomas, os quais, deinício, são vagos e inespecíficos. Com oprogressivo desenvolvimento da arribofla-vinose surgirão outros, mais específicos.Convém frisar que não se deve prescindirdos dados laboratoriais, em qualquer fa-se do período patológico 4, 5.

RESULTADOS: APRESENTAÇÃOE DISCUSSÃO

Através do inquérito alimentar (Tabela1), verificamos ser a riboflavina um nu-triente de consumo insatisfatório, uma vezque, na maioria das localidades estuda-das, mais de 50% das famílias amostra-das tiveram um nível de adequação deconsumo inferior a 60% das necessidadesrecomendadas.

Isto mostra que os fatores da tríade —hospedeiro, agente e meio — devem estarinteragindo, de modo a favorecer o apa-recimento de estímulos patogênicos. Aestrutura epidemiológica mostra-se, por-tanto, favorável ao desenvolvimento dadoença nas comunidades estudadas.

A Tabela 2 indica a prevalência de si-nais atribuíveis à arriboflavinose. Na ela-boração desta tabela não levamos em con-ta a seborréia, por ser um sinal clínicomenos específico que os outros já mencio-nados.

Analisando-se as localidades em con-junto, vemos que, quase 1/3 (30,8%) daspessoas examinadas, apresentaram pelomenos um sinal clínico de arriboflavinosee que este número foi bem mais elevadodo que o de pessoas apresentando dois oumais sinais (cerca de cinco vezes maior).

A prevalência de dois sinais clínicos, em-bora pequena, foi cerca de cinco vezesmaior que a de três sinais clínicos; a dequatro sinais clínicos foi insignif icante emrelação ao número de pessoas examina-das.

Para se fazer o diagnóstico clínico dearriboflavinose é necessário haver, pelomenos, a presença de três sinais. Daípodermos considerar, f rente aos dados daslocalidades em conjunto, que a prevalên-cia de arriboflavinose é baixa ( 1 , 2 % ) .Observando cada localidade isoladamente,chegaremos à mesma conclusão; a locali-dade com prevalência mais alta foi Barrado Chapéu — 3,8% — representada, entre-tanto, por um número absoluto poucoconsistente ( 2 ) .

Convém lembrar, entretanto, que o cri-tério diagnóstico mencionado é essencial-mente clínico e se aplica a casos isolados.Se nos reportarmos à história natural daarriboflavinose, veremos que a fase ini-cial se caracteriza pelo aparecimento deum ou mais sinais clínicos aqui mencio-

nados como mais específicos. Notaremostambém que existem os casos subclínicos.que poderão ou não ser evidenciados atra-vés de exames de laboratório. Para osanitarista interessa o diagnóstico maisprecoce e sensível que se puder obter.Se considerarmos o critério que chama-mos de "clínico" teremos um diagnósticoespecífico, porém de pouca sensibilidade,pois os casos mais precoces serão perdi-dos. Se levarmos em conta a prevalênciade pelo menos um sinal clínico, teremos,seguramente, grande número de falso-po-sitivos mas, em contrapart ida, teremospoucos falso-negativos. Este critério pro-picia a oportunidade de estender medidaspreventivas e corretivas a grande númerode pessoas, isto é, uma cobertura amplae segura, que convém sobremaneira às ati-vidades de Saúde Pública.

Adotando-se o último critério mencio-nado, ao examinarmos cada cidade isola-damente, veremos que a prevalência maisbaixa correspondeu a Getulina — 24.1%— (cerca de 1/4 da a m o s t r a ) . A mais

alta foi a de Barra do Chapéu — 51,9% —localidade na qual menor número de pes-soas foi examinada (entretanto a amos-tra foi representativa da população e 27é um número absoluto consistente).

A Tabela 3 refere-se à prevalência decada sinal clínico pesquisado. Considera-remos, inicialmente, os mais específicos.No que diz respeito a "todas as localida-des" veremos que o sinal mais freqüentefoi estomatite angular (7,4%), enquantoos menos freqüentes foram: lesões do ves-tíbulo nasal (1,8%), lesões das bordasdas pálpebras (1,5%) e blefarite angular(1,1%). A prevalência mais elevada daestomatite angular, revelou-se em 7 daslocalidades estudadas, fazendo exceção:Barra do Chapéu, em que o sinal maisprevalente foi língua magenta — 23,1%—, Getulina (injeção circuncorneal —7,8% ) , Embú-Guaçú (queilose — 13,2%)e Cipó (injeção circuncorneal — 5.7%).

A razão pela qual a lesão mais preva-lente varia de uma localidade para outranão pode ser explicada com base nos nos-sos resultados (outros pesquisadores, comdados experimentais, encontraram discre-pâncias semelhantes, que também não fo-ram explicadas).

Chama a atenção na Tabela 3, a pre-valência elevada de injeção circuncornealem Barra do Chapéu. Poder-se-ia invo-car o número absoluto pouco consisten-te (8) ; mas, examinando a tabela, ve-remos que nessa localidade foi que en-contramos a prevalência mais alta de lín-gua magenta (23% — 12 casos). Estesdois sinais são considerados, juntamentecom as lesões das bordas das pálpebras, osmais específicos de arriboflavinose. Estefato vem reforçar o referido com respei-to à alta prevalência desta carência, aodiscutirmos a Tabela 2. Devemos consi-derar ainda a dificuldade de se observara olho nú a injeção circuncorneal em suafase inicial (condições de nosso estudo),necessitando da utilização de luz em fen-da e o auxílio de um sistema de amplifi-

cação ótica. Tivéssemos utilizado umoftalmoscópio e talvez a prevalência des-te sinal e da própria arriboflavinose clí-nica fosse mais elevada. Desta forma, cre-mos justificável a utilização do oftalmos-cópio em estudos futuros, considerandoser o aparelho portátil, pouco dispendiosoe de fácil manejo.

Cicatrizes angulares nos lábios foi osinal mais freqüente em seis das onze ci-dades estudadas. As cicatrizes angularesnão representam necessariamente uma ca-rência atual de riboflavina, mas demons-tram a existência de uma lesão pregressa(estomatite angular) . Como estas cicatri-zes são pequenas, com o passar do tempotornam-se imperceptíveis ao exame clínico,de modo que indicam uma carência pre-gressa recente.

Verificamos haver alta prevalência deseborréia; mas como é um dado inespe-cífico, não foi incluído na discussão. En-tretanto, a inspeção de nossas fichas clí-nicas mostrou que a quase totalidade dosindivíduos com seborréia, eram adolescen-tes e adultos jovens. Não discutiremos osfatos aqui, pois reservamo-los para estudofuturo.

Os resultados das dosagens bioquímicasde riboflavina (Tabela 4 e Figura 2) re-velaram que cerca de 41% da populaçãoestudada, considerando primeiramente aslocalidades em conjunto, apresentaram ní-veis urinários abaixo da normalidade.Analisando cada localidade de-per-si, osresultados apontaram Iguape como a de-tentora de maior número de casos de de-ficiência a nível bioquímico (57,4%),seguindo-se em ordem decrescente, Cipó(49,6%), Embú-Guaçú (47,9%), SalesOliveira (44,8%), Morro Agudo (43,1%),Getulina (38 ,7%), Icapara (32,3%), Bar-ra do Chapéu (28,8%), Pontal (27,5%),Ribeira (20,7%) e Apiaí (7,7%).

Ressaltamos que em sete dessas locali-dades, mais de um terço da populaçãoestudada possivelmente tem arriboflavino-

se, a qual, como já foi referido em suahistória natural, pode ou não estar ma-nifesta clinicamente.

Parece ter havido discordância entre osdados encontrados através dos três tiposde inquérito; porém essa discordância éapenas aparente, pelo simples motivo decada um deles focalizar um momento dahistória natural da arriboflavinose.

Assim, o inquérito alimentar enfoca um"instantâneo" da fase pré-patológica (in-teração agente-hospedeiro-meio), semmostrar se há ou não a produção de umestímulo patogênico. Ele aponta uma ina-dequação e não uma carência. Convém,entretanto, lembrar que as carências acon-tecem por efeito acumulativo das inade-quações. Por isso, o inquérito alimentarisoladamente funciona como um sinal dealerta. Quando apontar uma inadequa-ção, teremos que tomar providências parainterrompê-la, a fim de promover o estadonutricional da comunidade atingida.

Por sua vez, o inquérito bioquímico po-de retratar momentos diferentes da histó-ria natural da doença:

a ) indivíduo carente, com ou sem sinaisclínicos;

b) indivíduo carente, no limite de tole-rância de sua adaptabi l idade ("bor-derline") :

c ) indivíduo normal, que ingeriu recen-temente alimentos pobres em ribofla-vina;

d) indivíduo carente ou não, que estejaem balanço nitrogenado negativo,aumentando assim a excreção de ri-boflavina 2, 6.

O inquérito bioquímico, assim como oclínico, refere-se a indivíduos e não a mé-dias familiares, como o alimentar.

Temos também que admitir que os re-sultados das dosagens considerados abai-xo da normalidade, englobam uma propor-ção de indivíduos carentes, o que nos da-rá um grupo de falso-positivos; as situa-ções que nos levariam a falso-negativossão em pequeno número. Enquanto osfalso-positivos dizem da sensibilidade dométodo, os falso-negativos retratam suaespecificidade, levando-nos à evidência queesse é um método laboratorial excelentepara triagem (porque nela o que maisimporta é uma alta sensibilidade).

O inquérito clínico, por seu lado, re-flete o período patológico da arriboflavi-nose na sua fase clínica. Embora a pre-sença de uma lesão não nos garanta ca-rência atual, pode indicar que o indivíduoesteve carente, pois as lesões cutâneas,que são as que revertem mais rapidamen-te, levam cerca de três semanas para ci-catrizarem. Por outro lado, a ausência delesão orgânica não garante um estado denormalidade, porque poderá haver carên-cia bioquímica sem tempo suficiente parao estabelecimento do sinal clínico 3.

Em conclusão, como cada tipo de inqué-rito revela momentos diferentes da histórianatural da doença, e como em Saúde Públi-ca o que importa é a rapidez de ação, de-veremos, sempre que possívl, basear nossoplanejamento nos resultados consideradosabaixo do normal, não só num dos trêsinquéritos, mas, principalmente, no con-junto dos três. Daí a importância da rea-lização s imultânea dos inquéri tos alimen-

tar, clínico e bioquímico, não visando aconcordância de resultados (que podematé ocorrer) , mas as informações que, emconjunto, podem nos oferecer e, conse-quentemente, o tipo de ação a ser tomado.

C O N C L U S Õ E S

1 — A riboflavina é um nutriente deconsumo insatisfatório, na maioria das ci-dades estudadas.

2 — Analisando-se as cidades em con-junto , verifica-se uma prevalência de30.8% de pessoas apresentando, pelo me-nos, um sinal clínico atribuível à arribo-flavinose.

3 — A prevalência de pelo menos umsinal clínico atribuível à arriboflavinosevariou de 24.1% (Getulina) a 51.9%(Barra d o Chapéu ) .

4 — Em sete das localidades estudadas,a lesão mais freqüentemente encontradafoi estomatite angular: nas quatro restan-

tes foi : língua magenta (Barra do Cha-p é u ) , injeção circuncorneal (Getulina eCipó) e queilose (Embú-Guaçú) .

5 — Considerando-se todas as locali-dades em conjunto, cerca de 41% das pes-soas examinadas apresentou níveis uriná-rios abaixo da normalidade.

6 — A prevalência de níveis urináriosnão-normais nas onze localidades variouentre 57.4% (Iguape ) e 7.7% ( A p i a í ) ,com mediana de 38.7% ( G e t u l i n a ) .

7 — Considerando-se os resultados dostrês tipos de inquérito realizados, podemosfinalmente concluir que a arriboflavinoseé problema de Saúde Pública em todas aslocalidades estudadas.

A G R A D E C I M E N T O S

ÀS Nutricionistas do Departamento deNutrirão da Faculdade de Saúde Públicada USP, que gentilmente nos cederam osresultados do inquéri to alimentar.

RSPU-B/335

WILSON, D. et al. [Study on riboflavin: biochemical and clinical examinationsof communities in the State of S. Paulo ( B r a z i l ) ] Rev. Saúde públ., S.Paulo, 11:13-26, 1977.

ABSTRACTS: The Department of Nutrition of the São Paulo UniversitySchool of Public Health carried out nutritional surveys in several regions ofthe State of São Paulo in order to establish the epidemiologic aspects of nutri-tional problems regarding riboflavin deficiency. Alimentary, clinical and bio-chemical surveys were carried out, each of which directed to different phasesof the natural history of deficiency diseases. It was shown that 30.8 per centof subjects examined presented at least one clinical sign attributable to arribo-flavinosis, 41.0 per cent presented, abnormal urinary excretion levels andmore than half the families consumed less than 60 per cent of recommendeddietary allowances.

UNITERM.S: Riboflavin. Arr ibof lav inos is . Nutritional surveys, S. Paulo,Brazil. Alimentary survey. Clinical nutritional survey. Biochemical survey

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. CLARKE, R .P . et al. — Vitamin to crea-

tinine ratios. Variability in separate

voidings of urine of adolescents during

a 24 hour period. Amer. J. clin. N u t r . ,

19:335-41, 1966.

2. GARCIA-FERNANDEZ, N. & TANTENG-CO, V . O . — Urinary riboflavin ex-cretion in normal fi l ipino nonpregnant,pregnant and lactating women.Southeast Asian J. Trop. Med. Pub.Hlth., 5:439-46, 1974.

3. HORWITT, M.K. et al. — Correlationof urinary excretion of riboflavin withdietary intake and symptoms of ari-boflavinosis. J . Nutr., 41:247-64,1950.

4. LEAVELL, H.R. & CLARK, E .G. —Preventive medicine for the doctor inhis community. New York, McGraw-Hill, 1958.

5. NUÑEZ DEL PRADO, J. W. — Arribo-flavinosis en el Hospital Obrero deICA. Rev. Med. Caja Nac. Seg. Soc.(Lima), 20:313-413, 1971.

6. STEARNS, G. et al. — Excretion ofthiamine and riboflavin by children.J. Dis. Child., 95:185-200, 1958.

7. U . S . Interdepartmental Committee on Nu-

trition for National Defense. Ma-

nual for Nutrition surveys, 2nd ed.

Washington, D.C. , 1963.

Recebido para publicação em 23/07/1976

Aprovado para publicação em 10/09/1976