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Estudo diacrônico dos verbos TER e HAVER, duas formas em concorrência Maria Lúcia Pinheiro Sampaio

Estudo Diacronico Dos Verbos TER e HAVER - Maria Lucia Pinheiro Sampaio

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Estudo diacrônico dos verbos TER e

HAVER, duas formas em

concorrência

Maria Lúcia Pinheiro Sampaio

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Título: Estudo diacrônico dos verbos TER e HAVER Autor: Maria Lúcia Pinheiro Sampaio Editora: CopyMarket.com, 2000 ISBN:

Estudo diacrônico dos verbos TER e HAVER, duas formas em concorrência

Maria Lúcia Pinheiro Sampaio

Índice

Prefácio ................................................................................................................. 02

Primeira Parte: Do Latim Clássico às Línguas Românicas .......................... 03

Segunda Parte: Do Português Arcaico ao Português Moderno .................. 07

1. Século XIII ................................................................................................ 07

2. Século XIV ................................................................................................ 08

3. Século XV .................................................................................................. 14

4. Século XVI ................................................................................................ 17

5. Século XVII .............................................................................................. 22

6. Século XVIII ............................................................................................ 23

7. Século XIX ............................................................................................... 24

8. Século XX ................................................................................................. 27

Conclusão ............................................................................................................ 31

Bibliografia .......................................................................................................... 33

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Estudo diacrônico dos verbos TER e HAVER, duas formas em concorrência

Maria Lúcia Pinheiro Sampaio

Prefácio Lendo escritores brasileiros modernos como Guimarães Rosa, Mário de Andrade, Vinícius de Morais, Carlos Drummond de Andrade, constatamos que a construção da oração impessoal com o verbo ter, tão empregada na linguagem falada já começava a ser largamente usada na língua escrita.

Como as nossas gramáticas seguem uma orientação muito tradicional, não encontramos nem explicações, nem estudos que explicassem satisfatoriamente esta curiosa construção que alguns gramáticos ainda relutam em aceitar.

Em vista disto, resolvemos fazer uma pesquisa que elucidasse esta construção. Desde o início, percebemos a impossibilidade de se estudar verbo ter separado de haver, pois desde o latim clássico eram afins em muitos empregos. No português, eles sempre tiveram empregos paralelos e à medida que o verbo haver se foi desgastando e esvaziando semanticamente, foi sendo substituído por ter. Eram portanto, formas em concorrência, até que uma acabou por superar definitivamente a outra.

O nosso trabalho que abrangeu o português do século XIII ao século XX, se propôs estudar os verbos ter e haver nos seus diversos empregos, procurando elucidar as causas do desgaste de haver e de sua substituição por ter. Fizemos um estudo sincrônico dos verbos ter e haver em cada século, procurando estabelecer a proporção em que eram usados e estudando os seus vários empregos.

Só depois de termos feito estudos sincrônicos dos verbos ter e haver em vários séculos é que pudemos ter uma visão diacrônica da trajetória dos mesmos. Com o estudo destas sincronias sucessivas,

chegamos ao que Bernard Pottier chama de “diacronia das sincronias”.1

Com o nosso estudo, tentamos demonstrar a legitimidade da oração existencial com o verbo ter e elucidar questões que tem suscitado controvérsias, como o emprego dos verbos ter e haver, indicando posse, como auxiliares da conjugação composta e em perífrases herdadas diretamente do latim.

Partindo de um problema sincrônico suscitado pela realidade lingüística do século XX, fizemos um retrospecto e estudamos a sintaxe dos verbos “ter e haver”, desde o latim clássico até o português atual. Como diz Bernard Pottier “é utópico crer que se pode estabelecer uma estrutura unicamente sincrônica. Uma sincronia somente tem existência dentro de uma diacronia geral.” 2

O estudo destes dois verbos que sempre tiveram empregos paralelos, era uma necessidade que o grande filólogo português, Manuel de Paiva Boleo, já havia sentido. 3

1 Bernard Pottier – Linguística Moderna y filologia Hispánica –

pág.12: “Urge, no terreno descritivo, estabelecer numerosos sistemas sincrônicos ao largo dos séculos, para as épocas que se suspeitem mais reveladoras. Com estas sincronias sucessivas será possível pensar no estudo de sua evolução, chegando assim à disciplina ideal dos lingüistas, “A DIACRONIA DAS SINCRONIAS”; vários filólogos estão agora de acordo com esta visão do estudo lingüístico”.

2 Bernard Pottier - op. cit. pg. 13. 3 Manuel de Paiva Boleo - O Perfeito e o Pretérito em

Português - pg. 24: “Não é possível, por enquanto, traçar com rigor a sucessão dos fenômenos, visto nos faltarem por completo estudos parcelares, designadamente uma “pequena sintaxe do português arcaico” e um trabalho pormenorizado sobre ter e haver como auxiliares, nas fases mas remotas da língua.”

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Primeira Parte Do Latim Clássico às Línguas Românicas

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Desde o latim clássico, os verbos habere e tenere tinham empregos paralelos, exprimindo os seus étimos claramente a idéia de posse. Eles foram usados para indicar a posse de coisas materiais e também para relacionar o sujeito a seu complemento, o que deve ser considerado uma posse espiritual.

Nos exemplos abaixo relacionados, o verbo habere foi usado para indicar a posse de coisas materiais, como “riquezas” e “ouro”:

“Tantas divitias habet: nescit quid faciat auro.” (Sic. Plauto, Bacch. 2.3.99) 4

“Haec si habeat aurum, quod illi renumeret, faciat lubens” (cf. Plaut. Bacch.1.1.12) 5

Neste outro exemplo podemos observar que o verbo habere relaciona o sujeito com seu complemento, indicando a posse do sentimento “medo”:

“vulneribus didicit miles habere metum” (Sic. Propert. 3.11.6) 6

O verbo tenere, por sua vez igualmente indica a posse de coisas materiais e espirituais.

“tenere auctoritatem in suos.” Cic.7

“Te tenet.” Tib. 8

4 In Aegidio Forcellini – Lexicon Totius Latinitatis 5 id. ibid 6 in fr. Dos Santos Saraida – Novíssimo Dicionário Latino-

Português 7 id. ibid 8 id. ibid

O verbo habere era empregado também como auxiliar na conjugação perifrástica, dando à perífrase um aspecto de dever, obrigação:

“Qui in sanctis habet jurare, hoc jejunus faciat...” (Lib. l, Capitular. cap.61) 9 “Ipse enim, quia aegrotat, habeo eum visitare” (Rupertus Abb. in Vita S. Heriberti Archiep. Colon, n.26) 10

No próprio latim clássico, a verbo habere foi usado, se bem que restritamente, na formação de uma perífrase que veio suprir a lacuna deixada pelo aoristo indo-europeu, que os latinos não possuíam. O aoristo, indicando o resultado obtido de uma ação passada e a manutenção e continuidade deste estado no presente, exprimia aspectos da ação verbal que nenhum dos tempos latinos conseguia traduzir. Como o latim não tivesse morfemas para este aspecto, recorreu-se à citada perífrase.

Antes do aparecimento da perífrase, o pretérito perfeito latino acumulava as noções de tempo passado e de aspecto privativo do aoristo. De acordo com a hipótese levantada pelo prof. Maurer Jr. 11 foi esta reunião de tempo e aspecto numa só forma verbal que acabou por ocasionar o aparecimento da perífrase com habere, que exprimia a posse da ação concluída e a continuidade deste estado até o presente. Assim o particípio perfeito ficou indicando somente o tempo passado.

9 in Glossarium Domino di Cange 10 id.ibid 11 Th. Henrique Maurer Jr.: Gramática do latim vulgar. pg. 124

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Segundo Thielmann12, no início, o verbo habere formava uma certa unidade expressiva com particípios como “exercitum, neglectum, iratum” e adjetivos como “carum, tristem”. Alfred Ernout e Thomas François citam-nos os seguintes exemplos em que o verbo habere aparece unido a estes particípios:

“quam (fidem) habent spectatam iam et cognitam.” (Cie. Diu. Caec. II) “quem (equitatum) ex omni prouincia coactum habebat.” (Cés. B. G. I, 15, I) 13

Posteriormente, o uso da perífrase generaliza-se e a idáia de posse contida no verbo habere se esvazia e o centro semântico da perífrase passa para o particípio, que contém a idéia de passado. No inicio, como vimos, o centro semântico da perífrase estava no verbo habere e a ação ficava em segundo plano.

Esta mudança da perífrase só é possivel,quando o verbo habere se esvazia de seu sentido possessivo e se transforma num auxiliar devido ao desgaste semântico sofrido por seu uso generalizado. De acordo com Vendryes 14, o início da transformação da perífrase já se observa em Plauto:

“uir me habet pessumis despicatum modis” (Cas. 189)

“res omnis relictas habeo” (Stich. 362)

Segundo o mesmo Vendryes, quando Gregório de Tours escreveu “episcopum inuitatum habes” a transformação da perífrase em um passado composto já se tinha completado no francês. A perífrase transformada em passado composto, quando formada com verbo habere no presente, continua, no francês como o antigo pretérito perfeito latino, a exprimir o passado, mantendo alguns de seus aspectos anteriores.

No português, a perífrase formada com habere mais particípio pode ser encontrada no português

12 José Roca Pons: Estudios sobre perifrases verbales del

español. pg.97 13 Alfred Ernout e Thomas François: Sintaxe Latine. pg. 223 14 Vendryes, J.: Choix d’Études linguistiques et celtiques. pg.

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arcaico em seus dois estágios: equivalente ao aoristo indo-europeu e transformada em passado:

..., ou hás o sem perdido ou és encantada, que és donzela de grã guisa...” (A demanda do Santo Graal. 157)

A posição do particípio, separado do verbo, mostra que a perífrase indica o estado de posse, a manutenção de uma ação.

“Ora hei pavor que a havemos perdida.” (A demanda do Santo Graal pg.168)

A perífrase está reduzida a um mero pretérito.

A perífrase formada com habere no imperfeito evoluiu para um mero passado, equivalente ao pretérito mais-que-perfeito simples:

“E por êsto lhe semelhava que o havia perdudo...” (A demanda do Santo Graal - v.I, pg. 39)

A perífrase formada com habere no perfeito não chegou até o português atual, podendo, entretanto ser encontrada no português do século XIV, como atesta o seguinte exemplo:

“Depois que êsto houve feito, non houve tam grã força que pudesse sobir no cavalo...” (id. pg.116)

A perífrase formada com o verbo haver ou ter mais o particípio é panromânica e as línguas neo-latinas preferiram ora o verbo habere ora o verbo tenere. Na Ibéria, encontra-se cedo tenere substituindo habere como auxiliar, como atesta o seguinte exemplo:

“Galli Romam captam incensamque tenuerunt” (Oros, hist, 3, I, I) 15

O português arcaico e o moderno registram a perífrase com os dois auxiliares. No séc. XIII,

15 Édouard Bourciez: Élements de Linguistique Romane. pg.

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encontramos no IV livro da Linhagens, os seguintes exemplos:

“E Alboazar Alboçadam jurou-lhe par sa ley de Mafomede que lha nom daria por todo o rreyno que elle avia, ca a tijnha esposada com rrey de Marrocos.” (Dom Ramiro ou a Lenda de Gaia, apud J. Joaquim Nunes: Crestomatia Arcaica. Pg.22)

“E elle meteo húu camafeu na boca, e aquelle camafeu avia partido com sa molher...” (id. pg. 24)

Este tipo de perífrase contribuiu para o aparecimento de um novo sistema verbal nas línguas românicas formado pela conjugação composta que subsiste lado a lado com a conjugação simples e em alguns casos a ameaça, como é o caso do “passé composé” francês que na linguagem popular é mais usado que o passado simples. O aparecimento da conjugação composta corresponde à tendência das línguas românicas ao analitismo.

Prova desta ameaça é que, segundo Meillet 16, o pretérito simples do francês desapareceu inteiramente da linguagem falada. O Atlas lingüistico de Gilliéron e Edmont mostra que no francês propriamente dito, o pretérito simples é uma forma morta. Segundo o mesmo Meillet, o pretérito simples tende também a desaparecer no alemão.

A história da perífrase formada com os verbos haver e ter mostra bem o princípio de Saussure de que a língua é um sistema e todos os elementos que fazem parte do sistema são solidários entre si. Qualquer modificação de um dos elementos atinge o sistema que reage, modificando-se e criando um novo sistema. Este modifica-se totalmente, porque a língua generaliza a mudança através da analogia, reorganizando a ordem abalada. Vimos que com base no modelo da “habeo mais particípio”, a língua por analogia cria as perífrase “habebam mais particípio” e “habunt mais particípio”, formando um novo sistema para as línguas românicas.

16 A, Meillet: Linguistique Historique et Linguistique Génerale.

pg. 148

Deixando de lado o emprego de habere nesta perífrase vejamos um curioso emprego de habere no latim vulgar: habere impessoal, usado na oração existencial.

O verbo habere no latim clássico, como já vimos, era pessoal e significava “ter, possuir”. Entretanto, encontramos passagens em documentos do latim da decadência e no latim vulgar, em que o verbo habere aparece com sentido existencial:

“habebat autem de eo loco ad montem Dei forsitam quattuor milia” (Perigrin. Aeth. 1,2, apud Bassols de Climent: Sintaxis Histórica de 1a lengua latina)

Bassols de Climent 17 levanta uma hipótese muito convincente para explicar a passagem de habere pessoal para impessoal. A uma frase como “dominus habet multum vinum” (o senhor tem muito vinho) em que está presente a noção de posse, correspondia uma outra de estrutura idêntica: “Domus habet multum vinum” (a casa tem muito vinho). Na segunda frase, o sujeito (domus) é inanimado e por isso não pode logicamente possuir alguma coisa como o sujeito da primeira frase que é um pessoa (dominus); a frase fica muito próxima de uma outra construção que exprime existência e não posse: “domi est multum vinum” (em casa há muito vinho). Dada a semelhança entre as duas frases, a frase “domus habet multum vinum” adaptou-se à construção de “domi est multum vinum” (em casa há muito vinho). Tivemos então a construção “domi habet multum vinum” em que “domus” passou a ser visualizada como locativo, isto é, ponto de referência.

A frase “domi habet multum vinum” não tem sujeito gramatical; “domi” pode ser considerado o sujeito psicológico, isto é, o ponto de referência. Houve primeiro uma mudança de formulação mental que resultou em uma mudança de construção. Esta construção, herdaram-na as línguas românicas.

O emprego de habere como impessoal é antigo, podendo ser encontrados exemplos em Flávio Volpisco e São Jerônimo.

17 Bassols de Climent: Sintaxis Histórica de Ia lengua latina,

pg. 82, tomo II

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“Esta construção se encontra já generalizada nos mais antigos monumentos das línguas românicas, ainda que nestes seu emprego não haja tomado ainda o incremento que adquiria posteriormente. Assim no “el Cid” ao lado de 1215 “quantos que alli ha” aparece também 3037,3100 “quantos que i son”; tão pouco na literatura catalã do século XIII o uso impessoal de habere adquiriu pleno desenvolvimento.

Talvez o exemplo mais antigo da construção impessoal de habere em Espanha, é o que se encontra no fragmento geográfico publicado por J. Leclerco, Hispania Sacra, II, 1949, pág. 97. Este fragmento está contido no célebre manuscrito de Roda e foi redatado, sem dúvida antes do século IX: “Et de omnia que noceuit non abet in Spania.”

Nos documentos 39 e 40 de Marca Hispânica, ano 879 aparece também várias vezes o verbo habere construído impessoalmente. É curioso observar que nestes documentos a construção pessoal alterna com a impessoal em frases de idêntico valor semântico; trata-se, com efeito, de reconstruir mediante testemunhos fidedignos o conteúdo de outras escrituras perdidas. Na fórmula empregada para este fim o verbo habere é usado com freqüência, tendo como sujeito nomes de coisas, como scriptura, donatio, emptio; assim, 39, 66: “et habebat in datarum ipsa emptio... anno XXXIII regnante Karulo Rege”; 40, 86: “et habebat ipsa scriptura emptionis insertam omnem illorum hereditatem.” Nestas frases o sujeito vem representado por um nominativo, mas ao lado delas, e com o mesmo valor semântico, aparece a construção impessoal com o sujeito lógico expresso em locativo; assim, 39, 54: “et habebat in ipsa commutatione in datarum anno XXXIII, regnante Karulo Rege”; 40, 115: “Et alia scriptura et habebat insertum in ipsam donationem qualiter donauerunt ad dicto abbate omnem illorum hereditatem”; 40, 94: “Et alia carta donationes quod fecit Bellus... ubi

insertum habebat qualiter donuerat... casas, uel hortos.” 18

18 Juan Bastardas Parera: Particularidades sintáticas del Latim

Medieval. V. XII, pág. 109

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Segunda Parte Do Português Arcaico ao Português Moderno

Maria Lúcia Pinheiro Sampaio

Estudaremos a seguir, os diversos empregos dos verbos ter e haver, desde o século XIII até a época atual.

1. Século XIII

1.1. Para expressar a posse, aparecem tanto haver como ter:

No português arcaico do século XIII haver e ter são usados para expressar a posse; nota-se, entretanto a acentuada preferência da língua pelo verbo haver. Ex.:

“Eu Elvira Sanchez offeyro o meu corpo áás virtudes de Sam Salvador do moensteyro de Vayram, e offeyro co’no meu corpo todo o herdamento que eu ey en Centegaũs...” (apud José Leite de Vasconcelos: Textos Arcaicos, pág. 14)

“Item mandamos e outorgamos que se molher ferir outra molher, que lh’o correga per dinheiro, se os ouuer: e se non ouuer dinheiros, per varas” (apud Leite de Vasconcelos, op. cit., pág. 36)

“E esta dona era mui fermosa... salvando que avia um pee forcado...” (apud João Ribeiro: Seleta Clássica, pág. 30)

“.... e ela Meteu ũu freo ao cavalo que tiinha...” (apud João Ribeiro: op. Cit. pág. 31)

O verbo ter e haver são sinônimos de possuir e indicam a posse de coisas materiais como “herdamento, dinheiros, pee forcado e cavalo”.

1.2. Haver ou Ter Mais Particípio Passado:

Como vimos no capítulo do latim medieval e vulgar, a perífrase com “haver mais particípio” evoluiu para um simples perfeito composto dentro do baixo latim. O português arcaico do século XIII herdou o perfeito composto, mas conservou a perífrase com todos os seus matizes expressivos.

Subsistem pois, no português do século XIII, a perífrase com haver ou ter mais particípio nos dois estágios de sua evolução: indicando a posse de uma ação concluída e já transformada em passado. Exemplos:

“E outrossi mando das decimas dasluitosas e das armas e doutras decimas que eu tenho apartadas em tesouros por meu reino, que eles as departiam, assi como virem por direito” (“Testamento, de D. Affonso II” (ano 1214) apud Otoniel Mota, O meu idioma. pág. 93, 1.27)

O verbo ter nesta perífrase conserva o seu sentido original de “manter”. A perífrase indica a posse e manutenção da ação expressa pelo particípio (apartadas).

“E Alboazar Alboçadam jurou-lhe par sa ley de Mafomede que lha nom daria por todo o rreyno que elle avia, ca a tijnha esposada com rrey de Marrocos”. (no IV Livro das Linhagens “Dom Ramiro ou a

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Lenda de Gaia” apud José Joaquim Nunes: Crestomatia Arcaica. pág. 22)

O verbo ter conserva, ainda que um pouco atenuado seu sentido original de “manter”, “conservar”.

“E elle meteo hũu camafeu na boca, e aquelle camafeu avia partido com sa molher...” (id. pág. 24)

O verbo haver foi usado como auxiliar para formar o mais-que-perfeito composto.

“..., nõ na possa desherdar per tal razõ, fora se aquel com que se casou era enmijgo de seus yrmãos ou lhys avia feyta algũa onta...” (nas Ordenação de D. Affonso II - apud José Joaquim Nunes. op. cit. pág. 12)

O verbo haver está transformado em auxiliar do mais-que-perfeito.

2. Século XIV

2.1. Haver e Ter como expressões da posse:

No século XIV, o verbo haver continua gozando de mais preferência que ter, para expressar a posse.

Na Bíblia Medieval Portuguesa, obra de inestimável valor para o conhecimento da nossa antiga linguagem, encontramos o verbo haver como expressão de posse, na proporção de 99%. O verbo ter aparece raríssimas vezes. Vamos citar alguns, dentre os inumeráveis exemplos que colhemos:

“E disse-lhe Lot: eu hei duas filhas, que ainda nom conhecerom barom, tomade-as, e usade delas a vossa voontade, e non façades mal a estes homēes...” (Cap. XIV “Como Lot recebeu por hospedes os Angeos, que lhe disseram do sovertimento de Sodoma.”, pág. 39).

“E quando as gentes de Olofernes virom a fremosura de Judit, dysserom: quem desprezará o poboo do judeus que tam fremosas molheres ham?” (Cap. II “Como Olofernes cercou a cydade, e como a Santa Judit sahiu da cidade” pág. 367).

No Cancioneiro da Biblioteca Nacional (Colocci Brancuti), vol. V, encontramos o verbo haver empregado com exclusividade (na mesma proporção de 99%). Na pág. 108, numa estrofe da poesia de Juião Bolsseyro:

“Ouu en tal coyta, qual uos eu direy, O dia, que meu fui de uos partir, Que, sse cuydei desse dia sayr, Deus mj tolha este corpo e quant ey,”

Em A demanda do Santo Graal, constatamos a predominância de haver para indicar a posse. Exemplos:

“... nunca rei cristaaõ houve tantos cavaleiros, nem tantos homeēs bõos aa sua mesa, como hoje eu hei, nem haverá jamais.” (pág. 68)

“E se o vos nom poderdes levar, eu o levarei, se poder, ca eu non hei escudo.” (pág. 92)

“Mas com todo êsto eu hei uũ filho cavaleiro andante.” (pág. 122)

Nestes exemplos, o verbo relaciona o sujeito com coisas materiais que a ele pertencem.

Nos exemplos abaixo enumerados, o verbo relaciona o sujeito com coisas imateriais: os fatos de nossa vida mental em geral. É uma posse atenuada, uma espécie de posse espiritual. O verbo perde bastante de seu sentido etimológico para servir de liame entre o sujeito e seu complemento.

Dos poetas do Cancioneiro da Biblioteca Nacional (Colocci Brancuti) vol. V, tiramos os seguintes exemplos:

Em Roy Martijz D Ulueyra:

“E ora ia dizen mi d el que ven,

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E mal grad aia nha madre por en.”

(pág. 12 (954))

“Queixos andades, amigo, d Amor

E de mj, que vos non posso fazer

ben, ca non ey sen meu dan em poder.”

(pág. 14 (956))

“Sabor auedes, ao uosso dizer,

De me servir e, amigu, e pero non

Leixades d ir al Rey por tal razon,

Non podedes el Rey e mj aver,”

(pág. 17 (958))

“Ben sabedes como falamos nos

E me uos rogastes o que m eu sei,

E non o fix, mays, com pauor que ey”

(pág. 22 (962))

“Aue la edes per muy mayor,

Ca de longi mj uos faran catar”

(pág. 23 (963))

“Vedes, amigo, ond ey gram pesar.”

(pág. 37 (972))

“Mays, eu perca bon parecer que ey,

Se nunc lh el Rey tanto ben fezer

Quanto lh eu farei, quando mj quyser”

(pág. 43 (977))

“Ir uos queredes, e non ey poder,

Par Deus, amigo, de uos en tolher.”

(pág. 54 (984))

Em Martim Peres Aluym:

“Mays desaguysadamente mj uen mal

De quantos Deus no mundo fez nacer.

Todos am ben per oyr e ueer,

E por entendimento e per falar.”

(pág. 58 (987))

Em Pero de Veer:

“Mha senhor fremosa, por Deus,

E por amor que uos eu ey,

Oyd un pouqu e direy

O por que eu anti uos uim,”

(pág. 70 (994))

“Non sey eu tenpo quand eu nulha ren

D Amor ouuesse ond ouuesse sabor.”

(pág. 72 (995))

Em Pedr Amigo de Seuilha:

“Non auedes d al cuydado”

(pág.319 (1159))

Em Martin Padrozelos:

“Se de mi queixum auedes,

Por Deus, que o melhoredes.”

Na Bíblia Medieval Portuguesa

“e entom eram ambos nuus, e nom aviam vergonça” (cap. XII “Como Deus criou a primeira molher” pág. 25)

“Caym ouve emveja a seu Irmão, e levantou-se ele e matou-o,...” (cap. XIX “Caym matou Abel” pág. 27)

“E tornou-se Agar, e pariu seu filho, e poselhe nome Ismael, e entom avia Abbraã oytenta e seis anos.” (Do que aveo a Sarra com Agar sua Conbooça” pág. 37)

“Aquela cidade, em que morava Abraam, avia nome Geraris” (cap. XLVIII “Como Elrey de Geraris tomou a molher a Abraam, e como lha tornou” .pág. 41)

“Respondeu Jacob, e disse: ouve temor de me tomares tuas filhas per força,...” (cap. LXVI “Como Jacob fugiu com suas molheres, e com seus filhos pera sua terra, e

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do que lhe avēo com seu sogro, que foy em pós dele” pág. 56)

2.2. Haver e Ter em Perífrases com Particípios:

No século XIV, ainda podemos encontrar as perífrases formadas com os verbos ter e haver em seu sentido original. Nelas os verbos ter e haver conservam seu sentido original de “possuir e manter” e o particípio tem urna relativa independência.

“Eu achei ora mortos douscavaleiros e ũa donzela, que tiinha a cabeça cortada,...” (A demanda do Santo Graal, 116).

O particípio se encontra longe do verbo ter e a perífrase indica a posse de um estado.

“..., ou hás o sem perdido, ou és encantada, que és donzela de Grã guisa...” (id. pág. 157)

O verbo haver com o particípio indica a manutenção de um estado. A donzela devia ter perdido, no passado o “sem” e este estado se mantém até hoje.

“- Ai, meu senhor Ivam, meu amigo e meu irmaão como hei hoje grão perda ganhada e confonderon a mim os que vos matarom,...” (A demanda do Santo Graal. pág. 180).

O verbo haver com o particípio indica a posse e a manutenção de uma ação já realizada.

“e saibas que hás teu nome britado des hoje manhaã,...” (id. pág. 61)

O verbo haver com o particípio “britado” indica o resultado presente de uma ação passada.

“- Ai, Lançalot; Morta me havedes, que leixades a casa del-rei, por irdes aas terras estranhas, que jamais nom tornaredes, se nom por maravilha.” (id.pág. 83)

A rainha diz a Lançalot que ele é culpado por reduzi-la ao estado em que se encontra. O particípio

se acha no início da oração para ressaltar o estado em que ela se encontra e permanecerá.

“Depois que houverom seus elmos laçados, encomendarom-se a Deus...” (id. pág. 84)

A perífrase indica que num determinado momento do passado, eles ficaram de posse do resultado presente de uma ação passada.

“- Ai, disse ei-rei, morto me ham.” (A demanda do Santo Graal. pág. 161).

Note-se o efeito estilístico do particípio destacado. O autor ressalta o estado em que ficou e permanecerá el-rei, depois que recebeu a noticia de que iria começar A demanda do Santo Graal.

2.3. Haver e Ter, usados como auxiliares da conjugação composta:

Como vimos, dentro do próprio latim vulgar, a perífrase formada com os verbos haver e ter e o particípio evoluiu para um mero passado.

Os verbos haver e ter, sofrendo um processo de gramaticalização, se esvaziaram de seu sentido possessivo e se fundiram com o particípio, formando a conjugação composta. O particípio continua, por inércia, a se flexionar em gênero e número como acontecia na antiga perífrase.

2.3.1. O pretérito mais-que-perfeito composto:

Os verbos haver ou ter no imperfeito do indicativo, formam com o particípio o pretérito mais-que-perfeito, que indica uma ação passada anterior a outra já passada. Vejamos os seguintes exemplos:

“mas ela me disse que o nom faria, porque eu lhe havia feitas tantas enjúrias...” (Boosco Deleitoso pág. 11)

A moça em questão justifica a sua recusa, alegando injúrias recebidas há muito tempo. O passado expressa pelo mais-que-perfeito “havia feitas” é anterior ao passado expresso pelo pretérito perfeito “disse”.

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“E quando el-rei viu que todo haviam feita promessa, houve grã pesar...” (A demanda do Santo Graal. pág. 67)

A ação expressa pelo mais-que-perfeito “haviam feita” se verificou antes das ações expressas pelos perfeitos: “viu e houve”.

“..., mal el, quando o viu vĩir e viu que havia feitos taaes dous golpes, nom no quis atender...” (id. pág. 127)

“E Boorz, que mui grã golpe havia dado... feriu-o tam feramente per cima do elmo, que el-rei ficou estorgido...” (id. pág. 164)

“Para gratificação da qual mercê, que tinha recebida de Deus,... escreveu a todas as cidades e vidas notavéis do reino, notificando-lhe a chegada de dom Vasco da Gama, e os grandes trabalhos que tinha passado,...” (João de Barros: Décadas. pág. 99)

2.3.2. O pretérito Perfeito Composto:

Quando estão no presente do indicativo, os auxiliares ter e haber formam com o particípio o pretérito perfeito composto. Ao contrário do pretérito perfeito simples que indica uma ação passada totalmente concluída num determinado momento do passado, o pretérito perfeito composto expressa uma ação passada cujos efeitos se prolongam no presente. No português arcaico, o pretérito perfeito composto podia ser encontrado tanto como o auxiliar ter como haver. No português moderno, o pretérito perfeito composto formado com o auxiliar haver desapareceu, subsistindo só o pretérito com o auxiliar ter. Deve ter contribuído para o desaparecimento do pretérito perfeito composto, formado como o auxiliar haver, o fato de em muitas frases ele equivaler ao pretérito perfeito simples: Exemplos:

“Vós havedes jurada a demanda do Santo Graal” (A demanda do Santo Graal. pág. 75)

O perfeito composto “havedes jurada” indica uma ação passada cujos efeitos se prolongam até o presente. Aproxima-se do sentido da perífrase que indica a manutenção de um estado. Difere do perfeito simples, pois neste a ação começou e terminou no passado.

“Galvam, vós me havedes morto e escarnido,...” (A demanda do Santo Graal. pág.193)

O pretérito perfeito composto “havedes morto” indica uma ação que começou no passado e se prolonga até o presente.

“Esto hei feito por vossa desonra,...” (id. pág. 227)

“Hei feito” equivale ao pretérito perfeito simples, indicando uma ação passada totalmente concluída.

“- Ai, mezquinho, que dano e que perda hoje hei recebuda!” (id. pág. 129)

O perfeito composto “hei recebuda” indica uma ação passada recentemente.

“ ora hei pavor que a havemos perdida” (id. pág. 168)

O pretérito perfeito composto “havemos perdida” equivale ao pretérito perfeito simples.

“...todo o mundo nom me poderia cobrar a perda que hoje hei recebida de uũ dos milhores cabraleiros do mundo...” (A Demanda do Santo Graal. pág. 183)

O pretérito perfeito composto indica uma ação passada e terminada recentemente.

2.3.3. O antepretérito: o verbo haver no pretérito perfeito, forma com o particípio um tempo que alguns gramáticos chamam de “antepretérito”. No português e no espanhol modernos ele desapareceu; subsiste ainda no francês sob o nome de “passé

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anterieur”. Vejamos o que diz dele Samuel Gili y Gaya, em seu Curso Superior de Sintaxes Espanõla.

“Antepretérito: Es un tiempo relativo que expresa una acción pasada anterior a otra también pasada: “Apenas hubo terminado se levantó; cuando hubieron comido emprendieron el viaje.” Los dos pretéritos se suceden inmediatamente, a diferencia del carácter mediato de la anterioridade expresada por el pluscuamperfecto. Es rarísimo en nuestros dias el uso de este tiempo fuera del lenguaje literario. Además va siempre acompañado de algún adverbio de tiempo: apenas, luego que, encuanto, en seguida que, no bien, después que, etc. Opina Bello con razón que en “luego que amaneció salí,” la sucesión inmediata la expresa el adverbio, y porconsiguiente es un pleonasmo decir “luego que hubo amanecido salí”, puesto que nada añade al antepretérito. Esto explica el desuso progressivo del antepretérito en espanol, puesto que con otro pretérito perfecto (y especialemente con el pluscuamperfecto) acompañado del adverbio de tiempo, se expresa la inmediata anterioridad sen necesidade de usar para ello un tiempo especial del verbo. En la época preliteraria tenía significación de pretérito perfecto y de ello encontramos ejemplos en castellano medieval: “yo vos daría buen cavallo e buenas armas et una espada a que dicen Jovosa, que me ovo dado en donas aquel Bramante.” (Cron. General, 32la, 1.34)”. (pág. 136)

Estudaremos, a seguir, alguns exemplos do antepretérito em português:

“E Galaaz, quando êste golpe houve feito, disse:” (A demanda do santo Graal. pág. 137)

A ação expressa pelo antepretérito “houve feito” é anterior à ação expressa pelo pretérito perfeito “disse”; mas ambos os pretéritos se sucedem

imediatamente, ao contrário da ação expressa pelo mais-que-perfeito que tem um caráter mediato. Podemos observar que imediatamente depois que Galaaz deu o golpe, ele fala; são pois duas ações simultâneas.

O antepretérito, como poderemos constatar nos exemplos abaixo relacionados, vem sempre seguido de expressões, denotando sucessão imediata da ação. Foram estas expressões que contribuíram para o desaparecimento do antepretérito, pois elas sozinhas já davam os aspectos de simultaneidade, característicos deste tempo.

“Pois Galaaz êsto houve feito, nom no... catou mais nem lhe disse mais nada,...” (A demanda do Santo Graal. pág. 136)

“- Nom daríamos rem disserom êles, polo que rei Artur nos faria, por tal que houvessemos feito alguũ mal ao linhagem de rei Lac,...” (id. pág. 180)

“Pois que houverom feito o juramento ... er poserom seus elmos em suas cabeças...” (id. pág. 83)

2.4. Haver Impessoal:

O português herdou do latim vulgar a construção do verbo habere impessoal e durante muito tempo conservou a marca de passagem da construção pessoal para a impessoal, como podemos verificar pela presença do advérbio “y”, que fora sujeito gramatical da construção pessoal e agora é sujeito psicológico, isto é, ponto de referência da ação verbal.

O emprego do verbo haver na oração existencial é bastante freqüente e não oferece dúvidas; por isso julgamos desnecessário citar muitos exemplos.

“...el-rey chamou Galaaz, porque o tiinha por milhor cavaleiro de quantos i havia...” (A demanda do Santo Graal, v.I pág. 79)

“- Ai! disse Galvam, como há aqui maas novas!” (id. pág. 199, v.I)

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“E na altura dos montes de Judea avia hũu monte pequeno mais alto que os outros, que avia nome monte Maria;” (Bíblia Medieval Portuguesa - cap. II, pág. 43)

2.5. Haver e Ter e seus Diversos Sentidos:

No século XIV os verbos haver e ter tinham grande vitalidade, pois além de serem usados no seu sentido próprio, que é o possessivo, tinham outros sentidos, sendo sinônimos de “obter, acontecer., segurar, reter, etc.” Ex.:

“E ela foi logo aa cabeça e filhou-a e disse: - Ora hei o que queria;” (A demanda do Santo Graal - pág. 377, v. I)

O verbo haver, trazendo implícita a idéia de posse, aqui significa obter, conseguir.

Aparece com o mesmo sentido na pág. 172 do mesmo livro:

“E porque pedi a donzela, deu-ma, e disse-me....

E depois que houve a donzela, parti-me mui ledo da corte e vivi com aquela donzela doze anos e houve dela doze filhos,...”

“ ; e porém vos dusse acá tam longe de gente porque quero haver-vos ante que vos haja outro; e se o nom queredes fazer, farei-vos tanto como fiz a vosso meestre.” (id. pág. 402, v. I)

O verbo haver aparece com o sentido de “possuir”.

“E aveo assi que cozeu hũu dia Jacob poentas de lentilhas pera comer, e Esau veo cansado do agro, e disse a Jacob: pois vende-me tu o direito, que has da nacença porque naceste primeiro;” (Bíblia Medieval Portuguesa - pág. 47)

O verbo haver foi empregado com o sentido de “acontecer”, “suceder”.

“Ia m eu queria leixar de cuydar, E d andar trist e perder o dormir, E d Amor, que sempre seruj, seruir. De tod êsto m eu queria leixar, se me leixass a que me faz auer Aquestas coytas, ond ey a moirer.” (Martim Peres Aluym - Cancioneiro da Biblioteca Nacional - Colotti Brancuti, v. I, pág. 63 - 990)

O verbo haver é sinônimo de “sofrer, padecer”.

O verbo ter significa “segurar, reter, suster ou deter” nos seguintes paços do Graal:

“E disse-lhes que fôsse desarmar, e fêz tolher o elmo a Galaaz e deuo a Boora de Gaunes, que lho tivesse, ca aquêle era o em, que ele havia fiúza mui grande, que sempre fôra em sua honra e em sua ajuda.” (pág. 62, v. I)

“- Bem dissesses, disse Tristam; e nom cuidades que desta prison seja eu livre tanto que quiser? E ele o teve todavia” (pág. 60, v. II)

“Mais sa defensa nom lhes valera rem que a-cima que nom fôssem mortos ou presos, ca se nom poderiam ter longamente contra tanta gente, se nom fôsse a ventura que trouxe pori aaquela hora o mais ca bõo cavaleiro Galaaz.” (id. pág. 62, V. II)

“Quando nós êsto ouvimos, posemos logo tal custume que tôda donzela que per aqui passasse nos desse ũa escudela de sangue de seu braço, e posemos guardas aas portas por terem quantas por aqui passassem por haver delas o sangue...” (id. pág. 120, v. II)

“A voz foi atam estranha e tam esquiva, que nom houve i tal de nós que se podesse teer em sela, e caemos todos em terra esmoricidos.” (id. pág. 172, v. I)

Como pudemos observar, haver e ter, como verbos independentes, tinham empregos diversos e não

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eram usados indiferentemente, um pelo outro como acontecia quando expressavam a posse.

2.6. Haver usado como Auxiliar em Perífrase de Infinitivo:

“E ao tempo do parto, quando Tomar ouve de parir, aparecera dous eno ventre...” (Bíblia Medieval Portuguesa cap. LXXV pág. 62)

O verbo haver indica aqui um aspecto de necessidade.

“Pois comendo-vos a Deus, disse Lançalot ca m quero eu ir na Côrte, ca, hora de terça, hei i de seer. (A demanda do Santo Graal - pág. 42)

O verbo haver indica uma ação futura com aspecto de compromisso.

“Ora, sabede que per esta espada sera conhocido o milhor cavaleiro do mundo, ca esta é a prova per que se há-se saber.” (id. pág. 48)

O verbo haver indica uma ação futura que se realizará profeticamente.

“E bem seja veúdo o cavaleiro, ca êste é o que ha-de dar cima aas venturas do Santo Graal.” (A demanda do Santo Graal - pág. 57)

O verbo haver indica também aqui, um futuro profético, isto é, que se cumprirá evidentemente, no entender de quem fala.

“E pero, pois que eu de manhaã hei-de morrer, nom per te quero coitar minha morte.” (id. pág. 88)

Indica uma ação futura que se fará presente indubitavelmente.

“... nunca tanto desejei rem como veer o boõ cavaleiro que deste

escudo haveria de seer senhor.” (id. pág. 95)

Podemos ver pelo contexto que este futuro indica uma ação cujo destino será realizar-se, pois assim diziam as profecias.

O verbo haver usado nessas perífrases empresta a ação futura uma gama expressiva que o futuro simples não traduz.

No século XIV, o verbo haver predomina sobre o verbo ter embora estivesse perdendo a sua força expressiva. Contribuiu para isso o seu emprego como auxiliar na conjugação composta, o seu emprego na perífrase do futuro e como liame entre o verbo e seu complemento.

3. Século XV

3.1. O verbo Ter e Haver como símbolos da posse

No português do século XV, para a expressão da posse, o verbo ter predomina sobre o verbo haver. Isto se verificou em conseqüência do enfraquecimento de sentido do verbo haver no século anterior.

Na Crônica dos Feitos de Guiné de Gomes Eanes de Zurara, na Crônica da Tomada de Ceuta do mesmo autor e no Leal Conselheiro de D. Duarte, constatamos o aparecimento do verbo ter, indicando posse, numa proporção de 80%.

“E por que elles já teem a fortelleza e e atrevimento, Stam em boo tempo de os ensinar de todollas outras cousas que o bom cavalgador deve aver”. (D. Duarte, Leal Conselheiro - pág. 92)

“... o muy nobre Rey Dom Joham dissera como tinha grande vontade de fazer seus filhos cavaleiros o mais honrradamente que se bem podesse fazer.” (Gomes Eanes de Zurara, Crônica da Tomada de Ceuta - pág. 12)

Como o emprego do verbo ter, indicando posse, no século XV, é ponto pacifico entre os filólogos, não

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nos deteremos em citar mais exemplos que são facilmente encontrados nos textos da época.

Estudaremos com mais cuidado os exemplos do verbo haver, indicando posse, para não deixarmos dúvidas a respeito desse emprego que é contestado sem razão por Said Ali.

“Deixando a oração existencial de parte, ainda assim falharão os esforços para descobrir no seio da nossa língua a noção de posse perfeitamente identificada como o verbo haver. Algumas passagens dos antigos textos como que querem satisfazer à expectativa; mas eles se fundam, como todas a linguagem escrita, no estilo de chancelaria dos documentos medievais, escritos parte em português, e partes em latim bárbaro. Haver, respondendo a habere, daria então ao texto luso um aspecto mais solene, mais erudito.” 1

Os exemplos que colhemos mostram que a afirmação do prof. Said Ali é improcedente, pois em pleno século XV ainda se empregava o verbo haver para expressar a posse. Ressaltamos com mais ênfase o emprego do verbo haver possessivo no século XV, pois nesta época a linguagem já estava bem distante do estilo de chancelaria a que alude Said Ali.

“Nem ainda das feições corporaaes nom entendo fazer gram processo, porque muitos ouverom em êste mundo bem proporcionadas feições,...” (Gomes Eanes de Zurara - Crônica dos Feitos de Guiné - pág. 28)

“Non ham pescado alguũu, nem o comem os desta ilha,...” (Gomes Eanes de Zurara – Crônica dos Feitos de Guiné apud José Leite de Vasconcelos - Textos Arcaicos - Pág. 85)

“E partia grandemente o que auia, assi com seus parentes, como outros muytos, que o nom eram.” (Fernão Lopes - Crônicas do

1 Said Ali - Dificuldades da língua portuguesa - p. 119

Condestabre apud J. Leite de Vasconcelos, op. cit. pág. 82)

“E assi que, tornando a meu propósito digo que êste nobre príncipe ouve a estatura do corpo em boa grandeza,... a cabelladeira avia algum tanto alevantada;” (Gomes Eanes Zurara - Crônica dos Feitos de Guiné - pág. 29)

“(o infante dom Henrique) Avia o geesto assessegado, e a palavra mansa.” (id. pág.31)

Vimos que no século XIV o verbo haver era empregado nas construções em que a coisa possuída era imaterial. Agora no século XV já começa a ser empregado o verbo ter para indicar a posse de coisas espirituais.

“...omuy nobre Rey Dom Joaham dissera como tinha grande vontade de fazer seus filhos cavaleiros o mais horradamente que se podesse fazer”. (Zurara - Crônica da Tomada de Ceuta - pág. 12)

“Bem he verdade rrespondeo a Rainha, que eu vos tenho assy amor que quallquer madre per obrigaçam naturall deve teer a seus filhos.” (Zurara - id. pág. 45) “E assi teem alguũs tam grande vergonha ou empacho de fazer algũas cousas, que ante si poriam a sofrer algũu grande perigo que as fazerem em lugar de praça, por receo de prasmo das gentes,...” (D. Duarte - Leal Conselheiro - pág. 89)

O verbo haver é também empregado para indicar a posse espiritual. Exemplos:

“E o avorrecimento avemos d’algũas pessoas que desamamos ou de que avemos inveja...” (D. Duarte - Leal Conselheiro - pág. 55) “Se algũas pessoa, per meu serviço e mandado, de min se partee della sento saudade, certo he que de tal partida nom ei sanha, nojo,

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pesar,...” (D. Duarte - Leal Conselheiro - pág. 56)

“Todo esto entendo que lhes vem per mingua de voontade que dellas ham,...” (id. pág. 95)

“Grande amor ouve sempre aa cousa pública dêstes regnos,...” (Zurara - Crônica dos Feitos de Guiné - pág. 32)

3.2. Ter ou Haver mais particípio

Nota-se no português do século XV, uma preferência acentuada pelo verbo ter na perífrase com o particípio. Nos exemplos que transcreveremos, os verbos ter e haver formam com o particípio uma certa unidade expressiva, exprimindo aspectos que eram privativos do “aoristo”.

“..., he necessario que de duas cousas foçom huũs, ou travaram arroidos e comtemdas antre ssy, como sse lee que fezerom os Romaãos depoes que teverom suas guerras acabadas,...” (Zurara - Crônica da Tomada de Ceuta - pág. 40)

A perífrase marca a posse do fim atingido, do estado a que se chegou.

“O segundo empacho he o comdestabre, o qual sabees que assy por sua my boa vida como pollos gramdes e bem aventurados aqueecimentos que ouve, tem assy as gentes do rregno chegadas a sua amizade,...” (Zurara - Crônica da Tomada de Ceuta - pág. 42)

O verbo ter conserva seu sentido de “manter”.

“... por quamto aquello de meus filhos rrequerem he pera gaanhararem homrra que vós ja teemdes gaanhada,...” (id. pág. 49)

A perífrase indica a manutenção de um estado obtido. O rei há havia ganho honra e continuava de posse dela.

“Ora sabee que depois que el Rey de todo teve seus feitos aviados pera pertir, ... começou el Rey de hordenar suas departições per tal guisa...” (id. pág. 62)

O verbo ter e o particípio indicam o estado obtido, a posse do resultado de uma ação.

“E assy sahiram todos cada huũ como milhor podia, ataa que el Rey chegou aa porta da cidade, homde fez sua deteença, assy por rrezam da perna que tijnha ferida,...” (Zurara - Crônica da Tomada de Ceuta - pág. 84)

O verbo ter conserva sua força possessiva e junto com o particípio indica a permanência de um estado. O rei ferira anteriormente a perna e como esse ferimento se mantivesse, teve que parar.

A perífrase não indica uma ação passada, mas o resultado no presente de um acontecimento passado.

“E por tentarem os da terra, e averem delles alguũ mais certo conhecimento poserom aquelle alarve fora, e hũa daquelas mouras que tijnham prêsas que fossem dizer aos outros, que se quisessem viir a elles fallar sôbre resgate daqui daquelles que tijnham presos,... que o poderiam fazer.” (Zurara - Crônica dos Feitos de Guiné - pág. 57)

O verbo ter conserva o seu sentido originário de “manter”. A perífrase indica a manutenção de um estado.

“E Antam Gonçalvez porque tiinha já seu navio carregado,... tornou-se pera Portugal,...” (Zurara - Crônica da Tomada de Ceuta - pág. 58)

O verbo ter, formando com o particípio uma certa unidade expressiva, indica a posse de uma ação, o estado alcançado.

3.3. Ter ou Haver como auxiliares da conjugação composta:

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Os verbos ter ou haver formam com o particípio uma unidade que corresponde a um mero passado composto, perdendo nesta construção o seu sentido possessivo para transformar-se em mero auxiliar. O verbo ter predomina sobre haver como auxiliar da conjugação composta.

3.3.1. Pretérito mais-que-perfeito composto: os verbos ter ou haver formam com o particípio o mais-que-perfeito do indicativo.

“E porem dezia Alexandre ho gram rrey de Macedonia, que elle seria bem contente de trocar a prosperidade que lhe os deoses tijnham aparelhada,...” (Zurara - Crônica da Tomada de Ceuta - pág. 61) “E o Iffante D. Henrique, tanto que foy naquela mêzquita, por causa do grande trabalho que tijnha passado. Lançousse allgũu pouco a rrepousar,...” (Zurara - Crônica da Tomada de Ceuta - pág. 92)

“..., ouvia seus aqueecinentos fazendo-lhe aquellas mercees que tijnha acostumado de fazer aos que o bem serviam.” (id. pág. 46)

“E antre as razoões que ouvi dizer que o Iffante dissera a aquelle seu filho,... foi que lhe encomendava que se nembrasse da Ordem de Cavallaria que tijnha recebida,...” (id. pág. 61)

“E irá também naquella capitania, Alvaro de Freitas, comendador d’Aljazar, que he da ordem de Santiago, também homem fidalgo, e que tiinha feitas mui grandes prêsas...” (id. pág. 63)

“Era ainda hi, Pallenço, que era hũu homem que tiinha feita mui grande guerra aos Mouros,...” (id. pág. 63)

“Muito prezada e amada Rainha, Senhora: vós me requerestes que juntamente vos mandasse screver algũas cousas que avia scriptas per

boo regimento de nossas conciencias e voontades.” (D. Duarte - Leal Conselheiro - pág. 31)

3.3.2. Pretérito perfeito composto: o verbo ter forma no presente como o particípio o perfeito composto que indica uma ação que começou no passado e continua no presente. Esta construção no português moderno, substituiu a construção com o verbo haver.

“Empero ante que o iffante, dom Henrique assi partisse de Lagos, leixou por principal capitam de todos aqueles navios, Lançarote aquelle cavalleiro de que já teemos falado,” (Zurara - Crônica dos Feitos de Guiné - pág. 61)

Podemos observar que o particípio sempre aparece flexionado, concordando com o objeto direto, mesmo quando se trata da conjugação composta.

Encontramos, entretanto, na Crônica dos Feitos de Guiné, um exemplo de perífrase formada com o verbo haver em que o particípio aparece invariável.

“E estas auguas em quanto vaão assi departidas chamam-se per estes nomes que avemos dicto,...” (pág. 84)

O verbo haver forma com o particípio uma unidade com valor de mero passado.

Vemos que já começa a haver um ajustamento entre a forma externa da língua com a forma interna. O particípio aparece sem flexão, pois perdeu sua autonomia na frase.

A adaptação total entre a forma externa e a forma interna da língua só se concretizará no século seguinte (XVI). O reajuste foi bastante demorado, porque a língua escrita não consegue seguir no mesmo ritmo as mudanças que se verificam na língua falada.

4. Século XVI

4.1. Ter indicando posse:

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O verbo haver começou a esvaziar-se de seu sentido possessivo; de início na posse de coisas materiais, limitando-se a estabelecer uma relação entre o sujeito e seu complemento. O verbo ter é que vai indicar a posse de coisas materiais.

Vejamos alguns exemplos do verbos haver indicando a relação entre o sujeito e seu complemento:

“...não haviam inveja ás joias dos nossos” (João de Barros - Décadas - v. I, pág. 132) “... não hei medo à fortuna.” (Antonio Ferreira - Monólogo de Bristo - pág. 117, apud Seleta Clássica)

Bem como do verbo ter, indicando a posse de coisas materiais:

“Para serviço dos que querem negociar suas cousas por mar, & com mais brevidade, tem a cidade onze mil barcas,...” (Pantaleão de Aveiro - Itinerário da Terra Santa - pág. 2)

4.2. Ter e Haver e seus diversos sentidos:

No século XVI, o verbo haver era empregado em vários sentidos, como se pode ver pelos exemplos que seguem:

“e eu me houve com elles de maneira que começaram a chorar.” (Pantaleão de Aveiro - Na Terra Santa - pág. 185 apud Seleta Clássica de João Ribeiro)

Haver tem o sentido de “comportar-se”.

“Isto em nenhum modo querem consentir os Japões, nem conceder, por haverem os chins por muito inferiores a êles.” (Diogo do Couto - Décadas - v. I, pág. 33)

Haver é sinônimo de “considerar”.

“Porém de quanto gádo vacum traziam, nunca poderam haver

deles uma só cabeça,...” (João de Barros - Décadas - v. I, pág. 19)

O verbo haver tem o sentido de obter, conseguir.

“... havia já seis ou sete dias que era chegado,...” (id, pág. 32)

O verbo haver é impessoal e indica circunstância de tempo, sendo sinônimo de fazer.

O verbo haver era usado na expressão “haver nome”, hoje desatualizada e substituída pelo verbo “chamar-se”.

“Finalmente ele foi baptizado e houve nome Gaspar.” (id. pág. 888)

O verbo ter apresentava a mesma variedade de sentidos, mas diversificava um pouco.

“É logo sem razão, e elle tem que lhe sois contraria, e não vol-o merece, que eu sei que deseja muito vossa amizade.” (Antonio Ferreira - Comedia Aulegrafia - apud João Ribeiro - Seleta Clássica - pág. 133)

Ter aparece com o sentido de “achar”.

“porque aos taes pobre têem os turcos e mouros por grandes sentos e despresadores do mundo,” (Pantaleão de Aveiro - Na Terra Santa - pág. 184)

Ter aparece com o sentido de “considerar”.

“Aqui foi ter com êle uma galiota. da sua companhia, que havia dias que se tinha desgarrado com tempo,...” (Diogo do Couto - Décadas - v. I, pág. 9)

O verbo ter significa “encontrar-se”.

4.3. Ter e Haver na formação dos tempos compostos:

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Na formação dos tempos compostos o verbo ter predomina sobre haver.

Invariável, o particípio forma tanto com ter como com haver, o perfeito e o mais-que-perfeito compostos. Muito raramente o particípio aparece com flexão.

O verbo ter no presente com o particípio forma o perfeito composto do indicativo. Indica uma ação que começou no passado e continua no presente. O passado e o presente se interpenetram.

“Esta cidade do Pequim, de que prometti dar mais alguma informação da que tenho dado, é tão magnífica e taes são todas as coisas d’ella, que quasi me arrependo do que tenho promettido, porque realmente não sei por onde comece minha promessa;” (Mendes Pinto - O Pekin - apud Seleta Clássica de João Ribeiro, pág. 90)

O verbo ter no imperfeito do indicativo forma com particípio o mais-que-perfeito composto que indica uma ação passada anterior a outra já passada.

“... no fim dos quais vindo alli ter um homem do lugar de Suazoangané, donde tinhamos vindo, ... disse á gente da terra ... que não eramos quaes elles cuidavam, mas que eramos estrangeiros perdidos nas agoas do mar, e que tinham cometido um grande peccado em no prenderem,...” (id. pág. 95) “Aqui foi ter com êles uma galiota da sua companhia, que havia dias que se tinha desgarrado com tempo,...” (Diogo do Couto - Décadas - pág. 9)

Embora no século XVI a participo apareça na maioria dos casos sem flexão, ainda podemos encontrar exemplos em que o particípio aparece flexionado.

“A idéia segundo Platão:... em seu entendimento estava uma figura de formosura perfeitissima, a qual elle contemplando, e tendo nela fitos

os olhos de sua mente, a sua semelhança dirigia a mão.” (Heitor Pinto, apud Seleta Clássica de João Ribeiro)

A perífrase indica a permanência de um estado.

“E matizou uma imagem tam excellente, e tam viva ao aparecer, que parece que gastou nella todo seu artifício, mas ainda não chegou áquella traça e figura, em que tinha pregados os olhos no entendimento,...” (id. pág. 141-142)

A perífrase indica a manutenção de um estado.

“... não vai homem algum áquella Provincia, que não venha d’ella rico, sem se haver na terra ainda descuberto minas de ouro, nem de prata, nem outras riquezas e perolas, que nosso descuido tem sepultado nellas. E se os thesouros, que a natureza alli tem encerrados, foram já abertos, então não foram maravilha enriquecerem os homens em tão pouco tempo, como a muitos vemos.” (Pedro de Mariz - Terra de Santa Cruz apud Seleta Clássica de João Ribeiro pág. 154)

O particípio concorda com o objeto (thesouros) e a perífrase indica a manutenção de um estado.

“e cada vez que querem dêles alguma cousa, os chamam com uma bozina, e tem com êles feito pacto...” (Diogo do Couto - Décadas - v. I, pág. 36)

A perífrase indica a manutenção de um estado e não o tempo passado.

“Tantas vezes puxáram por El Rei nesta matéria, que semaro a mandar fazer aquela jornada, porque estava pobre pelas muitas despezas que se tinham feitas nas grandes Armadas, que á India tinha mandado de socorro.” (id. pág. 93)

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O particípio aparece flexionado, mas forma com o imperfeito de ter o mais-que-perfeito do indicativo. A flexão do particípio não altera o sentido do mais-que-perfeito, que indica uma ação passa da anterior a outra passada.

“Que mandava Mealecan pera Cananor, porque tinha escrito a El Rei de Portugual sôbre os contratos que tinham feitos,...” (Diogo do Couto - Décadas - pág. 126)

Estamos diante do mais-que-perfeito composto e o particípio está flexionado por conservadorismo da língua escrita que evoluiu mais devagar que a língua falada.

“Subião pera os palos radiantes E de metais ornados reluzentes, Mandados da Rainha, que abundantes Mesas de altos manjares excellentes lhe tinha aparelhada, que a fraqueza Restaurem da cansada natureza.” (Lusíadas, Canto X, est. 2 pág. 307)

“E porque, como vistes, tem passados Na viagem tão asperos perigos, Tantos climas e caos exp’rimentados, Tanto furor de ventos inimigos, Que sejão, determino, agasalhados, Nesta Costa Africana como amigos, E tendo guarnecida a lassa frota Tornarão a seguir sua longa rota.” (Lusíadas, canto I, est. 29, pág. 19)

Camões flexiona estes particípios para efeito estilístico, para dar realce ao objeto direto. Com o particípio flexionado é o objeto direto e não o sujeito que surge em primeiro plano à mente do leitor. Nestes exemplos o verbo ter e o particípio indicam tempo e não aspecto.

“Estavas, linda Inês, posta em sossego, De teus annos colhendo doce fruito Naquele engano da alma ledo e cego Que a fortuna não deixa durar muito, Nos saudosos campos do Mondego, De teus fermosos olhos nunca enxuito, Aos montes ensinando e às ervinhas O nome que no peito escripto tinhas.” (Lus. canto III, est. 120, pág. 127)

A perífrase “escripto tinhas” indica a posse de uma ação e a manutenção deste estado. Inês possuía o

nome do príncipe, inscrito em seu coração e assim o conservaria. Ela tinha e manteria escrito no coração, aquele nome. A perífrase nos diz que o amor de Inês era duradouro. Ela o amara, amava e amaria.

Podemos observar que no século XVI as perífrases formadas com ter ou haver e particípio e que indicavam, não o tempo mas o aspecto, começam a diminuir, dando lugar às perífrase que exprimem o tempo e formam a chamada conjugação composta.

Para não dar margem a dúvidas, queremos esclarecer que entendemos por “perífrase” a união dos verbos ter ou haver com o particípio, formando uma certa unidade de sentido. É esta dependência semântica entre os verbos ter ou haver com o particípio que constitui a perífrase. Ela nada mais é que uma unidade sintagmática formada por dois verbos. Quando os verbos ter e haver não haviam sofrido um processo de gramaticalização e conservavam seu sentido possessivo, eles tinham mais independência em relação ao particípio; nestas circunstâncias, a perífrase indicava não um tempo, mas o aspecto de posse e manutenção de um estado obtido. Quando ter e haver se tornam auxiliares, esvaziando-se semanticamente, perdem sua independência e se fundem ao particípio. A perífrase vai indicar não mais o aspecto, mas a noção de tempo.

4.4. Ter invade a esfera da oração existencial:

No século XVI, como vimos, o verbo haver tinha perdido muito do seu sentido possessivo, sendo substituído por ter para indicar a posse de coisas materiais. A língua também preferiu o verbo ter para formar os tempos compostos; são cada vez mais raras as perífrases formadas com ter e particípio, indicando a posse e permanência de um estado.

O processo de esvaziamento semântico de haver que se completou no século XVI, criou condições para que o verbo ter invadisse a esfera da oração existencial, que era privativa de haver.

Entretanto, a parcimônia com que o verbo ter era empregado na oração existencial nos faz supor que se tratava mais de um fenômeno da língua falada que da escrita. A língua falada que evolui mais depressa que a escrita sentiu a necessidade de substituir totalmente haver por ter, pois o verbo haver, por ter-se esvaziado semanticamente,

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dificultava a comunicação. O verbo haver, de fato, confunde-se foneticamente no presente do indicativo com o artigo a e no perfeito com o verbo “ouvir”. Através dos exemplos coletados, analisaremos mais pormenorizadamente a substituição de haver por ter.

Na Perigrinaçam de Fernam Mendez Pinto, se bem que o verbo haver predomine na oração existencial, o verbo ter já aparece algumas vezes, como poderemos ver pelos exemplos abaixo relacionados:

“Na frontaria deste patio, onde estava a escada por onde subião para cima, tinha hum grande arco lavrado...” (v. II, pág. 45) “Aquy nos mostrou hũ oratorio em que tinha hũa Cruz de pão dourada,...” (v. III, pág. 82) “Caminhando este Rey Bata por suas jornadas ordinarias de cinco legoas por dia chegou a hum rio que se dizia Quelem, onde por algũas espias do Achem que ahy se tomarão soube que o Rey o esperava em Tõdacur, duas legoas da cidade, para ahy se ver no campo com elle, & que tinha muyta gente forasteyra,...” (v. I, pág. 57) “Todos os caminhos & servintias das cidades, villas, lugares, aldeas, & castellos, são de calçadas muyto largas feitas de muyto boa pedraria, com colunas & arcos nos cabos dellas de muyto rico feitio, com letreiros de letras douradas, em que estão escritos grãdes louvores dos que as mandarão fazer, & de hũa banda & da outra tem poyais de muyto custo para descansarem os caminhantes & gête pobre, & tē muytos chafarizes & fontes dagoa muyto boa, & em lugares esteriles & pouco povoados tem molheres solteyras, q de graça dem entrada à gente pobre que não tem dinheiro...” (v. III, pág. 126) “Por fora desta grande cerca, a qual, como digo, corre por fora de toda a cidade, está em distancia de tres legoas de largo, & sete de comprido vinte & quatro mil jazigos de Mandarins, q são huas capellas pequenas cozidas todas em ouro, as quais tem todas adros fechados em roda com grades de ferro & de latão feitas ao torno, & as

entradas que tem são huns arcos de muyto custo & riqueza. Junto a estas capellas tem aposentos muyto grandes com jardins & bosques espessos de grande arvoredo, & muytas invençoens de tanques, & fontes & bicas dagoa. E as paredes das cercas são forradas por dentro de azulejos de porcelana muyto fina, & por cima pelos espigões tem muytos leões cõ bandeiras douradas, & nos cãtos das quadras curucheos muyto altos de diversas pinturas. Tem mais quinhentos aposentos muyto grandes q se chamão casas do filho do Sol,...” (v. III, pág. 157) “As ruas ordenarias desta cidade são todas muyto compridas & largas & de casaria muyto nobre de hũ até dous sobrados, fechadas todas de hũa banda & da outra com grades de ferro, & de latão, com suas entradas para os becos que nellas entestestão & nos cabos de cada hũa desta ruas estão arcos com portas muyto ricas que se fechão de noite, & no mais alto destes arcos tem sinos de vigia.” (v. III, pág. 169) “Mas deixando agora êsto para se tratar a seu tempo, esta cidade, segundo o que se escreve della, assi no Aquesendoo de que já fiz menção, como em todas as chronicas dos Reys da China, tē em rodatrinta legoas, a fora os edidicios da outra cerca de fora, de que já tenho dito hum pouco, & bem pouco em comparação do muyto que me ficou por dizer: & he (como já disse outra vez) toda fechada cõ duas cercas de muros muyto fortes, & de muyto boa cantaria, onde tem trezentas & sessentas portas, a cada hũa das quais está hum castelo roqueyro de duas torres muyto altas, & todos com suas casas, & pontes levadiças nellas.” (Fernam Mendes Pinto - Perigrinaçam - v. III, pág. 168) “Tem esta prisão, ou deposito, das cercas para dentro tres povoações, como grandes villas, todas de casas terreas, & ruas muito compridas sem becos nenhũs, & nas entradas dellas tem portas muyto fortes com seus sinos de vigia encima,...” (id, v. III, pág. 173)

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No Itinerário da Terra Santa de Fr. Pantaleão Aveiro, encontramos exemplos mais numerosos:

“Vai pelo meyo da cidade hun canal muy largo, que a divide em duas partes, no meio do que tem hũa muy fermosa põte, toda de muytas tendas occupada, cheyas de preciosas, & ricas mercadorias.” (Fr. Pantaleão Aveiro Itinerário da Terra Santa, pág. 2) “Todas estas gondolas estão de contino prõptas, & prestes, affim de dia, como de noyte, para quem se quer servir dellas, & com muy grande barato: & tem tal ordem na passagem q todas ordinariamente ganhão,...” (id. pág. 3) “Dentro na cidade, & arrabaldes tem vinte conventos de Religiosos & vinte & quatro de Religiosas.” (id. pág. 4) “Dentro na cidade tem hũ almazem,...” (id. pág. 4) “...; & em cada casa aonde ha officiaes, que trabalhão, tem no meyo hũa tina....” (id. pág. 6) “Dentro do castello não tem armas...” (id. pág. 109)

Podemos observar que esta construção com o verbo ter impessoal reflete uma mudança de formulação mental. O sujeito da oração pessoal é agora visualizado como locativo e o verbo ter torna-se impessoal. Esta construção evidentemente surgiu por analogia à construção com o verbo haver impessoal.

Verificou-se o mesmo fenômeno que se dera em latim vulgar com o verbo habere pessoal, que se transformara em impessoal por analogia com a construção do verbo “esse”.

No Itinerário da Terra Santa encontramos a construção pessoal e a impessoal. Exemplo:

“Tem a Cidade outras muytas riquezas,...” (Fr. Pantaleão Aveiro Itinerário da Terra Santa - pág. 7)

“Dentro na Cidade tem hũ almazem,...” (id. pág. 4)

Na primeira construção (pessoal) o sujeito é “Cidade” e exerce a função de possuidor das “ muytas riquezas”.

Na segunda construção (impessoal) a “Cidade”, conceito inanimado, é visualizado como o lugar onde “existe” “hũ almazem”. O verbo ter significa “existir”. A construção tem o mesmo espírito desta outra:

“Ha dētro na Cidade hũ Mesteyro de Caleiros Gregos,...” (id. pág. 16)

Os exemplos que coletamos demostram que o ver ter era usado com sentido existencial no português do século XVI.

Embora o emprego do verbo ter na oração existencial que era domínio exclusivo do verbo haver, pareça inusitado, não o é, se considerarmos a vida paralela que esses dois verbos sempre tiveram.

Se sincronicamente a substituição de haver por ter, na oração existencial, cause estranheza, diacronicamente o fato é natural e perfeitamente explicável.

O verbo haver foi-se desgastando e perdendo sua força expressiva até se transformar num “outil” gramatical, como diz Meillet; e à medida que se ia desgastando foi perdendo terreno e sendo substituído por ter.

A semelhança semântica entre os dois verbos e o desgaste de haver criou condições para o aparecimento da oração existencial com o verbo ter.

Já que ter era equivalente a haver e o tinha substituído em muitas funções, por analogia com a construção da oração existencial com haver, a língua criou a oração existencial com o verbo ter. A nova construção assimilou a mesma estrutura sintática da construção original, que lhe serviu de modelo.

Com a nova criação da língua surgiram duas construções que entraram em concorrência. A oração existencial com o verbo ter veio preencher um “déficit” da língua, cuja clareza de comunicação estava ameaçada pelo desgaste e conseqüente inexpressividade do verbo haver.

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5. Século XVII

5.1. O verbo ter indicando posse:

O verbo haver, tendo-se esvaziado de seu sentido possessivo é substituído pelo verbo ter que indica a posse de coisas materiais e imateriais.

“Começa da parte direita em uma ponta, a qual, por razão de uma igreja e fortaleza dedicada a Santo Antônio, tem o nome do mesmo santo.” (Antonio Vieira - Obras Escolhidas - v. I, pág. 1)

“... Os Macedónios venciam tudo, porque nada tinham;” (id, pág. 13)

5.2. Haver e Ter usados na oração existencial:

O verbo ter é pouco usado na oração existencial, predominando a oração com o verbo haver.

“Apenas tem quinhentos homens n’aquella fortaleza, os mais d’elles soldados de presidio, que sempre costumam ser os pobres ou os inuteis;” (Jacinto Freire - Discurso de Coge Çofar aos Turcos apud João Ribeiro - Selecta Clássica - pág. 280)

“Além destes soldados e capitães havia outros, no recôncavo da cidade,...” (Vieira, op. cit., pág. 21)

5.3. haver e ter na formação dos tempos compostos:

O verbo ter continua predominando sobre haver na formação dos tempos compostos. Vejamos alguns exemplos:

“... quase todo o mês passado tinha andado na barra,...” (Vieira, op. cit., pág. 3)

“Castigou com seu valor as injúrias que, antes que êle aparecesse naqueles bosques, havia recebido de seus inimigos.” (D. Francisco Manuel Melo - Cartas Familiares - pág. 14)

Temos aqui o mais-que-perfeito do indicativo, formado com ter e haver.

“...por suas praias e sertões tem espalhado muito gentio.” (Vieira, Obras Escolhidas - v. I, pág. 46)

“Esta é uma das causas que têm destruido infinidade de índio neste Estado:” (id. pág. 176)

O verbo ter e o particípio formam o perfeito composto que indica uma ação que começou no passado e continua até o presente.

O perfeito composto formado com o auxiliar haver confunde-se com o perfeito simples. Talvez seja por esta razão que no português do século XX, este tempo desapareceu.

“... nos dão a entender que desta matéria de possuir ou deixar os cargos, nada entendemos aqueles que os não havemos experimentado.” (Vieira - Obras Escolhidas - pág. 33) “De França hei recebido ũa carta de el-Rei Cristianíssimo, em recomendação de minha causa.” (id. pág. 106)

Embora sejam raras, ainda podemos encontrar exemplos de perífrases como o particípio flexionado. Exemplo:

“Por esta ocasião temeram o nossos que, desesperados os holandeses de se poderem defender, intentassem acolher-se nas naus, porque, ainda que as nossas tinham bem tomada a barra,...” (Vieira, id. pág. 40)

O verbo ter é sinônimo de “manter” e a perífrase indica a manutenção de um estado.

No século XVII o verbo ter predomina sobre haver na formação dos tempos compostos. O particípio permanece invariável, aparecendo ainda exemplos esporádicos do particípio flexionado.

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O verbo ter aparece com menos freqüência na oração existencial. Este fato lingüístico pode ser conseqüência da influencia da língua latina, não só no vocabulário, mas na sintaxe. As palavras e construções populares resultantes da evolução lingüística foram relevadas ao abandono.

6. Século XVIII

6.1. O verbo ter indicando posse:

Como no século anterior, não se encontram mais exemplos de verbo haver, indicando posse.

“Tenho próprio casal, e nêle assisto;” (Tomás Antonio Gonzaga - Marília de Dirceu - pág. 25)

6.2. Ter e Haver como auxiliares dos tempos compostos:

O verbo ter continua predominando sobre haver na formação dos tempos compostos. O particípio aparece invariavelmente sem flexão.

“Morreu na flor dos anos, e já tinha vencido o mundo inteiro.” (id. pág. 81) “À noite te escrevia na cabana Os versos que de tarde havia feito;” (id. pág. 134)

Os verbos ter e haver unidos ao particípio formam o mais-que-perfeito composto.

“Tu já tens, Doroteu, ouvido história, que podem comover a triste pranto os secos olhos dos cruéis Ulisses.” (Gonzaga - Poesias - pág. 233)

O pretérito perfeito composto nos mostra que Doroteu ouviu e continua a ouvir histórias.

“Venha vossa mercê jantar, que o Concelho desta ilha tem

preparado um magnífico banquete para vossa mercê nas cazas da Camera”. (Antonio José - Teatro - pág. 139)

O pretérito perfeito composto mostra que os efeitos da ação que começou no passado se prolongam até o presente. O banquete foi preparado e continua à espera do convidado.

6.3. Ter e Haver usados na oração existencial:

O verbo haver continua gozando de preferência nesta construção. Vejamos alguns exemplo de ter impessoal, que aparece mais esporadicamente.

“Não tem remédio, hei de sentenciar-te” (Antonio José - Teatro - pág. 136) “Senhora, a barriga de vossa mercê tem tal quentura, que me persuado, que tem nella um incêndio.” (Antonio José - Teatro - pág. 254)

“Eu bem sei, Doroteu, que tinha sopa com ave e com presunto, sei que tinha de mamota vitela um gordo quarto, que tinha fricassés, que tinha massas, bom vinho de Canárias, finos doces e de mimosas frutas muitos pratos.” (Tomás Antônio Gonzaga - Poesias - pág. 222)

7. Século XIX

7.1. Haver e Ter e seus diversos sentidos:

O verbo haver como sinônimo de “proceder portar-se, agir”:

“A razão é que Luís Alves em todo aquêles seus problemas houve-se com facilidade.” (Machado de Assis - A Mão e a Luva - Pág. 177)

Significando “comportar-se”:

“Rubião não sabia haver-se com senhoras.” (Machado de Assis - Quincas Borba - pág. 47)

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Correspondendo a “conseguir”:

“Melhor é deixá-la, vender os trastes e apurar o que houver.” (id. pág. 379)

Com o sentido de “receber, perceber”:

“Êste era um cabelereiro... que vendera ao Tomé Gonçalves dez cabeleiras,... sem lhe haver um real.” (Machado de Assis - Histórias sem data - pág. 28)

Significando “manipular”:

“Jorge... não sabia haver-se com as rendas...” (Machado de Assis -Iaiá Garcia - pág. 7)

Com expressões: “haver nome” é sinônimo de “chamar-se”:

“Porque a imortalidade é o meu lote ou o meu dote, ou como melhor nome haja.” (Machado de Assis - Quincas Borba - pág. 13) “Não havia mister pôr de permeio um espírito importuno de desconsolodor”. (Machado de Assis - A Mão e a Luva - Pág. 12)

A expressão “haver mister” significa “precisar, necessitar”:

“Releu o retrato e mal podia crer; mas não havia negá-lo, era o próprio nome do Diogo Velare...” (Machado de Assis - Histórias sem data - pág. 95)

A expressão “havia negá-lo” significa “ser possível negar”.

O verbo ter como sinônimo de “possuir”.

“Iaiá não tinha piano!” (Machado de Assis - Iaiá Garcia - pág. 15)

Significando “travar”:

“Tivemos lutas de uma e duas horas, no botequim do Nicola,...”

(Machado de Assis - Memórias Póstumas de Brás Cubas - pág. 55)

Correspondendo a “avistar-se”:

“Fui dali ter com o capitão, para distraí-lo.” (id. pág. 87)

Significando “receber”:

“Tive a notícia por boca do Lôbo Neves,...” (id. pág. 284) Sendo sinônimo de “sentir”:

“Que tem?” (Machado de Assis - Quincas Borba - pág. 379)

Correspondendo a “conservar, fixar”:

“Noé... tinha os olhos em Sem...” (Machado de Assis - Papéis Avulsos - pág. 147)

Sendo sinônimo de “importar”:

“Que tem isso?” (Machado de Assis - A Mão e a Luva - pág. 226)

Como sinônimo de “abster”:

“... não lhe leu nada nos olhos, a não ser a ironia e a paciência, mas não se pôde ter que lhes não desse uma forma de palavra, com as suas regras de sintaxe.” (Machado de Assis - Esaú e Jacó - pág. 163)

Correspondendo a “conceber”:

“... Pedro teve uma idéia, que não comunicou ao irmão.” (Machado de Assis - Esaú e Jacó - pág. 419)

Como sinônimo de “considerar”:

“Cada um pega delas, veste-se como pode e vai levá-las (as idéias) à feira, onde todos as têm por suas.” (Machado de Assis - Esaú e Jacó - pág. 146)

Correspondendo a “conter-se”:

“Schacabac não se pôde ter” (Machado de Assis - Páginas Recolhidas - pág. 243)

Em expressões:

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“Como um célebre eclesiástico, tinha para si que um onça de paz vale mais que um libra de vitória.” (Machado de Assis - Iaiá Garcia - pág. 7)

A expressão “tinha para si” significa “estar convencido de”.

“Virgília chamou-me; deixei-me estar, a remoer os meus zelos, a desejar estrangular o marido, se o tivesse ali à mão...” (Machado de Assis - Memórias Póstumas de Brás Cubas - pág. 202)

A expressão “ter à mão” é sinônimo de “ter perto de si”, “ter ao alcance”.

“... êles tinham em mente cumprir o juramento...” (Machado de Assis - Esaú e Jacó - pág. 416)

A expressão “ter em mente” significa “pensar”.

7.2. Ter e Haver na formação dos tempos compostos e em locuções perifrásticas:

O verbo ter continua predominando sobre haver na formação dos tempos compostos.

“... os afetos se sua alma havia-os levado à feira, onde vendera sem pena até a ilusão primeira do seu doido coração!” (Machado de Assis - Poesias - pág. 16) “Era a segunda vez que formulava essa pergunta; tinha-a feito nas primeiras auroras da paixão”. (Machado de Assis - Iaiá Garcia - pág. 54)

Os verbos ter e haver formam com o particípio o mais-que-perfeito do indicativo.

O verbo ter forma com o particípio o perfeito composto que indica uma ação que começou no passado e se prolonga até o presente. Exemplo:

“... a natureza parece estar chorando a perda irreparável de um dos mais belos caracteres que têm honrado a humanidade.”

(Machado de Assis - Memórias Póstumas de Brás Cubas - pág. 6)

O verbo haver seguido de infinitivo indica uma ação futura que se cumprirá impreterivelmente. Dá à perífrase um aspecto de compromisso. Exemplo:

“Nem tu me hás de escalar” (Machado de Assis - Quincas Borba - pág. 89)

O verbo ter seguido de infinitivo, indica uma ação que se verificou por uma necessidade imperiosa, ditada pelas circunstâncias e independeu da vontade de quem a praticou. Ela se distingue da construção feita com o verbo haver, por seu caráter de obrigatoriedade. A perífrase com o verbo haver indica um compromisso que o sujeito as sumiu livremente.

“A título de auxiliares do aspecto verbal necessitativo servem na linguagem hodierna tanto haver como ter. Dizemos “hei de ir” e “ tenho de ir”, e esta segunda forma tem sobre a primeira a vantagem de exprimir com mais precisão a necessidade imperiosa, o ato a praticar independente da vontade. É contudo esta aplicação do verbo ter um neologismo consagrado na linguagem literária do século XVIII para cá” 2

Vejamos um exemplo do verbo ter seguido de infinitivo:

“... quando lá chegou a notícia... tive de dar esclarecimentos a alguns jornalistas.” (Machado de Assis - Memorial - pág. 73)

No século XIX, como pudemos constatar, os verbos ter e haver ainda são usados como verbos independentes. Pelos exemplos colhidos em Machado de Assis, podemos notar a grande influência clássica que ele sofreu. Muitas das expressões usadas pelo autor, como “haver nome” e “haver mister” podem ser consideradas verdadeiros arcaísmos. O verbo ter continua predominando sobre haver na formação dos tempos compostos.

7.3. Ter e Haver na oração existencial:

2 M. Said Ali - Dificuldades da Língua Portuguesa - pág. 123

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A construção da oração existencial com o verbo ter continua a aparecer em textos literários. A parcimônia com que era usada mostra que a construção ainda era mais da esfera da língua falada.

Nos Cantos Populares do Brasil, expressão da arte popular, encontramos:

“Lá detrás d’aquelle serro Tem um pé de lírio só, Faço carinhos a todos, Mas quero bem a ti só” (v. II, pág. 30) “Fui ao mar buscar laranjas, Frutas que no mar não tem; Vim de lá todo molhado, Das ondas que vão e vem.” (v. II, pág. 73) “Nas ondas do mar tem limo, Debaixo do limo o peixe, Enquanto o mundo fôr mundo, Estás bem livre que te eu deixe”. (v. II, pág. 94) “Atrás d’aquelle serro, Tem gato minhaú, Peguei o rabo d’elle Para chave do meu bahú” (v. II, pág. 107) “No meio d’aquelle mar Tem um cruzeiro de vidro Onde se apartam olhos, Coração arrependido” (v. II, pág. 113)

Em O Cabeleira de Franklin Távora, escritor romântico brasileiro, encontramos:

“Tem um paço municipal muito decente na Rua Direita, e uma matriz e mais oito templos que podem pertencer sem desaire a uma capital.” (pág. 113)

“Tem uma praça de comércio, a qual se estende desde a rua chamada Portas de Roma...” (pág. 118)

“Tem um teatro onde já tive ocasião de ver representar-se o D. César...” (pág. 118) “Tem cafés e bilhares, brinca o carnaval pelo inverno,...” (pág. 118)

Já Machado de Assis, que era mais clássico ao usar a língua, só utilizou a construção para transcrever a fala de um personagem:

“- Tem lá muita gente.” (Machado de Assis - D. Casmurro - pág. 351 apud Antenor Nascentes Linguajar Carioca)

8. Século XX

8.1. Os verbos ter e haver na conjugação composta e em locuções perifrásticas:

“Até êste dia, usinas eu não havia encontrado Petribu, Muçurepe Para trás tinham ficado, porém o meu caminho passa por ali muito apressado.” (João Cabral de Melo Neto - O Rio, Poesias Completas - pág. 134) “Muitos engenhos mortos haviam passado no meu caminho.” (id. pág. 135) “Os infelizes tinham caminhado o dia inteiro, estavam cansados e famintos. Ordinariamente andavam pouco, mas como haviam repousado bastante na areia do rio sêco, a viagem progredira bem trás léguas.” (Graciliano Ramos - Vidas Sêcas - pág. 7)

No século XX, o verbo haver praticamente desapareceu como auxiliar do mais-que-perfeito composto na língua falada. Na língua escrita ele é usado ao lado de ter para efeito estilístico: ou para evitar uma repetição ou por motivo de eufonia, principalmente em se tratando de poesia.

Na formação do perfeito composto, como vimos, só restou o verbo ter.

“Desde que estou retirando

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só a morte vejo ativa, só a morte deparei e às vêzes até festiva; só a morte tem encontrado quem pensava encontrar vida.” (João Cabral - Morte e Vida Severina - pág. 82)

O perfeito composto indica que o retirante encontrou a morte no passado e continua encontrando-a no presente. A ação que começou no passado se prolonga até o presente.

“Tenho de saber agora qual a verdadeira via” (id. pág. 80)

Quando o Capibaribe corta, o retirante que se guiava por ele, sente-se desorientado em meio dos inúmeros caminhos que se lhe apresentam. Percebe que é obrigado a saber qual o verdadeira caminho que deve seguir. A locução “tenho de saber” exprime esse caráter de urgência e necessidade. As circunstâncias, como vimos, obrigam o retirante a se decidir a respeito do caminho a ser tomado.

“- Severino, retirante, sou de Nazaré da Mata, mas tanto lá como aqui jamais me fiaram nada: a vida de cada dia cada dia hei de comprá-la.” (id. pág. 105-106)

A locução formada com o verbo haver exprime, ao contrário da locução com o verbo ter, um compromisso assumido livremente pelo sujeito. Severino está decidido a lutar dia após dia pela sua vida; a ação que ele cumprirá resultou de uma decisão sua.

João Cabral é um escritor que aproveitou muito da linguagem clássica e popular; e talvez isso explique a presença de uma perífrase com sentido clássico em sua poesia.

“E onde o levais a enterrar, irmãos das almas, com a semente de chumbo que tem guardada?” (id. pág. 78)

A perífrase “tem guardada” tem um aspecto permansivo. Podemos notar que o particípio aparece flexionado, concordando com o objeto “semente” e o verbo ter não é auxiliar, sendo

sinônimo de “possuir, manter”. Para ser um perfeito composto era necessário que o verbo ter tivesse esvaziado seu sentido possessivo e se fundido com o particípio.

O poeta conseguiu um ótimo efeito estilístico “ressuscitando” a antiga perífrase. Só com ela é que ele pode expressar um aspecto permansivo; a bala permaneceu retida no corpo de Severino, testemunhando o crime cometido.

8.2. Ter e Haver na oração existencial:

O movimento de reabilitação da língua falada que começara no romantismo atinge seu ápice no século XX com o modernismo que passou a valorizar conscientemente os elementos criativos da língua corrente. Assim a oração existencial com o verbo ter, criação analógica da língua falada, entra definitivamente na língua escrita.

A oração existencial com o verbo haver continua a existir ao lado da oração existencial com o verbo ter na língua escrita. Na língua falada a construção com o verbo haver está desaparecendo, devido a pouca expressividade de haver, que no presente do indicativo está reduzido a um “mutilado fonético”, que se confunde com o artigo, prejudicando assim, a clareza da comunicação.

Consultamos escritores modernos e fizemos o levantamento estatístico da preferência de cada um pelos verbos ter e haver na oração existencial.

Cassiano Ricardo usa quase que exclusivamente o verbo haver na oração existencial (99% de haver). Em Poesias Escolhidas, encontramos só dois exemplos do verbo ter impessoal:

“Aqui tem um anjo que se chama Arranjo.” (Cassiano Ricardo “Nesta rua tem um anjo” in Poesias Completas, pág. 282) “Brigam uns com os outros mas depois tem o Anjo” (id. pág. 283)

Os versos do poema que transcrevemos são de influência tipicamente popular, o que explicaria o emprego do verbo ter impessoal, em um poeta que praticamente só usa o verbo haver.

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Manuel Bandeira prefere o verbo haver, embora empregue também o verbo ter na oração existencial (80% de haver).

“Disse vai ver se tem fogo” (“Ainhantã” in Poesia e Prosa, pág. 207) “Em Pasárgada tem tudo É outra civilização Tem um processo seguro de impedir a concepção Tem telefone automático Tem alcalóide à vontade Tem prostitutas bonitas Para a gente namorar” (“Vou-me embora pra Pasárgada” in Poesia e Prosa, pág. 222)

Vinicius de Moraes emprega eqüitativamente os verbos ter e haver na oração existencial (50% de ter e haver). Citaremos somente exemplos com o verbo ter porque é este emprego que mais suscita dúvidas e controvérsias:

“... já estou até cansado de tanta saudade e tem gente aqui perto e fica feio chorar na frente dêles...” (Vinícius de Moraes - Antologia Poética - pág. 69)

“De novo no automóvel perguntarei se queres Me dirás que tem tempo e me darás um abraço” (id. pág. 206)

Mário de Andrade também usa quase que na mesma proporção os verbos ter e haver (50% de ter e haver).

“não tem besouros essa noite”. (Mario de Andrade - Contos de Belazarte - pág. 21) “Pois é... tem vidas assim, tão bem preparadinhas sem surpresa...” (id. pág. 27) “E tem coisas que só mesmo entre dois se percebem”. (id. pág. 37)

“Mesmo no Brás tinha um moço muito bonzinho, coitado!” (id. pág. 63)

Carlos Drummond de Andrade emprega os dois verbos na oração existencial, mostrando, contudo, uma certa preferência pelo verbo ter (emprega o verbo ter numa proporção de 60% na oração existencial).

“Pela escada em espiral Diz-que tem virgens tresmalhadas, incorporadas à via-láctea vagamente-lumeando...” (“Casamento no céu e inferno” in Poemas, pág. 151) “Olho: não tem mais Fulana.” (“O Mito” in Poemas, pág. 151) “No meio do caminho tinha uma pedra tinha uma pedra no meio do caminho tinha uma pedra No meio do caminho tinha uma pedra.” (“No meio do Caminho” in Poemas, pág. 15) “Hoje tem festa no brejo!” (“Festa no Brejo” in Poemas pág. 21)

“Meu bem, não chores, hoje tem filme de Carlito!” (“O Amor bate na Aorta” in Poemas, pág. 44) “Olha a lua nascendo atrás daquela porta. Tem um gato, um passarinho, um anel de brilhante, todos três para você.” (“Canção para ninar mulher” in Poemas, pág. 56)

Lygia Facundes Telles usa com certo equilibro ter e haver (50% de ter e haver).

“No sótão da nossa antiga casa tinha um passarinho assim.” (Lygia Fagundes Telles - Verão no Aquario - pág. 45) “Tem relógio que só servem mesmo de enfeite, não é verdade?” (id. pág. 109) “- Há retratos no quarto de André?

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- Não, não tem nenhum retrato.” (id. pág. 165) “Tem pessoas que nos são endereçadas como cartas, compreende?” (id. pág. 201)

João Guimarães Rosa prefere indubitavelmente o verbo ter ao verbo haver na oração existencial (ter é usado na proporção de 90%).

“Agora mesmo, nestes dias de época, tem gente porfalando que o Diabo próprio parou, de passagem, no Andrequeci.” (João Guimarães Rosa - Grande Sertão Veredas, pág. 10) “Não? Lhe agradeço! Tem diabo nenhum.” (id. pág. 12) “Sei dêsses. Só que tem os depois-e Deus, junto.” (id. pág. 13) “Me agradou que perto da casa dêle tinha um açudinho entre as palmeiras...” (id. pág. 13) “O senhor não duvide - tem gente, neste aborrecido mundo, que matam só para ver alguém fazer careta...” (id. pág. 13) “Mas, se não tem Deus, há-de a gente perdidos no vaivem, e a vida é burra.” (id. pág. 58) “Ou no Meão Meão-depois dali tem uma terra quase azul” (id. pág. 27) “Já tinha quem beijava os bentinhos, se rezava” (id. pág. 50) “... o senhor vá ver a fazenda velha, onde tinha um cômodo quase do tamanho da casa...” (id. pág. 71)

“Tem de tudo neste mundo, pessoas engraçadas.” (id. pág. 105) “Teve grandes ocasiões em que eu não podia proceder mal, aindas que quisesse.” (id. pág. 138) “Mas, na beira da alpendrada, tinha um canteirozinho de jardim, com escolha de poucas flôres.” (id. pág. 181) “Lá tinha um capão-de-mato.” (id. pág. 233) “Neste mundo tem maus e bons - todo grau de pessoa.” (id. pág. 296) “Eles não sabem que são bois... apoia enfim Brabagato, acenando a Capitão com um estição da orelha esquerda. Há também o homem... - É, tem também o “homem-do-pau-comprido-com-o-marimbondo-na-ponta....” (Guimarães Rosa - Sagarana - pág. 304) “Perto do homem, só tem confusão...” (id. pág. 307) “... tem horas em que ele fica ainda mais perto de nós...” (id. pág. 332) “E explicou: tinha um menino-guia, mas esse-um havia mais de um mês que escapulia.” (id. pág. 378) “Tem horas em que, de repente, o mundo vira pequenininho...” (Guimarães Rosa - Primeiras Estórias - pág. 57)

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Título: Estudo diacrônico dos verbos TER e HAVER Autor: Maria Lúcia Pinheiro Sampaio Editora: CopyMarket.com, 2000 ISBN:

Conclusão

Maria Lúcia Pinheiro Sampaio

O português arcaico herdou do latim vulgar os verbos habere e tenere que exerciam várias funções. Eram desde o latim clássico usados para indicar a posse de coisas materiais e a relação entre o sujeito e seu complemento. Foram empregados também para formar com o particípio uma perífrase destinada a exprimir a posse do resultado presente de uma ação passada. Essa perífrase, no baixo latim evoluiu para um simples pretérito, dando inicio à formação da conjugação composta das línguas românicas. No latim vulgar, o verbo habere transforma-se em impessoal, usurpando assim, uma função que era exercida pelo verbo “esse”.

O português arcaico do século XIII e XIV preferiu o verbo haver para indicar a posse e também como auxiliar da conjugação composta. O verbo ter, indicando a posse e como auxiliar da conjugação composta era pouco empregado. O verbo haver era de grande vitalidade, sendo bastante usado como verbo independente.

O verbo haver, no pretérito perfeito, vai formar com o particípio, o “antepretérito”, que teve vida efêmera, pois confundia-se com o mais-que-perfeito, tempo formado com os verbos ter ou haver no imperfeito do indicativo. O verbo haver, no presente, forma com o particípio o pretérito composto, que tinha dois empregos: exprimia uma ação passada cujos efeitos se prolongavam até o presente ou equivalia ao perfeito simples. A eqüivalência do pretérito perfeito composto, formado com o verbo haver, ao perfeito simples, contribuiu para que esta forma desaparecesse no século seguinte, sendo substituída pela construção formada com o verbo ter.

Ao lado da conjugação composta, o português dos séculos XIII e XIV conservou a perífrase que indicava a manutenção do resultado presente de uma ação passada. Nesta perífrase os verbos ter e haver não eram auxiliares, mas verbos independentes que conservavam seu sentido possessivo. O particípio nesta perífrase, como na conjugação composta, era flexionado e concordava com o complemento.

Podemos observar que na conjugação composta, o particípio flexionava-se por influência da construção das perífrases que eram mais antigas que a conjugação composta. Nas perífrases havia uma razão lógica para o particípio flexionar-se, pois ele era independente do verbo principal, podendo assim concordar com seu complemento. Cumpre acrescentar que esta independência é todavia relativa, pois o particípio forma com os verbos ter e haver uma unidade sintagmática.

O emprego do verbo haver como auxiliar e como liame entre o sujeito e seu complemento foi desgastando o seu sentido possessivo e contribuiu para que no século XV, a língua preferisse o verbo ter para indicar a posse e como auxiliar da conjugação composta.

As perífrases com seu sentido original são menos freqüentes no século XV, mas o particípio aparece invariavelmente flexionado.

O pretérito perfeito composto, formado com o verbo haver, indicando uma ação passada cujos efeitos se prolongam até o presente, desaparece e é substituindo pelo pretérito perfeito formado com o verbo ter. O pretérito anterior também não é mais empregado.

Com o desaparecimento progressivo das perífrases herdadas do latim, o particípio flexionado vai perdendo sua razão de ser. No XVI aparece sem flexão. Há um ajuste entre a forma externa da língua, construída pelos seus morfemas e a forma interna. O particípio, ficando invariável, ajusta-se finalmente à realidade lingüística da conjugação composta que prescinde de um particípio flexionado; ele só tinha razão de ser nas perífrases que indicavam aspecto. Os particípios que aparecem flexionados depois do século XV, pertencem, na maioria das vezes, às perífrases de sentido latino e não à conjugação composta.

No século XVI, o verbo ter invade a esfera da oração existencial e acaba por usurpar todas as funções que eram privativas do verbo haver.

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Nos séculos XVII, XVIII e XIX o verbo ter continua gozando de preferência na formação dos tempos compostos e para indicar a posse. Continua a aparecer na oração existencial, se bem que poucas vezes.

No século XX, completou-se o processo de gramaticalização e esvaziamento do verbo haver que somente é usado na língua escrita. O verbo ter predomina na língua escrita na formação dos tempos compostos e é bastante usado na oração existencial. O aparecimento freqüente do verbo ter na oração existencial, no português do século XX, explica-se pela grande importância que o movimento modernista deu à língua falada.

Fazendo um confronto com as línguas românicas, podemos observar que elas preferiram ora o verbo ter ora o verbo haver.

No rumeno, no catalão e no espanhol prevalece o verbo habere. No português, como vimos, o verbo haver predominou até o século XIV; depois a preferência passou para ter. No italiano, no sardo, no engadinês, no francês e no provençal a preferência recaiu sobre o verbo “esse” e habere. Nos verbos que têm inerente o aspecto pontual emprega-se o auxiliar “esse”. Nos verbos de aspecto não pontual emprega-se ora habere ora “esse”.

No espanhol, como no português, o particípio mantém-se invariável, ao passo que no francês, conserva por inércia a antiga flexão.

Ter e haver são pois dois verbos que desde o latim clássico caminham paralelamente. Devido à crescente perda de força expressiva de haver, a língua recorreu ao verbo ter, que o foi substituindo gradualmente, até usurpar-lhe todas as funções.

A grande afinidade que havia entre os dois verbos e o progressivo esvaziamento semântico de haver, criou, portanto, condições para a substituição de haver por ter. A língua não iria manter o inexpressivo haver, tendo o sonoro ter que lhe era afim.

“Os verbos vão apartando-se, do mesmo modo que os substantivos, de seu sentido original. Mas ao lado desta tendência para a “diferenciação” existe outra para a “normalização”, criando pautas ideais de generalização.

A freqüência do uso - conseqüência da “diferenciação” e “normalização” citadas - leva a uma perda da força expressiva. Habere foi

substituído por um verbo que lhe foi afim em mais de um aspecto.” 1

O verbo haver é um caso típico de gramaticalização, processo sofrido por verbos que se tornam auxiliares.

Vejamos o que nos diz José Roca Pons a respeito do processo de gramaticalização:

“O verbo auxiliar serve, essencialmente, para expressar uma modalidade determinada de um conceito verbal. O processo seguido por um verbo até chegar a ser um verdadeiro auxiliar é um caso de gramaticalização. Sem embargo, nem sempre se chega a uma perda completa de sentido concreto. Com freqüência conserva-se algum caráter do significado originário. E se delineia, naturalmente, o problema do limites. Creio que, segundo o maior ou menor grau de “vacuidade” significativa e outras circunstâncias, pode-se estabelecer alguns grupos fundamentais.

Um caso extremo e especial é o verbo haver na língua moderna para a formação dos tempos compostos da voz ativa ou da chamada “conjugação perifrástica de obrigação.

Aqui temos, abandonada e olvidada a idéia de posse, um puro instrumento gramatical. O verbo é inusitado em outro emprego, exceto em alguns arcaísmos e em seu valor como impessoal”. 2

Através do estudo diacrônico dos verbos ter e haver assistimos a uma concorrência entre duas formas verbais que tem durado séculos.

Essa concorrência inspirou ao poeta Vinícius de Moraes, um poema que transcreveremos:

Poema desentranhando da história dos particípios (do urianismo dos verbos ter e haver)

“A partir do século XVI

Os verbos ter e haver esvaziaram-se de sentido

Para se tornarem exclusivamente auxiliares

E os particípios passados

Adquirindo em conseqüência um sentido ativo

Imobilizaram-se para sempre em sua forma indeclinável”

1 Eva Seifert apud José Roca Pons - Estudios sôbre

Perífrases Verbales del Español - pág. 111 2 José Roca Pons - Estudios sobre Perífrases Verbales del

Español - pág. 12

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(Vinícius de Moraes - Para viver um grande amor - pág. 196)

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Bibliografia

Maria Lúcia Pinheiro Sampaio

Textos Empregados

Século XIII: os exemplos colhidos foram extraídos das seguintes antologias: 1) RIBEIRO, João - Seleta Clássica - 4a ed. ref., São Paulo: Francisco Alves, 1931. 2) MOTTA, Othoniel - O meu idioma - 2a ed., São Paulo: Weiszflog irmãos, 1917. 3) NUNES, José Joaquim - Crestomatia Arcaica - 5a ed. Lisboa: Livraria Clássica Editora 1959. 4) VASCONCELLOS, José Leite de - Textos Arcaicos - 4a ed., Lisboa: Livraria Clássica Editora, 1959. Século XIV

5) Cancioneiro da Biblioteca Nacional (Colocci-Brancuti) Fac-Símile e Transcrição. Leitura, comentários e glossário por Elza Paxeco Machado e José Pedro Machado, edição de Álvaro Pinto (revista de Portugal), Lisboa: Tipografia da Editora Imperial, 1956.

6) Bíblia Medieval Portuguesa (História d’abreviado Testamento Velho, segundo o Meestre das Histórias Scolásticas). Texto apurado por Serafim da Silva Neto, Rio: Instituto Nacional do Livro, 1958, tomo I.

7) A demanda do Santo Graal. Texto apurado por Augusto Magne, Rio: Imprensa Nacional, Instituto Nacional do livro, 1944, v. I.

Século XV

8) ZARARA, Gomes Eanes de - Crônica da Tomada de Ceuta - introdução, seleções e notas de Alfredo Pimenta, Lisboa: Livraria Clássica Editora, 1942.

9) ZURARA, Gomes Eanes de - Crônica dos Feitos de Guiné - prefácio, seleção e notas de Álvaro Júlio da Costa Pimpão, Lisboa: Livraria Clássica Editora, 1942.

10) D. DUARTE - Leal Conselheiro - e livro da ensinança de bem cavalgar: Notícia Histórica e Literária, seleção e anotações de F. Costa Marques. Lisboa: Livraria Clássica Editora, 1942.

Século XVI

11) PINTO, Fernam Mendez - Perigrinaçam - nova edição conforme a de 1614, preparada e organizada por A. J. da Costa Pimpão e César Pegado, Pôrto: Portucalense Editora, 1944, v. I, II, III.

12) AVEIRO, Fr. Pantaleão de - Itinerário da Terra Santa - 7a ed. Coimbra: Imprensa da Universidade, Biblioteca de Escritores Portugueses (série B), 1927.

13) CAMÕES, Luís de - Os Lusíadas - 12a ed., comentada por Otoniel Mota, São Paulo: Melhoramentos. 14) RESENDE, Garcia de - Miscellanea - com prefácio e notas de Mendes dos Remedios, Coimbra: França

Amado editor, 1917.

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15) BARRO, João de - Décadas – Lisboa: Livraria Sá da Costa, v. I. 16) COUTO, Diogo do - Décadas – Lisboa: Livraria Sá da Costa, 1947. Século XVII

17) MELO, D. Francisco Manuel - Cartas Familiares – Lisboa: Livraria Sá da Costa. 18) VIEIRA, Antonio - Obras Escolhidas – Lisboa: Livraria Sá da Costa, 1951, v. I Século XVIII

19) GONZAGA, Tomás Antônio - Poesias, Cartas Chilenas - edição crítica de M. Rodrigues Lapa, Rio, 1957. 20) ANTONIO José - Teatro - por João Ribeiro, Rio: Garnier, 1910. Século XIX

21) ASSIS, Machado de - Memórias Póstumas de Brás Cubas - São Paulo: Jackson Editores, 1957. 22) ASSIS, Machado de - Memorial de Aires - São Paulo: Jackson Editores, 1957. 23) ASSIS, Machado de - Dom Casmurro - São Paulo: Jackson Editores, 1957. 24) ASSIS, Machado de - Contos Fluminenses - São Paulo: Jackson Editores, 1957. 25) ASSIS, Machado de - Páginas Recolhidas - São Paulo: Jackson Editores, 1957. 26) ASSIS, Machado de - Poesias - São Paulo: Jackson Editores, 1957. 27) ASSIS, Machado de - Iaiá Garcia - São Paulo: Jackson Editores, 1957. 28) ASSIS, Machado de - Quincas Borba - São Paulo: Jackson Editores, 1957. 29) ASSIS, Machado de - A Mão e a Luva - São Paulo: Jackson Editores, 1957. 30) ASSIS, Machado de - Esaú e Jacó - São Paulo: Jackson Editores, 1957. 31) TAVORA, Franklin - O Cabeleira - 3a ed., São Paulo: Melhoramentos, 1963. Século XX

32) MELO Neto, João Cabral de - Morte e Vida Severina e outros Poemas em voz alta – Rio: Editora do Autor, 1966. 33) ROSA, João Guimarães - Grandes Sertão Veredas - 2a ed., Rio: José Olympio, 1958. 34) ROSA, João Guimarães - Corpo de Baile - 2a ed., Rio: José Olympio, 1958. 35) ROSA, João Guimarães - Sagarana - 2a ed., Rio: José Olympio, 1958. 36) ROSA, João Guimarães - Primeiras Estórias - 2a ed., São Paulo: José Olympio, 1964. 37) ANDRADE, Mario de - Os contos de Belazarte - 4a ed., São Paulo: Martins Editora. 38) ANDRADE, Mario de - Macunaíma - São Paulo: Martins Editora, 1965. 39) MORAES, Vinícius de - Antologia Poética - 3a ed.: Editora do Autor, 1960. 40) MORAES, Vinícius de - Para viver um grande amor - 4a ed., Rio: Editora do Autor, 1964. 41) ANDRADE, Carlos Drummond de - Poemas - Rio: José Olympio, 1959. 42) BANDEIRA, Manuel - Poesias e Prosa - Rio: Aguiar, 1958, v. I. 43) RICARDO, Cassiano - Poesias Completas - Rio: José Olympio, 1957. 44) TELLES, Lygia Fagundes - Verão no Aquário - São Paulo: Martins Editora, 1963. 45) RAMOS, Graciliano - Vidas Secas - 6a ed., São Paulo: Martins Editora, 1960.

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Textos Latinos:

46) GRANDGENT, C. H. - Introduccion al Latin Vulgar - 2a ed., traduzida do inglês, ampliada pelo autor, corrigida e aumentada com notas, prólogo e uma antologia por Francisco de B. Moll, Madrid: publicações da revista de filologia espanhola, 1952.

47) SARAIVA, Fr. dos Santos - Novíssimo Diccionário Latino - Português - 8a ed., Rio: Garnier, 1924.

Obras Consultadas

48) GAYA, Samuel Gili - Curso Superior de Sintaxis Españosa - 3a ed., Barcelona: Publicaciones y Ediciones Spes, 1951.

49) LUBKE, W. Meyer - Grammaire des Langues Romanes - Paris. 50) LAUSBERG, Heinrich - Lingüística Românica, Madri: Gredos. 51) BOLEO, Manuel de Paiva - Tempos e modos em português - Boletim de Filologia, tomo III, fasc. 1-2, 1934. 52) BOPP, M. François - Grammaire Comparée des Langues Indo-Européennes - 10a ed., Paris: Imprimieri Nationale,

tomo III. 53) A. MEILLET - Linguistique Historique et Linguistique Genérale - Paris, 1948. 54) CUNHA, Celso - Manual de Português - 3a e 4a séries ginasiais, Rio: Libraria, São José, 1966. 55) BOURCIEZ, Édouard - Elements de Linguistque Romane - 4a ed., Paris: Klincksieck, 1956. 56) MAURER Jr., Th. Henrique - Gramática do Latim Vulgar - Rio: Acadêmica, 1959. 57) NUNES, José Joaquim - Compêndio de Gramática Histórica Portuguesa - 6a ed., Lisboa: Livraria Clássica Editora,

1960. 58) ALI, M. Said - Gramática Histórica da Língua Portuguesa - 3a ed. aumentada, São Paulo: Melhoramentos. 59) ALI, M. Said - Dificuldades da Língua Portuguesa - 5a ed., Rio: Acadêmica, 1957. 60) CLIMENT, M. Bassols de - Sintaxis Histórica de La Língua Latina - Barcelona: Escuela de Filologia, 1948. 61) ERNOUT, Alfred e Thomas François - Syntaxe Latine - 2a ed., revisada e aumentada, Paris: Livraria C.

Klincksieck, 1953. 62) PARERA, Jua Bastardas - Particularidades Sintáticas del Latim Medieval - Barcelona: Publicaciones de la Escuela

de Filologia de Barcelona, 1953. 63) VENDRYES, J. - Choix d’études linguistiques et celtiques - Paris: Klincksieck 1952. 64) PONS, José Roca - Estudios sobre Perífrases Verbales del Espanol - Madrid: Consejo Superior de Investigaciones

Cientificas, 1958. 65) BOLÉO, Manuel Paiva de - Perfeito e o Pretérito em Português - Coimbra, 1936. 66) BUENO, Francisco da Silveira - A formação histérica da língua portuguesa - 2a ed., rev., Rio: Acadêmica, 1958. 67) NASCENTES, Antenor - O Linguajar Carioca - 2a ed., Rio: Simões, 1953. 68) MOREIRA, Júlio - Estudos da Língua Portuguesa - 1a ed., Lisboa: Livraria Clássica Editora, 1907, tomo I. 68) SILVEIRA, Souza da - “Ter” usado impessoalmente in Rev. de Cultura - v. 26, Rio, Julho - Dezembro, 1939, fasc.

151. 69) CÂMARA Jr., J. Matoso - Princípios de Lingüística Geral - 3a ed., Rio: Acadêmica, 1959.