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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS ESCOLA DE ENGENHARIA - DEPARTAMENTO DE ENGENHARIA MECÂNICA ENGENHARIA AEROESPACIAL BRUNNY KAREN COSTA CHALAR TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO ESTUDO DOS FATORES HUMANOS E OPERACIONAIS EM ACIDENTES NA AVIAÇÃO BRASILEIRA E SUGESTÕES DE AÇÕES PARA PREVENÇÃO BELO HORIZONTE JUNHO DE 2018

ESTUDO DOS FATORES HUMANOS E OPERACIONAIS EM …

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

ESCOLA DE ENGENHARIA - DEPARTAMENTO DE ENGENHARIA MECÂNICA

ENGENHARIA AEROESPACIAL

BRUNNY KAREN COSTA CHALAR

TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO

ESTUDO DOS FATORES HUMANOS E OPERACIONAIS EM

ACIDENTES NA AVIAÇÃO BRASILEIRA E SUGESTÕES DE

AÇÕES PARA PREVENÇÃO

BELO HORIZONTE

JUNHO DE 2018

BRUNNY KAREN COSTA CHALAR

ESTUDO DOS FATORES HUMANOS E OPERACIONAIS EM

ACIDENTES NA AVIAÇÃO BRASILEIRA E SUGESTÕES DE

AÇÕES PARA PREVENÇÃO

Trabalho de conclusão de curso apresentado como

pré-requisito para graduação em Engenharia

Aeroespacial pela Universidade Federal de Minas

Gerais.

Orientador: Prof. Dr. Helio de Assis Pegado

BELO HORIZONTE

JUNHO DE 2018

Dedico este trabalho a minha família e

ao meu namorado que foram meu porto

seguro durante toda a graduação.

AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a minha mãe, Marlene, por toda a abdicação e amor para que

eu pudesse estudar e seguir meus sonhos. Ao meu pai, Marco, pelo incentivo e inspiração na

engenharia.

Agradeço ao meu namorado, Fred, por seu apoio, paciência e altruísmo. Obrigada pelo

companheirismo e por me motivar a ser melhor a cada dia.

Agradeço ao Mateus por seu incentivo e suporte diário e também à Raquel e aos demais

amigos da UFMG por dividirem comigo essa caminhada e torna-la mais suave e alegre.

Aos professores por compartilharem o conhecimento e me apoiar além da sala de aula.

Agradeço em particular aos professores: Paulo Iscold, Pierre de Saqui-Sannes, Maria Cecília,

Marcelo Greco e Eduardo Bauzer. Agradeço também ao secretário do colegiado, Cleverson

Ramom, pela sua amizade.

Em especial, agradeço ao meu orientador, Professor Helio Pegado pela atenção,

confiança e apoio. Suas sugestões e paciência foram essenciais para que eu pudesse concluir

esse trabalho.

Também sou grata aos meus colegas da Helibras que abriram meus olhos para a

importância da segurança na aviação em todas as suas fases.

E, por último, à Fundação Mendes Pimentel, pelo auxílio financeiro durante a minha

trajetória acadêmica.

“Para ter algo que você nunca teve, é preciso fazer algo

que você nunca fez.”

(Chico Xavier)

RESUMO

Nos primeiros anos da aviação, os acidentes eram atribuídos, em sua maior parte, a problemas

de projeto e fabricação. Atualmente, com o aumento da confiabilidade e com a evolução da

tecnologia, o cenário não é mais o mesmo. Os fatores humanos e operacionais ocupam, agora,

o papel de protagonistas em acidentes. O objetivo deste trabalho é analisar o cenário brasileiro

de acidentes e propor ações para a prevenção de fatores humanos e fatores operacionais. O

estudo é baseado na teoria de Reason, no modelo HFACS e na lei de Heinrich. A partir dessas

teorias, coletaram-se informações públicas de acidentes na aviação civil brasileira entre 2008 e

2016 e realizou-se uma pesquisa com profissionais do setor aeronáutico sobre a prevenção de

acidentes. Conclui-se que as informações de relatórios finais de investigação não chegam até

os operadores. Além disso, são propostas ações que possam auxiliar os órgãos responsáveis

pela prevenção de acidentes e as empresas do meio aeronáutico.

Palavras-chave: Fatores humanos, aviação, prevenção de acidente

ABSTRACT

In the early years of aviation, accidents were attributed, for the most part, to design and

manufacturing problems. Currently, with the increase of reliability and with the evolution of

technology, the scenario is no longer the same. Human and operational factors now occupy the

role of protagonists in accidents. The objective of this work is to analyze the Brazilian scenario

of accidents and propose actions for the prevention of human factors and operational factors.

The study is based on Reason's theory, the HFACS model and Heinrich's law. Based on these

theories, public accident information was collected in Brazilian civil aviation between 2008 and

2016 and a survey was carried out with professionals in the aeronautical sector on accident

prevention. It is concluded that the information of final reports of investigation do not reach to

the operators. In addition, actions are proposed that can help the authorities responsible for

accident prevention and companies in the aeronautical environment.

Keywords: Human factors, aviation, accident prevention

LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Taxa de acidentes na aviação da marinha relacionados unicamente a fatores materiais

e a fatores humanos .................................................................................................................. 15

Figura 2: Representação do modelo de Reason ........................................................................ 18

Figura 3: Elementos de um sistema produtivo de Reason ........................................................ 20

Figura 4: Sistema de Classificação e Análise de Fatores Humanos (HFACS) ........................ 21

Figura 5: Exemplos de atos inseguros ...................................................................................... 23

Figura 6: Exemplos de pré-condições para atos inseguros ....................................................... 25

Figura 7: Exemplos de Supervisão Insegura ............................................................................ 26

Figura 8: Exemplos de influências organizacionais ................................................................. 27

Figura 9: Pirâmide de acidente de Heinrich ............................................................................. 28

Figura 10: Pirâmide de segurança usada em um manual de conceitos de relatos de ocorrências

da EASA ................................................................................................................................... 29

Figura 11: Avaliação de segurança realizado pela FAA em um simpósio ............................... 29

Figura 12: Avaliação de risco de acidente devido a qualificação do piloto ............................. 30

Figura 13: Visão inicial dos fatores contribuintes em acidentes aéreos no Brasil. .................. 32

Figura 14: Número de acidentes na aviação civil brasileira ..................................................... 33

Figura 15: Atuação de cada fator nos acidentes na aviação brasileira nos últimos anos ......... 34

Figura 16: Principais fatores contribuintes em acidentes na aviação brasileira nos últimos anos

.................................................................................................................................................. 35

Figura 17: Número de recomendações de segurança emitidas pelo CENIPA ......................... 35

Figura 18: Número total de acidentes, incidentes graves e incidentes que ocorreram no período

de 2008 a 2016 no Brasil .......................................................................................................... 36

Figura 19: Tipo de aeronave que o entrevistado atua ............................................................... 37

Figura 20: Função desempenhada pelos entrevistados no setor aeronáutico ........................... 37

Figura 21: Frequência que os entrevistados trabalham em voos não programados ................. 38

Figura 22: Frequência que os entrevistados trabalham sob pressão ......................................... 38

Figura 23: Frequência que o entrevista trabalha em uma aeronave com as documentações em

dia ............................................................................................................................................. 39

Figura 24: Quantidade de entrevistados que já presenciaram violações às normas da aviação40

Figura 25: Principais fatores contribuintes em acidentes aéreos na percepção dos entrevistados

.................................................................................................................................................. 40

Figura 26: Percentual de participantes da pesquisa que não identificam os quatro fatores abaixo

como um dos principais fatores contribuintes em acidentes aeronáuticos ............................... 41

LISTA DE ABREVIATURAS

ANAC Agência Nacional de Aviação Civil

CENIPA Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos

EASA European Aviation Safety Agency

FAA Federal Aviation Administration

HFACS Human Factors Analysis and Classification System

SIPAER Serviço de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 14

1.1. Investigação no Brasil ..................................................................................................... 14

1.2. Fatores Humanos na aviação ......................................................................................... 15

1.3. Justificativa ...................................................................................................................... 16

1.4. Objetivo ............................................................................................................................ 16

1.5. Estrutura do trabalho ..................................................................................................... 17

2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA ....................................................................................... 18

2.1. Modelo de Reason............................................................................................................ 18

2.2. HFACS ............................................................................................................................. 20

2.2.1. Atos Inseguros .......................................................................................................... 22

2.2.2. Pré-condições Para Atos Inseguros ........................................................................ 23

2.2.3. Supervisão Insegura ................................................................................................ 25

2.2.4. Influências Organizacionais .................................................................................... 26

2.3. Pirâmide de Segurança ................................................................................................... 27

3. METODOLOGIA ........................................................................................................... 31

3.1. Abordagem ....................................................................................................................... 31

3.2. Espaço amostral............................................................................................................... 31

3.3. Coleta de dados ................................................................................................................ 31

3.4. Organização ..................................................................................................................... 32

4. RESULTADOS E DISCUSSÃO .................................................................................... 33

4.1. Informações de acidentes na aviação brasileira ........................................................... 33

4.2. Resultados da pesquisa ................................................................................................... 36

4.3. Discussão dos resultados ................................................................................................. 41

5. CONCLUSÃO ................................................................................................................. 43

REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 45

APÊNDICE A – Questionário de percepção de fatores contribuintes em acidentes

aeronáuticos no Brasil ............................................................................................................ 47

1. INTRODUÇÃO

1.1. Investigação no Brasil

As investigações dos acidentes ou incidentes aeronáuticos no Brasil começaram a partir

do advento da aviação militar, sempre com o objetivo de apurar o responsável por meio de

inquérito. Isto era feito de forma totalmente descentralizada, de modo que tanto a Marinha

quanto o Exército, que possuíam suas próprias aviações, investigavam seus próprios acidentes

com o intuito de apurar os responsáveis pelos atos e não para a prevenção.

A partir de 1941, com a criação do Ministério da Aeronáutica, as investigações das

Forças passaram a ser realizadas de modo unificado. Como a aviação civil era ainda incipiente,

passou a ser considerada nas investigações, a partir da criação em 1951 do SIPAER, que passou

a ser chamado de Serviço de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos.

Com essa criação, o SIPAER começou a pesquisar os aspectos básicos relacionados com

a segurança da atividade aeronáutica: fatores humanos, fatores materiais e fatores operacionais.

Fator humano está relacionado aos aspectos fisiológicos e psicológicos do ser humano.

Enquanto o fator material é ligado a aspectos de projeto da aeronave e fabricação. Já o fator

operacional diz respeito à relação homem-máquina e ao seu desempenho durante a atividade de

voo, manutenção, planejamento, etc.

Dessa forma, surgiu uma metodologia de investigação mais evoluída que usa o termo

"Prevenção de Acidentes" com mais força. A investigação passou a se preocupar em extrair

ensinamentos e transforma-las em medidas corretivas para evitar que episódios semelhantes

voltem a ocorrer.

Em 1971, foi criado o CENIPA: Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes

Aeronáuticos. A partir de sua criação, o objetivo do Programa de Prevenção de Acidentes

Aeronáuticos passou a ser o de orientar os envolvidos em atividades de voo e diretores quanto

à realização da atividade de prevenção dos acidentes e incidentes aeronáuticos e otimizar sua

prevenção através de ações programadas.

15

1.2. Fatores Humanos na aviação

Aproximadamente 70% a 80% dos acidentes que ocorrem na aviação estão, em algum

nível, relacionados a erros humanos. Durante as últimas décadas, o número de acidentes

diminuiu e os casos relacionados a fatores materiais e a fatores ambientais acompanharam esse

decrescimento. Quando se olha para a taxa de erros relacionados a fatores humanos, o cenário

não é o mesmo.

Na Figura 1, uma análise do número de acidentes na aviação da marinha realizada em

1992, apresenta uma drástica queda de acidentes devido unicamente a fatores materiais.

Enquanto isso, o número de acidentes relacionados a fatores humanos reduziu apenas em 50%.

É possível sugerir que, no passado, não ocorreram tantas intervenções efetivas focadas na

tripulação como ocorreram nas aeronaves. (SHAPPELL AND WIEGMANN, 2003)

Figura 1: Taxa de acidentes na aviação da marinha relacionados unicamente a fatores

materiais e a fatores humanos

FONTE: SHAPPELL AND WIEGMANN (1996)

16

A Figura 1 é um retrato da evolução da confiabilidade da tecnologia aeronáutica com o

passar dos anos bem como uma evidência inicial de que as causas dos acidentes atuais podem

ser atribuídas ao homem.

Atualmente, consideráveis novos desenvolvimentos tecnológicos ocorreram nas áreas

de tratamento de fatores humanos e de confiabilidade em acidentes aeronáuticos. Esses temas

tem se tornado uma disciplina importante no setor industrial e em diversas outras partes do

mundo.

1.3. Justificativa

Ao observar a constante evolução da tecnologia e o aumento da confiabilidade nos

projetos aeronáuticos aeronáutica, notou-se que, cada vez mais, a máquina por si só deixa de

apresentar falhas passando o homem a ser o responsável por erros que possam ocorrer neste

setor. Diversos são os aspectos que podem servir de base para justificar esse cenário porém, se

faz necessário o entendimento da a distância existente entre o desempenho do homem e o da

máquina.

Na engenharia, há grande aplicação de conhecimentos matemáticos e técnicos para

criação e melhoria de ferramentas, mas também é importante a compreensão e análise de

processos já existentes e dos conhecimentos práticos do setor afim de melhor viabilizar a

tecnologia, otimizar a relação com o homem e, assim, diminuir possíveis perdas.

Assim, este trabalho se propõe a trazer para o centro das discussões os fatores humanos

e operacionais que contribuem para a ocorrência de um acidente aéreo e compará-los com o

atual cenário brasileiro pode ser decisivo nas escolhas de ações efetivas na prevenção de

acidentes aeronáuticos. Dessa forma, empresas, órgãos, e pessoas responsáveis pela a segurança

da aviação podem vislumbrar uma diferente abordagem da já existente e beneficiar não apenas

a confiabilidade da operação como também contribuir para a evolução do setor aeronáutico.

1.4. Objetivo

Identificar o atual cenário de acidentes na aviação civil brasileira e a prevenção de

acidentes relacionados a fatores humanos. Além disso, propor ações para a diminuição dos

índices relacionados aos fatores humanos.

17

1.5. Estrutura do trabalho

O presente trabalho está dividido em cinco capítulos: introdução, revisão bibliográfica,

metodologia, resultados e conclusão. Este primeiro capítulo apresentou uma introdução do

trabalho a ser desenvolvido bem como as principais motivações e objetivos a serem alcançados.

No segundo capítulo foi apresentado um revisão dos principais métodos de investigação e

prevenção de acidentes que envolvam fatores humanos e operacionais usados na aviação:

Modelo de Reason, HFACS e pirâmide de segurança, ou lei de Heinrich. O terceiro capítulo

exibe a metodologia que guiou o estudo e a coleta de dados sobre do cenário da aviação civil

brasileira e a percepção de profissionais do setor aeronáutico. No quarto capítulo são

apresentados os resultados dos cenários encontrados. Ainda neste capítulo, é realizada uma

discussão utilizando como base os modelos apresentados no capítulo 2. No quinto e último

capítulo, foi feita uma conclusão do trabalho além de apresentar sugestões de ações para a

prevenção de acidentes no Brasil.

18

2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

2.1. Modelo de Reason

A maioria dos acidentes que ocorre na aviação não acontecem isoladamente. Eles são

resultados de uma série de eventos que, frequentemente, culminam com ações inseguras da

tripulação.

Um dos primeiros modelos a tratar erros humanos foi proposto por James Reason

(1990). É baseado no modelo do queijo suíço (Swiss Cheese) e é dividido em quatro níveis de

falhas humanas (Figura 2): atos inseguros, pré-condições para atos inseguros, supervisão

insegura e influências organizacionais. Cada um deles sendo responsável por influenciar o

seguinte.

Figura 2: Representação do modelo de Reason

FONTE: JAMES REASON (1990) - ADAPTADO

19

O nível Atos Inseguros dos operadores está ligado diretamente à culminação do

acidente. Também referenciado como erros do piloto ou da tripulação, trata-se do ponto em que

há grande empenho durante uma investigação de acidente em que fatores contribuintes casuais

são detectados. Isso ocorre porque as ações que acontecem na cabine são ligadas ao acidente

diretamente. Os atos inseguros são considerados falhas ativas, representados como buracos no

queijo suíço e, normalmente, são os últimos atos inseguros que a tripulação cometeu.

O nível de Pré-condições para Atos Inseguros, está relacionado a uma dentre as três

falhas latentes do modelo. Refere-se a condições ambientais e físicas, como cansaço,

comunicação inadequada na cabine, práticas de coordenação ineficiente, etc. É frequentemente

relacionado à administração da tripulação na cabine, que pode influenciar em falhas de

comunicação até mesmo com o controle de tráfego, gerando, assim, decisões equivocadas.

O segundo nível latente do modelo de Reason se refere à Supervisão Insegura. Esse

nível trata da supervisão inadequada, do planejamento inconsistente das operações a serem

desempenhadas, das violações de fiscalização e até mesmo da falha em corrigir um erro que já

é conhecido pela equipe. Sendo assim, uma situação crítica na cabine pode ter como precursora

uma falha em níveis mais altos do sistema.

O último nível latente proposto por Reason se refere às Influências Organizacionais.

Esse nível afeta substancialmente os demais níveis por ser o responsável pela cultura da

empresa, distribuição de recursos, investimento em treinamento, entre outros. Influências

organizacionais frequentemente levam a instancias de uma supervisão insegura, as quais levam

a condições prévias para um ato inseguro e, posteriormente, a atos inseguros dos operadores.

O que torna o modelo do queijo suíço particularmente útil na investigação de acidentes

é que ele força os investigadores a lidarem com as falhas latentes dentro de uma sequência

causal dos eventos. As falhas latentes, ao contrário de suas contrapartes ativas, podem

permanecer inativas ou não detectadas por dias, semanas ou meses, até que elas afetem

negativamente a tripulação desavisada. Essa situação pode ser negligenciada por

investigadores. (SHAPPELL ET AL., 2000)

Idealmente, as camadas de defesa seriam impenetráveis através da cultura de feedback

constante e investimento, criando assim um sistema produtivo seguro (Figura 3).

20

Figura 3: Elementos de um sistema produtivo de Reason

FONTE: JAMES REASON (1990) - ADAPTADO

Embora o trabalho de Reason tenha mudado completamente a forma que a aviação e

outras investigações de acidentes tratam o erro humano, é um modelo muito teórico que não

fornece o nível de detalhamento necessário para aplicação no mundo real. Foi então que

Shappel e Wiegmann desenvolveram uma estrutura mais prática para erro humano: o HFACS

(Human Factos Analysis and Classification System).

2.2. HFACS

O Sistema de Classificação e Analise de Fatores Humanos (HFACS) desenvolvido por

Shappel e Wiegmann é baseado nas falhas ativas e latentes do modelo de Reason. Esse sistema

tem sido usado para a análise de acidentes como uma ferramenta durante a investigação. A

partir dele, é possível identificar as falhas humanas que podem interferir na harmonia de um

sistema produtível.

A estrutura do HFACS possui um total de 19 sub níveis de categorias de causa dentro

dos 4 níveis de causa de Reason para falha, como mostra a Figura 4.

21

Figura 4: Sistema de Classificação e Análise de Fatores Humanos (HFACS)

FONTE: SOBREDA (2011)

22

2.2.1. Atos Inseguros

Conforme a teoria de Reason (1990), pode-se ter um dano diante de uma situação de

risco se erros ou violações não forem controlados. Os atos inseguros, segundo Shappell et al.

(2000) estão divididos em duas categorias: erros e violações.

Os erros podem ser descritos como as atividades física ou mental dos indivíduos que

são sujeitos a falhas que interferem na efetiva realização de uma tarefa. Essa categoria pode ser

subdividida em três tipos:

a. Erros baseados em habilidade: ocorre a partir de falhas de memória, de atenção e de

erros de técnica. Normalmente é associado à execução de ações automatizadas do

cotidiano. Exemplos de erros baseados em habilidade: falha em priorizar a atenção,

omissão de alguma etapa de um procedimento ou verificação de checklist, uso

inadvertido dos controles de voo, excesso de confiança, etc.

b. Erros de decisão: ocorre a partir de um comportamento intencional, embora o plano da

missão se mostre inadequado ou inapropriado. Pode acontecer por falta de

conhecimento ou devido a uma decisão ruim. Em geral, erros de decisão estão ligados

a erros de procedimentos, às más escolhas ou ao erro em resolver uma situação delicada.

Exemplos: procedimentos impróprios, emergência diagnosticada erroneamente,

manobra inapropriada, etc.

c. Erro de percepção: ocorre a partir de uma percepção diferente da realidade. Pode

acontecer, por exemplo, devido ao mau tempo. Com isso a tripulação fica sujeita a

ilusões visuais, desorientação espacial e também ter o julgamento de velocidade,

distância e altitude afetado.

Violações representam um desrespeito proposital aos regulamentos e, de acordo com

Shappell et al., (1999b) quando há acidentes com fatalidades, as violações são raramente

contribuintes. Vale ressaltar que uma violação não tem intenção de danificar o sistema, a

denominação para esse tipo de ação é sabotagem e não está incluso nos estudos de fatores

humanos envolvidos na segurança aeronáutica.

23

As violações podem acontecer devido ao não conhecimento por causa de uma situação

atípica ou nova. Outra possibilidade é devido aos procedimentos não serem otimizados, com

isso o operador opta por atalhos próprios, criando um comportamento de rotina e, muitas vezes,

em um ambiente que é negligente a essas ações. Violação também pode ser necessária em

situações singulares para que o trabalho possa ser concluído com êxito. Essas violações

acontecem, em sua maior parte, devido a carências da organização.

Figura 5: Exemplos de atos inseguros

Atos Inseguros

Erros

Habilidade

Falha de atenção

Omissão de etapa do procedimento

Omissão de verificação do checklist

Uso inadvertido de controles de voo

Excesso de confiança

Decisão

Procedimentos impróprios

Resposta errada a uma situação de

emergência

Emergência diagnosticada erroneamente

Decisão ruim

Manobra inapropriada

Percepção

Desorientação espacial

Ilusão visual

Julgamento errado de distância, altitude,

velocidade

Violações

Fazer uma aproximação não autorizada

Violar regras de treinamento

Falha no uso do radar

Falha em aderir ao briefing

Não qualificação da equipe para a missão

Realização de manobras agressivas

Exceder intencionalmente os limites da aeronave

FONTE: SHAPPELL ET AL., (2000) – ADAPTADO

2.2.2. Pré-condições Para Atos Inseguros

Situações que possam gerar a possibilidade de ocorrer um ato inseguro é denominado,

de acordo com Reason (1990), pré-condições para atos inseguros. Segundo Shappell et al.

(2000), existem três grandes categorias dentro das pré-condições para atos inseguros: fatores

ambientais, condições dos operadores e fatores pessoais.

Os fatores ambientais são externos ao homem mas pode influenciar de forma não

favorável no desempenho da operação. Esses fatores podem ser físico, como variações de

24

terreno e temperatura, ou tecnológico, como um design que pode causar confusão na aplicação

de comandos ou até mesmo uma harmonização da iluminação da cabine que cause desconforto

visual.

A categoria referente às condições dos operadores englobam os estados mentais,

fisiológicos e físico dos indivíduos. Tem-se três subdivisões para essas condições:

a. Estado mental adverso: diz respeito à condição mental da tripulação ao ser submetida a

um cenário que possa interferir no julgamento ou tomada decisões. Por exemplo, se um

indivíduo está cansado mentalmente, por um motivo qualquer, ele terá maior

probabilidade de cometer um erro.

b. Estado fisiológico adverso: diz respeito a situações que possam afetar o organismo do

indivíduo, como uma intoxicação alimentar ou até mesmo uma dor de cabeça. Outra

situação importante, é aquela ocasionada por efeitos colaterais do uso de um

medicamento para gripe, por exemplo, que em um primeiro momento pareceu

inofensivo.

c. Limitações físicas e mentais: diz respeito a limitações de capacidades físicas ou mentais

do piloto. Por exemplo, durante uma missão pode ser exigida uma força nos comandos

que o piloto não é capaz de suportar.

Os fatores pessoais estão relacionados a maneira que o indivíduo realiza suas atividades.

Pode ser dividido em duas categorias:

a. Gerenciamento de recursos da cabine: engloba a falha de comunicação na equipe e entre

outros setores ou indivíduos envolvidas na operação como por exemplo, o controle de

trafego aéreo.

b. Prontidão pessoal: diz respeito ao indivíduo que não possui uma adequada apresentação

pessoal para exercer sua função prejudicando, assim, o seu desempenho. Por exemplo,

dietas muito extremas ou uso de bebidas alcoólicas podem afetar o estado mental e físico

da pessoa e leva-la a cometer atos inseguros.

25

Figura 6: Exemplos de pré-condições para atos inseguros

Pré-condições

para Atos

Inseguros

Fatores

Ambientais

Ambiente

Físico

Iluminação

Tipo de terreno

Calor/frio

Ruído

Ambiente

Tecnológico

Área de trabalho incompatível

Restrição de visibilidade

Automação

Design dos equipamentos

Layout do checklist

Condições

dos

Operadores

Estado Mental

Complacência

Distração

Fadiga mental

Motivação inadequada

Pressa

Estado

Fisiológico

Adverso

Fadiga física

Incapacidade psicológica

Doença

Intoxicação

Limitações

Físicas ou

Mentais

Tempo de reação insuficiente

Limitação visual

Capacidade física incompatível

Aptidão incompatível

Fatores

Pessoais

Gerenciamento

de Recursos de

Cabine

Falha de comunicação/coordenação

Falha em usar todos os recursos

disponíveis

Falha de liderança

Má interpretação das chamadas do

controle de tráfego

Prontidão

Pessoal

Treinamento físico excessivo

Automedicação

Violação às normas de descanso da

tripulação

Dieta inadequada

FONTE: SHAPPELL ET AL., (2000) – ADAPTADO

2.2.3. Supervisão Insegura

São decisões inadequadas a nível gerencial e que possuem consequências em diversos

departamentos e etapas da operação. É dividida em quatro categorias: supervisão inadequada,

planejamento inapropriado de operações, falha em corrigir um problema conhecido e violações

da supervisão.

26

A supervisão inadequada ocorre quando a gerência não capacita a equipe para que esta

obtenha sucesso em suas tarefas. Mesmo que o indivíduo possua habilitação e conhecimento

necessário para desempenhar uma função, é necessário que haja orientação e vigilância.

O planejamento inapropriado de operações se refere ao planejamento falho da

frequência das operações, horário de trabalho e descanso da tripulação. Essa situação pode

causar uma queda no desempenho do indivíduo devido ao estresse, por exemplo.

Falhas em corrigir um problema conhecido trata-se da tolerância com assuntos que

devem ser tratados. Esse cenário além de viabilizar a ocorrência de violações causa um

ambiente de trabalho inseguro.

Figura 7: Exemplos de Supervisão Insegura

Supervisão

Insegura

Supervisão

Inadequada

Falha em prover um adequado treinamento

Falha em monitorar desempenho

Falha em monitorar qualificações

Falha em prover dados técnicos e publicações atualizadas

Falha em prover uma doutrina operacional

Planejamento

Inapropriado

de Operações

Falha em providenciar corretos dados

Falha em providenciar adequado descanso

Missão em desacordo com as normas e regulamentos

Tripulação imprópria

Falhas em

corrigir um

problema

conhecido

Falha em corrigir erros em documentos

Falha em iniciar uma ação corretiva

Falha em reportar tendências inseguras

Falha em corrigir um comportamento de risco

Violações da

Supervisão

Autorizar situação de perigo desnecessária

Falha em aplicar normas e regulamentos

Documentação inadequada

Autorizar tripulação não qualificada ao voo.

FONTE: SHAPPELL ET AL., (2000) – ADAPTADO

2.2.4. Influências Organizacionais

As influências organizacionais estão associadas ao gerenciamento de recursos, ao clima

organizacional e aos processos organizacionais.

As falhas devido ao gerenciamento de recursos são ocasionadas a partir de decisões

equivocadas relacionados à gestão dos recursos de pessoas, financeiros e de equipamentos.

As falhas devido ao clima organizacional está ligado às políticas da empresa, à cultura

adotada ou até mesmo à não adesão da cultura organizacional.

27

Por fim, as falhas devido a processos organizacionais se referem às decisões e regras

que governam a organização nas atividades diárias.

Figura 8:Exemplos de influências organizacionais

Influências

Organizacionais

Gerenciamento

de recursos

Seleção e alocação de pessoas

Treinamento

Cortes excessivos de custo

Falta de financiamento

Aquisição de equipamento inadequado

Clima

organizacional

Comunicação

Delegação de autoridade

Demissão, contratação ou promoção

Valores e crenças

Normas e regras

Processo

organizacional

Metas

Clara definição dos objetivos

Programa de gerenciamento de risco

Programas de segurança

FONTE: SHAPPELL ET AL., (2000) – ADAPTADO

2.3. Pirâmide de Segurança

Na década de 30, Herbet Willian. Heinrich, um engenheiro e pesquisador na área de

segurança ocupacional, publicou uma teoria baseada em uma estudo empírico para acidentes

no ambiente de trabalho. De acordo com a teoria, os acidentes e lesões seriam causados por

situações anteriores. Os principais fatores que causariam esses acidentes eram os atos inseguros

e as condições inseguras.

No estudo, Heinrich mostrou que a cada 300 acidentes sem lesões, ocorrem 29 acidentes

com lesões leves e 1 acidente com lesão incapacitante (Figura 9).

28

Figura 9: Pirâmide de acidente de Heinrich

FONTE: HEINRICH, (1931)

Na década de 70, este estudo ganhou notoriedade ao ser analisado e estendido por Frank

Bird, o responsável por atualizar a relação de Heinrich para 1:100:500, ou seja, para cada 500

acidentes sem lesões, ocorrem 100 acidentes com lesões leves e 1 acidente com lesão

incapacitante.

A teoria de Heinrich sugere que a proporção entre incidentes, acidentes e fatalidades é

relativamente constante. Sendo assim, embora o modelo tenha sido concebido para análise de

acidentes de trabalho, essa relação é também usada para auxiliar nos estudos e prevenção de

acidentes em outros sistemas.

Essa teoria, conhecida como Lei de Heinrich, também é aplicada na prevenção de

acidentes na aviação. O principal foco é reportar ao máximo todas as ocorrências no setor com

o objetivo de prevenir as ocorrências do topo da pirâmide através do conhecimento adquirido

na base.

A pirâmide de segurança promove uma ação em conjunto com indivíduos reportando

eventos de risco e os setores ou órgãos responsáveis estudando e atuando em soluções para

29

evitar a recorrência da situação. Com isso, é possível propor planos realistas além de estimular

o conscientização de pessoas envolvidas no processo.

Figura 10: Pirâmide de segurança usada em um manual de conceitos de relatos de ocorrências

da EASA

FONTE: BERNANDERSSON (2015)

Figura 11: Avaliação de segurança realizado pela FAA em um simpósio

FONTE: FAA (2017)

30

Figura 12: Avaliação de risco de acidente devido a qualificação do piloto

FONTE: SMITH (2007)

31

3. METODOLOGIA

3.1. Abordagem

Para este trabalho, inicialmente foi elaborado um estudo sobre acidentes, métodos de

investigação, classificação de fatores humanos e operacionais e prevenção em acidentes

aeronáuticos.

A partir das informações coletadas, definiu-se um espaço amostral, delimitando o estudo

para acidentes na aviação civil brasileira.

Utilizando dados públicos do CENIPA, identificaram-se quais eram os principais fatores

contribuintes neste espaço amostral. A fase seguinte deste estudo consistiu em verificar a

evolução destes fatores durante anos anteriores.

Para auxiliar na análise do cenário de prevenção de acidentes, realizou-se uma pesquisa

entre os profissionais da aviação. O objetivo foi coletar a percepção sobre os fatores

contribuintes em acidentes bem como algumas características referentes ao ambiente de

trabalho.

3.2. Espaço amostral

O estudo foi realizado considerando-se os acidentes que ocorreram na aviação civil do

Brasil nos últimos anos a partir de dados disponibilizados pelo CENIPA.

Utilizaram-se informações do período de 2008 a 2016. Embora já seja possível acessar

alguns dados de acidentes de 2017 e 2018, as investigações costumam ter uma duração de 18

meses, sendo assim, é provável que relatórios finais ainda não foram publicados bem como as

informações relevantes para o presente estudo.

3.3. Coleta de dados

Primeiramente, pesquisaram-se informações dos acidentes no Brasil nos últimos anos e

alguns critérios foram utilizados para coletar uma visão inicial dos fatores contribuintes em

acidentes aéreos.

32

Figura 13: Visão inicial dos fatores contribuintes em acidentes aéreos no Brasil.

FONTE: http://painelsipaer.cenipa.aer.mil.br

A partir do contexto encontrado e com base na fundamentação teórica, elaborou-se um

questionário para coletar a percepção de profissionais do setor aeronáutico.

O questionário foi publicado e divulgado em redes sociais como o Facebook e também

em grupos de WhatsApp de pessoas do meio aeronáutico.

Visando conseguir um maior engajamento do público alvo e também evitar um possível

constrangimento, as perguntas puderam ser respondidas anonimamente. Caso a pessoa optasse

por se identificar, constava nas informações de preenchimento que a identidade da pessoas não

seria revelada. O questionário está apresentado no Apêndice A.

3.4. Organização

As informações coletadas foram categorizadas mediante a uma leitura crítica e

organizadas, quando possível, em gráficos e tabelas. Com isso, foi possível obter distribuições

percentuais referentes aos dados estatísticos de acidentes e dos resultados da pesquisa feita com

o questionário.

A análise foi feita com base no levantamento teórico bem como associações quem

possam impactar na prevenção de acidentes.

33

4. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Após o estudo sobre acidentes aéreos, a pesquisa com profissionais do ramo aeronáutico

e com base em métodos de investigação e prevenção de acidentes, foi possível obter parâmetros

e relações necessárias para analisar o cenário atual de prevenção e propor ações que possam

melhorar a segurança na aviação.

4.1. Informações de acidentes na aviação brasileira

Para visualizar o cenário atual dos acidentes no Brasil nos últimos anos, elaborou-se

gráficos com pontos importantes para a análise proposta neste trabalho. As informações abaixo

foram coletadas a partir de dados públicos disponibilizados pelo SIPAER.

O primeiro ponto analisado foi a evolução dos acidentes, como é possível observar na

Figura 14, entre 2010 e 2012 houve um grande crescimento no número de acidentes e que se

manteve praticamente constante em 2013. Embora entre 2013 e 2014, tenha ocorrido uma queda

de 11,5% no número de acidentes, os números continuaram muito superiores ao cenário de

2008 a 2010.

Figura 14: Número de acidentes na aviação civil brasileira

FONTE: AUTORA

0

50

100

150

200

250

2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016

Número de acidentes na aviação civil brasileira

34

A seguir, observou-se a evolução de cada uma das áreas de investigação classificadas

pelo CENIPA nos acidentes apresentados na Figura 14. Conforme é visto na Figura 15, os

acidentes devido a fatores materiais, ou seja, devido a erros de projeto, fabricação ou uso de

ferramentas, é inexistente. A maioria dos acidentes devem-se, exclusivamente, a fatores

operacionais, relação homem e máquina, e a fatores humanos, relações fisiológicas e

psicológicas.

Figura 15:Atuação de cada fator nos acidentes na aviação brasileira nos últimos anos

FONTE: AUTORA

Em seguida, buscou-se compreender quais eram os fatores que mais contribuem para

esses fatores operacionais e humanos e acompanhar sua evolução durante os anos. Os quatro

principais fatores foram: julgamento de pilotagem, supervisão gerencial, planejamento de voo

e aplicação de comando. De acordo com a classificação usada pelo CENIPA, todos eles se

enquadram dentro de fatores operacionais.

Com o passar dos anos, todos estes fatores apresentados na Figura 16, sofreram

consideráveis quedas em sua contribuição mesmo no período de maior acidentes, entre 2011 e

2013.

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

2008 2010 2012 2014 2016

Área de Investigação

Fator

operacional

Fator humano

Fator material

35

Figura 16: Principais fatores contribuintes em acidentes na aviação brasileira nos últimos anos

FONTE: AUTORA

A partir do cenário de queda dos principais fatores operacionais contribuintes em

acidentes, observou-se então uma das ações realizadas pelo CENIPA que são emissão de

recomendações de segurança. Analisando a Figura 13, nota-se que o período onde ocorreu um

grande número de recomendações de segurança, coincide com o período de acentuada queda

de fatores contribuintes da Figura 16.

Figura 17: Número de recomendações de segurança emitidas pelo CENIPA

FONTE: AUTORA

0%

10%

20%

30%

40%

50%

2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016

Fatores contribuintes em acidentes

Planejamento

de voo

Julgamento

de pilotagem

Aplicação de

comandos

Supervisão

gerencial

0

100

200

300

400

500

600

700

2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016

Número de recomendações de segurança

Julgamento de pilotagem Supervisão gerencial

Planejamento de voo Aplicação de comandos

36

Também foi realizado um comparativo entre o número total de acidentes, incidentes

graves e incidentes registrados no painel SIPAER.

Figura 18: Número total de acidentes, incidentes graves e incidentes que ocorreram no

período de 2008 a 2016 no Brasil

FONTE: AUTORA

4.2. Resultados da pesquisa

A pesquisa envolveu profissionais do ramo aeronáutico e o principal objetivo foi extrair

suas percepções a cerca de acidentes e prevenção na aviação além de identificar algumas rotinas

de trabalho e do ambiente organizacional.

A pesquisa enviada ao público alvo está disponível no apêndice A.

A primeira pergunta do questionário referia-se ao principal tipo de aeronave que o

indivíduo trabalhava. Na Figura 19 é possível observar que 75% dos entrevistados trabalham

em aviões e 25% com helicópteros.

2532

626

1452

0 500 1000 1500 2000 2500 3000

Incidente

Incidente Grave

Acidente

Número total de acidentes, incidentes graves e

incidentes

37

Figura 19: Tipo de aeronave que o entrevistado atua

FONTE: AUTORA

A pergunta seguinte do questionário tratou de conhecer qual o tipo de função

desempenhada pelo entrevistado no setor aeronáutico. Mais da metade são pilotos, 55%,

seguidos de mecânicos, 32%. Durante a divulgação da pesquisa, como mostra os resultados na

Figura 20, houve uma baixa adesão de engenheiros. Ao enviar o questionário diretamente para

esses profissionais, a maioria deles relatou não poder contribuir para uma pesquisa sobre

prevenção de acidentes ou não possuir conhecimento sobre o assunto.

Figura 20: Função desempenhada pelos entrevistados no setor aeronáutico

FONTE: AUTORA

75%

25%

Tipo de aeronave

Avião Helicóptero

55%32%

5%6%2%

Função desempenhada no setor aeronáutico

Piloto Mecânico Inspetor Instrutor Engenheiro

38

Para conhecer um pouco sobre rotina de trabalho dos entrevistados, foi perguntado a

frequência em que eles precisam trabalhar com voos não programados e se o trabalho sob

pressão acontece muito. Nas duas figuras a seguir, 21 e 22, é possível verificar que:

a. 80% dos indivíduos lidam com voos não programados,

b. 67% dos que responderam o questionário estão sob pressão em algum nível.

Uma outra questão levantada, foi se essas pessoas já estiveram envolvidas em um

incidente ou acidente direta ou indiretamente e, dentre os 30% que responderam sim a essa

questão, 81% possui alguma frequência de trabalho sob pressão.

Figura 21: Frequência que os entrevistados trabalham em voos não programados

FONTE: AUTORA

Figura 22: Frequência que os entrevistados trabalham sob pressão

FONTE: AUTORA

4%

20%

55%

21%

Frequência em que os entrevistados realizam

voos não programados

Sempre Frequentemente As vezes Nunca

6%

24%

33%

37%

Frequência com que os entrevistados

trabalham sob pressão

Sempre Frequentemente As vezes Nunca

39

A questão a seguir tratou de entender as condições que estão as aeronaves que os

entrevistados trabalham: 26% dos que responderam o questionário lidam com aeronaves que

não estão sempre com os documentos em dia. Essa questão aponta claramente uma supervisão

negligente podendo, inclusive, indicar violação e falta de fiscalização.

Figura 23: Frequência que o entrevistado trabalha em uma aeronave com as documentações

em dia

FONTE: AUTORA

Para entender o ambiente de trabalho, o treinamento da equipe e a preocupação com a

segurança na aviação, questionou-se aos entrevistados se eles já presenciaram normas da

aviação sendo violadas e 86% responderam positivamente. Dentre estes, 9% frequentemente

trabalham com uma aeronave que não está com a documentação correta.

74%

22%

4%

Frequência em que o entrevistado trabalha com

uma aeronave com documentos em dia

Sempre Frequentemente As vezes Nunca

40

Figura 24: Quantidade de entrevistados que já presenciaram violações às normas da aviação

FONTE: AUTORA

Outra questão foi levantada com o intuito de conhecer a percepção dos entrevistados

sobre os fatores contribuintes em acidentes aéreos. Os principais fatores citados foram:

Manutenção da aeronave, julgamento de pilotagem, indisciplina de voo e condições

meteorológicas adversas.

Figura 25: Principais fatores contribuintes em acidentes aéreos na percepção dos entrevistados

FONTE: AUTORA

86%

14%

Entrevistados que presenciaram normas da

aviação sendo violadas

Sim Não

0% 5% 10% 15% 20% 25% 30% 35% 40% 45%

Atitude

Condições meteológicas adversas

Cultura organizacional

Indisciplina de voo

Julgamento de pilotagem

Manutenção da aeronave

Planejamento de voo

Supervisão gerencial

Instrução

Pouca experiência tripulação

Aplicação de comandos

Principais fatores contribuintes em acidentes aéreos na

percepção dos entrevistados

41

4.3. Discussão dos resultados

De acordo com o CENIPA, os principais fatores contribuintes em acidentes desde 2008

são o julgamento de pilotagem, a supervisão gerencial, a aplicação de comandos e o

planejamento de voos. Ao comparar essa informações com as respostas obtidas no questionário,

é possível identificar alguns cenários:

a. A maior parte dos entrevistados não possuem ciência desses dados que se mantem como

principais fatores contribuintes desde 2008.

Figura 26: Percentual de participantes da pesquisa que não identificam os quatro fatores

abaixo como um dos principais fatores contribuintes em acidentes aeronáuticos

FONTE: AUTORA

Essa divergência entre a percepção desses operadores e a realidade de causa de acidentes

aéreos pode indicar deficiência no recebimento da informação referente a acidentes e

afetar na prevenção e segurança da aviação.

Com base na teoria de Reason (1990) e no sistema HFACS, essa situação enquadra-se

em uma falha latente do sistema a nível organizacional e de supervisão.

b. A supervisão gerencial, que está entre os quatro principais fatores que contribuem para

um acidente, com base nas respostas do questionário, está falha. Tem-se aeronaves que

78%

59%

96%

88%

0% 20% 40% 60% 80% 100%

Planejamento de voo

Julgamento de pilotagem

Aplicação de comandos

Supervisão gerencial

Desconhecimento dos principais fatores

contribuintes em um acidente aeronáutico

42

não possuem a documentação em dia, muitos indivíduos presenciam violações de

normas, há falha no planejamento de voos e pessoas trabalhando constantemente sob

pressão. Todas essas situações latentes interferem no êxito da prevenção de acidentes.

Ao analisar esses dados dentro de HFACS, é possível afirmar que há supervisão

insegura no local de trabalho dos entrevistados.

Ao analisar as informações de acidentes, incidentes graves e incidentes disponíveis no

SIPAER, percebe-se que não há registro suficiente dos eventos quando comparado à teoria da

pirâmide de segurança. Ou seja, não há aproveitamento das informações obtidas através de

situações menos graves para que se possa tomar medidas para evitar que ocorram grandes

perdas no futuro.

43

5. CONCLUSÃO

Foi possível concluir, pelos resultados apresentados, que muitos profissionais do setor

aeronáutico não possuem conhecimento sobre o cenário de acidentes nos últimos anos. É

necessário, para a efetiva prevenção de acidentes, que a informação chegue a todos os

indivíduos envolvidos no âmbito aeronáutico e não apenas aos envolvidos em um acidente ou

incidente. Sendo assim, é importante uma maior aproximação entre os órgãos responsáveis

pelas investigações e ações de prevenção e as organizações, os pilotos, os mecânicos, os

engenheiros, os instrutores, etc. O feedback e a divulgação de dados contribui para o

conhecimento e, através da análise desses dados, é possível obter a compreensão necessária

para diminuir o número de acidentes e os índices de causas devido a fatores humanos e

operacionais.

As organizações também desempenham um importante papel na prevenção. São elas

que irão dispor recursos e profissionais para tratar de eventos e promover a cultura aeronáutica

e a rotina de reporte constante no ambiente de trabalho. Pelos resultados, é possível visualizar

uma lacuna da supervisão gerencial no tratamento das atividades de rotina dos funcionários.

Com base na importância que tanto as Organizações quanto o CENIPA e a ANAC

desempenham no tratamento de eventos e segurança da aviação são propostas as seguintes

ações:

a. A ANAC promover a divulgação anual, gratuita e por e-mail dos resultados

estatísticos de acidentes para as empresas e todos os profissionais cadastrados na

ANAC. Entregar as informações diretamente nas mãos de operadores, pilotos,

mecânicos, etc. Esses resultados devem englobar todos os segmentos da aviação e

conter um breve resumo dos casos mais recorrentes ou relevantes.

b. O CENIPA e a ANAC registrarem um maior número de ocorrências visando a

aplicação da lei de Heinrich. Para isso, coletar com as organizações relatórios de

ocorrências e incidentes e adquirir um conhecimento mais amplo das práticas a

serem melhoradas ou prevenidas.

c. A organização promover a cultura aeronáutica e a segurança na rotina de trabalho

dos funcionários, incentivando o reporte constante de eventos e violações além de

44

censurar qualquer tipo de intimidação às pessoas que relatarem um evento ao

supervisor. Para isso, trabalhar continuamente junto aos gerentes e supervisores para

reforçar a importância de um ambiente seguro.

d. A organização, através dos próprios relatórios de eventos, eleger as principais

ocorrências e buscar na história da aviação acidentes que tiveram como um fator

contribuinte uma ocorrência semelhante. Com essa informação, criar cartazes ou

banners regulares, que ilustre o acidente e seus fatores contribuintes. Essa prática

incentivaria a conscientização indireta dos profissionais além de fomentar o

interesse e a cultura aeronáutica.

A partir das ações propostas para melhorar a difusão de informações espera-se que

grande parte dos profissionais do setor aeronáutico tenham um maior entendimento do cenário

de acidentes no Brasil.

45

REFERÊNCIAS

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Analysis Officer. [S.l.]. 2015.

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47

APÊNDICE A – Questionário de percepção de fatores contribuintes em

acidentes aeronáuticos no Brasil

48

49

50

51