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ESTUDO SOBRE A OBESIDADE INFANTIL: um estudo de caso
Juliana Nicolau Saconato
Orientadora: Profa. Dnda. Maria Cherubina de Lima Alves
A presente pesquisa tem como objetivo estudar a obesidade infantil dentro da
visão sistêmica. Considerando o aumento acentuado da obesidade infantil na
população brasileira e sua gravidade em relação à saúde pública, é relevante
investigar como conscientizar as famílias das crianças obesas de que as mudanças
precisam vir dos hábitos cotidianos, inclusive com alterações na rotina de toda a
família. E, além disto, como a convivência com o grupo de amigos na escola pode
influenciar na obesidade infantil? Este trabalho visa levantar e descrever as inter-
relações entre o sistema “criança obesa” e os sistemas familiares, escolares e de
grupo de amigos.
1 Obesidade infantil: Conceituação, Classificação e Diagnóstico
Segundo Caetano, Carvalho e Galindo (2005), a obesidade é considerada
uma síndrome multifatorial na qual a genética, o metabolismo e o ambiente
interagem, assumindo diferentes quadros clínicos, nas diversas realidades sócio-
econômicas. Atualmente, é considerada uma condição de elevada prevalência, que
precisa da atenção do clínico, do pesquisador, assim como dos que trabalham tanto
na área social como na área sanitária (CAETANO; CARVALHO; GALINDO, 2005). Considerada atualmente um dos problemas mais graves da saúde pública, a
taxa de obesos cresceu acentuadamente nas últimas décadas, inclusive nos países
desenvolvidos, podendo até ser vista na condição de uma epidemia global
(RODRIGUES, SILVA, 2008).
A ABESO aponta para a questão de que esta fórmula geral de cálculo do IMC
não é totalmente válida para se analisar a obesidade em crianças porque ela varia
muito com a idade. Por isso, foi desenvolvida e elaborada uma tabela específica no
ano 2000, a partir de pesquisas da Força Tarefa Internacional para o Estudo da
Obesidade da Organização Mundial de Saúde, que indica a variação dos intervalos
de IMC para cada idade e para cada sexo, para as faixas etárias de 2 a 17 anos
592
(Tabela 1). Já entre os adultos, é utilizada a mesma tabela de IMC para todas as
idades.
Já a classificação da obesidade, segundo Viuniski (apud CARVALHO, 2004),
diz respeito à intensidade, à distribuição da gordura e à causa.
Quanto à intensidade, a obesidade pode ser graduada em sobrepeso,
obesidade leve, obesidade moderada e obesidade grave.
Quanto à distribuição da gordura, são identificados dois tipos, sendo um
deles a obesidade periférica, inferior, ginecóide ou em formato de pêra, a qual se
caracteriza pela concentração da gordura na parede do abdômen, coxas, nádegas e
tecido subcutâneo
E quanto à causa divide-se também em dois tipos, a obesidade exógena,
simples ou primária, que representa o tipo mais frequente de obesidade em crianças
(mais de 95% dos casos); e a obesidade endógena, secundária ou sindrômica que
envolve crianças com problemas endocrinológicos, genéticos (síndromes
dismórficas) e doenças neurológicas.
Tabela 1 Controle de peso em crianças e adolescentes Excesso de peso Obesidade
Idade
Meninos Meninas Meninos Meninas
2 18,4 18,0 20,1 20,1
2,5 18,1 17,8 19,8 19,5
3 17,9 17,6 19,6 19,4
3,5 17,7 17,4 19,4 19,2
4 17,6 17,3 19,3 19,1
4,5 17,5 17,2 19,3 19,1
5 17,4 17,1 19,3 19,2
5,5 17,5 17,2 19,5 19,3
6 17,6 17,3 19,8 19,7
6,5 17,7 17,5 20,2 20,1
7 17,9 17,8 20,6 20,5
7,5 18,2 18,0 21,1 21,0
8 18,4 18,3 21,6 21,6
8,5 18,8 18,7 22,2 22,2
9 19,1 19,1 22,8 22,8
9,5 19,5 19,5 23,4 23,5
593
10 19,8 19,9 24,0 24,1
10,5 20,2 20,3 24,6 24,8
11 20,6 20,7 25,1 25,4
11,5 20,9 21,2 25,6 26,1
12 21,2 21,7 26,0 26,7
12,5 21,6 22,1 26,4 27,2
13 21,9 22,6 26,8 27,8
13,5 22,3 23,0 27,2 28.2
14 22,6 23,3 27,6 28,6
14,5 23,0 27,2 28,0 28,9
15 23,3 23,9 28,3 29,1
15,5 23,6 24,2 28,6 29,3
16 23,9 24,4 28,9 29,4
16,5 24,2 24,4 28,9 29,4
17 24,5 24,7 29,4 29,7
17,5 24,7 24,8 29,7 29,8
18 25 25 30 30
Fonte: Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica - ABESO
(2000)
Segundo Rodrigues e Silva (2008), o excesso de gordura corporal é
determinado pela herança cultural e pela herança genética, sendo que 25% das
causas de obesidade são atribuídos a fatores genéticos, 30% a fatores culturais e
45% a outros fatores ambientais não transmissíveis. As causas genéticas podem
explicar todos os fatores orgânicos que podem contribuir para uma alimentação
excessiva ou uma tendência elevada de acúmulo de gordura.
Para Rodrigues e Silva (2008) as causas ambientais da obesidade são:
inatividade física, sedentarismo, a alimentação rica em gordura e o estresse crônico.
As autoras consideram que a obesidade ainda pode ser causada por transtornos
endócrinos, porém em menor porcentagem.
Segundo Woiski (1995) pode-se identificar fatores no desenvolvimento da
obesidade que condicionam sua instalação e progressão, são eles: fatores
genéticos, ambientais, psicológicos e metabólicos. Nos fatores genéticos e
ambientais os dois fatores interferem de maneira diferente em relação à obesidade.
Os fatores genéticos estão ligados aos genes, à hereditariedade e à variação dos
organismos. Já os fatores ambientais estão relacionados com o ambiente em que a
criança está envolvida, ou seja, são os fatores externos a ela.
594
Em suma, a influência ambiental é importante, podendo evitar a obesidade
em indivíduos que apresentam constituição genética para a mesma. Já os fatores
psicogênicos são fatores que têm como origem uma causa emocional. Há alterações
metabólicas descritas em pacientes obesos que também devem ser levadas em
consideração, tais como: diminuição da tolerância à glicose, níveis de insulina mais
altos no jejum e a mobilização uma grande quantidade de ácidos graxos dos
depósitos durante o jejum, aumentando os níveis plasmáticos.
Para Woisk (1995), a obesidade é caracterizada por um aumento do tecido
adiposo de reserva, aumentando o peso corporal, sendo que para o diagnóstico da
obesidade é necessário que o aumento do tecido adiposo seja evidente. O peso
corporal é uma medida importante, mas dever ser analisado sempre juntamente com
a estatura, a idade, e peso. Ele divide a obesidade como obesidade primária que é
ocasionada por uma alimentação exagerada e errônea (excesso de ingestão de
alimentos ricos em carboidratos) e obesidade secundária gerada por uma patologia
específica, esta última, por sua vez, é divida em endócrina e não endócrina. Este
último tipo de obesidade é mais raro.
Vimos que todas estas divisões da obesidade em variáveis relativas à sua
intensidade, à distribuição da gordura, entre outras, são formas de facilitar a
compreensão e a diferenciação clínica dos quadros de obesidade, porém se utilizam
da fragmentação do fenômeno global. Para uma compreensão sistêmica da
obesidade e, melhor dizendo, das pessoas obesas, é necessário que todas as
partes sejam vistas conjuntamente, sejam elas ambientais, físicas, sociais ou
psicológicas.
O estudo da obesidade infantil ocupa um grau de importância, na medida em
que há a possibilidade da sua manutenção na fase adulta, época em que o risco é
maior, podendo levar até a mortalidade, quando associada com outras doenças:
hipertensão, alterações metabólicas, dentre outras. Aproximadamente, 30% das
crianças obesas podem se tornar adultos obesos e terão de lidar com regimes até o
resto de suas vidas (FISBERG apud CARVALHO, 2004).
É importante que se possa entender as relações sistêmicas que a criança
obesa faz parte: familiar, escolar, unidade básica de saúde, bairro, cidade; bem
como deve-se investigar a interferência de aspectos como: seus hábitos alimentares,
sua freqüência de atividades físicas, dentre outros. Segundo Aun, Vasconcellos e
Coelho (2006), o pensamento sistêmico é uma nova forma de abordagem que
595
compreende o desenvolvimento humano sobre a perspectiva da complexidade, para
percebê-lo, a abordagem sistêmica lança seu olhar não somente para o indivíduo
isoladamente, mas considera também seu contexto e as relações aí estabelecidas,
levando em consideração os traços culturais, as tradições e os costumes, que estão
sempre interligados e afetam diretamente as pessoas envolvidas.
2 Aspectos psicológicos que envolvem a criança obesa
As características mais frequentes em indivíduos obesos, segundo Campos
(1995), são: sedentarismo, relacionamento intrafamiliar complicado, excesso de
ingestão alimentar, desmame precoce, introdução precoce de alimentos sólidos,
substituições de refeições saudáveis por alimentos de alto teor calórico e
dificuldades nas relações interpessoais. Segundo a autora, o ato de comer, para os
obesos, é como um tranqüilizador, ou seja, é uma forma de lidar com a ansiedade, a
angústia e com a frustração.
Além dessas características, há também alguns transtornos psicológicos tais
como a depressão, a ansiedade e dificuldade nas relações sociais (LUIZ et al., 2005) que podem ser observados em uma parcela significativa da população de obesos.
Entre os transtornos psicológicos estudados na infância e na adolescência, a
depressão é a que tem maior destaque. Mas, durante muito tempo, acreditou-se que
as crianças raramente apresentavam depressão. Atualmente, existem evidências
derivadas de estudos de que transtornos depressivos também surgem durante a
infância e não apenas na adolescência ou na vida adulta (KOVACS et al. apud LUIZ
et al., 2005). Segundo estes autores, sentimentos de tristeza, agressividade e
irritabilidade, dependendo da frequência ou intensidade que se manifestam, podem
ser indícios de um quadro depressivo em crianças. A depressão na infância
prejudica tanto o rendimento escolar, quanto seu relacionamento social e familiar, já
que crianças deprimidas têm autoestima baixa e falam de si mesmas de forma
negativa, se achando ruins, culpadas, fracassadas e muitas vezes sentindo que
ninguém se preocupa com elas. O diagnóstico de um transtorno psicológico precoce
pode mudar o futuro da criança, evitando prejuízos de desenvolvimento e
favorecendo a elaboração de vivências relacionadas aos transtornos afetivos.
Como a depressão pode ser também sintoma de patologias orgânicas, como
os distúrbios endocrinológicos e neurológicos, crianças obesas podem apresentar
596
depressão gerada pelo excesso de peso. Além disso, quanto mais problemas de
comportamento a criança apresentar maior será a probabilidade de desenvolver um
quadro depressivo (ROSE apud LUIZ et al., 2005).
Outro fator emocional presente nos quadros de obesidade é a ansiedade.
[...] A ansiedade é um estado emocional com componentes psicológicos, que faz parte do desenvolvimento do ser humano, podendo tornar-se patológica quando acontece de forma exagerada e sem uma situação real ameaçadora que a desencadeia (ANDRADE, GORENSTEIN apud LUIZ et al., 2005, p.37).
Existem duas dimensões distintas para a ansiedade se apresentar. A primeira
é o estado de ansiedade, que pode ser chamado de estado emocional transitório,
ela é caracterizada por sentimentos desagradáveis de tensão e apreensão,
conscientemente percebidos. A segunda dimensão é o traço de ansiedade, que se
refere a diferenças individuais relativamente estáveis de acordo com a maneira do
indivíduo reagir em diferentes situações que lhe cause algum tipo de ameaça
(CAETANO, CARVALHO, GALINDO, 2005).
Vários estudos de obesidade em crianças mostram uma relação entre
obesidade e ansiedade, destacando a ansiedade como um sintoma frequente entre
as crianças obesas. A ansiedade é um dos quadros psiquiátricos mais comuns, tanto
em crianças como em adultos obesos (CAETANO, CARVALHO, GALINDO, 2005).
Além da depressão e da ansiedade, para as crianças obesas é freqüente a
vivência de dificuldades nas relações sociais. Problemas psicológicos, sociais e
comportamentais podem ocorrer em crianças obesas uma vez que é comum
constatar que elas sofrem discriminação e estigmatização social, prejudicando sua
autoestima. As crianças obesas são frequentemente importunadas pelos colegas e
menos aceitas do que as crianças com peso normal. Além disso, ao longo da vida, o
excesso de peso traz outras dificuldades, como menor índice de empregos, timidez
e problemas de relacionamento afetivo. Devido a tais dificuldades, muitas vezes os
indivíduos obesos sofrem ou impõem-se restrições diante de atividades rotineiras
como ir à escola, fazer determinados exercícios físicos, procurar emprego, comprar
roupas, namorar e divertir-se no geral (DAMIANI, CARVALHO, OLIVEIRA, 2002;
DAMIANI apud LUIZ et al., 2005).
Esses atos de violência física ou psicológica, intencionais e repetidos, com o
objetivo de intimidar ou agredir o outro são chamados de bullying. Essa prática é
597
observada em várias culturas e acontece principalmente com crianças e
adolescentes durante o período escolar (LOPES NETO, FIGUEIRA, SAAVEDRA,
2002).
Geralmente, os autores do bullying são indivíduos que tem pouca empatia.
Eles pertencem a famílias desestruturadas, nas quais há pouco relacionamento
afetivo entre seus membros. Os pais não têm muito contato com eles, e talvez para
suprir essa distância com os filhos, toleram e oferecem como modelo para
solucionar conflitos e o comportamento agressivo. A probabilidade desses autores
do bullying se tornarem adultos com comportamentos anti-sociais e/ou violentos é
grande, podendo, inclusive, vir a ter atitudes delinquentes ou criminosas (LOPES
NETO, FIGUEIRA, SAAVEDRA, 2002).
Além desses fatores, há ainda o modelo de beleza constantemente divulgado
pela mídia, que é o indivíduo magro, ou seja, sinônimo de beleza na nossa
sociedade é sinônimo de um corpo escultural, sendo o obeso alvo de discriminações
por parte dos seus colegas, sendo frequente a presença de autoestima baixa.
Em um trabalho desenvolvido entre crianças pequenas, no qual eram
mostradas fotos de crianças obesas, demonstrou-se um conceito claro de
reprovação, sendo os pequenos obesos constantemente chamados de estúpidos,
glutões e preguiçosos (RESEGUE, JEAN, 2000).
Segundo Resegue e Jean (2000), em nossa cultura, alimentar ou
superalimentar é sinônimo de amar, por isso, é necessário analisar a história
alimentar em que a criança está inserida, bem como qual a importância social do ato
de comer para ela e para seus familiares, já que, para muitas famílias, o único elo de
interesse comum está no alimento, o qual é percebido como única fonte de prazer e
de demonstração de afeto.
Para que a família esteja presente e possa ajudar a criança obesa, é
necessário o apoio e mudança do estilo de vida de todos, sendo fundamental sua
participação durante todo o processo. O núcleo familiar é muito importante durante o
tratamento, pois se a família não estiver junto da criança, provavelmente ela não se
cuidará sozinha (RESEGUE, JEAN, 2000).
No tratamento dessas crianças, é necessário motivação, orientação dietética,
atividade física, apoio familiar e apoio psicossocial. São fundamentais orientações
que visem à mudança de comportamento da família e da criança em relação ao
alimento. A família pode incentivar no sentido de atentar a criança ao alimento
598
ingerido, degustação lenta e prazerosa, preferência por alimentos com alto grau de
saciedade e baixo valor calórico, como saladas, legumes, servidos de forma
harmoniosa e não como castigo (RESEGUE, JEAN, 2000).
3 Pensamento sistêmico
Segundo Aun, Vasconcellos e Coelho (2006), o pensamento sistêmico é uma
nova forma de abordagem que compreende o desenvolvimento humano sobre a
perspectiva da complexidade. Para perceber este tipo de pensamento, a abordagem
sistêmica lança seu olhar não somente para o indivíduo isoladamente, mas
considera também seu contexto e as relações aí estabelecidas, levando em
consideração os traços culturais, as tradições e os costumes, que estão sempre
interligados e afetam diretamente as pessoas envolvidas.
Segundo Capra (1996), a ciência sistêmica mostra que os sistemas vivos não
podem ser compreendidos apenas por meio da análise, mas deve ser entendidos
dentro de todo o contexto em que se encontram. Sendo assim, o pensamento
sistêmico é um pensamento contextual, que explica as coisas considerando o seu
contexto, considerando o seu meio ambiente, podendo até mesmo dizer que todo
pensamento sistêmico é um pensamento ambientalista.
[...] Os critérios do pensamento sistêmico são todos inter-dependentes. A natureza é vista como uma teia interconexa de relações, na qual a identificação de padrões específicos como sendo “objetivos” depende do observador humano e do processo de conhecimento. Essa teia de relações é descrita por intermédio de uma rede correspondente de conceitos e de modelos, todos igualmente importantes (CAPRA, 1996, p 49).
Relacionando-se agora o sistema com as relações familiares, pode se afirmar
que um sistema que se constitui em torno do que está sendo trazido como um
problema pode ser constituído por todos aqueles que estão envolvidos com aquele
problema. A família envolve a todos, incluindo as mudanças e a dificuldades que
estas nos trazem (AUN, VASCONCELLOS, COELHO, 2006).
Segundo Aun, Vasconcellos e Coelho (2006), para ver as relações, não se
pode apenas olhar os elementos do sistema separadamente. Além de ver a família
como um conjunto, é necessário também colocar foco nas relações dessa família, no
599
padrão de interações que se repete naquele sistema, e nas relações entre essas
relações.
No funcionamento da família de uma criança obesa, por exemplo, pode-se
perceber que um comportamento afeta e é afetado pelo outro, portanto o sintoma
que a criança apresenta é resultante do material patogênico da família, se esta não
funciona de forma saudável (AUN, VASCONCELLOS, COELHO, 2006).
Para analisar sistemicamente a obesidade, então, é necessário entendermos
o ambiente em que a criança vive, suas relações e reações. Pensar sistemicamente
é ampliar o foco da observação que nos levará a entender não a um sistema
predeterminado, mas um sistema que se constitui em torno do que está sendo
trazido como um problema, um sistema constituído por todos aqueles que estão
envolvidos com aquele problema, no caso, a obesidade (AUN, VASCONCELLOS,
COELHO, 2006).
Segundo Halpern (2001), é necessário levar em consideração também, se a
obesidade é ou não familiar, se os hábitos de vida dessa criança estão sedentários
demais, se a criança está comendo muito, e por qual motivo ou problema, como e o
que estão oferecendo para esta criança se alimentar. Todos estes fatores estão
interligados, além dos fatores intrapsíquicos e interpsíquicos que se relacionam
entre si.
Durante o tratamento da criança obesa, não basta apenas acompanhamentos
nutricionais ou endocrinológicos, é necessário também, um acompanhamento
psicológico que ajude psiquicamente a criança, analisando e entendendo todas as
suas relações e reações, só assim o psicólogo poderá então, ter dados suficientes e
começar a intervenção e o consequente resultado satisfatório. Para dar subsídios
para o trabalho psicológico de qualidade, são necessárias pesquisas como esta,
capazes de levantar informações estratégicas sobre o sistema criança obesa-
família-ambiente.
4 Metodologia A pesquisa foi baseada em um estudo de caso, utilizando-se da pesquisa
qualitativa. Segundo Martins e Bicudo (2005), os métodos qualitativos se
assemelham a procedimentos de interpretação dos fenômenos, mais indicados em
trabalhos que envolvam qualquer tipo de estudo de caso.
600
4.1 Sujeito
O sujeito desta pesquisa é uma menina de seis anos que está na primeira
série do ensino fundamental, que procurou a Clínica de Psicologia do Uni-FACEF ao
saber da presente pesquisa, interessando-se em participar. Como foi obtido o
consentimento da mãe, ela foi incluída na pesquisa. Ela mora com o pai, a mãe e os
dois irmãos mais novos, uma de quatro anos de idade e outro de dois anos, e
deverá ser citada no trabalho como “M”, para preservação da sua identidade.
O sujeito apresenta um nível sócioeconômico de classe média alta e já foi
diagnosticado por especialistas (nutricionista e fisioterapeuta) do hospital Regional
de Franca, como tendo obesidade moderada, no ano de 2008. A mãe de M.
informou que a filha, no momento em que iniciou a pesquisa, pesava 43 quilos e
media 1,30 metros. Assim, pode-se calcular o IMC de M., chegando-se ao valor de
25,44 IMC, que indica que M. está acima do índice indicativo de obesidade para
crianças e adolescentes. Também foram entrevistados sua mãe, sua professora de
sala de aula e seu professor de educação física.
4.2 Instrumentos
Foram utilizadas entrevistas semi-estruturadas com a mãe do sujeito, a
professora de sala de aula e o professor de educação física. Essas perguntas
foram formuladas no sentido de investigar a predisposição genética da família para
obesidade, os hábitos da família em realizar exercícios físicos, a alimentação da
família e da criança, as atividades de lazer da criança, o relacionamento da criança
com os amigos/professores/funcionários da escola, aspectos emocionais da
criança, o desempenho acadêmico da criança, o comportamento da criança na
escola, a alimentação da criança na escola, o desempenho da criança nas aulas
de educação física, a freqüência das aulas de educação física e as atividades ficas
que a criança gosta e as que ela não gosta de fazer.
Com a criança foi aplicada a técnica de investigação clínica da personalidade
de Walter Trinca (1997), sendo esta composta pelo procedimento dos desenhos-
estórias e pelo procedimento de desenhos de família com estórias. O primeiro
procedimento (desenhos-estórias ou D-E) foi realizado na Clínica e teve uma hora e
601
quinze minutos de duração. O segundo procedimento (desenhos de família ou DF-
E), também aplicado na Clínica, ocorreu com um intervalo de uma semana depois
do primeiro procedimento, e com a duração de uma hora. Este instrumento viabiliza
a observação de aspectos projetivos da personalidade, obtidos na seqüência de
cinco desenhos livres (D-E) e quatro desenhos livres sobre a família (DF-E), com a
estimulação atemática de estórias contadas depois de cada um destes desenhos
(TRINCA, 1997).
Ainda foram feitas observações sistemáticas na casa do sujeito, a fim de
observar o tempo total utilizado para a refeição, incluindo o antes e o depois. (em
torno de 10 minutos), tendo sido observado itens da vida da criança tais como: o que
come, onde come, quem serve o prato, diferenças e semelhanças da prática
alimentar da criança e da família, emoções presentes no momento da refeição.
4.3 Procedimento de coleta
Foi realizado o contato por telefone com os pais da criança que procurou a
Clínica de Psicologia do Uni-FACEF para participar da pesquisa, explicando os
objetivos e os procedimentos da pesquisa e solicitado a autorização para
participação da pesquisa. Com a autorização, foi marcada a primeira entrevista com
a mãe da criança nas dependências da Clínica de Psicologia, com a assinatura do
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), aprovado pelo Comitê de Ética
em Pesquisa. A entrevista teve duração de uma hora e meia, foi gravada com fica
cassete e posteriormente transcrita.
Em seguida, foi realizado o primeiro contato com o sujeito para a aplicação da
Técnica de Investigação da Personalidade de Trinca (1997), quando também foi
colhida a assinatura de M. no TCLE. Além deste, teve outro encontro na clínica para
finalizar a aplicação de todo teste, além das duas observações na casa da criança,
sendo uma durante o almoço da criança e outra durante o jantar.
Por fim, foi realizado o contato por telefone com a diretora da escola,
solicitada a autorização da entrevista com os professores, que foram autorizadas e
marcadas por ela, tendo sido realizadas nas dependências da escola tendo duração
de quarenta minutos, sendo vinte minutos com cada professor.
4.4 Análise de dados
602
Inicialmente foi realizada a análise dos procedimentos do D-E e do DF-E
conforme as especificações de Trinca (1997), sendo que, em seguida foram feitos
levantamentos das principais temáticas tratadas nas entrevistas com a mãe e com
os professores, bem como nas observações realizadas. Depois foram feitas as inter-
relações entre as informações de cada instrumento, identificando características
relativas aos aspectos intrapsíquicos, interpsíquicos, sociais e ambientais.
5 Apresentação e discussão dos resultados
Este capítulo foi elaborado com base nas categorias temáticas encontradas
na coleta de dados. Estas categorias foram subdividas de acordo com a
necessidade de a pesquisadora ressaltar o que mais se destacou com o sujeito da
pesquisa. Elas se dividem em: dimensão familiar, dimensão escolar, relação com a
comida, autoestima e fantasia.
5.1 Dimensão familiar
Os desenhos mostraram claramente a ausência do pai, já que em nenhum
desenho ou estória de M. ele apareceu. Parece haver uma relação conflituosa entre
o pai e o restante da família que se confirma nos desenhos e na ausência do pai
durante as visitas feitas pela observadora à casa de M.
Quando aparecia alguma figura masculina nos desenhos, essa figura tinha
um significado negativo para M., como o Mago (Figura 1) que queria roubar a rosa
mágica pra tornar-se poderoso e fazer maldades, o gavião como animal agressivo
que comia as borboletas ou ainda homens malvados que roubavam, punham fogo e
poluíam a natureza. A ausência do pai parece indicar que M. tem a tendência de
generalizar a atribuição do significado negativo a todas as figuras masculinas, pois
elas são sempre vistas nos desenhos como ameaçadoras ou inexistentes.
603
Figura 1 - Um mundo mágico e o bruxo
No Desenho-Estória com Família, M. desenha uma festa em sua casa onde
estão presentes apenas uma mãe, uma criança, uma cachorra e um balão em forma
de cachorro (Figura 2). Quando é questionada sobre pai do desenho, M. afirma ter
“ficado com preguiça de desenhá-lo”. Mas vale ressaltar que nesse mesmo desenho,
M. foi muito minuciosa em suas figuras, sendo assim, parece que não houve
preguiça de desenhar o pai, mas ela simplesmente não quis que ele estivesse
presente no desenho. Podemos entender que M. não tem vontade de ter o pai perto,
bem como não se encontra disponível para aproximar-se dele.
Figura 2 - O aniversário da cachorra
604
Através dos desenhos e das entrevistas, foi possível afirmar que há um foco
excessivo de M. na mãe. A presença da figura materna é vista na maioria desses
desenhos, e eles sempre aparecem de forma positiva. Sendo assim, fica claro a
formação de um vínculo afetivo resumido apenas à mãe, já que nem seu pai e
nenhum de seus irmãos são citados ou desenhados.
Além disso, a mãe parece ser a única da família, além de M., que exige e se
preocupa com uma boa alimentação da filha. Ela afirma estar sempre de vigília,
controlando tudo que M. come ou quer comer. Porém, durante as entrevistas na
escola, a professora relatou que M. sempre leva lanches gordurosos, como por
exemplo, pão com hambúrguer ou bolo. Fica clara, então, uma divergência entre os
relatos da mãe e da professora, pois a primeira se diz preocupada e controladora,
mas libera alimentos com alto teor calórico todos os dias no lanche de M.
O pai de M. é obeso, a mãe afirma estar entrando num nível de obesidade,
mas os irmãos dela são magros, e vêm ganhando cerca de um quilo ao ano, o que é
considerado saudável pelo pediatra da família. M. convive e come as mesmas
coisas que seus dois irmãos mais novos, porém apenas ela está acima do peso.
5.2 Dimensão escolar (socialização)
Nas entrevistas com os professores, foi possível identificar M. como uma
criança muito competitiva e dominadora.
Segundo os professores, ela gosta muito de ter controle da situação e de
seus colegas, sobressaindo e ficando sempre em evidência nos grupos. Além disso,
eles afirmaram que ela é uma excelente aluna, é dócil e maleável, mas que quando
contrariada pede muito pela mãe, não sabendo lidar sozinha com sua frustração.
Quando é perguntado para a professora de sala de aula em que tipos de situações
M. se frustra, ela responde: “em todos os momentos, assim do mais banal até o mais
grave. Por exemplo, nós fizemos uma atividade de leitura lá no pátio, e depois
fizemos umas brincadeira com a bola, ela não deitou do lado da melhor amiga dela,
aí ela já queria que ligasse pra mãe, queria ir embora”.
A relação dela com os amigos é relativamente boa, principalmente quando as
coisas saem do seu jeito. Os professores relataram que ela é uma aluna muito
605
participativa em todas as atividades propostas, tanto em sala de aula quanto nas
aulas de Educação Física.
Durante as aulas de Educação Física, o professor de M. relata que tudo tem
que ser do jeito dela e no momento que ela quiser, pois quando as coisas fogem de
seu controle e é contrariada, M. se frustra e/ou deixa de realizar as tarefas propostas
e fica em um canto “emburrada” ou chora pedindo novamente à mãe.
Então ela evita os exercícios que a envolvam em competições, pois parece
acreditar que nestes casos ela terá de se deparar com o fracasso e a consequente
frustração. Pôde-se supor então que, dependendo da atividade física, M.
desenvolve-se muito bem, mas que suas questões sócio-emocionais não são tão
desenvolvidas assim em função da sua dificuldade de aceitar limites.
Ela participa de várias atividades extras propostas pela escola, como teatro,
xadrez, coral e dança, o que indica que ela é uma criança bem ativa e interessada
em se envolver em várias atividades distintas, sendo elas corporais e intelectuais.
Foi relatado pela professora de sala de aula que, durante o recreio, M. come
seu lanche e fica pedindo o lanche das outras crianças, essas por sua vez, dão o
lanche a ela. Além disso, seu lanche é sempre um pão, bolo ou pão de hambúrguer,
e nunca uma fruta, apesar de M. relatar que gosta de fruta.
A professora afirma também que M. é uma criança muito madura para idade
dela, e que ela escolhe bem com quem ela quer se relacionar. Ela tem facilidade em
se inserir em diversos grupos e de ser aceita entre eles, o que quer dizer que M. tem
habilidades sociais. Todos possuem essas habilidades, em uns elas são mais
afloradas e em outros menos, porém em M. essas habilidades foram bem citadas
através das entrevistas, o que mostrou que em M. elas são bem mais desenvolvidas,
diferenciando-a das outras crianças de sua idade.
5.3 Relação com a comida
Durante as entrevistas e observações na casa de M. foi possível constatar
que o único momento em que a família está toda reunida é nos finais de semana,
em que eles saem para almoçar ou jantar fora. A mãe de M. relata que todo final de
semana eles saem pra almoçar no shopping ou jantar em restaurantes de rodízio de
carne. Essa programação envolve toda a família inclusive as avós (materna e
paterna).
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São apenas nessas ocasiões que o pai está presente, junto aos filhos.
Durante a entrevista, a mãe relatou que nem sempre o pai estava presente no
almoço, e que no jantar era ocasional: às vezes ele jantava em casa, às vezes ele
jantava na casa da mãe dele (vizinha da casa deles). Durante as observações na
casa de M., o pai não estava nem durante o almoço nem durante o jantar. Podemos
inferir, então, que o único momento em que estão todos juntos, mesmo que só nos
finais de semana, é na hora da alimentação, que é quando M. pode sentar-se à
mesa e conversar com o pai.
5.4 Autoestima
M. gosta muito de estar bonita, gosta de maquiagens, de se enfeitar, gosta de
tirar fotos e sempre chama atenção da mãe ou da professora dizendo: “Olha como
eu sou linda”. Ela tem uma preocupação muito grande com a imagem que os outros irão
fazer dela, tem a necessidade de sentir-se bonita igual a uma princesa, ou seja, ela
tem necessidade de ser aceita, que fica claro através de seus desenhos que, em
quase todos, aparecem coisas minuciosamente delicadas, como: rosas, princesas,
vestidos, laços de cabelo, borboletas. Na Figura 3, M. desenha um castelo e uma
princesa no desenho que deveria registrar “Uma família que gostaria de ter”. Quando
questionada, diz que este castelo tem várias empregadas e uma rainha, mas não
tem nenhum rei ou príncipes. Assim, M. parece idealizar que o status de ser
princesa e morar em um castelo com uma rainha, supriria sua necessidade de ser
valorizada, atendendo os requisitos necessários para isto. Ou seja, ter dinheiro e
beleza parece ser suficiente para M. ser feliz.
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Figura 3 - O castelo encantado
Dentre os desenhos de M., está o desenho que ela chamou de “Mundo da
reciclagem”. Reciclagem significa transformar o lixo em alguma coisa boa, alguma
coisa útil. A Figura 4 ilustra um rio poluído com lixo, representados pelos seguintes
elementos: uma maçã comida, uma garrafa, um papel, um pneu e um saquinho. Chevalier e Gheerbrant (1998) apontam que a água representa o inconsciente,
incontrolável e que tudo absorve, assim, M. pode estar indicando que “retém”, em
seu mundo interior, muito “lixo”, muitas questões mal-resolvidas e que parecem
agredi-la e consumir muito de seu “espaço interno”. Porém, como M. nomeia o
desenho de “O mundo da reciclagem”, pode-se supor que ela tem vontade de rever
estes conteúdos, resignificando-os e assumindo-os como parte dela, e, assim,
podendo “limpar” seu “mundo interior”
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Figura 4 - O mundo da reciclagem
5.5 Fantasia
Através dos desenhos, foi possível observar que M. vive num mundo de
fantasia, desejando “viver no mundo da magia”. Na maioria de seus desenhos
apareceram borboletas (Figura 5), rosas, princesas e rainhas, magos e castelos, o
que é muito comum, segundo Mira Y Lopez (1945), entre crianças de 6 a 10 anos.
Nesta idade é natural que a criança utilize muito da fantasia imaginativa e de
crenças mágicas, tanto em seus relatos (histórias), quanto em seus desenhos.
Segundo o autor, nesta idade é comum aparecer na maioria das histórias, aventuras
“surpreendentes” e “misteriosas”, e neste “mundo mágico” em que elas vivem, tudo é
possível e factível.
Figura 5 - O canto das borboletas
609
E por fim, os castelos, rainhas e princesas, que também se destacaram muito
em seus desenhos, mostraram como M. gostaria de viver num conto de fadas. O
castelo, que segundo Chevalier e Gheerbrant (1998) simboliza a soma e satisfação
dos desejos positivos, aparece em seus desenhos apontando para o fato de que M.
tem desejos positivos de querer viver num castelo onde tudo é belo e perfeito,
inclusive a família perfeita que mora dentro dele. Essa é a família que M. queria ter.
É válido ressaltar que, quando é pedido à M. que desenhasse “A sua família” (Figura
6), ela desenha apenas ela, seus dois cachorros, seu gato e sua calopsita, além do
vaso com duas rosas, uma fechada e outra aberta. Quando é perguntado por que no
desenho estão apenas ela e seus bichinhos, ela responde: “Porque os meus
bichinhos não brigam”.
Figura 6 - Os bichos
É válido ressaltar que essas categorias só foram apresentadas de formas
separadas a fim de explicar detalhadamente aspectos que mais chamaram a
atenção da pesquisadora, e não para fragmentar o indivíduo, lembrando que a
pesquisa foi elaborada com base no pensamento sistêmico.
Considerações finais
Este trabalho teve como objetivo realizar um estudo de caso investigando e
relacionando aspectos intrapsíquicos, interpsíquicos, sociais e ambientais que
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envolvem a criança obesa, entendendo as relações sistêmicas em que a criança
obesa está envolvida. Desta forma, pode-se estudar como os diferentes sistemas
em que a criança está inserida interferem em sua organização psíquica e em suas
formas de comportamento, analisando as consequências da obesidade da criança
que são advindas do meio em que ela vive das relações que estabelece com este
meio, de seus hábitos e de sua predisposição genética.
A pesquisa foi baseada em um estudo de caso, utilizando-se da pesquisa
qualitativa, segundo Martins e Bicudo (2005), pois os métodos qualitativos se
assemelham a procedimentos de interpretação dos fenômenos, mais indicados em
trabalhos de estudo de caso.
O sujeito (M.) desta pesquisa foi uma menina de seis anos que está na
primeira série do ensino fundamental, encaminhada à clínica de Psicologia do Uni-
FACEF. Por meio da coleta de dados pôde-se considerar que M. tem um vínculo
muito forte com a mãe, porém o pai está pouco presente na vida dela.
Percebeu-se que M. é uma criança bastante ativa e de fácil socialização. Ela
destaca-se sempre em suas atividades tanto da escola quanto em casa, porém é
uma criança que se frustra sempre quando contrariada, não sabendo lidar bem com
situações que fogem do seu limite.
Pelos desenhos foi possível observar que M. vive num mundo de fantasias,
desejando assim, “viver no mundo da magia”, o que é muito comum, segundo Mira Y
Lopez (1945), entre crianças de 6 a 10 anos. Nesta idade é natural que a criança
utilize muito da fantasia imaginativa e de crenças mágicas, tanto em seus relatos
(histórias), quanto em seus desenhos.
Foi possível afirmar também que há um foco excessivo de M. na mãe. A
presença da figura materna é vista na maioria desses desenhos, e eles sempre
aparecem de forma positiva, o que evidencia um vínculo afetivo resumido apenas à
mãe, já que nem seu pai e nenhum de seus irmãos são citados ou desenhados.
Verificou-se que o pai de M. é obeso e a mãe afirma estar entrando num nível
de obesidade (não avaliado), mas os irmãos dela são magros, e vêm ganhando
cerca de um quilo ao ano o que é considerado saudável pelo pediatra da família. M.
se alimenta tal como seus dois irmãos, porém apenas ela está acima do peso.
Já nas entrevistas com os professores, foi possível identificar M. como uma
criança muito competitiva e dominadora, que gosta de ter controle da situação e de
seus colegas, ficando sempre em evidência nos grupos. Além disso, eles afirmaram
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que ela é uma excelente aluna, é dócil e maleável, mas que quando contrariada
pede muito pela mãe, não sabendo lidar sozinha com sua frustração.
Em relação à comida, foi possível constatar pelas observações e entrevistas
que o único momento em que a família está toda reunida é nos finais de semana,
quando saem pra almoçar ou jantar fora. A mãe de M. relata que todo final de
semana eles saem pra almoçar no shopping ou jantar em restaurantes de rodízio de
carne, sendo que essa programação envolve toda a família, inclusive as avós
(materna e paterna), sendo a única programação em que o pai está presente.
E no quesito autoestima, M. tem uma preocupação muito grande com a
imagem que os outros irão fazer dela, ou seja, ela tem necessidade de ser aceita.
Percebe-se que a configuração intrapsíquica de M, composta por características tais
como sua necessidade de reconhecimento e sua insegurança, são sustentados pela
dinâmica familiar, podendo destacar o distanciamento do pai e dos irmãos, a falta de
referências paternais e a proteção ambígua oferecida pela mãe, bem como pelas
relações que M. mantém com o ambiente e a sociedade (sua competitividade, seu
reconhecimento quando ensina aos outros, algo que sabe fazer muito bem, entre
outros). A forma que M. encontrou de responder a esta configuração e
funcionamento dos sistemas em que está inserida é reforçando sua atitude de
mergulhar no mundo da fantasia, encontrando nele a sua satisfação e motivação
para seguir a vida, ignorando de certa forma a realidade em que vive. Apesar de ser
uma forma de enfrentamento comum para a idade de M., podemos considerar que
se ela não receber suporte (psicológico, familiar, social e ambiental) para alterar as
alternativas de conduta, poderá ter muita dificuldade de se adaptar à realidade, já
que utilizar-se dessa fantasia, de certa forma, pode ser o único momento em que ela
realmente pode desejar aquilo que sempre quis.
Neste sentido, talvez a obesidade também possa ser vista como uma forma
de “se proteger”, com uma camada adiposa, do sofrimento que a confrontação com
a realidade impõe.
Com o presente estudo de caso foi possível analisar e afirmar a forma como
todos os aspectos investigados sobre a vida de M. estão relacionados entre si, e
como isso faz surtir resultados e respostas no individuo que está inserido no meio.
Por meio deste estudo de caso, foi possível entender as relações sistêmicas em que
M. está envolvida (no lar, na escola, sua relação consigo mesma, o mundo psíquico
em que ela vive).
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Sendo assim, pode-se afirmar que foi atingido o principal objetivo da
pesquisadora de realmente realizar um estudo sistêmico, utilizando-se do estudo de
caso de M., investigando e relacionando seus aspectos intrapsíquicos,
interpsíquicos, sociais e ambientais.
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