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LUDMYLA DAYRELL M. M. L. ALCANFOR ESTUDO TEÓRICO SOBRE OS MÉTODOS SOCIÁTRICOS GOIÂNIA 2011

ESTUDO TEÓRICO SOBRE OS MÉTODOS SOCIÁTRICOS

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LUDMYLA DAYRELL M. M. L. ALCANFOR

ESTUDO TEÓRICO SOBRE OS MÉTODOS SOCIÁTRICOS

GOIÂNIA

2011

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS

SOCIEDADE GOIANA DE PSICODRAMA

LUDMYLA DAYRELL M. M. L. ALCANFOR

ESTUDO TEÓRICO SOBRE OS MÉTODOS SOCIÁTRICOS

Trabalho de conclusão de curso de pós-graduação

apresentado à banca examinadora da Sociedade

Goiana de Psicodrama/PUC-Goiás, como

exigência parcial para obtenção do título de

Psicodramatista, sob a orientação do Prof. Ms.

Psicodramatista Didata Supervisor Silvamir

Alves.

GOIÂNIA

2011

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LUDMYLA DAYRELL M. M. L. ALCANFOR

ESTUDO TEÓRICO SOBRE OS MÉTODOS SOCIÁTRICOS

Monografia defendida e aprovada, com a nota________. Sociedade Goiana de

Psicodrama/ PUC-Goiás, em Goiânia, no dia_____ de _____________de 2012 pela banca

examinadora constituída pelos professores:

Orientador: Prof. Ms. Psicodramatista Didata Supervisor Silvamir Alves

Prof. Psicodramatista Didata Nilton Inácio do Nascimento

Profª. Ms. Psicodramatista Didata Supervisora Cirinéia de Abreu Moura

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RESUMO

O presente trabalho é um estudo teórico dos métodos sociátricos - sociodrama, psicodrama e

psicoterapia de grupo, concebidos por Jacob Levy Moreno. Esse estudo é ilustrado pela

discussão de casos expostos por autores psicodramatistas, com objetivo de tornar mais claro

para o estudante de psicodrama de como e quando utilizar cada um dos três métodos. Faz-se

uma incursão à teoria socionômica no que tange aos objetivos e aplicabilidades dos seus

métodos, visando maior compreensão da diferenciação e aplicação adequada dos mesmos. O

psicodrama e o sociodrama trabalham o desenvolvimento de papéis por meio da ação

dramática, sendo que o primeiro trabalha o papel privado do indivíduo em psicoterapia

bipessoal ou em grupo; o segundo, por sua vez, trabalha o papel coletivo dos indivíduos do

grupo; enquanto a psicoterapia de grupo trabalha as relações interpessoais e mundo privado

dos integrantes do grupo, por meio da verbalização. Constatou-se que os três métodos

sociátricos, como ciência de tratamento dos sistemas sociais, têm como objetivo comum

desenvolverem vínculos mais autênticos entre grupos e indivíduos. Verificou-se, também, que

o aprofundamento do conhecimento teórico auxilia na capacitação do psicodramatista

principiante, porém, é necessário ir além do estudo teórico e de casos, é preciso também a

prática do atendimento conciliada, inicialmente, à supervisão.

Palavras chave: socionomia, métodos sociátricos, sociodrama, psicodrama, psicoterapia de

grupo.

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SUMÁRIO

Introdução...................................................................................................6

CAPÍTULO I

O que vem a ser socionomia? ......................................................................9

CAPÍTULO II

Conceitos básicos da socionomia..................................................................26

CAPÍTULO III

Ilustração dos métodos sociátricos por meio de casos.................................36

Considerações Finais....................................................................................44

Referências...................................................................................................47

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INTRODUÇÃO

O foco deste trabalho é o estudo teórico dos métodos sociátricos da ciência

socionômica de Jacob Levy Moreno. O que motivou este estudo foi a pretensão de que ele

possa contribuir para tornar mais claro, para os estudantes de psicodrama, o que é, como e

quando utilizar os métodos da sociatria.

A contextualização no tempo do pensamento moreniano mostrou-se essencial para

que se pudesse identificar como os pressupostos da sociatria se expressam na sua obra.

Jacob Levy Moreno criou uma metodologia de trabalho que surgiu em oposição aos

métodos de psicoterapia individual dominantes durante as três primeiras décadas do sec.XX.

Tirou o indivíduo da participação passiva para a ativa, transcendendo da palavra para a ação.

Moreno (1999), entre e durante as duas guerras mundiais, desenvolveu uma ciência de grupo

terapêutico, a sociometria e criou o psicodrama, tratando o grupo por meio da ação dramática.

Para Moreno (1999) existiu três revoluções psiquiátricas: a primeira foi a liberação

dos enfermos mentais de suas cadeias (Pinel); a segunda foi o desenvolvimento da psicanálise

(Freud) e a criação da psicoterapia como parte da medicina e a terceira revolução, foi para ele,

o desenvolvimento da psicoterapia de grupo, do psicodrama, da sociometria e da sociatria.

A terceira revolução psiquiátrica teve seu inicio oficial em 21 de abril de 1921, em

um teatro de Viena. Nesta cidade, pós-guerra, deu-se início a criação moreniana da ciência

denominada socionomia, que estuda as leis que regem o comportamento social e grupal. Essa

ciência estrutura-se em três ramos: sociometria, sociodinâmica e sociatria.

O trabalho de Moreno, de acordo com Marra (2004) pode ser considerado um marco

de ruptura com as concepções individualistas, pois desenvolve conceitos sobre a formação e a

dinâmica dos vínculos, a medida das relações sociais e o tratamento dos grupos e das

relações.

A propósito dessa mudança de perspectiva que Moreno fez, Naffah Neto (1997, p.

171-172) escreveu:

Graças a ela [mudança] tornou-se possível conceber as neuroses e as doenças

mentais não mais como “doenças” no sentido biofisiológico do termo e não mais

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como fenômenos intrapsíquicos (como certas linhas psicanalíticas as vêem); foi o

conceito de átomo social de Moreno, por mais imperfeito que possa ser, que

favoreceu às psicopatologias saírem de sua toca individualista e solipsista para

reencontrarem, na estrutura inconsciente das relações sociais, seu motivo. Nesse

sentido, não seria absurdo dizer que Moreno foi o precursor da antipsiquiatria.

Para o tratamento dos grupos e das relações Moreno desenvolve, até a década de 30,

a sociatria, que se utiliza de três métodos de investigação: sociodrama, que trata o grupo;

psicoterapia de grupo, que trata as relações interpessoais inseridas na dinâmica grupal e

psicodrama, que é o tratamento do indivíduo e do grupo por meio da ação dramática.

Os métodos sociátricos são o tema deste trabalho, que utilizou o estudo da teoria de

Moreno e a ilustração de casos de alguns autores psicodramatistas como meio para o

aprofundamento do conhecimento adquirido pela autora do trabalho sobre o psicodrama,

sociodrama e psicoterapia de grupo em seu curso de especialização em psicodrama.

O método psicodramático, no âmbito clínico, foi o foco de formação do curso de

Especialização, da SOGEP, em Psicodrama Psicoterápico, da Turma 2009/1. Tal

especialização permitiu obter conhecimento geral da ciência criada por Moreno, trazendo

também, além do psicodrama, uma explanação da sociometria, do sociodrama e da

psicoterapia de grupo.

A pesquisa bibliográfica foi o método escolhido para a realização do presente estudo.

É próprio dessa modalidade de pesquisa realizar-se a partir de um material já construído, em

especial, de livros e artigos científicos. Para Gil (2002, p. 45), “a principal vantagem da

pesquisa bibliográfica reside no fato de permitir ao investigador a cobertura de uma gama de

fenômenos muito mais ampla do que aquela que poderia pesquisar diretamente”. Por meio do

estudo teórico e ilustração de casos de psicodramatistas pretendeu obter melhor compreensão

de quando e como utilizar o psicodrama, o sociodrama e a psicoterapia de grupo, no sentido

de auxiliar na diferenciação e manejo adequado de cada um dos três métodos.

O objetivo deste trabalho foi estudar cada um dos três métodos sociátricos para

possibilitar a compreensão desses como métodos de atuação no trabalho com grupos, e para

aprofundar o conhecimento teórico que alicerça e sustenta a atuação do psicodramatista com o

sociodrama, a psicoterapia de grupo e o psicodrama, estudado e praticado durante o referido

curso de especialização.

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O presente estudo foi organizado em três capítulos. No primeiro capítulo, intitulado

“O que vem a ser socionomia?”, elucidou-se o conceito da socionomia e os seus ramos,

focando-se no estudo da sociatria e de seus métodos. Essa ciência organiza e consolida a

teoria geral de Moreno, estruturada em três ramos: sociometria, sociatria e sociodinâmica.

No segundo capítulo, intitulado “Conceitos básicos da socionomia”, apresentou-se a

fundamentação teórica da socionomia. A espontaneidade/criatividade, matriz de identidade,

teoria de papéis e tele foram apresentadas segundo a definição de Moreno e a contribuição de

outros autores psicodramatistas.

No terceiro capítulo com o título “Ilustração dos métodos sociátricos por meio de

casos”, estabeleceu-se a diferenciação dos métodos da sociatria e as especificidades de suas

aplicabilidades por meio da discussão de alguns casos de autores psicodramatistas. A

ilustração dos casos contribuiu para tornar mais claro a teoria estudada, exemplificando a

diferenciação e aplicabilidade de cada um dos métodos sociátricos.

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CAPÍTULO I

O QUE VEM A SER SOCIONOMIA?

A teoria de Jacob Levy Moreno foi surgindo paulatinamente. Essa característica

colaborou para que a teoria moreniana ficasse mundialmente conhecida como psicodrama,

que fora criado por ele na década de 1920. Já a socionomia, que é a organização e

consolidação da sua teoria geral, foi criada na década de 1940. Portanto, o todo ficou sendo

conhecido pela parte, uma vez que o psicodrama é apenas um método da sociatria,que por sua

vez é um ramo da socionomia. Mas, pelo hábito, o termo psicodrama gradualmente

consolidou-se no mundo todo, e passou a denominar todos os procedimentos da teoria

moreniana.

Moreno (1999) ensina que a socionomia tem por objetivo estudar as leis que regem

o comportamento social e grupal. Segundo ele a socionomia tem três ramificações: a

sociodinâmica, a sociometria e a sociatria. Esses ramos estão interligados e possuem métodos

de investigação específicos, que são respectivamente: desempenho ou interpretação de papéis;

teste sociométrico; psicoterapia de grupo, psicodrama e sociodrama.

Para Naffah Neto (1997), a socionomia explora e ocupa-se das leis do

desenvolvimento social e das relações sociais. Neto (1999) clarifica que os três ramos da

socionomia: a sociometria, a sociodinâmica e a sociatria objetivam entender o fenômeno

social em suas três dimensões básicas, respectivamente: a estrutura, a dinâmica e as

transformações.

Por meio do esquema-diagnóstico realizado com testes sociométricos (sociometria),

Davoli (1990, p.25) aponta que o projeto socionômico prolonga-se para a sociatria para

buscar “o desenvolvimento, explicação e transformações das tensões socais, originadas pela

intersecção do fenômeno social e o individual”. A sociodinâmica vem como elo entre a

sociometria e sociatria, com o treinamento de papéis (role-playing).

De acordo com Drummond e Souza (2008), a proposta da socionomia é investigar

como as relações se estabelecem e qual a dinâmica relacional entre pessoas/pessoas e entre

pessoas/coisas. Para Naffah Neto (1997) o projeto socionômico visa elucidar o fenômeno

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social tal qual é vivido pelas pessoas que dele participam e postula um tipo de cientista que

mais que um observador passivo deveria reconhecer sua situação dentro da própria realidade

pesquisada e atuar como um agente ou um catalisador.

Para ampliar a visão sobre o trabalho de Moreno, Blatner e Blatner (1996, p. 27)

sintetizam os seguintes princípios:

Uma filosofia existencial e fenomenológica, voltada para o processo, e que enfatiza a importância da criatividade; a natureza da espontaneidade, seu valor, as maneiras

de desenvolvê-la como chave para tornar-se mais criativo; relacionamento

interpessoais mais autênticos, aprimorados por métodos de promover encontros,

feedback e mudança social coletiva; um teatro de improvisação com veículos para

revitalizar as artes e como fonte de “terapia de massa”; métodos para pesquisa e

novas aplicações de tais princípios.

Marra (2004) reforça que o trabalho de Moreno pode ser considerado como um

marco importante de ruptura com as concepções individualistas, uma vez que desenvolve

conceitos sobre a formação e a dinâmica dos vínculos, a medida das relações sociais e sobre o

tratamento dos grupos e das relações. Promove um tipo de pesquisa mobilizadora do

desenvolvimento grupal e cultural, apresentando-se como uma pesquisa participante em ação

interventiva por dar conta do acesso às dimensões humanas.

Neste trabalho os métodos de investigação e de tratamento dos grupos e das relações,

que compõem a sociatria, são estudados com mais especificidade. Entende-se sociatria como

a ciência do tratamento dos sistemas sociais. De acordo com Moreno (1999), sociatria vem do

grego iatria, que significa terapêutica. Utiliza-se de três métodos de investigação: sociodrama,

que trata o grupo; psicoterapia de grupo, que trata as relações interpessoais inseridas na

dinâmica grupal e psicodrama, que é o tratamento do indivíduo e do grupo por meio da ação

dramática.

Marra (2004) expõe que os três métodos são de intervenção clínica e de natureza

social com a finalidade de construção social. Para Davoli (1990) os três, enquanto projetos

socionômicos, trabalham na intersecção entre fenômeno social e individual.

O primeiro método de investigação estudado aqui é o sociodramático, que nasceu da

técnica do jornal vivo ou jornal dramatizado. Técnica em que era tirada notícia, do dia, que

acontecia no mundo e a partir dela fazia-se uma dramatização. Tal técnica foi criada por

Moreno devido à resistência do público e imprensa da época em relação ao Teatro da

Espontaneidade, que ele utilizava. As pessoas não acreditavam que a criação das cenas era

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espontânea e sim ensaiada. Por tal motivo Moreno resolveu criar as cenas baseadas nas

notícias diárias (MONTEIRO, 1998).

Considera-se que a primeira demonstração de Moreno do sociodrama foi na noite de

1º de abril de 1921, quando ele se vestiu de bobo da corte, num palco com um trono, uma

coroa e um manto de púrpura, dizendo ao público que estava procurando o rei. Dizem que

essa noite como encenação foi um desastre, pois o público não estava habituado a esse tipo de

encenação (MARINEAU, 1992).

Mas o que é sociodrama? “É um método de ação profunda que trata das relações

intergrupais e das ideologias coletivas” (MORENO, 2003, p. 411).

Para Aguiar (1998, p. 26) o sociodrama pode ser definido como “a situação em que o

teatro espontâneo é utilizado com vistas ao desenvolvimento de um grupo preexistente e que,

em princípio, continuará existindo depois dessa intervenção”. Esses grupos podem ser, entre

outros, de casais, família, equipes de trabalho, associados de uma instituição e alunos de uma

escola.

Drummond e Souza (2008) esclarecem que o sociodrama trabalha as vincularidades

das relações, que são representadas pelos papéis sociais desempenhados no dia-a-dia das

pessoas. O objetivo é ressignificação dos vínculos, com mudança efetiva dos valores, não

apenas o treino do papel.

Para Blatner e Blatner (1996) o sociodrama é uma investigação psicodramática

referente a problemas inerentes a uma relação de papéis, sem levar em consideração as

dimensões específicas do papel das pessoas envolvidas. Faz-se o sociodrama de papel, por

exemplo, de uma mãe e de uma filha no contexto sócio cultural da época e não de uma

determinada mãe e filha em suas existências particulares.

Para Fox (2002), o pressuposto da abordagem sociodramática é o reconhecimento de

que o homem é um jogador de papéis, que todo indivíduo caracteriza-se por determinado

conjunto de papéis que domina seu comportamento e que toda cultura é caracterizada por

determinados conjuntos de papéis que ela impõe com um grau variado de sucesso aos seus

membros.

De acordo com Drummond e Souza (2008), no sociodrama, Moreno foca a cultura

como rede relacional a ser trabalhada, e não o indivíduo privado. Completam dizendo que

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Moreno propõe um método de ação profunda, analisando e provocando a catarse¹ no grupo,

de problemas sociais e permitindo uma análise ciosa das origens profundas das tensões e dos

conflitos intergrupais.

Nesse sentido, Moreno (2003, p. 413-415) nos ensina que:

O verdadeiro sujeito do sociodrama é o grupo. Há conflitos nos quais estão

envolvidos fatores coletivos supra-individuais e que têm que ser compreendidos e

controlados por meios diferentes. Pode-se, na forma de sociodrama, tanto explorar

como tratar, simultaneamente, os conflitos que surgem entre duas ordens culturais

distintas e, ao mesmo tempo, pela mesma ação, empreender a mudança de atitude

dos membros de uma cultura a respeito dos membros da outra.

Kellerman (1998) aponta que o Sociodrama apresenta três tipos de aplicações: na

crise, no político e na diversidade. O sociodrama da crise tem o foco social sobre o trauma, a

necessidade é de adaptação, de busca da homeostase. O sociodrama da crise ajuda o grupo no

enfrentamento das tensões sociopsicológicas e a encontrar o novo equilíbrio social. No

sociodrama político o foco social é a desintegração, no conflito social busca-se a igualdade.

Os temas trabalhados no sociodrama político são a desintegração social, a estratificação e a

desigualdade, como manifestações de conflitos socioeconômicos. A intenção do trabalho é

impulsionar a sociedade na direção de maior justiça e equidade social. O sociodrama da

diversidade trabalha com conflitos advindos de estereótipos, preconceitos, racismo,

intolerância, estigmatização e/ou atitudes negativas contra pessoas de extratos minoritários.

Nesse sociodrama busca-se respeitar as diferenças e transcendê-las quando se percebe que

estas geram processos identitários que causam violência ou compartimentalizam a

humanidade em grupos.

No trabalho sociodramático, de acordo com Nery, Costa e Conceição (2006) o

pesquisador-terapeuta proporciona ao grupo, por meio de sua demanda ou do seu

consentimento, um encontro para abordar os temas ou os conflitos que lhe são peculiares.

Nessa experiência, procura viabilizar a expressão das pessoas e suas tentativas de resolução

dos conflitos. Por meio desse método trabalha-se com a dramatização de cenas pelos

participantes ou as interações de papéis sociais relativas ao sofrimento em questão. O efeito

________________

1- Com base nas noções aristotélicas de catarse dramática e nos conceitos de religiões orientais, Moreno elaborou

seu conceito de catarse como parte do processo psicodramático, que é gerada pela visão de um novo universo e

pela possibilidade de crescimento. A idéia de catarse de Moreno possui quatro direções: a somática, que é

estritamente física; a mental; a individual e a grupal (MORENO, 2003).

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terapêutico surge da catarse de integração² dos papéis sociais que são representados em ação

dramática ou na interação grupal, realizada num espaço cênico.

Portanto, o sociodrama é um método de pesquisa-ação que trabalha a relação dos

papéis sociais. Como todo papel possui sua face privada e sua face social é possível trabalhar

com o sociodrama em todas as situações de relação de papéis sociais em grupo. Assim sendo,

existem inúmeras possibilidades de trabalho com o sociodrama, como: nas organizações, na

educação, comunidade, família/casal, grupos terapêuticos e outros mais em que o grupo é o

protagonista e o papel social é que é trabalhado.

O sociodrama compõe-se de três contextos, cinco instrumentos e três etapas. Os três

contextos são: social, grupal e dramático.

O contexto social é constituído pela realidade social em que o grupo está inserido, tal

qual “como é”, pelo tempo cronológico, pelo espaço concreto e geográfico que ocupa.

Menegazzo, Tomasini e Zuretti (1992) definem o contexto social como sendo mobilizador das

interações dos papéis sociais e o discurso das pessoas que constituem o grupo como

sociedade, representa a sociedade circundante como se fosse uma miniatura dessa. Landini

(1998) relata que o contexto social caracteriza-se pelo grau de compromisso e de

responsabilidade com a realidade a que todos estão sujeitos, como as leis e regras

estabelecidas pela sociedade.

O contexto grupal também é constituído pela realidade grupal tal “como é”, pelo

tempo cronológico estabelecido, pelo espaço concreto delimitado. Nele, o diretor e demais

participantes constituem os elementos componentes do grupo e são suas interações que

compõem a trama do contexto grupal. É nesse contexto que se propõe e delineia o trabalho da

sessão. Para Menegazzo, Tomasini e Zuretti (1992) no contexto grupal são mobilizados as

interações e o discurso específico da pequena comunidade grupal, com suas particularidades e

singularidades, ao contrario do contexto social. Landini (1998) completa explicando que por

contexto grupal entendem-se tudo aquilo que se passa dentro da sessão, nesse contexto

também entram as regras que o próprio grupo estabelece, como, por exemplo, o do sigilo.

______________

2- O conceito de catarse de integração é introduzido por Moreno em oposição a catarse de ab-reação

psicanalítica. A catarse de integração ocorre quando o individuo, na psicoterapia, tem uma serie de

conhecimentos e percepções até que se unirem, formando um conjunto (Soeiro, 1995).

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O contexto dramático é constituído pela realidade dramática no “como se”. Para

compreensão deste contexto é preciso lembrar que nele tudo ocorre no “como se” do

imaginário e da fantasia. É onde o protagonista tece a sua história, cria e recria papéis

trabalhando ao mesmo tempo: presente, passado e futuro. É neste contexto que ocorre a

catarse de “integração”, a principal forma de cura do Psicodrama. Menegazzo, Tomasini e

Zuretti (1992) definem o contexto dramático como aquele desenvolvido no cenário, amparado

pelo simbólico e imaginário. Wechsler (1999) completa que nesse contexto o tempo e o

espaço fazem parte da dimensão subjetiva, embora vivido sobre um espaço concreto e

demarcado; que é nesse contexto que se é legalizada a realidade suplementar³, envolvendo o

adequado uso da imaginação, espontaneidade e criatividade.

Os autores Menegazzo, Tomasini e Zuretti (1992) completam a conceituação dos três

contextos, elucidando que a tentativa de comunicação no contexto social alude ao discurso

público, no grupal permite o discurso privado e que apenas no dramático é permitido que o

discurso íntimo se pronuncie melhor.

Os instrumentos sociodramáticos, citados por Orsoni (2009), de acordo com a teoria

moreniana, são: protagonista, ator central da dramatização, que no sociodrama é o grupo;

platéia, formada também pelo grupo e que tem a função de ressonância do que ocorre no

cenário, ajudando o protagonista; o cenário, espaço real e virtual onde ocorre a dramatização;

ego auxiliar, que tem função de ator, terapeuta auxiliar e de investigador social; e o diretor,

que coordena o trabalho grupal, trabalhando os papéis sociais e sendo produtor, terapeuta e

analista social.

A condução do sociodrama realiza-se em três etapas. A primeira é o aquecimento,

ela permeia todo o trabalho sociodramático na preparação do indivíduo e do grupo para atuar

de forma criativa e espontânea na dramatização. Essa etapa divide-se em dois tempos: o

aquecimento inespecífico, que pode ser verbal ou corporal, preparando o indivíduo/grupo para

a busca do tema e surgimento do protagonista; e o específico que prepara o

grupo/protagonista para a ação. Aquecer é propiciar o surgimento do espaço interno para a

espontaneidade e criatividade. É desligar os indivíduos/grupo das tensões do dia-a-dia para

_________________

3- Realidade suplementar, segundo Soliani (1998), é a realidade que o psicodrama trabalha a todo

tempo em que está dramatizando, é o conjunto das dimensões invisíveis da realidade, da vida

intrapsiquica do protagonista. Para o protagonista, é o plus de realidade que se permite, quando se

representam personagens da alucinação e delírio desse.

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focar nos assuntos a serem trabalhados. Aquecer o protagonista para que ele seja capaz de

perceber-se, de dar respostas adequadas, de ser espontâneo e criativo.

De acordo com Lipman (2008) a informação obtida durante o aquecimento permite

ao diretor e ao grupo identificar quem são as pessoas e quais temas estão presentes no aqui e

agora da estrutura grupal para serem trabalhados. Bustos (2005) lembra que existe uma

“regra de ouro” no psicodrama, que é ir do superficial ao profundo, e da periferia para o

centro e para isso é necessário o aquecimento adequado tanto do coordenador como do

protagonista. Sendo o aquecimento respeitado, a ansiedade inicial dá lugar à espontaneidade,

na qual se mesclam os conhecimentos e as vivências.

Não se pode pensar no aquecimento apenas para iniciar a etapa da dramatização, pois

o aquecimento se incorpora a todas as técnicas utilizadas durante a dramatização, no tempo

necessário para mudanças de papéis e cenas. Bustos (2005) reforça, ainda, que quanto mais

singelas forem as técnicas de aquecimento, mas eficazes serão seus resultados.

Na segunda etapa, que é a da dramatização, o tema é trabalhado em cenas dramáticas

na busca da catarse de integração. De acordo com Lipman (2008), com a dramatização o

grupo/protagonista tem a oportunidade de representar tudo que tenha ocorrido no passado, ou

no presente, assim como as coisas que acontecerão no futuro. Na dramatização são plantadas

as sementes de novos papéis, onde se inicia a prática de um comportamento diferente.

Bustos (2005) explica que a etapa da dramatização divide-se em algumas subetapas:

1) a montagem da cena, sempre dentro de um espaço e de um tempo. O tempo no psicodrama

é no presente do indicativo.

2) a investigação, que pesquisa e produz a cena, com o personagem presente nessa.

3) a elaboração, na que o protagonista/grupo percebe o que está se mostrando na

dramatização.

4) a resolução, a qual abre possibilidades de alternativas para o protagonista/grupo realizar

simbolicamente um desejo desse.

A terceira etapa é a do comentário, onde os integrantes do grupo compartilham o que

foi trabalhado. De acordo com Menegazzo, Tomasini e Zuretti (1992), Moreno denominou

assim a terceira etapa da sessão psicodramática, mas após trabalho conjunto com Zerka

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Moreno essa terceira etapa foi estruturada em dois tempos: o primeiro, o compartilhamento; e

o segundo, o comentário, propriamente dito, sendo esse último o momento dos

assinalamentos e das interpretações.

Como no sociodrama o protagonista é o grupo e não o sujeito individual, a terceira

etapa destina-se ao comentário, que reforça a compreensão do ocorrido na dramatização. De

acordo com Zampieri (2004), a fase do comentário do sociodrama visa, além das vivências

ocorridas, a possibilidade de articular essa experiência vivida à realidade objetiva de seus

contextos sociais. Soeiro (1995) pontua que na fase do comentário em lugar de se ater às

dificuldades inerentes ao indivíduo privado e aos seus traços de personalidade, deve-se

ampliar as dificuldades para todos os indivíduos na mesma situação e papel dramatizado.

No método sociodramático é importante pontuar ainda que deve-se compreende-lo

como um processo que é iniciado com o contrato grupal em que o tempo, duração e objetivos

das sessões são explicitados, além da liberdade de cada um, da participação voluntária e do

respeito incondicional pelo outros.

O método sociodramático deixado por Moreno recebeu contribuições de outros

psicodramatistas contemporâneos, alguns citados por Nery e Wechesler (2010), como

Monteiro, que sugere maior segmentação cênica da etapa de dramatização; Bustos e Perazzo

que delimitaram um manejo técnico visando a um encadeamento de cenas atuais para as

passadas; Cukier que enfatiza o aprofundamento dramático dos motivos causadores do

conflito atual por meio do aquecimento do protagonista para as lembranças dos antecedentes

históricos do conflito; os “recriadores” do teatro reprise, inspirado no playback theatre, de

Jonathan Fox que analisam a produção co-criada a partir do co-consciente e co-inconsciente

grupal e social, entre outros psicodramatista contemporâneos.

O método sociodramático trabalha conflitos intragrupo e intergrupos. Em um grupo

não psicoterápico trata-se o tema do grupo sem verticalizar os conflitos que surgem,

trabalham-se as circunstâncias e os papéis sociais no aqui e agora, como no caso de

sociodrama realizado em empresas, por exemplo. O sociodrama pode ser livre, quando

trabalha o tema que surge no aqui-e-agora do grupo, ou tematizado, em que um tema

específico é levado ao grupo como foco de trabalho.

Quando o sociodrama tematizado é de cunho político e ético, com valores sociais e

culturais esse se denomina axiodrama. Como definido por Aguiar (1998, p.46), “o axiodrama

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nada mais é do que um caso de sociodrama, em que se propõe a discussão cênica de um tema

de interesse coletivo”.

Enquanto o sociodrama trabalha o papel coletivo dos membros do grupo, nas

relações intergrupais a psicoterapia de grupo trata o grupo como um todo e cada um de seus

membros em seus mundos privados. Na psicoterapia de grupo utiliza-se da discussão verbal

de temas de interesse privado, que envolve todos do grupo.

Para entender a psicoterapia de grupo é preciso entender o que é grupo. De acordo

com Andaló (2006, p.35), grupo, vem do italiano ou do germano ocidental. No primeiro o

sentido original é nó, laço e no segundo significa mesa arredondada. “A primeira expressão

dá ideia de ligação, união e aprisionamento, refere-se ao grau de coesão dos grupos, e a

segunda traz a ideia de círculo, de um grupo de iguais”.

Da sua dimensão mais abrangente para sua aplicação psicoterápica, Ferreira (1986

apud Russo, 1999, p. 16) conceitua grupo da seguinte forma: “define-se por reunião de

pessoas, pequena associação ou reunião de pessoas unidas para um fim comum”, mas o

conceito de grupo, no contexto de psicoterapia de grupo, teve sua definição oficializada por

Moreno, no simpósio da Filadélfia, em 1932. Moreno (1999, p.13) define psicoterapia de

grupo como “uma forma de tratamento que se propõe, como tarefa, tratar tanto o grupo como

um todo, como cada um de seus membros através da mediação do grupo”

Para entendimento do surgimento da psicoterapia de grupo é importante antes entrar

no contexto histórico do surgimento dos grupos. Entre os séculos XIX e XX a humanidade

passou por mudanças com grandes progressos sociais e avanços tecnológicos, partidos

políticos de massa e doutrina do socialismo. Com a revolução industrial houve a migração das

pessoas para as cidades formando o fenômeno das multidões. A vida em grupo passou a ser a

realidade, que trouxe problemas tanto quanto oportunidades e avanços mais rápidos, que

favoreciam maior número de indivíduos (RUSSO, 1999).

Russo (1996) ressalta que Moreno, vivendo nesse contexto, percebeu a necessidade

de compreender melhor a humanidade utilizando os conhecimentos e entendimentos dos

fenômenos grupais. O primeiro trabalho de Moreno com grupo foi entre 1908 e 1910, quando

participa do movimento dos Wandervögel, em que jovens europeus buscavam o encontro com

a natureza e com a religiosidade. Desse movimento é que é fundada a Religião do Encontro.

Em 1913 inicia seu trabalho com grupos de discussão de prostitutas de Spittelberg, na Áustria.

Page 18: ESTUDO TEÓRICO SOBRE OS MÉTODOS SOCIÁTRICOS

18

Nesse trabalho ele prenuncia os rudimentos das futuras comunidades terapêuticas. Na mesma

época, Moreno cria o conceito do Encontro, que é um dos fundamentos teóricos utilizados

pela psicoterapia de grupo. Entre 1915 e 1917, durante a primeira guerra mundial, Moreno

desenvolve experiências grupais e sociométricas em campos de refugiados e hospital militar.

O ano de 1921 é marcado pelos ensaios teóricos e experiências vivenciais com grupos,

quando Moreno dirige seu primeiro sociodrama público – a primeira sessão psicodramática.

Nesse período outros estudiosos como Freud e Kurt Lewin avançam também em seus estudos

de grupo.

Russo (1996) sublinha, ainda, que na década de 30 fundamentam-se idéias e práticas

sobre a Psicoterapia de Grupo, tanto por parte de Moreno, que oficializa o termo Psicoterapia

de Grupo, no Simpósio da Filadélfia, como de outros estudiosos de grupo. Na década de 70

em diante são aprofundados os métodos psicoterápicos de grupos já existentes.

Segundo Knobel (1996), a partir de 1932, Moreno realiza, nos Estados Unidos, uma

pesquisa sobre a evolução e funcionamento dos grupos. Suas conclusões e sistema teórico

dessa pesquisa estão profundamente ligados a fenômenos universais que ocorrem entre os

seres humanos quando se relacionam. Ele cria a micro-sociologia que é capaz de analisar a

estrutura e a dinâmica dos pequenos grupos e a sociopsicologia que utiliza técnicas de ação,

que recebeu inicialmente a denominação de Sociometria e depois de Socionomia.

Moreno (1999) com suas observações quanto ao funcionamento dos grupos, descobre

uma série de princípios de funcionamento de grupos, que denomina de “leis”:

1) Lei Sociogenética, observa que as estruturas grupais evoluem da mais simples

para as mais complexas;

2) Lei Sociodinâmica, nos grupos a distribuição do afeto é desigual;

3) Leis das redes socioemocionais, existem estruturas relacionais estáveis que se

organizam dentro das correntes sociais em constante transformação, em

função de empatias mútuas;

4) Lei da gravitação social, que os grupos se aproximam ou se afastam, em função

das forças de atração ou de repulsão existentes entre eles.

Page 19: ESTUDO TEÓRICO SOBRE OS MÉTODOS SOCIÁTRICOS

19

Russo (1999) e Martin (1996) pontuam que em estudos do desenvolvimento de

grupos de bebês, Moreno observou que os grupos possuem características fundamentais que

seguem três fases:

1) isolamento orgânico, a partir do nascimento, caracteriza-se por um conjunto de

indivíduos isolados, cada um completamente absorvido em si mesmo;

2) diferenciação horizontal, onde cada um vê, examina, conhece o outro e também

se mostra. A ação é individual, mas voltada para os outros;

3) diferenciação vertical, em que alguns membros do grupo centralizam mais a

atenção, surgem os lideres e aqueles interessados em segui-los.

Psicodramatistas contemporâneos também realizaram estudos sobre o funcionamento

e evolução dos grupos. Fonseca (2000) expõe quatro fases na evolução da dinâmica dos

grupos, conforme sua interpretação do modelo de matriz de identidade de Moreno:

1) fase da indiferenciação, em que as pessoas não se conhecem, estão ansiosas e

temem a vida grupal. Referente à fase amorfa de Moreno;

2) fase do reconhecimento grupal, em que as pessoas começam a perceber-se e a

perceber os outros no grupo. Referente à fase do conhecimento recíproco de Moreno;

3) fase da triangulação, em que aparecem triângulos grupais, referente à fase de ação

de Moreno;

4) fase de circularização/inversão, em que surge uma identidade grupal, o eu-eles dá

espaço ao eu-nós. Referente a fase das relações mútuas de Moreno.

A teoria de Knobel (1996) faz justaposição com as fases de desenvolvimento dos

grupos de Moreno. Ela define como fase centrada da identidade, o momento de isolamento de

Moreno; como a apresentação das diferentes identidades, a diferenciação horizontal de

Moreno; e a centrada nas identificações, a diferenciação vertical de Moreno.

Na fase de isolamento orgânico, centrada na identidade de cada um de seus

membros, nessa fase há a indiferenciação (ou fase amorfa), por ser o primeiro encontro do

grupo, em que as pessoas não se conhecem, estão ansiosas e temem a vida grupal. De acordo

com Russo (1999) a atitude do diretor é de acolhimento e aceitação das pessoas e dos temas

Page 20: ESTUDO TEÓRICO SOBRE OS MÉTODOS SOCIÁTRICOS

20

trazidos. Filipini (2005) pontua que esse é o momento de trabalhar a integração e definir

contrato de trabalho.

Na diferenciação horizontal, momento de apresentação das diferentes identidades,

onde ocorre o reconhecimento grupal em que as pessoas começam a perceber-se e a perceber

os outros no grupo (conhecimento recíproco), com a intensificação do reconhecimento grupal

e as identidades se esclarecendo, ocorre a fase da triangulação em que aparecem triângulos

grupais ou sub-grupos (fase de ação). Nessa fase, segundo Filipini (2005), compete ao diretor

valorizar a diferença, a diversidade, requisitar ações variadas e em diferentes papéis,

possibilitar múltiplos contatos e propor atividades que aumentem a força e segurança dos

membros do grupo.

Na fase da diferenciação vertical, centrada na identificação, em que ocorre a

circularização/inversão (relações mútuas), segundo Knobel (1996) é nessa fase que surge os

líderes e a cooperação começa e ser possível, pois já existe a discriminação e aparecem

objetivos comuns a subgrupos. O clima oscila entre colaboração e disputa. Aqui cabe ao

diretor ajudar no aparecimento de lideranças, focalizar reciprocidades e objetivos comuns,

evidenciar e encaminhar divergências, ajudar ações baseadas nos objetivos do grupo, apontar

e impedir propostas que encaminhem o grupo a posições que contrariam o contrato inicial ou

objetivo do grupo, e encerrar a atividade do grupo. Para Filipini (2005) cabe ao diretor, nessa

fase, dedicar à integração dos novos e dos marginalizados, mas se uma pessoa não encontrar

seu lugar no grupo, o diretor deve ajudá-lo a sair.

Knobel (1996) ressalta que além de levar em conta os fenômenos relacionais básicos

e as fases de desenvolvimento do grupo, o diretor pode dirigir segundo três vertentes:

sociométrica, protagônica e da espontaneidade. A sociométrica utiliza procedimentos que

garantem a “fala” de todos do grupo. A protagônica quando a ação se origina de estados “co-

conscientes e co-inconscientes e de um projeto dramático comum, representante emocional

das relações estabelecidas entre os membros da sessão, ali está o questionador, o decifrador, o

modificador, o combatente do drama comum” (p. 58). E o da espontaneidade que provoca e

põe em ação estados espontâneos por meio de jogos dramáticos, ou de técnicas específicas.

Daí surge dramatizações coletivas de situações imaginárias, onde pode experimentar o lúdico,

o prazeroso, o novo, e o estético.

Page 21: ESTUDO TEÓRICO SOBRE OS MÉTODOS SOCIÁTRICOS

21

Martín (1996) analisa que toda a teoria de grupo desenvolvida por Moreno, possuía

dupla intenção: uma psicossociológica e a outra psicoterapêutica. A intenção

psicossociológico, segundo o autor, com o estudo do surgimento dos grupos, das relações

indivíduo-grupo e grupo-indivíduo, de suas características, de suas divisões, das leis de

interação, sem perder de vista nem o indivíduo nem o grupo. Em estudo da evolução das

obras de Moreno, Martin conclui que a intenção primordial dos estudos de grupo era a

abordagem psicoterapêutica desses.

A posição de Martín (1996), sobre a teoria de grupo desenvolvida por Moreno,

trabalha com o fator intenção ao julgar os estudos de grupo de Moreno. Martin pontua qual

foi a intenção de Moreno, mesmo sendo intenção um pensamento secreto e reservado, que não

configura uma certeza.

Para não fazer uso aleatório dos termos terapia e psicoterapia, deve-se recorrer a

Moreno (1999), quando ele estabelece a diferença entre terapia de grupo e psicoterapia de

grupo. Moreno define que o termo terapia de grupo é utilizado quando os efeitos terapêuticos

são secundários, como uma conseqüência não planejada da atividade principal do grupo, em

que os membros não dão consentimento explicita para serem tratados. Ele indica que a terapia

de grupo pode ocorrer em qualquer atividade grupal como em escola, igreja, empresa, entre

outros. O termo psicoterapia de grupo é utilizado quando a meta do trabalho é a saúde do

grupo e de seus membros, e essa meta segue padrões científicos de análise, diagnóstico e

prognóstico. Rassi (2005) salienta que o método científico utiliza-se da avaliação do

desempenho dos papéis e da capacidade em dar respostas espontâneas.

Rassi (2005) conclui que a teoria e o método psicodramático nos permitem trabalhar

com essas duas abordagens. A psicoterapêutica na qual o enfoque é nos aspectos

intrapsíquicos, e a terapêutica (socioeducativa) que o enfoque é no treinamento de papéis

sociais.

O trabalho com grupo, tanto terapêutico como psicoterapêutico, é vasto e vantajoso

em relação à abordagem individual. Knobel (2004) cita as vantagens que Moreno pontua para

a psicoterapia de grupo, como por exemplo, a de que no momento em que o grupo entra em

psicoterapia, a realidade social compartilhada por todos os participantes é introduzida,

mesclando assim os temas individuais com os coletivos. A autora cita também os

psicoterapeutas contemporâneos Neri e Yalom, que pontuam que uma das qualidades do

Page 22: ESTUDO TEÓRICO SOBRE OS MÉTODOS SOCIÁTRICOS

22

processo terapêutico em grupo é que seus participantes saem do isolamento e assim se

percebem como seres sociais pertencentes a um grupo. Vêem a possibilidade do paciente em

perceber que suas preocupações pessoais são universais, o que ajuda a melhorar as

habilidades sociais do paciente, que desenvolve técnicas de socialização.

Moreno (2003) esclarece que quando o locus da terapia passa do indivíduo para o

grupo esse se torna o novo sujeito da terapia; quando o grupo se decompõe em seus terapeutas

individuais, estes se convertem em agentes terapêuticos e o terapeuta principal passa a ser

parte do grupo; e, por meio desse processo o veículo da terapia é separado do agente de cura,

assim como dos agentes terapêuticos do grupo. Moreno conclui que devido à transição da

psicoterapia individual para psicoterapia de grupo, a psicoterapia de grupo inclui a

psicoterapia individual e com a transição da psicoterapia de grupo para o psicodrama este

inclui e envolve tanto a psicoterapia de grupo quanto a individual.

Quando na psicoterapia de grupo, surge a necessidade de sair apenas do verbal para

vivenciar na ação, por meio da dramatização a vivência que emergiu do grupo, o método de

trabalho passa da psicoterapia de grupo para o psicodrama. De acordo com Moreno (1999,

p.97) o “psicodrama é a terapia profunda de grupo. Começa onde cessa a psicoterapia de

grupo e amplia para fazê-la mais eficaz”.

Por outro lado está muito bem colocado por Blatner e Blatner (1996) que apesar do

psicodrama ser quase sempre utilizado em contexto grupal, ele não deve ser encarado como

um método apenas para psicoterapia de grupo pode ser aplicado em psicoterapia individual,

considerando algumas diferenças na condução do método. No entanto, eles enfatizam que

uma das principais vantagens do psicodrama é a utilização da tendência natural do ser

humano de interagir em grupos pequenos, ajuda o paciente a lidar com uma pessoa de cada

vez e a capacidade de lidar com duas ou mais simultaneamente.

O psicodrama é explicado por Drummond e Souza (2008) também como um método

em que a abordagem principal é a investigação das relações humanas e busca amenizar e

administrar os conflitos, por ventura existentes, para estabelecer uma rede relacional mais

saudável. O objetivo do psicodrama é desenvolver a habilidade de percepção, compreensão e

a intervenção em processos grupais e relações interpessoais. O psicodrama propõe tanto o

desbloqueio como o desenvolvimento do individuo para este atuar diante de situações novas e

também ter a possibilidade de dar respostas novas a situações já conhecidas.

Page 23: ESTUDO TEÓRICO SOBRE OS MÉTODOS SOCIÁTRICOS

23

O método é ainda exposto por Blatner e Blatner (1996) como método terapêutico que

possibilita operacionalizar a teoria, ao ajudar o paciente a compreender que ao ficar no lugar

do outro, torna-se possível o exame de aspectos diferentes de um problema e o

desenvolvimento de soluções mais criativas. O método ajuda as pessoas a estabelecerem

relacionamentos em tal nível que deles resulte maiores grau de intimidade e expressividade.

Os autores completam que o psicodrama como um método em que os pacientes dramatizam

os acontecimentos marcantes de suas vidas em vez de apenas falar a respeito deles.

Em relação à ação dramática, Moreno (2003) explica que o significado de drama

vem do grego, que é ação. Assim o psicodrama pode ser entendido como o método que

penetra a verdade da alma por meio da ação. Nesse sentido escreveu:

O psicodrama coloca o paciente num palco onde ele pode exteriorizar os seus

problemas com a ajuda de alguns atores terapêuticos. É um método de diagnóstico,

assim como de tratamento. Um de seus traços característicos é que a representação

de papéis inclui-se organicamente no processo de tratamento. Pode ser adaptado a todo e qualquer tipo de problema, pessoal ou de grupo, de crianças e de adultos. É

aplicável a todos os níveis de idade. Mediante ao seu uso, é possível chegar perto da

solução de problemas da infância, assim como dos mais profundos conflitos

psíquicos. O psicodrama é a sociedade humana em miniatura, o ambiente mais

simples possível para um estudo metódico da sua estrutura psicológica. Através de

técnicas como as do ego auxiliar, da improvisação espontânea, da auto-apresentação,

do solilóquio, da interpolação de resistência, revelam-se novas dimensões da mente

e, o que é mais importante, elas podem ser exploradas em condições experimentais

(p. 231).

O psicodrama compartilha da mesma base teórica que o sociodrama e a psicoterapia

de grupo, contendo também, os três contextos psicodramáticos e, como o sociodrama, contêm

os cinco instrumentos e as três etapas já abordadas nesse trabalho.

Datner (2005) esclarece que no psicodrama a dramatização é centrada no

protagonista, co–criado pelo restante do grupo. Ele é o representante emocional das relações

estabelecidas, o questionador, o decifrador, o modificador, o combatente do drama comum.

No entanto, no psicodrama, diferente do sociodrama, o instrumento protagonista, de

acordo com Moreno, Blomkvist e Rutzel (2001), se refere ao personagem principal da sessão.

Será sua historia que irá constituir as fundamentações para a dramatização espontânea e o

drama, apresentado a partir de seu ponto de vista. O protagonista não é o grupo, mas sim o

paciente que trabalha o tema escolhido pelo grupo.

Para que se desenvolva a dramatização o psicodramatista tem ao seu alcance várias

técnicas psicodramáticas. De acordo com Blatner e Blatner (1996, p.156), “uma classificação

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24

divide as técnicas de psicodrama em quatro grupos gerais: Básicas, Cenas Diferentes,

Resolução de Conflitos e Aquecimento.” Os autores explicam que técnicas básicas são

utilizadas para facilitar a maioria dos processos, dando como exemplo dessas técnicas: a

dramatização, o duplo, o solilóquio, espelho, amplificação, concretização, inversão de papéis,

entre outros. Já as cenas diferentes são usadas para aquecimento e ação, como exemplo: a

cena do berço, a loja mágica, o trabalho de sonho, projeção para o futuro, entre outras. As

técnicas de resolução de conflitos são, entre outras o treinamento de papel, a aproximação não

verbal e o role playing, Para as técnicas de aquecimento, foram citadas pelos autores a cadeira

auxiliar, segredos compartilhados, ações sociométricas, entre outras.

É importante pontuar que autores como Gonçalves (1998) expõem apenas três

técnicas como básicas, que são: duplo, espelho e inversão de papéis. A autora enfatiza que

Moreno relacionou essas três técnicas com três grandes estágios da matriz de identidade.

Explica também que apesar de Moreno comparar essas técnicas com as fases da matriz de

identidade, não significa que o processo psicoterapêutico tenha que submeter

preferencialmente a cada uma das três técnicas segundo as fases da matriz. O uso de cada

técnica deve ser escolhido de acordo com o momento, com a situação vivida.

Na terceira etapa do psicodrama, o compartilhamento, o grupo participa da

elaboração do conteúdo trabalhado pelo protagonista. Como lembrado por Bustos (2005), a

etapa do compartilhar não é apenas a hora de comentar a cena dramatizada, nesse momento o

grupo reaparece depois de ser relegado durante a sessão. O protagonista, após cumprir sua

missão de porta-voz, recebe o feedback de seu trabalho. É no compartilhamento o momento

de cada integrante do grupo sentir o que lhe foi tocado pela dramatização.

Nessa etapa não se fala mais do protagonista, cada um fala de si mesmo. Mesmo aqui

é necessário o aquecimento para que cada um dos participantes consiga voltar para si mesmo

e comentar a cena dramatizada a partir do seu próprio eu.

Menegazzo, Tomasini e Zuretti (1992) completam expondo que o momento do

compartilhamento possui dupla função: uma para os integrantes do grupo se expressarem

verbalmente e assim compartilharem a compreensão de seus próprios aspectos mobilizados

durante a dramatização e que tem a ver com a historia pessoal de cada um; e a outra é para o

protagonista que descobre que seu drama foi compartilhado e co-protagonizado por seus

companheiros de grupo, assim o compartilhamento permite fortalecer os vínculos no grupo.

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25

De acordo com Lipman (2008) é durante a dramatização que os membros do grupo

interagem entre si e com o protagonista, eles descobrem sentimentos e experimentam insights

sobre suas próprias vidas e relações com os demais e essas descobertas precisam ser

pronunciadas em voz alta, processadas e compartilhadas para interagir com a consciência

sociométrica do grupo. O compartilhamento ajuda o grupo a se unir novamente como uma

comunidade e a reexaminarem seus vínculos sociométricos com o protagonista e com os

demais.

A forma de trabalho dos métodos sociátricos, desenvolvidas por Moreno, se apóiam,

como reforçado por Marra e Costa (2004), na ação e no conceito da espontaneidade, pois são

o que permite ao indivíduo emitir respostas adequadas às relações de seu

contexto social. Os métodos sociátricos possuem como objetivo trabalhar os vínculos, tornar

os indivíduos mais espontâneos em suas relações, por meio do desempenho de papéis

saudáveis e relações télicas, para formar átomos sociais coesos.

Page 26: ESTUDO TEÓRICO SOBRE OS MÉTODOS SOCIÁTRICOS

26

CAPÍTULO II

CONCEITOS BÁSICOS DA SOCIONOMIA

A teoria psicodramática foi desenvolvida basicamente sobre quatro conceitos:

espontaneidade/criatividade, matriz de identidade, teoria de papéis e tele. Para conhecer e

aprender sobre os métodos sociátricos é necessário compreender esses quatros conceitos

básicos da teoria de Moreno.

A espontaneidade, considerada primazia na teoria de Moreno, é definida por ele

como a resposta adequada a uma nova situação ou a nova resposta a uma situação antiga. “A

minha definição operacional da espontaneidade é freqüentemente citada da seguinte maneira:

O protagonista é desafiado a responder, com certo grau de adequação, a uma nova situação

ou, com certa medida de novidade, a uma antiga situação” (2003, p.36). Moreno utilizava o

teste de espontaneidade para poder observar e medir o grau de adequação e de originalidade

da espontaneidade.

Drummond e Souza (2008) explicam que essa espontaneidade não pode ser

confundida com o conceito popular da palavra, que muitas vezes está ligado à falta de

educação ou rudeza. A espontaneidade de Moreno é a harmonia de uma resposta com o

momento vivido.

De acordo com Moreno (2003) existem quatro expressões características da

espontaneidade como formas relativamente independentes, que são:

1) qualidade dramática da resposta, que dá vivacidade e novidade a sentimentos,

ações e expressões verbais, que são repetições que o indivíduo experimentou milhares de

vezes antes;

2) criatividade, que é uma forma de transformar o mundo circundante, é produtivo;

3)originalidade, que é o livre fluxo da expressão, é acrescentar algo a forma original

sem alterar sua essência, ou seja, é uma expansão ou variação impar da conserva cultural4;

_________________

4-“Conserva Cultural é a expressão utilizada por Moreno para a cristalização de uma ação criadora em um

produto que passará a integrar o acervo cultural de uma determinada sociedade. É a matriz cultural, cientifica,

tecnológica, artística, lingüística, etc., onde é depositado a ideia criadora, para ser preservada.” (MENEGAZZO,

TOMASINI E ZURETTI, 1992, p.62).

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27

4) adequação da resposta, que é a capacidade da mobilidade, flexibilidade e adaptação

e que pode se manifestar de três formas: a) a não reação, b) uma velha resposta a uma nova

situação e c) uma nova resposta a uma nova situação.

Moreno ensina que a espontaneidade atua no aqui-e-agora e na evolução do ser

humano ela é provavelmente mais antiga que a sexualidade e a inteligência apesar de ser a

menos desenvolvida nas pessoas, por ser inibida e desencorajada pelas conservas culturais,

daí a necessidade do treinamento da espontaneidade. “O Homem tem medo da

espontaneidade, como seu ancestral tinha medo do fogo; teve medo do fogo até que aprendeu

a fazê-lo. O homem terá medo da espontaneidade até que aprenda a treiná-la” (MORENO,

1992, p.154).

Como Marra e Costa (2004) apontam, o objetivo primeiro da Socionomia é

desenvolver a espontaneidade e a criatividade. Proporciona assim, no indivíduo e no grupo, a

condição para o amadurecimento, a conquista da autonomia no sentir, perceber, pensar, agir,

despertando o ser ético.

Martin (1996) pontua que existem duas formas de tratamento terapêutico: a corretiva

para quando a doença já apareceu, e segundo ele, Moreno criou para esse caso as técnicas

terapêuticas, todas elas vinculadas à manifestação e ao desencadeamento da espontaneidade; e

a outra forma é a medicina preventiva que é para Moreno a educação da espontaneidade, ou

treinamento.

Blatner e Blatner (1996) esclarecem que para reintegrar a espontaneidade, Moreno

desenvolveu ideias e métodos para libertar os aspectos criativos no indivíduo e na sociedade.

Utilizam-se as palavras libertar e reintegrar, pois Moreno enfatizava que a criatividade é inata

de cada pessoa e que existe um potencial de espontaneidade em cada momento.

A espontaneidade e a criatividade são categorias diferentes, porém interdependentes.

Moreno (1992) enfatiza que as duas não são processos idênticos e nem similares, ele afirma

que são categorias diferentes apesar de estarem estrategicamente unidas. Esclarece que as

duas podem ser até mesmo diretamente opostas em alguns indivíduos que possuem muita

criatividade e baixa espontaneidade ou vice-versa. Explica que a criatividade é a substância e

a espontaneidade é o catalisador e que a criatividade sem a espontaneidade não tem vida e a

espontaneidade sem criatividade é vazia e abortiva, ou seja, a espontaneidade fomenta o

surgimento de algo novo, e o novo é criador.

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28

Nesse sentido, pode-se conceber a espontaneidade como a energia, a criatividade

como o ato do momento e a conserva cultural como o resultado.

O trabalho de Moreno busca o desenvolvimento tanto da criatividade como da

espontaneidade, pois os dois, apesar de serem categorias diferentes, se completam na saúde do

indivíduo e de suas relações, no desenvolvimento de vínculos autênticos entre grupos e entre

indivíduos. Como abordado por Blatner e Blatner (1996), a maioria das pessoas interagem de

maneira inautêntica, em parte por não saberem como agir de modo diferente.

Os métodos sociátricos possuem como objetivo de terapia a transformação dos

indivíduos em seres criativos, e se tornarem mais espontâneos em suas ações e relações,

responsáveis e conscientes de seus atos.

Vitale (1999) relata que começou a perceber que é no grupo, e não nas pessoas

isoladas que a espontaneidade/criatividade aparece, renasce e ressurge. Desse pensamento, ela

responde a pergunta de Moreno, Quem sobreviverá?, diz que sobreviverá quem conviver em

grupo de maneira espontânea e criativa. Nada melhor então, do que o trabalho com os

métodos sociátricos de Moreno para possibilitar o desenvolvimento espontâneo e criativo das

pessoas e grupos no meio em que vivem.

Como forma de demonstrar o resultado positivo dos métodos sociátricos no

desenvolvimento da espontaneidade, Pinto, Lima e Costa (2009) relatam que o trabalho

sociodramático realizado com crianças em um abrigo foi essencial, pois esse método permitiu

liberar a espontaneidade das crianças, flexibilizando suas percepções, ajudando a expressarem

seus afetos, desafetos e a reconstruírem a si mesmos.

Para conseguir que a espontaneidade flua e resulte em criatividade, é utilizado nos

métodos sociátricos a etapa do aquecimento, etapa que promove a liberação da imaginação do

grupo, e desse ponto caminha-se para o local onde flui a experiência da espontaneidade

resultando na criatividade. De acordo com Blatner e Blatner (1996) a criatividade confia na

imaginação para produzir soluções únicas, novas direções e resultados possíveis. Para eles o

ato criativo tem início na capacidade da pessoa de produzir várias mensagens internas e

externas para formular uma resposta com espontaneidade de decisão.

Observa-se utilização do aquecimento para o ato espontâneo, na teoria de Moreno,

em seus estudos sobre espontaneidade e desenvolvimento infantil. Ele classifica a situação do

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29

nascimento como a primeira fase no processo de aquecimento preparatório para os estados

espontâneos. De acordo com Moreno (2003) a natureza dotou o bebê com o fator e, para que

ele consiga passar da vida uterina para um universo inexplorado, com certa segurança.

Moreno correlaciona o aquecimento preparatório de situações psicodramáticas à

situação do nascimento, quando o primeiro aquecimento preparatório é por meio de auto-

arranques. Cukier (2002) traz a definição moreniana de auto-arranque expondo que são

provocações conscientes de um simples ato, que pode ser acompanhado de outras ações

voluntárias e involuntárias, como, por exemplo, o ritmo respiratório. O auto-arranque prepara

o indivíduo para uma situação, ação, que nos adultos podem ser físicos ou mentais.

Do aquecimento preparatório para atos espontâneos, passa-se para a ação dramática,

onde são utilizadas diversas técnicas, que se adéquam à necessidade do momento da cena do

protagonista. As técnicas básicas utilizadas durante a etapa da dramatização, desenvolvidas

por Moreno, são baseadas nas fases de desenvolvimento da matriz de identidade do bebê.

Matriz de identidade, de acordo com Moreno (2003), é a placenta social da criança.

Ela lança os alicerces do primeiro processo de aprendizagem emocional da criança, e o levará

consigo para a vida adulta.

Na matriz a relação do bebê com as pessoas e coisas que o rodeiam é de

coexistência, co-ação e co-experiência. Moreno (2003) explica que a matriz de identidade se

desenvolve gradualmente, à medida que o bebê vai ganhando sua autonomia, em que começa

a ganhar sua independência dos egos auxiliares. Moreno explica, ainda, que para que a criança

consiga desempenhar o papel do “outro” é necessário seu desenvolvimento, que se dá por

meio de várias fases, que se sobrepõem e operam conjuntamente.

Para Fonseca (2000) a primeira fase da matriz de identidade é a da indiferenciação,

onde a criança não se distingue do mundo, ela experimenta todos os objetos e pessoas como

coexistentes. A mãe é seu ego-auxiliar. Ocorre aqui a simbiose, onde a relação entre mãe e

bebê é ainda muito forte e ocorre por meio de díade. Essa fase deu origem à técnica do duplo,

em que o terapeuta adota a função do ego-auxiliar do paciente, como a mãe o do bebê. De

acordo com Cukier (1992), o objetivo do duplo é o terapeuta entrar em contato com a emoção

não verbalizada do paciente, e que ás vezes pode ser até não conscientizada, para auxiliá-lo a

expressá-la. Quanto mais o terapeuta estiver identificado com o paciente, melhor ele fará o

duplo.

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30

Fonseca (2000) pontua que a segunda fase ocorre o reconhecimento do eu, em que a

criança concentra sua atenção no outro, outra parte, e estranhando parte de si mesma. Já na

terceira fase ocorre o reconhecimento do tu, em que a criança ignora o outro, separa o outro,

outra parte, dele mesmo e concentrando-se em si mesma. Essas fases são as fases do espelho,

que corresponde à técnica do espelho. Cukier (1992) a explica como o terapeuta se coloca na

postura física que o paciente assume, como se fosse uma fotografia daquele momento, para

que o paciente olhe para si mesmo, de fora da cena, e perceba todos os aspectos presentes no

momento e sua reação frente a esses aspectos, como forma de melhorar a auto-percepção.

De acordo com Fonseca (2000), a quarta fase é a da tomada de papéis em que a

criança e o outro estão presentes, juntos. E ela toma o papel do outro, já representa o papel do

outro, da outra parte, mas ainda não permite que o outro tome o seu. Aqui ocorre a

triangulação, onde a criança percebe que não existe apenas o eu e o tu, mas também um ele.

Nessa fase a criança está preparada para socialização, a relacionar-se com mais pessoas. E

essa é a fase da tomada de papéis.

O autor pontua que na quinta fase ocorre a inversão de papéis, fase em que já há a

concomitante troca de papéis entre a criança e a outra pessoa, ela representa o papel do outro,

como uma outra pessoa, e que por sua vez, representa o seu papel, completando nessa fase o

ato de inversão de identidade. A técnica dessa fase é a inversão de papéis. Cukier (1992)

explica que Moreno dizia que a inversão ou troca de papéis era o motor propulsor do

psicodrama, pois propicia a vivência do papel do outro e o emergir de dados de seu próprio

papel por meio do outro. A autora pontua a controvérsia que existe a respeito de tomada de

papel e inversão de papel e explica que para alguns psicodramatistas só ocorre a inversão de

papéis quando as duas pessoas envolvidas estão presentes na sessão.

É importante esclarecer que Moreno, diferentemente do exposto por Fonseca,

estrutura a matriz de identidade em dois universos. A característica do primeiro universo é a

identidade total, ou seja, a criança não diferencia fantasia de realidade. E a característica do

segundo universo e a brecha entre fantasia e realidade, ou seja, a criança já faz a distinção

entre o que é fantasia e realidade, quem é ela e quem é o outro. Assim, demonstra que está

preparada para a inversão de identidade.

O desenvolvimento dos papéis da criança perpassa os dois universos e segundo

Moreno (2003, p.112) dividem-se em cinco fases:

Page 31: ESTUDO TEÓRICO SOBRE OS MÉTODOS SOCIÁTRICOS

31

A primeira fase consiste em que a outra pessoa é, formalmente, uma parte da

criança, isto é, a completa e espontânea identidade; a segunda fase consiste em que a

criança concentra a sua atenção na outra e estranha a parte dela; a terceira fase

consiste em separar a outra parte da continuidade da experiência e deixar de fora

todas as demais partes, incluindo ela mesma; a quarta fase consiste em que a criança

situa-se ativamente na outra parte e representa o papel desta; a quinta fase consiste que a criança representa o papel da outra parte, a respeito de uma outra pessoa, a

qual, por sua vez, representa o seu papel. Com esta fase, completa-se o ato de

inversão de identidade.

De acordo, ainda, com o autor estas fases são o ponto de ancoragem psicológica para

todos os processos de interpretação de papéis.

Seixas (2004) expõe que a criança a partir na indiferenciação total com o mundo vai

lentamente se separando dos outros e por meio da espontaneidade vai assumindo os papéis

sociais que a matriz lhe oferece. Esses papéis vão sendo elaborados para se acrescentarem em

suas características pessoais. A maturidade social da criança se dá quando ela consegue

inverter papéis, sendo capaz de ver o outro pelos olhos dele.

No trabalho realizado por Rassi (2005) com um grupo de gestantes é percebido, nas

cenas dramáticas apresentadas, a influência das vivências da matriz identidade de suas

integrantes. Rassi relata que o modelo de mãe, internalizado por cada uma daquelas mulheres,

influenciava a forma como desenvolviam o papel de mãe. Por meio do trabalho

psicodramático com o grupo foi possível devolver a originalidade e a criatividade para

retomarem a adequação no desempenho do papel de gestante.

No trabalho de Pinto, Lima e Costa (2009) realizado com grupos de crianças em um

abrigo, percebeu-se a influência da experiência da matriz identidade de cada criança na forma

como lidavam com os outros. Crianças que tiveram contato inicial com a mãe biológica ou

outra figura materna traziam lacunas na fase primitiva da matriz identidade, sendo facilmente

visível na atitude de se aproximarem de qualquer pessoa pedindo para morar com ele. De

acordo com as autoras a falha na aprendizagem do sentido de proximidade e distanciamento

comprometeu a definição de fronteiras emocionais naquelas crianças o que as impediam de

evoluir para a segunda fase da matriz, para serem capazes da inversão de papéis. As crianças

que chegaram ainda bebês eram carentes de canais de expressão, pois não haviam

desenvolvido o nível psicossomático. As autoras desse trabalho utilizaram o método

sociodramático, com a teoria da matriz de identidade para desenvolver nos participantes do

grupo possibilidade de reconstrução de vínculos sadios.

Page 32: ESTUDO TEÓRICO SOBRE OS MÉTODOS SOCIÁTRICOS

32

Para Fonseca (2000) é continuidade da matriz de identidade que de certa forma

estrutura do átomo social da criança. Explica que como a matriz representa o mundo de

relação afetiva da criança, o seu átomo social se tornará a rede de relacionamentos afetivos do

adulto. Essa rede social não é composta apenas pelos familiares do indivíduo, pois no átomo

incluir-se-ão outros seres de outras matrizes de identidade.

De acordo com Moreno (2003) o átomo social do indivíduo é um entrelaçamento de

afinidades entre ele e certo número de indivíduos e coisas. Cukier (1992) apresenta o jogo

dramático do átomo social como uma técnica de investigação dramática do átomo social, para

explorar o contexto sociométrico que o paciente está se referindo, conhecendo seus vínculos

afetivos, seus relacionamentos interpessoais, sua relação com os indivíduos e coisas que

fazem parte de seu átomo. Completa dizendo que é um recurso útil para início de terapia.

O átomo social, de acordo com Moreno (2003), é constituído pelos vínculos dos

papéis e contra-papéis desempenhados pelo indivíduo com o mundo que o cerca. O papel é a

forma de funcionamento que o indivíduo assume numa situação e momento específico em

relação a outras pessoas ou objetos e contra-papel é a forma como corresponde, ou melhor,

completa o papel que o outro indivíduo atua na relação com esse.

Moreno (2003) define o papel como uma unidade de experiência sintética em que se

fundiram elementos privados, sociais e culturais. Ele completa dizendo que nas sessões

psicodramáticas observa-se que um papel é uma experiência interpessoal que necessita

sempre de dois ou mais indivíduos para ser realizado.

Em sua teoria de papéis, Moreno (2003) classifica os papéis em três categorias: o

papel psicossomático, o psicodramático e o papel social. O locus onde surgem os papéis é a

matriz identidade, o primeiro a desenvolver é a psicossomático, ou fisiológico, que inclui

atividades como comer e dormir, nesse papel a criança experimenta o “corpo”. Mezher (1980)

questiona a validade do conceito de papel psicossomático devido a inexistência do contra-

papel nesse. Ele questiona a propriedade da noção de papel psicossomático de Moreno a partir

dos conceitos de zona corporal e papéis familiares e propõe que seja feita a substituição

parcial do conceito de papel psicossomático para zona corporal em ação e completa que essa

funciona em relação ao mundo e está incluída na relação mãe-filho e outros papéis familiares.

Já os papéis psicodramáticos, ou psicológicos são aqueles desempenhados na

fantasia, ajudam a experimentar a “psique”. Concomitante a estes papéis desenvolvem-se os

Page 33: ESTUDO TEÓRICO SOBRE OS MÉTODOS SOCIÁTRICOS

33

papéis sociais, que incluem papéis ocupacionais, que contribuem para produzir a sociedade.

Moreno (2003) explica ainda, que os “eus” fisiológicos, psicodramáticos e sociais formados

na matriz de identidade, são apenas “eus” parciais e que o eu integrado, inteiro, só vai ser

formado anos depois, após o desenvolvimento gradual de vínculos operacionais e o indivíduo

ter identificado e experimentado vários papéis das três categorias.

O indivíduo, no desenvolvimento e construção do seu eu, experimenta várias formas

de relações e desempenho de papéis. Tomar consciência de sua gama de papéis e das

diferentes formas que os papéis são desempenhados é fundamental para a construção do eu

criativo e espontâneo.

Perceber e entender os papéis e contra-papéis desempenhados pelos indivíduos na

relação, ajuda a trabalhar o que está cristalizado, o que prejudica a saúde da relação. É

importante perceber que todo relacionamento consiste de diversos papéis e contra-papéis e

isso leva, com frequência, a conflitos entre os papéis competentes, como o da mãe que precisa

proteger o filho e também a encorajá-lo a assumir riscos.

Rassi (2005), em seu trabalho com gestantes, deixa clara a existência de conflitos

dentro de um mesmo papel. Ela trabalhou o “papel gestante” das participantes utilizando a

teoria de papéis para fornecer recursos necessários, na ação dramática, buscando a

transformação das respostas cristalizadas das gestantes, que estavam prejudicando a

espontaneidade, tanto na dimensão individual como na social dessas. O trabalho foi voltado

para o papel, ou facetas do papel de gestante que estavam cristalizados, não para o eu

unificado das participantes.

Trabalhar formas mais adequadas de desempenho de papel é possível, pois, o papel é

aprendido e pode ser revisto. Blatner e Blatner (1996) ressaltam que as pessoas podem variar,

modificar e redefinir seus papéis. O trabalho do papel em uma relação, leva também ao

trabalho do contra-papel do outro na relação, pois, como os papéis são, em sua maioria,

contratos sociais, é necessário que os outros aceitem se comportar de maneira reciprocamente

compatível e atuar no seu contra-papel, para que o papel do outro se consolide. Dessa forma,

o papel só existe mediante presença do contra-papel e ao trabalhar um papel, em determinada

relação, o contra-papel também é trabalhado.

O desenvolvimento de papéis mais saudáveis e adequados reflete na saúde da

relação, no vínculo também mais saudável e adequado, pois o contra-papel também é

Page 34: ESTUDO TEÓRICO SOBRE OS MÉTODOS SOCIÁTRICOS

34

trabalhado. A relação saudável significa uma relação télica, em que há reciprocidade e

mutualidade de afeto e percepção entre os envolvidos.

Moreno (1999) esclarece que o tele é fundamento de todas as relações interpessoais

sadias. Em seus estudos com grupos a coesão do grupo era definida como uma função da

estrutura do tele. Tele é definido por ele como “uma ligação elementar que pode existir tanto

entre indivíduos como, também, entre indivíduos e objetos” (p.45).

Pode-se entender o tele, de acordo com Blatner e Blatner (1996), como um termo

genérico para todos os fatores que dão conta das preferências entre as pessoas. Ele representa

o senso de preferência em todas as suas permutações. O tele é medido pela sociometria, o seu

estudo, para o entendimento e conhecimento dos estudiosos, os tornam mais sensíveis aos

motivos de suas preferências, sendo elas de atração ou repulsão.

Os autores salientam que a melhor percepção das preferências torna possível

discutir, negociar e encontrar alternativas criativas em relação às áreas de conflito das

relações. A consciência das razões do tele ajuda a evitar tendência de superidealizar ou

desvalorizar uma pessoa em seu todo, tendo em mente que ela pode ser apreciada mais em um

papel e menos em outros.

É importante entender a diferença entre tele e transferência. De acordo com Russo

(1999), o tele é a unidade mais simples de sentimento que se transmite entre os indivíduos. É

o fundamento dos relacionamentos saudáveis e dessa forma essencial na psicoterapia.

Transferência já é a percepção distorcida do indivíduo em relação a ele mesmo e aos outros,

devido às necessidades e fantasias dele.

Para a definição exata do conceito tele, Perazzo (1994) destaca que existe

dificuldade por parte dos psicodramatista, pois não há referência bibliográfica suficiente sobre

o tema para esclarecê-lo, que também é dificultado pela imprecisão conceitual de tele por

parte de Moreno. Da confusão conceitual o autor pontua uma contradição entre teóricos

quanto à existência ou não de tele para objetos e destaca que usualmente o conceito de tele é

definido em dois pólos distintos. Um dos pólos como um fator responsável pela força de

coesão de um grupo ou estabilidade da relação desse e o outro como um canal de

comunicação e expressão desobstruído de transferências e que viabiliza o encontro. Ele

conclui que o conceito tele se desloca entre esses dois pólos sem se definir claramente por

nenhum, sendo que o segundo faz parte do primeiro. Sua posição mais atual é que a tele é

Page 35: ESTUDO TEÓRICO SOBRE OS MÉTODOS SOCIÁTRICOS

35

focada na co-criação que viabiliza um projeto dramático desenvolvido na complementaridade

de papéis dentro de um campo sociometrico.

Com o levantamento das teorias e dos conceitos básicos da socionomia, realizado

neste estudo, é possível confirmar que os métodos sociátricos propiciam aos participantes de

grupo, psicoterápicos ou não, a percepção verdadeira dos vínculos e as interferências

cruzadas; os mitos que encobrem as realidades não desejadas; e que os participantes desses

grupos possam se enxergar, mutuamente, sem falsas imagens, pois o desenvolvimento

espontâneo e télico das relações são trabalhados por meio dos métodos sociátricos.

Fonseca (2000) completa, que em termos psicodramáticos, o objetivo da terapia é

propiciar o nascimento de relações télicas, ou permitir o encontro. O autor explica o termo

“relações télicas” como o conjunto de processos perceptivos que permitem uma valorização

correta das relações.

No trabalho com o sociodrama, o psicodrama ou a psicoterapia de grupo o fator tele

será sempre necessário na relação terapeuta-paciente, paciente-terapeuta; grupo-paciente e

paciente-grupo. Por meio da relação télica é possível desenvolver o trabalho que cada um dos

três métodos acima se propõe a fazer.

Page 36: ESTUDO TEÓRICO SOBRE OS MÉTODOS SOCIÁTRICOS

36

CAPÍTULO III

ILUSTRAÇÃO DOS MÉTODOS SOCIÁTRICOS POR MEIO DE CASOS

O trabalho terapêutico que Moreno propôs fazer com grupos pode ser realizado,

como já abordado neste estudo, pelo sociodrama, pela psicoterapia de grupo e pelo

psicodrama. Métodos que têm como princípio os mesmos conceitos e metodologia de

trabalho, possuem uma linha divisória tênue entre eles. Para os psicoterapeutas principiantes

essa tenuidade faz com que eles corram o risco de perder o domínio técnico em uma sessão

psicoterapêutica transpondo de um método ao outro sem controle do objetivo de trabalho do

grupo.

É necessário conhecimento teórico e domínio das técnicas utilizadas para perceber e

dirigir o grupo, seja ele sociodramático, psicodramático ou simplesmente uma psicoterapia de

grupo. Os três métodos ajudam os indivíduos a aprenderem mudar de papéis, tornam possível

o exame de aspectos diferentes de um problema e o desenvolvimento de soluções mais

criativas. Ajudam os indivíduos a trabalharem suas relações e estabelecerem vínculos com

maior grau de intimidade e expressividade.

Como pontuado por Davoli (1999), a relação indivíduo/grupo é uma unidade e

impossível de ser estudada ou trabalhada isoladamente. São fundamentadas pelo conceito de

átomo social, papel, espontaneidade e tele. O sociodrama e o psicodrama utilizam-se do

mesmo procedimento sociopsicoterapêutico, o que faz a diferença entre eles é o interesse e/ou

a necessidade do grupo que participa.

De acordo com Moreno (2003) a abordagem de grupo no psicodrama é referente a

problemas privados de cada um dos indivíduos que constituem o grupo, mas quando os

indivíduos são tratados como representantes coletivos de papéis da comunidade e de relações

de papéis o psicodrama converte-se em sociodrama, que analisa e trata problemas sociais.

Moreno (2003) ainda completa que o papel privado e o papel coletivo não podem ser

verdadeiramente separados, que sempre que alguém tiver retratando seu papel privado, de

mãe, por exemplo, entra nessa representação o papel de mãe em geral, no contexto social.

Dessa forma os espectadores do psicodrama são afetados simultaneamente pelo problema

pessoal daquela mãe e pelo papel social no padrão ideal de sua conduta. Nota-se aqui a linha

Page 37: ESTUDO TEÓRICO SOBRE OS MÉTODOS SOCIÁTRICOS

37

tênue para o terapeuta dirigir a trabalho com a mãe, papel sociodramático, ou uma mãe, papel

psicodramático.

Moreno (2003), para esclarecer a diferença de direção entre os dois métodos, pontua

que numa sessão de psicodrama a atenção do diretor concentra no indivíduo em seus

problemas privados, pois o diretor tem como propósito alcançar cada indivíduo em sua

própria esfera. O diretor usa a abordagem de grupo apenas para atingir terapeuticamente mais

de um indivíduo na sessão. “Os espectadores do psicodrama são afetados pelos atos

psicodramáticos na proporção das afinidades existentes entre os seus próprios contextos de

papéis e o contexto do papel do sujeito central” (p.411). Na sessão psicodramática existe o

limite até onde o método pode ir à busca de fatos e na resolução de conflitos interpessoais

para não tornar-se um sociodrama. No psicodrama as causas coletivas podem ser tratadas

apenas em sua forma subjetiva.

Uma sessão psicodramática em que duas famílias vizinhas compareceram para

ajustar um problema, foi citada por Moreno (2003) para ilustrar em que ponto um psicodrama

precisa se transformar em um sociodrama.

O caso é de duas famílias vizinhas de uma cidade pequena que estavam em uma

briga por causa de um muro danificado que separava suas casas. Moreno relata que na terceira

cena já foi possível descobrir a causa do muro danificado, uma tempestade que derrubara o

muro. Mas mesmo após a explicação da causa do muro danificado as hostilidades entre as

duas vizinhas não foram resolvidas. Após uma breve pausa, que Moreno chama de catarse

temporária na cena da explicação da causa do muro danificado, a disputa prosseguiu e na cena

seguinte causas mais profundas vieram à tona. Um dos vizinhos, de ascendência italiana,

pertencia a um sindicato que o outro vizinho, de ascendência polonesa, considerava estar

abalando o bem-estar social do país. Após a resolução da questão do muro, Moreno relata

que tentou resolver as divergências de opinião política entre as duas famílias, mas conseguiu

obter apenas êxito parcial. Nesse ponto, nasce o sociodrama, em que os conflitos estavam

envolvendo fatores coletivos, precisava utilizar um método com foco sobre os fatores

coletivos.

As duas famílias e o grupo participante da sessão poderiam trabalhar o conflito de

divergência de opinião política por meio do sociodrama. O diretor de um sociodrama, com o

tema definido, pode no início do trabalho questionar quais dos participantes querem

Page 38: ESTUDO TEÓRICO SOBRE OS MÉTODOS SOCIÁTRICOS

38

representar os papéis existentes. De acordo com Moreno (2003) qualquer um pode ser o

veículo para o desempenho desses papéis, pois não é necessário preparo e enredo básico. O

sujeito nessa situação não é uma pessoa, mas sim o grupo, não se considera, por exemplo, um

negro individual, mas todos os negros, ou todos os cristãos. O sujeito retrata uma experiência

coletiva, sendo um ego-auxiliar extensor emocional de muitos egos.

Nesse contexto, no sociodrama, diferentemente do psicodrama, não há identificação

do espectador com o autor que está no palco. Moreno (2003) relata que o que ocorre é a fase

da identidade coletiva, pois não existe diferença alguma entre espectadores e autores, todos

são protagonistas. No psicodrama trabalha-se problemas pessoais, o sujeito é tratado como

pessoa específica em seu mundo privado, ele próprio tem que ser o protagonista da cena.

Ocorre a identificação entre espectadores e ator que está no palco, pois existem algumas

diferenças entre os espectadores e o personagem retratado, diferenças de seus mundos

privados que encontram suas semelhanças.

Soeiro (1995) reforça que no sociodrama o diretor deve visar sempre à dinâmica do

grupo e não se ater a um protagonista de forma fixa, como ocorre no psicodrama. O autor

esclarece que quando existe uma situação grupal em que um indivíduo traz um tema, esse

indivíduo pode dramatizar, mas na fase de comentários o tema deve ser levado a todos os

integrantes do grupo. Como exemplo o autor relata o caso de um grupo de engenheiros em

que um engenheiro relata sua dificuldade de tratar com os peões. Desse relato faz-se uma

dramatização onde ele mostra como trata os peões, que apresentam uma série de dificuldades.

Na fase do comentário, em lugar de se ater às dificuldades inerentes apenas aquele engenheiro

e seus traços de personalidade ampliaram-se as dificuldades para todos os indivíduos em

situações de confronto com os peões. Dessa forma, saiu-se da questão privada do indivíduo e

de suas dificuldades particulares para as dificuldades do grupo de engenheiros em situação de

confronto com peões e focou-se no coletivo.

No sociodrama, como exposto por Datner (2005), existe o princípio da ação co-

decidida, co-planejada e co-desenvolvida. Os participantes do grupo e os profissionais desse,

todos juntos, buscam as melhores alternativas de transformação e delas escolhem um percurso

viável, pois no sociodrama o sujeito é o grupo, se trabalha o coletivo, papel social que todos

vivem. Enquanto no psicodrama a ação fica por conta apenas do sujeito protagonista, pois se

trabalha o seu eu privado.

Page 39: ESTUDO TEÓRICO SOBRE OS MÉTODOS SOCIÁTRICOS

39

Drummond e Souza (2008) elucidam que tanto o psicodrama quanto o sociodrama

têm como proposta trazer leveza e maior alegria à arte de conviver. A proposta é trabalhar os

vínculos, tanto das relações dos papéis sociais quanto dos privados. Esclarecem que os

vínculos ocorrem por meio de ações, e quando estas são explicitadas e percebidas os

indivíduos envolvidos podem refletir sobre elas, o que permite mudanças de comportamento e

pensamento, tornando as relações mais saudáveis.

Andaló (2006) completa que as duas abordagens contam com o recurso da

dramatização, que se constitui em objetivar a subjetividade, à medida que permite sair do

nível meramente discursivo e verbal para explorar aspectos corporais e expressivos,

colocando os sujeitos em ação.

Enquanto o sociodrama trabalha, por meio da dramatização, o grupo e seus papéis

sociais, a abordagem do psicodrama, como a psicoterapia de grupo, trabalha as relações

interpessoais e mundos privados. Como exposto por Moreno (1999) a psicoterapia de grupo

trata as relações interpessoais e os problemas psíquicos de vários indivíduos de um grupo por

meio do conceito do encontro que permite que os indivíduos do grupo se vivenciem, se

compreendam cada um com todo o seu ser.

De acordo com Moreno (1999) o psicodrama ocorre quando na psicoterapia de grupo

ocorre uma vivência tão intensa que não possa ser expressa apenas pelas palavras e/ou precise

ser vivida além dos limites que a realidade social impõe. Dessa situação surge a necessidade

de sair do verbal e ir para a ação, dramatizar a vivência que emergiu do grupo.

A tarefa do psicodrama é ultrapassar a verbalização e as discussões do grupo em

quanto psicoterápico, é deixar os sentimentos e pensamentos do grupo ganhar conteúdo por

meio da dramatização. A sessão pode iniciar com verbalização de conteúdos dos integrantes

do grupo e continuar apenas na verbalização, ocorrendo a psicoterapia de grupo. Ou da

verbalização de um problema pode surgir à necessidade de tornar a situação mais viva. Como

pontua Moreno (1999), o problema verbalizado por um indivíduo é dividido pelos outros

membros do grupo com tanta intensidade que o indivíduo se transforma em um representante

em ação do conflito exposto. É nesse ponto que ocorre a transformação natural e espontânea

de uma simples sessão de psicoterapia de grupo em um psicodrama de grupo.

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40

Moreno (1999) adverte que podem ocorrer casos de psicoterapeutas de grupo que

tentam impedir o desenvolvimento da verbalização para a ação, pelo medo do que o grupo

possa ter de ações espontâneas que levem ao surgimento de uma dinâmica mais profunda.

Essa atitude pode ocorrer também com psicodramatistas principiantes, que preferem

manter a sessão na verbalização pelo medo ou falta de capacidade de manejos das técnicas

psicodramáticas na dramatização, o que pode empobrecer o trabalho psicoterapêutico do

grupo. Como exposto por Moreno (1999), não se pode deixar ao acaso a realização do

impulso para a ação e se contentar com intermináveis discussões.

Alves (1999) cita uma situação de psicoterapia psicodramática em que se pode

observar o momento da transformação natural e espontânea da psicoterapia de grupo em

psicodrama. O autor descreve a situação de início de uma sessão, e o fato do terapeuta, como

de praxe, dirigir-se à sala de espera de seu consultório para recepcionar os integrantes do

grupo e aproveita para ouvir parte da conversa que se estabelecera ali. Conversavam sobre os

filmes que assistiram e que concorreram ao Oscar. Dos interesses da mídia e do provável

vencedor. O autor pontua que nesse momento dá-se o primeiro contato do diretor

psicodramático com o tema protagônico da sessão – ganhar ou perder?

Na recepção enquanto os integrantes do grupo esperavam já ocorria um aquecimento

inespecífico para surgir um tema protagônico. O autor continua relatando, que quando todos

entram no consultório o assunto continua mais um pouco. Segue-se um curto silêncio que é

identificado pelo autor como o início do contexto terapêutico. Faze-se algumas perguntas

referentes a questões tratadas nas sessões anteriores e um dos elementos do grupo relata um

possível desemprego. O autor nomeia esse integrante de Daniela, que questiona a respeito de

nunca progredir em sua profissão. Alves (1999) explica que nesse momento o desemprego é

uma ameaça generalizada no país e o grupo solidariza-se e fica envolvido com Daniela – têm-

se aqui o contexto social e o grupal. O autor pontua que o tema protagônico se desenvolve em

ganhar ou perder, permanecer ou recomeçar? Nesse momento o grupo incentiva o tema e o

diretor propõe o trabalho dramático, com a proposta de uma primeira cena, de um encontro

entre Daniela e seu papel profissional.

Houve nesse ponto a transição natural da psicoterapia de grupo para o psicodrama,

quando saiu da simples verbalização do conflito de Daniela para a dramatização desse

conflito. O psicoterapeuta poderia não propor o trabalho dramático ou o grupo e/ou a

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41

protagonista do momento negar o trabalho dramático e a sessão continuar apenas na

verbalização do tema protagônico, tendo-se assim uma sessão de psicoterapia de grupo.

A sessão continua com Daniela preparando a cena do encontro com seu papel

profissional, na qual requisita outra integrante do grupo, Renata, como ego-auxiliar do papel

profissional privado de Daniela. Aqui, Daniela, sendo o sujeito central do tema que trabalha

seu papel privado, como protagonista escolhe seus egos, diferente do sociodrama que todos os

integrantes co-participam, planejam e desenvolvem a cena.

Ocorre a identificação dos integrantes do grupo com a situação de Daniela, seus

medos privados da situação exposta. Mas como o contexto social do grupo é de instabilidade,

pelo desemprego generalizado, nesse ponto da sessão, poderia desenvolver-se um sociodrama

para trabalhar a papel coletivo do emprego/desemprego e na fase do comentário abrir o tema

para todos os integrantes.

Na seqüência da sessão, Renata recusa-se à solicitação, pois estava triste por

descobrir que havia uma rival ameaçando seu casamento. O grupo então se volta a Renata

para saber o que aconteceu e desinteressa-se por Daniela. O autor pontua que o contexto da

sessão ainda é grupal, que não se fez dramático, não houve ainda a escolha do protagonista.

Respeitando Daniela e o aquecimento que já se iniciara para a ação, o diretor convida

Renata a vir ao palco e segura às mãos de Daniela e Renata para assegurar a continência entre

elas e endereça a palavra ao grupo, expondo que o tema central, de ameaça de perder uma

pessoa, um papel, uma função é de todos daquele grupo, que qualquer um deles poderia se

encarregar de desenvolver o tema dramaticamente. A atitude do diretor confirma que o

protagonista será a personagem que surgir no contexto dramático, um representante de todos

que questionará e buscará a transformação da questão proposta.

Daniela e o grupo escolhem por Renata para ser a protagonista do tema, relatando

que trabalhando o problema de Renata irá ajudar ao grupo e Daniela também. O diretor se

volta a Daniela e a prepara para seu retorno a platéia pedindo a ela sugestões de cena para

Renata, como meio de manter a cumplicidade entre as duas. Daniela propõe uma cena de

Renata conversando com seu marido. Renata aceita e escolhe o tipo de cena, com ciúmes e

cheia de agressão, dizendo que o pior é a sensação que ela tem de indefinição e confusão. O

diretor então propõe que Renata comece por essa sensação, pedindo o consentimento de todos

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42

do grupo. Renata não consegue entrar em contato com a sensação, o diretor então propõe que

ela seja a própria confusão.

Na troca do foco da sessão de Daniela para Renata o diretor utilizou a

espontaneidade e criatividade para que houvesse a escolha de todos os integrantes do grupo

por um caminho a percorrer. Inicia o aquecimento para a dramatização, mas Renata não está

aquecida o suficiente para entrar em contato com sua sensação, então o diretor precisa utilizar

de seus conhecimentos para propor outra ação e utiliza-se da técnica da personificação da

“confusão”.

O diretor conversa com a confusão (desempenhada por Renata) e pede para que ela

transforme a Renata em uma personagem (Renata agora é desempenhada por outro integrante

do grupo, um ego-auxiliar). Surge a figura de uma donzela da corte (Alves pontua aqui que

essa personagem é influenciada pelos filmes discutidos na recepção) cuja mãe, para que a

filha não morresse no parto, promete que a prepararia para ser a salvação do povo e da nação.

A sensação de confusão surge novamente na cena e por meio de técnicas psicodramáticas o

conflito vai se intensificando entre mãe-sacrifício e a camponesa-liberdade. Por meio da

técnica do espelho ocorre a percepção decisória para a protagonista, que decide renunciar a

corte, pois enxerga que aceitar a vida, que lhe fora designada, seria a verdadeira morte.

Foi evidenciado que a sensação de confusão de sentimentos de Renata está na falta

de autonomia no pensar e agir, seus sentimentos e pensamentos se misturavam com o que ela

queria e o que existia de imposição de sua conserva cultural, podando assim sua escolha

espontânea e criativa do caminho a tomar. A técnica do espelho é a técnica baseada na fase

do reconhecimento do tu, em que o sujeito separa dele mesmo a outra parte, o outro e

concentra-se em si mesmo. Foi utilizada pelo diretor para possibilitar a Renata se perceber, a

ver o que é seu desejo e o que é do outro e tomar a decisão de forma espontânea e criativa.

Um primeiro ego-auxiliar se oferece como um jovem camponês, para estender a mão à

personagem, que escolheu seu caminho, e todos os outros integrantes do grupo faz um cortejo

transformador a acompanhando.

Na volta ao contexto grupal ocorre a troca emocional e a reflexão sobre as

identificações ocorridas. Renata relata o fato de sua mãe sempre se preocupar com o fato de

que ela não sofresse, o que a fez pactuar com sua mãe em casar-se com um homem

extremamente apaixonado por ela, como se com isso tivesse o controle de sua felicidade. O

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43

relato de Renata demonstra a influência da matriz de identidade como alicerce do primeiro

processo de aprendizagem emocional que leva para a vida adulta, como o relato de Daniela,

que foi criada para valorizar os papéis de mãe e de dona-de-casa e não de valorizar o papel

profissional. Com o personagem de donzela representado por Renata, Daniela também pode

trabalhar os seus conflitos e conservas culturais para escolher qual o caminho tomar.

O trabalho que iniciou como psicoterapia de grupo transformou-se em psicodrama

para trabalhar um tema protagônico que sensibilizou todo o grupo. Esse tema inicial,

desemprego, fazia parte do contexto social do grupo, o que poderia ter se tornado tema para o

trabalho sociodramático, no papel coletivo do desemprego, mas o grupo ficou no campo

psicodramático que trabalhou a questão de perdas e ganhos; permanecer e recomeçar; viver ou

morrer; disputar ou se excluir no papel privado de cada um. Um protagonista trabalhou seu

conflito que representou os conflitos de todos na sessão.

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44

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após estudo teórico dos métodos sociátricos e ilustração de alguns casos expostos

pelos autores psicodramatistas estudados, foi possível a compreensão do objetivo específico

de cada um dos métodos estudados, da forma como devem ser manejados, da diferenciação

entre eles, do contexto e momento adequado para aplicá-los.

Ficou elucidado que o psicodrama e o sociodrama têm a proposta de trazer leveza e

alegria a arte de conviver, trabalhando os vínculos, tanto das relações dos papéis sociais, pelo

sociodrama, quanto dos privados, pelo psicodrama. Por meio da dramatização, utilizada tanto

no sociodrama quanto no psicodrama, ficam explícitas as ações que constituem os vínculos,

permitindo assim, os indivíduos envolvidos refletirem sobre elas, sobre como afetam suas

relações - os vínculos e sobre o que leva a mudanças de comportamento e pensamento,

tornando as relações mais saudáveis.

O papel privado, foco de trabalho do psicodrama e o papel coletivo, foco do

sociodrama, não podem ser verdadeiramente separados. Quando se trabalha um papel privado

a representação coletiva desse, devido à conserva cultural, estará presente. Dessa forma,

espectadores de psicodrama são afetados simultaneamente pelo problema pessoal, privado do

indivíduo protagonista, tanto quanto pelo papel social no padrão ideal da conduta desse. Nota-

se aqui a linha tênue para o terapeuta dirigir um psicodrama, no papel privado do protagonista

ou um sociodrama no papel sociodramático do grupo.

Como exposto, o psicodrama, assim como a psicoterapia de grupo, trabalham as

relações interpessoais e mundos privados. A psicoterapia de grupo trata as relações

interpessoais e os problemas psíquicos de vários indivíduos de um grupo por meio do

conceito do encontro que permite que os indivíduos do grupo se vivenciem, se compreendam

cada um com todo o seu ser, enquanto o psicodrama ocorre quando da psicoterapia de grupo

ocorre uma vivência tão intensa que não possa ser expressa apenas pelas palavras e/ou precise

ser vivida além dos limites que a realidade social impõe. Dessa situação surge a necessidade

de sair do verbal e ir para a ação, dramatizar a vivência que emergiu do grupo.

Os três métodos sociátricos com suas particularidade e similaridades ajudam os

indivíduos a aprenderem mudar de papéis, tornam possível o exame de aspectos diferentes de

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um problema e o desenvolvimento de soluções mais criativas. Ajudam os indivíduos a

trabalharem suas relações e estabelecerem vínculos com maior grau de intimidade e

expressividade.

Com o estudo teórico e a ilustração de casos houve o aprofundamento necessário do

conhecimento já existente dos métodos sociátricos, adquirido durante o curso de

especialização da SOGEP, para fechar a lacuna da compreensão do como e quando utilizar

cada um dos métodos sociátricos, completando o processo de aprendizagem da autora,

enquanto aluna de psicodrama, para desenvolver com maior competência seu papel de

psicoterapeuta de grupo, psicodramatista e/ou sociodramatista.

O conhecimento aqui adquirido, contribuiu para que mais um profissional

psicodramatista leve adiante o sonho de Moreno, como pontuado por Silva (2008), de curar a

sociedade que, na sua perspectiva, era exequível por meio do tratamento das relações grupais,

mobilizando como método a psicoterapia de grupo, o psicodrama e a sociometria, nos mais

variados contextos, além do sociodrama não especificado pelo autor.

O conhecimento teórico dos métodos sociátricos permite melhor percepção e manejo

do grupo, de acordo com seu contexto e objetivo, e prepara o profissional para atuar no

contexto terapêutico. Mas apenas o conhecimento teórico não capacita o profissional a

desempenhar a sua função com a competência necessária. A prática do manejo do grupo é

fundamental para reforçar e concretizar esse conhecimento.

Durante o curso de especialização em psicodrama da SOGEP, Turma 2009, houve

vários momentos de supervisão de sessões psicodramáticas, com role playing embasadas nas

aulas teóricas de psicodrama. Nas atuações dos alunos nessas supervisões, percebia-se que

apesar do conhecimento teórico das técnicas a serem utilizadas, na prática, surgia medo,

insegurança e dúvida de como aplicá-las corretamente, o que foi diminuído no decorrer do

curso.

O conhecimento teórico e prático do manejo do psicodrama foi mais trabalhado

durante o curso, porém o trabalho com sociodrama deixou a desejar, sendo necessário, pois,

além do estudo realizado neste trabalho, o treinamento no manejo desse método com

acompanhamento de supervisor, pois, como já dito, a linha que separa os dois métodos é

muito tênue, o que faz com que o psicodramatista principiante corra o risco de ultrapassá-la e

de um sociodrama transformá-lo em psicodrama.

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A diferenciação entre psicoterapia de grupo e psicodrama é bem esclarecida por meio

da teoria. O que fica claro é também a necessidade de treinamento do profissional para que

possa ter a segurança de dirigir uma dramatização e incentivar o grupo a fazê-la para que não

fique apenas na verbalização da psicoterapia de grupo.

O trabalho aqui apresentado pode contribuir para a construção do conhecimento e

desenvolvimento do profissional psicoterapeuta em formação, no seu trabalho com grupos,

seja ele psicodramático, sociodramático ou psicoterapia de grupo, contudo não se mostra

suficiente para capacitar esse profissional iniciante a atuar com domínio do manejo, é

necessário conciliar o conhecimento teórico com a prática supervisionada.

Propõe-se aqui um estudo de caso das dificuldades e medos de psicoterapeutas

iniciantes no manejo de grupos de psicodrama, sociodrama e psicoterapia de grupo para

conciliar o estudo da teoria desses métodos com as dificuldades enfrentadas em seus manejos.

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