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ESTUDOS AFRICANA OU NOVOS ESTUDOS AFRICANOS: Um campo em processo de consolidação desde a diáspora africana no Brasil Bas´Ilele Malomalo Doutor em Sociologia, Docente no curso de Bacharelado em Humanidades e no Programa de Mestrado Interdisciplinar em Humanidades, Instituto de Humanidades e Letras/Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira, São Francisco do Conde, Bahia, Brasil; líder do Grupo de pesquisa África-Brasil: Produção de conhecimento, Sociedade civil, Desenvolvimento e Cidadania Global; pesquisador do Centro dos Estudos das Culturas e Línguas Africanas e da Diáspora Negra (CLADIN-Unesp), da Rede para o Constitucionalismo Democrático Latino-Americano/Brasil, Member of United Nations - Harmony with Nature e integrante e fundador do Instituto da Diáspora Africana no Brasil (IDDAB). Contato: [email protected]. RESUMO O artigo faz parte dos trabalhos que vêm refletindo sobre as epistemologias que sustentam o pensamento africano e afro-diaspórico. Objetiva destacar a diferença existentes entre os Estudos Africanos e os Estudos Africana, revelando criticamente algumas falácias dos primeiros. Apresenta os principais elementos que constituem o que o autor denomina de Novos Estudos Africanos, ou seja, os Estudos Africana produzidos desde a diáspora brasileira: o dispositivo da bioepistemologia na produção de conhecimentos afrocentrados ntuístas (ubuntuista ou bisoista); os lugares dos sujeitos de investigação, as relações estabelecidas entre o pesquisador e o colaborador da pesquisa e o campo de investigação. Discute os princípios éticos e teórico-metodológicos que orientam os Novos Estudos Africanos numa perspectiva da epistemologia do Ntu/Força-da-Vida. Trata-se de uma pesquisa bibliográfica e que tem como ponto de partida as epistemologias negras do Sul global subalterno e os estudos críticos da branquitude. O argumento defendido é que os esforços dos agentes hegemônicos dos Estudos Africanos relativos à periodização dos saberes africanos, concentrando-se no século XX; e a sua negação em incorporar a diáspora africana, como parte indispensável de suas investigações sobre a África e africanos, são jogos de poder para a manutenção dos privilégios da branquitude no campo científico. Palavra-chaves: Estudos Africana; Estudos Africanos; Epistemologia; Filosofia do Ntu; Branquitude. ABSTRACT The article is part of the work that has been reflecting on the epistemologies that sustain African and Afro-diasporic thinking. It aims to highlight the difference between African Studies and Africana Studies, critically revealing some fallacies of the former. It presents the main elements that constitute what the author calls New African Studies, that is, the African Studies produced since the Brazilian diaspora: the device of bioepistemology in the production of ntuístas (ubuntuista or bisoista) Afro-centric knowledge; the places of the research subjects, the relations established between the researcher and the research collaborator and the field of research. It discusses the ethical and theoretical-

ESTUDOS AFRICANA OU NOVOS ESTUDOS …...perdem na torre de marfim da área de sua especialização. Este texto trata de epistemologia africana, partindo das áreas de formação de

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ESTUDOS AFRICANA OU NOVOS ESTUDOS AFRICANOS: Um campo em

processo de consolidação desde a diáspora africana no Brasil

Bas´Ilele Malomalo

Doutor em Sociologia, Docente no curso de Bacharelado em Humanidades e no Programa de

Mestrado Interdisciplinar em Humanidades, Instituto de Humanidades e Letras/Universidade da

Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira, São Francisco do Conde, Bahia, Brasil;

líder do Grupo de pesquisa África-Brasil: Produção de conhecimento, Sociedade civil,

Desenvolvimento e Cidadania Global; pesquisador do Centro dos Estudos das Culturas e Línguas

Africanas e da Diáspora Negra (CLADIN-Unesp), da Rede para o Constitucionalismo

Democrático Latino-Americano/Brasil, Member of United Nations - Harmony with Nature e

integrante e fundador do Instituto da Diáspora Africana no Brasil (IDDAB). Contato:

[email protected].

RESUMO

O artigo faz parte dos trabalhos que vêm refletindo sobre as epistemologias que sustentam

o pensamento africano e afro-diaspórico. Objetiva destacar a diferença existentes entre os

Estudos Africanos e os Estudos Africana, revelando criticamente algumas falácias dos

primeiros. Apresenta os principais elementos que constituem o que o autor denomina de

Novos Estudos Africanos, ou seja, os Estudos Africana produzidos desde a diáspora

brasileira: o dispositivo da bioepistemologia na produção de conhecimentos

afrocentrados ntuístas (ubuntuista ou bisoista); os lugares dos sujeitos de investigação, as

relações estabelecidas entre o pesquisador e o colaborador da pesquisa e o campo de

investigação. Discute os princípios éticos e teórico-metodológicos que orientam os Novos

Estudos Africanos numa perspectiva da epistemologia do Ntu/Força-da-Vida. Trata-se de

uma pesquisa bibliográfica e que tem como ponto de partida as epistemologias negras do

Sul global subalterno e os estudos críticos da branquitude. O argumento defendido é que

os esforços dos agentes hegemônicos dos Estudos Africanos relativos à periodização dos

saberes africanos, concentrando-se no século XX; e a sua negação em incorporar a

diáspora africana, como parte indispensável de suas investigações sobre a África e

africanos, são jogos de poder para a manutenção dos privilégios da branquitude no campo

científico.

Palavra-chaves: Estudos Africana; Estudos Africanos; Epistemologia; Filosofia do Ntu;

Branquitude.

ABSTRACT

The article is part of the work that has been reflecting on the epistemologies that sustain

African and Afro-diasporic thinking. It aims to highlight the difference between African

Studies and Africana Studies, critically revealing some fallacies of the former. It presents

the main elements that constitute what the author calls New African Studies, that is, the

African Studies produced since the Brazilian diaspora: the device of bioepistemology in

the production of ntuístas (ubuntuista or bisoista) Afro-centric knowledge; the places of

the research subjects, the relations established between the researcher and the research

collaborator and the field of research. It discusses the ethical and theoretical-

methodological principles that guide the New African Studies from the perspective of the

Ntu / Life-Force epistemology. It is a bibliographical research whose starting point is the

black epistemologies of the subaltern global South and the critical studies of whiteness.

The argument is that the efforts of the hegemonic agents of the African Studies related to

the periodization of African knowledge, concentrating on the twentieth century; and their

refusal to incorporate the African Diaspora, as an indispensable part of their research on

Africa and Africans, are games of power for the maintenance of the privileges of

whiteness in the scientific field.

Key-words: Africana Studies; African Studies; Epistemology; Philosophy of Ntu;

whiteness.

Introdução

Introduzo meus leitores e minhas leitoras na minha escrita com essas belas

palavras de Marzui, Ajayi, Tshibangu e Bohen, extraídas do seu texto “Tendências da

Filosofia e da Ciência na África”, da História Geral da UNESCO.

A ciência tradicional

O reconhecimento e a apreciação do conjunto dos conhecimentos e das

capacidades, sobre o quais se apoiam as sociedades pré‑coloniais, em matéria

de agricultura, saúde, artesanato e indústria, encontram‑se ainda na esfera das

boas intenções. À época colonial, este corpo de saberes e capacidades não era

julgado digno do nome “ciência”; ele era rebaixado ao nível das superstições

pré-científicas. A educação ocidental e o cristianismo, eventualmente, as leis

coloniais e políticas deliberadas, inclusive, dedicaram‑se a solapar a estrutura

destes saberes tradicionais. Os estabelecimentos cuja educação obedecia ao

perfil ocidental ensinavam aos seus alunos a desconsiderarem e rejeitarem o

saber tradicional. Este saber transmitido em escala pessoal −“boca a boca”−

subsistiu, no entanto, segundo diversas modalidades, em meio a população.

Constata‑se hoje que, apesar do impacto da medicina, da agricultura, da ciência

e da tecnologia ocidentais, as reservas tradicionais de saberes e capacidades,

em respeito à agricultura, bem como no campo das práticas e crendices

terapêuticas, este legado de saber continua presente no cotidiano vivido pela

maioria do povo africano (MARZUI; AJAYI; TSHIBANGU; BOHEN, 2010,

p. 765-766).

O texto “Estudos Africana ou Novos Estudos Africanos: Um campo em processo

de consolidação desde a diáspora africana no Brasil” faz parte de meus trabalhos que têm

o propósito de colaborar na construção de uma epistemologia africana desde a diáspora

africana contemporânea no Brasil. Levaram, ou levam frequentemente, o nome de

epistemologia da macumba (MALOMALO, 2016c, 2017c); ou ainda há momentos que a

denomino de epistemologia de macumba-ubuntu-bisoidade (MALOMALO, 2017d) com

intuito de agrupar três categorias filosóficas dentro de uma única proposta científica.

Prefiro chamar o meu projeto epistemológico, que talvez viria mais tarde se constituir em

um paradigma, de epistemologia do Ntu1 (Força, Vida ou Força vital) (DIAGNE, 2013;

JAHN, 1970; TEMPELS, 2016) pela extensão que comporta essa categoria sobre

macumba, ubuntu e bisoidade.

Quando comecei a escrever este texto, pensava em apresentar somente alguns

elementos de minhas reflexões em torno do que chamava, desde 2013, de Novos Estudos

Africanos. Na busca de mais fundamentos teóricos, dei-me a conta que os Estudos

Africana (Estudos Negros; ou Estudos Afro-Americanos), produzidos nos Estados

Unidos, já realizavam um trabalho semelhante, o que me leva a afirmar que os Novos

Estudos Africanos são sinônimos de Estudos Africana. A única diferença é que talvez

seja o primeiro a utilizar, no Brasil, o termo Novos Estudos Africanos.

O uso que faço do termo Novos Estudos Africanos é bem distante da maioria dos

textos que trata de Estudos Africanos, pois nossas problematizações a respeito dessa área

de investigação tendem a ser bem diferentes. Isso ocorre porque a maioria dos/as

autores/as não enxerga problemas ou pensa que se livrou da colonialidade e do seu

racismo. Nossa hipótese é que muitas estruturas de Estudos Africanos, de gestão do

pessoal, de distribuição de recursos, de criação de aparatos teórico-metodológicos e

publicações sobre a cultura africana continuam assente na branquitude. Nossa posição é

uma crítica aos Estudos Africanos do ponto de vista dos Estudos das relações raciais e

dos Estudos críticos da branquitude (CARDOSO, 2014; LABORNE, 2017). Não

analisarei cada texto que eu li nem tampouco faço uma análise sobre os conteúdos de

textos escritos por estudiosos afrocentrados ou eurocentrados.

Todavia, deixo o registro de que o texto, como o de Schlickman (2016)2, mesmo

trazendo uma seção com o título “Novas perspectivas para os estudos africanos [no Brasil]

1 MALOMALO, Bas’Ilele. Epistemologia do Ntu: Meu (s) diálogo (s) com Dagoberto José Fonseca. In:

FOSENCA, Dagoberto José, MALOMALO, Bas’Ilele; FOSENCA, Simone Loiola Ferreira.

Intelectualidade coletiva negra: Memória, educação e emancipação. Porto Alegre: Editora Fi, 2018; em

prelo. 2 Alguns desses outros estudos percebem a necessidade de usar a crítica contra os Estudos Africanos, porém

não empregam a teoria social da branquitude em suas análises: EUSTÁQUI, Vitor. Desafios

epistemológicos em Estudos Africanos: Da colonialidade do poder às epistemologias descoloniais. Paper

submetido em março de 2011 e aprovado em junho de 2011 pela comissão científica do curso de

doutoramento em Estudos Africanos do ISCTE-IUL, Lisboa; FERREIRA, Roquinaldo. A

institucionalização dos Estudos Africanos nos Estados Unidos: advento, consolidação e transformações.

- 1980”, não critica a branquitude dessa “nova perspectiva”. Essa falha se estende a

muitos outros textos produzidos por historiadores/as que se dizem ‘donos/as’ de Estudos

Africanos, dentre outros motivos, por se recusarem assumir a raça como uma categoria

analítica na investigação dos fenômenos sócio-históricos africanos. Em sendo, em

princípio, os Estudos Africanos e Estudos Africana críticos à branquitude e negritude,

campos de investigação inter e transdisciplinares, este meu trabalho se dirige a

pesquisadores/as inter e/ou transdisciplinares, e não aos estudiosos disciplinares que se

perdem na torre de marfim da área de sua especialização. Este texto trata de epistemologia

africana, partindo das áreas de formação de seu autor, que são a filosofia africana e a

sociologia.

O meu primeiro objetivo, neste texto, é destacar a diferença entre o que se chama

de Estudos Africanos e os Estudos Africana/Novos Estudos Africanos, revelando

criticamente algumas falácias dos primeiros. O segundo objetivo visa apresentar os

elementos de Estudos Africana/Novos Estudos Africanos produzidos desde a diáspora

brasileira. Dessa forma, apresento alguns conceitos básico da epistemologia do Ntu;

destaco a importância da bioepistemologia na produção de conhecimentos afrocentrados

ntuístas (ubuntuistas ou bisoistas); problematizo as questões relativas aos sujeitos de

investigação: pesquisador/a e colaborador/a da pesquisa e ao campo de investigação. Faço

uma discussão sobre os princípios éticos e teórico-metodológicos dos Estudos

Africana/Novos Estudos Africanos numa perspectiva da epistemologia da macumba-

ubuntu-bisoidade.

Algumas noções básicas da epistemologia do Ntu

Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 30, nº 59, p. 73-90 – 2010; SLENES, Robert W.. A Importância

da África para as Ciências Humana. Texto apresentado no seminário “Respostas ao racismo: produção

acadêmica e compromisso político em tempos de ações afirmativas” realizado em 3 de dezembro de 2009

no IFCH/UNICAMP; VALDEMIR, Zamparoni. Os Estudos Africanos no Brasil: Veredas. Ciência e

Cultura, vol. 59, no 2, São Paulo, Abr./Jun. 2007, p. 46-49.

Quero aqui deixar claro alguns termos que fazem parte dos Novos Estudos

Africanos e dos Estudos Africana, como os emprego em meus trabalhos. O primeiro deles

é o adjetivo “Africanos/as” ou “Africana”, que nos remete à noção de África. Esta deve

ser entendida como um espaço, no sentido físico e simbólico, onde os primeiros seres

humanos, que se convencionou a chamar de africanos, surgiram, e a partir do qual se

realizaram as primeiras migrações populacionais. Das migrações africanas, forçadas ou

voluntárias, desde a Antiguidade, povoaram-se outros territórios fora do continente

africano, formando o que chamamos de diásporas africanas – e que usualmente é usada

no singular: diáspora africana (MALOMALO, 2016a, 2017a; MANNING, 2012).

O uso que faço do termo “africano” está muito ligado aos Estudos Africana do

paradigma da Afrocentricidade de Asante (2009) com as anuências que lhe dão Karenga

(2009) e Rabaka (2009). Isso significa que “africano/a” refere-se às populações africanas

do continente e das diásporas. Na escrita desses últimos autores, toma-se cuidado sempre

de diferenciar “africanos do continente” dos “africanos da diáspora”. Dentro dos

africanos/as das diásporas é preciso igualmente levar em conta as particularidades de

experiências de vida dos africanos, cujas identidades foram forjadas pelo tráfico do

Atlântico e da escravidão, e dos/as africanos/as da diáspora africana contemporânea que

começaram a emigrar do continente no período colonial ou pós-colonial (HALL, 2003;

MALOMALO, 2014, 2016; MANNING, 201). Alguns/algumas autores/as chamam a

diáspora africana, que nasce da experiência da escravidão do século XVI nas Américas,

de “diáspora histórica” (VENEY, 2002).

Inicialmente era formada por africanos/as escravizados/as ou seus descendentes.

Prefiro chamar essa última diáspora de diáspora moderna, uma vez que todas as diásporas,

independentemente de seu período histórico, são históricas; ou ainda, acompanhar o

termo diáspora moderna de um adjetivo referente às populações descendentes de

africanos/as de um determinado território: diáspora afro-americana; diáspora afro-

brasileira, por exemplo. A diáspora africana contemporânea é nomeada por

alguns/algumas autores/as de nova diáspora africana (OKPEWHO; NZEGWU, 2009).

Interessa aos Estudos Africana estudar a diáspora africana em suas conexões com a

África, sendo ela inegavelmente parte da história mundial (DUFOIX, 2014; MANNING,

2012; CHRISTIAN, 2009).

Os ancestrais desses/dessas africanos/as inventaram a cultura africana ancestral,

que seus descendentes remanescentes e descendentes da diáspora moderna e/ou da

diáspora contemporânea reproduzem e reinventam no próprio continente e em suas

diásporas. Os Estudos Africana, que têm a cultura africana (FALOLA, 2008) – devem ser

sempre interpretados no plural e, levando-se em conta o desenvolvimento de suas

particularidades no continente e na diáspora – como campo de investigação, fazem parte

dela como uma de suas construções culturais. Em um dos meus textos, inspirando-me em

Silva (2005), chamei a cultura negra de africanidades africanas3 e brasileiras

(MALOMALO, 2016a, 2016b, 20017a). Afrocentricidade, epistemologia de macumba-

ubuntu-bisoidade, como parte dos Estudos Africana, são suas metalinguagens.

O ato de escrever tem muito a ver com a vida do autor. Este pode até negar essa

ligação, mas no fundo é assim que se passam as coisas. Há uma tradição ocidental que

quer nos iludir que se pode praticar a arte pela arte e a ciência pela ciência. Esse

individualismo ou anarquismo científico, salvo quando se trata de um gesto de liberdade,

não tem cabimento em outras culturas, como a africana, onde todo ato de produção

artística e científica compromete, geralmente, pessoal e coletivamente o seu autor.

A fim de compreender esses elementos na produção da ciência, venho trabalhando

com a noção da bioepistemologia, uma ideia que significa que, ao olhar pela cultura

africana, toda ciência é feita a partir, mediante e para o Ntu, a Vida em suas diversas

manifestações. Vida como resultado de forças energéticas (HAWKING, 2015) é o que os

povos africanos bantu chamam de Ntu: o Pré-Existente; o Ser-Primordial de que tudo

veio à existência (BILOLO, 1986); a Força vital (TEMPELS, 2012). A sua manifestação

é o Ub-Ntu; Ub, ser; e Ntu, Força-vida; é dessa forma que Ramose (1999) define Ubuntu

como Ser-sendo; ou seja a movimentação do Ser-Força-Vida (Ntu) que se manifesta em

seres particulares, que estão ontologicamente ligados: Ki-ntu (Coisa-Força-Vida), Ku-ntu

(Modalidade-Força-Vida), Ha-ntu (Tempo-Espaço-Força-Vida), Muntu (Pessoa-Força-

Vida).

Ontologicamente, o Ser é a manifestação da multiplicidade e da diversidade

dos entes. Essa é a pluriversalidade do ser, sempre presente. Para que essa

3 Cf. MAFEJE, Archie. The africanity: a combative ontology. In: DEVISCH, Rné; NYAMNJOH, Francis

B. The post-colonial turn: re-imagining the antropology and Africa. Bamenda/Leiden: Langaa/Center

African Studies, 2011, p. 31-44.

condição existencial dos entes faça sentido, eles são identificados e

determinados a partir de particularidades específicas. Assim, a particularidade

assume uma posição primária a partir da qual o ser é concebido. Essa assunção

da primazia da particularidade como modo de entender o ser é frequentemente

mal colocada como a condição ontológica originária do ser. O mal-entendido

se torna a substituição da pluriversalidade original ineliminável do Ser

(RAMOSE, 2011, p. 11).

Para Ntumba (2014), há uma complementaridade radical entre essas realidades

particulares que se dá no que se chama de Solidariedade Cósmica ou Biso Cósmico. Biso

(Nós, em Lingala) é uma a consciência coletiva de muitos povos africanos de que como

seres humanos (Bantu, plural do Muntu), pertencentes à Comunidade-dos-Bantu, suas

vidas só têm sentido porque participam na Comunidade-do-Divino-Ancestral e na

Comunidade-Natureza-Universo. Essas Comunidades-de-Ntu-Particulares, interagindo

reciprocamente forma a Realidade-Total processual, multiforme e global, ou seja, a

participação processual solidária da vida. Essa proposta de Ntumba (2014) é chamada de

filosofia de Bisoidade, pois parte do pressuposto do Nós/Coletivo sobre o eu/individual

das culturas africanas.

Um dos primeiros princípios da ética ubuntu é a libertação do dogmatismo. É

flexibilidade orientada para o equilíbrio e para a harmonia no relacionamento

entre seres humanos, e entre os últimos e o mais abrangente ser-sendo ou

natureza (RAMOSE, 2002, p. 4).

O meu contato com o poema de Solano Trindade, “Macumba”, foi um momento

decisivo para uma movimentação na construção de uma epistemologia da macumba-

ubuntu-bisoidade.

MACUMBA

Noite de Yemanjá

Negro come acaçá

Noite de Yemanjá

Filha de Nanan

Negro come acaçá

Veste seu branco abebé

Toca o águe

O caxixi

O agogô

O gã

O engona

O ilu

O lê

O ronco

O run

O rumpi

Negro pula

Negro dança

Negro bebe

Negro canta

Negro vadia

Noite e dia

Sem parar

Pro corpo de Yemanjá

Pros cabelos de Obá

Do Calunga

Do mar

Cambondo sua

Mas não cansa

Cambondo geme

Mas não chora

Cambondo toca

Até o dia amanhecer

Mulata cai no santo

Corpo fica belo

Mulata cai no santo

Seus peitos ficam bonitos

Eu fico com vontade de

amar...

(TRINDADE, 2007, p. 76-

77)

O meu trabalho, para elaborar um projeto epistemológico a partir da categoria

macumba, obrigou-me a ler a filosofia da força vital, a filosofia de Ubuntu e a filosofia

da Bisoidade. Afinal de contas, servindo-me da poesia de Solano Trindade, descobri que

a macumba, em seus textos, toma o sentido de encantamento do mundo do Outro: é um

processo de amortização que se faz numa perspectiva cósmica, isto é, do ponto de vista

da cultura africana apela à participação das três Comunidades que compõem a Realidade-

Total (MALOMALO, 2016b).

Críticas às falácias dos Estudos Africanos

Lancei, em 2013, o conceito de Novos Estudos Africanos por ter observado as

falácias que os ditos Estudos Africanos comportavam: o poder da branquitude que eles

carregam. Fiz tudo isso sem saber que Archie Mafeje (2011), no contexto africano, já

decretava alguns anos antes a morte dos mesmos. Tudo isso vinha sendo feito dentro de

um processo de participação em mesas de debates onde minhas ideias eram defendidas

na minha comunicação que tinha este título: “Reflexões sobre Novos Estudos Africanos:

Ciência e Emancipação”, no V Colóquio Internacional Saberes, Práticas e I Encontro

Internacional de Filosofia Africana, na Universidade Federal da Bahia, em 2013; no I

Colóquio do AFROUNEB: Estudos Africanos no Brasil: análise e projeções, na

Universidade Estadual da Bahia; e no I Seminário Internacional de Estudos Africanos, na

Universidade de Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNIAB),

organizado pelo Centro Interdisciplinar de Estudos Africanos e da Diáspora

(CIÁFRICA), em 2017.

O meu argumento é que os Estudos Africanos criaram a sua própria narrativa, que

se distanciam dos afrocentrismos eurocencistas (OBENGA, 2001), isto é, estudos brancos

racistas sobre os povos não europeus. Todavia, quando olhar as realidades de suas

estruturas (seus centros, departamentos, cursos, revistas, associações, gestão de pessoal,

etc.) que nasceram no século XX, de forma geral, a partir de 1960 (FERREIRA, 2010;

SCHLICKMANN, 2016), num esforço da descolonização de saberes, o que se percebe é

que há uma disputa racial no processo de produção de conhecimentos sobre a África

continental e diaspórica. Só que a branquitude não assume esse problema da hegemonia

branca publicamente (CARDOSO, 2014; BENTO, 2002).

Parto da ideia central de que o surgimento de Estudos Africana, no Brasil, cujas

ideologias, metodologias e teorias se expressam nos trabalhos realizados nos espaços não

acadêmicos negros, dentro das organizações sociais do Movimento Negro (por exemplo,

Teatro Experimental de Abdias Nascimento no passado e outras organizações negras da

atualidade) e nos espaços acadêmicos negros (Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros -

NEABs), Associação Brasileira de Pesquisadores/as Negros/as - ABPN), Universidade

de Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira - UNILAB), como demostrarei

ao longo deste texto, tem a ver com a sua recusa em relação à supremacia branca que

sempre dominou os centros de africanismos eurocentistas (OBENGA, 2001, 2008;

CHRISTIAN, 2009) do período colonial e até os anos de 1950 (tomando aqui os Estudos

das relações raciais da UNESCO como marco histórico) (MALOMALO, 2017b) e a

maioria de centros dos Estudos Africanos que emergiram a partir dos anos de 1960.

As reflexões desenvolvidas por Guerreiro Ramos (1995), denunciando a brancura

que predominava nas instituições acadêmicas e os primeiros Congressos Afro-Brasileiros

dirigidos por Gilberto Freire e companhia; ou a crítica de Bento (2000) e Cardoso (2014)

em relação aos privilégios que gozam os intelectuais brancos que estudam a cultura

africana continental e diaspórica e o fenômeno de reprodução de comportamentos racistas

entre alguns deles, deve ser levada a sério para se compreender o que aparece

normalmente como simples divisão social de campos científicos dirigidos, de um lado

por intelectuais brancos/as, e de outro lado por intelectuais negros/as. Ramos, Bento e

Lourenço têm o mérito de nos chamar a atenção sobre o funcionamento da

brancura/branquitude nos espaços acadêmicos brasileiros, mesmo se tratando de espaços

dirigidos por intelectuais brancos/as de esquerda ou progressistas. Intelectuais negros não

letrados/as no paradigma dos Estudos Africana à brasileira e intercontinental e não

comprometidos com o seu povo podem cair nas mesmas armadilhas da branquitude

racista que caracterizam os Estudos Africanos (CHRISTIAN, 2009).

Ferreira (2010) argumenta que essa disputa racial, no contexto dos Estados

Unidos, fez com que os/as intelectuais negros/as passassem a liderar os centros de Black

Studies ou Afro-American Studies (Estudos Negros), e os/as brancos/as passaram a

coordenar os African Studies (Estudos Africanos). O que estava na base dessa divisão

social de produção de conhecimento era e continua sendo a disputa de recursos, de status

e de poder sobre a construção de narrativas de história de africanos/as e d seus

descendentes. Então, a primeira falácia da maioria dos Centros de Estudos Africanos é

que se dizem espaços democráticos, mas de fato não os são, pois se estabeleceram como

espaços de hegemonia branca (MAFEJE, 2011; OBENGA, 2001).

Na tentativa de explicar o surgimento da proposta da Afrocentricidade dentro dos

Estudos Africana, Frinch III e Nascimento (2009) trazem o contexto histórico dos campi

universitários norte-americanos, no final dos anos 1960 e início de 1970, que passaram a

ser agitados pelos movimentos estudantis acerca da Guerra do Vietnã e o Apartheid na

África do Sul. Da mesma forma, trazem o impacto de resistência negra através dos

Panteras Negras e dos movimentos de direitos civis sobre os intelectuais negros que

queriam descolonizar os Estudos Africanos dominados pelos/as intelectuais brancos/as.

Parte importante desse esforço se deu no campo da História, culminando no

conflito ocorrido entre historiadores e negros reunidos nas 11a e 12a

Convenções da Associação de Estudos Africanos (ASA), realizadas

respectivamente em Los Angeles (1968) e Montreal (1969). O conflito, de

acordo com o historiador afro-americano John Henrik Clark (1975, p. 5), um

dos seus destacados protagonistas, “e sobre quem vai interpretar a história

africana. Os estudiosos brancos, mais que os negros, sempre entenderam a

importância de controlar o pensamento histórico e social. A melhor maneira de

controlar um povo é controlar o que ele pensa sobre si mesmo”. Com efeito,

John Henrik Clarke foi um dos grandes expoentes da fundação da Associação

dos Estudos da Herança Africana (AHSA), organização de estudiosos da

história africana que romperam com ASA no intuito de criar um instrumento

para os intelectuais negros poderem protagonizar e definir suas abordagens e

pesquisas. A criação da AHSA, pare eles, significava exercer o poder de definir

os termos e abordagens desse campo – como protagonistas, e não como objeto

das respectivas pesquisas. A referência à “herança” é a chave diferencial que

caracterizou a AHSA, pois os Estudos Africanos até aquele momento focavam

a África como se ela passasse a existir em função da colonização europeia e

não possuísse uma milenar tradição de produção de uma cultura e

conhecimento em liberdade e soberania (FRINCH III; E. L. NASCIMENTO,

2009, p. 60-61).

A segunda falácia tem a ver com a narrativa em torno da genealogia dos Estudos

Africanos. A maioria dos textos situa a genealogia desses estudos no século XX. Nossa

crítica é que se trata de uma perspectiva ocidental, reducionista, de se contar a história da

produção dos saberes e conhecimentos sobre a África. Ao contrário, a forma decolonial

de contar essa história é considerar a genealogia dos saberes africanos, levando-se em

conta a concepção histórica africana pelos/as próprios/as africanos/as continentais e

diaspórico/as. O caso paradigmático é a perspectiva da História Geral da África da

UNESCO4 (BARBOSA, 2012a, 2012b). Essa obra interdisciplinar, que contou com a

maioria de intelectuais africanos continentais e da diáspora para a sua produção, traz,

desde o seu primeiro volume e o nono ainda em construção, elementos centrais para

(re)construção de uma narrativa não tendenciosa sobre a história de povos africanos do

continente e das diásporas.

O primeiro elemento que quero destacar aqui diz respeito aos ingredientes de

construção da história africana, ou seja, seus pressupostos epistemológicos. A

interdisciplinaridade é a regra de ouro. Revisitando a História Geral da África do ponto

de vista dos Estudos Africana deve-se dizer que qualquer campo científico africano

contemporâneo sai ganhando, uma vez que estabelece um diálogo sério com os modos

ancestrais de construir metodologias e conceitos para a interpretação do mundo, isto é, a

perspectiva holística ou bisoística.

Outro elemento importante da história africana tem a ver com a periodização dessa

própria história. Além do alerta sobre as particularidades regionais e de zonas culturais,

há um cuidado de processar os conteúdos dessa história numa perspectiva de

encruzilhadas, isto é, o estabelecimento de diálogos entre o local com o global, ou seja,

entre o local, regional, nacional, continental com o mundial. O tempo é abordado numa

perspectiva de longo alcance, e o espaço tratado a partir da multidimensionalidade. Dessa

4 Importante é ler essa obra como uma posição científica e política. Disponível em (versão franção inglesa;

francesa e árabe): http://www.unesco.org/new/fr/social-and-human-sciences/themes/general-history-of-

africa/volumes/; http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/education/inclusive-education/general-history-of-

africa/gha-ninth-volume-elaboration/#c1437359. Acessado em: 10 abril 2018; Disponível (versão

portuguesa): http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/education/inclusive-education/general-history-of-

africa/gha-ninth-volume-elaboration/#c1437359. Acessado em: 10 abril de 2018.

forma, é que o segundo volume da História Geral da África que trata da África Antiga,

começa a explorar a história deste continente a partir de 9 mil anos antes da nossa era.

O presente volume da História Geral da África refere-se ao longo período que se

estende do final do Neolítico – isto e, em torno do VIII milênio antes da Era

Crista – até o início do século VII da Era Crista.

Esse período da história africana, que abrange cerca de 9 mil anos, foi abordado,

depois de alguma hesitação, considerando-se quatro zonas geográficas

principais:

• o corredor do Nilo, Egito e Nubia (capítulos 1 a 12);

• a zona montanhosa da Etiópia (capítulos 13 a 16);

• a parte da África comumente denominada Magreb e seu interior saariano

(capítulos 17 a 20);

• o restante da África, inclusive as ilhas africanas do oceano Indico (capítulos

21 a 29).

Essa divisão e determinada pela compartimentação que atualmente caracteriza a

pesquisa em história da África. Poderia parecer mais lógico organizar o volume

de acordo com as principais zonas ecológicas do continente, oferecendo cada

uma delas condições de vida semelhantes a todos os agrupamentos humanos que

as habitam, sem que haja barreiras naturais a impedir o intercâmbio (cultural ou

de outro tipo) no interior de uma mesma região. (MAKHATAR;

VERCOUTTER, 2010, p. XXXIII)

Todo discurso científico é um posicionamento político. Interessa-nos a

perspectiva pan-africana presente na História Geral da África, mesmo não sendo ela a

única (BARBOSA, 2012b), e em outras agências africanas de produção de conhecimentos

e políticas públicas, por exemplo, a do Conselho para o Desenvolvimento de Ciências

Sociais na África (CODESRIA), do Centro de Estudos das Religiões Africanas (CRA) da

Universidade Católica no Congo, do International Journal of African Renaissance

Studies: Muli-, Inter- and Transdisciplinarity. University of South Africa. É essa

perspectiva que inspira os Estudos Africana e a nossa proposta teórica, uma vez as

questões metodológicas e de periodização são reabilitadas do ponto de vista dos próprios

povos africanos.

Resta mencionar o terceiro elemento que tem a ver com os conteúdos a serem

narrados. Nesse sentido, é preciso lembrar que um outro princípio fundamental que

permeia essa obra e que acompanha a escrita dos intelectuais africanos pan-africanistas é

tratar a África sempre em sua unidade e diversidade. Essa proposta está presente, por

exemplo, nas obras de Diop (1981, 1982) e Ki-Zerbo (2006)5. Os/as intelectuais

eurocêntricos/as, que se escondem no manto de Estudos Africanos, não conseguem

aceitar essa concepção africana e, para tanto, o que lhes interessa é desqualificar qualquer

abordagem pan-africana que alguns deles rotulam de afrocentrismo ou de pensamento

essencialista.

Outra armadilha dos Estudos Africanos é dissociar os africanos da diáspora dos

africanos do continente. Essa divisão aparentemente científica esconde as intenções de

uma dominação política do campo científico e da sociedade pela branquitude. A História

Geral da África reconheceu as histórias das diásporas africanas como parte da história

dos povos africanos. E essa última história como parte importante da história mundial.

Esses reconhecimentos têm a ver com o movimento da libertação e liberdade intelectual,

cultural, econômica e políticas liderados pelos africanos do continente e da diáspora. O

pan-africanismo é o maior movimento social mundial para os africanos e seus

descendentes (LE MOUVEMENT PANAFRICANISTE AU XXe SIÈCLE, 2004).

Reconhecendo que toda a escrita científica está sujeita a imperfeições, o comitê

científico da História Geral de África da UNESCO vem realizando, dentro das tensões,

revisões e correções dos oito volumes. Elaborou, em 2010, igualmente, algumas

recomendações para a utilização dos conteúdos pedagógicos desses manuais nas escolas

africanas.

Talvez não agrade aos/ás críticos/as da escola da egiptologia africana diopiana o

fato de que muitas descobertas feitas por Diop e a escola de egiptologia africana

desenvolvida por ele foram recomendadas para o ensino pelo Comitê da UNESCO.

Em conexão com os diferentes capítulos:

Com base no Capítulo 1, História das formações políticas criadas pelos negros

começa com o antigo reino do Egito (ainda ensinamos nas escolas Africanos

que Gana era o mais antigo estado negro conhecido) formados no final do

quarto milênio a.C. Com base nos argumentos desenvolvidos por C. A. Diop

pode-se afirmar, segundo Babacar Sall, que os autores das civilizações

africanas e do reino do Egito eram negros.

O Capítulo II deveria incluir uma análise do processo que levou ao advento do

Reino do Egito.

5 O texto de Issiaka-P. Latoundji Lalèlê, na parte que aborda a unidade e pluralidade das religiões da África

tradicional, é interessante para aprofundar essa discussão. (LALÈLÊ, Issiaka-P. Latoundji. Les religions de

l´Afrique traditionnelles: interrogations majeures et pistes des recherches actuelles. In: ___ (Dir.). Culture

et religion em Afrique u seuil du XXe siécle: Cosncience d´une Renaissance?. Dakar: CODERSIA, 2015,

p.243-257).

O papel da violência é descrito nos documentos proto-históricos deve ser

colocado neste processo6.

Diga-se de passagem, essas recomendações foram feitas levando-se em conta

sempre o processo de uma educação africana crítica. A violência, como também parte da

história africana, deve ser abordada, mesmo quando cometida pelos próprios povos

africanos. Como é sabido, os comitês da UNESCO da escrita da História Geral de África

são heterogêneos do ponto de vista racial e metodológico. Doulaye Konaté é uma das

figuras da historiografia pan-africana presente na comissão de revisão da HGA da

UNESCO. A diferença entre as críticas feitas por intelectuais africanos/as pan-

africanistas e não pan-africanistas, especificamente eurocentristas, não se limitam

somente à arrogância inerente à razão indolente (SANTOS, 2003a; SANTOS;

MENESES, 2010) que conduz os trabalhos destes últimos, mas igualmente na

branquitude acrítica7 que condiciona sua tomada de posição política e teórica.

Tomo como exemplo as críticas de Amadiume (2001) e desses autores

eurocêntricos: Elikia M’Bokolo, Appiah e Farias8. M’Bokolo9 é aquele tipo de teórico

negro que, perante a questão da negritude dos faraós das primeiras dinastias, não quer

tornar explícita a sua posição em nome do que ele entende como algo polêmico. A crítica

de Christian (2009) dirigida a Gilroy10 vale igualmente para Appiah11. Esses autores

6 Conférence régionale sur l’utilisation pédagogique de l’Histoire générale de l’Afrique dans les écoles

africaines Tripoli, Libye, 10 – 17 juin 2010 REVUE DES CONTENUS DE L’HISTOIRE GENERALE DE

L’AFRIQUE (Recommendations) Coordinateur scientifique: Professeur Doulaye KONATE. Disponível

em:

http://www.unesco.org/new/fileadmin/MULTIMEDIA/HQ/CLT/CLT/pdf/General_History_of_Africa/G

HA_Content%20review%20recommandations%20FR.pdf. Acessado em 1000 abril de 2018. 7 Para Cardoso (2014), branquitude acrítica é a identidade branca que assume publicamente o seu racismo;

já a branquitude crítica é aquela que repudia, em tese, publicamente o racismo. Todavia, alerta o autor que

nos espaços privados de brancos, onde se conta os segredos de brancos para brancos, a branquitude crítica

tende a reproduzir comportamentos racistas. O conceito de pacto narcísico de Bento (2002) pode auxiliar a

compreender esse tipo de comportamento no meio de brancos de esquerda, ou que se auto-proclamam

praticantes da decolonialidade. 8 Nossa posição teórica não visa desmerecer a enorme contribuição desses autores. 9 M’BOKOLO, Elikia. África negra: história e civilizações. Tome 1 (até o século XVIII). Salvador:

EDUFBA; São Paulo: Casa das Áfricas, 2009, p. 327-391; ler: “O embrólio do Egito faraônico” (p. 45);

“A racialização da questão egípcia” (p. 57).

10 GILROY, Paul. O atlântico negro: modernidade e dupla consciência. Rio de Janeiro: Editora 34: 2001. 11 APPIAH, Kwame Antony. Na casa de meu pai: A África na filosofia da cultura. Rio de Janeiro:

Contraponto, 1997.

negros pós-modernistas fazem uma leitura seletiva do uso da categoria de raça nas obras

de pioneiros do pan-africanismo, tal o caso de Du Bois, que eles acusam de essencialista.

Paulo Farias12 alinha-se aos estudos africanos eurocêntricos, escreve com raiva

contra estudiosos negros e escapa-lhe apreender o essencial de suas escritas. Falha ao

confundir o afrocentrismo ou a afrocentricidade, presentes nos textos de Diop, Obenga,

Asante e Mafeje, com o dogmatismo. Nesses autores, esses conceitos servem para o uso

de um paradigma africano que se quer ser mais uma perspectiva ou localização de

interpretação do que dogmas. São “centros”, lugares que servem como ponto de partida

para a produção de saberes africanos (ASANTE, 2009; FRINCH III, 2009; KARENGA,

2009). Ademais, a recusa desses autores eurocêntricos em encarar a raça como categoria

analítica revela o pacto narcísico da branquitude nas suas produções que são suas tomadas

de posições teóricas e políticas. Todos/as teóricos/as dos estudos críticos da branquitude

concordam que a superação do racismo começa pelo reconhecimento dos privilégios que

a branquitude concede aos sujeitos brancos. Em outras palavras, trata-se de assumir a raça

como categoria analítica e se dispor a combater o racismo em todas suas manifestações

estruturais, institucionais e subjetivas (MBEMBE, 2014; CARDOSO, 2014;

MALOMALO, 2017c; LOPES, 2016).

Nossa posição sobre o uso da raça como categoria analítica equivale à posição

teórica e política de Guimarães quando desvenda as falácias de Appiah.

Devo observar, entretanto, que Appiah parece acreditar que essa “essência

racial” tem características absolutas que, para ele, coincidem com a definição

norte-americana de “raça”. Para mim, ao contrário, essa “essência” é definida

pela cultura, utilizando diferentes regras para traçar filiação e pertença grupal,

a depender do contexto histórico, demográfico e social (GUIMARÃES, 2004,

p. 28).

Diferentes dos/as africanistas eurocêntricos/as, Amadiume, antropóloga e

feminista nigeriana pan-africanista, reconhece a importância teórico-metodológica de

Diop no estudo da história e sociedades africanas; mas, ao mesmo tempo, critica o autor

por não evidenciar as violências de gênero existentes. A ciência, para essa autora, não é

o instrumento de desumanização do outro. Reconhece que Diop13 é o estudioso africano

12 FARIAS, P. F. Moraes. Afrocentrismo: entre uma contranarrativa histórica universalista e o relativismo

cultural. Afro-Ásia, 29/30 (2003), p. 317-343.

13 DIOP, Cheikh Anta. Civilisation ou barbarie. Anthropoliie sans complessance. Paris : Presse Africaine,

que interpretou melhor a partir de uma perspectiva africana os fenômenos sociais

africanos: estruturas de famílias, estruturas políticas. Critica, com respeito e sem

arrogância que caracteriza a burguesia eurocentrista, Valentin Mudimbe14 e o considera

como um africano que critica o eurocentrismo sem sair do mesmo. Ou seja, denuncia as

armadilhas de suas proposições teóricas. Dito em outros termos, negros/as e brancos/as

eurocêntricos situam-se no paradigma branco da interpretação da África. É uma questão

de perspectiva teórica e que comporta suas consequências políticas subjetivas e

estruturais.

O nono volume da História Geral da África é igualmente uma crítica contra a

branquitude acrítica que marca os Estudos Africanos brancocentricos ou eurocênticos. A

comissão continua sendo intercultural e interdisciplinar (KI-ZERBO, 2010). Haverá uma

ênfase especial na história da África contemporânea, a partir de 1990 e o início do século

XXI, marcada pela libertação de Mandela, a criação da União Africana e a confirmação

do pan-africanismo como ideologia política dessa organização e de muitas instituições

continentais com foco no tema de renascimento africana.

Nesse sentido é que o nono volume tem esses principais objetivos:

Atualizar o conteúdo dos volumes da HGA à luz dos recentes

desenvolvimentos nas diversas áreas da investigação científica, nas mudanças

políticas, socioeconômicas e ambientais e nos desenvolvimentos culturais do

continente desde o último volume da HGA;

Analisar as diferentes Diásporas africanas e suas diversas contribuições

para a construção das sociedades modernas, bem como a emancipação e o

desenvolvimento da África;

Identificar e analisar os novos desafios que a África confronta,

incluindo questões da UA, o Pan-africanismo e a integração regional, a

educação e a cultura, a juventude, as questões de igualdade de gênero, os

cuidados com a saúde, a diversidade cultural, a criatividade, as artes, a cultura

e o desenvolvimento, o diálogo intercultural entre os países da África, as

questões da paz e do meio ambiente, as alterações climáticas, a urbanização;

A pesquisa científica e a inovação, o desenvolvimento sustentável, a

boa governança, a cooperação Sul-Sul, as relações com a diáspora etc. as

diásporas africanas e as mulheres africanas da diáspora e do continente15.

1981 ;_____. L’unité culturelle de l’Afrique noire. Paris: Présente Africaine, 1982.

14 The Invention of Africa: Gnose, Philosophy, and the Order of Knowlwdge. Bloomington/Indianopolis :

Indian University Press/James Currey, 1988. 15 Reunião do Comitê Científico do Volume IX da HGA - Nota de apresentação. UNESCO/Salvador, 21 a

24 de novembro de 2013. Disponível em:

http://www.unesco.org/new/fileadmin/MULTIMEDIA/FIELD/Brasilia/pdf/brz_ed_IX_vol_GHA_present

ation_note_Brazil_pt_2013.pdf. Acessado em 10 abril de 2018; Reunião do Comitê Científico internacional

do volume IX da História geral da África (HGA). Disponível em:

Dois temas importantes já começaram a ser tratados pelos/as africanos/as do

continente e da diáspora, o da diáspora e da igualdade de gênero. A UNESCO, para

responder a essas demandas, estabeleceu a Década Internacional de Afrodescendentes

(2015-2024)16 e vem construindo conteúdos didáticos voltados às mulheres africanas da

diáspora e do continente para suprir as falhas da História Geral da África17. Esse olhar

política e cientificamente pan-africanistas é que alimenta a nossa abordagem dos Estudos

Africana. Ser adepto do paradigma pan-africanista não significa descompromisso com a

crítica, autocrítica e a objetividade. Pelo contrário, são ingredientes essenciais para o

avanço do pensamento africano (RABAKA, 2009).

O desafio da crítica sobre a narrativa única do Ocidente sobre a história da África

é que qualquer crítica contra essa posição pode levar a ser acusado/a de anacrônico/a,

essencialista e/ou inimigo/a de brancos/as. Para tanto, é preciso afirmar que o que

diferencia os Estudos Africanos dos Africanismos eurocêntricos (OBENGA, 2001, 2008)

é que os primeiros nascem no contexto pós-colonial antirracista, e os segundos são

estudos racistas. Porém, a branquitude institucional dos primeiros fazem com que, muitas

vezes, guardem ainda seus traços da branquitude acrítica, isto é, com a sua produção os

brancos continuam a fazer a manutenção de seus privilégios com roupagens acadêmicas.

E mesmo quando se assumem publicamente como pessoas guiadas pela branquitude

crítica, isto é, antirracista, nos espaços privados de brancos acabam reproduzindo o

racismo (CARDOSO, 2014).

A manutenção da branquitude acrítica nos Estudos Africanos se apresentam,

então, na forma de estabelecer a genealogia desses estudos e de concentrar o seu campo

de estudo somente sobre a África dissociada de suas diásporas. A falácia da construção

da genealogia dos saberes africanos pelos Estudos Africanos funciona como dispositivo

de compreender esses saberes somente a partir do surgimento dos seus centros no

Ocidente. Para quebrar esse estratagema, os intelectuais negros têm trabalhado no sentido

de se reconhecer a genealogia dos saberes negro-africanos desde a Antiguidade até a

http://www.unesco.org/new/fileadmin/MULTIMEDIA/FIELD/Brasilia/pdf/brz_ed_IX_vol_GHA_experts

_meeting_agenda_Brasil_pt_2013.pdf. Acessado em: 10 abril 2018. 16 Disponível em: http://decada-afro-onu.org/. Acessado em: 22 dez. 2017. 17 WOMAN IN AFRICAN HISTORY. Disponível em: https://en.unesco.org/womeninafrica/. Acessado

em: 10 abril de 2018.

contemporaneidade africanas. Essa maneira de interpretar a história da África está

presente, por exemplo, na História Geral da África (MAZRUI, et. al., 2010; BARBOSA,

2012b); e na maioria dos centros de Estudos Africana.

Além disso, para confrontar a estratagema divisionista de africanos e seus

descendentes da diáspora, recorremos às proposições teóricas africanas presentes em

Diop (1981, 1982) e no pensamento pan-africanista: tratar sempre a África na sua unidade

e diversidade; e quando se fala de africanos/as como sujeitos produtores desses saberes e

conhecimentos, compreende-se, com isso, que são os/as africanos/as do continente e da

diáspora. A África, como território de investigação, é vista igualmente em sua dimensão

mais ampla: inclui o continente e suas diásporas. A Afrocentricidade é um dos paradigmas

de Estudos Africana que radicalizou e trabalha nessa perspectiva (ASANTE, 2009). Essa

visão se firmou ainda no continente africano com a retomada do debate sobre o

“renascimento africano”, que anda de par com a consideração, pela União Africana, da

diáspora africana como a sexta região. Não se trata somente de um debate político dos/as

políticos/as, mas igualmente dos/as intelectuais (MAFEJE, 2011; MALOMALO, 2018,

no prelo; SALL, 2008; GUTTO, 2006; GTENF, 2017).

O pan-africanismo foi um dos primeiros campos teórico e político dos

movimentos negros a sugerir essa dimensão plural dos sujeitos produtores dos saberes e

conhecimentos africanos e seus/suas beneficiadores/as (LE MOUVEMENT

PANAFRICANISTE AU XXe SIÈCLE, 2004). Os Estudos Africana e Novos Estudos

Africanos trabalham com o mesmo entendimento. De fato, o que se quer afirmar é que as

práticas de produção de conhecimentos africanos antecederam historicamente os

chamados centros ou institutos de Estudos Africanos. Além disso, há conexões históricas

entre os saberes endógenos pré-coloniais e contemporâneos, apesar de a África ter

passado por processo de dominação árabo-islâmica ou ocidental. Afirmar isso não

significa ignorar as mudanças decorrentes nesse continente desde os tempos remotos.

África é um lugar de trocas e mudanças.

A História Geral da África é um exemplo vivo que traduz os princípios de saberes

africanos que os Estudos Africana destacam. O capítulo de Mazrui, Ajayi, Tshibangu e

Bohen (2010) sobre as tendências da filosofia e ciência no continente africano retrata isso.

Muitos centros de investigação no continente africano que trabalham nessa lógica nem

sempre levaram os nomes de Estudos Africanos (HOUNTONDJI, 2008; MAFEJE, 2011);

e não precisam disso. Eles o são de fato, embora sejam poucos os que faziam a ligação

com as diásporas negras, sem necessariamente ignorar esses territórios.

O GTENF – Grupo de Pesquisa em Educação Não Formal, de ideologia pan-

africanista, publicou, em 2015, um dossiê chamando a atenção sobre a necessidade de

incorporar os saberes endógenos no ensino, e isso seria um caminho para a promoção de

um desenvolvimento sustentável. Essa posição tem a ver com o entendimento que os

estudiosos africanos têm das conexões complexas que existem entre a tradição e

modernidade (KONATÉ, 2008), o seu passado, presente e futuro na produção de

conhecimentos na África contemporânea (HOUNTONDJI, 2012; MAFEJE, 2011).

Os Estudos Africana, especialmente da Afrocentricidade, a partir de 1980,

sistematizaram, tendo como ponto de partida a diáspora afro-americana, um novo

paradigma que trabalha dialeticamente a África e suas diásporas (NASCIMENTO,

2009a). Quando comecei a me interessar sobre os Estudos das Relações Raciais e Estudos

Africanos no Brasil sempre reivindiquei que era preciso realizar estudos que tratassem da

população negra, tendo um olhar, de forma recíproca, na África e em suas diásporas.

Oportunamente, a minha leitura de Estudos Africana, especialmente da Afrocentricidade,

convenceu-me de que era viável tal projeto epistemológico. Nesse sentido, considero os

Novos Estudos Africanos como uma versão de Estudos Africana produzidos desde o

Brasil. No meu caso, minhas raízes teóricas e metodológicas passam pela Filosofia

Africana de Ntumba (2014) e hoje faço uso das bibliotecas africanas e afro-diásporicas

brasileiras para viabilizar uma nova epistemologia da macumba-ubuntu-bisoidade.

Os Novos Estudos Africanos ou Estudos Africana que pratico desde o Brasil são

uma crítica ferrenha aos Estudos Africanos brancocentristas e eurocêntricos no mundo e

no Brasil, que trabalham, silenciosamente, pela manutenção do poder branco dentro desse

campo. O reconhecimento dessas falácias seria um caminho de sua descolonização,

portanto, de sua própria emancipação.

Estudos Africana/Novos Estudos Africanos desde a diáspora brasileira

O livro Afrocentricidade: Uma abordagem epistemológica inovadora, organizado

por Elisa Larkin Nascimento (2009) tem muitos méritos. Gostaria de mencionar somente

dois relativos aos objetivos desse trabalho: o primeiro é que ele faz uma síntese das

principais ideias do paradigma da Africentricidade dentro dos Estudos Africana; o

segundo revela de que forma a prática de afrocentricidade está presente nas agências

negras brasileiras, como Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros (NEABs)

(NASCIMENTO, 2009a), nos textos “Quilombismo: Um conceito emergente do processo

histórico-cultural da população afro-brasileira”, de Abdias Nascimento (2009b), e “A

identidade contraditória da mulher negra brasileira: bases históricas”, de Vânia Maria da

Silva Bonfim (2009).

A leitura minuciosa dos textos que compõem o livro de Larkin Nascimento,

convenceu-me igualmente de que a minha tentativa em nomear o projeto epistemológico

Novos Estudos Africanos, que tento construir para superar as falhas dos Estudos

Africanos, é válido. E há esforços similares desde 1980. Esse campo de investigação, nos

Estados Unidos, é chamado Estudos Africana, e a Afrocentricidade é um dos seus

paradigmas. O meu caso é parecido aos da maioria de intelectuais críticos/as que

produziram obras dentro do campo de estudos sobre a África e suas diásporas sem,

necessariamente, nomear-se afrocentrados/as.

Bioepistemologia no fazer da epistemologia do Ntu

Para se compreender a identidade da corrente afrocentrada do meu projeto

epistemológico, da atualidade, que denominei de epistemologia da macumba ou de

macumba-ubuntu-bisoidade, é preciso fazer a sociogênese de minha trajetória intelectual

(MALOMALO, 2017, 2014), isso que chamo de bioepistemologia. Fui introduzido nos

saberes populares africanos, desde que nasci, em 1973, na etnia ndengese, na R.D. do

Congo. Essa fase pode ser considerada como a da educação africana não escolar. O meu

processo de alfabetização (1980-1986), educação no ensino médio (1987-1992) e a minha

primeira graduação em Filosofia africana (1993-1995) dão-se dentro do processo de

reafricanização dos currículos nacionais. Dessa forma, estudei as obras literárias e

filosóficas africanas, pan-africanistas e da negritude desde o ensino médio. Na graduação

em Filosofia li os principais pensadores africanos, francófonos e anglófonos, entre outros,

como Diop, Ki-Zerbo, Krumah, Nyerere, etc.; e tornei-me especialista na filosofia da

bisoidade de Ntumba.

A minha afrocentricidade era construída a partir do debate filosófico africano. A

cultura africana ancestral e contemporânea têm me servido, desde então, como os lugares

de construção do meu ativismo social e de meus trabalhos acadêmicos. Era um

afrocentrado bisoita. Conhecia mais a África, a sua cultura e intelectuais, e tinha pouco

conhecimento da diáspora africana.

Cheguei em 1998 ao Brasil para realizar meus estudos de Teologia (1998-2002);

depois prossegui com mestrado (2003-2005) e doutorado (2006-2010); e desde que iniciei

a minha carreira de docente universitário e pesquisador (a partir de 2009), o racismo à

brasileira me levou a tomar posição como ativista e intelectual. A minha consciência

sobre a necessidade de se tomar posição para defender os interesses do povo negro vinha

desde a R. D. do Congo. Minhas vivências nas organizações religiosas, sociais e

acadêmicas negras e africanas (Pastoral Afro-Brasileira da Igreja Católica, Instituto do

Negro Padre Batista, Grupo Atabaque Teologia Negra e Cultura, Nupe, Família Amani,

IDDAB) contribuíram para a ampliação de minha atuação como intelectual e ativista da

e na cultura africana. Meus trabalhos desde então começaram a se construir dentro, a

partir e com a cultura africana continental e diaspórica afro-brasileira (MALOMALO,

2014, 2017b). A minha entrada na Universidade de Integração Internacional da Lusofonia

Afro-Brasileira radicalizou e ampliou o meu olhar sobre a cultura africana.

Dito em outras palavras, desde 1998, a diáspora africana contemporânea no Brasil

é o lugar de construção social do meu ativismo e epistemologia dos Estudos Africana.

Não produzo, a partir dos Estados Unidos, como faz Asante e outros colegas. Minhas

bibliotecas continuam sendo as culturas negras ancestrais, populares e acadêmicas, e não

importa o território de sua localização. Nesse sentido, para mim, a investigação é um

trabalhado de descobertas de conhecimentos, de instrumentos políticos para a libertação

pessoal e coletiva.

Entre os pontos comuns existentes entre a Afrocentricidade e a epistemologia da

macumba-ubuntu-bisoidade, que venho propondo, destaco esses elementos: princípios de

investigação; sujeitos produtores e beneficiadores de pesquisa cientifica; a metodologia;

campo de investigação.

Sujeitos e campo de investigação

Uma das críticas que os Estudos Africana trouxeram contra as ciências

dominantes tem a ver com a definição do lugar de sujeitos que realizam a investigação,

os/as pesquisadores/as e os sujeitos investigados/as. Asante (2009), na teoria de

Afrocentricidade, interpreta isso como o controle de agências negras pelos agentes

negros. Em outras palavras, significa, para mim, que a luta de pessoas negras é que sejam

vistas como seres humanos, portadores de direitos. Dessa forma é que se deve

compreender a luta de pessoas negras pelo seu reconhecimento nos espaços acadêmicos,

como parte de luta pela sua liberdade pelos pares não negros que os discriminam e

desqualificam permanentemente. Dessa forma é que cientistas africanos/as querem ser

tratados como cientistas a pé de igualdade, e não como meros auxiliares de pesquisadores

brancos e ocidentais (ADESINA, 2012; MAFEJE, 2011).

A mesma luta pelo reconhecimento de sua humanidade e competência no mundo

da ciência, feita pelos intelectuais negros, estende-se às pessoas negras investigadas pelos

cientistas. Aqui os Estudos Africana não exigem somente uma nova linguagem no tratado

com elas, mas uma nova postura ética da prática da ciência: os considerados “selvagens”,

“primitivos”, “objetos” da ciência racista ocidental, devem ser tratados como sujeitos

colaboradores no processo da produção acadêmica, pois muitos deles são mestres dos

conhecimentos e saberes de suas áreas que comportam lógicas diferentes do mundo

acadêmico.

A discussão sobre o campo da investigação tem igualmente a ver com o assunto

que levantei anteriormente: o lugar do pesquisador e colaborador da pesquisa; porém,

pretendo introduzir um novo elemento insistindo no que a ciência tradicional denomina

de “objeto”. De fato, trata-se de recorte que o cientista faz sobre o campo de investigação

através da delimitação de seus objetivos e a metodologia adotados. Nesse espaço, ele/ela

deixa explícito se vai investigar ou coletar seus dados com e a partir de pessoas

investigadas, ou se fará isso a partir de recursos não humanos: um arquivo, biblioteca, um

território, etc.

Os Estudos Africana definiram a África como seu campo de investigação e

africanos como sujeitos colaboradores em suas investigações.

O termo Estudos Africana usa a forma plural em latim para indicar dois

aspectos de sua polivalência: a múltipla abrangência do campo, que se estuda

os povos africanos e afrodescendentes em todo mundo, e com essa orientação

plural, a disciplina explora a história, as instituições, os movimentos políticos

e culturais, as economias, as culturas, a criatividade e as identidades dos

africanos e da diáspora em suas expressões históricas, econômicas, políticas,

artísticas, literárias, teóricas e epistemológicas. A pluralidade do conceito se

reflete também na acepção da palavra “africano”. No âmbito dos estudos

Africana e da afrocentricidade, o termo “africano” se refere aos

afrodescendentes e ao seu legado cultural no continente e na diáspora em

qualquer parte do mundo (NASCIMENTO, 2009, p. 29).

Essa concepção do campo é diferente da proposta pelo Hountondji (2008)18, no

seu texto “Estudos Africanos e africanos”. Isso dá-se não pelo fato desse autor não se

servir da teoria crítica da branquitude para criticar as armadilhas dos Estudos Africanos,

mas especialmente na definição que ele elabora sobre a filosofia africana e a crítica dele

sobre a vertente culturalista da Filosofia africana, que ele nomeia de “etnofilosofia”. A

sua concepção de filosofia africana é eurocêntrica e elitista. Ademais, entende que a

Filosofia africana é composta pelos textos produzidos somente pelos filósofos africanos

do continente. Esse olhar é problemático, tendo-se em conta a nossa compreensão da

diáspora africana como parte do continente africano. A crítica que Amadiume (1995)

lança contra Mudimbe vale igualmente contra Hountondji: criticam o paradigma

eurocentrista sem sair dele. Essas falhas estão presentes em muitas produções de Estudos

Africanos. Por isso, Obenga (2009) denomina a maioria deles de Africanismos

eurocentristas.

O campo de investigação, na perspectiva da epistemologia de macumba-ubuntu-

bisoidade, é composto de cientistas e não cientistas. O cientista macumbista tem as

africanidades, isto é, as culturas negras do continente e da diáspora como suas bibliotecas,

lugares ou centros para a construção de voo afro-filosóficos, entendido no sentido mais

amplo de elaboração de reflexões teóricas. Chamei isso de bibliotecas africanas e afro-

diásporicas. Claro, as bibliotecas de outros povos lhes são úteis igualmente para a

construção de conhecimentos multiculturais, mas não devem ser apropriados de forma

acrítica (MALOMALO, 2016).

Os saberes endógenos e populares, aos quais pertencem às culturas africanas, são

lugares de aprendizagem contínua do cientista macumbista. Aqui, ele aprende a construir

seus arcabouços teóricos, pedagógicos, estéticos, políticos e metodológicos com sintonia

com as lutas históricas de seu povo. Por pertencer a um ofício que exige a crítica

18 Cf. Igualmente: HOUNTONDJI, Paulin. Sur la philosophie africaine: Critique de l´ethnophilosophie.

Makon, Bamenda: Langaa Research, Publishing CIG, 2013.

permanente, como parte de um critério essencial para o avanço do seu ofício, portanto, de

sua comunidade e humanidade, ele deve zelar por ela.

Dito em outras palavras, os Estudos Africana lutaram para o reconhecimento dos

saberes ancestrais, endógenos, como saberes válidos na resolução dos problemas da

África, de suas diásporas e da humanidade. Os esforços de cruzamento desses saberes

ancestrais e acadêmicos africanos apontam para a renovação e consolidação recíprocas

desses saberes.

Princípios éticos e teórico-metodológicos dos Estudos Africana na perspectiva da

epistemologia do Ntu

Os princípios e regras do campo científico são criações humanas culturalmente

localizadas para assegurar a sobrevivência da ciência e, para os praticantes da ciência

emancipatória, para preservar a reprodução da ciência e do planeta. Aparecem, em termos

éticos, deontológicos e/ou estritamente em termos técnicos e/ou metodológicos, por

exemplo, um princípio que recomenda que se trata os pares do campo científicos com

igualdade, e os sujeitos colaboradores da investigação como colaboradores/as na

investigação e não como objetos. Esse mesmo princípio se estende aos campos de

investigação não humanos: territórios, sítios sagrados e não sagrados, rios, aldeias, que

devem ser tratados com respeito, com a ética do cuidado.

Dois traços da ciência tradicional são notáveis. Primeiramente, o papel dos

pensadores e inventores individuais estava subordinado aquele desempenhado

pela sociedade, como um todo, em respeito à elaboração do saber e das

capacidades no seio da cultura. A perda de autonomia e soberania própria ao

período colonial não podia, por conseguinte, senão desencadear profundas

repercussões, no transcurso do desenvolvimento e da maturação deste saber.

Em segundo lugar, as sociedades tradicionais não distinguiam os saberes ao

considerá-los como produtos da razão, da experimentação, da imaginação ou

da fé. Não havia dicotomia entre a ciência e a religião, a ciência e a filosofia,

ou a ciência e a arte. O conhecimento cientifico não se reduzia a abordagem

quantitativa e mecanista. A ciência ocidental não pode, contudo, apreciar o

método ou o valor da ciência tradicional na África, antes de atingir o estádio

da relatividade, durante o qual ela tomou como objeto (sic) principal de estudo,

não mais entidades discretas, mas as complexidades da natureza e do universo,

e iniciou, por esta mesma ocasião, o requestionamento dos paradigmas

ocidentais do progresso e do desenvolvimento (MAZRUI et al., 2010, p. 766).

Trata-se de uma crítica contra a ciência racista, patriarcal, machista, que trata o

outro (seres humanos e não humanos) como objetos. Todavia, Mazrui, Ajayi, Tshibangu

e Bohen (2010), por terem escrito o seu texto em um período em que a linguagem da

ciência positivista ocidental era forte, fazem o uso do termo “objeto”.

Para além da crítica feita, depreende-se os elementos como o esforço pela

humanização da ciência que tanto se fala; em nossa perspectiva, falamos da

“macumbização” “bisoisização” ou “ubuituisização” da ciência, posto que os/as cientistas

modernos/as devem se apropriar criticamente da consciência africana ancestral, no que

tenha de útil, para praticar a ciência numa perspectiva cósmica ou holística: todos os seres

humanos e não humanos, nessa direção, merecem respeito. Ou seja, a ciência é uma

criação cultural, portanto, humana, que deve levar a humanidade para o encanto do outro,

isto é, a Comunidade-Sagrado-Divino, Comunidade-de-Bantu e a Comunidade-Universo-

Natureza. No mesmo trecho percebe-se o respeito que se deve aos cientistas

tradicionalistas ou populares.

Desse princípio maior deriva o segundo, que é o acordo entre os praticantes dos

Estudos Africana de que estes são um campo de investigação multidisciplinar,

interdisciplinar ou transdisciplinar. Não podem ser disciplinares. Além disso, são

multiculturais. Diop (1981) continuará sendo uma das figuras de cientistas dos Estudos

Africana, como individuo, que praticou a interdisciplinaridade e transdisciplinaridade nas

suas últimas consequências, pois sua produção soube estabelecer um diálogo entre as

ciências humanas e ciências da natureza para se estudar a África. Vejo a mesma tendência

nos grupos da egiptologia africana deixado por Diop e liderado atualmente por Théophile

Obenga (OBENGA, 2005; MACEDO, 2016; FINCH III, 2009). Diop continua inspirando

outros centros pan-africanistas, no continente africano, motivados pela inter e

transdisciplinaridade (GUTTO, 2006).

Tratando das tendências mais importantes no âmbito dos Estudos Africana, nos

Estados Unidos, Marenga (2009, p. 334) destaca essas suas áreas de investigação: 1) as

organizações profissionais da disciplina; 2) a metodologia da afrocentricidade; 3) os

estudos das mulheres negras; 4) os estudos multiculturais; 5) os estudos da África

clássica.

No Brasil, a minha universidade, a UNILAB, nasceu com a missão de praticar

interdisciplinaridade e comporta um potencial da prática da transdisciplinaridade. Porém,

a disputa do poder pelo poder não a permite cumprir com a sua missão como deveria.

Essa universidade, em suas Diretrizes (2008), idealizou organizar a produção de saberes

sobre a África, os países da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), maioria

países africanos, a partir desses Institutos:

- ICEN – Instituto de Ciências Exatas e da Natureza: cursos de Licenciaturas em

Biologia, Química, Física e Matemáticas; Mestrado Profissional em Matemáticas;

- ICSA – Instituto de Ciências Sociais Aplicadas: curso de bacharelado em

Administração pública;

- ICS – Instituto de Ciências da Saúde: curso de bacharelado em Enfermagem;

Curso de Mestrado em Enfermagem;

- IDR – Instituto do Desenvolvimento Rural: Curso de bacharelado em

Agronomia;

- IED – Instituto de Engenharia e Desenvolvimento Sustentável: curso de

bacharelado em Engenharia de Energia; Mestrado Acadêmico em Sociobiodiversidade e

Tecnologias Sustentáveis (Masts);

- IHL – Instituto de Humanidades e Letras: bacharelado em Humanidades,

Relações Internacionais, Licenciaturas em Letras, Antropologia, Sociologia, História,

Pedagogia; Mestrado Interdisciplinar em Humanidades e Mestrado em Antropologia.

O que acontece é que esse projeto ímpar, no mundo, vem encontrando dificuldade

para a sua efetivação. Uma das razões é o peso da hegemonia do eurocentrismo que

predomina entre seus docentes. Há uma pouca produção sobre a África em seus institutos

e ela aparece de forma desproporcional. O IHL continua sendo o instituto com mais

produções sobre a África e a diáspora afro-brasileira (MALOMALO, 2017d; OSMARIA;

SILVA, 2017).

Trago igualmente um outro espaço de produção de conhecimentos sobre a África

e suas diásporas que tem alimentado as construções teóricas e metodológicas do projeto

da macumba-ubuntu-bisoidade: Associação Brasileira de Pesquisadores/as Negros/as

(ABPN). Essa, que inicialmente concentrava seus esforços nas humanidades afro-

brasileiras (MALOMALO, 2017b), vem se abrindo para incorporar as produções

africanas e afro-diaspóricas das ciências da natureza. Essas mudanças, em minha

interpretação, têm a ver com as prioridades históricas e a maturidade dos Estudos Afro-

Brasileiros e Estudos das Relações Raciais no país.

A ABPN nasceu do acúmulo dos trabalhos de intelectuais negros e negras, desde

2000, ao organizar o I Congresso Brasileiro de Pesquisadores/as Negros/as (COPENE)19.

Esses sempre reconheceram a sua filiação a produção contra-hegemônica do

conhecimento feita pelos/as intelectuais negros/as no Brasil e no mundo. Atuavam a

contracorrente de Estudos Africanos existentes no país pela sua lógica branco

eurocêntrica. Sustentaram-se, aos longos de anos, através os Núcleos de Estudos Afro-

Brasileiros (NEABs), sediados nas instituições públicas e privadas. A partir de 2003, com

a promulgação da lei no 1063920, que obriga o ensino da história e cultura africana e afro-

brasileira, e o lançamento dos oito volumes da HGA da UNESCO21, uma boa parte de

NEABs começou a incorporar as temáticas de África numa perspectiva de conexões com

a sua diáspora afro-brasileira ou mundial.

A seguir, apresento o quadro das áreas que compõem a ABPN na atualidade. O

que se percebe é que cobre todas as áreas de produção: as ciências humanas e as ciências

da natureza.

Quadro 1. Áreas científicas da ABPN

Áreas científicas da ABPN

Arquitetura e Urbanismo africano

Branquidade e Branquitude

Brasil e países da África

19 História dos COPENE. Disponível em: https://www.abpn.org.br/anais-copenes. Acessado em 15 de

abril 2018. 20 BRASIL. Ministério da Educação. Diretrizes curriculares nacionais para Educação das Relações

Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Brasília: MEC/SEPPIR,

2004a;______. Lei No 10.639/2003. In: Diretrizes curriculares nacionais para Educação das Relações

Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Brasília: MEC/SEPPIR,

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Brasília, 2009. Disponível em: hht://portal.MEC.gov.br/. Acessado em 10 fev. 2010.

21 DEFOURNY, Vinvent; HADDAD, Fernando. Apresentação. In: KI-ZERBO, Joseph (Ed.). História

Geral da África, I: Metodologia e pré-história da África. 2 ed. Revisada. Brasília: UNESCO, 2010, pp.

VII-VIII.

Ciências Sociais

Ciências e Tecnologias

Comunicação e Mídia

Educação

Filosofia Africana e Afrodiaspórica

Experiências Tradicionais e Religiosas

Feminismos Negros

Intercâmbios

Literatura

Memória e Patrimônio

Fonte: reelaborado pelo autor22

Quero destacar aqui as ideias que permeiam a área das Ciências e Tecnologia de

pela sua novidade. As suas duas coordenadoras, a doutora Anna M. Canavarro Benite e

Nicéa Quintino Amaro, trazem esses detalhes:

Ainda não ocorreu uma ampla divulgação da participação de homens e

mulheres negras na gestação e produção de muitas das inovações e conquistas

científicas e tecnológicas da humanidade, ocultamento este ligado à cultura do

racismo. É na contramão desta invisibilidade que a área de Ciências Exatas e

Tecnologias da ABPN (CET/ABPN) aturará buscando divulgar pessoas como

André Rebouças, George W. Carver, Eliza Ann Grier e Patricia Bath. Esta

relação de nomes, de forma simbólica, nos serve como um indicativo do quanto

a área de CET/ABPN pode contribuir para o avanço da educação para as

relações étnico-raciais, pois abre-se a possibilidade de apresentarmos ao

público em geral, cientistas negros/as, ou seja, um grupo de pessoas com um

perfil bem diferenciado daquele divulgado por uma mídia que insiste em

reproduzir uma visão eurocêntrica e discriminatória23.

Em seguida, situam a produção de seus trabalhos numa perspectiva dos Estudos

Africana que reconhecem a importância de africanos/as e seus descendentes na produção

da tecnologia no seu continente e na diáspora brasileira.

A tecnologia teve como berço o continente africano e esta aqui [no Brasil]

aportou também trazida por diferentes grupos, tais como libolos, congos

(cambindas), vilis, tios, ambundos, moçambiques, ijexás, egbás que

22 Disponível em: https://www.abpn.org.br/. Acessado em 23 jan. 2018.

23 ABPN – CIÊNCIA E TECNOLOGIA. Disponível em: https://www.abpn.org.br/ciencias-e-

tecnologias. Acessado em 10 abril 2018.

contribuíram com bem mais do que sua força de trabalho para o

desenvolvimento dos diferentes territórios nos quais aportaram. Os povos

iorubanos, por exemplo, trouxeram em suas mentes o mito de Ogum, o

sintetizador de milhares de ferreiros os quais dominavam técnicas de trabalho

com metais tais como o ferro, o ouro e cobre.

Dessa forma, a sua missão, no âmbito da ABPN e demais associações

científicas e acadêmicas

[é] desenvolver e apoiar os esforços para aumentar as oportunidades para

negros/as nas carreiras científicas e tecnológicas. Para tal, a área de Ciências

Exatas e Tecnologias será uma nucleadora de atividades, projetos e programas

para destacar os benefícios das contribuições científicas dos/as educadores/as,

intelectuais, pesquisadores/as e cientistas negros/as no contexto brasileiro.

Suas coordenadoras compreendem que o campo das Ciências Exatas e suas

Tecnologias agregam diferentes áreas do conhecimento, por exemplo, a medicina,

biologia, matemática, física, química e as engenharias, e nelas encontram-se mentes e

mãos de homens e de mulheres negras que colaboraram, por meio de seus estudos,

pesquisas, inventos para avanços científicos/econômicos em diferentes partes do mundo.

O que importa é tensionar essas disciplinas para o desenvolvimento de um debate em

torno da educação para as relações etnicorraciais.

O desenho de seus objetivos corresponde aos de muitas associações de intelectuais

negros/as ligadas aos Estudos Africana. De forma particular, suas coordenadoras

destacam esses:

- Aumentar o número e visibilidade do trabalho técnico-científico de

pesquisadores/as, professores/as e especialistas negros/as;

- Ampliar o conhecimento, para o público geral, por meio de instrumentos de

divulgação científica, da produção e o impacto das pesquisas desenvolvidas por cientistas

negros/as;

- Reivindicar a ampliação de recursos públicos para a área de Ciências Exatas e

Tecnologias, bem como uma política, formação e financiamento de atividades de

pesquisa de nossos/as cientistas negros/as.

Além da dimensão particular de reconhecer o paradigma ancestral africano na

produção de conhecimento na área da ciência e tecnologia, as organizadoras dessa área

trabalham pelo destaque do protagonismo das mulheres negras.

Desta forma, afirmamos nossa posição como protagonistas históricos na

produção do conhecimento humano, aqui cientifico e tecnológico, nas

incontáveis contribuições contemporâneas e na nossa incessante permanência

nos espaços “duros” de fazer científico que preterem nossa presença e para

finalizarmos informamos que temos Ogum como patrono mítico e a Enedina

Alves (1913 - 1981), a primeira mulher negra a graduar-se em Engenharia no

Brasil, como nossa madrinha.

A escolha de Ogum como Patrono e Enedina Alves como madrinha revela uma

opção teórica e política do feminismo que não exclui a inclusão de homens na luta pela

igualdade de gênero, além disso, sinaliza a força de mulheres negras na democratização

da ABPN. Mulheres negras passaram a ocupar lugares de comando nessa associação. A

sua Diretoria de 2016-2018 é marcadamente feminina: Profª. Drª. Anna M. Canavarro

Benite (Presidente); Profª. Drª. Nicéa Quintino Amauro (Secretária Executiva); Profª. Drª.

Fernanda Souza Bairros (Diretora de Relações Institucionais); Profª. Drª. Ana Beatriz

Sousa Gomes (Diretora de Relações Internacionais) e Profª. Drª. Raquel Amorim dos

Santos (Diretora de Áreas Acadêmicas).

Na apresentação do dossiê temática da Revista ABPN “Por uma produção de

ciência negra: experiências nos currículos de Química, Física, Matemática, Biologia e

Tecnologias”, Nicéa Quintino Amauro, Luciana de Oliveira Dias e Paulo Vinicius

Baptista da Silva (2017, p. 1-2), suas e seu organizadoras/r escrevem:

Prezadas/os Leitoras/es,

Apresentamos o novo número da Revista da ABPN, Associação Brasileira de

Pesquisadores/as Negros/as, que pauta suas produções pela qualidade das

publicações que têm como foco a promoção dos Direitos Humanos da

população negra na América Latina e Caribe. Os textos aqui apresentados

nesta vigésima segunda edição contemplam as áreas de história, educação,

literatura, química e artes em suas diferentes abordagens e múltiplas inter-

relações. E tem uma contribuição mais ampliada para as áreas de ensino e

de educação superior, visto que é composta pelo Dossiê Temático “Por

uma produção de ciência negra: experiências nos currículos de Química,

Física, Matemática, Biologia e Tecnologias”.

Este número é lançado em um momento no qual se acentuam os desafios para

a agenda da igualdade racial e luta antirracista, especialmente pelas políticas

sociais restritivas impostas pelo Governo Federal, que já apresentam impactos,

por exemplo, no aumento da pobreza e desemprego, que, em função do

racismo estrutural, penalizam especialmente a população negra. Neste

contexto, se fazem necessárias novas posturas para a pesquisa e para o ativismo

negro acadêmico que são impactados pelos retrocessos Sociais.

Com isso, podemos trazer três outros princípios que caracterizam a epistemologia

de macumba-ubuntu-bisoidade que encontramos na atuação da APBN: produzir o

conhecimento “a partir”, “mediante” e “para a vida”. O último compromisso é o

compromisso coletivo com a ética do cuidado com a vida de pessoas negras, africanos/as

do continente e africanos/as e seus descendentes das diásporas e com a vida do universo.

Considerações finais

O que procurei mostrar ao longo deste texto é que os Estudos Africana ou Novos

Estudos Africanos, no Brasil, constituem um campo de produção de conhecimento sobre

a África e suas diásporas em processo de consolidação. Para tanto, tomei como

parâmetros a construção do meu projeto epistemológico chamado “Epistemologia do

Ntu”, ou se preferir, a “Epistemologia da macumba-ubuntu-bisoidade”, a Associação

Brasileira de Pesquisadores/as Negros e Negras, da qual sou filiado, e a UNILAB,

instituição onde trabalho.

Na UNILAB tinha começado a desenvolver minhas reflexões em torno do que

chamei, desde 2013, de Novos Estudos Africanos. Meu contato com a literatura de

Estudos Africana e a leitura minuciosa feita sobre alguns de seus textos, de forma

particular, a partir do seu paradigma da Afrocentricidade, revelaram-me que estava a

praticar os Estudos Africana do que os Estudos Africanos. Esse meu texto foi, então, a

minha primeira resposta direta de recusa aos Estudos Africanos assente na branquitude

racista. Defendi a minha posição trazendo à tona o que considero como falhas desses

estudos: a manutenção da branquitude racista, ou o que Mazza (2009) identifica, no

contexto norte-americano, como supremacia branca com seus desdobramentos negativos

na estruturação desse campo acadêmico como espaço de produção de conhecimento e

libertação da humanidade e do planeta.

Defendi igualmente que os Novos Estudos Africanos são sinônimos de Estudos

Africana. Em meus próximos estudos espero continuar a usar somente o último conceito,

não somente pela sua consolidação como campo científico, mas igualmente pela

solidariedade com o meu povo africano, e por acreditar que este último termo é uma

superação conceitual e política do que o primeiro, que corre o risco de cair nas armadilhas

dos Estudos Africanos brancocentristas.

Ao longo do texto, ao procurar demostrar os elementos que compõem o campo

dos Estudos Africana construídos, desde a diáspora africana no Brasil, pautei-me mais no

paradigma científico que venho construindo: a Epistemologia do Ntu. Argumentei que o

campo de investigação dos Estudos Africana é a cultura africana, que chamamos às vezes

de africanidades africanas e africanidades brasileiras. As pessoas africanas e seus

descendentes devem se considerar e serem consideradas como sujeitos de investigação

e/ou colaboradoras, e não como objetos. A interdisciplinaridade e/ou a

transdisciplinaridade é a abordagem desses estudos. Os conceitos, categorias, desse

campo de estudo, devem ser buscadas nas bibliotecas africanas e afrodiaspóricas;

reavaliadas e reinventadas, criticamente.

Há muitas áreas em emergência, no Brasil, que interessam aos Estudos Africana.

Porém, além da preocupação em investir suas energias na educação, os/as

pesquisadores/as negros/as brasileiros/as, estão começando a se ocupar da área de Ciência

e Tecnologia. A ciência tem por missão, nesses estudos, a emancipação humana e

cósmica.

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