Estudos Sobre Bertolt Brecht

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    Existncia e Arte Revista Eletrnica do Grupo PET Cincias Humanas, Esttica daUniversidade Federal de So Joo Del-Rei ANO VII Nmero VI Janeiro a Dezembro de 2011

    Estudos sobre Bertolt BrechtStudies of Bertolt Brecht

    Rita Alves Miranda1- Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo

    Resumo: O tema e ponto central deste trabalho a teoria teatral que perpassa a obra deBertolt Brecht como ponto de relevncia para a atualidade do teatro hoje. Com fim deinvestigar alguns elementos da esttica de Brecht, pensou-se em primeiro esclarecer algunsfundamentos dessas questes aos leitores, tendo em vista primeiro o processo histrico e omomento vivido pelo o autor, para dar prosseguimento ao entendimento de sua proposta

    prtica e a viabilidade desta, ou no, nos dias de hoje, no contexto da sociedade atual. Brechtnos convoca a pensar em questes presentes no cotidiano as quais normalmente nooferecemos importncia. O trabalho termina com uma reflexo acerca dessa importncia.Palavras-chave:Arte, Dialtica, Poltica, Social, Teatro pico.

    Abstract:The main theme and focus of this project is the theater theory present in the workof Bertolt Brecht, which is of great relevance for the current theater. Aiming at investigatingsome elements of Brecht's aesthetic, we thought of beginning with clarifying to the readersome grounds of these questions, bearing in mind both the historical process and the momentlived by the author, followed by the understanding of his practical proposal and its viability -or not - currently, in the context of the current society. Brecht invites us to think aboutquestions present in the everyday-life, which we often disregard. This paper ends up with a

    reflection concerning this importance.Keywords:Art, Dialect, Epic Theater, Politics, Social.

    Em vosso mundo: por que o mal premiado e o bem no ganha nada.

    Quando por sorte no castigado?Bertolt Brecht

    ertolt Brecht foi dramaturgo, poeta, diretor, crtico, terico... Quando

    pensamos em sua obra, logo nos vem mente a forte percepo que teve diante dos temores e

    terrores de sua poca; percepo esta que foi sem dvida, poltica, tica e esttica. Segundo

    seu amigo e filsofo Walter Benjamin, o que encanta em Brecht a sua ligao com a

    simplicidade. Uma simplicidade, para muitos, tida como insuficincia intelectual, mas que

    1Mestranda em filosofia pela PUC-SP.

    B

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    despertou em ns grande identificao desde o momento em que entramos em contato com

    sua obra e onde comeou nosso trabalho com o autor. Um trabalho que vem sendo

    apaixonante, e assim como toda paixo, uma juno de momentos intempestivos e prazerosos.

    A verdade que acreditamos que havia em Brecht uma nsia por mostrar com clareza

    as suas idias e contribuir com elas para o mundo. Foi movido por um impulso quase infantil

    de ajudar. Algum que obteve certa conscincia, que compreendeu determinadas coisas e que

    gostaria como um dever, uma meta de vida de compartilhar com os outros aquilo que

    apreendeu. Um desprendimento de intelectualismos que guardam para si conhecimentos, com

    medo de que eles deixem de ser seus, s porque foram ditos, revelados (e a part ir deste ponto,

    talvez se entenda a despretenso de comear um trabalho de forma mais erudita e rebuscada

    do que esta). Este medo, de no ser mais importante por ser entendido pela massa, por nomais ser narciso, o mesmo que faz da filosofia menos audvel, assim como muitos teatros e

    ideias. No porque h demasiadas pessoas dbeis no mundo, mas porque o medo faz com que

    se queira conservar heris, sbios, senhores e suas verdades. A forma prevalece em meio a

    uma desigualdade que imensa.

    Sendo assim, partimos de uma anlise a partir, principalmente, de suas produes

    esttico-tericas que permitiram a escrita deste texto, que tem como objetivo, olhar para a

    obra de Brecht com certa admirao. Uma admirao que emerge num tempo em que todifcil pensar o mundo e sentir esse mundo pensado atravs da arte, onde a verdadeira

    experincia artstica quase um presente dos deuses, por se encontrar num meio onde h tanta

    informao e produo em massa. Querer estar perto disso, dessa iniciativa brechtiana,

    querer estar perto do novo, do que acontece no agora e, se no por inteiro, pelo menos, de

    forma parcial, na inquietao que move essa busca, mesmo que interna, que pessoal. Brecht

    um autor que, embora muitos o considerem passado, limitado, pode ensinar e nos originar

    reflexes extremamente construtivas, se encaradas como transformadoras, ainda mais nomundo atual em que pouca coisa j muito. A conquista se dar como ele previa, com certo

    exerccio e este, por sua vez, s possvel se houver trabalho. No entanto, que no se perca

    por esse novo caminho a leveza, seja tendo como tema o belo ou o grotesco. O importante

    sempre divertir e divertir-se. A questo ocupa um lugar mais fundamental porque, talvez, o

    que esteja errado, equivocado, seja exatamente, o que hoje se atribuiu ao conceito de diverso.

    Esta por si s j um tema para uma grande reflexo. Resta prosseguir com ela.

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    1 Elementos da Teoria de Bertolt BrechtO maior desafio, talvez, da esttica de Bertolt Brecht, no est em compreend-la

    como teoria, e sim em conceb-la como uma prtica. E, ao mesmo tempo, ter claro que essa

    teoria s existe mediante essa prtica - ela pode at ser simplista quando vista apenas como

    teoria, porm apresenta-se como um enorme quebra-cabea quando vivenciada. A parte

    escrita do trabalho de Brecht resultado de uma srie de reflexes a partir de nada mais do

    que, as experincias vivenciadas em suas prticas teatrais. Nela (na teoria), existem sim

    elementos contraditrios, mas isso no chega a ser um problema, pelo contrrio. E

    importante frisar este ponto para o entendimento posterior, pois so esses elementos que

    promovem a grandiosidade de seu teatro com a sua dialtica. Isto, porm, tambm ser

    discutido mais adiante.

    Muito embora, como mencionado anteriormente, Brecht tenha-se esforado para ser

    claro e expor suas idias para que todos conseguissem ao menos ter acesso a elas, parece que

    muitos que o leem no se conformam com a simplicidade de sua escrita e a clareza com que

    ele explora suas propostas, e teimam em tentar procurar obscurantismos, falhas. A crtica

    importante para o crescimento, ela coloca em debate algo que est posto e feliz aquele que

    consegue enfrentar esse desafio. Brecht soube faz-lo a seu modo. Contudo, h tambm

    crticas que pouco tm a dizer de fato e muito apontam. Esquece-se de que o que est sendo

    proposto, algo importante que est sendo inaugurado. Algo que quer mudar para que haja

    mudana, s bem vindo quem estiver disposto. A histria que o diga. O que relevante o

    que acrescenta arte. Ou, o que se cria de novo, a partir de que conceitos. Porque usar a

    cincia a favor da arte tem que significar transformar a arte em no arte? O que parece um

    medo da renovao proposta por ele para o teatro. Renovao que deve ser constante, porque

    deve tentar acompanhar as constantes mudanas do mundo. Brecht tentou, atravs das prticasteatrais desenvolvidas em sua vida, mudar essa perspectiva com o intuito de construir relaes

    mais saudveis entre o artista, o espectador, o mundo, a arte e as mudanas.

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    1 1 As origensBertolt Brecht e sua obra, como tudo assim o , no surgiram do nada. A histria do

    teatro mostra que o dramaturgo alemo bebeu de vrias fontes, at criar a sua. A influncia

    toda nasce de um ponto em comum com o mundo: uma crise. Algo que no podia mais ser

    silenciado. O mestre de Brecht nesses tempos sombrios foi Piscator, com quem ele tem

    divergncias, mas que desempenhou um papel importante, at mesmo para a concepo do

    que viria a ser mais tarde o Teatro pico.

    O teatro de Piscator, de vanguarda, poltico, surgiu para romper com o tradicionalismo

    que estava mais do que nunca em voga, decorrncia da influncia da cultura burguesa. O

    naturalismo que vigorava nos palcos fazia pensar (porque assim era representada) numa

    realidade sem conflitos, muito diferente da realidade vivida. Porm, em meio s atrocidades

    cometidas por mos humanas, era necessrio acordar o povo para a luta contra os que o

    haviam adormecido e assim explorado, transformando-os (a esse povo) em seres inanimados,

    sem voz. Eram frutos de uma sociedade que cultivou o prazer pela alienao. Era o momento

    da transformao. A poca e as suas consequncias no podiam mais ser ignoradas.

    Influenciavam diretamente a constituio do sujeito, que se via sem rumo, sem sadas

    possveis para a salvao. Havia classes querendo falar, serem ouvidas, e no lhes davam

    cenas.

    O novo teatro surge e, com ele, os atores e todos os personagens que compunham o

    espetculo, os quais tambm emergiam de uma classe diferente daquela que costumava ser

    protagonista, o proletariado. A verdade precisava mais do que nunca, com urgncia, vir tona

    e o pblico tinha que ser o mesmo que vivia a realidade a ser escancarada. Segundo Piscator,

    era objetivo da arte derivar absolutamente da verdade. Uma verdade que tem histria e que

    continuar tendo porque continuar evoluindo. Era preciso barrar a evoluo sem conscincia.Este tinha alvo certo e h interpretaes de que ele nem tinha pretenses de produzir, arte e

    sim, uma proposta pedaggica2 de fazer peas polticas que informassem as classes

    desinformadas, com o intuito de superar os pressupostos naturalistas atravs da razo.

    No preciso ir muito longe para perceber que a luta de Piscator estava muito mais

    perto da poltica e de uma luta de classes, herana de um marxismo que vivia o seu auge na

    poca, do que propriamente da arte como meio de expresso de um tempo, de momento, ou

    2O que mais tarde influenciaria Brecht a desenvolver o teatro didtico.

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    debate. E assim, como a prpria luta de classes, ele tambm no obteve felicidade em sua

    tentativa, passando a ficar, de certa forma, estagnado na histria mais tarde. Quando se fala

    em arte, Piscator pouco citado, a no ser como ponto de referncia para uma arte, mais tarde

    concebida por Brecht. Mesmo porque, para ele, a arte no ia alm do compromisso de mudar

    a concepo poltica dos homens, num mundo dividido por classes. Toda ela tornava-se

    escrava - e o tinha que ser - de uma tarefa de que a sociedade como um todo no conseguia

    dar conta. Uma responsabilidade injusta. Dando um grande salto - mas ainda assim, uma

    reflexo possvel - essa responsabilidade era o que nos dias de hoje acabou por ser transferido

    para a competncia da educao. A escola responsvel pela formao do indivduo,

    independente da sociedade da qual ele faz parte, ela responsvel pelas mudanas. Um futuro

    promissor fruto de uma boa educao? Para Piscator a arte tinha o papel de mudar os rumosda realidade, atravs de discursos politicamente engajados, que levassem a uma discusso

    nesse campo. Essa era a sua essencialidade pedaggica.

    Com isso, apesar da admirao e da forte influncia (inclusive a marxista), Brecht

    distancia-se de Piscator para fazer o seu teatro. No tem o imediato como absoluto e para ele,

    o pico - como se mostrar ao longo do trabalho - vai muito alm do elemento poltico, no

    podendo ser reduzido a este. Brecht est mais prximo da arte. H nele mais sentimentos que

    em seu mestre, no qual a busca se distanciava cada vez mais da arte -como puramente forma-para procurar a vida, sem que essa vida dependa apenas da representao do universo

    subjetivo. A arte contempornea aguardava uma nova interpretao dos fatos. Com Brecht,

    essa transformao fica mais prxima de acontecer, embora encontre pelo caminho desafios

    tcnicos e conceituais maiores, justamente por no se pretender como propaganda poltica e

    sim como arte, diverso.

    1 2 Um no vo conceito para o teatroA discusso do que o Teatro pico (fundado por Brecht), como dito anteriormente,

    at hoje causa polmicas e o seu entendimento tornou-se decisivo para a compreenso de todo

    o restante da proposta do autor. Permite que todas as outras tcnicas e idias constituam

    somente uma e essas relaes que acabam constituindo a prpria esttica de Bertolt Brecht.

    O teatro agora tem um objetivo e ele apenas um: apresentar um mundo que pode mudar ecuja mudana dever partir do indivduo e sua conscincia. No entender o que Teatro pico,

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    no entender Brecht, distanciamento, atitude crtica construda pelo e para o espectador

    atravs da arte.

    Uma nova forma emergiu da j existente. A insatisfao de Brecht est dirigida ao

    rumo que a forma dramtica e a pica concebidas por Aristteles, acabaram com o tempo,

    seguindo. Uma apropriao que se deu de forma a desvencilhar totalmente a arte do

    compromisso com sua poca, com o homem do momento presente. Homem que muda e

    tempo que muda. Para ele, o que havia sido conquistado ao longo dos tempos eram textos

    cheios de entonaes especiais, modos difceis de falar e enredos sem novidades, longe de

    criarem qualquer coisa digna de admirao, ou pensamentos vlidos, a fim de promover

    discusso e dela surgir mais tarde, algo como uma transformao, por mnima que fosse.

    Resumindo, havia se consumido muito, a arte tornara-se produto e o produto mais desejado.Era ela o que acabou derivando para o que hoje tambm chamado de entretenimento. Uma

    diverso alienada.

    Entretanto, voltando a Aristteles, a oposio de Brecht tem a ver com o valor

    soberano que foi dado s emoes no teatro. Por mais que, desde sempre, a forma pica e a

    dramtica tenham sempre sido distinguidas uma da outra (na estrutura) e tenham ocupado

    lugares distintos na esttica, em Aristteles ambas as formas tomavam emprestados elementos

    uma da outra, combinando-se entre si. Esse movimento (de emprstimo), segundo Brecht, foitornando-se cada vez maior e a forma pica nessa doao foi perdendo sua essncia para dar

    lugar dramaticidade exacerbada at atingir seu auge: o romance burgus foi transformado

    pelo teatro e por seu mundo em drama burgus. A crtica de Brecht dirige-se a esse

    movimento, j presente e fundamentado em Aristteles.

    Foi um processo histrico da arte, mas o resultado dessa fuso representou a perda da

    epopeia. O que Aristteles teria feito - porque h dvidas quanto a ele ter feito de fato-, ao

    diferenciar as duas formas, deformou-se

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    . Transformou-se em apenas uma forma. A formadramtica de teatro. A causa disso est na prpria origem do movimento de doao de

    elementos de uma forma para a outra. Ao contrrio do que muitos pensam a dramaturgia no-

    aristotlica (de Brecht) no compreende as emoes como algo que deve ser banido da cena.

    Acredita, sim, que s possvel emocionar-se tendo por base uma mente preparada, a partir

    de uma hegemonia do esprito crtico. O que Brecht percebe que havia uma manipulao das

    emoes e conseqentemente da realidade. A arte passa a retirar o indivduo do mundo que

    3

    Este artigo no poder dar conta desta discusso em relao crtica de Brecht a Aristteles. Trata-se de umaquesto que ser discutida com mais rigor e atento em outro momento de nossa pesquisa sobre o universo deBertolt Brecht.

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    ele no quer ver. A nica sada aniquilar a idia de que a emoo tem que estar vinculada

    a um estado de empatia, a uma irracionalidade. nesse ponto que se d o embate entre

    Brecht, Aristteles e seus crticos. Sabendo-se que a experincia teatral, por mais racional que

    seja, tem muito de emocional, como fazer que essa mesma experincia seja ao mesmo tempo

    crtica? O desafio est em no transformar o teatro em panfletrio, como em Piscator, ou,

    como em boa parte da dramaturgia, deixar que as emoes coincidam com ignorncia.

    preciso domar as emoes - o que os gregos, com suas tragdias carregadas delas, nos

    famosos momentos catrticos 4no conseguiram.

    importante, no entanto, ressalvar que Brecht nunca foi contrrio aos clssicos.

    Segundo ele, o problema estava na intimidao que se apossou dessas obras, na ameaa de

    desaparecer o que havia de particular e de arte nelas. Criou-se uma tradio que reproduz asobras clssicas como repete tarefas de sua rotina, acomodando os encenadores, os atores e o

    pblico. H mudanas que so prprias de cada tempo e elas tm que existir. O que aconteceu

    com o teatro que o mundo seguiu, e ele parece que parou e estagnou, bastando-se de

    mudanas formais, quando, na verdade, elas deveriam dar-se nas entranhas desse novo

    homem que surge dia aps dia e que deveria ser observador de si mesmo, sem descansos, sem

    sossego.

    Acidentes acontecem e o teatro para Brecht passa a ser uma descrio de alguns deles.Tenta olhar para o sentimento tambm como algo vivo e que por o ser, est sujeito a

    mudanas. Tem como funo representar situaes, mas no apenas a reproduo de cenas

    conhecidas. Sair dessa zona confortvel para transpor uma realidade, mostrando os

    acontecimentos por detrs dos acontecimentos. A realidade estranha e, buscar o seu

    conhecimento, aproxima o homem curioso. Esse movimento vivido pela cincia. Ele estaria

    assim, ocupando o lugar que lhe devido: o de estar ao lado da cincia. E diferentemente de

    Aristteles, essa relao com a cincia no mais est ligada s causas dos fenmenos e sim, srelaes entre esses fenmenos. Para isso, necessrio que se descubram antes essas situaes

    da vida cotidiana.

    A estagnao da cena fica muito mais evidente nos clssicos retratados pela burguesia,

    em que o temperamento dramtico substitui qualquer poder (que alguma vez j se pde

    atribuir a essas obras) de intervir naquela sociedade. As mudanas se deram s em nvel

    formal e mascaram o que est por trs, um descaso com o novo, muito pior do que se fossem

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    O momento de catarse foi concebido por Aristteles e desenvolvido por este em sua obra. Atravs deinterpretaes deste conceito, entende-se como catarse, o resultado, o estado mais intenso dado pelas emoes.Uma espcie de emoo que se configura numa experincia entre o reconhecimento e a admirao.

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    simplesmente encenadas tradicionalmente. Tornaram-se clssicas as obras, assim como se

    tornou clssica a fachada da sociedade, das relaes entre os homens que serve apenas para

    enaltecer a superficialidade hipcrita.

    O homem comete anacronismos o tempo todo. Numa poca em que nada havia de

    belo, no havia porque represent-lo como se ele de fato estivesse presente nos

    acontecimentos da vida real. O belo, naquele momento, fazia parte do comrcio burgus. Para

    Brecht, era preciso encontrar a diverso prpria daquele tempo e dos prximos. As novas

    formas de convvio entre os homens herdam coisas do passado, mas no so eternas. A

    histria eterna enquanto histria. O antigo como fachada, receita do belo, deve ser

    deixado de lado.

    Assim, para auxiliar o entendimento dos conceitos do novo teatro que surge, o autorescreveu um texto intitulado: Pequeno rganon para o teatro 5. Ele achava que se fazia

    necessrio analisar a esttica desse teatro que emergia da era cientfica. Esse era o momento

    vivido por aquela poca: a cincia no centro. Como j dito anteriormente, no havia como

    voltar e ignorar o fato, seria ignorar pateticamente que o mundo estava sofrendo uma

    mudana, divisora de guas para sempre. Os ditos representantes da esttica, por menos

    preparados que estivessem para conceber essa nova forma de se fazer teatro, teriam que

    encarar a questo ao invs de se contentarem em olhar com desdm para o que para eles erauma arte impossibilitada, porque surgia de uma classe depravada que se tornara parasitria.

    Sobre a proposta deste rganon, Brecht diz em seu prlogo:

    Chegou a altura de rebatermos, por muito que pese ao comum das pessoas, o nossopropsito de emigrar do reino do aprazvel e de manifestarmos, por muito que aindao maior nmero de pessoas, o nosso propsito de nos estabelecermos, daqui parafrente, neste reino. Tratemos o teatro como um recinto de diverso, nico tratamentopossvel desde que o enquadremos numa esttica, e analisemos, pois, qual a formade diverso que mais nos agrada (2005, p. 127).

    Pois ento, o princpio bsico do teatro a diverso. esta que responsvel por uma

    dignidade especial que lhe foi atribuda. O teatro precisa poder continuar a ser algo

    absolutamente suprfluo, o que significa, evidentemente, que vivemos para o suprfluo. E a

    causa dos divertimentos , dentre todas a que menos necessita de ser advogada (BRECHT,

    2005, p.128).

    5Este texto foi escrito por Brecht em 1948 e est no seu livro,Estudos sobre teatro, publicado em 2005 pela Ed.Nova Fronteira.

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    Querer que ele assumisse objetivos maiores que o de divertir menosprezar o seu

    principal objetivo: o prazer. Neste ponto, Brecht distingue dois tipos de prazer: os fracos, que

    estariam representados por aqueles dramas que no se desenvolvem mais que na superfcie; e

    os intensos, que seriam provocados pela riqueza do drama, que intervm, que contradiz e que

    tem consequncias bem mais decisivas.

    a sensao de desacerto, que nos vem perante as reprodues dos acontecimentosocorridos no mundo dos homens, que reduz nosso prazer no teatro. A razo dessedesacerto o fato de a nossa posio em relao ao objeto reproduzido ser diversadaquela dos que nos antecederam (BRECHT, 2005, p.132).

    preciso encontrar esse novo teatro de que tanto se fala. Tendo a forma pica

    assumido o que antes era caracterstico do teatro dramtico, isto , a identificao com o heri

    e a representao da concepo de mundo a partir da perspectiva deste, preciso agora ver o

    mundo que existe antes do sujeito. Realar o ambiente em que vivem os homens, que sempre

    foi colocado nos dramas do ponto de vista do heri, manipulado. Ele determinava o meio. O

    teatro pico quer o meio manifestando-se independentemente dos seres que o habitam e de

    suas opinies. O homem, com sua sede de saber e domnio, conseguiu intervir em algo to

    mais forte que ele prprio, ou seja, a natureza. Ele a explorou e a subjugou, mas no aprendeu

    com ela caminhos melhores para conseguir finalmente a sua evoluo: coexistir de forma

    plena e sadia em sociedade. Pelo contrrio, buscou artifcios atravs da cincia para se tornar

    cada vez menos natural, para mudar o curso da vida, fazer dela sua subordinada.

    O que poderia ser o progresso de todos torna-se a vantagem de algumas partesapenas, e uma parte crescente da produo votada criao de meios destruidoresdestinados a guerras poderosas, a guerras em que as mes de todas as naes, comos filhos apertados contra si, esquadrinham estupefatos o cu, no rastro dos inventosmortferos da cincia (BRECHT, 2005, p.134).

    A cincia produto da classe burguesa e serve a essa classe. A vida de outras pessoas

    tirada em prol de uma vida duradoura, calma e confortvel para uma minoria. Dessa forma,

    nasceu e cresce o dito progresso trazido pela modernidade.

    Faz parte da concepo teatral de Brecht entender os mecanismos e em que ponto se

    encontra a humanidade da qual ele prprio participante. Esse o ponto de partida para o

    trabalho. Todos deveriam se questionar sobre o mundo em que vivem. H nesse dever uma

    proposta esttica de fazer do momento vivido, dos acontecimentos da atualidade fontes de

    pesquisa e produo para o palco. questo corrente em sua obra, parecendo ser

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    inconcebvel, pensar que o homem passa pela vida, sem se questionar sobre ela, sem querer

    mudar. Nisso aparecem questes como: Que impotncia essa do homem mudar a si prprio?

    O que lhe permite tantos feitos, como por exemplo, causar catstrofes, mas que o impede de

    poder revert-las em bondade e gestos de respeito para com o prximo? H impotncia, ou faz

    parte de uma escolha? Mais uma vez, o que lhe interessa so as situaes em que isso

    questionado. Que decises devem ser tomadas e cada uma ter sua implicao e essas

    implicaes devem ser mostradas e destrinchadas.

    A arte precisa se apoiar naqueles que querem de fato mudar para melhor. esse desejo

    que far do teatro um teatro prprio de sua poca. No colocando a arte merc da poca,

    mas ao mesmo tempo no esquecer esta e suas caractersticas. Negar isso um erro grave.

    Posteriormente, deixar de lado aqueles que tambm tm direito diverso, que tambmpodem criar diverso, sem se esquecer de pensar sobre a complexidade de seus problemas. A

    arte pode servir de sada para, por que no tambm, proporcionar a resoluo desses

    problemas.

    Tudo isto vem facilitar ao teatro uma aproximao, tanto quanto possvel estreita,com os estabelecimentos de ensino e de difuso. Pois, embora o teatro no deva serimportunado com toda a sorte de temas de ordem cultural que no lhe confiram umcarter recreativo, tem plena liberdade de se recrear com o ensino ou com a

    investigao. Faz com que as reprodues da sociedade sejam vlidas e capazes de ainfluenciar, como autntica diverso (BRECHT, 2005, p.136-137).

    1 3 A proposta terica da prticaChega-se ao ponto da proposta. O que deve ser feito para que o mundo seja mostrado

    assim como ? Como mundo que muda e que pode ser mudado pelo homem que se senta para

    assistir pea? H muito tempo que algo est sendo escondido: a mudana. Porm, todos

    sabem que algo mudou. O qu? Resta ao teatro escancarar as cortinas de seus palcos!

    O que estava sendo mostrado, segundo Brecht, era uma estrutura extremamente

    elaborada com o intuito de no mostrar sadas, de no poder ser modificada pela sociedade.

    Ou seja, por ningum que estivesse na plateia. Brecht ressalta esse ponto, o tempo todo e de

    forma radical, com razo, porque se sabe (e nesse ponto a influncia da filosofia

    fundamental) que os produtos da alienao, podem ser os mais desastrosos possveis. Quando

    a importncia do saber sobre si e sobre o seu mundo no frisada o tempo todo, h uma

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    grande tendncia dos homens a se fecharem cada um em seus problemas pessoais, ntimos.

    Tm a esperana de que Deus 6os resolva sem despertarem para a possibilidade de que tais

    problemas podem ser resolvidos por eles mesmos.

    A reflexo e o pensar podem limitar a ao, mas a ao efetiva e cordial s existir por

    meio desses mecanismos apenas possveis aos homens. O homem deve ser retratado como um

    acontecimento que ainda no terminou, assim como todas as suas aes e todos os momentos

    de sua vida. A vida dele est longe de acabar. O homem moderno tem de superar a morte de

    Deus, que nada mais seno a morte de seus valores. Um sentimento de angstia e de que

    tudo que se estabelece com o advento desse homem moderno vo e deve ser superado.

    Superado a partir da construo de um olhar que no deveria buscar algo acima da vida, mas

    nela mesma. O olhar que faz com que valha a pena viver novamente. Para isso, fazendo aponte (lembramos Nietzsche), o homem precisa se desprender dos ressentimentos carregados

    por sua tradio metafsica para buscar algo de valioso no mundo terreno, no mais no mundo

    da transcendncia. S assim, encarando a sua condio de ser que sofre, poder confrontar o

    conformismo e ir alm de si mesmo, no mais vendo a vida de forma depreciativa porque ela

    terminar na morte, mas buscando na prpria vida sadas, possibilidades, salvao. Dessa

    forma, poder-se-ia dizer que h, como em Nietzsche, uma proposta de superao do niilismo:

    em Brecht, atravs do teatro.Se o teatro se ocupar de mostrar a realidade, ter que ser capaz tambm de abrir

    campos para a transformao dessa realidade, contemplando-a de diversas formas. Para que

    no haja possvel frustrao - como muitas vezes h perante algumas teorias, que rondam a

    mudana, mas que deixam sempre a pergunta: Como mudar? Como fazer teatro dentro desses

    moldes, sem esquecer o principal objetivo do teatro que deve ser o de divertir?

    mencionemos as cartas de Brecht, que constituem a parte prtica de sua esttica. A

    explicitao de algumas tcnicas ainda est longe de ser prtica (por se tratar a prtica doobjetivo dessa teorizao, neste caso), porm, durante toda a sua vida, Brecht, como j dito,

    antes de teorizar as aplicou, as experimentou em seu teatro e hoje elas continuam sendo

    adotadas, por vezes sendo reinventadas, por vezes no.

    Em primeiro lugar, Brecht prope um novo olhar diante da perspectiva histrica. Ela

    existe de certa forma, no entanto passa a ideia de que aquilo que aconteceu naquela poca

    tambm poderia acontecer agora e sendo vivenciado de um outro modo por outros homens

    6O uso da palavra Deus no sentido de crena, de qualquer coisa que influencie diretamente, as aes epensamentos do indivduo, que o prenda e o objetive em determinada empreitada.

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    que no aqueles. Como se fosse trabalhada uma espcie de contradio que, ao mesmo tempo,

    mostra certo momento na histria e esfumaa sua imagem, fazendo-o se parecer tambm

    como um possvel momento de agora. Essa situao gera um confronto e por si s tem como

    objetivo causar certo estranhamento. H uma liberdade que permite uma viagem por vrias

    pocas, situaes, acontecimentos. H um reconhecimento que no se efetiva de cara, que no

    se finda na ao, que se completa com a abstrao e reflexo dirigida a ele.

    Este elemento pode-se dizer que est ligado a algo mais fecundo em Brecht, que a

    concepo dialtica, dirigida a um compromisso que ele acreditava ser fundamental da

    cincia: o de educar combatendo a irracionalidade. Fazer do espectador um cientista, um

    cientista que lida com a contradio. Que cresce nela, para transformar. Na dialtica, a

    diferena em forma de dicotomia se d por meio da dinmica, apresentando acontecimentos,ou situaes que ainda no findaram e nos quais as coisas tomam rumos diferentes do que

    aconteceria com, por exemplo, uma apreenso superficial do real, para dar lugar ao verdadeiro

    real, uma contradio. As coisas s se transformam se estiverem em conflito com elas

    mesmas. nesses conflitos que se d a mudana. Brecht quer o espectador vivenciando esse

    conflito e os possveis desenlaces que dele podem provir. Afinal, segundo ele prprio:

    Mesmo nos panoramas das barracas de feira e nas baladas populares, a gentesimples - que , afinal, to pouco simples - gosta de histrias que tenham por temaprosperidade e a queda dos grandes, a eterna mudana, a astcia dos oprimidos, aspossibilidades do homem. E buscam a verdade: isto , o que fica por trs dela(BRECHT, 2005, p.188).

    Ainda com respeito dialtica, havia tambm em Brecht, uma forte reivindicao: a

    de unir forma e contedo, como se ambos constitussem uma unidade (embora havendo

    diferenas estruturais entre eles). H, no entanto, nisso um embate. Pode-se dizer que o

    dramaturgo buscou o verdadeiro realismo, representando em suas peas a realidade, tentando

    fugir das leis formais impostas por tratados realistas. Porm, encontrou dificuldades para

    combater os pressupostos que j existiam embora soubesse que como artista a sua

    preocupao tambm teria de ser a forma. Assume-se, ele mesmo, como um formalista,

    simplesmente por querer, desejar, formalizar as imagens de suas descobertas pessoais.

    Defende ento que o formalismo no culpado por tornar obras em no realistas, porque ele

    no faz parte do campo da esttica. Voltando ao ponto de conflito, necessrio que haja

    contedo no que est sendo dito. Muitas obras foram transformadas em superficialidade para

    que se obedecesse a uma beleza esttica.

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    Segundo Brecht, o problema se resolve quando o formalismo descer vida

    cotidiana. Isso serviria at mesmo para desmascarar obras que so puramente formais e que,

    portanto, no correspondem realidade. Pretendem-se transformadoras, mas a maioria das

    pessoas no as entende. Como transformar com montagens de situaes sociais, que no

    passam de forma e mais forma? O fracasso de muitas correntes libertadoras est no fato

    delas no experimentarem o fracasso, o erro, de no experimentarem ao mximo a obra de

    arte. Deve ser abandonado aquele velho pressuposto de algo dar certo. S assim o mundo

    poder caminhar ao invs de permanecer esttico, como acontece com a metafsica. A nica

    forma visvel para Brecht de isso se concretizar na unio de forma e contedo, uma relao

    dialtica. Nisto, houve a influncia do expressionismo, apesar de ter traado o prprio

    caminho. O conflito para ele deve acontecer no palco.Com o intuito de provocar um baque na arte de representar, destituindo a concepo

    de que teatro alheamento, hipnose, que vem tona a tcnica central do novo teatro

    pico, o distanciamento. Ele nasce da necessidade de possibilitar queles que assistem

    relao e reflexo, a partir das cenas, com o mundo em que vivem. O mundo representado

    no mais ser uma iluso improvvel. O conformismo diante dos acontecimentos dados, o

    pr-estabelecido, devem ser abandonados para darem lugar a um novo comportamento que

    ser iniciado pelos atores e pela encenao e culminar na formao de um espectadorconsciente e que tenta acompanhar de fato a evoluo de seu meio. Nesse mundo, quem quer

    diferente exceo e uma exceo ousada! H, porm, uma esperana no homem: a de que

    ele possa mudar. Para isso, segundo Brecht, o homem ter que encarar o que deveria ser e no

    s o que . Um novo destino tem que lhe ser mostrado.

    O distanciamento descarta o previsvel. Ecos, esboos configuram a cena que

    desencadeia tantas outras cenas na cabea daquele que assiste. O objeto reconhecido, que para

    Brecht feito por meio de referncias histricas, ou com um dos cones da atualidade,provoca dvida e sensaes diversas das de um reconhecimento comum, como do teatro

    burgus. O efeito novo ansiava outros desgnios, que no os da antiga tcnica, que existia em

    outras culturas e se aproximava mais do plano de um devaneio e de um desprendimento

    espiritual do mundo do que da veracidade deste. No servia para a sociedade do novo tempo,

    nem do prximo. A finalidade era outra: a de despertar no espectador a atividade crtica ao

    tornar o cotidiano especial, justamente para que se pensasse sobre ele (por isso mesmo,

    importante o uso, em cena, de elementos desse cotidiano). Chega a ser espirituoso pensar que,

    a vida representada pelo teatro burgus estava to distante da realidade que retrat-la (a

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    realidade) na sua simplicidade e sem artifcios, seria causar um estranhamento. Esta j por si

    s uma grande contradio.

    A dialtica encontra-se nesse processo tambm. Pode ser (e esta uma reflexo

    arriscada, ao mesmo tempo em que pertinente, medida que se l sobre a esttica de Brecht)

    que sua concepo de dialtica, assim como tambm a de distanciamento, tenha surgido cada

    vez de forma mais intensa em sua obra, para contestar a prpria concepo de opostos como

    se eles existissem apenas no plano terico. Eles se confundem, unem-se na contradio, assim

    como o amor e o dio, que constantemente (como a maioria dos sentimentos, classificados

    como opostos) tomam a mesma forma, so faces da mesma moeda e apossam-se ao mesmo

    tempo de uma mesma pessoa e, no entanto, so tidos conceitualmente como opostos. Isso se

    aproxima da vida real. No distanciamento isso experimentado pelo ator e, consequentementepelo espectador. Mais que isso: s culminar em vivncia do pblico, se primeiro for

    experimentado pelos atores.

    Antes, o que era encenado tinha que dar a impresso de no ser ensaiado, de ser o mais

    natural possvel. Agora, o ator deve mostrar com gestos, o que est fazendo. Num primeiro

    momento, pensa-se em distanciamento - e nisso reside o grande problema das interpretaes

    brechtianas - como algo reto, frio e extremamente entediante. Realmente isso pode acontecer,

    mas h um ponto chave para que ele se concretize de fato e o que muitos no entendem. Oator no deve comear distanciado totalmente de seu personagem. Mesmo porque para haver

    um distanciamento necessrio que antes se aproxime algo. O que no deve acontecer o

    ator metamorfosear-se na personagem. Ele no deve, no decurso do processo, deixar-se

    levar pela personagem e os sentimentos desta, mas num primeiro momento (muito pequeno)

    imprescindvel certa empatia, para que, no momento em que ele e o espectador estejam

    quase acreditando, se d uma quebra, uma interrupo, que feita pelo prprio ator e que se

    configurar na forma de gestos, plenos e meticulosamente escolhidos a partir de um trabalhoque Brecht defende que se faa atravs da constante observao atenta -arte da observao-,

    tanto dos atores, quanto dos novos espectadores que iro nascer.

    A quarta parede (que antes configurava justamente a distncia entre espectador e ator)

    se desfaz e o ator se dirige diretamente ao pblico e em nenhum momento, ambos deixam de

    ser o que so: ator e espectador. Nesse sentido, nasce tambm uma nova forma de se ensinar e

    de se aprender. H uma proposta educativa e filosfica nisso, porque tanto para o pblico

    como para aquele que encena pretende-se que desenvolvam uma atitude de questionar e

    refletir sobre o que fazem e o que veem. Tanto um quanto o outro sabem exatamente o que

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    esto fazendo. A ideia de um espectador-filsofo que se desenvolve juntamente com a idia

    de observao explorada j desde os ensaios intensos dos atores que estudam aquele

    personagem, distantes como um historiador, a partir de mesas de estudos e com o maior

    nmero de ensaios possvel, para que o trabalho no se d no nvel da precipitao e das

    escolhas sem fundamento. A escolha meticulosa dos gestos se insere neste trabalho de

    distanciar, uma vez que ser atravs destes que se desenrolar a cena cotidiana, com todas as

    contradies que carrega.

    Faz-se a pea, inicia-se a discusso que se espera que reverbere durante muito tempo

    naquele indivduo que assistiu e no ator que representou. No h mais o espetculo que retira

    o homem de sua realidade para lhe oferecer um mundo que no lhe pertence. No se trata de

    pessimismo nem de conformismo. H esperana, mas ela est justamente em apontar oconflito e procurar sadas, e no puramente em assistir desgraa e sentir-se intil porque

    assim o . Isso tudo, aliado ao bom humor, preciso tcnica e devoo daquele que

    acredita na arte como um plano, tambm para a mudana, configura os fundamentos da

    esttica teatral de Bertolt Brecht.

    Consideraes FinaisNo mais, um clssico para o teatro s deveria ser assim considerado quando se

    esgotassem todas as suas possibilidades de atuao. Portanto, parece que Brecht, enquanto

    desenvolvimento de uma atitude crtica na discusso da realidade e enquanto impulso para a

    investigao de aperfeioamento tcnico (como ele fez), se bem apropriado, estar sempre

    vivo. Mais uma vez, no as suas peas, porque qualquer texto por maior que seja a sua

    atualidade, se esgota, ou deixa de fazer sentido, para determinados momentos vividos pelasociedade. O que mais interessante em Brecht a sua atitude no s como artista mas como

    homem pertencente a este mundo e que no consegue aquietar-se diante de tanto sofrimento.

    Para isso, muito importante lembrar que nos ltimos anos de sua vida, ele pensava muito

    num teatro sempre inovador, e que ele era antes de tudo algum que acreditava na mudana.

    preciso provocar constantemente o debate, fazer o homem pensar sobre si e sobre o

    que o rodeia. A alienao, a desesperana, a crena de que as coisas no vo mudar e que no

    h por onde comear j levaram e continuam levando homens e povos a se conformarem coma runa e a cometerem atos desesperados. Essa busca por mostrar o que oculto, uma busca

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    pela clareza, uma busca por no se aceitar, com radicalidade, que nenhuma ao privilegie

    mais um ser humano que o outro. Na histria, aconteceram fatos que jamais deveriam ter

    acontecido se houvesse certo discernimento. Exemplo disso foi o terrvel Nazismo e todo o

    seu grande programa de alienao. No necessrio nem lembrar que a propaganda nasceu

    nesse tempo sombrio. Brecht viveu nesse tempo.

    Porm, claro que quando se trata de seres humanos que adquiriram um novo

    conceito do que sobreviver, o campo fica mais complicado. Mas como clichs sempre so

    vlidos, em horas de aperto aquele que diz que a esperana ltima que morre diz algo que

    cabe com perfeio nesta concluso, porque dessa esperana que de certa forma Bertolt

    Brecht falou, ela que deve guiar o artista em sua arte, que por sua vez guiou esse trabalho;

    ela que promove a f dos indivduos e, provavelmente, ela que guia a vida dos homens.Como concluso, um trecho de um poema do mestre, A esperana do Mundo:

    Quanto mais numerosos os que sofrem, mais naturais parecem seus sofrimentos,portanto. Quem deseja impedir que se molhem os peixes do mar?E os sofredores mesmos partilham dessa dureza contra si e deixam que lhes faltebondade entre si. terrvel que o homem se resigne to facilmente com o existente, no s com asdores alheias, mas tambm com as suas prprias.Todos os que meditaram sobre o mau estado das coisas recusam-se a apelar

    compaixo de uns por outros. Mas a compaixo dos oprimidos pelos oprimidos indispensvel.Ela a esperana do mundo (BRECHT, 2000, p.223).

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    Submetido em: 31/08/2011Aceito em: 29/11/2011