8/13/2019 Estudos Sobre Bertolt Brecht
1/17
Existncia e Arte Revista Eletrnica do Grupo PET Cincias Humanas, Esttica daUniversidade Federal de So Joo Del-Rei ANO VII Nmero VI Janeiro a Dezembro de 2011
Estudos sobre Bertolt BrechtStudies of Bertolt Brecht
Rita Alves Miranda1- Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo
Resumo: O tema e ponto central deste trabalho a teoria teatral que perpassa a obra deBertolt Brecht como ponto de relevncia para a atualidade do teatro hoje. Com fim deinvestigar alguns elementos da esttica de Brecht, pensou-se em primeiro esclarecer algunsfundamentos dessas questes aos leitores, tendo em vista primeiro o processo histrico e omomento vivido pelo o autor, para dar prosseguimento ao entendimento de sua proposta
prtica e a viabilidade desta, ou no, nos dias de hoje, no contexto da sociedade atual. Brechtnos convoca a pensar em questes presentes no cotidiano as quais normalmente nooferecemos importncia. O trabalho termina com uma reflexo acerca dessa importncia.Palavras-chave:Arte, Dialtica, Poltica, Social, Teatro pico.
Abstract:The main theme and focus of this project is the theater theory present in the workof Bertolt Brecht, which is of great relevance for the current theater. Aiming at investigatingsome elements of Brecht's aesthetic, we thought of beginning with clarifying to the readersome grounds of these questions, bearing in mind both the historical process and the momentlived by the author, followed by the understanding of his practical proposal and its viability -or not - currently, in the context of the current society. Brecht invites us to think aboutquestions present in the everyday-life, which we often disregard. This paper ends up with a
reflection concerning this importance.Keywords:Art, Dialect, Epic Theater, Politics, Social.
Em vosso mundo: por que o mal premiado e o bem no ganha nada.
Quando por sorte no castigado?Bertolt Brecht
ertolt Brecht foi dramaturgo, poeta, diretor, crtico, terico... Quando
pensamos em sua obra, logo nos vem mente a forte percepo que teve diante dos temores e
terrores de sua poca; percepo esta que foi sem dvida, poltica, tica e esttica. Segundo
seu amigo e filsofo Walter Benjamin, o que encanta em Brecht a sua ligao com a
simplicidade. Uma simplicidade, para muitos, tida como insuficincia intelectual, mas que
1Mestranda em filosofia pela PUC-SP.
B
8/13/2019 Estudos Sobre Bertolt Brecht
2/17
MIRANDA, Rita Alves-26-
Existncia e Arte Revista Eletrnica do Grupo PET Cincias Humanas, Esttica daUniversidade Federal de So Joo Del-Rei ANO VII Nmero VI Janeiro a Dezembro de 2011
despertou em ns grande identificao desde o momento em que entramos em contato com
sua obra e onde comeou nosso trabalho com o autor. Um trabalho que vem sendo
apaixonante, e assim como toda paixo, uma juno de momentos intempestivos e prazerosos.
A verdade que acreditamos que havia em Brecht uma nsia por mostrar com clareza
as suas idias e contribuir com elas para o mundo. Foi movido por um impulso quase infantil
de ajudar. Algum que obteve certa conscincia, que compreendeu determinadas coisas e que
gostaria como um dever, uma meta de vida de compartilhar com os outros aquilo que
apreendeu. Um desprendimento de intelectualismos que guardam para si conhecimentos, com
medo de que eles deixem de ser seus, s porque foram ditos, revelados (e a part ir deste ponto,
talvez se entenda a despretenso de comear um trabalho de forma mais erudita e rebuscada
do que esta). Este medo, de no ser mais importante por ser entendido pela massa, por nomais ser narciso, o mesmo que faz da filosofia menos audvel, assim como muitos teatros e
ideias. No porque h demasiadas pessoas dbeis no mundo, mas porque o medo faz com que
se queira conservar heris, sbios, senhores e suas verdades. A forma prevalece em meio a
uma desigualdade que imensa.
Sendo assim, partimos de uma anlise a partir, principalmente, de suas produes
esttico-tericas que permitiram a escrita deste texto, que tem como objetivo, olhar para a
obra de Brecht com certa admirao. Uma admirao que emerge num tempo em que todifcil pensar o mundo e sentir esse mundo pensado atravs da arte, onde a verdadeira
experincia artstica quase um presente dos deuses, por se encontrar num meio onde h tanta
informao e produo em massa. Querer estar perto disso, dessa iniciativa brechtiana,
querer estar perto do novo, do que acontece no agora e, se no por inteiro, pelo menos, de
forma parcial, na inquietao que move essa busca, mesmo que interna, que pessoal. Brecht
um autor que, embora muitos o considerem passado, limitado, pode ensinar e nos originar
reflexes extremamente construtivas, se encaradas como transformadoras, ainda mais nomundo atual em que pouca coisa j muito. A conquista se dar como ele previa, com certo
exerccio e este, por sua vez, s possvel se houver trabalho. No entanto, que no se perca
por esse novo caminho a leveza, seja tendo como tema o belo ou o grotesco. O importante
sempre divertir e divertir-se. A questo ocupa um lugar mais fundamental porque, talvez, o
que esteja errado, equivocado, seja exatamente, o que hoje se atribuiu ao conceito de diverso.
Esta por si s j um tema para uma grande reflexo. Resta prosseguir com ela.
8/13/2019 Estudos Sobre Bertolt Brecht
3/17
Estudos sobre Bertolt Brecht-27-
Existncia e Arte Revista Eletrnica do Grupo PET Cincias Humanas, Esttica daUniversidade Federal de So Joo Del-Rei ANO VII Nmero VI Janeiro a Dezembro de 2011
1 Elementos da Teoria de Bertolt BrechtO maior desafio, talvez, da esttica de Bertolt Brecht, no est em compreend-la
como teoria, e sim em conceb-la como uma prtica. E, ao mesmo tempo, ter claro que essa
teoria s existe mediante essa prtica - ela pode at ser simplista quando vista apenas como
teoria, porm apresenta-se como um enorme quebra-cabea quando vivenciada. A parte
escrita do trabalho de Brecht resultado de uma srie de reflexes a partir de nada mais do
que, as experincias vivenciadas em suas prticas teatrais. Nela (na teoria), existem sim
elementos contraditrios, mas isso no chega a ser um problema, pelo contrrio. E
importante frisar este ponto para o entendimento posterior, pois so esses elementos que
promovem a grandiosidade de seu teatro com a sua dialtica. Isto, porm, tambm ser
discutido mais adiante.
Muito embora, como mencionado anteriormente, Brecht tenha-se esforado para ser
claro e expor suas idias para que todos conseguissem ao menos ter acesso a elas, parece que
muitos que o leem no se conformam com a simplicidade de sua escrita e a clareza com que
ele explora suas propostas, e teimam em tentar procurar obscurantismos, falhas. A crtica
importante para o crescimento, ela coloca em debate algo que est posto e feliz aquele que
consegue enfrentar esse desafio. Brecht soube faz-lo a seu modo. Contudo, h tambm
crticas que pouco tm a dizer de fato e muito apontam. Esquece-se de que o que est sendo
proposto, algo importante que est sendo inaugurado. Algo que quer mudar para que haja
mudana, s bem vindo quem estiver disposto. A histria que o diga. O que relevante o
que acrescenta arte. Ou, o que se cria de novo, a partir de que conceitos. Porque usar a
cincia a favor da arte tem que significar transformar a arte em no arte? O que parece um
medo da renovao proposta por ele para o teatro. Renovao que deve ser constante, porque
deve tentar acompanhar as constantes mudanas do mundo. Brecht tentou, atravs das prticasteatrais desenvolvidas em sua vida, mudar essa perspectiva com o intuito de construir relaes
mais saudveis entre o artista, o espectador, o mundo, a arte e as mudanas.
8/13/2019 Estudos Sobre Bertolt Brecht
4/17
MIRANDA, Rita Alves-28-
Existncia e Arte Revista Eletrnica do Grupo PET Cincias Humanas, Esttica daUniversidade Federal de So Joo Del-Rei ANO VII Nmero VI Janeiro a Dezembro de 2011
1 1 As origensBertolt Brecht e sua obra, como tudo assim o , no surgiram do nada. A histria do
teatro mostra que o dramaturgo alemo bebeu de vrias fontes, at criar a sua. A influncia
toda nasce de um ponto em comum com o mundo: uma crise. Algo que no podia mais ser
silenciado. O mestre de Brecht nesses tempos sombrios foi Piscator, com quem ele tem
divergncias, mas que desempenhou um papel importante, at mesmo para a concepo do
que viria a ser mais tarde o Teatro pico.
O teatro de Piscator, de vanguarda, poltico, surgiu para romper com o tradicionalismo
que estava mais do que nunca em voga, decorrncia da influncia da cultura burguesa. O
naturalismo que vigorava nos palcos fazia pensar (porque assim era representada) numa
realidade sem conflitos, muito diferente da realidade vivida. Porm, em meio s atrocidades
cometidas por mos humanas, era necessrio acordar o povo para a luta contra os que o
haviam adormecido e assim explorado, transformando-os (a esse povo) em seres inanimados,
sem voz. Eram frutos de uma sociedade que cultivou o prazer pela alienao. Era o momento
da transformao. A poca e as suas consequncias no podiam mais ser ignoradas.
Influenciavam diretamente a constituio do sujeito, que se via sem rumo, sem sadas
possveis para a salvao. Havia classes querendo falar, serem ouvidas, e no lhes davam
cenas.
O novo teatro surge e, com ele, os atores e todos os personagens que compunham o
espetculo, os quais tambm emergiam de uma classe diferente daquela que costumava ser
protagonista, o proletariado. A verdade precisava mais do que nunca, com urgncia, vir tona
e o pblico tinha que ser o mesmo que vivia a realidade a ser escancarada. Segundo Piscator,
era objetivo da arte derivar absolutamente da verdade. Uma verdade que tem histria e que
continuar tendo porque continuar evoluindo. Era preciso barrar a evoluo sem conscincia.Este tinha alvo certo e h interpretaes de que ele nem tinha pretenses de produzir, arte e
sim, uma proposta pedaggica2 de fazer peas polticas que informassem as classes
desinformadas, com o intuito de superar os pressupostos naturalistas atravs da razo.
No preciso ir muito longe para perceber que a luta de Piscator estava muito mais
perto da poltica e de uma luta de classes, herana de um marxismo que vivia o seu auge na
poca, do que propriamente da arte como meio de expresso de um tempo, de momento, ou
2O que mais tarde influenciaria Brecht a desenvolver o teatro didtico.
8/13/2019 Estudos Sobre Bertolt Brecht
5/17
Estudos sobre Bertolt Brecht-29-
Existncia e Arte Revista Eletrnica do Grupo PET Cincias Humanas, Esttica daUniversidade Federal de So Joo Del-Rei ANO VII Nmero VI Janeiro a Dezembro de 2011
debate. E assim, como a prpria luta de classes, ele tambm no obteve felicidade em sua
tentativa, passando a ficar, de certa forma, estagnado na histria mais tarde. Quando se fala
em arte, Piscator pouco citado, a no ser como ponto de referncia para uma arte, mais tarde
concebida por Brecht. Mesmo porque, para ele, a arte no ia alm do compromisso de mudar
a concepo poltica dos homens, num mundo dividido por classes. Toda ela tornava-se
escrava - e o tinha que ser - de uma tarefa de que a sociedade como um todo no conseguia
dar conta. Uma responsabilidade injusta. Dando um grande salto - mas ainda assim, uma
reflexo possvel - essa responsabilidade era o que nos dias de hoje acabou por ser transferido
para a competncia da educao. A escola responsvel pela formao do indivduo,
independente da sociedade da qual ele faz parte, ela responsvel pelas mudanas. Um futuro
promissor fruto de uma boa educao? Para Piscator a arte tinha o papel de mudar os rumosda realidade, atravs de discursos politicamente engajados, que levassem a uma discusso
nesse campo. Essa era a sua essencialidade pedaggica.
Com isso, apesar da admirao e da forte influncia (inclusive a marxista), Brecht
distancia-se de Piscator para fazer o seu teatro. No tem o imediato como absoluto e para ele,
o pico - como se mostrar ao longo do trabalho - vai muito alm do elemento poltico, no
podendo ser reduzido a este. Brecht est mais prximo da arte. H nele mais sentimentos que
em seu mestre, no qual a busca se distanciava cada vez mais da arte -como puramente forma-para procurar a vida, sem que essa vida dependa apenas da representao do universo
subjetivo. A arte contempornea aguardava uma nova interpretao dos fatos. Com Brecht,
essa transformao fica mais prxima de acontecer, embora encontre pelo caminho desafios
tcnicos e conceituais maiores, justamente por no se pretender como propaganda poltica e
sim como arte, diverso.
1 2 Um no vo conceito para o teatroA discusso do que o Teatro pico (fundado por Brecht), como dito anteriormente,
at hoje causa polmicas e o seu entendimento tornou-se decisivo para a compreenso de todo
o restante da proposta do autor. Permite que todas as outras tcnicas e idias constituam
somente uma e essas relaes que acabam constituindo a prpria esttica de Bertolt Brecht.
O teatro agora tem um objetivo e ele apenas um: apresentar um mundo que pode mudar ecuja mudana dever partir do indivduo e sua conscincia. No entender o que Teatro pico,
8/13/2019 Estudos Sobre Bertolt Brecht
6/17
MIRANDA, Rita Alves-30-
Existncia e Arte Revista Eletrnica do Grupo PET Cincias Humanas, Esttica daUniversidade Federal de So Joo Del-Rei ANO VII Nmero VI Janeiro a Dezembro de 2011
no entender Brecht, distanciamento, atitude crtica construda pelo e para o espectador
atravs da arte.
Uma nova forma emergiu da j existente. A insatisfao de Brecht est dirigida ao
rumo que a forma dramtica e a pica concebidas por Aristteles, acabaram com o tempo,
seguindo. Uma apropriao que se deu de forma a desvencilhar totalmente a arte do
compromisso com sua poca, com o homem do momento presente. Homem que muda e
tempo que muda. Para ele, o que havia sido conquistado ao longo dos tempos eram textos
cheios de entonaes especiais, modos difceis de falar e enredos sem novidades, longe de
criarem qualquer coisa digna de admirao, ou pensamentos vlidos, a fim de promover
discusso e dela surgir mais tarde, algo como uma transformao, por mnima que fosse.
Resumindo, havia se consumido muito, a arte tornara-se produto e o produto mais desejado.Era ela o que acabou derivando para o que hoje tambm chamado de entretenimento. Uma
diverso alienada.
Entretanto, voltando a Aristteles, a oposio de Brecht tem a ver com o valor
soberano que foi dado s emoes no teatro. Por mais que, desde sempre, a forma pica e a
dramtica tenham sempre sido distinguidas uma da outra (na estrutura) e tenham ocupado
lugares distintos na esttica, em Aristteles ambas as formas tomavam emprestados elementos
uma da outra, combinando-se entre si. Esse movimento (de emprstimo), segundo Brecht, foitornando-se cada vez maior e a forma pica nessa doao foi perdendo sua essncia para dar
lugar dramaticidade exacerbada at atingir seu auge: o romance burgus foi transformado
pelo teatro e por seu mundo em drama burgus. A crtica de Brecht dirige-se a esse
movimento, j presente e fundamentado em Aristteles.
Foi um processo histrico da arte, mas o resultado dessa fuso representou a perda da
epopeia. O que Aristteles teria feito - porque h dvidas quanto a ele ter feito de fato-, ao
diferenciar as duas formas, deformou-se
3
. Transformou-se em apenas uma forma. A formadramtica de teatro. A causa disso est na prpria origem do movimento de doao de
elementos de uma forma para a outra. Ao contrrio do que muitos pensam a dramaturgia no-
aristotlica (de Brecht) no compreende as emoes como algo que deve ser banido da cena.
Acredita, sim, que s possvel emocionar-se tendo por base uma mente preparada, a partir
de uma hegemonia do esprito crtico. O que Brecht percebe que havia uma manipulao das
emoes e conseqentemente da realidade. A arte passa a retirar o indivduo do mundo que
3
Este artigo no poder dar conta desta discusso em relao crtica de Brecht a Aristteles. Trata-se de umaquesto que ser discutida com mais rigor e atento em outro momento de nossa pesquisa sobre o universo deBertolt Brecht.
8/13/2019 Estudos Sobre Bertolt Brecht
7/17
Estudos sobre Bertolt Brecht-31-
Existncia e Arte Revista Eletrnica do Grupo PET Cincias Humanas, Esttica daUniversidade Federal de So Joo Del-Rei ANO VII Nmero VI Janeiro a Dezembro de 2011
ele no quer ver. A nica sada aniquilar a idia de que a emoo tem que estar vinculada
a um estado de empatia, a uma irracionalidade. nesse ponto que se d o embate entre
Brecht, Aristteles e seus crticos. Sabendo-se que a experincia teatral, por mais racional que
seja, tem muito de emocional, como fazer que essa mesma experincia seja ao mesmo tempo
crtica? O desafio est em no transformar o teatro em panfletrio, como em Piscator, ou,
como em boa parte da dramaturgia, deixar que as emoes coincidam com ignorncia.
preciso domar as emoes - o que os gregos, com suas tragdias carregadas delas, nos
famosos momentos catrticos 4no conseguiram.
importante, no entanto, ressalvar que Brecht nunca foi contrrio aos clssicos.
Segundo ele, o problema estava na intimidao que se apossou dessas obras, na ameaa de
desaparecer o que havia de particular e de arte nelas. Criou-se uma tradio que reproduz asobras clssicas como repete tarefas de sua rotina, acomodando os encenadores, os atores e o
pblico. H mudanas que so prprias de cada tempo e elas tm que existir. O que aconteceu
com o teatro que o mundo seguiu, e ele parece que parou e estagnou, bastando-se de
mudanas formais, quando, na verdade, elas deveriam dar-se nas entranhas desse novo
homem que surge dia aps dia e que deveria ser observador de si mesmo, sem descansos, sem
sossego.
Acidentes acontecem e o teatro para Brecht passa a ser uma descrio de alguns deles.Tenta olhar para o sentimento tambm como algo vivo e que por o ser, est sujeito a
mudanas. Tem como funo representar situaes, mas no apenas a reproduo de cenas
conhecidas. Sair dessa zona confortvel para transpor uma realidade, mostrando os
acontecimentos por detrs dos acontecimentos. A realidade estranha e, buscar o seu
conhecimento, aproxima o homem curioso. Esse movimento vivido pela cincia. Ele estaria
assim, ocupando o lugar que lhe devido: o de estar ao lado da cincia. E diferentemente de
Aristteles, essa relao com a cincia no mais est ligada s causas dos fenmenos e sim, srelaes entre esses fenmenos. Para isso, necessrio que se descubram antes essas situaes
da vida cotidiana.
A estagnao da cena fica muito mais evidente nos clssicos retratados pela burguesia,
em que o temperamento dramtico substitui qualquer poder (que alguma vez j se pde
atribuir a essas obras) de intervir naquela sociedade. As mudanas se deram s em nvel
formal e mascaram o que est por trs, um descaso com o novo, muito pior do que se fossem
4
O momento de catarse foi concebido por Aristteles e desenvolvido por este em sua obra. Atravs deinterpretaes deste conceito, entende-se como catarse, o resultado, o estado mais intenso dado pelas emoes.Uma espcie de emoo que se configura numa experincia entre o reconhecimento e a admirao.
8/13/2019 Estudos Sobre Bertolt Brecht
8/17
MIRANDA, Rita Alves-32-
Existncia e Arte Revista Eletrnica do Grupo PET Cincias Humanas, Esttica daUniversidade Federal de So Joo Del-Rei ANO VII Nmero VI Janeiro a Dezembro de 2011
simplesmente encenadas tradicionalmente. Tornaram-se clssicas as obras, assim como se
tornou clssica a fachada da sociedade, das relaes entre os homens que serve apenas para
enaltecer a superficialidade hipcrita.
O homem comete anacronismos o tempo todo. Numa poca em que nada havia de
belo, no havia porque represent-lo como se ele de fato estivesse presente nos
acontecimentos da vida real. O belo, naquele momento, fazia parte do comrcio burgus. Para
Brecht, era preciso encontrar a diverso prpria daquele tempo e dos prximos. As novas
formas de convvio entre os homens herdam coisas do passado, mas no so eternas. A
histria eterna enquanto histria. O antigo como fachada, receita do belo, deve ser
deixado de lado.
Assim, para auxiliar o entendimento dos conceitos do novo teatro que surge, o autorescreveu um texto intitulado: Pequeno rganon para o teatro 5. Ele achava que se fazia
necessrio analisar a esttica desse teatro que emergia da era cientfica. Esse era o momento
vivido por aquela poca: a cincia no centro. Como j dito anteriormente, no havia como
voltar e ignorar o fato, seria ignorar pateticamente que o mundo estava sofrendo uma
mudana, divisora de guas para sempre. Os ditos representantes da esttica, por menos
preparados que estivessem para conceber essa nova forma de se fazer teatro, teriam que
encarar a questo ao invs de se contentarem em olhar com desdm para o que para eles erauma arte impossibilitada, porque surgia de uma classe depravada que se tornara parasitria.
Sobre a proposta deste rganon, Brecht diz em seu prlogo:
Chegou a altura de rebatermos, por muito que pese ao comum das pessoas, o nossopropsito de emigrar do reino do aprazvel e de manifestarmos, por muito que aindao maior nmero de pessoas, o nosso propsito de nos estabelecermos, daqui parafrente, neste reino. Tratemos o teatro como um recinto de diverso, nico tratamentopossvel desde que o enquadremos numa esttica, e analisemos, pois, qual a formade diverso que mais nos agrada (2005, p. 127).
Pois ento, o princpio bsico do teatro a diverso. esta que responsvel por uma
dignidade especial que lhe foi atribuda. O teatro precisa poder continuar a ser algo
absolutamente suprfluo, o que significa, evidentemente, que vivemos para o suprfluo. E a
causa dos divertimentos , dentre todas a que menos necessita de ser advogada (BRECHT,
2005, p.128).
5Este texto foi escrito por Brecht em 1948 e est no seu livro,Estudos sobre teatro, publicado em 2005 pela Ed.Nova Fronteira.
8/13/2019 Estudos Sobre Bertolt Brecht
9/17
Estudos sobre Bertolt Brecht-33-
Existncia e Arte Revista Eletrnica do Grupo PET Cincias Humanas, Esttica daUniversidade Federal de So Joo Del-Rei ANO VII Nmero VI Janeiro a Dezembro de 2011
Querer que ele assumisse objetivos maiores que o de divertir menosprezar o seu
principal objetivo: o prazer. Neste ponto, Brecht distingue dois tipos de prazer: os fracos, que
estariam representados por aqueles dramas que no se desenvolvem mais que na superfcie; e
os intensos, que seriam provocados pela riqueza do drama, que intervm, que contradiz e que
tem consequncias bem mais decisivas.
a sensao de desacerto, que nos vem perante as reprodues dos acontecimentosocorridos no mundo dos homens, que reduz nosso prazer no teatro. A razo dessedesacerto o fato de a nossa posio em relao ao objeto reproduzido ser diversadaquela dos que nos antecederam (BRECHT, 2005, p.132).
preciso encontrar esse novo teatro de que tanto se fala. Tendo a forma pica
assumido o que antes era caracterstico do teatro dramtico, isto , a identificao com o heri
e a representao da concepo de mundo a partir da perspectiva deste, preciso agora ver o
mundo que existe antes do sujeito. Realar o ambiente em que vivem os homens, que sempre
foi colocado nos dramas do ponto de vista do heri, manipulado. Ele determinava o meio. O
teatro pico quer o meio manifestando-se independentemente dos seres que o habitam e de
suas opinies. O homem, com sua sede de saber e domnio, conseguiu intervir em algo to
mais forte que ele prprio, ou seja, a natureza. Ele a explorou e a subjugou, mas no aprendeu
com ela caminhos melhores para conseguir finalmente a sua evoluo: coexistir de forma
plena e sadia em sociedade. Pelo contrrio, buscou artifcios atravs da cincia para se tornar
cada vez menos natural, para mudar o curso da vida, fazer dela sua subordinada.
O que poderia ser o progresso de todos torna-se a vantagem de algumas partesapenas, e uma parte crescente da produo votada criao de meios destruidoresdestinados a guerras poderosas, a guerras em que as mes de todas as naes, comos filhos apertados contra si, esquadrinham estupefatos o cu, no rastro dos inventosmortferos da cincia (BRECHT, 2005, p.134).
A cincia produto da classe burguesa e serve a essa classe. A vida de outras pessoas
tirada em prol de uma vida duradoura, calma e confortvel para uma minoria. Dessa forma,
nasceu e cresce o dito progresso trazido pela modernidade.
Faz parte da concepo teatral de Brecht entender os mecanismos e em que ponto se
encontra a humanidade da qual ele prprio participante. Esse o ponto de partida para o
trabalho. Todos deveriam se questionar sobre o mundo em que vivem. H nesse dever uma
proposta esttica de fazer do momento vivido, dos acontecimentos da atualidade fontes de
pesquisa e produo para o palco. questo corrente em sua obra, parecendo ser
8/13/2019 Estudos Sobre Bertolt Brecht
10/17
MIRANDA, Rita Alves-34-
Existncia e Arte Revista Eletrnica do Grupo PET Cincias Humanas, Esttica daUniversidade Federal de So Joo Del-Rei ANO VII Nmero VI Janeiro a Dezembro de 2011
inconcebvel, pensar que o homem passa pela vida, sem se questionar sobre ela, sem querer
mudar. Nisso aparecem questes como: Que impotncia essa do homem mudar a si prprio?
O que lhe permite tantos feitos, como por exemplo, causar catstrofes, mas que o impede de
poder revert-las em bondade e gestos de respeito para com o prximo? H impotncia, ou faz
parte de uma escolha? Mais uma vez, o que lhe interessa so as situaes em que isso
questionado. Que decises devem ser tomadas e cada uma ter sua implicao e essas
implicaes devem ser mostradas e destrinchadas.
A arte precisa se apoiar naqueles que querem de fato mudar para melhor. esse desejo
que far do teatro um teatro prprio de sua poca. No colocando a arte merc da poca,
mas ao mesmo tempo no esquecer esta e suas caractersticas. Negar isso um erro grave.
Posteriormente, deixar de lado aqueles que tambm tm direito diverso, que tambmpodem criar diverso, sem se esquecer de pensar sobre a complexidade de seus problemas. A
arte pode servir de sada para, por que no tambm, proporcionar a resoluo desses
problemas.
Tudo isto vem facilitar ao teatro uma aproximao, tanto quanto possvel estreita,com os estabelecimentos de ensino e de difuso. Pois, embora o teatro no deva serimportunado com toda a sorte de temas de ordem cultural que no lhe confiram umcarter recreativo, tem plena liberdade de se recrear com o ensino ou com a
investigao. Faz com que as reprodues da sociedade sejam vlidas e capazes de ainfluenciar, como autntica diverso (BRECHT, 2005, p.136-137).
1 3 A proposta terica da prticaChega-se ao ponto da proposta. O que deve ser feito para que o mundo seja mostrado
assim como ? Como mundo que muda e que pode ser mudado pelo homem que se senta para
assistir pea? H muito tempo que algo est sendo escondido: a mudana. Porm, todos
sabem que algo mudou. O qu? Resta ao teatro escancarar as cortinas de seus palcos!
O que estava sendo mostrado, segundo Brecht, era uma estrutura extremamente
elaborada com o intuito de no mostrar sadas, de no poder ser modificada pela sociedade.
Ou seja, por ningum que estivesse na plateia. Brecht ressalta esse ponto, o tempo todo e de
forma radical, com razo, porque se sabe (e nesse ponto a influncia da filosofia
fundamental) que os produtos da alienao, podem ser os mais desastrosos possveis. Quando
a importncia do saber sobre si e sobre o seu mundo no frisada o tempo todo, h uma
8/13/2019 Estudos Sobre Bertolt Brecht
11/17
Estudos sobre Bertolt Brecht-35-
Existncia e Arte Revista Eletrnica do Grupo PET Cincias Humanas, Esttica daUniversidade Federal de So Joo Del-Rei ANO VII Nmero VI Janeiro a Dezembro de 2011
grande tendncia dos homens a se fecharem cada um em seus problemas pessoais, ntimos.
Tm a esperana de que Deus 6os resolva sem despertarem para a possibilidade de que tais
problemas podem ser resolvidos por eles mesmos.
A reflexo e o pensar podem limitar a ao, mas a ao efetiva e cordial s existir por
meio desses mecanismos apenas possveis aos homens. O homem deve ser retratado como um
acontecimento que ainda no terminou, assim como todas as suas aes e todos os momentos
de sua vida. A vida dele est longe de acabar. O homem moderno tem de superar a morte de
Deus, que nada mais seno a morte de seus valores. Um sentimento de angstia e de que
tudo que se estabelece com o advento desse homem moderno vo e deve ser superado.
Superado a partir da construo de um olhar que no deveria buscar algo acima da vida, mas
nela mesma. O olhar que faz com que valha a pena viver novamente. Para isso, fazendo aponte (lembramos Nietzsche), o homem precisa se desprender dos ressentimentos carregados
por sua tradio metafsica para buscar algo de valioso no mundo terreno, no mais no mundo
da transcendncia. S assim, encarando a sua condio de ser que sofre, poder confrontar o
conformismo e ir alm de si mesmo, no mais vendo a vida de forma depreciativa porque ela
terminar na morte, mas buscando na prpria vida sadas, possibilidades, salvao. Dessa
forma, poder-se-ia dizer que h, como em Nietzsche, uma proposta de superao do niilismo:
em Brecht, atravs do teatro.Se o teatro se ocupar de mostrar a realidade, ter que ser capaz tambm de abrir
campos para a transformao dessa realidade, contemplando-a de diversas formas. Para que
no haja possvel frustrao - como muitas vezes h perante algumas teorias, que rondam a
mudana, mas que deixam sempre a pergunta: Como mudar? Como fazer teatro dentro desses
moldes, sem esquecer o principal objetivo do teatro que deve ser o de divertir?
mencionemos as cartas de Brecht, que constituem a parte prtica de sua esttica. A
explicitao de algumas tcnicas ainda est longe de ser prtica (por se tratar a prtica doobjetivo dessa teorizao, neste caso), porm, durante toda a sua vida, Brecht, como j dito,
antes de teorizar as aplicou, as experimentou em seu teatro e hoje elas continuam sendo
adotadas, por vezes sendo reinventadas, por vezes no.
Em primeiro lugar, Brecht prope um novo olhar diante da perspectiva histrica. Ela
existe de certa forma, no entanto passa a ideia de que aquilo que aconteceu naquela poca
tambm poderia acontecer agora e sendo vivenciado de um outro modo por outros homens
6O uso da palavra Deus no sentido de crena, de qualquer coisa que influencie diretamente, as aes epensamentos do indivduo, que o prenda e o objetive em determinada empreitada.
8/13/2019 Estudos Sobre Bertolt Brecht
12/17
MIRANDA, Rita Alves-36-
Existncia e Arte Revista Eletrnica do Grupo PET Cincias Humanas, Esttica daUniversidade Federal de So Joo Del-Rei ANO VII Nmero VI Janeiro a Dezembro de 2011
que no aqueles. Como se fosse trabalhada uma espcie de contradio que, ao mesmo tempo,
mostra certo momento na histria e esfumaa sua imagem, fazendo-o se parecer tambm
como um possvel momento de agora. Essa situao gera um confronto e por si s tem como
objetivo causar certo estranhamento. H uma liberdade que permite uma viagem por vrias
pocas, situaes, acontecimentos. H um reconhecimento que no se efetiva de cara, que no
se finda na ao, que se completa com a abstrao e reflexo dirigida a ele.
Este elemento pode-se dizer que est ligado a algo mais fecundo em Brecht, que a
concepo dialtica, dirigida a um compromisso que ele acreditava ser fundamental da
cincia: o de educar combatendo a irracionalidade. Fazer do espectador um cientista, um
cientista que lida com a contradio. Que cresce nela, para transformar. Na dialtica, a
diferena em forma de dicotomia se d por meio da dinmica, apresentando acontecimentos,ou situaes que ainda no findaram e nos quais as coisas tomam rumos diferentes do que
aconteceria com, por exemplo, uma apreenso superficial do real, para dar lugar ao verdadeiro
real, uma contradio. As coisas s se transformam se estiverem em conflito com elas
mesmas. nesses conflitos que se d a mudana. Brecht quer o espectador vivenciando esse
conflito e os possveis desenlaces que dele podem provir. Afinal, segundo ele prprio:
Mesmo nos panoramas das barracas de feira e nas baladas populares, a gentesimples - que , afinal, to pouco simples - gosta de histrias que tenham por temaprosperidade e a queda dos grandes, a eterna mudana, a astcia dos oprimidos, aspossibilidades do homem. E buscam a verdade: isto , o que fica por trs dela(BRECHT, 2005, p.188).
Ainda com respeito dialtica, havia tambm em Brecht, uma forte reivindicao: a
de unir forma e contedo, como se ambos constitussem uma unidade (embora havendo
diferenas estruturais entre eles). H, no entanto, nisso um embate. Pode-se dizer que o
dramaturgo buscou o verdadeiro realismo, representando em suas peas a realidade, tentando
fugir das leis formais impostas por tratados realistas. Porm, encontrou dificuldades para
combater os pressupostos que j existiam embora soubesse que como artista a sua
preocupao tambm teria de ser a forma. Assume-se, ele mesmo, como um formalista,
simplesmente por querer, desejar, formalizar as imagens de suas descobertas pessoais.
Defende ento que o formalismo no culpado por tornar obras em no realistas, porque ele
no faz parte do campo da esttica. Voltando ao ponto de conflito, necessrio que haja
contedo no que est sendo dito. Muitas obras foram transformadas em superficialidade para
que se obedecesse a uma beleza esttica.
8/13/2019 Estudos Sobre Bertolt Brecht
13/17
Estudos sobre Bertolt Brecht-37-
Existncia e Arte Revista Eletrnica do Grupo PET Cincias Humanas, Esttica daUniversidade Federal de So Joo Del-Rei ANO VII Nmero VI Janeiro a Dezembro de 2011
Segundo Brecht, o problema se resolve quando o formalismo descer vida
cotidiana. Isso serviria at mesmo para desmascarar obras que so puramente formais e que,
portanto, no correspondem realidade. Pretendem-se transformadoras, mas a maioria das
pessoas no as entende. Como transformar com montagens de situaes sociais, que no
passam de forma e mais forma? O fracasso de muitas correntes libertadoras est no fato
delas no experimentarem o fracasso, o erro, de no experimentarem ao mximo a obra de
arte. Deve ser abandonado aquele velho pressuposto de algo dar certo. S assim o mundo
poder caminhar ao invs de permanecer esttico, como acontece com a metafsica. A nica
forma visvel para Brecht de isso se concretizar na unio de forma e contedo, uma relao
dialtica. Nisto, houve a influncia do expressionismo, apesar de ter traado o prprio
caminho. O conflito para ele deve acontecer no palco.Com o intuito de provocar um baque na arte de representar, destituindo a concepo
de que teatro alheamento, hipnose, que vem tona a tcnica central do novo teatro
pico, o distanciamento. Ele nasce da necessidade de possibilitar queles que assistem
relao e reflexo, a partir das cenas, com o mundo em que vivem. O mundo representado
no mais ser uma iluso improvvel. O conformismo diante dos acontecimentos dados, o
pr-estabelecido, devem ser abandonados para darem lugar a um novo comportamento que
ser iniciado pelos atores e pela encenao e culminar na formao de um espectadorconsciente e que tenta acompanhar de fato a evoluo de seu meio. Nesse mundo, quem quer
diferente exceo e uma exceo ousada! H, porm, uma esperana no homem: a de que
ele possa mudar. Para isso, segundo Brecht, o homem ter que encarar o que deveria ser e no
s o que . Um novo destino tem que lhe ser mostrado.
O distanciamento descarta o previsvel. Ecos, esboos configuram a cena que
desencadeia tantas outras cenas na cabea daquele que assiste. O objeto reconhecido, que para
Brecht feito por meio de referncias histricas, ou com um dos cones da atualidade,provoca dvida e sensaes diversas das de um reconhecimento comum, como do teatro
burgus. O efeito novo ansiava outros desgnios, que no os da antiga tcnica, que existia em
outras culturas e se aproximava mais do plano de um devaneio e de um desprendimento
espiritual do mundo do que da veracidade deste. No servia para a sociedade do novo tempo,
nem do prximo. A finalidade era outra: a de despertar no espectador a atividade crtica ao
tornar o cotidiano especial, justamente para que se pensasse sobre ele (por isso mesmo,
importante o uso, em cena, de elementos desse cotidiano). Chega a ser espirituoso pensar que,
a vida representada pelo teatro burgus estava to distante da realidade que retrat-la (a
8/13/2019 Estudos Sobre Bertolt Brecht
14/17
MIRANDA, Rita Alves-38-
Existncia e Arte Revista Eletrnica do Grupo PET Cincias Humanas, Esttica daUniversidade Federal de So Joo Del-Rei ANO VII Nmero VI Janeiro a Dezembro de 2011
realidade) na sua simplicidade e sem artifcios, seria causar um estranhamento. Esta j por si
s uma grande contradio.
A dialtica encontra-se nesse processo tambm. Pode ser (e esta uma reflexo
arriscada, ao mesmo tempo em que pertinente, medida que se l sobre a esttica de Brecht)
que sua concepo de dialtica, assim como tambm a de distanciamento, tenha surgido cada
vez de forma mais intensa em sua obra, para contestar a prpria concepo de opostos como
se eles existissem apenas no plano terico. Eles se confundem, unem-se na contradio, assim
como o amor e o dio, que constantemente (como a maioria dos sentimentos, classificados
como opostos) tomam a mesma forma, so faces da mesma moeda e apossam-se ao mesmo
tempo de uma mesma pessoa e, no entanto, so tidos conceitualmente como opostos. Isso se
aproxima da vida real. No distanciamento isso experimentado pelo ator e, consequentementepelo espectador. Mais que isso: s culminar em vivncia do pblico, se primeiro for
experimentado pelos atores.
Antes, o que era encenado tinha que dar a impresso de no ser ensaiado, de ser o mais
natural possvel. Agora, o ator deve mostrar com gestos, o que est fazendo. Num primeiro
momento, pensa-se em distanciamento - e nisso reside o grande problema das interpretaes
brechtianas - como algo reto, frio e extremamente entediante. Realmente isso pode acontecer,
mas h um ponto chave para que ele se concretize de fato e o que muitos no entendem. Oator no deve comear distanciado totalmente de seu personagem. Mesmo porque para haver
um distanciamento necessrio que antes se aproxime algo. O que no deve acontecer o
ator metamorfosear-se na personagem. Ele no deve, no decurso do processo, deixar-se
levar pela personagem e os sentimentos desta, mas num primeiro momento (muito pequeno)
imprescindvel certa empatia, para que, no momento em que ele e o espectador estejam
quase acreditando, se d uma quebra, uma interrupo, que feita pelo prprio ator e que se
configurar na forma de gestos, plenos e meticulosamente escolhidos a partir de um trabalhoque Brecht defende que se faa atravs da constante observao atenta -arte da observao-,
tanto dos atores, quanto dos novos espectadores que iro nascer.
A quarta parede (que antes configurava justamente a distncia entre espectador e ator)
se desfaz e o ator se dirige diretamente ao pblico e em nenhum momento, ambos deixam de
ser o que so: ator e espectador. Nesse sentido, nasce tambm uma nova forma de se ensinar e
de se aprender. H uma proposta educativa e filosfica nisso, porque tanto para o pblico
como para aquele que encena pretende-se que desenvolvam uma atitude de questionar e
refletir sobre o que fazem e o que veem. Tanto um quanto o outro sabem exatamente o que
8/13/2019 Estudos Sobre Bertolt Brecht
15/17
Estudos sobre Bertolt Brecht-39-
Existncia e Arte Revista Eletrnica do Grupo PET Cincias Humanas, Esttica daUniversidade Federal de So Joo Del-Rei ANO VII Nmero VI Janeiro a Dezembro de 2011
esto fazendo. A ideia de um espectador-filsofo que se desenvolve juntamente com a idia
de observao explorada j desde os ensaios intensos dos atores que estudam aquele
personagem, distantes como um historiador, a partir de mesas de estudos e com o maior
nmero de ensaios possvel, para que o trabalho no se d no nvel da precipitao e das
escolhas sem fundamento. A escolha meticulosa dos gestos se insere neste trabalho de
distanciar, uma vez que ser atravs destes que se desenrolar a cena cotidiana, com todas as
contradies que carrega.
Faz-se a pea, inicia-se a discusso que se espera que reverbere durante muito tempo
naquele indivduo que assistiu e no ator que representou. No h mais o espetculo que retira
o homem de sua realidade para lhe oferecer um mundo que no lhe pertence. No se trata de
pessimismo nem de conformismo. H esperana, mas ela est justamente em apontar oconflito e procurar sadas, e no puramente em assistir desgraa e sentir-se intil porque
assim o . Isso tudo, aliado ao bom humor, preciso tcnica e devoo daquele que
acredita na arte como um plano, tambm para a mudana, configura os fundamentos da
esttica teatral de Bertolt Brecht.
Consideraes FinaisNo mais, um clssico para o teatro s deveria ser assim considerado quando se
esgotassem todas as suas possibilidades de atuao. Portanto, parece que Brecht, enquanto
desenvolvimento de uma atitude crtica na discusso da realidade e enquanto impulso para a
investigao de aperfeioamento tcnico (como ele fez), se bem apropriado, estar sempre
vivo. Mais uma vez, no as suas peas, porque qualquer texto por maior que seja a sua
atualidade, se esgota, ou deixa de fazer sentido, para determinados momentos vividos pelasociedade. O que mais interessante em Brecht a sua atitude no s como artista mas como
homem pertencente a este mundo e que no consegue aquietar-se diante de tanto sofrimento.
Para isso, muito importante lembrar que nos ltimos anos de sua vida, ele pensava muito
num teatro sempre inovador, e que ele era antes de tudo algum que acreditava na mudana.
preciso provocar constantemente o debate, fazer o homem pensar sobre si e sobre o
que o rodeia. A alienao, a desesperana, a crena de que as coisas no vo mudar e que no
h por onde comear j levaram e continuam levando homens e povos a se conformarem coma runa e a cometerem atos desesperados. Essa busca por mostrar o que oculto, uma busca
8/13/2019 Estudos Sobre Bertolt Brecht
16/17
MIRANDA, Rita Alves-40-
Existncia e Arte Revista Eletrnica do Grupo PET Cincias Humanas, Esttica daUniversidade Federal de So Joo Del-Rei ANO VII Nmero VI Janeiro a Dezembro de 2011
pela clareza, uma busca por no se aceitar, com radicalidade, que nenhuma ao privilegie
mais um ser humano que o outro. Na histria, aconteceram fatos que jamais deveriam ter
acontecido se houvesse certo discernimento. Exemplo disso foi o terrvel Nazismo e todo o
seu grande programa de alienao. No necessrio nem lembrar que a propaganda nasceu
nesse tempo sombrio. Brecht viveu nesse tempo.
Porm, claro que quando se trata de seres humanos que adquiriram um novo
conceito do que sobreviver, o campo fica mais complicado. Mas como clichs sempre so
vlidos, em horas de aperto aquele que diz que a esperana ltima que morre diz algo que
cabe com perfeio nesta concluso, porque dessa esperana que de certa forma Bertolt
Brecht falou, ela que deve guiar o artista em sua arte, que por sua vez guiou esse trabalho;
ela que promove a f dos indivduos e, provavelmente, ela que guia a vida dos homens.Como concluso, um trecho de um poema do mestre, A esperana do Mundo:
Quanto mais numerosos os que sofrem, mais naturais parecem seus sofrimentos,portanto. Quem deseja impedir que se molhem os peixes do mar?E os sofredores mesmos partilham dessa dureza contra si e deixam que lhes faltebondade entre si. terrvel que o homem se resigne to facilmente com o existente, no s com asdores alheias, mas tambm com as suas prprias.Todos os que meditaram sobre o mau estado das coisas recusam-se a apelar
compaixo de uns por outros. Mas a compaixo dos oprimidos pelos oprimidos indispensvel.Ela a esperana do mundo (BRECHT, 2000, p.223).
8/13/2019 Estudos Sobre Bertolt Brecht
17/17
Estudos sobre Bertolt Brecht-41-
Existncia e Arte Revista Eletrnica do Grupo PET Cincias Humanas, Esttica daUniversidade Federal de So Joo Del Rei ANO VII Nmero VI Janeiro a Dezembro de 2011
RefernciasANATOL, R. Teatro Moderno.So Paulo: Perspectiva, 2005.
BADER, Wolfgang (Coord.). Brecht no Brasil: experincias e influncias. Rio deJaneiro/So Paulo: Paz e Terra, 1987.
BENJAMIN, W. Tentativas sobre Brecht.Iluminaciones III, Madrid: Taurus, 1975.
______. Obras Escolhidas.Magia e Tcnica, Arte e Poltica. So Paulo: Brasiliense, 1994.vol. 1.
BERTHOLD, M.Histria Mundial do Teatro. So Paulo: Perspectiva, 2006.
BORNHEIM, A. G.Brecht:A esttica do teatro. Graal, 1987.
BRECHT, B.Estudos sobre teatro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2005.
______. Teatro Completo.Rio de Janeiro, 1992. vol. 7.
______. Poemas (1913-1956).So Paulo: 34, 2000.
KOUDELA, I.D.Brecht:um jogo de Aprendizagem. So Paulo: Perspectiva, 2007.
NIETZSCHE, F. O Anticristo.So Paulo: L&PM, 2009.
WILLET, J. O Teatro de Brecht.Rio de Janeiro: Zahar, 1967
Submetido em: 31/08/2011Aceito em: 29/11/2011