Ética Na Pesquisa Em Seres Humanos

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    tica na pesquisa em sereshumanosElaine Alves

    Professora Adjunta da Universidade de Braslia (rea de Medicina da Criana edo Adolescente). Coordenadora do Comit de tica em Pesquisa da Faculdadede Medicina da Universidade de Braslia. Consultora da disciplina OncologiaGeral e Peditrica da FAMEPLAC.

    Paulo TubinoProfessor Titular de Cirurgia Peditrica da Universidade de Braslia. Consultordas disciplinas de Embriologia, Tcnica Operatria e Cirurgia Peditrica daFAMEPLAC.

    O princpio da moralidade mdica e cirrgica consiste em nunca

    realizar um experimento no ser humano que possa prejudic-lo,

    mesmo que o resultado seja altamente vantajoso para a cincia,

    isto , para a sade dos outros.

    Claude Bernard, 1865

    RESUMO

    Os autores abordam o uso do ser humano, atravs dos tempos,para experimentaes dos mais diversos tipos e as condies que leva-ram regulamentao da pesquisa em seres humanos. Apresentamalguns conceitos de tica e enfatizam que a pesquisa em seres huma-nos um captulo importante da tica mdica e da biotica. Analisam aregulamentao internacional e nacional a respeito e as recentes tentati-vas de se estabelecer um duplo padro tico em pesquisa, dirigido aospases do terceiro mundo.

    Palavras-chave. tica; biotica; pesquisa mdica; pesquisa clnica;tica em pesquisa.

    Atravs dos tempos, so numerosos os casos de uso do ser hu-mano para experimentaes dos mais diversos tipos. Citaremos ape-nas alguns exemplos. No fim do sculo XVII, surgira uma nova for-ma de arte anatmica: os anatomistas comearam a colecionar e aexibir corpos e partes de corpos humanos. Frederik Ruysch (1638

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    1731) foi o primeiro expoente do espcime anatmico. Visitantes de

    toda a Europa se maravilhavam com seu repositrio de curiosidades.Como Instrutor-Chefe das parteiras de Amsterd e Mdico Legal(Oficial) da Corte, ele tinha amplo acesso aos corpos de natimortose lactentes e os usava para criar cenas extravagantesde mltiplosespcimens. Seu repositrio de curiosidades inclua vitrines com esque-letos de fetos e de lactentes, colocados em paisagensque misturavampartes de corpos humanos e de animais com vrios objetos orgni-cos e no orgnicos (figura 1). Ruysch era dotado de um privilgioextraordinrio: o direito de coletar e exibir o material humano sem o

    consentimento do indivduo ou de seu responsvel.1Mais recentemente, em 1932, na cidade de Tuskegee (Alabama),

    399 homens negros foram selecionados pelo Servio de Sade P-blica dos Estados Unidos da Amrica para receberem atendimentomdico gratuito. Na verdade, estava sendo iniciado um estudo so-bre os efeitos da sfilis no corpo humano.Os homens nunca soube-ram que tinham sfilis. Foi dito a eles que tinham sangue ruim e

    Figura 1. Detalhe de ilus-trao do livro de FredrikRuysch Alle de ontleed-genees en heelkindigewerken,vol. 3, publicadoem Amsterd, 1744, retra-tando uma das peas dorepositrio de curiosidadesdo autor.

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    lhes foi negado acesso ao tratamento, mesmo aps a descoberta da

    penicilina em 1947. Esses homens foram isentados do servio mi-litar obrigatrio para que no recebessem tratamento ministrado pormdicos do exrcito. Quando o estudo foi denunciado, em 1972, 28homens haviam morrido de sfilis, 100 tiveram complicaes asso-ciadas, 40 esposas haviam sido infectadas e 19 crianas contrarama doena ao nascimento.2

    So bem conhecidas as experincias conduzidas por mdicosnazistas durante a Segunda Guerra Mundial. Foram cerca de trintaexperimentos diferentes, evidentemente sem o consentimento das

    vtimas, que provocaram dor intensa, mutilao, deficincia perma-nente e morte. No campo de concentrao de Dachau, por exemplo,os prisioneiros foram submetidos a uma presso de ar comparvel encontrada a 15.000 metros de altitude, na tentativa de determinarquo alto um piloto alemo poderia voar e sobreviver. Eram imersosem gua gelada ou deixados na neve, sem roupas, por nove a 15horas, na pesquisa de um mtodo de tratamento para soldados ex-postos ao frio e ao congelamento. Em estudos que buscavam tornara gua do mar potvel, eram privados de todos os alimentos e rece-

    biam apenas gua do mar processada quimicamente. Ainda em be-nefcio do exrcito alemo, cujos soldados sofriam com gangrenagasosa, os mdicos do campo de concentrao de Ravensbruck, tes-taram a eficincia da sulfanilamida e outras drogas no controle dainfeco. Para tal, provocaram ferimentos nas vtimas, infectaramas leses com vrias bactrias e agravaram a infeco resultante pas-sando vidro modo, serragem e areia no local para simular umferimento de guerra. Vinte e trs pessoas, das quais 20 mdicos na-zistas, foram acusadas de crimes contra prisioneiros de guerra e

    julgadas no tribunal de Nuremberg (figura 2). Os acusados tentaramjustificar seus crimes com a desculpa de que, na poca, no haviaregras governamentais explcitas que regulamentassem a pesquisamdica na Alemanha e que as prticas de pesquisa na Alemanhano eram diferentes das existentes nos pases aliados. As sentenasforam divulgadas em agosto de 1947, com um documento formula-do pelos juzes que conduziram o julgamento e que ficou conhecidocomo Cdigo de Nuremberg. Dezesseis dos acusados foram consi-

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    derados culpados e sete foram executados. Durante o julgamento,os juzes reconheceram que era necessrio mais do que a ticahipocrtica e o princpio primum non nocere (primeiro, no prejudicarou no fazer mal) para assegurar e proteger os direitos dos sereshumanos sujeitos de pesquisa. O Juramento de Hipcrates (ticaMdica Hipocrtica) balizou os aspectos ticos da prtica mdica

    por mais de 2.500 anos; ele enfatiza os aspectos de beneficncia,no-maleficncia e confidencialidade, mas no considera o respeito autonomia do paciente. O Cdigo de Nuremberg um marco nahistria da humanidade e, possivelmente, o documento mais im-portante na histria da tica em pesquisa em seres humanos. Foi oprimeiro a assegurar os direitos dos sujeitos da pesquisa, enfatizandoa necessidade e a qualidade do consentimento do indivduo pes-quisado.3-5

    As pesquisas com seres humanos durante a Segunda Guerra

    Mundial desencadearam debates filosficos, sociolgicos, teolgi-cos e polticos sobre as relaes entre tica e cincia. No incio dacivilizao, o que conhecemos hoje como tica Mdica era partedas normas morais gerais que dirigiam a conduta social de todas aspessoas. A palavra tica vem do grego e tem dois significados. Oprimeiro se origina do termo those significa hbito ou costume; a par-tir deste teve origem a expresso thos, que significa modo de ser oucarter. Posteriormente, este conceito foi traduzido na expresso la-

    Figura 2. Mdicos e cien-tistas alemes no banco dosrus em Nuremberg, dezem-bro de 1946.

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    tina mos, moris(que deu em portugus a palavra moral), que equivale

    apenas a hbito ou costume. A tica e a moral tm em comum umsentido eminentemente prtico, embora a tica seja um conceitomais amplo e rico que a moral. Moral pode ser definida como qual-quer conjunto de regras, valores e proibies, impostos pela polti-ca, costumes sociais, religies ou ideologias. Por sua vez, a ticasempre implica em uma reflexo sobre a validade da conduta huma-na, ou seja, uma anlise crtica das regras impostas pela moral.Alm da tica Mdica Hipocrtica, dentre os grandes modelos ti-cos da tradio ocidental destacamos: a tica da Reciprocidade (ou

    a Regra de Ouro), que um princpio moral encontrado em pratica-mente todas as religies e culturas (No faas aos outros o que no

    gostarias que os outros fizessem a ti, ou faz aos outros aquilo que gostarias

    que te fizessem) e, mais modernamente, a Biotica.Em 1964, a Associao Mdica Mundial (World Medical

    Association) aprovou umacodificao de maior abrangncia que a deNuremberg a Declarao de Helsinque.6Embora sem status jurdi-co, um cdigo de conduta para investigaes mdicas reconhecidointernacionalmente. A Declarao de Helsinque j foi objeto de cinco

    revises, a ltima em outubro de 2000, e nela so consagrados oprincpio do consentimento informado por parte dos sujeitos da pes-quisa e a prevalncia da beneficncia do indivduo sobre o bem co-mum ou da cincia. Tambm passa a ser obrigatrio que os projetossejam aprovados por uma comisso de tica independente.

    Entretanto, continuaram a ocorrer pesquisas que violavam osprincpios ticos j estabelecidos. Junto ao caso Tuskegee, outrosdois experimentos mobilizaram a opinio pblica norte-americana:a injeo de clulas tumorais hepticas vivas em idosos doentes no

    Jewish Chronic Disease Hospital em Nova Iorque (1963) e a contami-nao de crianas com deficincia mental pelo vrus da hepatiteinfecciosa, entre 1950 e 1970, na Willowbrook State School.7,8Em umareao institucional ao escndalo provocado por essas pesquisas, ogoverno e o congresso norte-americano constituram uma comissopara identificar quais princpios ticos bsicos deveriam conduzirexperincias em seres humanos. O resultado foi o Relatrio Belmont(Belmont Report), que concluiu pelos seguintes princpios: o princpio

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    do respeito s pessoas (autonomia); o princpio da beneficncia (in-

    cluindo a no-maleficncia); o princpio da justia.9 O RelatrioBelmont enfatizou, portanto, os princpios que posteriormente fo-ram considerados fundamentais pela biotica.

    A palavra biotica um neologismo proposto em 1971 pelobioqumico e professor de oncologia Van Ressenlaer Potter no seulivro Bioethics: bridge to the future. Sua inteno era a integrao doconhecimento biolgico com os valores humansticos (tica), esta-belecendo assim uma ponte para o futuro. Em seu conceito origi-nal, Potter imaginava a biotica como um compromisso global com

    o equilbrio e a preservao da relao dos seres humanos com oecossistema.10Entretanto, a viso que se difundiu nos meios cient-ficos foi a de Beauchamp e Childress, com a publicao do livroPrinciples of biomedical ethicsem 1979.11Deve ser mencionado que osautores (Beauchamp, filsofo e Childress, telogo) participaram daelaborao do Relatrio Belmont e, portanto, a pesquisa em sereshumanos foi uma das causas desencadeantes da biotica como ati-vidade autnoma.

    Assim, a biotica foi criada em uma poca de grande desenvol-

    vimento cientfico e tecnolgico, com a finalidade de regular amoralidade da conduta dos agentes das cincias da sade. Baseia-seem quatro princpios ticos antigos: no-maleficncia; beneficn-cia; autonomia (liberdade) e justia. Esses princpios, que no tmcarter absoluto e nem prioridade um sobre o outro, tm sido am-plamente usados como ponto de partida para a tomada de decisesticas na prtica clnica e na pesquisa em seres humanos, a despeitode algumas crticas sua fundamentao terica.

    O princpio da beneficncia o que estabelece que temos a

    obrigao moral de agir em benefcio do outro, independentementede desej-lo ou no. Est presente no Juramento de Hipcrates:Juro... aplicar os tratamentos para ajudar os doentes conforme mi-nha habilidade e minha capacidade, e jamais us-los para causardano ou malefcio. O princpio da no-maleficncia tambm j eraconhecido e formulado desde a poca hipocrtica: Pratique duascoisas ao lidar com as doenas: seja til ou, ao menos, no prejudi-que. Significa no infligir dano intencional e poderia ser considera-

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    do um elemento do princpio da beneficncia; deixar de causar o

    mal intencional a uma pessoa j fazer o bem para esse indivduo. Oprincpio da autonomia ocupa-se, principalmente, dos direitos dopaciente como pessoa individual e com o seu poder de deciso so-bre o prprio tratamento. O princpio da justia compreende as no-es de igualdade, eqidade e universalidade. o respeito pelosindivduos, igual para todas as pessoas, independente de gnero(sexo), classe social, cor ou religio.

    Em 1982, com novas verses em 1993 e 2002, o Conselho dasOrganizaes Internacionais de Cincias Mdicas (CIOMS) e a Or-

    ganizao Mundial da Sade (OMS) propuseram as Diretrizes Inter-nacionais para Pesquisas Biomdicas em Seres Humanos. Ficou es-tabelecido que todas as propostas para conduo de pesquisas emseres humanos deveriam ser submetidas, para reviso e aprovao,a um ou mais comits independentes de reviso tica e cientfica eque o pesquisador deveria obter a aprovao da conduo da pes-quisa antes de inici-la. Foi tambm abordada a composio doscomits.12

    Na verso de 1996 da Declarao de Helsinque eram garanti-

    dos, a todos os sujeitos que participassem de uma pesquisabiomdica, os melhores mtodos existentesde diagnstico e trata-mento, incluindo-se os participantes do grupo-controle, caso hou-vesse. O uso de placebo foi permitido apenas nos casos em que noexistissem mtodos diagnsticos ou teraputicos consagrados. En-tretanto, em 1999, a Associao Mdica Americana props, oficial-mente, trocar melhores mtodos existentes por mtodos dispo-nveis com a argumentao de que os pases pobres no tm aces-so aos tratamentos ideais e que os indivduos devem ser tratados de

    acordo com o padro de cuidado existente em seu pas, o que podesignificar nada. Exclua-se, portanto, a obrigatoriedade de fornecera teraputica mais eficaz e legitimava-se o uso do placebo. Essaspropostas so particularmente perigosas para os pases pobres doterceiro mundo, alm de representarem um flagrante retrocesso ti-co com o estabelecimento de um duplo padro tico em pesquisa.Felizmente no foram aceitas, sobretudo pela ao firme dos repre-sentantes do Brasil e da Argentina. Entretanto deve ser menciona-

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    do que continua havendo uma forte presso neste sentido, tornando

    claro o atual modelo de pesquisa cientfica internacional, com a com-petio de grandes empresas que trabalham em funo do lucro e daminimizao de custos. Para tal procuram estabelecer e controlar asregras da investigao.13-15

    Em 1994, foram publicados os resultados de um estudocasualizado, feito nos Estados Unidos e na Frana, que provou quea administrao de zidovudina durante a gravidez e o parto reduziasignificativamente a contaminao de recm-nascidos cujas mesestavam infectadas pelo vrus da imunodeficincia humana (HIV,

    da sigla em ingls). Esse resultado pde ser constatado j na primei-ra anlise dos dados, e a pesquisa foi interrompida aps dois mesespara que todas as grvidas e seus filhos pudessem se beneficiar dotratamento.16Entre 1994 e 1997, foram iniciados dezoito outros es-tudos para testar a transmisso perinatal do HIV. Em dois deles,feitos nos Estados Unidos, todas as mulheres participantes recebe-ram a teraputica anti-retroviral. Os dezesseis estudos restantes fo-ram realizados em pases da frica, da sia e da Amrica Central;em quinze, parte ou a totalidade das mulheres grvidas no recebeu

    medicao anti-retroviral. Nessas pesquisas, das quais nove forampatrocinadas pelo governo dos Estados Unidos, foram desrespeita-das as recomendaes ticas as quais estabelecem que nos estudosefetuados em pases em desenvolvimento os padres ticos devemser iguais aos utilizados se a pesquisa se realizasse no pas patroci-nador.12 Certos trabalhos, publicados em peridicos conceituadosno meio cientfico, chamam a ateno porque jamais teriam sidodesenvolvidos em pases do primeiro mundo. o caso de uma pes-quisa feita em Uganda, em que foram comparados vrios esquemas

    de profilaxia da tuberculose, em indivduos infectados com o HIV,com teste de tuberculina positivo, na qual houve um grupo-controleque recebeu apenas cido ascrbico.17No Brasil, o Cdigo de Deon-tologia Mdica de 1984 vedou ao mdico no exerccio de sua pro-fisso realizar pesquisa in anima nobilisem estar devidamente autori-zado e sem o necessrio acompanhamento de Comisso de tica.Na verso de 1988, proibiu a realizao de pesquisa mdica em serhumano sem que o protocolo fosse submetido, aprovado e acompa-

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    nhado por comisso isenta de qualquer dependncia em relao ao

    pesquisador.Entretanto, as primeiras normas governamentais para a pes-

    quisa em seres humanos foram estabelecidas pela Resoluo n. 1de 18 de junho de 1988 do Conselho Nacional de Sade (CNS).Esse documento abordou aspectos ticos das pesquisas, debiossegurana e de vigilncia sanitria. Em 1995, foi proposta umareviso da Resoluo 1/88 e constitudo um grupo de trabalho. Fo-ram consultadas cerca de 30.000 pessoas e elaborada uma nova re-soluo, cuja verso preliminar foi aprovada no I Congresso Brasi-

    leiro de Biotica, realizado em So Paulo em julho de 1996.18Atual-mente, os aspectos ticos das atividades de pesquisa em seres hu-manos no Brasil so regulados pela Resoluo CNS n. 196/96 (Di-retrizes e Normas de Pesquisas em Seres Humanos) de outubro de1996 e pelas resolues complementares posteriores. Foi criada aComisso Nacional de tica em Pesquisa (CONEP) e os Comitsde tica em Pesquisa (CEPs), que tm a funo precpua de garan-tir e resguardar a integridade e os direitos dos voluntrios partici-pantes nas pesquisas. Os CEPs tero sempre carter multi e

    transdisciplinar, no devendo haver mais que metade de seus mem-bros pertencentes mesma categoria profissional, participando pes-soas dos dois sexos.Sua constituio dever incluir a participaode profissionais da rea de sade, das cincias exatas, sociais e hu-manas, incluindo, por exemplo, juristas, telogos, socilogos, fil-sofos, bioeticistas e, pelo menos, um membro da sociedade repre-sentando os usurios da instituio.19 importante ressaltar que assegurado aos CEPs independncia na tomada de decises e queseus membros no podem sofrer qualquer tipo de presso por parte

    dos superiores hierrquicos.Todas as pesquisas em seres humanos,no Brasil, devero ser submetidas apreciao de um Comit detica em Pesquisa.

    Merece destaque o item II.11 da Resoluo CNS 196/96, refe-rente ao consentimento livre e esclarecido. Significa a anuncia dosujeito da pesquisa e ou de seu representante legal, livre de vcios(simulao, fraude ou erro), dependncia, subordinao ou intimi-dao, aps explicao completa e pormenorizada sobre a natureza

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    da pesquisa, seus objetivos, mtodos, benefcios previstos, poten-

    ciais riscos e o incmodo que esta possa acarretar, formulada emum termo de consentimento, autorizando sua participao volunt-ria na pesquisa. Deve ser observado que no se trata de um con-sentimento simplesmente informado. livreporque no pode ha-ver nenhum tipo de limitao deciso do indivduo em dar ou noo seu consentimento e esclarecidoporque o compromisso com osujeito da pesquisa no apenas de informare sim de esclarecer.

    Os CEPs tm cuidado redobrado com a proteo de gruposvulnerveis, que so todos aqueles que, por quaisquer razes ou

    motivos, tenham a sua capacidade de autodeterminao reduzida. o caso dos menores de 18 anos, das gestantes, populaes pobres,populaes indgenas, presidirios, militares, religiosos, funcionri-os, alunos, deficientes mentais, incapazes.

    Concluindo, manifestamos nossa certeza de que a observnciade princpios ticos rigorosos na pesquisa em seres humanos s qua-lifica o trabalho do pesquisador. Por outro aspecto, mais do que umasimples obedincia s regras preciso que o pesquisador reconheaestes conceitos como fundamentais. Acreditamos que o tema, pela

    sua importncia, deveria ter sempre um espao reservado nos even-tos e peridicos cientficos e fizesse parte dos currculos dos cursosde graduao e ps-graduao, especialmente da rea da sade.

    REFERNCIAS

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    Dose dosagem.No so sinnimos. So censurveis ex-presses como prescrever o antibitico na dosagem certa, al-

    tas dosagens de radioterapia, dosagens ultrabaixas de interferon-

    a, dosagem excessiva de radiao ultravioleta. Nesses casos,

    dose o termo preferencial. Dose poro ou quantidade de

    medicamento a ser ministrada ao paciente: dose de 24 horas,

    dose a cada seis horas. Dosagem a operao de dosar: dosa-

    gem da glicose no sangue, dosagem da uria na urina.

    DICAS DE LINGUAGEM MDICA

    * * *

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