Evelina Hoisel a Imprescindível Metodologia Da Literatura Comparada

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  • 7/21/2019 Evelina Hoisel a Imprescindvel Metodologia Da Literatura Comparada

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    XIII Congresso Internacional da ABRALICInternacionalizao do Regional

    08 a 12 de julho de 2013Campina Grande, PB

    A imprescindvel metodologia da Literatura Comparada

    Profa. Dra. Evelina Hoisel1 - UFBA/CNPq

    Resumo:Com o objetivo de pensar questes relacionadas Literatura Comparada: cultura, disciplina, pesquisa,

    pretende-se desenvolver uma reflexo sobre a Literatura Comparada no Instituto de Letras da UFBA.

    Ainda que as questes institucionais da disciplina ocupem uma parcela das consideraes levantadas aqui,

    o principal foco de abordagem uma experincia de pesquisa, desenvolvida atravs do projeto coletivo Oescritor e seus mltiplos: migraes, que investe no estudo de um perfil de escritor criativo que articula aesta atividade a ao acadmica como docente e produtor de teorias e reflexes crticas sobre a literatura,

    a arte e a cultura. Interessa ao estudo investigar como a atuao nestes campos contguos estabelece a

    possibilidade de compreender como so construdos os projetos criativos destes escritores e quais ospercursos da relao dialgica estabelecida entre estes campos de atuao.

    Palavras-chave: literatura comparada, metodologia, migraes discursivas, intelectual mltiplo.

    1. Introduo

    Inicio essas reflexes, no espao do Simpsio Literatura Comparada: Cultura, Disciplina ePesquisa, no XIII Congresso Internacional da ABRALIC, procurando situar a Literatura Comparadanos cursos de Letras da Universidade Federal da Bahia graduao e ps-graduao onde adisciplina comparece de forma vigorosa no desenvolvimento de diversos projetos de pesquisa. Nose pretende aqui realizar um estudo detalhado sobre o exerccio da literatura comparada nos projetosem andamento. Trata-se de esboar a moldura atravs da qual as prticas comparatistas podem serobservadas no mbito das pesquisas do Instituto de Letras da UFBA para, em seguida, articularquestes metodolgicas que se impem a partir da experincia de um grupo de pesquisa queenvolve estudantes da graduao e da ps-graduao.

    Desde que foi traado o percurso das reflexes aqui apresentadas, sinto alguma inquietaodiante do ttulo proposto: A imprescindvel metodologia da literatura comparada. Um ttulo umtanto afirmativo, talvez um tanto na contramo das questes que tm sido colocadas pela prpriaLiteratura Comparada, ao mobilizar as metforas conceituais das fronteiras, das liminalidades, doentrelugar, dos processos de migraes, das relaes dialgicas, da heterogeneidade, datransversalidade, dos trnsitos da literatura e das mesclas de linguagem que a atravessam, dasnoes de intertextualidades, de intersemioses e de interdisciplinaridades para articular o campo deconhecimento sobre a literatura e suas interrelaes com outras reas do saber ou da cultura.

    Por sua vez, desde sua emergncia nos programas de ps-graduao, na segunda metade dosculo 20, atravs da criao de disciplinas e reas de concentrao especficas, tanto em programasde mestrado e doutorado mais antigos, onde se fazia sentir a hegemonia da Teoria da Literatura,como a UFRJ, a UFMG, a UFBA (CUNHA, 1996, p. 20), como em centros de pesquisa jconsolidados na perspectiva socio-histrica dos estudos da literatura como na USP , sobre aLiteratura Comparada muitas vezes recaem as crticas sobre as imprecises e as incertezas da suametodologia, colocando-se em destaque o relativismo crtico que caracteriza o seu vis

    1 Evelina HOISEL, Profa. Dra.Universidade Federal da Bahia (UFBA)[email protected]

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    interpretativo. Sabemos como a emergncia dos estudos comparatistas, no final do sculo 20, estrelacionada reverso do pensamento ocidental o eurocentrismo que abalou hierarquias evalores, rasurou fronteiras nitidamente delineadas, desnaturalizou valores culturais, tendo em seuhorizonte a heterogeneidade das histrias e das manifestaes simblicas das culturas, definindo-seassim pelo movimento de descolonizao do pensamento. E todas estas consideraes suscitam umaindagao (a minha inquietao): como falar da imprescindvel metodologia da LiteraturaComparada diante deste contexto? No estaramos assim neutralizando ou estancando a diversidadede aspectos que tm sido cruciais para a constituio e para a disseminao da disciplina no cenrioda cultura contempornea?

    Justifico todavia este ttulo a partir de dois pontos: primeiro a tentativa de recuperar oregistro de uma fala do saudoso professor Joo Alexandre Barbosa, no IV Congresso da ABRALIC,na Universidade de So Paulo (1994), ao destacar a inevitabilidade dos estudos comparatistas para acompreenso da literatura, uma construo por excelncia intertextual e dialgica. Segundo ponto:por comprovar, a partir de uma experincia de pesquisa, as possibilidades investigativas daLiteratura Comparada como mecanismo de entendimento para as redes de escrita do intelectual

    mltiplo, tema do projeto integrado desenvolvido por uma equipe de pesquisadores, no Instituto deLetras da Universidade Federal da Bahia, do qual participo, coordenando o projeto integrado e umdos trs subprojetos.

    Assim, a imprescindvel metodologia da literatura comparada ser pensada a partir de umaexperincia de pesquisa que encontra nos mecanismos metodolgicos dos estudos comparados umprodutivo instrumento para compreender os espaos de configurao do intelectual mltiplo, isto ,o intelectual que exerce mltiplas atividades, que transita em uma rede de escritas, assumindodiferentes posies discursivas: de escritor criativo (romancista, contista, poeta), de terico, decrtico, de docente, entrelaando (ou no) todos estes campos do saber. Interessa ao estudoinvestigar como a atuao nestes territrios contguos da formao de conhecimentos estabelece apossibilidade de compreender como so construdos os projetos criativos destes escritores e quais os

    percursos da relao dialgica estabelecida entre estes campos de atuao.

    2. A Literatura Comparada nos cursos de Letras da UFBA

    A dcada de 1980 caracteriza-se por intensos debates e transformaes no campo dosestudos literrios, que podem ser aqui sintetizados na emergncia e expanso da LiteraturaComparada. Se at este perodo o estudo do literrio na ps-graduao esteve predominantementepolarizado entre a teoria da literatura e o estudo das literaturas nacionais (Brasileira, Portuguesa eestrangeiras), na segunda metade da dcada de 80, realizam-se dois eventos de repercussointernacional que mobilizam os pesquisadores brasileiros, promovendo uma reconfigurao nosestudos da literatura. Estes eventos so: o XI Congresso da Associao Internacional deLiteratura Comparada (1985, em Paris), e o I Seminrio Latino-americano de LiteraturaComparada (1986, em Porto Alegre), onde foi criada a Associao Brasileira de LiteraturaComparada ABRALIC, espao no qual passam a ser debatidas as principais questes que, apartir de ento, vo proliferar no campo dos estudos literrios no Brasil, introduzindo no cenrioacadmico uma importante reconfigurao das reas e linhas de pesquisas da ps-graduao emesmo da graduao.

    No vou me deter na cena dos tensos debates e das profcuas transformaes que se deramnos diversos Congressos da ABRALIC desde que a associao foi fundada, pois este no oobjetivo desta apresentao. A moldura desse cenrio contornada para contextualizar as pesquisasque se desenvolvem hoje no Instituto de Letras da Universidade Federal da Bahia, na tentativa de

    cumprir um dos objetivos da proposta deste Simpsio, que acolher propostas de apresentao depesquisadores da rea de Literatura Comparada, de depoimentos de docentes de cursos degraduao e de ps-graduao onde existe a disciplina, para partilharem suas experincias

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    acadmicas.As reconfiguraes ocorridas na Ps- Graduao do Instituto de Letras da UFBA no so

    muito distintas daquelas transformaes ocorridas na Ps-Graduao no Brasil, se tomamos comoponto de referncia para esta discusso as reflexes de Eneida Leal Cunha em documento sobre ohistrico da ps-graduao na rea dos estudos literrios no Brasil, elaborado para a CAPES.

    No inicio da implantao da Ps-graduao no Brasil, o territrio genericamente designadode Letras constitui-se de duas subreas: Lingustica, a cincia matriz na dcada de 60, quando socriados os cursos da USP (1966, reconhecido pelo MEC em 1971) e da UFRJ, e a subrea deLiteratura. A contextualizao do incio da ps-graduao aponta para o processo dedisciplinarizao no campo dos estudos literrios. Se a lingustica a cincia piloto, a partir dadcada de 60, a Teoria da Literatura passa a ser disciplina obrigatria nos currculos de Letras, eintegra a subrea dos estudos literrios. Desse modo, as atividades de pesquisa, de produo doconhecimento e de formao estavam orientadas segundo as subdivises internas dos cursos entoimplantados, tambm claramente disciplinares, destacando-se: teoria da literatura, literaturabrasileira, literatura portuguesa, outras literaturas estrangeiras e, bem mais rara poca, a literatura

    comparada, como demonstra Eneida Leal Cunha no seu histrico sobre a ps-graduao.Criado em 1976, o Curso de Mestrado em Letras da UFBA tinha trs reas de concentrao:Lngua Portuguesa, Lingustica e Teoria da Literatura. Se no incio a Teoria da Literatura seconstitui em uma rea, em 1995, o Curso de Mestrado submetido a uma reestruturao, passandoa denominar-se Programa de Ps-Graduao em Letras e Lingustica Mestrado e Doutorado com as seguintes reas de concentrao: Lingustica Histrica, Lingustica Terica e LingusticaAplicada, Teorias e Crticas da Literatura e da Cultura, esta ltima constituda com trs linhas depesquisa: Documentos da Memria Cultural, Crtica Textual, Representao e Leitura. nocontexto dessa reestruturao que aportam na Ps-Graduao em Letras da UFBA os embates quese efetuam nos congressos da ABRALIC, com a disseminao da problemtica dos estudosculturais e das abordagens comparatistas, que passam a proliferar nas diversas linhas de pesquisa e

    nos projetos desenvolvidos pelos pesquisadores. Estes embates traduzem tambm uma vigorosatendncia que se observa no contexto da ps-graduao no Brasil, desde a realizao do I Congressoda Associao Brasileira de Literatura Comparada, em 1986.

    Todavia, deve-se salientar que, desde 1971, j tinha sido criado no curso de Letras da UFBAo Grupo de Pesquisa em Teoria da Literatura, Literatura Comparada e Criao Literria,registrado no Diretrio do CNPq, sob a coordenao da Professora Judith Grossmann. Desde aimplantao da Teoria da Literatura no currculo de Letras, em 1966, Judith Grossmann j adotavaum vis comparatista nas aulas de Teoria da Literatura. Assim, quando a disciplina LiteraturaComparada emerge na dcada de 1980, reconfigurando o cenrios da ps-graduao, o exerccio daliteratura comparada j estava sendo disseminado nos cursos de Letras da UFBA e uma dasdisciplinas que adotava com grande visibilidadee atualidadea metodologia comparatista era a

    Literatura e Outras Artes, criada pela Profa. Judith Grossmann, e ainda hoje ministrada nos cursosde Letras e nos Bacharelados Interdisciplinares da UFBA, bastante procurada pelos estudantes.

    Contudo, como foi afirmado anteriormente, com a reestruturao do Curso de Mestrado ea implantao do Doutorado, em 1995, que a Literatura Comparada se consolida e se expande noPrograma de Ps-Graduao em Letras e Lingustica da UFBA, possibilitando assim que estaInstituio sediasse a ABRALIC no perodo compreendido entre 19982000, quando foi realizadoo seu stimo Congresso, intitulado de Terras e Gentes. Congresso, alis, bastante importante pararesponder aos questionamentos que proliferaram a partir dos eventos anteriores da ABRALIC,principalmente no que diz respeito crise da teoria e aos limites disciplinares, como no Congressode Florianpolis (1998), que explicitava a questo: Literatura Comparada = Estudos Culturais?

    Hoje, o acesso ao site da Ps-Graduao da UFBA permite visualizar claramente aimprescindvel metodologia da literatura comparada para as diversas abordagens da literatura e dacultura, a partir da sua insero em projetos de pesquisa dos professores ou dos estudantes da ps Mestrado e Doutorado. Com o objetivo e dar maior visibilidade presena da perspectiva

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    comparatista, recorto algumas expresses dos projetos encontrados no site da Ps-Graduao emLiteratura e Cultura (em 2010, o Programa de Ps-Graduao em Letras e Lingustica desmembrou-se em dois programas distintos: Literatura e Cultura; Lngua e Cultura) que exibem a visveladerncia de cada um deles s perspectivas comparatistas. Na Linha de Pesquisa Documentos daMemria Cultural, recorto e destaco: estudos comparativos no mbito das literaturas francfonas;Aproximaes e dilogos entre as literaturas brasileiras e africanas; Estudos comparados nombito da francofonia. Na linha de pesquisa Estudos de Teorias e Representaes Literrias eCulturais: Estudo de textos narrativos ou poticos que, conduzidos por uma metodologiacomparatista, destaquem os temas: amor, erotismo, relaes entre arte e sexo, arte e pensamentofilosfico, literatura e cinema, preferencialmente envolvendo a temtica amorosa; Literatura ecinema; literatura e arte pop; Migraes e trnsitos discursivos: o perfil do escritor que conjuga aatividade criadora com as atividades terico-crticas e acadmica; Literatura e outros sistemassemiticos; literatura, mitologia e cinema; Estudos de literatura comparada no mbito dasliteraturas de lngua portuguesa; Estudo de produes (literatura, videoclipe, msica, cinema)africanas e brasileiras que tecem a memria cultural diasprica na contemporaneidade; Literatura

    comparada; literatura e outras artes; Reflexo crtica sobre o corpo no horizonte da literatura, dasartes cnicas, e nos meios miditicos. Relao entre literatura e msica, literatura e artes cnicas,com reviso de paradigmas sobre o corpo. Na linha de pesquisa Estudo de Traduo Cultural eIntersemitica, encontra-se: Estudos comparados em traduo. Traduo flmica. Traduointersemitica. Disponvel em http://www.ppgll.ufba.br/paginas/PLitC/SelecaoLitCult.html. Em 2de julho de 2013.

    Como se pode perceber deste inventrio to lacunar, o exerccio da literatura comparada seexpande atravs dos projetos desenvolvidos, demarcando com bastante contundncia o lugar dasmetodologias comparatistas no Instituto de Letras da UFBA. Por sua vez, ainda que de maneiralacunar, estes fragmentos recortados indicam como os temas contemporneos do comparatismo, taiscomo: figuraes de identidades, gneros, trnsitos discursivos, dilogos interculturais, dilogos das

    diferenas, tradues intersemiticas, deshierarquizaes, valores, auscultao das vozesminoritrias, reconfiguraes biogrficas atravessam os diversos projetos (de professores eestudantes), consolidando-se assim o interesse pelas problemticas j anunciadas nas prticascomparatistas que agitaram o campo dos estudos literrios nos anos 80, e que foram suscitadas epropagadas, primordialmente, a partir dos embates na cena da ABRALIC, em dilogo com asalteraes culturais, polticas e estticas que se tornavam visveis na segunda metade do sculo 20.

    Cabe ainda destacar, no que diz respeito presena da literatura comparada no ILUFBA,que as referncias bibliogrficas utilizadas nas linhas de pesquisa atestam a presena das questescontemporneas nas discusses em sala de aula e nas pesquisas em andamento, o que pode sercomprovado a partir de um rpido olhar sobre o manual do processo seletivo da ps-graduao doprograma Literatura e Cultura, ano 2012. (disponvel em

    http://www.ppgll.ufba.br/paginas/PLitC/SelecaoLitCult.html, em 2 de julho de 2013).O estatutodialgico da literatura e das prticas culturais solicita o exerccio da comparao, impondo-se assimas imprescindveis metodologias da literatura comparada na contemporaneidade.

    3. Um exerccio de literatura comparada:o escritor e seus mltiplos: migraes

    O projeto integrado O escritor e seus mltiplos: migraes desenvolvido por trsprofessoras do grupo de Pesquisa Teoria da Literatura, Literatura Comparada e Criao Literria(Diretrio do CNPq), junto linha Estudos de Teorias e Representaes Literrias e Culturais doPrograma de Ps-Graduao em Literatura e Cultura. O projeto investe no estudo de um perfil de

    escritor criativo que articula a esta atividade a ao acadmica como docente e produtor de teorias ereflexes crticas sobre a literatura, a arte e a cultura de maneira geral. A pesquisa investigamateriais diversos, dentre os quais: textos ficcionais, tericos, crticos, documentos, aulas pblicas,

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    trabalhos acadmicos, dados autobiogrficos, entrevistas, depoimentos, linhas de pesquisa, leituras,formao de grupos, vdeos e arquivos pessoais. A partir destes materiais, so analisadas ascoordenadas tericas e projetos criativos desenvolvidos por cada escritor, destacando as suascontribuies para os estudos literrios e culturais, para a criao literria e para a docncia.Estudam-se, ainda, as marcas presentes nos diferentes tipos de discurso em suas aproximaes edistanciamentos. Os trs subprojetos procedem ao mapeamento de um corpus de escritoresdistintos, tendo como meta observar como eles se aproximam e como se diferenciam na construodos seus projetos de intelectual mltiplo.

    O corpus da pesquisa muito amplo, pois pretende fazer o levantamento dos escritores queconfiguram o perfil acima descrito e que se tornam cada vez mais presentes no cenriocontemporneo, a partir da proliferao dos cursos de ps-graduao. Destacam-se assim as figurasde Judith Grossmann, Silviano Santiago, Affonso Romano de Sant`Anna, Helena Parente Cunha,Aleilton Fonseca, Antonio Brasileiro, Evando Nascimento, Maria Lucia D`Alfarra, Roberval Pereir,Cleise Mendes, Haroldo de Campos, Dcio Pignatari, Sandro Ornellas, Carlos Ribeiro, RinaldoFernandes, Miguel Sanches Neto, Ruy Espinheira Filho, dentre tantos outros.

    Cada uma dessas assinaturas representa um projeto intelectual com caractersticas erepercusses muito peculiares e distintas umas das outras, o que lhes confere um lugar diferenciadono panorama cultural contemporneo. O trao comum entre estes intelectuais uma atuao culturale acadmica que passa pelo territrio da fico literria (romance, conto, crnica, poesia), da teoria-crtica e da docncia. Em cada territrio, localiza-se a produo de uma escrita, mas uma escrita quese torna cada vez mais entrelaada. Estas escritas no so apenas intercomunicantes. Os rituais decada enunciao invadem os limites territoriais da outra, constituindo uma malha hbrida que requerum leitor capaz de transitar de migrar tambm por esses diversos territrios discursivos,estabelecendo-se assim uma cumplicidade entre biografia, fico e teoria.

    A partir desta sntese, pode-se perceber como o objeto de estudo trazido aqui para relataruma experincia de pesquisa solicita o exerccio do comparatismo. Alis, o ttulo o escritor e seus

    mltiplos: migraes aponta para as interfaces atravs da investigao dos mltiplos perfis e dasmigraes discursivas, colocando uma srie de textos ou de produes sob os sintagmas dosdeslocamentos, dos entrelaamentos, da liminaridade, da indecidibilidade, que se verificam tanto noconjunto de textos de um mesmo intelectual/escritor portanto de uma mesma assinatura(interfaces da fico com a teoria, as entrevistas, os ensaios, o projeto pedaggico, os dadosbiogrficos etc. de um subprojeto), como no que diz respeito s interlocues que se tecem entreum grupo de escritores de um subprojeto, ou entre os escritores dos trs subprojetos. Em todasestas instncias, o que se pretende flagrar so as migraes e os deslizamentos de ideias, de temas,de questes tericas e ficcionais entre as variadas escritas. Flagrar estes dilogos e interlocuesmobiliza a prtica das comparaes que expe as semelhanas, mas que se interessaprimordialmente pelas diferenas dos mltiplos eixos dialgicos disseminados atravs dessa rede de

    escritas.No andamento das pesquisas, por exemplo, constata-se que o projeto intelectual de muitos

    desses a(u)tores (recorro aqui a um termo de Evando Nascimento que traduz os processos dedramatizao desses sujeitos, simultaneamente atores e autores) construdo em espao deindecibilidadeparadoxalmente, o espao textual ficcional e terico e crtico e pedaggico e biogrfico e literrio e cultural... Para esses a(u)tores que assumem essa feio de intelectualmltiplo, cada cena discursiva difere das demais por mobilizar constantes processos de construo ereconstruo do sujeito, por reconfigurar as prprias ideias tericas e crticas, por reavaliar eredistribuir as lies pedaggicas. Como foi elucidado em um dos ensaios sobre a produo deSilviano Santiago e de Evando Nascimento, intitulado Questes biogrficas na rede de escritas dointelectual mltiplo (HOISEL, 2012, p.), a indecidibilidade no prejudica a consistncia doprojeto intelectual e cultural que traz a assinatura desses sujeitos, e estampa a complexidade dasquestes dramatizadas na contemporaneidade, onde o ofcio de criar, de ficcionalizar, expande-sepelos diversos discursos, reconfigurando formas tradicionais de escritas ligadas ao gnero

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    biogrfico (como dirios, cartas, memrias etc).Eneida Maria de Souza, em seu ensaio intitulado Notas sobre a crtica biogrfica, chama a

    ateno para a natureza compsita da crtica biogrfica, por englobar a relao complexa entre obrae autor, possibilitando a interpretao da literatura para alm de seus limites intrnsecos eexclusivos, ampliando-se assim a possibilidade dos jogos intertextuais na investigao da produode um autor, uma vez que, como destacam as suas reflexes, a crtica biogrfica, ao escolher tantoa produo ficcional quanto a documental do autor correspondncias, depoimentos, ensaios,crtica desloca o lugar exclusivo da literatura como corpus de anlise e expande o feixe derelaes culturais. (SOUZA, 2002, p.111).

    Assinala-se, portanto, a intromisso da imprescindvel metodologia da literatura comparadana construo da crtica biogrfica, a qual se constitui tambm como um exerccio de anlise do

    projeto integrado o escritor e seus mltiplos: migraes, acrescentando-se ainda o vis dosestudos culturais. a partir desses componentes que so construdas as pontes metafricas quepropiciam as interrelaes entre textos e a(u)tores.

    Para dar maior concreo e carnadura a estas abstraes metodolgicas, pode-se recorrer ao

    ensaio referido anteriormente, uma vez que, ao articular as questes biogrficas na rede de escritasdo intelectual mltiplo e construir uma biobibliografia, isto , um retrato do autor como leitor,como prope Evando Nascimento em conferncia pronunciada na Academia de Letras da Bahia, em2011, acionam-se as interlocues discursivas, mobilizando-se biografemas, rastros de leiturasinscritas nos textos, escolha de gneros e formas literrias predominantes, no sentido de verificarcomo se entrelaam os projetos ficcionais, tericos e pedaggicos desses intelectuais.

    A partir dessas correlaes, constata-se, por exemplo, a forte presena de gnerostradicionalmente caracterizados pela veracidade e autenticidade da escrita, como cartas, diriosntimos, memrias, transformando o espao privado do sujeito em objeto de exibio no espaopblico. Estes gneros so assim reconfigurados, desconstrudos, elegendo-se a indecidibilidadecomo principio construtor de suas escritas, ficcionalizando-os e retirando da sua tessitura o carter

    de veracidade e autenticidade. Trata-se, portanto, de um projeto ficcional que se sustenta empreocupaes tericas e pedaggicas que atravessam o projeto cultural desses atores.Os exemplos proliferam no corpus estudado, mas aqui sero destacados dois contos, ambos

    construdos como cartas: um, do prprio Evando Nascimento, intitulado O dia em que WalterBenjamin daria aulas na USP publicado no livro Cantos do mundo: contos (NASCIMENTO,2011, p.153-164). O outro, de Silviano Santiago, denominado Hello Dolly que integra o livroHistrias mal contadascontos (SANTIAGO, 2005, p.153-156).

    Nestes contos-cartas, Nascimento e Santiago expandem as fronteiras da literatura,introduzindo instigantes discusses crticas e atualizando o debate terico sobre Walter Benjamin, apartir de sua prpria biografia ou de suas concepes sobre a reprodutibilidade tcnica no contextoda ps-modernidade, em uma problematizao do original e da cpia-clone. Santiago e Nascimento

    embaralham os dados factuais e ficcionais, ficcionalizam a histria e o pensamento do filsofoalemo, rasuram as cronologias histricas, ofertando aos seus leitores um texto que exibesimultaneamente as suas preocupaes ficcionais, pedaggicas e tericas. Ainda que as atuaesdesses dois intelectuais sejam distintas, elas convergem no que diz respeito a insero de cada umdeles na cena cultural como pensadores da contemporaneidade e disseminadores das teorias ps-estruturalistas.

    Os debates travados atravs dessas escritas podem ser flagrados em suas diversas nuances(aqui sumariamente esboados) a partir das constantes intervenes do exerccio da LiteraturaComparada e sua imprescindvel metodologia para a execuo da proposta das migraes etransmigraes discursivas.

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    Referncias:

    HOISEL, Evelina. Questes biogrficas na rede de escritas do intelectual mltiplo. In: BORGES,

    Rosa; TELLES, Clia. Filologia, Crticas e Processos de Criao. Curitiba: Appris, 2012, p. 161-172.CUNHA, Eneida Leal & SOUZA, Eneida Maria de. Literatura Comparada: ensaios. Salvador:EDUFBA, 1996.NASCIMENTO, Evando. retrato desnatural: (dirios 2004-2007) - fico. Rio de Janeiro: Record,2008.NASCIMENTO, Evando. Cantos do mundo (contos). Rio de Janeiro: Record, 2011.NASCIMENTO, Evando. Retrato do autor como leitor. Conferncia pronunciada na Academia deLetras da Bahia em 18 de novembro de 2011. 18 pginasPrograma de Ps-Graduao em Literatura e Cultura. Manual da Seleo. Disponvel emhttp://www.ppgll.ufba.br/paginas/PLitC/SelecaoLitCult.html. Em 2 de julho de 2013.

    SANTIAGO, Silviano. Histrias mal contadascontos. Rio de Janeiro: Rocco, 2005.SANTIAGO, Silviano. O falso mentiroso: memrias. Rio de Janeiro: Rocco, 2004.SANTIAGO, Silviano. Carlos & Mrio: correspondncia completa. Rio de Janeiro: Bem-te-vi,2002.SOUZA, Eneida Maria de. Notas sobre a crtica biogrfica. In: Crtica Cult. Belo Horizonte.Editora da UFMG, 2002..