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Edutalks - Évora Teresa Vasconcelos ESE de Lisboa 20 de março 2018

Évora - Edutalks - edulog.pt · • ^decomposição _ das nossas instituições que se tornam ^disfuncionais _ ... A EstranhaOrdemdas Coisas, 2017 •Os sentimentos ainda não receberam

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Edutalks - ÉvoraTeresa Vasconcelos

ESE de Lisboa

20 de março 2018

A Educação de Infância em Tempos de Complexidade

Tempos Complexos

• Mundo líquido: inúmeras identidades manifestando-se emmomentos diferentes (Zygmunt Bauman, 2006)

• Tempos da Pós-verdade (na hora de criar e modelar a opinião pública, os factos objetivos têm menos influência que os apelos às emoções fáceis e às crenças pessoais (Tesich)

• Tempos sombrios (Hannah Arendt): guerras “em lume brando” (ex de Ghouta, na Síria)

• “Paralisados com o medo do desconhecido tornamo-nos desatentos”...

Tempos Complexos

• desencontro entre a economia real e a economia financeira

• “decomposição” das nossas instituições que se tornam“disfuncionais”

• não há um fio condutor, perdemos a ilusão do controle;

• tempos de incerteza mas de uma acentuadainterdependência;

• Um funcionamento em REDE… para o melhor e para o pior -

• no entanto, temos a convicção de que é a relação que nos fazexistir, a relação é a essência do humano;

Relação, sentimentos, culturas…

António Damásioin: A Estranha Ordem das Coisas, 2017

•Os sentimentos ainda não receberamo apreço que merecem comomotivadores e negociadores da grande empresa cultural humana.

•A vida humana está equipada com mentes, sentimentos, consciência, memória, linguagem, sociabilidadecomplexa e inteligência criadora.

Sentimentos (Damásio)

• Sentimentos são experiências mentais e, portanto, conscientes (…)

• Os sentimentos são experiências de vida baseadas em representações multidimensionais das configurações dos processos de vida.

• Os sentimentos referem-se primordialmente à qualidade do estado de vida no interior “antigo” do corpo – recordação de um anterior acontecimento arquivado nas nossas memórias.

A nossa “condição anímica de caminhante” (Edith Stein)

• “Qualidade do estado de vida no interior “antigo” do corpo”?

• Qualidade no estado de vida presente?

• Uma vida com qualidade para todos; uma “vida boa”

• Qualidade de vida para as crianças

• Os 17 objetivos para o desenvolvimento sustentável (ONU)

Complexidade da educação nostempos de hoje

Que novos desafios, problemas e oportunidades as crianças encontram (...)? Estes desafios são os mesmos a que os adultos fazem face: rápidas mudanças demográficas, poluição ambiental, globalização da economia, saúde e novas epidemias, sistemas de informação e estilos de vida (comunicação instantânea), novas migrações (“os novos europeus”), a guerra “em lume brando” transmitida quase em directo pelas televisões.

(adapt. Nico van Oudenhoven e Rekha Wazir, 2006)

Criança objecto de“consumo de massas”• O novo “marketing da infância”:

• a criança objecto de “consumo de massas”,• o “franchising” de produtos para a infância (...) com os decorrentes

efeitos no seu bem-estar, saúde, estilo de vida, valores e modos de ser feliz.

•1/3 das crianças portuguesas são obesas!

• obesidade mais que triplicou em 40 anos (nas crianças: 27% do total calórico ingerido diariamente são açúcares simples, três vezes o valor máximo recomendado)

• Crianças tornaram-se um bem “raro”, especialmente no nosso país.

O que atravessa todas as fronteiras?

- Convenção dos Direitos da Criança -

“Toda criança nasce com o mesmo inalienável direitoa um começo de vida saudável, educação e umainfância segura e protegida”.

A pobreza e a exclusão afetam a qualidade da nossa democracia

Porque demora tanto tempo a construção de Tecla?

(ItaloCalvino)

• … Os começos…

• Lei-Quadro da Educação Pré-escolar (1997) e legislação subsequente

• Plano de Expansão (1996…)

• Crescimento sistemático de cobertura até 2011-2012

• Taxas de cobertura (Relatório Estado da Educação, CNE 2016):

• 5 anos: 94,8% (retração 97,9% em 2014-15)

• 4 anos: 86,3%

• 3 anos: 71,7%

• Legalmente há um “edifício” construído (3-6). Mas o edifício está a ter os andaimes” ou “reparações” convenientes?

• Atuais fragilidades: supervisão e regulação? Correção das desigualdades? Deteção precoce de dificuldades? Uma avaliação “transparente”?

• E o “edifício” dos 0-3 anos?????

Visão da Criança

• Visão de cada criança como um projeto de múltiplaspossibilidades

• Criança cosmopolita (Bahba, 2008) (múltiplas identidades e pertenças da criança)

• Com uma infinita capacidade de transformar a adversidadeem potencialidade

• Capaz de interações múltiplas – os “sentimentos”… (Damásio)

• Dotada de um sentido de curiosidade pelo outro: hospitalidade

• Capaz do respeito como autoridade aceite

• Solidária e capaz de um “cuidado com o planeta”

Criança capaz de: (Vasconcelos 2009, com base em Rinaldi, 2006)

• capaz de construir mapas pessoais para sua própria orientaçãosocial, cognitiva, afetiva e simbólica

• competente, activa, crítica

• capaz de construir os seus próprios símbolos e códigosaprendendo simultaneamente a descodificá-los nos outros

• Capaz de atribuir significados a acontecimentos e tentandopartilhá-los

• Atenção ao discurso da “criança no centro” (Vasconcelos, 2012)

Estabelecimento de Educação de Infância (0-6/8)

• Um forum democrático de socialização

• Um espaço das crianças e não para as crianças (Dahlberg, Moss & Pence, 1999)

• Um espaço para experimentar “fronteiras”…

Sendo que:

• a criança não é um cliente, consumidora de mais um serviço;

• necessário ultrapassar a fronteira (dicotómica) entre o cuidare o educar (C. Tomás, 2016)

De que falamos quando falamos emFronteira?

Tempos de Fronteira(Vasconcelos, 2009)

• Fronteira: linha que divide oudelimita…

• “linha do fim ou do começo?” (Boaventura Sousa Santos)

•Quem são os habitantes de fronteira? los mestizos (Anzaldúa)

• Fronteiras como espaços e tempos de trocas e aprendizagens mútuas

Fronteiras– novas formas de trabalhar -•Espaços neutros fora dos sistemas

estabelecidos, nos quais as prioridades das organizações de origem são respeitadas e novas formas de pensar podem emergir das discussões.

(Konkola, 2001)

Fronteiras (cont.)

• Isto permite o encontro de profissionais de diferentes agências que, ultrapassando a segurança do seu abrigo institucional, resolvem problemas comuns, baseados nas competências de cada um.

(Konkola ibid.)

Cruzar outras fronteiras

• Crianças/famílias

• Níveis educativos: 0-3/3-6 … (Recomendação do CNE, 2011)

• Crianças com necessidades diferenciadas (OCDE 2006) - (“especiais”)

• Crianças e velhos

• Meninos/meninas

• Classes sociais, culturas, etnias, língua, orientação sexual

• Estatuto socioeconómico – “escolas-gueto”

• etc...

Que famílias?

Como cruzar fronteiras?(Nico van Oudenhoven e Rekha Wazir, 2006)

• O quê? - que se criem mecanismos de rápida avaliação e intervenção no que toca às novas necessidades das crianças, permitindo identificá-las e a elas responder;

• Como? - através de um tecido social alargado de adultos (“uma cadeia humana”, referem estes investigadores), incluindo família e vizinhos, mas também educadores, profissionais da área social, da justiça, da saúde ou do lazer;

• Quem? - adultos que escutem as crianças, os seus pontos de vista sobre situações e acontecimentos e as ajudem nos seus problemas e nas suas formulações, à medida que tentam fazer sentido da realidade que as cerca (...); dar a palavra às crianças!.

Fronteiras Pedagógicas

• Considerar a criança como um ator social competente, comosujeito de direitos, requer pensar em práticas pedagógicas,educativas, culturais e éticas condizentes com tais conceções;

• (…) o que implica combater visões pre-determinadas euniversais de criança e infância que se traduzem naestandardização das práticas educativas, mesmo que osdiscursos sejam contrários.

(Catarina Tomás, 2016)

Propostas para uma educação de infância de qualidade

Condição prévia: os 0-3 anos

• Um projeto por construir

• Um projecto a necessitar de andaimes, reforço das estruturas, um “fio de prumo” que seja condutor e orientador de umacoerência

• Recomendação 0-3 (CNE, 2011)

• Educação dos 0 aos 3 como parte integrante do sistemaeducativo

Propostas Pedagógicas

• Sistemas competentes de educação de infância (Jan Peters, 2017)

• “Local responses, global advances” (fronteiras do local) (ibid.)

• Um desenvolvimento “sustentado” numa prática de solidariedade (Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável, ONU)

• Promover uma ética do encontro (Dahlberg e Moss, 2005)

Propostas Pedagógicas

• Ultrapassar a dicotomia entre cuidar e educar

(C. Tomás, 2016)

• Estabelecer a Educação de Infância como locus de cidadania (Vasconcelos, 2007)

• Aprender a trabalhar em contextos complexos

• Uma ação pedagógica ultrapassando as salas de atividades: direito ao espaço público

(a natureza, instituições da comunidade…)

• Nunca a academização da educação de infância(escolarização precoce)

Uma Pedagogia da Desigualdade

Uma pedagogia da “desigualdade” (Nóvoa) –uma “desigualdade que seja igualizadora”

Uma pedagogia da inclusão, do acolhimento, dos “sentimentos”, da hospitalidade

Criar condições e situações para que as crianças experimentem e aprendam o que écruzar fronteiras

Uma ecologia de saberes

• Um conhecimento mais profundo dos mundos sociais e culturais da infância

• Uma psicologia da aprendizagem e não do desenvolvimento

• Uma educação de infância numa perspetiva de aprendizageme não de ensino

• Qualidade da mediação adulto- criança

• Multiplidade de saberes e disciplinas para entender quem é a criança

(B. S. Santos, 2009)

Interrogar as “narrativas” curriculares• Ultrapassar modelos rígidos e pré-estabelecidos

(incluindo modelos curriculares)

• Modelo como andaime (Vasconcelos, 2016)

• Um currículo “no cruzamento de fronteiras”

• Trabalho de projeto no cruzamento de fronteiras (não hátrabalho de projeto sem um suporte em rede)

• Trabalhar para além de fronteiras entre as diferentes“disciplinas” e entre diferentes “metodologias”

Uma prática alternativa:

• A necessidade de re-valorizar o jogo, não “desperdiçando as mentes das crianças” (Katz, 1997)

• Artes centrais à prática pedagógica (e não “um abcesso”)

• Não descurar a aprendizagem das diferentes literacias

• Repensar a organização dos espaços, e seleção e intencionalidade dos materiais numa perspectiva da frugalidade

• Práticas orientadas para a ecologia e defesa do planeta, naconsciência de que todos os recursos são limitados

• Valorizar práticas de cidadania transformadora entre as crianças (e entre adultos…)

Uma Ética do Cuidado

• Ética profissional

• Ética na relação com as crianças e famílias

• Uma ética do cuidado para a educação de infância(Vasconcelos, 2004)

• Uma ética do cuidado para os/as profissionais

(workshop Évora, Nov 2016)

Ética e estética de mãos dadas (P. Freire)

Hospitalidade

• Etimologia: ato de acolher o outro, hospedar; a qualidade do hospedeiro; receber; acolhimento amável… ; no acolhimentodo outro eu aprendo a reconhecer-me a mim próprio/a;

• “O ato de hospedar e de ser hospitaleiro é muito mais complexo do que simplesmente receber o visitante; consiste na união, ou melhor, na aproximação de culturas, costumes e pessoas diferentes: trata-se de uma relação de troca de valores entre o visitado e o visitante”(http://bemvindohospitalidade.blogspot.pt/2013/11/origem-da-

hospitalidade.html)

• Onde se exerce a hospitalidade?

• Como relacionamos educação de infância com hospitalidade?

Tempos de Hospitalidade

• Derrida (2003): a hospitalidade é o nome geral para todas as relações com o outro; a hospitalidade é, por definição, incondicional, ela está sempre condicionada pelas condiçõesda realidade (…)

• Boff (2005): a hospitalidade é utópica e prática, integra o sonho e a realidade em suas margens. É uma disposição interior aberta e irrestrita. Não rejeita nem discrimina ninguém.

• Ibid: “a hospitalidade, exercida na sua plenitude, é feita de cadeias de solidariedades includentes e vincula-nos profundamente à nossa própria natureza e ao nosso lugar no universo”

Olhar…

• É no olhar que reside a base da hospitalidade, porque representa um reconhecimento da presença do outro e, por parte do estranho quechega, uma súplica silenciosa para um possívelencontro. Negar-se o olhar é pretender tornarnão existente o outro (Boff)

(...) aquela fracção real dos dedos juntos / como para escrever cada palavra: / pegar ao alto numa coisa em estado de milagre:seja um copo de água, / tudo pronto para que a luz estremeça: o terror da beleza, isso, o terror da beleza delicadíssima / tão súbito e implacável na vida (...)

Herberto Helder / In Servidões, ed. Assírio & Alvim