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PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE ....... EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA COMARCA DE _______-GO “Justifica-se a propositura de ação civil pública de ressarcimento de danos e para impedir a queima da cana-de-açúcar, para fins de colheita, diante da infração ambiental provocada (...)” (Súmula nº 19 do Conselho Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo). “(...) é devida a obrigação de não-fazer consubstanciada na abstenção de fogo no preparo para o plantio e colheita de culturas renováveis, tais como lavoura de cana-de-açúcar, sob pena de imposição de multa diária estabelecida na sentença, ex vi do art. 27 do Código Florestal. REsp 439.456-SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 3/8/2006. 2ª Turma” (Boletim Informativo nº 291 do STJ). O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS, por intermédio do Promotor de Justiça que esta subscreve, no uso de suas atribuições constitucionais (artigos 23, inciso VI, 129, incisos II e III e 225, caput, todos da Constituição Federal de 1988), e fulcrado no sistema aberto de proteção dos interesses difusos e coletivos estatuído pela fusão harmônica das Leis 8625/93, 8078/90 e 7347/85, vem perante este ínclito juízo propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA AMBIENTAL COM PEDIDO DE CONCESSÃO DE MEDIDA LIMINAR em desfavor de ....................................................., pela fundamentação fática e jurídica a seguir exposta: I) DOS FATOS Conforme comprovam as peças de informação anexas, este órgão Ministerial tem recebido rotineiramente inúmeras reclamações da população local atinentes à incessante poluição causada pela queima da palha da cana-de–açúcar, principalmente, em decorrência da enorme sujeira causada por esta prática em toda a cidade. 1 Peça elaborada pelos Promotores de Justiça: Daniel Pinhel Júnior, Jales Guedes Coelho Mendonça e Vinícius Marçal Vieira.

EXCELENTÍSSIMA SENHORA JUÍZA DE DIREITO DA … · Durante as queimadas, ocorre a liberação de gases tóxicos primários, como por exemplo, monóxido de carbono, dióxido carbono,

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PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE .......

EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA COMARCA DE _______-GO

“Justifica-se a propositura de ação civil pública de ressarcimento de danos e para impedir a queima da cana-de-açúcar, para fins de colheita, diante da infração ambiental provocada (...)” (Súmula nº 19 do Conselho Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo).

“(...) é devida a obrigação de não-fazer consubstanciada na abstenção de fogo no preparo para o plantio e colheita de culturas renováveis, tais como lavoura de cana-de-açúcar, sob pena de imposição de multa diária estabelecida na sentença, ex vi do art. 27 do Código Florestal. REsp 439.456-SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 3/8/2006. 2ª Turma” (Boletim Informativo nº 291 do STJ).

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS, por intermédio do Promotor de Justiça que esta subscreve, no uso de suas atribuições constitucionais (artigos 23, inciso VI, 129, incisos II e III e 225, caput, todos da Constituição Federal de 1988), e fulcrado no sistema aberto de proteção dos interesses difusos e coletivos estatuído pela fusão harmônica das Leis 8625/93, 8078/90 e 7347/85, vem perante este ínclito juízo propor a presente

AÇÃO CIVIL PÚBLICA AMBIENTAL COM PEDIDO DE CONCESSÃO DE MEDIDA LIMINAR

em desfavor de .....................................................,

pela fundamentação fática e jurídica a seguir exposta:

I) DOS FATOS

Conforme comprovam as peças de informação anexas, este órgão Ministerial tem recebido rotineiramente inúmeras reclamações da população local atinentes à incessante poluição causada pela queima da palha da cana-de–açúcar, principalmente, em decorrência da enorme sujeira causada por esta prática em toda a cidade.

1Peça elaborada pelos Promotores de Justiça: Daniel Pinhel Júnior, Jales Guedes Coelho Mendonça e Vinícius Marçal Vieira.

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Nesse passo, vale ressaltar que o dano ambiental sofrido pela comunidade local é fato público1 e notório, que, por isso mesmo, “não depende de prova” (segundo o comando vertido no artigo 334, inciso I, do Código de Processo Civil).

Conforme afirmado, é notoriamente sabido que os demandados efetuam a queimada de vários hectares de cana-de-açúcar em várias propriedades rurais, situadas no Município de _________.

Do mesmo modo, sabe-se que a queima da palha da cana é atividade que degrada em demasia o meio ambiente, devido ao aumento das concentrações de monóxido de carbono e ozônio, que trazem como conseqüências principais a poluição atmosférica.

Além do mais, a queima da cana causa, também, graves incômodos à população em decorrência da produção de partículas sólidas (“carvãozinho”); a morte indiscriminada de espécies animais; o empobrecimento orgânico do solo – facilitando o surgimento de erosões e do chamado “processo de desertificação” –, bem como a ocorrência de sérios danos à saúde de toda a população atingida (aumento da incidência de doenças respiratórias), especialmente dos trabalhadores das usinas e, particularmente, dos “cortadores de cana” (verdadeiros escravos!!!). Dessarte, está-se diante de um verdadeiro e horrendo “desastre”2 para o Meio Ambiente e para a Saúde Pública.

Do ponto de vista científico, não há mais nenhuma dúvida quanto à degradação ambiental e os danos à saúde humana provocados pela queima da palha da cana-de-açúcar. Roborando esta asserção, pede-se vênia para reproduzir abaixo alguns trechos do primoroso trabalho3 elaborado pelo ilustre Promotor de 1 Apenas para evidenciar a intensa expansão desta afrontosa prática (queima da cana-de-açúcar), anote-se: “Matéria publicada na edição de ontem do jornal americano Washington Post afirma que o plantio de cana-de-açúcar, soja e outras culturas irá destruir toda a área de Cerrado brasileiro até 2030. Com o título ‘Perdendo a floresta para abastecer carros’, a matéria ainda fala que nos últimos 40 anos o Cerrado perdeu metade de sua área em conseqüência de plantações e que a taxa de desflorestamento é mais alta que a da Amazônia” (Diário da Manhã on line – http://www.dm.com.br/materias.php?id=10395 – Edição do dia 1º de agosto de 2007. Acesso em: 03/08/2007).2 O referido “desastre” não está no plantio da cana-de-açúcar. O problema (que já se verifica com bastante intensidade e tende a aumentar ainda mais se não forem tomadas as necessárias providências) está na colheita da cana-de-açúcar, ou melhor, na utilização do terrível, perverso e inadmissível método das queimadas para facilitar a colheita (manual) da cana-de-açúcar cultivada e utilizada nas atividades industriais dos demandados.3 In, Revista de Direito Ambiental, vol 5. São Paulo: Revista dos Tribunais. Ministério Público e práticas rurais anti-ambientais: o combate às queimadas da cana-de-açúcar no nordeste paulista, p. 65.

2Peça elaborada pelos Promotores de Justiça: Daniel Pinhel Júnior, Jales Guedes Coelho Mendonça e Vinícius Marçal Vieira.

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Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo, Marcelo Pedroso Goulart (comarca de Ribeirão Preto). In ipsis litteris:

- Poluição atmosférica:No decorrer dos anos de 1988 e 1989, E.V.A Marinho e V.W.J.H

Kirchhoff, pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), desenvolveram pesquisas e estudos, consubstanciados no chamado “Projeto Fogo”, com o objetivo de estudar o efeito das queimadas da palha da cana-de-açúcar sobre os gases atmosféricos ozônio, monóxido de carbono e dióxido de carbono. O Estado de São Paulo foi escolhido como sede de experimento em razão de sua importância na produção de cana-de-açúcar. Com a expansão da cultura canavieira e o boom do proálcool em 1975, São Paulo passou a produzir já no início dos anos 80, mais de 50% da cana-de-açúcar do país, atingindo, em 1989, uma área colhida de 1,7 milhões de hectares (132 milhões de toneladas de cana produzida). Ante a vasta extensão da área plantada, as queimadas dos canaviais passaram a ser fonte intensa de produção de gases.

Durante as queimadas, ocorre a liberação de gases tóxicos primários, como por exemplo, monóxido de carbono, dióxido carbono, meta-nos, hidrocarbonetos. Sob a ação dos raios solares, os gases primários liberados pelas queimadas combinam-se, produzindo o ozônio (gás secundário). As altas concentrações de ozônio na baixa atmosfera são nocivas à saúde e ao desenvolvimento das plantas.

Dados coletados durante a pesquisa revelaram altos índices de concentração de monóxido de carbono e ozônio durante a safra, época das queimadas. Na estação chuvosa, quando não há queimadas, as concentrações de ozônio não atingiram 30 partes por bilhão por volume (ppbv) e de monóxido de carbono, 100 ppbv. No período das queimadas foram observadas concentrações de até 80 ppbv para o ozônio, e 600 ppbv para o monóxido de carbono. Portanto, houve um aumento variável de 3 a 6 vezes na concentração desses gases durante a época das queimadas.

Os municípios da zona rural pesquisada apresentaram um índice entre 50% a 100% a mais de CO e O3, equiparando-se a cidades industriais. Segundo Kirchhoff, estudos demonstraram que para cada 10 ppbv de excesso de concentração de O3 ocorre uma queda de 10% do rendimento agrícola. Com os índices de concentração constatados o Estado de São Paulo estaria perdendo uma parcela significativa de sua produção agrícola. Mais: o Estado de São Paulo responde pelo lançamento na atmosfera de 35 mil toneladas de carbono, na forma de CO, produzidas pelas queimadas dos canaviais e a quantidade de matéria seca queimada nos canaviais paulista por ano, na unidade de área é de 15 vezes maior que a matéria queimada na Amazônia.

3Peça elaborada pelos Promotores de Justiça: Daniel Pinhel Júnior, Jales Guedes Coelho Mendonça e Vinícius Marçal Vieira.

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Para Kirchhoff, ‘a queima da cana afeta profundamente a atmosfera’.

Não menos significativa a produção de partículas visíveis (conhecidas vulgarmente por carvãozinho), que, além de causar incômodos à população, contribuem par a piora da qualidade do ar.

- Saúde Pública: - Doenças respiratórias: Os professores doutores José Carlos Manço e Antônio Ribeiro Franco,

docentes da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo (USP), são autores de pesquisas, monografias e laudos periciais que demonstram o seguinte:

• as doenças do aparelho respiratório representam a segunda principal causa de internações nos hospitais da região canavieira de Ribeirão Preto;

• as internações por esta causa – doenças do aparelho respiratório – contribuem com cerca de 20.000 casos anuais, para uma população de referência de 911.462 habitantes;

• há uma variação sazonal da incidência das doenças do aparelho respiratório, com uma curva ascendente a partir do meses de março/abril, atingindo o pico em junho/julho e decréscimo a partir de outubro/novembro;

• na região canavieira de Ribeirão Preto, portanto, são coincidentes os períodos das queimadas da cana-de-açúcar e o do aumento de incidência de internações por doenças do aparelho respiratório.

Concluem que: ‘As queimadas nos canaviais contribuem para a poluição atmosférica e, como conseqüência, representam fator desencadeante ou agravante de doenças respiratórias’.

A professora doutora Tânia Maria Shi, docente da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), é autora do estudo ‘Vias aéreas inferiores e a poluição’, publicado no Jornal de Pediatria, vol. 73, n.º 3, no qual, concluiu que:

• a poluição do ar na cidade de São Paulo atingiu níveis suficientemente altos para causar efeitos adversos à saúde da população exposta;

• da mesma forma, as crianças expostas aos poluentes do ar da região canavieira representaram maior prejuízo na saúde.

Foi enfática ao frisar que: ‘Os poluentes presentes no ar da região de Piracicaba, provenientes da queima da palha da cana-de-açúcar, surtem efeitos nocivos à saúde da criança’.

A pesquisadora postula medidas mais eficazes para o controle desse tipo de poluição ambiental.

- Câncer e mutação genética:

4Peça elaborada pelos Promotores de Justiça: Daniel Pinhel Júnior, Jales Guedes Coelho Mendonça e Vinícius Marçal Vieira.

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Gisele Cristiane Marcomini Zamperlini, pesquisadora do Instituto de Química da Universidade Estadual Paulista (UNESP), teve sua dissertação de mestrado ‘Investigação da fuligem proveniente da queima de cana-de-açúcar com ênfase nos hidrocarbonetos policíclicos aromáticos (HPAs)’ aprovada por rigorosa banca examinadora. Nesse trabalho, a autora comprova que as queimadas dos canaviais liberam substâncias carcinogênicas e mutagênicas.

Ao elaborar o resumo de sua tese e responder quesitos formulados pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, afirma, dentre outras coisas, que:

• foram identificadas 40 substâncias policíclicas aromáticas, conhecidas como hidrocarbonetos policíclicos aromáticos (HPAs) e seus derivados, que são considerados cancerígenos e mutagênicos;

• essas substâncias, encontradas na fase gasosa ou adsorvida em partículas, sofrem reações atmosféricas com outros fases, originando derivados aromáticos de poder cancerígeno e mutagêncio superior aos próprios HPAs, que são extremamente mutagênico;

• o material particulado também afeta o ecossistema e a biosfera, pois se depositam sobre as folhas interferindo no processo de fotossíntese, ou seja, na adsorção do gás carbônico e liberação de oxigênio, e na respiração das plantas;

• as partículas inaláveis da fuligem proveniente da queima de palha da cana-de-açúcar – aquelas inferiores a 1,0 micrômetro – depositam-se na região que fica entre os bronquíolos e os alvéolos pulmonares, onde permanecem depositados num período variável de dias a anos. Com a movimentação dos alvéolos, essas partículas acabam se concentrando na região superior aos bronquíolos, compreendida entre o esôfago e os brônquios. Os HPAs adsorvidos nessas partículas são metabolizados ou adsorvidos nessas regiões, provocando alterações no código genético das células (mutagênese), aumentando o número de células mutantes, ocasionando tumor cancerígeno.

Em parecer técnico sobre a exposição aos hidrocarbonetos policíclicos aromáticos (HPAs) presentes na fuligem proveniente da queima da cana-de-açúcar e a sua relação com a ocorrência de câncer, Antônio Pedro Mirra e Víctor Wünsch Filho, pesquisadores do Departamento de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), concluem:

• os HPAs são substâncias reconhecidas como cancerígenas pelos organismos internacionais de controle e prevenção do câncer, particularmente a Agência Internacional para Pesquisas sobre Câncer da Organização Mundial da Saúde, Lyon, França;

• a queima de cana-de-açúcar antes da colheita libera fuligem, que contém HPAs, no ar ambiente e sedimenta-a nos caules da cana a serem

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posteriormente cortados e no solo. Isto representa, para a população de trabalhadores envolvidos na colheita de cana, risco de intoxicação pelo HPAs tanto por inalação quanto pela via dérmica e significa uma maior probabilidade da incidência de cânceres de pulmão, de bexiga e de pele. Além disso, a combustão da cana-de-açúcar pode ter repercussões mais amplas expondo aos HPAs outras populações vivendo nas cercanias dos canaviais e que sofrem os efeitos das queimadas;

• pelo conhecimento acumulado hoje sobre os mecanismos da carcinogênese, não há limites de tolerância à exposição precisamente definidos para os HPAs, ou seja, níveis abaixo dos quais não haveria risco da iniciação do processo cancerígeno. O fato desta substância cancerígena ter sido identificada na fuligem da cana-de-açúcar, conseqüência de sua combustão, é motivo suficiente para o desencadeamento de medidas preventivas pois, independente do nível encontrado, para os trabalhadores envolvidos nas atividades dos canaviais que de rotina se utilizam da queima como parte do processo de colheita, há o risco de intoxicação pela substância e, como conseqüência, de virem a desenvolver câncer (cf. doc. anexo).

- Aspectos agronômicosDo ponto de vista agronômico, as queimadas também podem ser

consideradas nocivas. Na palestra proferida no Centro de Estudos Regionais da Universidade de São Paulo (USP), campus de Ribeirão Preto, o engenheiro agrônomo Manoel Eduardo Tavares Ferreira arrolou alguns dos prejuízos causados por essa prática:

• As pontas e folhas da cana representam 30% de sua biomassa, que é queimada, exportando para a atmosfera todos os nutrientes nela contidos (nitrogênio, fósforo, potássio, cálcio, magnésio, enxofre e demais micronutrientes);

• O uso do fogo prejudica a ciclagem dos nutrientes do solo e interfere na atividade biológica do solo;

• As queimadas contribuem para o aumento da infestação da broca da cana, principal praga da cultura, pois elimina os seus inimigos naturais (mosca Cubana e mosca do Amazonas);

• Como conseqüência, há necessidade do uso de adubação química e de herbicidas, que afetam a microflora do solo e contaminam o lençol freático e os mananciais;

• O uso do fogo também vem contribuindo para a redução da vegetação nativa da região, vez que as queimadas invadem, invariavelmente, as áreas de reserva florestal, consumindo-as;

• O desaparecimento da cobertura florestal alterou as condições climáticas da região, principalmente o regime das chuvas.

- Demais externalidades:

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Os custos sociais e econômicos da degradação ambiental provocada pelas queimadas devem ser realçados. Os princípios da prevenção e do poluidor-pagador que informam o Direito Ambiental e, em especial a Constituição (art. 225) e a Lei Federal n. 6.938/81 (art. 2º c/c o art. 14 e seu § 1º), exigem de todo e qualquer empreendedor a aplicação de técnicas e a realização de investimentos para prevenir danos ao meio ambiente. O custo da prevenção é do empreendedor, do titular da atividade potencialmente poluidora.

No caso das queimadas dos canaviais, esses custos (prevenção dos danos ambientais provocados pela queima da palha da cana-de-açúcar, através da aplicação de técnicas e tecnologias alternativas) estão sendo transferidos de forma perversa para a sociedade.

A sociedade banca todas as despesas de atendimento ambulatorial e hospitalar da rede pública referentes à assistência prestada às pessoas portadoras de doenças respiratórias agravadas no período das safras. O doente tira de seu salário o montante necessário ao pagamento de remédios, em regra, caros.

A comunidade arca com as despesas decorrentes do aumento do consumo da água no mesmo período. Segundo o Departamento de Água e Esgoto de Ribeirão Preto (DAERP), devido às fuligens das queimadas da ca-na-de-açúcar, o consumo de água aumenta em 50% na cidade de Ribeirão Preto (cf. “Folha de S. Paulo”, caderno Folha Nordeste SP, 11.6.92, p.6-1 – cópia anexa).

Ao atingir as redes de alta tensão, as queimadas provocam a interrupção da transmissão da energia elétrica e prejuízos materiais de grande monta. Vale citar, ainda, os acidentes automobilísticos provocados em nossas estradas pela fumaça das queimadas, que prejudicam de forma dramática a visibilidade dos motoristas.

Gizadas estas considerações, não se trata de nenhuma “especulação metafísica” concluir que todos os problemas verificados e cujas ocorrências foram cientificamente comprovadas pelas pesquisas realizadas no Estado de São Paulo irão fatalmente ocorrer, como de fato já estão ocorrendo, no Estado de Goiás e, particularmente, no município de ________________, tornando-se assim inadiável a tomada de urgentes providências, notadamente preventivas, com vistas a impedir uma nefasta situação caracterizada por irreparáveis danos para o Meio Ambiente e para a Saúde Pública4.

4 “Todo aquele que, direta ou indiretamente, promove e/ou permite, de qualquer modo, queimadas em áreas de sua propriedade e cultivo, deve ser compelido a reparar os danos causados ao meio ambiente (indenização pecuniária pelo dano ambiental), bem como a cessar essa atividade nociva (obrigação de não-fazer). A ação civil pública deve conter ao menos esses dois pedidos” (Revista de Direito Ambiental, vol 5. São Paulo: Revista dos

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II) DO DIREITO APLICÁVEL AO CASO

Como é cediço o direito ao meio ambiente ecologicamente

equilibrado caracteriza-se como típico direito humano fundamental de terceira geração, de acordo com a conceituação formulada pelo pensador italiano Norberto Bobbio (em sua clássica obra “A Era dos Direitos”).

Acolhendo exatamente esta lição, calha reproduzir um interessante julgado do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, redigido nos seguintes termos:

O direito à integridade do meio ambiente — típico direito de terceira geração — constitui prerrogativa jurídica de titularidade coletiva, refletindo, dentro do processo de afirmação dos direitos humanos, a expressão significativa de um poder atribuído, não ao indivíduo identificado em sua singularidade, mas, num sentido verdadeiramente mais abrangente, à própria coletividade social. Enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos) — que compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais — realçam o princípio da liberdade e os direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais) — que se identificam com as liberdades positivas, reais ou concretas — acentuam o princípio da igualdade, os direitos de terceira geração, que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos5, caracterizados, enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade (STF. MS 22.164, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 30-10-95, DJ de17-11-95 – original sem destaques).Ultrapassado este ponto inicial, impende evidenciar a importância

ímpar que o Pacto Social de 1988 dispensou à proteção do meio ambiente. Nesse caminho, diz a Carta Maior:

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência

Tribunais. Ministério Público e práticas rurais anti-ambientais: o combate às queimadas da cana-de-açúcar no nordeste paulista, p. 65). 5 Vale lembrar que a Constituição Federal de 1988 elevou o princípio da dignidade da pessoa humana à condição de fundamento da República Federativa do Brasil (artigo 1º, inciso III).

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digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:III - função social da propriedade;VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação6;

Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;

Art. 193. A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais.

ART. 225. TODOS TÊM DIREITO AO MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO, BEM DE USO COMUM DO POVO E ESSENCIAL À SADIA QUALIDADE DE VIDA, IMPONDO-SE AO PODER PÚBLICO E À COLETIVIDADE O DEVER DE DEFENDÊ-LO E PRESERVÁ-LO PARA AS PRESENTES E FUTURAS GERAÇÕES 7 .

6 “A atividade econômica não pode ser exercida em desarmonia com os princípios destinados a tornar efetiva a proteção ao meio ambiente. A incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida por interesses empresariais nem ficar dependente de motivações de índole meramente econômica, ainda mais se se tiver presente que a atividade econômica, considerada a disciplina constitucional que a rege, está subordinada, dentre outros princípios gerais, àquele que privilegia a ‘defesa do meio ambiente’ (CF, art. 170, VI), que traduz conceito amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial (espaço urbano) e de meio ambiente laboral. Doutrina. Os instrumentos jurídicos de caráter legal e de natureza constitucional objetivam viabilizar a tutela efetiva do meio ambiente, para que não se alterem as propriedades e os atributos que lhe são inerentes, o que provocaria inaceitável comprometimento da saúde, segurança, cultura, trabalho e bem-estar da população, além de causar graves danos ecológicos ao patrimônio ambiental, considerado este em seu aspecto físico ou natural” (STF. ADI 3.540-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 1-9-05, DJ de 3-2-06).7 Sobre o princípio do desenvolvimento sustentável, consagrado neste dispositivo constitucional, necessário destacar a voz do Supremo Tribunal Federal: “A questão do desenvolvimento nacional (CF, art. 3º, II) e a necessidade de preservação da integridade do meio ambiente (CF, art. 225): O princípio do desenvolvimento sustentável como fator de obtenção do justo equilíbrio entre as exigências da economia e as da ecologia. O princípio do desenvolvimento sustentável, além de impregnado de caráter eminentemente

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§ 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, INCUMBE AO PODER PÚBLICO:V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente.§ 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

Deste delineamento constitucional sobre a tutela do meio ambiente, acima estampado, pode-se extrair, esquematicamente, que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é um dos pilares de maior sustentação da própria força normativa da constituição8, haja vista que, foi expressamente consagrado como: i) direito humano fundamental de 3ª geração (ou dimensão); ii) princípio base da ordem econômica; iii) requisito essencial para caracterização da função social da propriedade rural.

Há de se ver, ainda, que a sadia qualidade de vida, que pressupõe o respeito ao direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, se compõe do primado da existência digna – finalidade da ordem econômica (art. 170 da CF/88) – e do almejado bem-estar de todos – objetivo da ordem social (art. 193 da CF/88).constitucional, encontra suporte legitimador em compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro e representa fator de obtenção do justo equilíbrio entre as exigências da economia e as da ecologia, subordinada, no entanto, a invocação desse postulado, quando ocorrente situação de conflito entre valores constitucionais relevantes, a uma condição inafastável, cuja observância não comprometa nem esvazie o conteúdo essencial de um dos mais significativos direitos fundamentais: o direito à preservação do meio ambiente, que traduz bem de uso comum da generalidade das pessoas, a ser resguardado em favor das presentes e futuras gerações” (STF. ADI 3.540-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 1º-9-05, DJ de 3-2-06 – original sem destaques).8 “(...) necessidade de preservar-se, em sua integralidade, a força normativa da Constituição, que resulta da indiscutível supremacia, formal e material, de que se revestem as normas constitucionais, cuja integridade, eficácia e aplicabilidade, por isso mesmo, hão de ser valorizadas, em face de sua precedência, autoridade e grau hierárquico, como enfatiza o magistério doutrinário (ALEXANDRE DE MORAES, “Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional”, p. 109, item n. 2.8, 2ª ed., 2003, Atlas; OSWALDO LUIZ PALU, “Controle de Constitucionalidade”, p. 50/57, 1999, RT; RITINHA ALZIRA STEVENSON, TERCIO SAMPAIO FERRAZ JR. e MARIA HELENA DINIZ, “Constituição de 1988: Legitimidade, Vigência e Eficácia e Supremacia”, p. 98/104, 1989, Atlas; ANDRÉ RAMOS TAVARES, “Tribunal e Jurisdição Constitucional”, p. 8/11, item n. 2, 1998, Celso Bastos Editor; CLÈMERSON MERLIN CLÈVE, “A Fiscalização Abstrata de Constitucionalidade no Direito Brasileiro”, p. 215/218, item n. 3, 1995, RT, v.g.)” (Boletim Informativo do STF nº 379 – Transcrições – ADI – Transcendência dos Motivos Determinantes – Reclamação (Rcl 2986 MC/SE).

10Peça elaborada pelos Promotores de Justiça: Daniel Pinhel Júnior, Jales Guedes Coelho Mendonça e Vinícius Marçal Vieira.

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Nesse contexto, invariavelmente, conclui-se que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado se revela como a mola propulsora da formação e garantia da dignidade da pessoa humana – fundamento da República Federativa do Brasil (art. 1º, III, da CF/88).

Por tudo isso, é dever do Poder Público defender o meio ambiente e para preservá-lo para as presentes e futuras gerações, justificando sua intervenção para controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente (art. 225, § 1º, V, CF/88). Sendo certo que os responsáveis por atividades lesivas ao meio ambiente estarão obrigados a reparar os danos causados e, ainda, sujeitos a sanções penais e administrativas (art. 225, § 3º, CF/88).

Em consonância com o norte traçado pela Carta Maior, a legislação ambiental brasileira, além de ter definido importantes conceitos, estabeleceu diretrizes sobre a política ambiental, objetivando a harmonização do desenvolvimento socioeconômico com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico.

Nesse ritmo, vale sublinhar alguns importantes dispositivos legais, verbi gratia:

LEI 6938/91 (DISPÕE SOBRE A POLÍTICA NACIONAL DO MEIO AMBIENTE, SEUS FINS E MECANISMOS DE FORMULAÇÃO E APLICAÇÃO, E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS)Art. 3º - Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por: I - meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas; II - degradação da qualidade ambiental, a alteração adversa das características do meio ambiente; III - poluição, a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente: a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população; b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas; c) afetem desfavoravelmente a biota; d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos;

11Peça elaborada pelos Promotores de Justiça: Daniel Pinhel Júnior, Jales Guedes Coelho Mendonça e Vinícius Marçal Vieira.

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IV - poluidor, a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental; V - recursos ambientais: a atmosfera, as águas interiores, superficiais e subterrâneas, os estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo, os elementos da biosfera, a fauna e a flora.

Art. 4º - A Política Nacional do Meio Ambiente visará: I - à compatibilização do desenvolvimento econômico-social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico; Art. 14 - Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não cumprimento das medidas necessárias à PRESERVAÇÃO OU CORREÇÃO DOS INCONVENIENTES E DANOS CAUSADOS pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores: I - à multa simples ou diária, nos valores correspondentes, no mínimo, a 10 (dez) e, no máximo, a 1.000 (mil) Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional - ORTNs, agravada em casos de reincidência específica, conforme dispuser o regulamento, vedada a sua cobrança pela União se já tiver sido aplicada pelo Estado, Distrito Federal, Territórios ou pelos Municípios. II - à perda ou restrição de incentivos e benefícios fiscais concedidos pelo Poder Público; III - à perda ou suspensão de participação em linhas de financiamento em estabelecimentos oficiais de crédito; IV - à suspensão de sua atividade. § 1º - Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, INDEPENDENTEMENTE DA EXISTÊNCIA DE CULPA 9 , a indenizar ou reparar os

9 “(...) Parece fora de dúvida ter-se vinculado a RESPONSABILIDADE OBJETIVA, EM TEMA DE TUTELA AMBIENTAL, À TEORIA DO RISCO INTEGRAL, que atende à preocupação de se estabelecer um sistema o mais rigoroso possível, ante o alarmante quadro de degradação que se assiste não só no Brasil, mas tem todo mundo”. Em decorrência da adoção desta teoria, eis as “conseqüências principais para que haja o dever de indenizar: a) prescindibilidade de investigação da culpa; b) a irrelevância da licitude da atividade; c) a inaplicação das causas de exclusão da responsabilidade civil” – caso fortuito, força maior, fato de terceiro e cláusula de não-indenizar (MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente. 5ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 897-898 e 904). No mesmo sentido: Paulo Afonso Leme Machado (Ação Civil Pública e Tombamento. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1986, p. 46-47), Rodolfo de Camargo Mancuso (Ação Civil Pública. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989, p. 157-170), Paulo de Bessa Antunes (Curso de Direito Ambiental. Rio de Janeiro: Renovar, 1990, p. 100), dentre outros.

12Peça elaborada pelos Promotores de Justiça: Daniel Pinhel Júnior, Jales Guedes Coelho Mendonça e Vinícius Marçal Vieira.

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danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente. § 5º - A execução das garantias exigidas do poluidor não impede a aplicação das obrigações de indenização e reparação de danos previstas no § 1o deste artigo. (Incluído pela Lei nº 11.284, de 2006).

LEI 4771/65 (INSTITUI O NOVO CÓDIGO FLORESTAL)Art. 27. É proibido o uso de fogo nas florestas e demais formas de vegetação.Parágrafo único. Se peculiaridades locais ou regionais justificarem o emprego do fogo em práticas agropastoris ou florestais, a permissão será estabelecida em ato do Poder Público, circunscrevendo as áreas e estabelecendo normas de precaução.

Fincadas estas balizas, denota-se que todo aquele que, direta ou indiretamente, promove a queima da palha da cana-de-açúcar (atividade causadora de degradação ambiental) além de inviabilizar a efetivação da política constitucional do meio ambiente (por impedir a compatibilização do meio ambiente e do equilíbrio ecológico10), deve ser considerado poluidor e, por isso mesmo, obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar os danos causados e a cessar a atividade nociva (obrigação de não-fazer).

Deve-se ponderar que a obrigação de não-fazer, pretendida com a presente ação é, a rigor, inestimável, haja vista a degradação do ar e seus efeitos negativos na saúde da população; o aumento do consumo de água decorrente do incômodo provocado pelo material particulado (carvãozinho); a degradação da qualidade do solo; os impactos negativos nas áreas vizinhas de cultura diversa; a mortalidade de animais da fauna silvestre; etc.

Dessarte, ressai cristalina a constatação segundo a qual os “usineiros piromaníacos” poluem e degradam a qualidade ambiental, violando o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, essencial à sadia

10 “Meio ambiente — Direito à preservação de sua integridade (CF, art. 225) — Prerrogativa qualificada por seu caráter de metaindividualidade — Direito de terceira geração (ou de novíssima dimensão) que consagra o postulado da solidariedade — (...) A questão da precedência do direito à preservação do meio ambiente: uma limitação constitucional explícita à atividade econômica (CF, art. 170, VI) (...). A preservação da integridade do meio ambiente: expressão constitucional de um direito fundamental que assiste à generalidade das pessoas” (STF. ADI 3.540-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 1º-9-05, DJ de 3-2-06 – original sem destaques).

13Peça elaborada pelos Promotores de Justiça: Daniel Pinhel Júnior, Jales Guedes Coelho Mendonça e Vinícius Marçal Vieira.

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qualidade de vida (art. 225, caput, CF/88) e, consequentemente, devem ser compelidos a reparar os danos ambientais causados11

e, também, a interromperem a prática lesiva (queimadas).

Em suma: por todo o exposto, para além do dever de indenizar os danos ocasionados ao meio ambiente, se faz imperiosa a adoção de medida judicial tendente a eliminar os fatores que permitam a seqüência e o aumento (o que é pior!) da denunciada agressão ambiental. Ou seja, é necessário que a ré se abstenha de utilizar fogo para a limpeza do solo, preparo do plantio e para a colheita da cana-de-açúcar, em quaisquer áreas desta comarca, sejam dela própria, arrendadas ou utilizadas de qualquer outra forma para o plantio, cultivo e colheita.

III) VISÃO JURISPRUDENCIAL SOBRE A VEXATA QUAESTIO Em reforço a tudo o que já foi dito, convém colacionarem-se aqui

algumas importantes decisões judiciais já proferidas sobre o caso sub judice. Sem mais delongas, vejam-se:

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇARelator Ministro Milton Luiz Pereira. Data da Publicação DJ 04.03.2002. Recurso Especial nº 294.925-SP (2000/0138211-0). Recorrente: Ministério Público do Estado de São Paulo. Recorrido: Usina Maringá Indústria e Comércio Ltda.

11 A doutrina pátria também arrola os malefícios da utilização do fogo nas plantações de cana-de-açúcar. Nessa esteira, com seu brilhantismo habitual, o Professor Paulo Affonso Leme Machado (Direito Ambiental Brasileiro. 12ª ed. São Paulo: Malheiros. 2004, p. 523) ensina que: “Na fuligem sedimentada (o chamado “carvãozinho”) – aquela que fica depositada sobre o solo depois da queimada – foram identificadas centenas de compostos químicos, dentre os quais 40 HPAS – Hidrocarbonetos Policlínicos Aromáticos. Entre esses últimos, estão os 16 considerados mais perigosos para a saúde humana na avaliação da Environmental Protection Agency – Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (...). Há muitos anos, as populações das regiões canavieiras de todo Brasil vêm sendo afetadas pelos efeitos maléficos das queimadas da palha de cana-de-açúcar. Somente com o advento da ação civil pública é que o Poder judiciário começou a responder com a prestação jurisdicional necessária”. E arremata:“Aplica-se, na matéria atinente á poluição atmosférica, o princípio da “precaução”, já esposado pelo Brasil nos acordos internacionais da Convenção de Viena e no Protocolo de Montreal. Se dúvida ponderável houver, da potencialidade dos danos das queimadas referidas, não se devem procrastinar as medidas de prevenção (para espancar as dúvidas estão os levantamentos efetuados pelos professores do Departamento de Medicina Social da faculdade de medicina de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo e os estudos do INPE – Instituto Nacional de pesquisas Espaciais sob a coordenação de E.V.A Marinho e V.W.J.H. Kirchhoff). Nesta questão, in dubio pro sanitas et pro natura”.

14Peça elaborada pelos Promotores de Justiça: Daniel Pinhel Júnior, Jales Guedes Coelho Mendonça e Vinícius Marçal Vieira.

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Recorrido: Ometto Pavan S/A Açúcar e Álcool e outros.EMENTA: DIREITO FLORESTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. QUEIMADAS. CANA-DE-AÇÚCAR. ART. 27 DA LEI 4.771/65 – 1. O artigo 27 do Código Florestal (Lei 4.771/65) proíbe, textualmente, a utilização de fogo nas florestas e demais formas de vegetação. 2. Somente o Poder Público pode autorizar, em casos excepcionais, queimadas de áreas preliminarmente delimitadas, atendidas as normas de precaução (parágrafo único do art. 27, da Lei 4.771/65). Precedentes jurisprudenciais. 3. Recurso provido.DECISÃOVistosCuida-se de Ação Civil Pública promovida pelo Ministério Público do Estado de São Paulo objetivando a suspensão definitiva de queimadas em lavouras de cana-de-açúcar. Em sede de apelação o colendo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo deu provimento ao recurso dos ora Recorridos, assentando o seguinte Acórdão:“Ação Civil Pública - Preliminares de carência por falta de interesse de agir, de impossibilidade jurídica do pedido, de inépcia da inicial, incompetência absoluta e nulidade da sentença - Afastadas - Dano ao meio ambiente - Queimadas de canaviais - Existência de dano ao meio ambiente - Todavia, considerando o atual estágio da economia e das técnicas disponíveis - Razoabilidade de conduta para não inviabilizar a atividade econômica – Precedentes jurisprudenciais nesse sentido - Fato superveniente - Art. 462 do CPC - Decreto (estadual) nº 42.056/97, Decreto (federal) nº 2.661/98 e Lei (federal) nº 9.605/98 - Não há que se falar em condenação do autor nas verbas de sucumbência - Interpretação do art. 17 da Lei 7.347/85 - Providos os recursos das rés, nos termos do acórdão.” (fl. 2.768)O Recurso Especial interposto (art. 105, III, "a" e "c", da C. F.) funda-se em negativa de vigência dos artigos 27, parágrafo único da Lei 4.771/65, 3º, incisos I, II e III, da Lei 6.938/91, e ainda em divergência com julgados desta Corte. No horizonte recursal, presentes os requisitos de admissibilidade, impõe-se o conhecimento (art. 105, III, a, c, C.F.).Percorrido o itinerário das reminiscências facilitadoras da compreensão do litígio, encaminhando a solução, pela pertinência, comemoro as certeiras observações elaboradas pelo douto Ministério Público Federal, textualmente:“O recurso deve ser provido. É que o acórdão recorrido violou os dispositivos de lei federal apontados no especial, contrariedade legal que pode ser apreciada independentemente de revisão do quadro fático assentado pelo Tribunal a quo. O art. 3º , III, 'a' da lei 6.938/81, que estabelece a definição legal para a expressão poluição, dispõe:

15Peça elaborada pelos Promotores de Justiça: Daniel Pinhel Júnior, Jales Guedes Coelho Mendonça e Vinícius Marçal Vieira.

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Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:(...)III - poluição, a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente:a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população;Com base no dispositivo acima, pode-se aferir que a queima da cana-de-açúcar é considerada atividade poluidora pois tem idoneidade para causar prejuízo à saúde, risco à segurança e interfere negativamente no bem-estar da população.Acrescente-se que o art. 14 da lei 6.938/81, ao prever as penalidades aplicáveis aos agentes que causem poluição, assim dispõe:Art. 14 - Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores:(...)§ 1º - Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade (...). O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente.Assim, conforme se observa no dispositivo legal acima, a responsabilidade pelos danos ambientais causados é objetiva, e, na hipótese, é incontroverso o fato de os recorridos utilizarem a queimada no exercício da atividade agrícola de cultivo da cana-de-açúcar. Busca o Ministério Público do Estado de São Paulo com ação civil pública não apenas apurar um evento isolado, mas obstar o uso da queimada como procedimento relacionado à atividade agrícola desenvolvida pelos recorridos.Na verdade, apreciando-se o mesmo panorama fático vislumbrado pela instância ordinária, cabe o exame do recurso especial: é que o acórdão recorrido reconhece que houve a queima da palha de cana-de-açúcar na propriedade dos recorridos, embora negue a sua idoneidade para causar dano ambiental, apesar da queimada ser prática objetivamente proibida em lei, enquanto que na pretensão recursal sustenta-se, especialmente com fundamento no artigo 27 da lei nº 4.771/65, que é legalmente proibida a utilização de fogo nas florestas e demais formas de vegetação. Portanto, o conflito submetido ao conhecimento dessa Corte não reside nos fatos, mas sim no direito aplicável aos mesmos, questão que é puramente de direito e de direito federal.

16Peça elaborada pelos Promotores de Justiça: Daniel Pinhel Júnior, Jales Guedes Coelho Mendonça e Vinícius Marçal Vieira.

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Ao proibir o uso de fogo nas florestas e demais formas de vegetação, o legislador infraconstitucional (art. 27 do Código Florestal) definiu a referida prática como objetivamente danosa ao meio ambiente, de sorte que até a prova do nexo causal entre a queimada e o dano ambiental é irrelevante para a definição da causa. Basta, sob o enfoque fático, para motivar a aplicação das normas legais invocadas no recurso especial, a comprovação da queimada, cuja ocorrência é in-controversa. Tudo o mais resolve-se na interpretação das normas incidentes.Dispõe o art. 27 do Código Florestal, uma das normas que o recorrente aponta como violada:'Art. 27 - É proibido o uso de fogo nas florestas e demais formas de vegetação.Parágrafo único - Se peculiaridades locais ou regionais justificarem o emprego do fogo em práticas agropastoris ou florestais, a permissão será estabelecida em ato do Poder Público, circunscrevendo as áreas e estabelecendo normas de precaução.'Muito embora a maior parte da lei nº 4.771/65 diga respeito apenas às florestas, o citado art. 27 compreende também as diversas formas de vegetação, tanto que ficou explicitado que a proibição do uso de fogo refere-se não apenas às florestas como também às 'demais formas de vegetação'. Não há qualquer indicação no sentido de que a vedação do uso de fogo fique restrita às florestas e às vegetações nativas, como alguns têm sustentado. O parágrafo único abre uma exceção: desde que as peculiaridades locais justifiquem e haja expressa autorização do Poder Público, o emprego de fogo pode ocorrer em práticas florestais ou agropastoris, mas a situação dos recorridos nela não se enquadra.Ademais, a ação civil pública foi expressamente ajuizada com fulcro na lei nº 6.938/81 que dispõe sobre a política nacional do meio ambiente e aponta como um dos objetivos da política nacional do meio ambiente 'a imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados' (art. 4º, VII).Vale lembrar que o decreto estadual nº 28.848, de 30/08/88 (art. 1º inciso V) proíbe qualquer forma de emprego de fogo para a colheita, inclusive da cana-de-açúcar, já tendo essa Corte reconhecido a validade da referida restrição.Observo ainda, que a pretensão recursal do Ministério Público, é semelhante à que já mereceu acolhida nessa Corte, veja-se: 'Direito Ambiental. Queimadas. Plantação de Cana-de-Açúcar. O artigo 27, 'caput', da lei 4.771, de 1965, proíbe a

17Peça elaborada pelos Promotores de Justiça: Daniel Pinhel Júnior, Jales Guedes Coelho Mendonça e Vinícius Marçal Vieira.

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queima de florestas e demais formas de vegetação, âmbito no qual se incluem as plantações de cana de açúcar; interpretação reforçada pelo respectivo parágrafo único que ressalva o emprego do fogo em práticas agropastoris, se peculiaridades locais ou regionais o justificarem, quando permitido pelo Poder Público. Portanto, ao julgar improcedente a ação, o acórdão recorrido violou as normas legais acima mencionadas, que qualificam a queimada como prática objetivamente lesiva ao meio ambiente, de modo que se impõe o acolhimento da pretensão recursal para o efeito de ser reformado o acórdão impugnado e julgada procedente da ação civil pública." (fls.3.048/3.052)Com efeito, em casos análogos, conforme bem lembrou o ilustre Subprocurador-Geral da República, Dr. Antônio Fernando Barros e Silva de Souza, esta Corte consagrou entendimento favorável às pretensões do Recorrente. Nesse sentido é o Recurso Especial 161.433-SP, Relator o eminente Ministro Ari Pargendler, publicado no DJU de 14.12.98:"Direito Ambiental. Queimadas. Plantação de Cana-de-açúcar.O artigo 27, 'caput', da Lei nº 4.771, de 1965, proíbe a queima de florestas e demais formas de vegetação, âmbito no qual se incluem as plantações de cana de açúcar; interpretação reforçada pelo respectivo parágrafo único que ressalva o emprego do fogo em práticas agropastoris, se peculiaridades locais ou regionais o justificarem, quando permitido pelo Poder Público. Recurso especial não conhecido."Justaponha-se que, no caso, as provas produzidas nos autos são suficientes para demonstrar os danos ambientais provocados pelos Recorridos, como bem observa o Recorrente:"Mas não é só. A prova produzida pelo autor é inconteste no sentido de que a queima da cana-de-açúcar causa danos ao meio ambiente, à saúde das pessoas, atingindo, inclusive a flora e a fauna, pois a mera alteração da qualidade do ar com a prática das queimadas, por si só, é suficiente para afetar o meio ambiente, na medida em que a emissão de poluentes causa a degradação, constituindo, conforme acima destacado, conduta vedada pelo Código Florestal, conforme disposto em seu artigo 27, importando considerar, ainda, que prevalece, por óbvio, a proibição de lançamento de quaisquer poluentes nas águas, no ar, ou no solo, conforme dispõe o artigo 3º, da

18Peça elaborada pelos Promotores de Justiça: Daniel Pinhel Júnior, Jales Guedes Coelho Mendonça e Vinícius Marçal Vieira.

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Lei Federal nº 6.938/81, até porque, a conseqüência natural da queima da palha da cana-de-açúcar é a liberação de material particulado e vários gases nocivos à saúde, entre eles o monóxido de carbono e o ozônio, sendo pacífica, atualmente, tal posição, assumida pela maioria dos estudiosos do tema, consoante bem demonstrou o Ministério Público oficiante ao trazer, com a fundamentada petição inicial, pareceres técnicos e respeitáveis julgados, que bem demonstram os nocivos efeitos das queimadas sobre a atmosfera e sobre o meio ambiente."omissis"Realmente, como já dito nestes autos, entre 1988 e 1989, E.V.A. Marinho e V.W.J.H. Kirchhoff, ambos pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), desenvolveram estudos denominados 'Projeto Fogo', cujo fim era estudar o efeito das queimadas da palha da cana-de-açúcar sobre os gases atmosféricos: ozônio, monóxido de carbono e dióxido de carbono. O Estado de São Paulo foi escolhido como sede das experiências em face do volume de plantações aqui existentes, cujo crescimento vertiginoso verificou-se a partir de 1975, principalmente em razão do Proálcool. A área plantada representava mais de 50% do total e as queimadas dos canaviais transformaram-se em fonte de intensa poluição pela produção de gases.É que dessa atividade há liberação dos gases tóxicos primários já referidos e, sob a ação dos raios solares combinam-se produzindo o ozônio, que em concentrações na baixa atmosfera são prejudiciais à saúde e ao desenvolvimento das plantas. Essas conclusões vem mostradas nos estudos juntados, sendo citadas ainda no V. Acórdão tirado da Apelação nº 211.502-1, Rel. Des. Gambra Filho, retro transcrito.Não se pode deixar de enfatizar as graves conseqüências para a saúde pública, constadas por estudo aqui encartado, demonstrando a elevação de casos de doenças do aparelho respiratório, inclusive internações, em áreas bastante parecidas à de Araraquara, tais como Piracicaba e Ribeirão Preto. Tudo isso se diz com base em científicos experimentos, além de não ter sido contestado pelas apelantes a realização das queimadas, fazendo certo que a discussão fica nesses estudos, ou seja, se efetivamente há ou não dano decorrente das queimadas. E nesse aspecto, chegam mesmo a ser irônicas afirmando uma pretensa necessidade dos habitantes da comarca suportarem o 'carvãozinho' por algum período, como suportam a poluição decorrente da queima de combustível os moradores dos grandes centros. Na verdade, nem uns nem outros deveriam ser obrigados a inalar gases prejudiciais à saúde,

19Peça elaborada pelos Promotores de Justiça: Daniel Pinhel Júnior, Jales Guedes Coelho Mendonça e Vinícius Marçal Vieira.

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independentemente da fonte de produção da poluição. Com efeito, diz a Constituição Federal em seu Art. 170 que a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados princípios dentre os quais salienta-se a defesa do meio ambiente."omissis“Parece-nos claro que os mandamentos constitucionais referidos são informados pelo princípio da supremacia do interesse público, que subordina a livre iniciativa e a propriedade privada aos interesses sociais, determinando que na construção de uma sociedade justa, livre e solidária, o desenvolvimento econômico deve estar necessariamente voltado para a promoção do bem comum. Destaque-se que o meio ambiente ecologicamente equilibrado foi constitucionalmente consagrado como direito de todos, como princípio da ordem econômica e requisito essencial para a caracterização da função social da propriedade rural. Em razão disso tudo é dever do Poder Público defender o meio ambiente ecologicamente equilibrado, preservando-o para as presentes e futuras gerações, ficando justificada sua intervenção para controlar as atividades econômicas e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que coloquem em risco a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente, sujeitando os responsáveis por atividades lesivas à reparação do dano, caso não tenha sido possível o controle anterior. Data venia, não prevalece a alegação de fato novo, isto é a edição do Decreto nº 42.056/97 e do Decreto Federal nº 2.661/98 e Lei Federal nº 9.605/98, autorizando a queima da palha da cana-de-açúcar, já que referidos diplomas violam, como se viu, legislação federal, que proíbe expressamente a prática das queimadas ou, no caso da norma de mesma hierarquia, não revoga a anterior proibição. Assim, as provas produzidas são insofismáveis para demonstrar a efetiva degradação ambiental decorrente da utilização do fogo para a limpeza do solo, não devendo prevalecer o reconhecimento da legalidade da queima da palha da cana-de-açúcar, reformando-se, conseqüentemente, o v. acórdão recorrido, por essas razões.” (fls. 2.985/2.992)Confluente à exposição, colocado em relevo o favorável entendimento manifestado pela douta Subprocuradoria-Geral da República, decido dar provimento ao recurso.Publique-se.Brasília (DF), 1º de fevereiro de 2002.Ministro Milton Luiz Pereira. Relator.12

12 “(...) é devida a obrigação de não-fazer consubstanciada na abstenção de fogo no preparo para o plantio e colheita de culturas renováveis, tais como lavoura de cana-de-açúcar, sob pena de imposição de multa diária estabelecida na sentença, ex vi do art. 27 do Código Florestal. REsp

20Peça elaborada pelos Promotores de Justiça: Daniel Pinhel Júnior, Jales Guedes Coelho Mendonça e Vinícius Marçal Vieira.

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SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇARelator Ministro Humberto Gomes de Barros. Data da Publicação DJ 04.08.2003. Recurso Especial nº 471.873-SP (2002/0136433-9). Recorrente: Antônio Stocco Filho. Recorrido: Ministério Público do Estado de São Paulo.DECISÃOO Recurso Especial desafia acórdão ementado nestes termos:“AÇÃO CIVIL PÚBLICA AMBIENTAL – queima da palha da cana-de-açúcar – inadmissibilidade – prática que comprovada cientificamente causa danos à saúde, à fauna e à flora e também agride o solo – embargos acolhidos.” (fl. 6097).Queixa-se de contrariedade ao art. 27, parágrafo único, do Código Florestal (Lei 4.771/65).DECIDO:O Tribunal “a quo” louvado em provas entendeu que a queimada da cana-de-açúcar é prática nociva ao meio ambiente e não se ajusta à exceção do parágrafo único, do art. 27, do Código Florestal. A Súmula 07 veta o reexame de provas em Recurso Especial. Confiram precedentes similares: AGA 337.631, AGRESP 275.953 e RESP 246.263/DELGADO; AGA 325.660/FALCÃO e RESP 161.433/PARGENDLER.Nego seguimento ao Recurso (CPC, art. 557). Brasília (DF), 1º de julho de 2003. Ministro Humberto Gomes de Barros.DIREITO AMBIENTAL. QUEIMADAS. PLANTAÇÃO DE CANA-DE-AÇÚCAR. O artigo 27, “caput”, da Lei nº 4.771, de 1965, proíbe a queima de florestas e demais formas de vegetação, âmbito no qual se incluem as plantações de cana-de-açúcar; interpretação reforçada pelo respectivo parágrafo único que ressalva o emprego do fogo em práticas agropastoris, se peculiaridades locais ou regionais o justificarem, quando permitido pelo Poder Público. Recurso especial não conhecido. (Recurso Especial nº 161433/SP, 2ª Turma do STJ, Rel. Min. Ari Pargendler. j. 27.10.1998, DJ 14.12.1998).

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MEIO AMBIENTE. QUEIMADA DE CANA-DE-AÇÚCAR. PEDIDOS DE INDENIZAÇÃO E CONDENAÇÃO EM OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER.

439.456-SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 3/8/2006. 2ª Turma” (Boletim Informativo nº 291 do STJ).

21Peça elaborada pelos Promotores de Justiça: Daniel Pinhel Júnior, Jales Guedes Coelho Mendonça e Vinícius Marçal Vieira.

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ADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. PRESENÇA DAS CONDIÇÕES DA AÇÃO. (...) Dano ao meio ambiente. Ocorrência. Indenização corretamente fixada pela sentença, que julgou a ação procedente. Recurso improvido. (Apelação com Revisão nº 318.015.5/0, Seção de Direito Público do TJSP, Rel. Designado Antonio Carlos Villen. j. 23.02.2006, maioria).

Ainda em sede de decisões judiciais, por seu inescondível brilhantismo, transcreve-se abaixo alguns trechos de uma notável sentença13

prolatada pelo Juiz de Direito da comarca de Valparaíso-SP (nos autos do processo nº 650/95), Dr. Carlos Alberto Corrêa de Almeida Oliveira. In verbis:

... IV. (...) O Ministério Público, ao promover a presente ação, juntou diversos trabalhos de pesquisas, entre eles o denominado “Projeto Fogo”, da lavra dos pesquisadores E.V.A. Marinho e V.W.J.H. Kirchhoff (...).Analisando-se os documentos e o alegado pelas partes, não há que se falar que as culturas de cana-de-açúcar em crescimento absorvem mais dióxido de carbono do que é lançado na atmosfera durante as queimadas. Isto porque, o processo de queima e plantio não é equilibrado a ponto de numa mesma área queimar-se determinada quantidade de hectares e existir em crescimento hectares suficientes de cana-de-açúcar para absorver o referido gás.Por outro lado, tais gases estão intimamente ligados ao problema da poluição atmosférica e com a piora nas condições de saúde da população, não podendo ser esquecido que os ventos ajudam a levar os gases para outras regiões, fazendo com que o problema da poluição atmosférica seja geral e não apenas local.(...) O Ozona é um gás tóxico cáustico que causa irritação nos olhos, na garganta e no nariz. Eventualmente pode causar paralisia respiratória, dependendo de sua concentração.O gás carbônico (...) está ligado ao chamado “efeito estufa”. (...)V. É indiscutível a importância social e econômica das Usinas de Álcool no panorama nacional, uma vez que as indústrias do setor trouxeram um desenvolvimento para diversas regiões e ajudaram o Brasil a diminuir a dependência do petróleo. Contudo, não podemos justificar a degradação do meio ambiente na tradição e na necessidade de manter-se empregos. Ao contrário, devemos buscar meios para melhorar as indústrias, sem contudo comprometer a

13 Publicada na Revista de Direito Ambiental, n. 13, p. 156.

22Peça elaborada pelos Promotores de Justiça: Daniel Pinhel Júnior, Jales Guedes Coelho Mendonça e Vinícius Marçal Vieira.

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natureza, haja vista que de nada adiantará o poder econômico e os empregos, se não existir um meio ambiente equilibrado para a vida humana. Por outro lado, observa-se que muito pouco foi feito, no setor, para diminuir o número e a extensão das queimadas. Ao contrário, cada vez mais aumenta-se a cultura da cana-de-açúcar e, em conseqüência, o número e a extensão das queimadas.Com relação ao citado desemprego, não é verdade que a interrupção da queimada causará uma demissão geral, haja vista que as Usinas precisarão de mais empregados para a colheita e limpeza da cana-de-açúcar com o final das queimadas. Inclusive, as folhas da cana-de-açúcar poderão apresentar aproveitamento econômico que poderá, ao longo do tempo, compensar os gastos com a interrupção das queimadas.VI. O comodismo e o lucro imediato devem ser substituídos pelo investimento em tecnologia, haja vista que poderá, no futuro, ocorrer o que aconteceu com outras culturas, em que o comodismo e a falta de investimentos, fizeram com que o Brasil passasse para um segundo plano no comércio internacional e até nacional.Pelo exposto, julgo procedente a ação civil pública para condenar as requeridas à obrigação de não fazerem, consistente em deixarem de utilizar fogo para a limpeza do solo, preparo do plantio e para a colheita da cana-de-açúcar nas áreas por elas exploradas, sejam próprias ou de terceiros, sob pena de multa equivalente a 200 (duzentos) salários mínimos por hectare de cana queimado anualmente (...).

Arrematando este item, confiram-se também alguns excertos do voto condutor do acórdão que manteve a sentença supracitada:

(...) nada custa pinçar-se, a tal respeito, segmento do acórdão prolatado na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 18.105-0, à espécie aplicável, relatada pelo Des. Alves Braga (JTJ 163/120): “A cana-de-açúcar, variedade de gramínea, também se regenera após a queimada. Mas em razão da palhada e do maior volume de material combustível do que as gramíneas utilizadas no pastoreio, produzem chamas que atingem grandes altitudes e intensa fumaça, lançando à distância partículas de cinza e de material mal combusto, provocando, embora dure pouco tempo a combustão, elevadas temperaturas e, dependendo do regime dos ventos, aquelas partículas são projetadas a grandes distâncias.

23Peça elaborada pelos Promotores de Justiça: Daniel Pinhel Júnior, Jales Guedes Coelho Mendonça e Vinícius Marçal Vieira.

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Sobre as pastagens submetidas à queimada, a cana acarreta outros inconvenientes. As altas temperaturas impedem a regeneração de outras espécies dormentes, não tolerantes ao fogo. Aquecendo o solo, seu impacto vai alterando sua estrutura, facilitando a erosão e eliminando a micro-flora e a micro-fauna, os micro-organismos responsáveis pelo humus que fertiliza a terra. O próprio humus é destruído pela ação deletéria do fogo.A cana-de-açúcar, matéria-prima da agro-indústria, é planta periódica, permite até quatro cortes, dependendo de sua variedade e dos tratos culturais. Vale isso dizer, que permitindo um corte por ano, ao contrário do que acontece com as pastagens, todos os anos o solo e a atmosfera sofrerão a agressão e as conseqüências das queimadas”.Posto isto e adotando, no mais, os fundamentos da incensurável sentença, nega-se provimento ao recurso. (TJSP. Apelação Cível 13867-5/4. 6ª Câmara. Relator Des. Telles Corrêa. Julgado em 23.03.1998. Processo 650/95 – Comarca de Valparaíso-SP).

IV) DO DANO MORAL COLETIVO

Originariamente, a Lei 7347/85 limitava-se a fazer referência à responsabilidade por danos. A Lei 8884/94, por sua vez, deu nova redação ao artigo 1º da Lei da Ação Civil Pública, introduzindo os adjetivos morais e patrimoniais.

Há que se afirmar que esta alteração legislativa guarda perfeita harmonia normativa com o perfil constitucional relativo ao dano moral. “Na verdade, a redação anterior, referindo-se a danos, já ensejaria a interpretação de que o termo abrangeria também o dano moral. Não obstante, para dirimir eventuais questionamentos, decidiu-se inserir expressamente no dispositivo a qualificação morais ao substantivo danos. Dessa maneira, o autor, na ação civil pública, postulará a condenação do réu a uma indenização em dinheiro, ou a uma obrigação de fazer ou não fazer, seja patrimonial ou moral o dano que tenha provocado como causa de sua responsabilização”.14

Diga-se ainda, por relevante, que o dano moral se caracteriza pela ofensa a padrões éticos dos indivíduos, no caso em foco dos indivíduos componentes dos grupos sociais protegidos. Sendo assim, pode-se afirmar que não apenas o indivíduo, isoladamente, é dotado de determinado padrão ético. Os grupos sociais, titulares de direitos

14 FILHO, José dos Santos Carvalho. Ação Civil Pública – comentários por artigo. 6ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 13.

24Peça elaborada pelos Promotores de Justiça: Daniel Pinhel Júnior, Jales Guedes Coelho Mendonça e Vinícius Marçal Vieira.

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transindividuais, também o são. Assim, se for causado dano moral a um desses grupos pela violação a interesses coletivos ou difusos, presente estará o interesse de agir para a propositura da ação civil pública.Tribunais e doutrinadores (...) têm avançado na aplicação da norma condenatória que permite a obrigação de indenizar no caso de dano moral coletivo. Na Justiça do Trabalho, por exemplo, há decisões que adotaram esse entendimento contra empregadores que se prevaleciam dessa condição para obter vantagens ilícitas à custa dos empregados15 ou, o que tem sido mais comum, que mantêm empregados em situação análoga à de escravos – o trabalho-escravo, que, sem dúvida, causa ofensa à dignidade de toda a sociedade. Por sua precisão, vale a pena ver os termos da ementa do seguinte acórdão:“DANO MORAL COLETIVO – POSSIBILIDADE – Uma vez configurado que a ré violou direito transindividual de ordem coletiva, infringindo normas de ordem pública que regem a saúde, segurança, higiene e meio ambiente do trabalho e do trabalhador, é devida a indenização por dano moral coletivo, pois tal atitude da ré abala o sentimento de dignidade, falta de apreço e consideração, tendo reflexos na coletividade e causando grandes prejuízos à sociedade”.16

Na doutrina, vários estudiosos têm advogado a necessidade de aplicação da norma que prevê o dano moral coletivo. Em nosso entender, as dificuldades na configuração do dano moral quando há ofensa a interesses coletivos e difusos devem ser cada vez mais mitigadas, de forma a ser imposta a obrigação indenizatória como verdadeiro fator de exemplaridade e de respeito aos grupos sociais, sabido que a ofensa à dignidade destes tem talvez maior gravidade que as agressões individuais. Daí ser correta a afirmação17 de que “o dano moral coletivo é a injusta lesão na esfera moral de uma dada comunidade, ou seja, a violação antijurídica de um determinado círculo de valores coletivos”.18

15 TRT – 12ª Região, 1ª Turma, RO nº 931/98-SC, Rel. Juiz GILMAR CAVALHERI, julg. em 22/09/98.16 TRT – 8ª Região, RO 5.309/2002-PA, Rel. Juiz LUÍS DE JOSÉ JESUS RIBEIRO, julg. em 17/12/2002.17 De FILHO, Carlos Alberto Bittar. Do Dano Moral Coletivo no Atual Contexto Jurídico Brasileiro. in Revista de Direito do Consumidor nº 12, out./dez./94. 18 FILHO, José dos Santos Carvalho. Ação Civil Pública – comentários por artigo. 6ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 14-15 – original sem destaques.

25Peça elaborada pelos Promotores de Justiça: Daniel Pinhel Júnior, Jales Guedes Coelho Mendonça e Vinícius Marçal Vieira.

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Delineados estes contornos iniciais sobre o dever de indenizar os danos morais coletivos, insta perceber que, como visto em linhas volvidas, estando sobejamente comprovado que a empresa Ré vem insistindo reiteradamente em poluir o meio ambiente – agredindo-o com a desenfreada utilização de “fogo” para promover a limpeza do solo, o preparo do plantio e a colheita da cana-de-açúcar –, tem ela o inarredável dever de indenizar os danos (difusos) causados à sociedade brasileira, ante a candente agressão praticada.

Nessa quadra, na medida em que a ré ignorou seu dever (constitucionalmente imposto) de preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações, provocando intensas queimadas, é indene de dúvidas que o respeito à força normativa da constituição reclama a indenização dos danos coletivos causados19. Isto porque, pela lesão provocada a interesse ou direito difuso, o sujeito passivo desta ação civil pública deverá ser condenado ao pagamento de uma determinada quantia em dinheiro a título de indenização20 pelas agressões praticadas contra o bem coletivo (o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é bem de uso comum do povo, segundo a cabeça do artigo 225 da CF/88) e pela dor e o desgosto experimentado por todos os cidadãos que se encontram expostos aos danos (patrimoniais e extrapatrimoniais) ambientais advindos da piromania.21

Encampando a linha intelectiva aqui defendida, ensina Carlos Alberto Bittar Filho:

(...) O dano moral coletivo é a injusta lesão da esfera moral de uma dada comunidade, ou seja, é a violação antijurídica de um determinado círculo de valores coletivos. Quando se fala em dano moral coletivo, está-se fazendo menção ao fato de que o patrimônio valorativo de uma certa comunidade (maior ou menor), idealmente considerado, foi agredido de maneira absolutamente injustificável do ponto de vista jurídico: quer isso dizer, em última instância, que se feriu a própria cultura, em seu aspecto imaterial. Tal como se dá na

19 § 3º, do artigo 225, da CF/88 - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.§ 1º, do artigo 14, da Lei 6938/81 - Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, INDEPENDENTEMENTE DA EXISTÊNCIA DE CULPA, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente.20 Sem prejuízo da imposição de multa pelo eventual descumprimento da obrigação de não fazer (consistente em interromper a prática lesiva – queimadas –).21 “A piromania é definida como o comportamento repetitivo de atear fogo de forma proposital e intencional” (http://www.psicosite.com.br/tra/out/piromania.htm).

26Peça elaborada pelos Promotores de Justiça: Daniel Pinhel Júnior, Jales Guedes Coelho Mendonça e Vinícius Marçal Vieira.

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seara do dano moral individual, aqui também não há que se cogitar de prova da culpa, devendo-se responsabilizar o agente pelo simples fato da violação (damnum in re ipsa).22

Em abalizado comentário sobre o dever de indenizar os danos morais coletivos, aduz Luis Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho:

O Direito se preocupou durante séculos com os conflitos intersubjetivos. A sociedade de massas, a complexidade das relações econômicas e sociais, a percepção da existência de outros bens jurídicos vitais para a existência humana, deslocaram a preocupação jurídica do setor privado para o setor público; do interesse individual para o interesse difuso ou coletivo; do dano individual para o dano difuso ou coletivo. Se o dano individual ocupou tanto e tão profundamente o Direito, o que dizer do dano que atinge um número considerável de pessoas? É natural que o Direito se volte, agora, para elucidar as intrincadas relações coletivas e difusas e especialmente à reparação de um dano que tenha esse caráter.23

Abordando o tema, Gabriel Stiglitz, notável jurista argentino, acentua que a evolução dos sistemas modernos de responsabilidade civil encontra-se fundamentada em concepções solidárias e humanistas, proclamando:

a) la nueva vigencia de los factores objetivos de atribuición de responsabilidad (teoria del riesgo, deber de garantia etc.); b) la función preventiva del Derecho de Daños; c) la total resarcibilidad del daño moral; d) la extensión del derecho a

22 Do Dano Moral Coletivo no Atual Contexto Jurídico Brasileiro. Juris Plenum, Caxias do Sul: Plenum, v. 1, n. 95, jul./ago. 2007. 2 CD-ROM. Vale destacar, ainda, a manifestação de André de Carvalho Ramos que, ao analisar o dano moral coletivo, assim dissertou: “(...) é preciso sempre enfatizar o imenso dano moral coletivo causado pelas agressões aos interesses transindividuais. Afeta-se a boa-imagem da proteção legal a estes direitos e afeta-se a tranqüilidade do cidadão, que se vê em verdadeira selva, onde a lei do mais forte impera”. Continua o citado autor, dizendo: “Tal intranqüilidade e sentimento de desapreço gerado pelos danos coletivos, justamente por serem indivisíveis, acarretam lesão moral que também deve ser reparada coletivamente. Ou será que alguém duvida que o cidadão brasileiro, a cada notícia de lesão a seus direitos não se vê desprestigiado e ofendido no seu sentimento de pertencer a uma comunidade séria, onde as leis são cumpridas? A expressão popular ‘o Brasil é assim mesmo’ deveria sensibilizar todos os operadores do Direito sobre a urgência na reparação do dano moral coletivo” (Ação Civil Pública e o Dano Moral Coletivo. Revista de Direito do Consumidor, nº 25, São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 80-98, jan.-mar. 1998).23 Responsabilidade por dano não patrimonial a interesse difuso (dano moral coletivo). Revista da EMERJ - Escola da Magistratura do Rio de Janeiro, v. 3, n. 9, 2000. p. 21-42.

27Peça elaborada pelos Promotores de Justiça: Daniel Pinhel Júnior, Jales Guedes Coelho Mendonça e Vinícius Marçal Vieira.

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reparación, en favor de los llamados intereses simples, incluidos los supraindividuais.24.

Nesse passo, há de se ressaltar que, hodiernamente, tornou-se necessária e significativa para a ordem jurídica justa e a harmonia social, a reação do Direito em face de determinadas condutas que vêm a configurar lesão a interesses: a) juridicamente protegidos; b) de caráter extrapatrimonial; c) titularizados por uma determinada coletividade. Ou seja: adquiriu relevo jurídico, no âmbito da responsabilidade civil, a reparação do dano moral coletivo (em sentido lato).25

Captando essa noção, André de Carvalho Ramos registra que o entendimento jurisprudencial de aceitação do dano moral em relação a pessoas jurídicas “é o primeiro passo para que se aceite a reparabilidade do dano moral em face de uma coletividade”. E ainda acresce: “o ponto chave para a aceitação do chamado dano moral coletivo está na ampliação de seu conceito, deixando de ser o dano moral um equivalente da dor psíquica, que seria exclusividade de pessoas físicas”.26

Assim, como é cediço, torna-se perfeitamente possível (e até recomendável) a reparabilidade do dano moral em face da coletividade, que apesar de ente despersonalizado, possui valores morais e um patrimônio ideal a ser receber proteção do Direito. Ora, se aceita-se a reparabilidade do dano moral em face das pessoas jurídicas, quanto a honra objetiva, da mesma forma, deverá ser aceita tal tese em face da coletividade.

A partir da Constituição da República de 1988, descortinou-se um novo horizonte quanto à tutela dos danos morais (particularmente no que tange à sua feição coletiva), face à adoção do princípio basilar da reparação integral (art. 5º, V e X, CF/88) e diante do direcionamento do amparo jurídico à esfera dos interesses transindividuais, valorizando-se, pois, destacadamente, os direitos de tal natureza (a exemplo dos artigos 6º, 7º, 194, 196, 205, 215, 220, 225 e 227) e os instrumentos para a sua proteção (art. 5º, LXX e LXXIII, e art. 129, III).

Com isso, a tutela do dano moral coletivo passou a ter, explícita e indiscutivelmente, fundamento de validade constitucional. Destaque-se, por oportuno, a ampliação do objeto da ação popular manejada pelo cidadão, que, em decorrência do referido artigo 5º, LXXIII, da Lei Maior, passou a visar a anulação de ato lesivo (e a conseqüente reparação por perdas e danos – art. 11 da Lei

24 Dano Moral individual y colectivo: medio ambiente, consumidor y dañosidad colectiva. Revista de Direito do Consumidor, nº 19/96, p. 69-70.25 Cf. NETO, Xisto Tiago de Medeiros. Dano moral coletivo: fundamentos e características. Revista do Ministério Público do Trabalho, n. 24, 2001.26 Ação Civil Pública e o Dano Moral Coletivo. Revista de Direito do Consumidor, nº 25, São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 80-98, jan.-mar. 1998.

28Peça elaborada pelos Promotores de Justiça: Daniel Pinhel Júnior, Jales Guedes Coelho Mendonça e Vinícius Marçal Vieira.

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4717/65) ao patrimônio público e também à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural. Daí a pertinência dessa ação no campo do dano moral coletivo, conforme destacado por Carlos Alberto Bittar Filho27, ao citar Hely Lopes Meirelles:

Embora os casos mais freqüentes de lesão se refiram ao dano pecuniário, a lesividade a que alude o texto constitucional tanto abrange o patrimônio material quanto o moral, o estético, o espiritual, o histórico. Na verdade, tanto é lesiva ao patrimônio público a alienação de um imóvel por preço vil, realizada por favoritismo, quanto a destruição de um recanto ou de objetos sem valor econômico, mas de alto valor histórico, cultural, ecológico ou artístico para a coletividade local.

Ainda dentro do enfoque constitucional, vê-se que o artigo 129, inciso III, do Pacto Social de 1988, ao conferir legitimação qualificada ao Ministério Público para o manuseio da ação civil pública, também abriu o leque do seu objeto para qualquer interesse difuso e coletivo, além daqueles referentes ao patrimônio público e social e ao meio ambiente. Assim, a ação civil pública tornou-se o instrumento de alçada constitucional apto a ser utilizado pelo parquet na busca da proteção irrestrita de todo interesse de natureza transindividual, inclusive os de caráter moral.

Frise-se, mais uma vez, que a possibilidade jurídica do pedido de indenização por dano moral coletivo decorre de expresso dispositivo legal, a saber: o artigo 1º, caput, e inciso I, da Lei da Ação Civil Pública (7347/85), que assim reza:

Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, AS AÇÕES DE RESPONSABILIDADE POR DANOS MORAIS e patrimoniais CAUSADOS: I – AO MEIO AMBIENTE.

Dessa forma, não se há de duvidar, enfim, que nos tempos atuais o reconhecimento e a efetiva reparação dos danos morais coletivos – na medida em que sanciona o ofensor (desestimulando novas lesões) e compensa os efeitos negativos decorrentes do desrespeito aos bens mais elevados do agrupamento social – constitui uma das formas de alicerçar o ideal de um Estado Constitucional e Democrático de Direito.

No embalo destas asserções, com distinta precisão, Luis Henrique Paccagnella28 (Promotor de Justiça do Estado de São Paulo) dispara ser

27 Do Dano Moral Coletivo no Atual Contexto Jurídico Brasileiro. Juris Plenum, Caxias do Sul: Plenum, v. 1, n. 95, jul./ago. 2007. 2 CD-ROM.

29Peça elaborada pelos Promotores de Justiça: Daniel Pinhel Júnior, Jales Guedes Coelho Mendonça e Vinícius Marçal Vieira.

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Perfeitamente possível o reconhecimento do dano moral difuso ou coletivo, ao lado do dano “patrimonial” ou material.De fato, como acentuam Leite, Dantas e Fernandes, “assim como o dano moral individual, também o coletivo é passível de reparação. Isto pode ser depreendido do próprio texto constitucional, no qual não se faz qualquer espécie de restrição que leve à conclusão de que somente a lesão ao patrimônio moral do indivíduo isoladamente considerado é que seria passível de ser reparado”29.De modo coerente com o pensamento constitucional, o legislador federal disciplinou o assunto na Lei da Ação Civil Pública (Lei Federal 7.347/85, com a redação da Lei Federal 8.884/94):“Art. 1º. Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados: I - ao meio ambiente; II - ao consumidor; III - a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico; IV - a qualquer outro interesse difuso ou coletivo; V - por infração da ordem econômica.” (grifei)Em suma, inegável o caráter indenizável do dano moral, cumulativamente com o dano material, em tema de interesses difusos e coletivos.

Dissertando sobre a posição legislativa e doutrinária em face do dano moral coletivo, Sérgio Augustin e Ângela Almeida30 ensinam que

O dano moral coletivo encontra-se consagrado expressamente no ordenamento jurídico brasileiro. A Lei 8.078/90 (CDC, art. 6º) enumera os direitos básicos do consumidor, in verbis:Art. 6º São direitos básicos do consumidor: [...] VI - a efetiva proteção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos; [...] VII - o acesso aos órgãos judiciários e administrativos, com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos [...].Além disso, o Código de Defesa do Consumidor alterou o art. 1º da Lei 7.347/85, cuja nova redação é a seguinte:

28 Dano Moral Ambiental. Dano Moral e sua Quantificação, Caxias do Sul: Plenum, 2007. 1 CD-ROM. ISBN 978-85-88512-18-4.29 In Revista de Direito Ambiental 04/66.30 Dano moral coletivo: a indefinição jurisprudencial em face da ofensa a direitos transindividuais. Dano Moral e sua Quantificação, Caxias do Sul: Plenum, 2007. 1 CD-ROM. ISBN 978-85-88512-18-4 (original sem grifos).

30Peça elaborada pelos Promotores de Justiça: Daniel Pinhel Júnior, Jales Guedes Coelho Mendonça e Vinícius Marçal Vieira.

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Art. 1º Regem-se, pelas disposições desta lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados: I - ao meio ambiente; II - ao consumidor; III - a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico; IV - a qualquer outro interesse difuso ou coletivo; V - por infração da ordem econômica.No campo doutrinário, em face da simplicidade com que o tema foi tratado legalmente, a par da ausência de modelo teórico próprio e sedimentado para atender aos conflitos envolvendo direitos transindividuais, fez-se necessário construir soluções que se utilizam, a um só tempo, de algumas noções e conceitos extraídos da responsabilidade civil e da perspectiva própria do direito penal.(...).LUIZ GUSTAVO GRANDINETTI CASTANHO DE CARVALHO31, para justificar sua concepção sobre o dano moral coletivo, destaca os seguintes pontos sobre a matéria:“1) Mostra-se inconveniente a separação rígida entre interesse público-pena e interesse privado-reparação (ressarcimento ou reintegração); 2) Quando se protege o interesse difuso, o que se está protegendo, em última instância, é o interesse publico; 3) Tal interesse público pode ser tutelado pelo modo clássico de tutela de interesses públicos, tipificando-se a conduta do agente causador do dano como crime e sancionando-a com uma pena criminal, mas pode ocorrer, por razões várias, que o ordenamento jurídico não tipifique tal conduta como crime, caso em que os instrumentos próprios para a proteção de interesses privados acabam assumindo nítida função substitutiva da sanção penal; 4) Deve-se admitir uma certa fungibilidade entre as funções sancionatória e reparatória em matéria de interesses difusos lesionados; 6) Com essa conformação e preocupação, surge o recém denominado dano moral coletivo, o qual deixa a concepção individualista, caracterizadora da responsabilidade civil, para assumir uma outra, mais socializada, preocupada com valores de uma determinada comunidade, e não apenas com o valor da pessoa individualizada.”XISTO TIAGO DE MEDEIROS NETO32, depois de destacar o avanço legal relativamente à proteção aos interesses de essência moral (extrapatrimonial) e aos direitos coletivos lato sensu, registra:“A ampliação dos danos passíveis de ressarcimento reflete-se destacadamente na abrangência da obrigação de reparar quaisquer lesões de índole extrapatrimonial, em especial as

31 Responsabilidade por dano não patrimonial a interesse difuso (dano moral coletivo). Revista da EMERJ - Escola da Magistratura do Rio de Janeiro, v. 3, n. 9, 2000. p. 21-4232 MEDEIROS NETO, Xisto Tiago de. Dano Moral Coletivo. São Paulo: LTr, 2004, p. 134.

31Peça elaborada pelos Promotores de Justiça: Daniel Pinhel Júnior, Jales Guedes Coelho Mendonça e Vinícius Marçal Vieira.

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de natureza coletiva, aspecto que corresponde ao anseio justo, legítimo e necessário apresentado pela sociedade de nossos dias. Atualmente, tornaram-se necessárias e significativas, para a ordem e a harmonia social, a reação e a resposta do Direito em face de situações em que determinadas condutas vêm a configurar lesão a interesses juridicamente protegidos, de caráter extrapatrimonial, titularizados por uma determinada coletividade. Ou seja, adquiriu expressivo relevo jurídico, no âmbito da responsabilidade civil, a reparação do dano moral coletivo (em sentido lato)”.O autor supracitado defende que o conceito de dano moral coletivo não deve restringir-se ao sofrimento ou à dor pessoal, e sim ser compreendido como toda modificação desvaliosa do espírito coletivo, ou seja, a qualquer violação aos valores fundamentais compartilhados pela coletividade.“Com efeito, toda vez em que se vislumbrar o ferimento a interesse moral (extrapatrimonial) de uma coletividade, configurar-se-á dano possível de reparação, tendo em vista o abalo, a repulsa, a indignação ou mesmo a diminuição da estima, infligidos e apreendidos em dimensão coletiva (por todos os membros), entre outros efeitos lesivos. Nesse passo, é imperioso que se apresente o dano como injusto e de real significância, usurpando a esfera jurídica de proteção à coletividade, em detrimento dos valores (interesses) fundamentais do seu acervo”33.No que concerne à destinação do dinheiro decorrente de condenação por dano moral coletivo, o mesmo autor observa:“Na hipótese da reparação do dano moral coletivo ou difuso, o direcionamento da parcela pecuniária ao Fundo é de importância indiscutível, por apresentar-se a lesão, em essência, ainda mais fluida e dispersa no âmbito da coletividade. Além disso, tenha-se em conta que a reparação em dinheiro não visa a reconstituir um bem material passível de quantificação, e sim a oferecer compensação diante da lesão a bens de natureza imaterial sem equivalência econômica, e sancionamento exemplar ao ofensor, rendendo-se ensejo para se conferir destinação de proveito coletivo ao dinheiro recolhido”34.Assim, entre os doutrinadores predomina a idéia de que o dano moral coletivo cumpre, idealmente, além de seu caráter compensatório e punitivo, uma função eminentemente preventiva, de modo a garantir real e efetiva tutela ao meio ambiente, ao patrimônio cultural, à ordem urbanística, às relações de consumo, enfim, a quaisquer outros bens que extrapolam o interesse individual.

33 MEDEIROS NETO, Xisto Tiago de. Dano Moral Coletivo. São Paulo: LTr, 2004, p. 136-137.34 MEDEIROS NETO, Xisto Tiago de. Dano Moral Coletivo. São Paulo: LTr, 2004, p. 177.

32Peça elaborada pelos Promotores de Justiça: Daniel Pinhel Júnior, Jales Guedes Coelho Mendonça e Vinícius Marçal Vieira.

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Seguindo a linha de entendimento aqui esboçada, um dos maiores mestres em temas de Direito Ambiental, o Procurador de Justiça (aposentado) Édis Milaré35, com a maestria que lhe é peculiar, professa a lição que se transcreve. In verbis:

(...) tem razão Morato Leite quando afirma que o dano ambiental tem uma conceituação ambivalente, por designar não só a lesão que recai sobre o patrimônio ambiental, que é comum à coletividade, mas igualmente por se referir ao dano – por intermédio do meio ambiente ou dano ricochete – a interesses pessoais, legitimando os lesados a uma reparação pelo prejuízo patrimonial ou extrapatrimonial sofrido.36

Segundo esse autor, o dano ambiental pode ser entendido “como toda lesão intolerável causada por qualquer ação humana (culposa ou não) ao meio ambiente, diretamente, como marcrobem de interesse da coletividade, em uma concepção totalizante, e indiretamente, a terceiros, tendo em vista interesses próprios e individualizáveis e que refletem no macrobem”.Isso significa que o dano ambiental, embora recaia diretamente sobre o ambiente e os recursos e elementos que o compõem, em prejuízo da coletividade, pode, em certos casos, refletir-se material ou moralmente, sobre o patrimônio, os interesses ou a saúde de uma determinada pessoa ou de um grupo de pessoas determinadas ou determináveis.Dessarte pela conformação que o Direito dá ao dano ambiental, podemos distinguir: (i) o dano ambiental coletivo ou dano ambiental propriamente dito, causado ao meio ambiente globalmente considerado, em sua concepção difusa, como patrimônio coletivo; e (ii) o dano ambiental individual, que atinge pessoas, individualmente consideradas, através de sua integridade moral e/ou de seu patrimônio material particular. Aquele, quando cobrado, tem eventual indenização destinada a um Fundo, cujos recursos serão alocados à reconstituição dos bens lesados. Este, diversamente, dá ensejo à indenização dirigida à recomposição do prejuízo individual sofrido pelas vítimas.A autonomia entre os danos sofridos por particulares em seus patrimônios pessoais e os danos ambientais propriamente ditos, decorrentes de uma mesma causa, foi reconhecida em decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, verbis:“Dano contra o meio ambiente: rompimento de tanque construído precariamente, ocasionando um derrame da lama fétida e poluentes. Irrelevância do fato de a empresa ré ter indenizado alguns proprietários, porque, indubitavelmente, não foram eles os únicos atingidos. Ação civil pública que,

35 Direito do Ambiente. 5ª ed. São Paulo: RT, 2007, p. 811-812.36 José Rubens Morato Leite. Dano ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. São Paulo: RT, 2000, p. 98-99.

33Peça elaborada pelos Promotores de Justiça: Daniel Pinhel Júnior, Jales Guedes Coelho Mendonça e Vinícius Marçal Vieira.

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outrossim, não se confunde com uma ação qualquer de responsabilidade civil por danos causados a particulares”37.

Desenhadas estas razões, não há como concluir de forma contrária: a empresa demandada deve indenizar os danos morais coletivos38 causados à sociedade brasileira (e, principalmente, às pessoas que vivem nesta comarca) com sua conduta afrontosa e lesiva ao meio ambiente, haja vista estar sobejamente comprovado que a Ré vem insistindo reiteradamente em poluir o “bem difuso de uso comum do povo”, agredindo-o com a desordenada utilização de “fogo” para promover a limpeza do solo, o preparo do plantio e a colheita da cana-de-açúcar.

No que tange ao valor devido a título de indenização pelos danos morais coletivos (exaustivamente demonstrados), sugere-se – com fulcro nos ensinamentos emanados da doutrina infra-reproduzida – que estes sejam arbitrados por Vossa Excelência no patamar de 500 (quinhentos) salários mínimos. Alicerçando o valor sugerido39, segue-se o irreparável pensar de Luis Henrique Paccagnella40:

A avaliação econômica do dano moral ambiental, tal como se dá no dano moral individual, deve ser feita por arbitramento.Primeiro pelo autor, na inicial. A final, pelo Juiz, na sentença.

37 Apelação Cível 135.914-1, j. 18.02.1981, rel. Godofredo Mauro. In: Francisco José Marques Sanpaio. Responsabilidade civil e reparação de danos ao meio ambiente. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1998,p. 110.38 “Dano moral coletivo é o resultado de toda ação ou omissão lesiva significante, praticada por qualquer pessoa contra o patrimônio da coletividade, considerada esta as gerações presentes e futuras, que suportam um sentimento de repulsa por um fato danoso irreversível, de difícil reparação, ou de conseqüências históricas. Da mesma forma como é detectável um patrimônio mínimo da pessoa humana individualmente considerada, pode-se afirmar ser detectável um patrimônio mínimo a ser protegido para toda a coletividade. Esse patrimônio é representado pelo acervo de interesses difusos e coletivos, em especial os bens ambientais, culturais, artísticos, paisagísticos e urbanísticos, que não pertencem a uma só pessoa, mas a toda comunidade diretamente afetada, que se faz representar pelas figuras legitimadas à ação civil pública, ou ação civil coletiva. E a existência de um patrimônio mínimo coletivo, não suscetível de disposição negocial ou renúncia, desemboca na aceitação de que há direitos coletivos fora da esfera econômica que, embora não se possam designar direitos da personalidade, merecem ser tratados como tal, a ponto de serem reparados moralmente” (PEREIRA, Marco Antônio Marcondes. Dano moral contra a coletividade: ocorrências na ordem urbanística. Dano Moral e sua Quantificação, Caxias do Sul: Plenum, 2007. 1 CD-ROM. ISBN 978-85-88512-18-4).39 Considerando o poderio econômico da empresa Ré; a extensa amplitude dos danos ocasionados; a estrondosa lesividade acarretada pela desenfreada utilização do fogo; o exagerado proveito econômico experimentado pela demandada com esta prática; o caráter de inibição para a prevenção de danos futuros...40 Dano Moral Ambiental. Dano Moral e sua Quantificação, Caxias do Sul: Plenum, 2007. 1 CD-ROM. ISBN 978-85-88512-18-4.

34Peça elaborada pelos Promotores de Justiça: Daniel Pinhel Júnior, Jales Guedes Coelho Mendonça e Vinícius Marçal Vieira.

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Aliás, vale lembrar que se dificuldades existem para o arbitramento do dano moral ambiental, elas são semelhantes àquelas referentes ao dano moral individual. Nem por isso a criatividade da jurisprudência deixou sem solução os casos concretos, no âmbito individual.Para arbitramento de valor ao dano moral individual a jurisprudência construiu uma combinação de critérios, a saber: intensidade da culpa ou dolo; extensão do prejuízo; capacidade econômica e cultural do responsável; necessidade de ser desestimulada a reiteração da ilicitude.Não há razão para maiores inovações dessa consolidada construção, no âmbito do dano moral ambiental. Cabe ao operador do Direito, portanto, sopesar no caso concreto: a extensão do prejuízo ambiental; a intensidade da responsabilidade pela ação ou omissão, inclusive pelo exame do proveito do agente com a degradação; a condição econômica e cultural do degradador; valor suficiente para prevenção de futuros danos ambientais.No que toca à extensão do prejuízo ambiental, deve ser analisada a eventual reversibilidade, bem como, conforme o caso, eventual prejuízo moral interino. Quanto a esse último aspecto, portanto, possível a caracterização de dano moral ambiental interino.Isso na medida em que a demora da restauração ao patrimônio ambiental cause novo sofrimento coletivo (dano moral interino), que exceda o desgosto comunitário pela degradação em si (dano moral originário).Quanto à extensão da responsabilidade pela ação ou omissão, o julgador deve adaptar as teorias individualistas ao critério legal da responsabilidade objetiva. Assim, ao invés de análise da intensidade da culpa ou dolo, deve ser examinada a intensidade do proveito com a degradação ambiental, bem como o tempo de duração e a complexidade da ação ou omissão.Por fim, em seu estágio atual a jurisprudência vem entendendo que a reparação do dano moral, no âmbito individual, deve servir como instrumento de desestímulo a futuras reiterações de atos ilícitos, assumindo verdadeiro caráter “punitivo”.Tal construção se encaixa perfeitamente no âmbito do Direito Ambiental, uma vez que ele é informado pelo “Princípio da Prevenção”. De acordo com esse princípio, há uma necessidade de atuação estatal preventiva, para que se evitem os danos ambientais. Isso em vista das dificuldades e custos relacionados com a integral reparação dos mesmos.(...) Cabe ao Juiz, ao arbitrar o valor do dano moral ambiental, sopesar no caso concreto: a extensão do prejuízo ambiental; a intensidade da responsabilidade pela ação ou omissão, inclusive pelo exame do proveito ao degradador; a condição econômica e cultural do responsável; a suficiência do valor para a prevenção de futuros danos ambientais.

35Peça elaborada pelos Promotores de Justiça: Daniel Pinhel Júnior, Jales Guedes Coelho Mendonça e Vinícius Marçal Vieira.

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Em conclusão, impende trazer a baila alguns importantes JULGADOS sobre o manifesto reconhecimento jurídico dos danos morais coletivos no ordenamento jurídico brasileiro41. Eis a voz que dimana das nossas Casas de Justiça:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. OFENSAS CONTRA COMUNIDADE INDÍGENA. DANO MORAL COLETIVO. MAJORAÇÃO. 1. Tendo restado demonstrada a discriminação e o preconceito praticados pelos réus contra grupo indígena Kaingang, é devida indenização por dano moral. 2. O DANO MORAL COLETIVO tem lugar nas hipóteses onde exista um ato ilícito que, tomado

41 Nesse aspecto, impede ressaltar a judiciosa lição do Ministro Luiz Fux: (...) AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AO MEIO AMBIENTE. DANO MATERIAL E MORAL. ART. 1º DA LEI 7347⁄85. (...) 2. O meio ambiente ostenta na modernidade valor inestimável para a humanidade, tendo por isso alcançado a eminência de garantia constitucional. 3. O advento do novel ordenamento constitucional - no que concerne à proteção ao dano moral - possibilitou ultrapassar a barreira do indivíduo para abranger o dano extrapatrimonial à pessoa jurídica e à coletividade. 4. No que pertine a possibilidade de reparação por dano moral a interesses difusos como sói ser o meio ambiente amparam-na o art. 1º da Lei da Ação Civil Pública e o art. 6º, VI, do CDC. 5. Com efeito, o meio ambiente integra inegavelmente a categoria de interesse difuso, posto inapropriável uti singuli. Consectariamente, a sua lesão, caracterizada pela diminuição da qualidade de vida da população, pelo desequilíbrio ecológico, pela lesão a um determinado espaço protegido, acarreta incômodos físicos ou lesões à saúde da coletividade, revelando atuar ilícito contra o patrimônio ambiental, constitucionalmente protegido. 6. Deveras, os fenômenos, analisados sob o aspecto da repercussão física ao ser humano e aos demais elementos do meio ambiente constituem dano patrimonial ambiental. 7. O dano moral ambiental caracterizar-se quando, além dessa repercussão física no patrimônio ambiental, sucede ofensa ao sentimento difuso ou coletivo - v.g.: o dano causado a uma paisagem causa impacto no sentimento da comunidade de determinada região, quer como v.g; a supressão de certas árvores na zona urbana ou localizadas na mata próxima ao perímetro urbano. 8. Consectariamente, o reconhecimento do dano moral ambiental não está umbilicalmente ligado à repercussão física no meio ambiente, mas, ao revés, relacionado à transgressão do sentimento coletivo, consubstanciado no sofrimento da comunidade, ou do grupo social, diante de determinada lesão ambiental. 9. Destarte, não se pode olvidar que o meio ambiente pertence a todos, porquanto a Carta Magna de 1988 universalizou este direito, erigindo-o como um bem de uso comum do povo. Desta sorte, em se tratando de proteção ao meio ambiente, podem co-existir o dano patrimonial e o dano moral, interpretação que prestigia a real exegese da Constituição em favor de um ambiente sadio e equilibrado. 10. Sob o enfoque infraconstitucional a Lei n. 8.884⁄94 introduziu alteração na LACP, segundo a qual passou restou expresso que a ação civil pública objetiva a responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados a quaisquer dos valores transindividuais de que cuida a lei. 11. Outrossim, a partir da Constituição de 1988, há duas esferas de reparação: a patrimonial e a moral, gerando a possibilidade de o cidadão responder pelo dano patrimonial causado e também, cumulativamente, pelo dano moral, um independente do outro. (...)” (excertos do voto proferido no julgamento do REsp nº 598.281-MG).

36Peça elaborada pelos Promotores de Justiça: Daniel Pinhel Júnior, Jales Guedes Coelho Mendonça e Vinícius Marçal Vieira.

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individualmente, tem pouca relevância para cada pessoa; mas, frente à coletividade, assume proporções que afrontam o senso comum. 3. Indenização por danos morais majorada para R$ 20.000,00, a ser suportada de forma solidária por ambos os réus desta ação (TRF da 4ª Região. 3ª Turma. Apelação Cível nº 2003.71.01.001937-0/RS. Decisão Unânime, DJU 30.08.2006).

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PRELIMINAR – (...) DANOS MORAIS COLETIVOS. (...) A ocorrência de DANOS MORAIS COLETIVOS é matéria relativamente nova na jurisprudência. Doutrinariamente, o dano moral é conceituado como o prejuízo de caráter intrínseco ao íntimo do ofendido, isto é, ligado à esfera da personalidade. A coletividade, por óbvio, é desprovida desse conteúdo próprio da personalidade. Entretanto, não pode permanecer desamparada diante de atos que atentam aos princípios éticos da sociedade. Costuma-se dizer que o dano moral tem dupla função: reparar o dano sofrido pela vítima e punir o ofensor. O denominado “ DANO MORAL COLETIVO” busca, justamente, valorar a segunda vertente, mas sob um prisma diferente. Mais do que punir o ofensor, confere um caráter de exemplaridade para a sociedade, de acordo com a importância que o princípio da moralidade administrativa adotou hodiernamente. Dessa forma, o DANO MORAL COLETIVO tem lugar nas hipóteses onde exista um ato ilícito que, tomado individualmente, tem pouca relevância para cada pessoa; mas, frente à coletividade, assume proporções que afrontam o senso comum. É o que se verifica no caso dos autos. Por natureza, trata-se de um ilícito contratual, cujos efeitos atingiram a comunidade local. Mensurado individualmente, não daria ensejo à indenização pela pouca importância na esfera de cada cidadão. Contudo, na sua generalidade, leva à sua reparação aos olhos da sociedade. Mantido o quantum indenizatório fixado na sentença (R$ 50.000,00), já que adotou como critério a capacidade econômica da ré, estando de acordo com o intuito de exemplaridade e reparabilidade. Apelação parcialmente provida para que para que a Brasil Telecom promova a reabertura dos postos de atendimento que foram extintos (TRF da 4ª Região. 3ª Turma. Apelação Cível nº 2002.70.02.003164-5/PR. DJU 27.09.2006).

APELAÇÃO CÍVEL. (...) TOMBAMENTO. NEGLIGÊNCIA DOS PROPRIETÁRIOS. DESTRUIÇÃO PARCIAL DO BEM. DANO MORAL COLETIVO. Com a evolução do amparo ao

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meio ambiente no Brasil, a doutrina pacificou o entendimento acerca da possibilidade de reconhecimento da indenização por DANO MORAL COLETIVO , quando decorrente de agressões ao patrimônio ambiental, com respaldo, após 1994, no art. 1º da Lei da Ação Civil Pública. (...) (TJSC. 1ª Câmara de Direito Público. Apelação Cível nº 2005.013455-7. Decisão Unânime, DJ 18.11.2005).

V) DA NECESSÁRIA CONCESSÃO DE MEDIDA LIMINAR

Baseado no princípio da efetividade do processo como instrumento da jurisdição, o legislador tem se preocupado com a tutela preventiva, que, como é cediço, pode revelar-se através de variados instrumentos. É exatamente por esse motivo que alguns diplomas legais têm contemplado a matéria com o objetivo primordial de evitar a ocorrência de dano de difícil reparação em virtude da demora do julgamento da demanda.

Nesse contexto, insta notar que o artigo 12 da Lei 7347/85 (Lei da Ação Civil Pública) – “poderá o juiz conceder mandado liminar, com ou sem justificação prévia, em decisão sujeita a agravo” –, estabelece de forma clara e precisa a permissão legal dirigida ao magistrado para que este possa, com ou sem justificação prévia, conceder medida LIMINAR. Sobre este dispositivo, calha exaltar a precisa lição de José dos Santos Carvalho Filho42:

A tutela preventiva tem por escopo impedir que possam consumar-se danos a direitos e interesses jurídicos em razão da natural demora na solução dos litígios submetidos ao crivo do Judiciário. Muito freqüentemente, tais danos são irreversíveis e irreparáveis, impossibilitando o titular do direito de obter concretamente o benefício decorrente do reconhecimento de sua pretensão.(...) A simples demora, em alguns casos, torna inócua a proteção judicial, razão por que as providências preventivas devem revestir-se da necessária presteza.

Delineados estes singelos contornos sobre a “tutela de urgência”, tendo em vista que já estamos no período de colheita de cana-de-açúcar, é possível notar, mediante simples constatação dos acontecimentos fáticos (fato notório), que a empresa Ré já está lançando mão do recurso da queima da palha para facilitar o seu corte manual.42 Ação Civil Pública – comentários por artigo. 6ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 343 – original sem destaques.

38Peça elaborada pelos Promotores de Justiça: Daniel Pinhel Júnior, Jales Guedes Coelho Mendonça e Vinícius Marçal Vieira.

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Dessarte, sendo indubitável (prova inequívoca) a verossimilhança das alegações feitas nesta exordial, se faz absolutamente necessária a concessão de medida liminar43 para impedir a consumação de gravíssimos e irreparáveis danos (periculum in mora) ao meio ambiente e à saúde pública, com inegável violação de várias normas cogentes, constitucionais e legais (fumus boni juris), conforme amplamente demonstrado acima.

Sobre a necessidade44 da tutela pleiteada, importa destacar o ensinamento jurisprudencial. Verbis:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA - MEIO AMBIENTE - MEDIDA LIMINAR. Observado o princípio da proporcionalidade entre o risco demonstrado de agressão ao meio ambiente e os eventuais prejuízos suportados pelo particular, deve ser preservado o provimento judicial que visa proteger o interesse coletivo. (Agravo de Instrumento nº 2005.012898-7, 3ª Câmara de Direito Público do TJSC, Rel. Luiz Cézar Medeiros. DJ 15.02.2006, unânime).

AÇÃO CIVIL PÚBLICA - MEDIDA LIMINAR - DANO AMBIENTAL - REQUISITOS SATISFEITOS. Em tema de meio ambiente, a cautela deve pender a favor dos interesses da coletividade. Demonstrado o perigo de dano, a medida que se impõe é o imediato afastamento da causa que está gerando o risco. (Agravo de Instrumento nº 2006.010873-7, 3ª Câmara de Direito Público do TJSC, Rel. Luiz Cézar Medeiros. unânime, DJ 22.11.2006).

43 “Por medida liminar deve-se entender medida concedida in limine litis, i. é., no início da lide, sem que tenha havido ainda a oitiva da parte contrária. Assim, tem-se por liminar um conceito cronológico, caracterizado por sua ocorrência em determinada fase do procedimento, qual seja, o seu início (...) É bom que se ressalte que não há violação da garantia do contraditório na concessão justificada pelo perigo, de providências jurisdicionais antes de ouvida a outra parte (inaudita altera parte). O contraditório, neste caso, é posposto para momento posterior à concessão da providência de urgência” (DIDIER Jr., Fredie (e outros). Curso de Direito Processual Civil. vol. 2. Salvador: JusPODIVM, 2007, p. 529-530 – original sem destaques).44 “(...) o tempo decorrido entre o pedido e a concessão da tutela definitiva, em qualquer de suas modalidades, pode não ser compatível com a urgência de determinadas situações, que requerem soluções imediatas, sem o quê ficará comprometida a satisfação do direito” (BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência (tentativa de sistematização). 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 113 – original sem destaques).

39Peça elaborada pelos Promotores de Justiça: Daniel Pinhel Júnior, Jales Guedes Coelho Mendonça e Vinícius Marçal Vieira.

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AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE LIMINAR - PRESENÇA DOS REQUISITOS AUTORIZADORES DA MEDIDA - AUSÊNCIA DE SUBSTRATO FÁTICO A PROPICIAR A REVOGAÇÃO DA LIMINAR – (...) DECISÃO MANTIDA - RECURSO IMPROVIDO - A tutela antecipada exige uma verossimilhança da alegação deduzida na petição inicial, com amparo em prova inequívoca, além do requisito do periculum in mora. Existindo a possibilidade de impacto ambiental e sendo relevantes os fundamentos expendidos, impõe-se a adoção de medidas que assegurem, ao menos provisoriamente, a integridade do meio ambiente e a qualidade de vida da coletividade. Não há falar em litigância de má-fé se não existe prova satisfatória da caracterização do dano processual a que a condenação cominada na Lei visa a compensar. (TJMS. AG 2005.006173-5/0000-00. 4ª Turma Cível. Rel. Des. Rêmolo Letteriello - J. 09.08.2005).

AGRAVO DE INSTRUMENTO. LIMINAR DEFERIDA EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA REQUERIDA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. ILEGITIMIDADE DE PARTE. INOCORRÊNCIA. A liminar deferida em ação civil pública que visa acautelar o desmatamento e derrubada de árvores com vistas a proteger o meio ambiente é medida necessária, sob pena de tornar inócua a decisão se, a final, a ação for procedente. Não é parte ilegítima para responder aos termos da ação aquele que é o responsável pelo desmatamento objeto da ação, pouco importando se, quando da aquisição da área a ação devastadora já tivesse se iniciado. (Agravo de instrumento nº 5.690, 4ª Câmara Civil do TJSC, Joinville, Rel. Des. Cláudio Marques. Decisão unânime).

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA AMBIENTAL. CONCESSÃO DE MEDIDA LIMINAR PARA IMPEDIR A EXPLORAÇÃO DE ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. POSSIBILIDADE. PRESENÇA DOS REQUISITOS LEGAIS. Auto de infração ambiental lavrado após constatação do plantio de cana-de-açúcar às margens de um córrego. Perigo iminente de dano irreparável ou de difícil reparação ao meio ambiente. Recurso não provido. (Agravo de Instrumento nº 421.330-5/4-00, 10ª Câmara de Direito Público do TJSP, Rel. Reinaldo Miluzzi. j. 23.03.2006, unânime).

40Peça elaborada pelos Promotores de Justiça: Daniel Pinhel Júnior, Jales Guedes Coelho Mendonça e Vinícius Marçal Vieira.

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AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - CONCESSÃO DE LIMINAR - ALEGADO ESGOTAMENTO DO OBJETO DA AÇÃO - INOCORRÊNCIA - PROVA PERICIAL DEFERIDA - AUSÊNCIA DE MANIFESTAÇÃO PRÉVIA DO PODER PÚBLICO - DESNECESSIDADE - SITUAÇÃO DE EMERGÊNCIA - PRELIMINARES REJEITADAS. Não há falar em esgotamento do objeto da demanda quando o Magistrado defere liminar em ação civil pública determinando a suspensão de atividade econômica suspeita de causar danos ao meio ambiente, sobretudo quando a medida judicial de urgência apenas objetivou a prevenção do direito material tutelado, qual seja, a preservação de determinado ecossistema até que a instrução da lide conclua se a atividade é ou não causadora de dano ambiental, dependendo, para tanto, de prova pericial. Consoante a jurisprudência hodierna, pode o Magistrado, diante do caso concreto, desde que presentes os requisitos legais (fumus boni juris e periculum in mora), e verificando tratar-se o caso de extrema urgência, deferir liminar em ação civil pública tendente a impedir a ocorrência de dano ambiental, independentemente da oitiva do Poder Público. DIREITO AMBIENTAL - EXTRAÇÃO E BENEFICIAMENTO DE GRANITO - ATIVIDADE PRATICADA EM DESACORDO COM A LEGISLAÇÃO E AS LICENÇAS AMBIENTAIS - ALEGADA ATIVIDADE ECONÔMICA DE RISCO AMBIENTAL AO SISTEMA HÍDRICO NA REGIÃO POR OUTRAS EMPRESAS - PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE - INTERESSE COLETIVO - EXEGESE DO ART. 225 DA CF - PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO - PRESENÇA DO FUMUS BONI JURIS E DO PERICULUM IN MORA - RECURSO DESPROVIDO. A prevenção de dano ao meio ambiente, com o fim de proteger o interesse coletivo, pois a reparação, caso ocorra dano ambiental, afigura-se incerta, onerosa e muitas vezes irreversível, justifica o deferimento de liminar tendente a obstar, ainda que de forma provisória, a continuidade de atividade econômica suspeita de causar dano a um determinado ecossistema. A existência de outras irregularidades porventura verificadas contra o meio ambiente por outras empresas, não afasta a ilicitude e não confere direitos; os abusos e as violações das leis devem ser coibidas e nunca imitadas (non exemplis sed legibus est judicandum), pois todos são iguais perante a lei para cumpri-la e não para descumpri-la. Com base nos princípios da “precaução” e da “prevenção”, as autoridades devem tomar medidas preventivas sempre que existirem motivos razoáveis de preocupação com a saúde

41Peça elaborada pelos Promotores de Justiça: Daniel Pinhel Júnior, Jales Guedes Coelho Mendonça e Vinícius Marçal Vieira.

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pública e a manutenção do ecossistema equilibrado, ensejando, pois, a paralisação imediata de qualquer atividade econômica tendente a degradar o meio ambiente sadio. (TJSC. Agravo de Instrumento nº 2004.021074-4. Des. Relator Des. Rui Fortes. Data da Decisão: 15.02.2005).

Visualiza-se, pois, pelo exposto, que a concessão liminar do provimento jurisdicional é medida que se impõe, para que não perdurem as intensas agressões ao meio ambiente e à saúde pública. É de se repisar que os requisitos necessários para a concessão da medida pleiteada, estão sobejamente demonstrados (fumus boni juris – consistente em toda argumentação jurídica lançada no bojo desta exordial; periculum in mora – evidenciado no iminente risco de ocorrência de danos de grande monta e irreparáveis ao meio ambiente e à saúde pública e, ainda, na patente inocuidade da prestação jurisdicional a posteriori, uma vez que a situação está a exigir medidas rápidas que possam salvaguardar os bens jurídicos expostos a violação).

O que deve prevalecer na análise e apreciação do presente pleito (medida liminar) é o fato de estarmos diante de interesses de ordem metaindividual, atinentes a direitos fundamentais constitucionais – meio ambiente equilibrado e saúde pública – imprescindíveis para a vida em sociedade.

Acerca da providência de urgência nas querelas referentes ao Direito do Meio Ambiente, recorre-se, mais uma vez, aos intangíveis ensinamentos do mestre Édis Milaré45:

Este sistema de freios e contrapesos, no que se refere à concessão de liminar, é necessário para correção de eventual arbítrio do juiz, inaceitável dentro da ordem jurídica vigente. Da mesma forma, é certo que, EM MATÉRIA DE PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE, A TUTELA CAUTELAR, ESPECIALMENTE EM SE TRATANDO DE PROVIMENTO JURISDICIONAL DE NÃO-FAZER, É A REGRA E NÃO A EXCEÇÃO.Isso porque, no Direito Ambiental, diferentemente do que se dá com outras matérias, vigoram dois princípios que modificam profundamente as bases e a manifestação do poder de cautela do juiz: a) o princípio da prevalência do meio ambiente (da vida) b) o princípio da precaução, também conhecido como princípio da prudência e da cautela.46

45 Direito do Ambiente. 5ª ed. São Paulo: RT, 2007, p. 1045.46 “A Declaração do Rio, aprovada por unanimidade durante a Eco-92, inclusive pelo Brasil, determina, no Princípio 15, que a perspectiva da precaução deverá ser amplamente observada

42Peça elaborada pelos Promotores de Justiça: Daniel Pinhel Júnior, Jales Guedes Coelho Mendonça e Vinícius Marçal Vieira.

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TUTELA JURISDICIONAL QUE CHEGA QUANDO O DANO AMBIENTAL JÁ OCORREU PERDE, NO PLANO DA GARANTIA DOS VALORES CONSTITUCIONALMENTE ASSEGURADOS, MUITO, QUANDO NÃO A TOTALIDADE DE SUA RELEVÂNCIA OU FUNÇÃO SOCIAL.

Não é possível que perdure até o julgamento final desta ação civil pública, as condições atuais expostas! Não se concebe que a empresa demandada continue a causar danos, sendo urgente a cessação da degradação ambiental.

Com esse pensar, oportuna a reprodução do distinto voto (acolhido por unanimidade) do Desembargador (do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás) Relator do Agravo de Instrumento nº 29986-2/180 (200201666060), Dr. Leobino Valente Chaves, que, ao apreciar uma demanda assaz semelhante à que ora se propõe, determinou o restabelecimento da liminar revogada pelo juiz singular e aduziu:

O recorrente logrou demonstrar, de início, que a queimada promovida pela recorrida durante o ciclo de produção da cana-de-açúcar (limpeza do solo, plantio e colheita) causa poluição atmosférica. Tal fato põe em risco a saúde pública, a fauna e a flora, causa sujeira (presença de cinzas em áreas descobertas), pode provocar o desgaste de objetos, prejudicar lavouras frutíferas, alterar a qualidade e o aspecto físico dos frutos, etc. (fls. 37/38, 39 e 41/43).Soma-se a isso, o fato de que a agravante pretende firmar termo de ajustamento de conduta com o agravante (fl. 62, item “a”). Tal idéia sugere que a recorrida esteja, realmente, causando dano ao meio ambiente.Eis, então, o FUMUS BONI JURIS.(...) DESTARTE, QUANTO MAIS QUEIMADAS OCORREREM DURANTE O CICLO DE PRODUÇÃO DA CANA-DE-AÇÚCAR, MAIORES E PIORES SERÃO AS CONSEQÜÊNCIAS AO MEIO AMBIENTE – DENTRO DO QUAL O SER HUMANO SE INTERAGE – E, QUIÇÁ, IRREVERSÍVEIS . Portanto, mostra-se evidente o PERICULUM IN MORA.

pelos Estados, fixando, expressamente, que, nas hipóteses em que há perigo de dano sério e irreversível, a ausência de certeza científica quanto aos eventuais efeitos de uma atividade não dever ser usado como óbice à aplicação de medidas eficazes para a prevenção do dano ambiental”.

43Peça elaborada pelos Promotores de Justiça: Daniel Pinhel Júnior, Jales Guedes Coelho Mendonça e Vinícius Marçal Vieira.

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(...)Portanto, presentes o fumus boni juris e o periculum in mora, outro caminho não resta a esse Tribunal senão restabelecer integralmente a liminar de fl. 44.

Ante o exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS requer, em caráter LIMINAR – nos precisos termos do artigo 12 da Lei da Ação Civil Pública – que:

a) a demandada seja compelida (inaudita altera parte) judicialmente a deixar de utilizar fogo para a limpeza do solo, preparo do plantio e para a colheita da cana-de-açúcar nas áreas por ela explorada, sejam próprias ou de terceiros;

b) seja fixada como multa diária – prevista no artigo 12, § 2º, da lei 7347/85 – pelo descumprimento do item acima, a pena pecuniária consistente no pagamento do valor de 200,00 (duzentos) salários mínimos, a ser recolhida ao Fundo Estadual do Meio Ambiente (sem prejuízo da responsabilidade civil e criminal dos responsáveis pela desobediência à ordem judicial);

c) o IBAMA, a Agência Ambiental do Estado de Goiás e as Polícias (civil-GO e militar-GO) sejam notificadas da concessão da medida liminar, para que providenciem a devida fiscalização.

VI) DOS PEDIDOS DEFINITIVOS

Na intransigente defesa da ordem jurídica justa e do direito coletivo ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS vem perante o Poder Judiciário estadual requerer a prestação de uma tutela efetivamente protetiva e, para tanto, apresenta os seguintes pedidos:

a) seja a presente ação recebida, autuada e processada de acordo com o rito ordinário, com a observância das regras vertidas no macrossistema de proteção coletiva (inaugurado pela conjugação dos artigos 21 da Lei 7347/85 e 90 da Lei 8078/90);

b) a concessão da medida liminar (inaudita altera parte) pleiteada, nos moldes acima alinhavados (item V);

44Peça elaborada pelos Promotores de Justiça: Daniel Pinhel Júnior, Jales Guedes Coelho Mendonça e Vinícius Marçal Vieira.

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c) a citação da demandada, para, querendo, contestar a presente ação, sob pena de serem considerados verdadeiros os fatos aqui narrados;

d) que as diligências oficiais sejam favorecidas pelo teor do artigo 172, § 2º, do Código de Processo Civil;

e) a comunicação pessoal dos atos processuais, nos termos do artigo 236, § 2º, do Código de Processo Civil, e do artigo 41, inciso IV, da Lei nº 8625/93;

f) a condenação definitiva da demandada à obrigação de não-fazer, consistente em abster-se de utilizar fogo para a limpeza do solo, preparo do plantio e para a colheita da cana-de-açúcar nas áreas por ela explorada, sejam próprias ou de terceiros, sob pena de multa diária no valor de 200,00 (duzentos) salários mínimos por dia de descumprimento, a serem revertidos para o Fundo Estadual do Meio Ambiente (sem prejuízo da responsabilidade civil e criminal dos responsáveis pela desobediência à ordem judicial);

g) a condenação definitiva da empresa Ré à obrigação de recuperar e compensar os danos ambientais, socioeconômicos e à saúde pública provocados em razão de suas atividades, de maneira que as reparações sejam efetivas e satisfatórias;

h) a condenação da empresa demandada a indenizar os danos morais coletivos causados, tudo em conformidade com o que foi exposto no item IV, devendo o valor arbitrado (sugerido em 500 salários mínimos) ser revertido ao Fundo Estadual do Meio Ambiente.

i) a inversão do ônus da prova, nos termos do artigo 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor. Vale ressaltar que esta medida é absolutamente possível, tendo em vista a fusão harmônica entre as normas da Lei da Ação Civil Pública e do CDC (conjugação dos artigos 21 da Lei 7347/85 e 90 da Lei 8078/90).

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j) a publicação de edital para dar conhecimento a terceiros interessados e à coletividade, considerando o caráter erga omnes da ação civil pública.

l) a total procedência dos pedidos deduzidos e que, na sentença, seja renovada a medida liminar concedida;

m) a condenação da Ré ao pagamento das “despesas processuais”.

Por fim, este Órgão Ministerial protesta, ainda, por provar o alegado através de todos os meios de prova em direito admitidos – em especial o depoimento pessoal do representante legal da requerida, a oitiva de testemunhas, a realização de perícia e a posterior juntada de documentos.

Dá-se à causa o valor de R$ 190.000,00 (cento e noventa mil reais), para fins legais.

Nestes termos, pede DEFERIMENTO .

_____________, XX de ___________ de 2007.

______________________________PROMOTOR DE JUSTIÇA

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