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EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA 2ª VARA CÍVEL, FAZENDAS PÚBLICAS , REGISTROS PÚBLICOS E AMBIENTAL DA COMARCA DE JATAÍ - GOIÁS O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS, pela Promotora de Justiça signatária, titular da 2ª Promotoria de Jataí, com atribuições na Curadoria da Saúde, embasado na Constituição Federal (arts. 127, caput; 129, III; 196; 197; 198, I e II); na Lei 8.080/1990 (art. 18, I e XII) e seu Decreto Regulamentador nº 7.508/2011 (arts. 9º e 11); na Lei da Ação Civil Pública, Lei 7.347/85 (art. 1º, IV; 3º); na Lei 8.625/93 (art. 27, I; art. 25, IV, “a”); na Lei Complementar Estadual 25/98 (art. 46, IV e VI, “a”), no Código de Processo Civil (art. 461); nas Portarias GM/MS números 1.600/2011 (art. 2º, I e art. 3º, §3º); 2.395/2011 (art. 4º, III); 2.488/2011 – Anexo I – Disposições Gerais sobre a Atenção Básica – Das Responsabilidades – Do Processo de Trabalho das Equipes de Atenção Básica, IV); nas Resoluções CFM números 2.077/2014 e Anexo; 2.079/2014; vem, perante Vossa Excelência, propor AÇÃO CIVIL PÚBLICA PARA CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER c/c ANTECIPAÇÃO DE TUTELA em face do MUNICÍPIO DE JATAÍ , pessoa jurídica de direito público, inscrito no 1

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EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA 2ª VARA CÍVEL, FAZENDAS

PÚBLICAS, REGISTROS PÚBLICOS E AMBIENTAL DA COMARCA DE JATAÍ -

GOIÁS

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS, pela Promotora de

Justiça signatária, titular da 2ª Promotoria de Jataí, com atribuições na Curadoria da

Saúde, embasado na Constituição Federal (arts. 127, caput; 129, III; 196; 197; 198, I

e II); na Lei 8.080/1990 (art. 18, I e XII) e seu Decreto Regulamentador nº

7.508/2011 (arts. 9º e 11); na Lei da Ação Civil Pública, Lei 7.347/85 (art. 1º, IV; 3º);

na Lei 8.625/93 (art. 27, I; art. 25, IV, “a”); na Lei Complementar Estadual 25/98 (art.

46, IV e VI, “a”), no Código de Processo Civil (art. 461); nas Portarias GM/MS

números 1.600/2011 (art. 2º, I e art. 3º, §3º); 2.395/2011 (art. 4º, III); 2.488/2011 –

Anexo I – Disposições Gerais sobre a Atenção Básica – Das Responsabilidades –

Do Processo de Trabalho das Equipes de Atenção Básica, IV); nas Resoluções CFM

números 2.077/2014 e Anexo; 2.079/2014; vem, perante Vossa Excelência, propor

AÇÃO CIVIL PÚBLICA PARA CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO DE

FAZER c/c ANTECIPAÇÃO DE TUTELA

em face do

MUNICÍPIO DE JATAÍ, pessoa jurídica de direito público, inscrito no

1

CNPJ sob o nº 011.657.290.001-80, representado pelo Prefeito, Sr.

Humberto de Freitas Machado, com endereço na Prefeitura

Municipal, situada na Rua Itarumã, nº 355, Setor Santa Maria, nesta

Cidade;

tudo consoante as seguintes arguições de fato e de direito.

1. DOS FATOS

No dia 15 de agosto de 2013, foi atendido nesta Promotoria o Sr. José

Antônio da Silva, tendo noticiado, na condição de avô, que o neto Leonardo Alves

Cabral, então com 17 anos de idade, veio a óbito no Centro Municipal de Saúde Dr.

Serafim de Carvalho, no dia 02 de agosto de 2013, com diagnóstico de Hantavirose.Sua indignação, a despeito da gravidade da doença e do prognóstico

frequentemente desfavorável, devia-se ao fato do adolescente ter esperado

atendimento médico, por horas, na recepção do Serviço Hospitalar de

Urgência de Emergência (docs. 01-03)

Ouvida, a unidade hospitalar pontuou que o paciente, há cinco dias,

apresentava sintomas, como mal-estar, dispneia e febre, tendo demorado para

procurar atendimento médico, de modo que chegou ao hospital em estado grave:

pneumônico com sepse grave, mantido na Sala de Estabilização da Emergência até

que, às 11:15 horas, uma parada cardiorrespiratória lhe roubou a vida (docs. 04-06)

Colhidas declarações da recepcionista que atendeu o paciente quando

de sua chega na unidade hospitalar, relatou que a queixa principal do adolescente

era “dor de cabeça”. Assim, priorizou uma paciente do Serviço de Hemodiálise e um

idoso, com suspeita de hipertensão. Depois disso, tentou, mas não conseguiu,

contato com o médico plantonista para atender o adolescente, que somente foi visto

por médico após a troca de plantão, por volta das sete horas da manhã.

Delatou a recepcionista “que não detém conhecimento técnico para

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fazer classificação de risco, sobre quem deve ou não ser atendido primeiro; o que

acontece é que acabam colocando pra dentro os que 'parecem mais graves ' (...)”

Pontuou que “a situação do recepcionista é muito delicada, porque atende quem

chega na Emergência, não sabe quem deve ser priorizado, as vezes passa um

outro pra dentro e é criticado pela Enfermagem porque não era caso de

priorizar; (…) acredita que tais atribuições deveriam ser conferidas a pessoas

com conhecimento técnico específico; 'é pressão de dentro e de fora'; as vezes

não sabe o que fazer” (doc. 07).

O óbito neste caso, pela gravidade e agressividade da patologia, era,

de fato, um evento provável. Contudo, não há justificativa plausível para o descaso

na condução do acolhimento ao paciente no Serviço Hospitalar de Urgência e

Emergência.

Posteriormente, em visitas às unidades de saúde do Município de

Jataí, no período de julho a novembro de 2013, atividades voltadas à execução do

Programa de Rádio BOM DIA SUS, Projeto realizado pelo Ministério Público do

Estado de Goiás em parceria com o Conselho Municipal de Saúde de Jataí, este

órgão ministerial verificou, in loco, que o acolhimento aos pacientes não se dá de

acordo com o que preconizam as normas do Ministério da Saúde e do Conselho

Federal de Medicina, seja na Atenção Básica – Unidades Básicas de Saúde, seja no

Serviço Hospitalar de Urgência e Emergência – Centro Municipal de Saúde Dr.

Serafim de Carvalho, popularmente conhecido como Centro Médico, notadamente

pela ausência da classificação de risco e do acolhimento com escuta qualificada.

Visando a correção destas e de outras irregularidades, a evitar que

outros Leonardos, desumanizados pelos Serviços de Saúde, se tornem apenas

dados estatísticos a serem contornados pelos Gestores, o Ministério Público

instaurou os Procedimentos Administrativos registrados sob os números

201300442405 – Atenção Básica e 201300480107 – Centro Municipal de Saúde Dr.

Serafim de Carvalho, expedindo ao Sr. Secretário Municipal de Saúde do Município

de Jataí as Recomendações números 01 e 04/2013, com cópia ao Sr. Prefeito e ao

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Conselho Municipal de Saúde, no sentido de que a Secretaria Municipal de Saúde

de Jataí por seus órgãos de Direção/Coordenação/Chefia no Centro Municipal de

Saúde Dr. Serafim de Carvalho, implementasse Protocolos e Manuais de Normas

e Rotinas, a fim de atender aos ditames da Política Nacional e Humanização da

atenção à saúde, garantindo a efetivação de um modelo centrado no usuário e

baseado nas suas necessidades de saúde, com destaque para o acolhimento da

demanda com classificação de risco, garantindo o acesso referenciado aos

demais níveis de assistência. Ainda, para que Secretaria normatizasse o

funcionamento das Unidades Básicas de Saúde, contemplando o acolhimento à

demanda espontânea com escuta qualificada e definindo o papel de cada

trabalhador da Equipe, em consonância com a PNAB e as recomendações do

Ministério da Saúde, expressas nos Cadernos da Atenção Básica, suspendendo

imediatamente a distribuição de senhas e determinando o atendimento de

todos os pacientes que procurarem a Unidade durante o horário de

funcionamento, sem prejuízo da demanda agendada, que também deveria ser

padronizada (docs. 08-11).

Em resposta às Recomendações, especificamente sobre o

acolhimento dos pacientes, o Sr. Secretário Municipal de Saúde informou

inicialmente, sobre a Atenção Básica, que “já vem trabalhando esta questão” e “a

partir do ano de 2012 vem intensificando a Política Nacional de Humanização,

inclusive já realizada capacitação com os trabalhadores”. Num segundo momento,

acrescentou que “o Protocolo de Classificação de Risco já foi discutido e validado,

as equipes estão sendo capacitadas para sua utilização e a partir da conclusão da

UPA-Unidade de Pronto Atendimento o mesmo será implantado em todas as

unidades.” Finalizou, dizendo que “está prevista a implantação desta ferramenta

que ordenará o fluxo e melhorará o acesso no ano de 2015” (docs. 12-13).

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Sobre o acolhimento no Centro Municipal de Saúde Dr. Serafim de

Carvalho – Serviço Hospitalar de Urgência e Emergência, disse o Sr. Secretário

Municipal de Saúde que “foi elaborado de forma participativa e com a

supervisão/orientação da Coordenação Estadual, o protocolo de acolhimento e

classificação de risco que será implantado em todas as unidades de saúde, em

consonância com a Política HumanizaSUS”. Num segundo momento, acrescentou

que a previsão de implantação da classificação de risco é com o funcionamento da

UPA, em março de 2015 (docs. 14-16)

Registra-se que em Reunião conjunta, contemplando os

Procedimentos Administrativos que deram suporte às Recomendações, o Sr.

Secretário Municipal de Saúde descartou qualquer possibilidade de comprometer-se

com o Ministério Público através de Termo de Ajustamento de Conduta (doc. 17)

A par disso, considerando o decurso do tempo (mais de um ano desde

a instauração dos Procedimentos Administrativos); considerando que as

providências recomendadas não foram adotadas; considerando a recusa do gestor

em comprometer-se através de Termo de Ajustamento de Conduta; considerando, no

caso específico do protocolo de classificação de risco, que o gestor condiciona sua

implantação à inauguração da UPA – Unidade de Pronto Atendimento, evento futuro

que não impede a adequação dos serviços já existentes (aliás, se o problema, como

vem sendo alegado, é a falta de profissionais, a abertura de mais um serviço

somente agrava tal situação); considerando a necessidade de investigar os fatos, e

produzir provas; os Procedimentos Administrativos foram convertidos em Inquéritos

Civis Públicos, persistindo os números de registro no Sistema Atena, ainda em curso

na Promotoria (docs. 18-19).

Instaurados os Inquéritos Civis, foram inquiridos o Médico DÁRCIO DE

CASTRO GARCIA JÚNICO, Diretor Técnico do Centro Municipal de Saúde Dr.

Serafim de Carvalho (doc. 20); a Enfermeira GISLAINE BORGES DIAS CASTRO,

Coordenadora da Unidade Básica de Saúde James Phillip Minelli (doc. 21); e o

Enfermeiro MAURÍCIO GOMES DA SILVA NETO, Coordenador da Unidade Básica

de Saúde do Conjunto Estrela Dalva (doc. 22).

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Apurou-se que a situação permanece a mesma enfrentada pelo

paciente Leonardo Alves Cabral na Emergência do Centro Médico e detectada

quando da visita ao Serviço. Bem assim na Atenção Básica.

Isso significa que no Serviço Hospitalar de Urgência e Emergência, a

despeito do volume de atendimentos (somente este ano, de janeiro a outubro, já

ultrapassou 97.000 (noventa e sete mil), (doc. 23), o acolhimento da demanda

espontânea se dá pela ordem cronológica de chegada, não pela gravidade do

agravo à saúde, o que contraria as normas que regulamentam o Serviço, desafia a

lógica e o bom senso, ferindo de morte o princípio da equidade: nem sempre quem

chegou mais cedo precisa ser atendido primeiro!

Segue-se imputado aos recepcionistas (servidores da área

administrativa) a tarefa impossível, pela absoluta falta de qualificação técnica, de

conferir prioridade pela avaliação do quadro clínico ou, do grau de sofrimento e risco

apresentado pelo paciente. Não tem como funcionar!

Vamos ao depoimento do Médico Diretor Técnico (Dárcio de Castro

Garcia Júnior):

“... A urgência/emergência funciona de 'porta aberta', demanda espontânea; o

acolhimento do paciente que não foi levado pelo SAMU ou CORPO DE BOMBEIROS

se dá por ordem de chegada, respeitadas algumas prioridades, como idoso, gestante

e outros; forma-se fila de espera, conforme a especialidade, uma para atendimento

de pediatria, outra para o serviço de obstetrícia e, por fim, o atendimento clínico

geral; as recepcionistas, que mantém o primeiro contato com o paciente, são

orientadas a priorizar pacientes com dor no peito, febre alta, crise convulsiva,

sangramento, etc.; reconhece que as recepcionistas não têm qualificação técnica

para tanto, mas a Equipe se esforça para que casos graves recebam atendimento

primeiro. O ideal seria a classificação de risco na recepção, feita por enfermeiro e

técnicos de enfermagem, com triagem dos pacientes da demanda espontânea pela

gravidade do quadro clínico, o que não é feito na Unidade. (…) O depoente acredita

que o acolhimento com classificação de risco deva ser implantado em todas as

unidades de saúde pública, inclusive na Atenção Básica, de modo que se tenha mais

resolutividade nos atendimentos das Unidades Básica de Saúde e, com isso,

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direcione-se ao serviço de emergência somente as urgências e emergências, o que

não acontece hoje, já que os pacientes que não encontram vaga para atendimento

médico na Atenção Básica, acabam recorrendo ao Serviço de Emergência do Centro

Médico, sobrecarregando a Unidade e comprometendo os atendimentos que,

verdadeiramente, são de urgência e emergência”. - Destaques inseridos.

Nestas circunstâncias não é de se estranhar que o Serviço receba

tantas críticas (fato de conhecimento público, porquanto noticiado nos meios de

comunicação), a despeito do empenho de seus profissionais.

A falta de normatização do fluxo de acordo com a gravidade do agravo

e complexidade do atendimento compromete a assistência ao doente, além de

tumultuar o ambiente, aumentando consideravelmente o nível de estresse da Equipe

e dos Usuários.

Quanto à Atenção Básica, apurou-se que cada Unidade Básica de

Saúde (UBS) define seu próprio Acolhimento, com um ponto comum: todos limitam

as consultas médicas a determinado número semanal e/ou diário e, alcançada tal

quota, também definida por ordem de chegada, dispensam, sem atendimento, os

demais pacientes.

Registra-se que para conseguir senha ou, agendar o atendimento, o

usuário tem que madrugar na porta da Unidade Básica de Saúde (há registro de

chegada por volta das 04:30 horas), enfrentado todo tipo de desconforto e risco à

sua segurança.

Vejamos o depoimento da Enfermeira Gislaine Borges Dias Castro,

Coordenadora da UBS da Av. Goiás (James Phillip Minelli):

“O atendimento na Estratégia de Saúde da Família é organizado por Unidade, ao

seu modo, de acordo com as necessidades e possibilidades de cada Equipe. Não há

acolhimento com classificação de risco em nenhuma Unidade. Especificamente na

Av. Goiás, são distribuídas senhas nas sextas-feiras, às 7 horas da manhã, para

atendimento médico durante a semana seguinte, no período da tarde; pela manhã o

atendimento também é agendado, a qualquer dia e horário, dando-se prioridade ao

atendimento preferencial, de idosos e gestantes, de 6 a 7 senhas por médico. A

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demanda espontânea fica restrita a, mais ou menos, 3 pacientes por médico durante

o dia, reservada para os que precisam de atendimento com maior rapidez, por

exemplo crise hipertensiva ou, sem medicamentos, gestantes e outros. A população

já se acostumou a procurar a unidade para agendamento as sextas-feiras. No dia

anterior, quinta-feira, coloca-se um cartaz indicando o número de vagas para

agendamento. Na sexta-feira faz-se fila, por ordem de chegada, as pessoas contam

as vagas com o número da fila, se ultrapassar, vão indo embora. Costumam chegar

por volta de 04:30 horas da madrugada para conseguir agendamento”. Destaques

inseridos.

A prática é nefasta, tanto para o usuário que não foi contemplado,

quanto para o serviço de saúde como um todo. É que o usuário que não consegue

atendimento nas Unidades Básicas de Saúde e sai do Serviço sem agendamento de

atendimento futuro, acaba se socorrendo do Serviço Hospitalar de Urgência e

Emergência, mesmo que seu quadro não reclame atendimento dessa natureza.

Simples: o Serviço de Urgência e Emergência funciona 24 horas, ininterruptamente,

e, mesmo que demore, o atendimento é certo.

Tal conduta, cuja responsabilidade não pode ser imputada ao paciente,

tem abarrotado o Serviço Hospitalar de Urgência e Emergência, comprometendo a

capacidade e a qualidade do atendimento de saúde, especialmente, do atendimento

de urgência e emergência propriamente dito.

Dada a gravidade das irregularidades, que além de lesivas aos direitos

dos usuários do SUS, comprometem a capacidade e a qualidade dos Serviço

Público de Saúde, alternativa não restou ao Ministério Público senão a judicialização

da demanda, o que faz por intermédio desta Ação Civil Pública.

2. DOS FUNDAMENTOS JURÍDICOS

2.1 DA LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO

Sob a égide da Constituição Federal de 1988, coube ao Ministério

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Público, instituição essencial à função jurisdicional do Estado, a defesa da ordem

jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis

(CF, art. 127).

É função institucional do Ministério Público zelar pelo efetivo respeito

dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados

na Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia (CF, art. 129,

II). Também lhe compete a promoção da ação civil pública para proteção do

patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e

coletivos (CF, art. 129, III).

Regramento semelhante se encontra na Lei Orgânica Nacional do

Ministério Público (Lei 8.625/90 – arts. 27, I; 25, IV, “a”), bem como na Lei

Complementar Estadual nº 25/98 (art. 46, IV e VI, “a”).

Sendo a Ação Civil Pública a ferramenta processual adequada à

defesa dos interesses difusos e coletivos, cumpre invocar os ditames da Lei

7.347/85 que, além de tutelar a pretensão de cumprimento das obrigações de fazer,

arremata a legitimidade ministerial. Vejamos.

“Art. 1º Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, asações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados: (...)IV - a qualquer outro interesse difuso ou coletivo.”

“Art. 3º A ação civil poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou ocumprimento de obrigação de fazer ou não fazer.”“Art. 5o Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar: I - o Ministério Público;” - destaques inseridos.

Nesse sentido, patente que a omissão do Município viola direito difuso

da comunidade jataiense e outros usuários SUS, surge a necessidade imperiosa de

atuação do Ministério Público para salvaguarda desse direito à luz da Constituição

Federal.

No mesmo caminho, tem se posicionado a jurisprudência do STJ:

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MINISTÉRIOPÚBLICO.LEGITIMIDADE. INTE-RESSES TRANSINDIVIDUAIS. EPIDEMIA DE DENGUE. DANO COLETIVO E ABSTRATO.RESPONSABILIDADE CIVIL POR OMISSÃO. SERVIÇO DEFICIENTE NÃO-CONFIGURADO.

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INDENIZAÇÃO INDEVIDA. 1. O art. 127 da Constituição Federal estabelece a compe-tência do Ministério Público para promover a defesa dos interesses sociais e indivi -duais indisponíveis por meio da ação civil pública, na forma do art. 129 da CartaMagna e do art. 1º, IV, da Lei n. 7.347/85, abarcando quaisquer direitos transindivi-duais, sejam eles difusos ou coletivos, ou mesmo individuais homogêneos, não ha-vendo "taxatividade de objeto para a defesa judicial" de tais interesses . 2. A res-ponsabilidade civil por omissão, quando a causa de pedir da ação de reparação dedanos assenta-se no faute du service publique, é subjetiva, uma vez que a ilicitudeno comportamento omissivo é aferido sob a hipótese de o Estado deixar de agir naforma da lei e como ela determina. 3. A responsabilidade civil do Estado, em se tra-tando de implementação de programas de prevenção e combate à dengue, é verifi -cada nas seguintes situações distintas: a) quando não são implementados tais pro-gramas; b) quando, apesar de existirem programas de eficácia comprovada, mesmoque levados a efeito em países estrangeiros, o Estado, em momento de alastramentode focos epidêmicos, decida pela implementação experimental de outros; c) quandoverificada a negligência ou imperícia na condução de aludidos programas. 4. Incabí-vel a reparação de danos ocasionada pela faute du service publique quando não sejapossível registrar o número de vítimas contaminadas em decorrência de atraso naimplementação de programa de combate à dengue, não tendo sido sequer compro-vado o efetivo atraso ou se ele teria provocado o alastramento do foco epidêmico. 5.Incabível a reparação de danos ocasionada abstratamente à coletividade, sem queseja possível mensurar as pessoas atingidas em razão de eventual negligência estatal,mormente em havendo fortes suspeitas de que a ação estatal, se ocorrida atempa-damente, não teria contribuído para evitar o dano nas proporções em que se verifi-cou. 6. Recurso especial do Município Currais Novos não-conhecido. 7. Recursos es-peciais da União e da Funasa providos em parte. (STJ- 2.ª T., RESp 703471/RN, Rel.Min. João Otávio de Noronha, j. 25.10.05, p. 21.11.05)

EMENTA. Agravo regimental no agravo de instrumento. Constitucional. Legitimidadedo Ministério Público. Ação civil pública. Implementação de políticas públicas.Possibilidade. Violação do princípio da separação dos poderes. Não ocorrência.Precedentes. 1. Esta Corte já firmou a orientação de que o Ministério Públicodetém legitimidade para requerer, em Juízo, a implementação de políticas públicaspor parte do Poder Executivo, de molde a assegurar a concretização de direitosdifusos, coletivos e individuais homogêneos garantidos pela Constituição Federal,como é o caso do acesso à saúde. 2. O Poder Judiciário, em situações excepcionais,pode determinar que a Administração Pública adote medidas assecuratórias dedireitos constitucionalmente reconhecidos como essenciais, sem que isso configureviolação do princípio da separação de poderes. 3. Agravo regimental não provido. (AI809018 AgR, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 25/09/2012,PROCESSO ELETRÔNICO DJe-199 DIVULG 09-10-2012 PUBLIC 10-10-2012)

Inequívoca se afigura, pois, a legitimidade do Ministério Público para

figurar no polo ativo desta Ação.

2.2 DA ATENÇÃO BÁSICA

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Segundo as diretrizes traçadas pelo Ministério da Saúde, expostas na

Portaria GM/MS nº 2.488, de 21 de outubro de 2011 (doc. em anexo) , que aprova a

Política Nacional de Atenção Básica, “a Atenção Básica caracteriza-se por um conjunto de

ações de saúde, no âmbito individual e coletivo, que abrange a promoção e a proteção da

saúde, a prevenção de agravos, o diagnóstico, o tratamento, a reabilitação, redução de danos

e a manutenção da saúde com o objetivo de desenvolver uma atenção integral que impacte

na situação de saúde e autonomia das pessoas e nos determinantes e condicionantes de

saúde das coletividades. É desenvolvida por meio do exercício de práticas de cuidado e

gestão, democráticas e participativas, sob forma de trabalho em equipe, dirigidas a

populações de territórios definidos, pelas quais assume a responsabilidade sanitária,

considerando a dinamicidade existente no território em que vivem essas populações. Utiliza

tecnologias de cuidado complexas e variadas que devem auxiliar no manejo das demandas e

necessidades de saúde de maior frequência e relevância em seu território, observando

critérios de risco, vulnerabilidade, resiliência e o imperativo ético de que toda demanda,

necessidade de saúde ou sofrimento devem ser acolhidos.

É desenvolvida com o mais alto grau de descentralização e capilaridade,

próxima da vida das pessoas. Deve ser o contato preferencial dos usuários, a principal porta

de entrada e centro de comunicação da Rede de Atenção à Saúde. Orienta-se pelos

princípios da universalidade, da acessibilidade, do vínculo, da continuidade do cuidado, da

integralidade da atenção, da responsabilização, da humanização, da equidade e da

participação social. A Atenção Básica considera o sujeito em sua singularidade e inserção

sociocultural, buscando produzir a atenção integral”.

A Atenção Básica ou Primária é, pois, a principal porta de entrada do

SUS, onde o paciente recebe os primeiros cuidados em saúde, o mais próximo

possível de sua residência. Espera-se que a Atenção Básica seja integral e

resolutiva, evitando que doenças não tratadas ou, tratadas inadequadamente, se

agudizem e culminem no Serviço de Urgência e Emergência.

Isso significa que quando a Atenção Básica falha, compromete a

capacidade, a qualidade e a resolutividade dos demais níveis de assistência à

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saúde.

É o que vem acontecendo em Jataí. A Atenção Básica apresenta

várias irregularidades, que vão desde a cobertura muito aquém do ideal (quase

metade da população não é assistida pela Atenção Básica, nos moldes traçados

pelo Ministério da Saúde), até a falta de assentos para acomodar os usuários em

algumas Unidades Básicas de Saúde.

Em especial, para a presente demanda, destacam-se as falhas no

Acolhimento, pela falta da Escuta Qualificada e da Classificação de Risco, bem

como da padronização desse Acolhimento em todas as Unidades Básicas de Saúde,

de modo que o usuário não fique à mercê das vicissitudes e variantes de Serviço,

madrugando em filas e, muita das vezes, dispensado sem atendimento.

2.3 DO SERVIÇO HOSPITALAR DE URGÊNCIA E EMERGÊNCIA

O Serviço Hospitalar de Urgência e Emergência integra a Rede de

Atenção às Urgências, disciplinada pelas Portaria GM/MS nº 1.600, de 7 de julho de

2011 e 2.395, de 11 de outubro de 2011 (doc. em anexo)

No caso de Jataí, trata-se de Serviço Aberto, nominado como Porta de

Entrada, que acolhe e presta o primeiro atendimento a toda e qualquer urgência e

emergência, referenciando os casos mais graves para outros níveis mais complexos

de assistência, a exemplo dos hospitais HURSO – Hospital de Urgência da Região

Sudoeste, localizado em Santa Helena; HUGO – Hospital de Urgências de Goiânia,

HC – Hospital das Clínicas, localizado em Goiânia; CRER – Centro de Reabilitação

e Readaptação Dr. Henrique Santillo, também localizado em Goiânia, para onde são

encaminhados, através do Serviço de Regulação os pacientes que precisam de

atendimento de alta e média complexidade, não disponível no Centro Municipal de

Saúde Dr. Serafim de Carvalho.

A estruturação dessa Rede é feita mediante articulação e integração

de todos os equipamentos de saúde, entre os diferentes pontos de atenção,

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objetivando ampliar e qualificar o acesso humanizado e integral aos usuários em

situação de urgência e emergência nos serviços de saúde, de forma ágil e oportuna

(Portaria GM/MS nº 1.600, art. 3º , §1º).

Assim, o acolhimento com classificação do risco, a qualidade e a

resolutividade na atenção constituem a base do processo e dos fluxos

assistenciais de toda Rede de Atenção às Urgências e devem ser requisitos de

todos os pontos de atenção (Portaria GM/MS nº 1.600, art. 3º , §1º art. 3º, §3º),

inclusive na Atenção Básica, cujo objetivo, segundo o Ministério da Saúde, é a

“ampliação do acesso, fortalecimento do vínculo e responsabilização e o primeiro cuidado às

urgências e emergências, em ambiente adequado, até a transferência/encaminhamento a

outros pontos de atenção, quando necessário, com a implantação de acolhimento com

avaliação de riscos e vulnerabilidades” (Idem, art. 6º) – destaques inseridos.

São componentes da Rede de Atenção às Urgências, além da Atenção

Básica e dos Serviços Hospitalares (Portas Hospitalares de Urgência e Emergência,

Enfermarias de Retaguarda, Leitos de Cuidados Intensivos – UTI, Serviços de

Diagnósticos por Imagem e Laboratório, etc.), a Promoção, Prevenção e Vigilância

em Saúde, o Serviço Móvel de Urgência (SAMU – 192), Sala de Estabilização, Força

Nacional de Saúde do SUS, Unidades de Pronto Atendimento (UPA 24h) e, por fim, a

Atenção Domiciliar.

Constituem diretrizes da Rede de Atenção às Urgências, dentre outras,

a “ampliação do acesso e acolhimento aos casos agudos demandados aos

serviços de saúde em todos os pontos de atenção, contemplando a classificação

de risco e intervenção adequada e necessária aos diferentes agravos”, bem

como “a garantia da universalidade, equidade e integralidade no atendimento às

urgências clínicas, cirúrgicas, gineco-obstétricas, psiquiátricas, pediátricas e às

relacionadas a causas externas (traumatismos, violências e acidentes)”, sem

descuidar da “humanização da atenção garantindo efetivação de um modelo

centrado no usuário e baseado nas suas necessidades de saúde” (Portaria

GM/MS nº 1.600, art. 2º, I, II e IV).

Segundo dita a Portaria GM/MS nº 2.395/2011 (doc. em anexo), “são

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Portas de Entrada Hospitalares de Urgência os serviços instalados em uma unidade

hospitalar para prestar atendimento ininterrupto ao conjunto de demandas espontâneas e

referenciadas de urgências clínicas, pediátricas, cirúrgicas e/ou traumatológicas.

Atendimento ininterrupto é aquele que funciona nas 24 (vinte e quatro) horas do dia e em

todos os dias da semana”. Este é o caso do Serviço de Urgência e Emergência do

Centro Municipal de Saúde Dr. Serafim de Carvalho, aprovado pela CIR (Comissão

Intergestores Regional), para efeito de habilitação no Plano de Ação Regional das

Redes de Atenção às Urgências, como Hospital Referência Regional para a Região

de Saúde Sudoeste II, que engloba outros Municípios como Aporé, Caiapônia,

Chapadão do Céu, Doverlândia, Mineiros, Perolândia, Portelândia, Santa Rita do

Araguaia e Serranópolis, através de demanda espontânea e referenciada (doc. em

anexo).

O Centro Municipal de Saúde Dr. Serafim de Carvalho é classificado,

pois, como Hospital Geral Tipo II, que dispõe do Serviço Hospitalar de Urgência e

Emergência – Porta de Entrada, vinculando-se à disciplina da Portaria GM/MS nº

479, de 15 de abril de 1999 (doc. em anexo).

2.4 DA NECESSIDE DO ACOLHIMENTO COM CLASSIFICAÇÃO DE

RISCO EM TODOS OS SERVIÇOS DE SAÚDE COM DEMANDA ESPONTÂNEA

Acolhimento é o modo como se estabelece o primeiro contato do

usuário com o serviço de atenção à saúde. Trata-se de uma ação técnica

assistencial, um modo de operar os processos de trabalho em saúde, possibilitando

o atendimento a todos que procuram determinada unidade de saúde.

Implica prestar atendimento com responsabilização e resolutividade,

ofertando respostas às necessidades de saúde apresentadas pelo usuário.

O atendimento à demanda espontânea e, em especial, às urgências e

emergências envolve, pois, ações que devem ser realizadas em todos os pontos de

atenção à saúde, entre eles, os serviços de atenção básica. Essas ações incluem

14

aspectos organizativos da equipe e seu processo de trabalho como, também,

aspectos resolutivos de cuidado e de condutas.

Assim preconiza o Ministério da Saúde, na Série B. Textos Básicos de

Saúde - Acolhimento nas Práticas de Produção de Saúde – 2ª edição, Ministério da

Saúde, Brasília DF, 2010 (fl. 21)1, normatização que vincula os Gestores do SUS nos

níveis Estadual e Municipal.

Infelizmente, contudo, a noção de Acolhimento nos serviços públicos

de saúde tem sido equivocadamente identificada somente na sua dimensão

espacial, confundindo-se com o ambiente da Recepção, operacionalizada a partir

das filas de espera por ordem de chegada, sem avaliação do potencial de risco,

agravo e vulnerabilidade, numa visão médico centrada, de agenda restritiva, ao

modo privado.

O que resulta de tal modelo é sofrimento e precarização da vida.

No tocante à Atenção Básica, o Ministério da Saúde fez inserir em

suas publicações, especialmente no Caderno da Atenção Básica nº 282 –

Acolhimento à demanda espontânea, vol I – Ministério da Saúde, Brasília DF, 2013

(fl. 32), que a fila e a cota de consultas do dia (senhas limitadas), além de submeterem as

pessoas à espera em situação desconfortável e sem garantia de acesso, são muitas vezes o

contrário do princípio de equidade, na medida em que o critério mais comum de acesso,

nesses casos, é a ordem de chegada.

A equidade como critério de acesso, baseia-se na premissa de que é preciso

tratar diferentemente os desiguais (diferenciação positiva) ou cada um de acordo com a sua

necessidade, corrigindo/evitando diferenciações injustas e negativas.

Aplica-se a equidade no acolhimento quando se avalia/classifica o risco, as

situações de maior urgência, possibilitando a priorização e a intervenção adequada nos casos

mais graves. A classificação de risco vai orientar não só o tipo de intervenção necessária

como, também, o tempo em que tal intervenção deve ocorrer.

1 Acessível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/acolhimento_praticas_producao_saude.pdf.2 Acessível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/acolhimento_demanda_espontanea_cab28v1.pdf

15

Acrescentou, ainda, o Ministério que “É importante garantir espaços

reservados para escuta e identificação de riscos com atendimento individual, por enfermeiro

ou, médico. Tanto porque o limiar de dor e o modo de manifestação de sofrimento variam

entre pessoas (nem sempre o risco é facilmente reconhecível), quanto porque há situações

em que a exposição pública do sofrimento (ou do motivo da procura) intimida ou desrespeita

os usuários”.

Nesse sentido, a Portaria GM/MS nº 2.395, de 11 DE outubro DE 2011,

que organiza o Componente Hospitalar da Rede de Atenção às Urgências no âmbito

do Sistema Único de Saúde (SUS), dita:

Art. 4º Constituem diretrizes do Componente Hospitalar da Rede de Atenção àsUrgências:

I - universalidade, equidade e integralidade no atendimento às urgências;

II - humanização da atenção, garantindo efetivação de um modelo centrado nousuário e baseado nas suas necessidades de saúde;

III - atendimento priorizado, mediante acolhimento com Classificação de Risco,segundo grau de sofrimento, urgência e gravidade do caso;IV - regionalização do atendimento às urgências, com articulação dos diversos pontos de atenção e acesso regulado aos serviços de saúde; eV - atenção multiprofissional, instituída por meio de práticas clínicas cuidadoras e baseada na gestão de linhas de cuidado. (doc. em anexo).

Na mesma esteira, a Portaria GM/MS nº 1.600, de 7 de julho de 2011(doc. em anexo), que Reformula a Política Nacional de Atenção às Urgências einstitui a Rede de Atenção às Urgências no Sistema Único de Saúde (SUS):

Art. 2° Constituem-se diretrizes da Rede de Atenção às Urgências:I - ampliação do acesso e acolhimento aos casos agudos demandados aos serviçosde saúde em todos os pontos de atenção, contemplando a classificação de risco eintervenção adequada e necessária aos diferentes agravos;

Art. 3º Fica organizada, no âmbito do SUS, a Rede de Atenção às Urgências.§ 1 º A organização da Rede de Atenção às Urgências tem a finalidade de articulare integrar todos os equipamentos de saúde, objetivando ampliar e qualificar oacesso humanizado e integral aos usuários em situação de urgência e emergêncianos serviços de saúde, de forma ágil e oportuna.§ 2º A Rede de Atenção às Urgências deve ser implementada, gradativamente, emtodo território nacional, respeitando-se critérios epidemiológicos e de densidadepopulacional.§ 3º O acolhimento com classificação do risco, a qualidade e a resolutividade naatenção constituem a base do processo e dos fluxos assistenciais de toda Redede Atenção às Urgências e devem ser requisitos de todos os pontos de atenção.

16

O Conselho Federal de Medicina também expediu Resoluçõesdisciplinando o acolhimento nos Serviços Hospitalares e Pré Hospitalares deUrgência e Emergência, que vão ao encontro das Portarias editas pelo Ministério daSaúde.

A Resolução CFM nº 2.077/14 (doc. em anexo), que “Dispõe sobre anormatização do funcionamento dos Serviços Hospitalares de Urgência e Emergência, bemcomo do dimensionamento da equipe médica e do sistema de trabalho”, Resolve:

Art. 1° Esta resolução se aplica aos Serviços Hospitalares de Urgência eEmergência, públicos e privados, civis e militares, em todos os campos deespecialidade.Parágrafo único. Entende-se por Serviços Hospitalares de Urgência e Emergênciaos denominados prontos-socorros hospitalares, pronto-atendimentos hospitalares,emergências hospitalares, emergências de especialidades ou quaisquer outrasdenominações, excetuando-se os Serviços de Atenção às Urgências nãoHospitalares, como as UPAs e congêneres.Art. 2º Tornar obrigatória a implantação do Acolhimento com Classificação deRisco para atendimento dos pacientes nos Serviços Hospitalares de Urgência eEmergência.Parágrafo único. O tempo de acesso do paciente à Classificação de Risco deve serimediato, sendo necessário dimensionar o número de classificadores para atingireste objetivo.

Em seu Anexo I, a Resolução CFM nº 2.077/14, detalha aClassificação de Risco, fixando:

(...)“2. Acolhimento com Classificação de RiscoÉ obrigatória a implantação nos ambientes dos Serviços Hospitalares de Urgênciae Emergência de um sistema de classificação de pacientes de acordo com agravidade do agravo à saúde que apresentam, e que deve ser realizado porprofissionais médicos ou enfermeiros capacitados. O paciente classificado porenfermeiro não pode ser liberado ou encaminhado a outro local sem serconsultado por médico.A classificação deve ser feita obrigatoriamente em local que assegure a privacidadee o sigilo do paciente, podendo este ter duas ou mais salas de classificação para osmomentos de maior fluxo de atendimento, resguardadas as condições deprivacidade. Ao chegar ao Serviço Hospitalar de Urgência e Emergência, o acessodos pacientes ao Setor de Classificação de Risco deve ser imediato. Assim, o tempode espera para ser classificado deverá tender a zero, com os tempos de esperadiferenciais para acesso ao médico emergencista não ultrapassando, na categoriade menor urgência, 120 minutos.O médico poderá, no contato com o paciente, rever a classificação para fins deprioridade maior ou menor nas etapas subsequentes de atendimento. Aclassificação das necessidades urgentes do paciente define seu fluxo em todo oprocesso de atenção hospitalar e todos os setores devem estar cientes dessadefinição. O bom uso da classificação afeta o fluxo e a qualidade assistencial dospacientes do Serviço Hospitalar de Urgência e Emergência no conjunto dainstituição hospitalar.

17

Para serviços com menos de 50.000 consultas/ano pode-se discutir a necessidadeda classificação sempre que não tenham um histórico de espera inadequada,embora não se possa prescindir da recepção e acolhimento informados paraidentificar necessidades que devam ser imediatamente respondidas.Há diversas escalas de classificação que podem ser adotadas e que possuemespecificidades importantes, devendo-se observar a distinção entre as escalasutilizadas para adultos e crianças, em saúde mental e em obstetrícia, para maiorsensibilidade e especificidade. Quando a classificação for realizada porenfermeiros, o protocolo adotado obrigatoriamente deverá ser baseado emsintomas, não podendo envolver diagnóstico médico.” - destaques inseridos.

Norma semelhante se extrai da Resolução CFM nº 2.079/14 (doc. emanexo), que “Dispõe sobre a normatização do funcionamento das Unidades de ProntoAtendimento (UPAs) 24h e congêneres, bem como do dimensionamento da equipe médica edo sistema de trabalho nessas unidades”.

Art. 1° Esta resolução se aplica às UPAs 24h e a todas as unidades 24h nãohospitalares congêneres de atendimento às urgências e emergências, doravantedenominadas UPAs.Art. 2º Define-se como UPA o estabelecimento de saúde de complexidadeintermediária entre as unidades básicas de saúde/Saúde da Família e a redehospitalar, devendo com essas compor uma rede organizada de atenção àsurgências.Art. 3º Tornar obrigatória a implantação do Acolhimento com Classificação de Risco para atendimento dos pacientes nas UPAs.Parágrafo único. O tempo de acesso do paciente à Classificação de Risco deve ser imediato, sendo necessário dimensionar o número de classificadores para atingir

Quando tratou dos Serviços de Urgência e Emergência (Humaniza

SUS - Acolhimento e Classificação de Risco nos Serviços de Urgência – Série B.

Textos Básicos de Saúde, Ministério da Saúde, Brasília – DF, 2009)3 o Ministério

pontuou que “A classificação de risco vem sendo utilizada em diversos países, inclusive no

Brasil. Para essa classificação foram desenvolvidos diversos protocolos, que objetivam, em

primeiro lugar, não demorar em prestar atendimento àqueles que necessitam de uma

conduta imediata. Por isso, todos eles são baseados na avaliação primária do paciente, já

bem desenvolvida para o atendimento às situações de catástrofes e adaptada para os

serviços de urgência. Uma vez que não se trata de fazer um diagnóstico prévio nem de

excluir pessoas sem que tenham sido atendidas pelo médico, a classificação de risco é

3 Acessível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/acolhimento_classificaao_risco_servico_urgencia.pdf.

18

realizada por profissional de enfermagem de nível superior, que se baseia em consensos

estabelecidos conjuntamente com a equipe médica para avaliar a gravidade ou o potencial

de agravamento do caso, assim como o grau de sofrimento do paciente. Os protocolos de

classificação são instrumentos que sistematizam a avaliação – que, em muitos casos, é feita

informalmente pela enfermagem – e devem ter sempre respaldo médico” (fl. 40).

Considerou, também, o Ministério que “o Acolhimento com Classificação

de Risco é um dispositivo de melhoria da qualidade dos serviços de urgência que permite e

instiga diversas mudanças nas práticas e que é um importante instrumento na construção de

redes de atenção” (fl. 45)

Disso se extrai, além da obrigatoriedade, que a classificação de risco

pode ser operacionalizada seguindo vários modelos de protocolos. Um dos mais

conhecidos e adotado em vários países, inclusive no Brasil, é o Protocolo de

Manchester.

Pelo que se observa do documento apresentado pelo Gestor do SUS –

Proposta de Protocolo de Acolhimento com Classificação de Risco, o Protocolo de

Manchester serviu de orientação para definição do protocolo local, ainda pendente

de efetiva aplicação (doc. 15).

O Manchester classifica os pacientes por cores, após triagem

baseada nos sintomas, que representam o grau de gravidade e o tempo de espera

recomendado para atendimento. Aos pacientes com patologias mais graves é

atribuída a cor vermelha, para atendimento imediato; os casos urgentes recebem a

cor laranja, com recomendação de atendimento em dez minutos; aos casos

urgentes, porém de menor gravidade, é atribuída a cor amarela, com tempo de

espera recomendado de sessenta minutos; os demais casos, considerados pouco

ou não urgentes, recebem a cor verde ou azul, podendo ser atendidos no espaço de

duas e quatro horas.

Nada impede que seja adotado outro método/protocolo, desde que

atenda às condições e parâmetros estabelecidos pelo Ministério da Saúde e pelo

19

Conselho Federal de Medicina, com atenção especial para a resolutividade, que,

neste caso, objetiva não demorar em prestar atendimento àqueles que necessitam

de uma conduta imediata, sem descuidar da integralidade, com acesso a todos os

níveis de assistência.

Considera o Ministério da Saúde que “uma vez que não se trata de fazer

um diagnóstico prévio nem de excluir pessoas sem que tenham sido atendidas pelo médico,

a classificação de risco é realizada por profissional de enfermagem de nível superior, que se

baseia em consensos estabelecidos conjuntamente com a equipe médica para avaliar a

gravidade ou o potencial de agravamento do caso, assim como o grau de sofrimento do

paciente. Os protocolos de classificação são instrumentos que sistematizam a avaliação –

que, em muitos casos, é feita informalmente pela enfermagem – e devem ter sempre

respaldo médico. (Série B. Textos Básicos de Saúde - Humaniza SUS – Acolhimento e

Classificação de Risco nos Serviços de Urgência, fl. 40).

Mais, segundo o Ministério, “O protocolo de classificação de risco é uma

ferramenta de inclusão, ou seja, não tem como objetivo reencaminhar ninguém sem

atendimento, mas sim organizar e garantir o atendimento de todos”. Sobre o Protocolo,

enfatiza o Ministério:

• A classificação de risco é atividade realizada por profissional de enfermagem denível superior, preferencialmente com experiência em serviço de urgência, e apóscapacitação específica para a atividade proposta;• O protocolo deve ser apropriado por toda a equipe que atua na urgência:enfermeiros, técnicos de enfermagem, médicos, psicólogos, assistentes sociais,funcionários administrativos;• O protocolo deve explicitar com clareza qual o encaminhamento a ser dado umavez que o risco é classificado;• Recomenda-se que o protocolo tenha no mínimo quatro níveis de classificação derisco;• Recomenda-se o uso preferencial de cores, e não de números, para a classificaçãode risco (exemplo no caso de quatro níveis de classificação, do mais grave aomenos grave: vermelho, amarelo, verde, azul);• Recomenda-se identificar a classificação na ficha de atendimento, e nãodiretamente no usuário (pulseira, por exemplo), uma vez que a classificação não épermanente e pode mudar em função de alterações do estado clínicoe de reavaliações sistemáticas;• É muito importante que a organização do atendimento na urgência por meio doacolhimento com classificação de risco seja divulgada com clareza para os usuários.(Idem, fl. 44, 45)

20

Sobre a competência do Município para definir seu Protocolo deAcolhimento, Escuta Qualificada e Classificação de Risco, desde que não contrarieos normativos baixados pelo Ministério da Saúde, Conselho Federal de Medicina eoutros Conselhos Profissionais, como de Enfermagem, vale invocar a Lei nº8.080/1990, que dispõe sobre as condições para promoção, proteção e recuperaçãoda saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dáoutras providências. Em seu art. 18 preconiza:

À direção municipal do Sistema de Saúde (SUS) compete:(…)XII – normatizar complementarmente as ações e serviços públicos de saúde no seuâmbito de atuação.

Seu Decreto Regulamentador (Decreto nº 7.508/2011), acrescenta:

Art. 11. O acesso universal e igualitário às ações e aos serviços de saúde seráordenado pela atenção primária e deve ser fundado na avaliação da gravidade dorisco individual e coletivo e no critério cronológico, observadas as especificidadesprevistas para pessoas com proteção especial, conforme legislação vigente.

Imperioso concluir, pois, que o acolhimento humanizado, com escuta

qualificada e classificação de risco é direito inconteste do usuário SUS. O dever de

prestá-lo, na esfera local, sendo o SUS um sistema hierarquizado e regionalizado, é

imputado ao Município de Jataí que, na Gestão Plena do Sistema na sua esfera de

competência, não pode se furtar ao regramento federal (Constituição, Leis,

Decretos, Portarias, Manuais, Cadernos e Cartilhas do Ministério da Saúde,

Resoluções do Conselho Federal de Medicina e outros).

2.3 DA ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA

No atual estágio do Direito Processual Civil, marcado pelo paradigma

da busca de conciliação entre a efetividade, celeridade e a segurança jurídica, ligado

à concepção de ação como direito à tutela jurisdicional efetiva, um instituto de

inegável importância é a tutela antecipada, conforme prescrita no art. 273 do CPC,

aplicável à espécie.

“Art. 19. Aplica-se à ação civil pública, prevista nesta Lei, o Código de Processo Civil,

21

aprovado pela Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973, naquilo em que não contrariesuas disposições”. (Lei 7.347/85)

A própria Lei da Ação Civil Pública prevê a possibilidade da tutela de

urgência, em seu art. 12, verbis:

“Art. 12. Poderá o juiz conceder mandado liminar, com ou sem justificação prévia, emdecisão sujeita a agravo”.

De fato, a antecipação da tutela vem ao encontro desse novo olhar

processualista e é aplaudida por doutrinadores do calibre de Luiz Guilherme

Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart:

“Em última análise é correto dizer que a técnica antecipatória visa apenas a distribuiro ônus do tempo no processo. É preciso que os operadores do direito compreendama importância do novo instituto e o usem de forma adequada. Não há motivos paratimidez em seu uso, pois o remédio surgiu para eliminar um mal que já estáinstalado, uma vez que o tempo do processo sempre prejudicou o autor que temrazão. É necessário que o juiz compreenda que não pode haver efetividade semriscos. A tutela antecipatória permite perceber que não é só a ação (o agir, aantecipação) que pode causar prejuízo, mas também a omissão. O juiz que se omiteé tão nocivo quanto o juiz que julga mal. Prudência e equilíbrio não se confundemcom medo, e a lentidão da justiça exige que o juiz deixe de lado o comodismo doantigo procedimento ordinário (...) para assumir as responsabilidades de um novojuiz, de um juiz que trata dos 'novos direitos'” (…). (ARENHART, Sérgio Cruz &MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de processo civil. V. 2, ps. 199-200). Destaquesinseridos.

No caso em apreço, encontram-se presentes todos os pressupostos

que autorizam a concessão da antecipação dos efeitos da tutela, de acordo com o

artigo 273, do CPC.

“Art. 273 - O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente,os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo provainequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e:

I - haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou

II - fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósitoprotelatório do réu”.

O periculum in mora reside nos prejuízos que a omissão/recusa do

22

Município em cumprir a lei e as normas oriundas das esferas de Gestão do SUS

hierarquicamente superiores, faltando ao dever de implantar efetivamente o

acolhimento humanizado, com escuta qualificada e classificação de risco, vem

causando à coletividade de usuários SUS, privados de regras que garantam

prioridade de atendimento para quem, pela gravidade do quadro clínico e/ou pelo

grau de sofrimento, não possa aguardar na fila de espera, formada por ordem de

chegada. Privados, também, de atendimento resolutivo para seus problemas de

saúde.

O fumus boni iuris debruça-se sobre o confronto entre o direito

fundamental ao atendimento humanizado e a obrigação legal do Município de Jataí

de implantar o correspondente Protocolo em suas unidades de saúde. Destaca-se,

neste ponto, que o Município demandado, por sua Secretaria Municipal de Saúde,

durante a fase administrativa, no procedimento próprio, nunca questionou a

obrigação cujo cumprimento lhe foi recomendado. Ao contrário, afirmou que vinha

adotando medidas para cumprimento do dever legal.

Ocorre que tais “medidas” não se concretizaram, ficaram adstritas ao

campo das “boas intensões”, condicionadas a evento futuro (inauguração da UPA)

que não funciona como condição impeditiva. Ao contrário, estimula a que se

implante o Protocolo nos serviços existentes, mesmo para testar, adaptar e

aperfeiçoar seu funcionamento.

Urge, assim, que o Poder Judiciário assegure a todos o imediato

atendimento ao comando legal pelo Município de Jataí, determinando ao seu

representante legal o cumprimento da obrigação de fazer que lhe compete.

Quanto à possibilidade de se antecipar a tutela em face do Poder

Público, cumpre salientar que a regra é pela possibilidade, a despeito do disposto

nas Leis 8.437/92 e 9.494/97, de duvidosa constitucionalidade, que veda a

concessão em determinadas circunstâncias. Não se aplica ao caso in concreto.

Para o doutrinador Carreira Alvin 4 “nem mesmo as disposições da Lei

9.494/97, que limita a outorga de tutela antecipada contra a Fazenda Nacional, têm

4 CARREIRA ALVIM, José Eduardo. Tutela antecipada. 5. ed. (ano 2006), 3ª tir. Curitiba: Juruá, 2008. p.203.

23

constituído obstáculo a que o Superior Tribunal de Justiça caminhe pari passu com a

doutrina, como se vê do seguinte acórdão”:

Processual civil. Concessão de tutela antecipada contra autarquia federal. Reajuste de

28,86%. MP 1.570/97, convertida na Lei 9.494/97. Inaplicabilidade. 1. A MP

1.570/97, convertida na Lei 9.494/97, por ser uma norma de exceção quanto à

concessão de tutela antecipada contra a Fazenda Nacional, deve ser interpretada de

forma restritiva. 2. Conforme a interpretação dada pelo STF, bem como pelos

precedentes desta Corte, o reajuste de 28,86%, relativo às Leis 8.622/93 e 8.627/93,

refere-se a revisão geral da remuneração dos servidores públicos. Pelo que, não se

enquadrando a hipótese dos autos dentre aquelas estipuladas pela Lei 9.494/97, há

que se reconhecer a sua inaplicabilidade. 3. Recurso improvido. (AgRg na Medida

Cautelar 1.030-PE, Rel. Min. Edson Vidigal, STJ, 5ª T., un., CJ 15.12.1997)

Também coadunam do mesmo entendimento quanto a

inconstitucionalidade de tais restrições legais os doutrinadores Luiz Guilherme

Marinoni e Daniel Mitidiero5:

Tutela Antecipatória contra a Fazenda Pública. Existem restrições, no plano

infraconstitucional, à concessão da tutela antecipatória contra a Fazenda Pública [...].

Essas restrições, contudo, não tem o condão de excluir o cabimento de antecipação

de tutela contra a Fazenda Pública. São inconstitucionais. Frise-se que o direito de

ação, compreendido como o direito à técnica processual adequada, não depende do

reconhecimento do direito material. O direito de ação exige técnica antecipatória

para a viabilidade do reconhecimento da verossimilhança do direito e do fundado

receio de dano, sentença idônea para a hipótese de sentença de procedência e meio

executivo adequado a ambas as hipóteses. Se o direito não for reconhecido como

suficiente para a concessão da antecipação da tutela ou da tutela final, não há sequer

como pensar em tais técnicas processuais. A norma do art. 5º, XXXV, CRFB, ao

contrário das normas constitucionais anteriores que garantiam o direito de ação,

afirmou que a lei, além de não poder excluir lesão, será proibida de excluir “ameaça

5 MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Código de Processo Civil Comentado Artigo por Artigo, São Paulo:Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 276-278.

24

de lesão” da apreciação jurisdicional. O objetivo do art. 5º, XXXV, CRFB, neste

particular, foi deixar expresso que o direito de ação deve poder propiciar a tutela

inibitória e ter a sua disposição técnicas processuais capazes de permitir a

antecipação da tutela. […] Uma lei que proíbe a aferição dos pressupostos necessários

à concessão de liminar obviamente nega ao juiz a possibilidade de utilizar

instrumentos imprescindíveis ao adequado exercício do seu poder. E, ao mesmo

tempo, viola o direito fundamental à viabilidade da obtenção da efetiva tutela do

direito material.

No caminho da Constitucionalização do Direito, determinadas

situações concretas impõem ao julgador o afastamento da norma inferior pelo

critério da proporcionalidade. É o caso.

Inclusive, é possível ordenar ao administrador que faça ou, deixe de

fazer determinado ato, sob pena de incorrer em multa, que deverá ser imposta à sua

pessoa e não à pessoa jurídica que representa. Neste sentido:

“Não há lógica na multa recair sobre o patrimônio da pessoa jurídica, se a vontade

responsável pelo não cumprimento da decisão é exteriorizada por determinado

agente público. Se a pessoa jurídica exterioriza a sua vontade por meio da autoridade

pública, é evidente que a multa somente pode lograr o seu objetivo se for imposta

diretamente ao agente capaz de dar atendimento à decisão jurisdicional. Caso a

multa incidir sobre a pessoa jurídica de direito público, apenas o seu patrimônio

poderá responder pelo não cumprimento da decisão. Nessa perspectiva, a multa

apenas vai acarretar despesas aos cofres públicos, acabando por ser paga pelos

cidadãos”.6

Diante disso, justifica-se o pedido de antecipação da tutela, no sentido

de que seja determinado ao Município de Jataí, através da Secretaria Municipal de

Saúde, que implante Protocolo de Acolhimento com Classificação de Risco em todos

os serviços que atendam demanda espontânea, em ambiente específico e adequado

para tal fim, com equipe profissional definida, identificando o paciente segundo o

6 MARINONI, Luiz Guilherme. Antecipação de Tutela, Ed. Revista dos Tribunais, 9ª ed. atual. e amp., São Paulo, 2006, p.337.

25

grau de sofrimento ou, de agravos à saúde e de risco de morte, priorizando aqueles

que necessitem de tratamento imediato e/ou urgente, sem que isso signifique

dispensa dos demais pacientes, que também devem ser atendidos.

Para assegurar o cumprimento da obrigação, necessário se faz a

aplicação de astreintes, ou seja, de multa diária no valor mínimo de R$3.000,00 (três

mil reais), em caso de descumprimento da decisão, aplicada pessoalmente ao

gestor e não ao ente público que representa.

3. DOS PEDIDOS

“Art. 11. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não

fazer, o juiz determinará o cumprimento da prestação da atividade devida ou a

cessação da atividade nociva, sob pena de execução específica, ou de cominação de

multa diária, se esta for suficiente ou compatível, independentemente de

requerimento do autor”. (Lei 7.347/85)

Posto isto, requer o Ministério Público:

1. o recebimento da presente ação e sua autuação com os documentos

em anexo, que foram extraídos dos Inquéritos Civis Público 201300442405 e

201300480107, ainda em tramitação nesta Promotoria;

2. considerando a relevância dos fundamentos da presente demanda e

havendo justificado receio de grave prejuízo à coletividade, o Ministério Público

requer que seja concedida a antecipação dos efeitos da tutela (art. 273, do

CPC), após manifestação do representante legal do Município de Jataí, no

prazo de 72 horas, conforme determina o artigo 2º, da Lei nº 8.437/92, para

determinar que o Município de Jataí implante, no prazo máximo de 60

(sessenta) dias, Protocolo de Acolhimento com Classificação de Risco em

todos os serviços que atendam demanda espontânea, em ambiente específico

e adequado para tal fim, assegurando ao paciente privacidade e sigilo, com

26

equipe profissional definida, integrada obrigatoriamente por profissionais de

nível superior, médico ou enfermeiro, em número suficiente para que o tempo

de acesso do paciente seja imediato, observando os critérios definidos pelo

Ministério da Saúde e pelo Conselho Federal de Medicina, notadamente:

2.1. identificação do paciente segundo o grau de sofrimento ou, de

agravo à saúde e de risco de morte, priorizando aqueles que necessitem de

tratamento imediato e/ou urgente, sem que isso signifique dispensa dos

demais pacientes, que também devem ser atendidos;

2.2. presença obrigatória de médico coordenador de fluxo no

Serviço de Urgência e Emergência do Centro Municipal de Saúde Dr. Serafim

de Carvalho – Unidade com mais de 50.000 (cinquenta mil) atendimentos/ano

(Resolução CFM nº2.077/14, art. 5º);

2.3. observação do sistema de fluxo dos pacientes, qualificação e

quantificação da equipe médica, conforme definido no art. 7º e anexo I da

Resolução CFM nº 2.077/14;

2.4. atenção no acolhimento à Política de Humanização definida

pelo Ministério da Saúde, aplicando a ferramenta escuta qualificada e

padronizando o atendimento nas Unidades Básicas de Saúde para proibir

práticas nefastas como limitação de atendimento por senhas e quotas de

consultas médicas; troca de receituário médico sem consulta; restrição de

dias certos para marcação de atendimentos, dentre outras;

2.5. efetivação de um modelo centrado no usuário e baseado nas

suas necessidades de saúde, garantindo o acesso referenciado aos demais

níveis de assistência.

3. a fixação de multa diária à pessoa do gestor (Prefeito), no valor de

R$3.000,00 (dois mil reais), aplicável em caso de descumprimento da ordem contida

no provimento de urgência;

4. a citação do Município de Jataí para, querendo, oferecer resposta,

sob pena de revelia;

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5. o julgamento PROCEDENTE do pedido, confirmando a antecipação

da tutela para condenar o Município de Jataí a cumprir obrigação de fazer,

consistente em implantar efetivamente e manter Protocolo de Acolhimento com

Classificação de Risco em todos os serviços que atendam demanda

espontânea, em ambiente específico e adequado para tal fim, assegurando ao

paciente privacidade e sigilo, com equipe profissional definida, integrada

obrigatoriamente por profissionais de nível superior, médico ou enfermeiro, em

número suficiente para que o tempo de acesso do paciente seja imediato,

observando os critérios definidos pelo Ministério da Saúde e pelo Conselho

Federal de Medicina, notadamente:

5.1. identificação do paciente segundo o grau de sofrimento ou, de

agravo à saúde e de risco de morte, priorizando aqueles que necessitem de

tratamento imediato e/ou urgente, sem que isso signifique dispensa dos

demais pacientes, que também devem ser atendidos;

5.2. presença obrigatória de médico coordenador de fluxo no

Serviço de Urgência e Emergência do Centro Municipal de Saúde Dr. Serafim

de Carvalho – Unidade com mais de 50.000 (cinquenta mil) atendimentos/ano

(Resolução CFM nº2.077/14, art. 5º);

5.3. observação do sistema de fluxo dos pacientes, qualificação e

quantificação da equipe médica, conforme definido no art. 7º e anexo I da

Resolução CFM nº 2.077/14;

5.4. atenção no acolhimento à Política de Humanização definida

pelo Ministério da Saúde, aplicando a ferramenta escuta qualificada e

padronizando o atendimento nas Unidades Básicas de Saúde para proibir

práticas nefastas como limitação de atendimento por senhas e quotas de

consultas médicas; troca de receituário médico sem consulta; restrição de

dias certos para marcação de atendimentos, dentre outras;

5.5. efetivação de um modelo centrado no usuário e baseado nas

suas necessidades de saúde, garantindo o acesso referenciado aos demais

níveis de assistência.

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6. a notificação do Sr. Secretário Municipal de Saúde, Dr. Amilton

Fernandes Prado, Gestor do SUS na esfera municipal, com endereço na Rua

Riachuelo, 2.762 – Vila Fátima, para que tome conhecimento formal da demanda e

apresente ao Juízo, para juntada aos autos, a documentação que nomeia o órgão

que dirige como gestor pleno do Sistema Único de Saúde no Município;

7. a produção de todas as provas legalmente admitidas,

especialmente pericial, documental e testemunhal, se necessário.

Dá-se a causa para efeitos meramente legais, o valor de R$3.000,00

(três mil reais).

Pede deferimento,

Jataí, 28 de novembro de 2014.

Lucinéia Vieira Matos

Promotora de Justiça

Legislação em anexo:Portaria GM/MS nº 2.488/2011;Portaria GM/MS nº 1.600/2011;Portaria GM/MS nº 2.395/2011;Portaria GM/MS nº 479/1999;Resolução CFM nº 2.077/2014;Resolução CFM nº 2.079/2014;

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