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PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE ALTO PIQUIRI/PR Página 1 de 44 EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA VARA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE DA COMARCA DE ALTO PIQUIRI PARANÁ URGENTE O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ, através do Promotor de Justiça que esta subscreve, em atuação perante a Promotoria de Justiça da Comarca de Alto Piquiri, no uso de suas atribuições legais e com fundamento no artigo 127, caput e artigo 129, incisos II e III, da Constituição Federal, nos artigos 1º, inciso IV, 3º e 5º da Lei 7.347, de 24 de julho de 1985, e artigo 54, incisos I, IV, artigo 208, incisos III e VII, 210 inciso I, e 201, incisos V e VII, do Estatuto da Criança e do Adolescente, bem como no incluso procedimento administrativo sob n. 0003.13.000029-6, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA, COM PEDIDO DE LIMINAR para a proteção de interesses transindividuais afetos à infância e juventude, contra o MUNICÍPIO DE ALTO PIQUIRI PARANÁ, pessoa jurídica de direito público interno, com sede administrativa na Prefeitura Municipal, situada à Rua Santos Dumont, n. 341, nesta cidade e comarca, representado pelo Prefeito Municipal e/ou de seu Procurador Jurídico, pelas razões de fato e de direito que passa a expor:

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EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA VARA DA INFÂNCIA E DA

JUVENTUDE DA COMARCA DE ALTO PIQUIRI – PARANÁ

URGENTE

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ,

através do Promotor de Justiça que esta subscreve, em atuação perante a Promotoria de

Justiça da Comarca de Alto Piquiri, no uso de suas atribuições legais e com fundamento no

artigo 127, caput e artigo 129, incisos II e III, da Constituição Federal, nos artigos 1º,

inciso IV, 3º e 5º da Lei 7.347, de 24 de julho de 1985, e artigo 54, incisos I, IV, artigo

208, incisos III e VII, 210 inciso I, e 201, incisos V e VII, do Estatuto da Criança e do

Adolescente, bem como no incluso procedimento administrativo sob n. 0003.13.000029-6,

vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, propor a presente

AÇÃO CIVIL PÚBLICA, COM PEDIDO DE LIMINAR

para a proteção de interesses transindividuais afetos à infância e

juventude, contra o MUNICÍPIO DE ALTO PIQUIRI – PARANÁ, pessoa jurídica de

direito público interno, com sede administrativa na Prefeitura Municipal, situada à Rua

Santos Dumont, n. 341, nesta cidade e comarca, representado pelo Prefeito Municipal e/ou

de seu Procurador Jurídico, pelas razões de fato e de direito que passa a expor:

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I - DA LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO:

Inquestionável a legitimação ativa do Ministério Público para

pugnar judicialmente pela defesa dos interesses difusos relativos à infância e à

adolescência, conforme se infere dos artigos já mencionados.

Nesta seara, o Estatuto da Criança e do Adolescente reconhece

expressamente a possibilidade do Ministério Público ajuizar a competente ação civil

pública, buscando tutelar os interesses relacionados à criança e ao adolescente, conforme

se constata do disposto no artigo 208, inciso III e 210, ambos da Lei n° 8.069/90.

Art. 208. Regem-se pelas disposições desta Lei as ações de responsabilidade por ofensa aos direitos assegurados à criança e ao adolescente, referentes ao não oferecimento ou oferta irregular:

I - do ensino obrigatório;

II - de atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência;

III - de atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade;

[...].

Art. 210. Para as ações cíveis fundadas em interesses coletivos ou difusos, consideram-se legitimados concorrentemente:

I - o Ministério Público;

[...].

O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA reafirmou a obrigação

dos municípios em disponibilizar vagas para crianças e adolescentes em creches e pré-

escolas, bem como a legitimidade do Ministério Público para exigir, por meio de ação civil

pública, a oferta deste direito fundamental.

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RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.

MATRÍCULA E FREQÜÊNCIA DE MENORES DE ZERO A SEIS

ANOS EM CRECHE DA REDE PÚBLICA MUNICIPAL. DEVER DO

ESTADO. 1. Hipótese em que o Ministério Público do Estado de

São Paulo ajuizou Ação Civil Pública com o fito de assegurar a

matrícula de duas crianças em creche municipal. O pedido foi

julgado procedente pelo Juízo de 1º grau, porém a sentença foi

reformada pelo Tribunal de origem. 2. Os artigos 54, IV, 208, III, e

213 da Lei 8.069/1990 impõem que o Estado propicie às crianças

de até 6 (seis) anos de idade o acesso ao atendimento público

educacional em creche e pré-escola. 3. É legítima a determinação

da obrigação de fazer pelo Judiciário para tutelar o direito

subjetivo do menor a tal assistência educacional, não havendo

falar em discricionariedade da Administração Pública, que tem

o dever legal de assegurá-lo. Precedentes do STJ e do STF. 4.

Recurso Especial provido (Grifo nosso. STJ. 2ª T. R.Esp. nº

511645/SP. Rel. Min. Herman Benjamin. J. em 18/08/2009).

Além do mais, predominantemente a doutrina e a jurisprudência

têm apontado a possibilidade do Ministério Público propor ação civil pública na hipótese

de constatação de lesão ou ameaça de lesão a interesses difusos e coletivos, como

demonstra o seguinte aresto:

ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL – AÇÃO CIVIL

PÚBLICA - ATO ADMINISTRATIVO DISCRICIONÁRIO: NOVA

VISÃO. 1. “Na atualidade, o império da lei e o seu controle, a cargo

do Judiciário, autoriza que se examinem, inclusive, as razões de

conveniência e oportunidade do administrador. 2. Legitimidade do

Ministério Público para exigir do Município a execução de

política específica, a qual se tornou obrigatória por meio de

resolução do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do

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Adolescente. 3. Tutela específica para que seja incluída verba no

próximo orçamento, a fim de atender a propostas políticas certas e

determinadas. 4. Recurso especial provido”. (STJ, RESP 493811,

2ª T., Rel. Min. Eliana Calmon, j. 11/11/03, DJ 15/03/04).

Isso se deve à sua vocação institucional, de legítimo protetor de

interesses não individualizados, impessoais, supraindividuais, assumindo relevante papel

na defesa de bens maiores; dentre eles, os referentes à garantia de acesso e permanência da

população infantil às creches e pré-escolas, consoante será exposto a partir do item

seguinte.

II - DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DA INFÂNCIA E JUVENTUDE PARA

APRECIAR A MATÉRIA:

A exemplo do que fez com o Ministério Público, o Estatuto da

Criança e do Adolescente em muito elevou em dignidade e importância o papel da Justiça da

Infância e Juventude no sentido da plena efetivação dos direitos infanto-juvenis.

Ao contrário do que ocorria no passado, a Justiça da Infância e

Juventude hoje dispõe de mecanismos jurídicos para fazer com que o Poder Público assuma

sua responsabilidade pela implementação e/ou adequação de serviços e estruturas que

assegurem, de maneira efetiva, deixando para trás uma inércia injustificada para, sem

prejuízo da necessária imparcialidade, assuma papel proativo na proteção integral à criança

e ao adolescente, consoante previsão já no art.1º da Lei nº. 8.069/90.

A determinação contida no art. 221, da Lei nº. 8.069/90, segundo a

qual “se, no exercício de suas funções, os juízes e os tribunais tiverem conhecimento de

fatos que possam ensejar a propositura de ação civil, remeterão peças ao Ministério

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Público para as providências cabíveis”, deixa clara a obrigação de que o próprio Juiz da

Infância e Juventude (ou qualquer outra autoridade judiciária), diante da constatação da

falta de uma estrutura adequada no município para o atendimento educacional de crianças e

adolescentes, provoque a iniciativa do Ministério Público, ao qual incumbe, como visto,

“zelar pelo efetivo respeito aos direitos e garantias legais assegurados às crianças e

adolescentes, promovendo as medidas judiciais e extrajudiciais cabíveis” (art. 201, inciso

VIII, da Lei nº 8.069/90 - verbis - grifamos).

A Justiça da Infância e Juventude, portanto, não mais pode

permanecer inerte ante a ameaça ou efetiva violação dos direitos infanto-juvenis, em

especial quando constatada a omissão do Poder Público em implementar e manter uma

estrutura de atendimento adequada às mais diversas demandas existentes, o que é

precisamente o objeto da investigação promovida pelo Ministério Público no regular

exercício de suas atribuições legais e constitucionais já mencionadas.

É preciso lembrar que, tendo por objetivo assegurar a plena

efetivação da garantia da proteção integral à criança e ao adolescente, que o artigo 227,

caput, da Constituição Federal e artigos 1º e 4º, caput, ambos da Lei nº 8.069/90 prometem

deva ocorrer em regime de prioridade absoluta, os artigos 212, caput e 213, caput, ambos

também da Lei nº 8.069/90 dispõe, in verbis:

Art.212. Para defesa dos direitos e interesses protegidos

por esta Lei, são admissíveis todas as espécies de ações

pertinentes.

§1º -[ ...] ;

§2º - Contra atos ilegais ou abusivos de autoridade pública

ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder

Público, que lesem direito líquido e certo previsto nesta lei, caberá

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ação mandamental, que se regerá pelas normas da lei do mandado

de segurança.

Art.213. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de

obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela

específica da obrigação ou determinará providências que

assegurem o resultado prático equivalente ao adimplemento

(verbis).

A omissão do Poder Público em assegurar o direito fundamental à

EDUCAÇÃO a TODAS as crianças de 0 (zero) a 6 (seis) anos de idade (creches e pré-

escolas), representa, como se verá adiante, em gravíssima e injustificável violação de

expressas disposições constitucionais (cf. arts. 205, 211 e 227, caput, de nossa Carta

Magna) e legais (cf. arts. 1º, 3º, 4º, caput, 53 e 54, inciso IV, da Lei nº 8.069/90), fazendo

presumir a ocorrência da situação preconizada pelo inciso I, do art.98, da Lei nº. 8.969/90,

que assim dispõe:

Art.98. As medidas de proteção à criança e ao adolescente

são aplicáveis sempre que os direitos reconhecidos nesta lei forem

ameaçados ou violados:

I - por ação ou omissão da sociedade ou do Estado;

II – [...]. (verbis - grifamos).

Como decorrência dessa conduta omissiva do requerido, há a

obrigatória incidência do disposto nos arts. 5º e 208, inciso III, da Lei nº 8.069/90, que além

de acarretar a responsabilidade das autoridades públicas omissas, autoriza a intervenção da

Justiça da Infância e Juventude para compeli-lo ao cumprimento de suas obrigações com as

crianças que, ainda hoje, dezesseis anos após o advento da Constituição Federal – que

estabeleceu ser a educação (inclusive a educação infantil), um direito de TODOS, e um

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dever do Poder Público (cf. arts. 205, 211, §2º e 227, caput) – ainda não têm acesso à

creche e pré-escola.

Para tanto, assim dispõe o art.148, inciso IV da Lei nº 8.069/90:

Art.148. A Justiça da Infância e Juventude é competente

para:

IV - conhecer de ações civis fundadas em interesses

individuais, difusos ou coletivos afetos à criança e ao adolescente,

observado o disposto no art.209;

(...).

Art.209. As ações previstas neste Capítulo serão

propostas no foro do local onde ocorreu ou deva ocorrer a ação ou

omissão, cujo juízo terá competência absoluta para processar a

causa, ressalvadas a competência da Justiça Federal e a

competência originária dos Tribunais Superiores (verbis - grifamos).

A presente ação tem por objetivo, então, compelir o Município de

Alto Piquiri a cumprir seu DEVER jurídico-constitucional1 para com as crianças de 0

(zero) a 6 (seis) anos, que por sua vez têm o DIREITO à educação infantil,

consubstanciada na creche e pré-escola.

Trata-se, portanto, de ação civil que versa sobre direito indisponível

(direito à educação) de crianças de 0 (zero) a 4 (quatro) anos de idade, cuja propositura é

determinada pela omissão do Poder Público, tendo a Justiça da Infância e Juventude,

portanto, a competência absoluta para processá-la e julgá-la, como, aliás, ocorre com todas

1 Interessante, aliás, notar que tanto a Constituição Federal, em seu art.227, caput, quanto o Estatuto da Criança

e do Adolescente, em seu art.4º, caput, começam precisamente com a determinação de que “é dever do Estado

(...)”.

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as ações que tenham por objeto a defesa dos direitos e interesses individuais afetos a

crianças e adolescentes.

Em face ao exposto, não há como negar a competência da Justiça

da Infância e Juventude para processar e julgar a presente ação civil pública.

III - DOS FATOS:

Em atendimento ao Público, a Municípe Angelica Aparecida

Marquezini, narrou, em síntese, que não havia conseguido matricular sua filha Nayriane de

apenas um ano de idade na creche, pois a própria Diretora disse-lhe que não havia vagas

disponíveis (fl. 04 do procedimento administrativo).

Por isso, foi encaminhado o expediente ministerial n. 100/2013 ao

Munípio de Alto Piquiri – Paraná, solicitando a matrícula da menor. Na oportunidade, o

Prefeito Municipal, em síntese, informou que pela deliberação n. 08/2006, do Conselho

Estadual de Educação do Paraná, a creche compreende: o berçário de 0 a 1 ano de idade,

com capacidade para 05 crianças; o maternal I e II com crianças com idade até 03 (três)

anos, com capacidade de 12 (doze) crianças (fls. 03/26 do procedimento administrativo).

Segundo o Alcaíde, no CEMEI Vovó Otília já existem 12 (doze

crianças) matriculadas, e, ainda, uma lista de espera de 10 (dez) crianças, sem a

possibilidade da criação de novas turmas, devido à ausência de espaço físico (fls. 06/26 do

procedimento administrativo). Ademais, eventual atendimento à requisição poderia acarretar

violação à isonomia, vez que implicaria em desrespeitar a fila de espera.

Além disso, ressaltou que se “o CEMEI matricular mais alunos do

que a deliberação permite, o Nucleo Regional de Educação poderá instaurar procedimento

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administrativo, o que poderá gerar a cassação da autorização de funcionamento da Escola, o

que consequentemente gerará a perda de recursos” (fl. 07 do procedimento administrativo).

Posteriormente compareceu no gabinete da Promotoria de Justiça, a

Sra. Luciana Aparecida Gazolee, a qual, em síntese, também esclareceu que não conseguir

matricular seu filho João, de apenas, 03 anos de idade, devido à insuficência de vagas (fl. 27

do procedimento admininistrativo).

Destarte, não restou alternativa, ante a insuficiente oferta de vagas na

creche localizada em Alto Piquiri, senão a instauração do procedimento administrativo, que

subsidia o presente pedido jurísdicional.

De fato, as informações dão conta de que na cidade de Alto Piquiri

há oficialmente apenas uma creche funcionando de maneira regular, qual seja, a Creche

Vovó Otilia Richter, que conta com o auxílio material da “Creche São José”, que segundo

sua Diretora Elaine funciona sem autorização administrativa (fls. 39-43 do procedimento

administrativo).

De qualquer modo, pela apreciação das informações angariadas,

denota-se que na cheche Vovó Otilia Richter, tem formalizada a seguinte lista de espera:

LISTA DE ESPERA

ÁREA DE ATUAÇÃO NÚMERO DE CRIANÇAS AGUARDANDO

VAGA

Berçário – de 06 meses até 1 ano de idade 06 (seis) – crianças (fl. 28 do PP)

Maternal – de 01 até 02 anos de idade 09 (nove) – crianças (fls. 28/29 do PP)

Maternal II – de 02 até 03 anos de idade 06 (seis) – crianças (fls. 29/30 do PP)

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No que pertine a creche Municipal São José, tem-se formalizada a

seguinte lista de espera:

ÁREA DE ATUAÇÃO LISTA DE ESPERA

Berçário – de 06 meses até 1 ano de idade 10 (dez) – crianças (fls. 39/40 do PP)

Maternal – de 01 até 02 anos de idade 12 (doze) – crianças (fls. 40/41 do PP)

Maternal II – de 02 até 03 anos de idade 09 (nove) – crianças (fls. 41/42 do PP)

PRÉ I – de 03 até 04 anos de idade 08 (oito) – crianças (fls. 41/42 do PP)

Segundo informações prestadas pelo chefe do Poder Executivo por

meio do expediente n. 152/2013, a creche Vóvo Ótilia possui capacidade para 69 (sessenta e

nove alunos), sendo que 66 (sessenta e seis) crianças frequentam a creche. Por sua vez, a

creche São José possui capacidade para 49 (quarenta e nove) alunos, embora esteja

atendendo 59 (cinquenta e nove) crianças (fls. 47/49 do procedimento administrativo).

Assim, conquanto seja visível a superlotação da creche São José, já

que atendo além de sua capacidade ideal, ainda assim há demanda no Município de Alto

Piquiri por mais vagas regulares, pois há lista de espera contendo outras 60 (sessenta)

crianças.

Deste modo, a oferta irregular de vagas em creches - para crianças de

0 (zero) a 3 (três) anos de idade -, e de pré-escola - para infantes de 4 (quatro) a 6 (seis) anos

de idade -, no Município de Alto Piquiri merece ser exemplarmente combatida, pois senão

crescerá a cada ano, constituindo-se em grave violação do direito fundamental à educação a

que faz jus um grande número de integrantes da população infantil desta Comarca,

demonstrando que o requerido abandonou ou relegou tal direito fundamental a segundo

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plano, em total falta de observância à doutrina da proteção integral, orientadora do Estatuto

da Criança e do Adolescente vigente.

A parte deste triste quadro, em total e flagrante desrespeito ao

preconizado na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente, o

Município muito pouco fez, ante a demanda apurada, para adequar-se à política de

atendimento aos direitos da infância e da juventude estabelecida pela Lei nº 8.069/90 e

reclamada pelos órgãos de apoio à Infância e Juventude, não tendo, assim, cumprido seu

dever no sentido de evitar – ou ao menos minorar – os malefícios que a falta desta

importante etapa da educação básica2 acarreta a um número cada vez maior de crianças.

De fato, a conjugação da ausência de vagas nas creches e a

necessidade socioeconomica dos pais em trabalhar são causas geradoras de evasão escolar,

criminalidade infanto-juvenil e da exploração sexual de crianças e adolescentes.

Isto porque a ausência de uma estrutura educacional força os pais

que necessitam trabalhar a deixarem as crianças sozinhas ou em companhia de outras

crianças mais velhas, gerando um quadro facilitador das mazelas sociais mencionadas.

Logo, conquanto também seja dever da família e da sociedade zelas

pelos direitos da criança e do adolescente, o MUNICÍPIO, consoante a Lei nº 8.069/90, Lei

nº 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) e, acima de tudo, da

Constituição Federal, tem o dever de, com absoluta prioridade, assegurar o direito à

educação de sua população infantil.

Embora a tal dever de ordem constitucional corresponda o direito

de todas as crianças de 0 (zero) a 6 (seis) anos terem acesso à creche e pré-escola (pois a

educação se constitui numa política social básica, nos moldes do previsto no art.87, inciso

I, da Lei nº 8.069/90), seu injustificado – e injustificável – descumprimento por parte do

2 A creche e a pré-escola são sinônimas de educação infantil, sendo a primeira etapa da

educação básica, que ainda compreende o ensino fundamental e o ensino médio.

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requerido é particularmente danoso às crianças oriundas de famílias carentes, ou seja,

aquelas que vivem próximas da chamada "linha da pobreza", que ante a manifesta falta de

recursos materiais, não conseguem garantir a adequada formação e desenvolvimento de seus

filhos, inclusive acarretando-lhes forte carência nutricional, fator que repercute

negativamente no aprendizado da criança e influencia negativamente no sucesso escolar

quando esta vier a freqüentar o ensino fundamental.

Isto porque, embora a creche e pré-escola façam parte da política

básica de EDUCAÇÃO, não se lhes pode negar um caráter também assistencial, pois nos

Centros de Educação Infantil as crianças encontram, além da alimentação e abrigo, os

estímulos necessários a sua aprendizagem e pré-alfabetização, tão necessários (de acordo

com a medicina) para formar as ligações nervosas que irão determinar futuramente seu grau

de inteligência.

Estudos e pesquisas estão a demonstrar que as crianças que não têm

acesso à creche e pré-escola, notadamente quando oriundas de famílias de baixa renda,

apresentam déficit nutricional e de aprendizagem, ingressando no ensino fundamental – e na

própria vida – em condições de desvantagem em relação às demais, de modo que não

conseguirão posição adequada no mercado de trabalho na idade própria, gerando as

controversas cotas sociais e bolsas assistenciais do governo.

Ademais, tendo em vista que estas mesmas famílias carentes,

enquanto os pais trabalham, naturalmente não têm condições de contratar “babás” ou

pessoas habilitadas que tomem conta de seus filhos, as crianças que não têm acesso à creche

e pré-escola acabam por permanecer, durante o dia, trancadas sozinhas em suas casas e/ou

em companhia de irmãos mais velhos (que não raro têm de abandonar os estudos para delas

cuidar) ou outras pessoas desqualificadas, ou ainda acompanhar seus pais em seu trabalho,

ficando em qualquer hipótese expostas a um gravíssimo risco que, na forma do disposto no

art.70, da Lei nº 8.069/90, todos – e em especial o Poder Público (e na sua omissão o Poder

Judiciário) – têm o dever de evitar. Quando menos, a falta de acesso à creche e pré-escola

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impede um dos pais (geralmente a mãe), de trabalhar, e, com isso, melhorar a condição de

vida da família, situação que também deve ser evitada.

Para ao menos minimizar as desigualdades e as injustiças sociais

(como, aliás, preconiza o art.3º, de nossa Constituição Federal como um dos objetivos

fundamentais da República Federativa do Brasil – e, por conseguinte, de todos os entes

federados, com destaque para os municípios) e no intuíto de que as crianças e os

adolescentes efetivamente possam ser tratados como sujeitos de direito, titulares de

prerrogativas na ordem jurídica, não pode mais o Município de Alto Piquiri descurar de suas

responsabilidades e obrigações.

Por isso que o Município deve implantar, manter e operacionalizar

programa de atendimento de todas as crianças de 0 (zero) a 6 (seis) anos de idade em

creches e pré-escolas, principalmente aquelas oriundas de famílias carentes de recursos

materiais, com o escopo de evitar as ocorrências acima exemplificadas e garantir o direito

das mesmas a um maior desenvolvimento pessoal.

Importante fazer notar que tais fatos, embora notórios (pelo que a

rigor independeriam de prova, ex vi do disposto no art.334, inciso I, do Código de Processo

Civil), serão adequadamente demonstrados no decorrer da instrução processual, embora a

prova documental já juntada efetue prova, por si só, destes fatos.

Em razão da justa preocupação de coibir a conduta (diga-se, a

omissão) nociva aos interesses das crianças que se vêem indevidamente privadas do

exercício de seu direito à educação, forçoso recorrer ao Poder Judiciário no sentido de

reverter a situação irregular mantida pelo requerido que deixa de respeitar a garantia de

prioridade absoluta preconizada no artigo 4º da Lei nº. 8.069/90.

Os encaminhamentos dirigidos a esta Promotoria de Justiça pelo

Conselho Tutelar deste Município, além das outras informações dos autos, são claros no

sentido de demonstrar que o Município de Alto Piquiri não está agindo de forma a

respeitar a prioridade absoluta e as diretrizes legais, o que infelizmente tem inviabilizado

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as providências adotadas pelos Órgãos de Proteção e Justiça da Infância e da Juventude,

comprometendo a solução, inclusive, dos problemas já existentes nesta seara.

Não há qualquer justificativa para a omissão do Município em

ampliar o número de vagas em creche e pré-escola nos moldes do reivindicado pelo

Ministério Público, uma vez que o requerido possui os recursos necessários para,

gradativamente, ano a ano, assegurar o acesso à creche e pré-escola a todas as crianças

necessitadas de tal atendimento.

Por conseguinte, resta claro que o requerido, deixando de seguir as

regras legais e pouco se atentando para o pleiteado pelos Órgãos de proteção dos direitos

infanto-juvenis, tem contribuído para perpetuação do problema, não proporcionando, como

deveria, o necessário planejamento e a adequação de seu orçamento (ex vi do disposto

nos arts. 4º, caput e par. único, alíneas “c” e “d” e 259, par. único, da Lei nº 8.069/90 e

arts.205, 211, §2º e 227, caput, da Constituição Federal) ao atendimento da demanda local

para educação infantil.

Cabe, pois, ao Poder Judiciário, usando de sua prerrogativa

constitucional, fazer valer as disposições legais e constitucionais expressas, que como dito

e será adiante melhor analisado, estabelecem o dever do município em proporcionar – e

com a mais absoluta prioridade – creche e pré-escola a todas as crianças de 0 (zero) a 6

(seis) anos de idade, garantindo a estas o pleno e regular exercício de seu DIREITO

FUNDAMENTAL À EDUCAÇÃO.

IV - DO DIREITO:

O direito fundamental à educação é tema afeto a inúmeros diplomas

legais em todas as órbitas da Federação.

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Além de objeto da Constituição da República, é também alvo de leis

nacionais como a que estabelecem diretrizes e bases para a educação (Lei 9.394/96) e o

próprio Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90).

IV. 1 – Da Constituição Federal:

A Constituição Federal de 1988 estabeleceu, dentre os seus

princípios fundamentais e como alicerce do Estado Democrático de Direito, a dignidade da

pessoa humana e a cidadania (artigo 1º, incisos II e III), determinando, ainda, como um de

seus objetivos fundamentais, a construção de uma sociedade justa, livre e solidária.

Quem não tem cidadania está marginalizado ou excluído da vida

social e da tomada de decisões, ficando numa posição de inferioridade dentro do grupo

social.

A perda desse status cria a exclusão social, fomentando a injustiça,

gerando um espírito indiferente, causador de indesejáveis consequências, incentivando a

violência, tão comum e crescente em nossos dias.

A educação deve ser uma das prioridades, porque é através dela que

se alcança, de forma efetiva, a cidadania.

Pensando nisto, a Constituição Federal definiu a educação como

direito social fundamental, conforme disposto em seu art.6º:

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, o

trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção

à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados,

na forma desta Constituição.

Com vista ao seu pleno exercício, a Constituição Federal prevê,

como instrumento fundamental, a universalização do direito à educação (notadamente à

educação básica, que compreende a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino

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médio), tendo definido, já no enunciado de seu art. 205, que a educação é um “direito de

TODOS” e um “DEVER do Estado”:

Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e

da família, será promovida e incentivada com a colaboração da

sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu

preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o

trabalho.

Art. 208. O dever do Estado com a educação será

efetivado mediante a garantia de:

(...)

IV - atendimento em creche e pré-escola às crianças de

zero a seis anos de idade:

De fato, a instituição educativa, a serviço do bem estar social,

complementa, ao lado da família, o desenvolvimento pessoal e social das crianças e dos

adolescentes e contribui decisivamente para a melhoria de vida de cada cidadão.

Por isso que a Constituição Federal estabelece ser a educação um

direito de todos, e que todos – inclusive em razão do princípio, também de ordem

constitucional, da isonomia, devem ter garantidas iguais condições de acesso e

permanência nos diversos níveis de ensino:

Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes

princípios:

I – igualdade de condições para o acesso e permanência

na escola;

Não bastassem as disposições específicas relativas à educação,

contidas nos arts. 205 e seguintes, da Constituição Federal, o constituinte também não

deixou de fazer expressa referência àquele direito fundamental quando tratou da “Doutrina

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da Proteção Integral à Criança e ao Adolescente”, dispondo no art.227, caput, de nossa

Carta Magna que:

Art. 227 - É dever da família, da sociedade e do Estado

assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o

direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à

profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e

à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de

toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência,

crueldade e opressão.

A Magna Carta deu ainda um valor especial ao capítulo da educação,

pois mesmo vedando a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa,

ressalvou, no artigo 212, a destinação de recursos para a manutenção do ensino,

determinando que os Municípios apliquem, anualmente, nunca menos de vinte e cinco por

cento da receita resultante de impostos , compreendida a proveniente de transferências, na

manutenção e desenvolvimento do ensino (aí compreendida obviamente a educação

infantil), sendo que idêntico proceder deve ocorrer na área da saúde.

De modo a evitar o já tradicional “jogo de empurra” entre os

diversos entes federados no que concerne à responsabilidade pela oferta dos diversos níveis

de ensino, o art.211, também de nossa Carta Magna, confere claramente ao município o

dever de ofertar, prioritariamente, o ensino fundamental e a educação infantil:

Art. 211. ...

§2º. Os municípios atuarão prioritariamente no ensino

fundamental e na educação infantil.

Tudo isso para que a crianças em tenra idade possam, desde os

primeiros anos de sua existência, praticar, exercer e conduzir adequadamente a inteligência,

seus afetos, sentimentos, imaginação, conhecimento e valores, de forma a propiciar seu

pleno desenvolvimento.

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IV. 2 – Da Lei nº 8.069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente:

O Estatuto da Criança e do Adolescente, por sua vez, em inúmeros

de seus dispositivos, registra o dever do Poder Público para com a educação, dando ênfase

ao ensino fundamental e à educação infantil, premissas maiores de intervenção do

Município na condução da gestão educacional.

Assim, na esteira do art.227 da Constituição Federal, o Estatuto da

Criança e do Adolescente estabelece, em seu artigo 4º, in verbis:

Art.4º. É dever da família, da comunidade, da sociedade

em geral e do Poder Público, com absoluta prioridade, a efetivação

dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação,

ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao

respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

A garantia de prioridade absoluta compreende-se nas diretrizes a

serem observadas pela Administração e estão sintetizadas no mesmo dispositivo, quando

resta explicitada:

Art. 4º. [...]

Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende:

(...)

c) preferência na formulação e na execução das políticas

sociais públicas;

d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas

relacionadas com a proteção à infância e juventude.

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E a preferência que deve haver tanto na formulação quanto na

execução das políticas públicas deve, na forma do disposto no art.87, inciso I, da Lei nº

8.069/90, começar já com as políticas sociais básicas, dentre as quais se inclui obviamente

a educação infantil.

Art. 87. São linhas de ação da política de atendimento:

I – políticas sociais básicas.

Como se observa, a Constituição Federal e a legislação

infraconstitucional não tratam a educação como um fim em si mesmo, ou mero aparato de

enriquecimento cultural, mas um verdadeiro caminho ou instrumento para construção de

uma sociedade rica e desenvolvida, bem como algo que deve ser garantido à criança e ao

adolescente com prioridade absoluta.

E não deixa de prever, também, que o dever do Estado para com a

educação será efetivado mediante a garantia de atendimento em creche e pré-escola às

crianças de zero a seis anos de idade, preceito normativa reforçado no artigo 54, inciso IV,

do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Ainda na Lei nº 8.069/90, é possível depreender que:

Art. 53. A criança e o adolescente têm direito à

educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa,

preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o

trabalho, assegurando-lhes:

I - igualdade de condições para o acesso e

permanência na escola;

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Art. 54. É dever do Estado assegurar à criança e ao

adolescente:

IV – atendimento em creche e pré-escola às crianças

de 0 (zero) a 6 (seis) anos de idade;

Art.213. Na ação que tenha por objeto obrigação de

fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da

obrigação ou determinará providências que assegurem o

resultado prático equivalente ao do adimplemento.

Art.216. Transitada em julgado a sentença que impuser

condenação ao Poder Público, o Juiz determinará a remessa

de peças à autoridade competente, para apuração da

responsabilidade civil e administrativa do agente a que atribua

a ação ou omissão.

Por fim, em seu art.259, par. único, a Lei nº 8.069/90 realça a

necessidade de que o Poder Público municipal promova as adequações necessárias

(obviamente a começar pelo remanejamento dos correspondentes recursos orçamentários),

para o cumprimento das regras e princípios estatutários:

Art.259. [...]

Parágrafo único. Compete aos Estados e Municípios

promoverem a adaptação de seus órgãos e programas às diretrizes

e princípios estabelecidos nesta lei.

IV. 3 – Da Lei nº 9.394/96 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional:

O tema da educação é de tal importância que há lei federal recente

com quase uma centena de artigos estabelecendo exclusivamente as diretrizes e bases para a

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educação. Esse diploma, a Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996, no que se refere ao dever

do Estado para com a educação, destaca principalmente que:

Art. 4º - O dever do Estado com educação escolar pública

será efetivado mediante a garantia de:

[...]

IV - atendimento gratuito em creches e pré-escolas às

crianças de zero a seis anos de idade;

Art. 11 – Os municípios incumbir-se-ão de:

[...]

V - Oferecer educação infantil em creches e pré-escolas, e,

com prioridade o ensino fundamental, permitida a atuação em

outros níveis de ensino somente quando estiverem atendidas

plenamente as necessidades de sua área de competência e com

recursos acima dos percentuais mínimos vinculados pela

Constituição Federal à manutenção e desenvolvimento do ensino.

Ainda em relação à educação infantil, o Título V, Capítulo II, Seção

II da Lei 9.394/96, assim disciplina a matéria:

Art. 29 - A educação infantil, primeira etapa da educação

básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança

até seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico,

intelectual e social, complementando a ação da família e da

comunidade.

Art. 30 - A educação infantil será oferecida em

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I - creches, ou entidades equivalentes, para crianças de

até três anos de idade;

II - pré-escolas, para as crianças de quatro a seis anos de

idade;

Importante salientar a responsabilidade do Município, uma vez que o

artigo 211, parágrafo 2º da Magna Carta, e o artigo 88, inciso I, do Estatuto da Criança e do

Adolescente, indicam-no como agente prioritário na ação em prol do ensino fundamental e

pré-escolar, no estabelecimento de programas com vista a garantir o acesso e a permanência

da criança e do adolescente na escola, bem como o estabelecimento de medidas para

possibilitar o tratamento do toxicômano, dentre outras, estabelecendo a municipalização

desses atendimentos como primeira diretriz da política da infância e juventude.

V – DO DEVER DO MUNICÍPIO EM ASSEGURAR O DIREITO À EDUCAÇÃO

INFANTIL PARA CRIANÇAS DE 0 A 6 ANOS:

Diante das disposições expressas, contidas nos diversos diplomas

legais acima transcritos e na própria Constituição Federal, pouco resta a dizer, no sentido da

obrigatoriedade do município em proporcionar a educação infantil à sua população

infantil de 0 (zero) a 6 (seis) anos de idade.

A respeito da matéria, no entanto, vale colacionar o escólio de

Afonso Armando Konzen, que ao comentar a Lei nº 9.394/96, assinala que:

A oferta da educação infantil, sinônimo de creche e pré-

escola, passou a ser obrigação do Poder Público. Não há a

obrigatoriedade de matrícula. No entanto, toda vez que os pais ou o

responsável quiserem ou necessitarem do atendimento, nasce a

correspondente obrigação pela oferta. A Lei de Diretrizes e Bases,

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ao incumbir aos Municípios a responsabilidade pela oferta ( artigo

11, inciso V ), também retirou a creche e a pré-escola do âmbito

das políticas de proteção especial e também transferiu todo o

encargo para o sistema educacional. Assim, a creche e a pré-

escola não podem mais ser consideradas uma espécie dos

programas de apoio sociofamiliar, como até então, em geral,

vinham entendendo os Conselhos de Direitos da Criança e do

Adolescente, e tampouco integram as políticas de assistência social

de caráter supletivo, mas passaram constituir em política básica de

educação.

Resumidamente, in casu, o Ministério Público está defendendo um

interesse coletivo, transindividual, pois como visto acima o acesso a creche e pré-escola é

um direito constitucional de todas as crianças de 0 (zero) a 6 (seis) anos, ao qual

corresponde o dever do Município de Alto Piquiri – Paraná.

Embora já se tenha, de antemão, uma relação dos nomes e endereços

das crianças que apresentam maior premência – (pelos fatores socioeconômicos acima

mencionados ou porque aguardam há mais tempo) – para obtenção de vagas nas creches e

pré-escolas, o contingente a atender é muito maior. Desse modo, essa indeterminação de

sujeitos a qual deriva, em boa parte, do fato que não há vínculo jurídico a agregar os sujeitos

afetados, leva a conclusão de que estamos diante de interesses transindividuais, posto que

disseminados por toda a coletividade.

Não poderíamos deixar de citar a lição de Paulo Afonso Garrido de

Paula, ao ministrar que o remédio adequado para a defesa dos direitos indisponíveis das

crianças e dos adolescentes é a ação civil pública, conforme adiante exposto:

A ação civil para a defesa de interesses difusos e coletivos

afetos à infância e juventude é um caminho ímpar de resgate da

enorme dívida social para com os pequenos grandes

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marginalizados deste país: as crianças e os adolescentes. É

chegada a hora de a Justiça cobrar responsabilidade dos

governantes, colocando-os como réus quando de suas omissões no

trato desta questão crucial, de sorte a verdadeiramente amparar os

desvalidos efetivamente protegendo-os da descúria estatal.3

De todo o exposto, justifica-se o pedido e, de resto, demonstrada está

conduta contra legem do Réu.

VI - DO AGIR VINCULADO DO ADMINISTRADOR PÚBLICO:

Resta, portanto, irrefutável que para o Poder Público o atendimento

em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade constitui-se em um poder-

dever indeclinável, não se tratando de mera discricionariedade do Poder local.

Afirma-se, pois, que as premissas expostas encontram respaldo na

legislação e na ordem constitucional, revestindo-se elas de eficácia plena e aplicabilidade

imediata, funcionando como limitadoras do campo de atuação discricionária do

Administrador Público.

Assinala-se que a Administração tem liberdade para decidir o que

convém e o que não convém ao interesse coletivo, podendo examinar o momento e a forma

3 PAULA, Paulo Afonso Garrido de. Menores, Direito e Justiça. São Paulo: Revista dos Tribunais,

1989, p.126.

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de fazê-lo, mas não ficar inerte, pois os comandos legais relacionados à efetivação de

garantias e direitos fundamentais não se subordinam à vontade do administrador.

De regra, o dever de agir é um dos princípios da Administração,

para quem a execução, a continuidade e a eficácia dos serviços públicos constituem

imperativos absolutos.

Por isso se diz que, sendo outorgado para satisfazer interesses

indisponíveis, todo “poder administrativo” tem para a autoridade um caráter impositivo,

convertendo-se, assim, em verdadeiro dever de agir.

Além do mais, o princípio da prioridade absoluta aos direitos das

crianças e dos adolescentes também constitui vetor de limitação ao agir discricionário do

administrador público. Na verdade, constitui-se norma superior a orientar a execução e a

aplicação das leis, bem como a feitura de diplomas de inferior hierarquia, dentro da mais

estrita legalidade.

E nada mais natural, dada constatação elementar que

“discricionariedade” não é sinônimo de arbitrariedade , mas sim apenas se constitui na

maior ou menor “liberdade” que o administrador tem para agir dentro dos estritos

parâmetros estabelecidos pela lei e pela Constituição Federal, tendo sempre por norte os

princípios e objetivos por estas definidos.

Ocorre que, como visto acima e melhor explicitado adiante, tanto a

Lei quanto a Constituição Federal definem, de maneira expressa, qual deve ser a área de

atuação prioritária da administração pública, restringindo sobremaneira – quando não

suprimindo por completo – a dita “discricionariedade” do administrador público em alguns

campos de atuação, que se tornam “vinculatórios”.

Com efeito, de forma inédita no Direito Positivo brasileiro, o

Constituinte de 1988 fez sentir, no artigo 227, o chamado princípio da prioridade

absoluta, quando determina ser dever da família, da sociedade e do Estado, assegurar à

criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação,

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à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à

convivência familiar e comunitária.

Essa nota diferencial em relação aos outros campos de atuação das

políticas públicas, a fim de que não pairasse qualquer dúvida quanto à aplicabilidade do

preceito constitucional (que alguns ainda insistem em taxar de meramente programático),

veio reiterada e esmiuçada na Lei nº 8.069/90, mais conhecida como Estatuto da Criança e

do Adolescente, mais precisamente em seu artigo 4º e parágrafo único, que mais uma vez

transcrevemos:

Art.4º. É dever da família, da comunidade, da sociedade em

geral e do Poder Público, com absoluta prioridade, a efetivação dos

direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao

esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao

respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende:

...

c) preferência na formulação e na execução das políticas

sociais públicas;

d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas

relacionadas com a proteção à infância e juventude.

O dispositivo é autoexplicativo, mormente para quem está imbuído

do espírito da lei e dos critérios que devem nortear sua interpretação – e conseqüente

cumprimento por parte de seus destinatários (dentre os quais se destaca o Poder Público).

O artigo 6º, do Estatuto da Criança e do Adolescente, traça os rumos

da hermenêutica a ser empregada por seu aplicador, destacando os fins sociais a que se

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dirigem, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos e a

condição peculiar da criança e do adolescente de pessoas em desenvolvimento.

Ainda que não o fizesse, é mister ao intérprete abrir mão da chamada

“hermenêutica tradicional”, que nunca valorou corretamente a força normativa dos

princípios, e realizar um trabalho exegético multilateral, que leve em conta não só a

valoração política, como a social e até a econômica, para a obtenção da precisa aplicação da

norma.

Ainda que assim não fosse, a interpretação tradicional já é suficiente

para dar o norte à atuação do administrador. Prioridade, segundo o mais popular dos

dicionaristas brasileiros, Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, é:

1. Qualidade do que está em primeiro lugar, ou do que

aparece primeiro; primazia. 2. preferência dada a alguém

relativamente ao tempo de realização de seu direito, com

preterição do de outros; primazia. 3. Qualidade duma coisa que é

posta em primeiro lugar numa série ou ordem.4

Por outro lado, “Absoluta”, segundo o mesmo dicionário, significa

“ilimitada, irrestrita, plena, incondicional”.

A soma dos vocábulos já nos indica o sentido do mencionado

PRINCÍPIO de ordem jurídico-constitucional: a mais absoluta qualificação dos direitos

assegurados à população infanto-juvenil, a fim de que sejam inseridos na ordem do dia com

primazia sobre quaisquer outros, inclusive como forma de resgatar o histórico descaso

com que crianças e adolescentes sempre foram tratados pelo Poder Público – em especial

pelo Poder Público municipal, que somente após a Constituição Federal de 1988 passou a

4 “Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa”, p. 1393, Ed. Nova Fronteira.

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ter expressamente o dever de implementar políticas públicas a estes destinadas – e até hoje

(como Alto Piquiri não é exceção) não o fez a contento.

Consigne-se a lição do Promotor de Justiça Wilson Donizeti

Liberati, especialista em direitos das crianças:

Por absoluta prioridade, devemos entender que a criança e

o adolescente deverão estar em primeiro lugar na escala de

preocupações dos governantes; devemos entender que, primeiro,

devem ser atendidas todas as necessidades das crianças e

adolescentes (...). Por absoluta prioridade, entende-se que, na área

administrativa, enquanto não existirem creches, escolas, postos de

saúde, atendimento preventivo e emergencial às gestantes, dignas

moradias e trabalho, não se deveria asfaltar ruas, construir praças,

sambódromos, monumentos artísticos etc., porque a vida, a saúde,

o lar, a prevenção de doenças são mais importantes que as obras

de concreto que ficam para demonstrar o poder do governante.5

O jurista Dalmo de Abreu Dallari comentando o artigo 4º, do

Estatuto da Criança e do Adolescente, destaca a necessidade de serem priorizados o apoio e

a proteção à infância e juventude, por mandamento constitucional. Mais, preceitua não ter

ficado ao alvedrio de cada governante decidir se dará ou não apoio prioritário às crianças e

aos adolescentes.

Exsurge com clareza, das considerações tecidas, não ser possível

qualificar a norma esculpida no art. 227 da Constituição Federal como sendo de eficácia

contida (na classificação exemplar de José Afonso da Silva); nem como sendo “not self-

executing”, na já superada taxionomia do Direito Americano.

5 “O Estatuto da Criança e do Adolescente - Comentários”, pp. 4/5, Ed. IBPS.

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A norma é clara, passível até de uma exegese meramente gramatical,

aquela que exige do intérprete o mínimo esforço integrativo, embora seja recomendável

avançar no “iter” hermenêutico e lançar mão dos métodos lógico e teleológico, quando,

então, virão a lume os dispositivos dos artigos 4º e 6º, do Estatuto da Criança e do

Adolescente.

A prioridade absoluta, enquanto princípio-garantia

constitucional, vem sendo reconhecida em diversos julgados de nosso País, inclusive

aqueles oriundos dos Tribunais Superiores, recentemente publicados, como melhor veremos

adiante.

Tal conclusão decorre, em primeiro lugar, do próprio princípio da

legalidade que deve nortear toda a pauta de ações dos integrantes do Poder Executivo,

dogma esse inserido no artigo 37 da Constituição Federal.

Não há que se falar, por essa razão, em ingerência ou em falta de

atribuição do Judiciário para determinar como deve ser o agir do Administrador, porquanto é

a própria lei, e a Lei Maior, que o descreve no tocante aos direitos das crianças e

adolescentes.

O fato de o princípio da prioridade absoluta encontrar assento

constitucional denota seu sentido norteador, verdadeira supernorma a orientar a execução e

a aplicação das leis, bem como a feitura de diplomas de inferior hierarquia, tudo dentro da

mais estrita legalidade.

Na discussão sobre a implementação dos bens-interesses previstos

no Estatuto da Criança e do Adolescente jamais pode ser denegada qualquer pretensão

deduzida em juízo sob o argumento de que o Administrador Público tem o discricionário

“poder” de eleger prioridades e estabelecer prioridades, já que a Constituição Federal, em

seu artigo 227, minudenciada pelo artigo 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente, não

estabelece qualquer hierarquia entre os direitos ali reconhecidos como prioritários.

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Partindo da premissa elementar de que a norma do artigo 227 de

nossa Carta Magna é de eficácia plena (distanciando-se em tudo daquelas que alguns

insistem em catalogar como sendo de conteúdo meramente programático, cada vez mais

raras em nosso ordenamento jurídico), temos de reconhecê-la, sim, como um fator a mais a

limitar (quando não tolher por completo) o campo de atuação discricionária do

administrador público.

Em suma, pode-se afirmar, sem medo de errar que diante do

princípio constitucional da absoluta prioridade à criança e ao adolescente, desaparece por

completo a “discricionariedade” do administrador público.

Pensar de outra maneira é converter o artigo 227, da Constituição da

República, e o microssistema criado pela Lei nº 8.069/90, com vista à proteção integral - e

em regime de prioridade absoluta - à criança e ao adolescente, em meras cartas de

intenções, desvirtuando-os de seu sentido efetivo e factual.

A respeito da matéria, interessante colacionar o julgado do Supremo

Tribunal Federal, que de maneira expressa reconhece a obrigatoriedade do município

adequar seu orçamento ao atendimento das necessidades básicas da população,

notadamente no que diz respeito à oferta de vagas em creches e pré-escolas para crianças

de zero a seis anos de idade:

CRECHE E PRÉ-ESCOLA - OBRIGAÇÃO DO ESTADO -

IMPOSIÇÃO - INCONSTITUCIONALIDADE NÃO VERIFICADA -

RECURSO EXTRAORDINÁRIO - NEGATIVA DE SEGUIMENTO.

1. Conforme preceitua o artigo 208, inciso IV, da Carta Federal,

consubstancia dever do Estado à educação, garantindo o

atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos

de idade. O Estado - União, Estados propriamente ditos, ou seja,

unidades federadas, e Municípios - deve aparelhar-se para a

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observância irrestrita dos ditames constitucionais, não cabendo

tergiversar mediante escusas relacionadas com a deficiência de

caixa. Eis a enorme carga tributária suportada no Brasil a

contrariar essa eterna lengalenga. O recurso não merece prosperar,

lamentando-se a insistência do Município em ver preservada

prática, a todos os títulos nefasta, de menosprezo àqueles que não

têm como prover as despesas necessárias a uma vida em sociedade

que se mostre consentânea com a natureza humana. 2. Pelas razões

acima, nego seguimento a este extraordinário, ressaltando que o

acórdão proferido pela Corte de origem limitou-se a ferir o tema à

luz do artigo 208, inciso IV, da Constituição Federal, reportando-se,

mais, a compromissos reiterados na Lei Orgânica do Município -

artigo 247, inciso I, e no Estatuto da Criança e do Adolescente -

artigo 54, inciso IV. 3. Publique-se. (STF, Decisão Monocrática, RE

N. 356.479-0, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 30/04/04, DJ 24/05/04 –

grifamos).

E mais:

DIREITO CONSTITUCIONAL À CRECHE EXTENSIVO

AOS MENORES DE ZERO A SEIS ANOS. NORMA

CONSTITUCIONAL REPRODUZIDA NO ART. 54 DO ESTATUTO

DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. NORMA DEFINIDORA DE

DIREITOS NÃO PROGRAMÁTICA. EXIGIBILIDADE EM JUÍZO.

INTERESSE TRANSINDIVIDUAL ATINENTE ÀS CRIANÇAS

SITUADAS NESSA FAIXA ETÁRIA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.

CABIMENTO E PROCEDÊNCIA. 1- O direito constitucional à

creche extensivo aos menores de zero a seis anos é consagrado

em norma constitucional reproduzida no art. 54 do Estatuto da

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Criança e do Adolescente. Violação de Lei Federal. "É dever do

Estado assegurar à criança e ao adolescente: I - ensino

fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não

tiveram acesso na idade própria; II - progressiva extensão da

obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio; III - atendimento

educacional especializado aos portadores de deficiência

preferencialmente na rede regular de ensino; IV - atendimento em

creche e pré-escola às crianças de (zero) a 6 (seis) anos de idade.

2 - Releva notar que uma Constituição Federal é fruto da vontade

política nacional, erigida mediante consulta das expectativas e das

possibilidades do que se vai consagrar, por isso que cogentes e

eficazes suas promessas, sob pena de restarem vãs e frias

enquanto letras mortas no papel. Ressoa inconcebível que direitos

consagrados em normas menores como Circulares, Portarias,

Medidas Provisórias, Leis Ordinárias tenham eficácia imediata e os

direitos consagrados constitucionalmente, inspirados nos mais altos

valores éticos e morais da nação sejam relegados ao segundo

plano. Prometendo o Estado o direito à creche, cumpre adimpli-lo,

porquanto a vontade política e constitucional, para utilizarmos a

expressão de Konrad Hesse, foi no sentido da erradicação da

miséria intelectual que assola o país. O direito à creche é

consagrado em regra com normatividade mais do que suficiente,

porquanto se define pelo dever, indicando o sujeito passivo, in

casu, o Estado. 3 - Consagrado por um lado o dever do Estado,

revela-se, pelo outro ângulo, o direito subjetivo da criança.

Consectariamente, em função do princípio da inafastabilidade da

jurisdição consagrado constitucionalmente, a todo direito

corresponde uma ação que o assegura, sendo certo que todas as

crianças nas condições estipuladas pela lei encartam-se na esfera

desse direito e podem exigi-lo em juízo. A homogeneidade e

transindividualidade do direito em foco enseja a propositura da ação

civil pública. 4 - A determinação judicial desse dever pelo Estado,

não encerra suposta ingerência do judiciário na esfera da

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administração. Deveras, não há discricionariedade do administrador

frente aos direitos consagrados, quiçá constitucionalmente. Nesse

campo a atividade é vinculada sem admissão de qualquer exegese

que vise afastar a garantia pétrea. 5 - Um País cujo preâmbulo

constitucional promete a disseminação das desigualdades e a

proteção à dignidade humana, alçadas ao mesmo patamar da

defesa da Federação e da República, não pode relegar o direito à

educação das crianças a um plano diverso daquele que o coloca,

como uma das mais belas e justas garantias constitucionais. 6 -

Afastada a tese descabida da discricionariedade, a única dúvida

que se poderia suscitar resvalaria na natureza da norma ora sob

enfoque, se programática ou definidora de direitos. Muito embora a

matéria seja, somente nesse particular, constitucional, porém sem

importância revela-se essa categorização, tendo em vista a

explicitude do ECA, inequívoca se revela a normatividade suficiente

à promessa constitucional, a ensejar a acionabilidade do direito

consagrado no preceito educacional. 7 - As meras diretrizes

traçadas pelas políticas públicas não são ainda direitos senão

promessas de lege ferenda, encartando-se na esfera insindicável

pelo Poder Judiciário, qual a da oportunidade de sua

implementação. 8 - Diversa é a hipótese segundo a qual a

Constituição Federal consagra um direito e a norma

infraconstitucional o explicita impondo-se ao judiciário torná-lo

realidade, ainda que para isso, resulte obrigação de fazer, com

repercussão na esfera orçamentária. 9 - Ressoa evidente que toda

imposição jurisdicional à Fazenda Pública implica em dispêndio e

aluar, sem que isso infrinja a harmonia dos poderes, porquanto no

regime democrático e no estado de direito o Estado soberano

submete-se à própria justiça que instituiu. Afastada, assim, a

ingerência entre os poderes, o judiciário, alegado o malferimento da

lei, nada mais fez do que cumpri-la ao determinar a realização

prática da promessa constitucional. 10 - 0 direito do menor à

frequência em creche, insta o Estado a desincumbir-se do mesmo

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através da sua rede própria. Deveras, colocar um menor na fila de

espera e atender a outros, é o mesmo que tentar legalizar a mais

violenta afronta ao princípio da isonomia, pilar não só da sociedade

democrática anunciada pela Carta Magna, mercê de ferir de morte

a cláusula de defesa da dignidade humana. 11 - O Estado não tem

o dever de inserir a criança numa escola particular, porquanto as

relações privadas subsumem-se a burocracias sequer previstas na

Constituição. O que o Estado soberano promete por si ou por seus

delegatários é cumprir o dever de educação mediante o

oferecimento de creche para crianças de zero a seis anos. Visando

ao cumprimento de seus desígnios, o Estado tem domínio iminente

sobre bens, podendo valer-se da propriedade privada, etc. O que

não ressoa lícito é repassar o seu encargo para o particular, quer

incluindo o menor numa 'fila de espera', quer sugerindo uma

medida que tangendo a legalidade, porquanto a inserção numa

creche particular somente poderia ser realizada sob o pálio da

licitação ou delegação legalizada, acaso a entidade fosse uma

longa manu do Estado ou anuísse, voluntariamente, fazer-lhe às

vezes. 12- Recurso especial provido. (STJ – Primeira Turma- RESP

575280/SP, j. em 09.09.2004 – DJU de 25.10.2004 – Rel. para o

acórdão Min. Luiz Fux – grifamos).

Na mesma linha decidiu o Egrégio Supremo Tribunal Federal, em

decisão monocrática proferida pelo Min. Carlos Velloso no RE n° 352686, publicada no

Diário de Justiça de 08/11/2004.

Ainda a respeito do tema, oportuno transcrever a lição do eminente

Desembargador gaúcho SÉRGIO GISCHKOW PEREIRA, consignado em acórdão do

Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

[...] sabe-se que a atividade administrativa caracteriza-se

menos como um poder do que como um dever, encaixando-se na

ideia jurídica de Função. Função, em linguagem jurídica, designa

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um tipo de situação jurídica em que existe, previamente assinalada

por um comando normativo, uma finalidade a cumprir e que deve

ser obrigatoriamente atendida por alguém, mas no interesse de

outrem, sendo que, este sujeito - o obrigado - para desincumbir-se

de tal dever, necessita manejar poderes indispensáveis à satisfação

do interesse alheio que está a seu cargo prover [...]

E prossegue o eminente magistrado, citando CELSO ANTÔNIO

BANDEIRA DE MELLO6:

Uma distinção clara entre a função e a faculdade ou o

direito que alguém exercita em seu prol. Na função, o sujeito

exercita um poder, porém o faz em proveito alheio, e o exercita não

porque acaso queira ou não queira. Exercita-o porque é um dever.

Então, pode-se perceber que o eixo metodológico do direito público

não gira em torno da ideia de poder, mas gira em torno da ideia de

dever. Conscientizando-se dessas premissas, constata-se que

deste caráter funcional da atividade administrativa, desta

necessária submissão da administração à lei, o chamado poder

discricionário tem que ser simplesmente o cumprimento do dever

de alcançar a finalidade legal, ou seja, sempre e sempre o bem

público, o interesse comum.

Acerca da possibilidade de controle judicial da discricionariedade do

administrador, o nobre julgador prossegue em sua brilhante exposição:

6 In "Discricionariedade e Controle Judicial", São Paulo, Malheiros, 1992, p.13.

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Pois bem, assentando-se que o Judiciário também é órgão

de Poder (e, portanto também comprometido, teleologicamente,

com o bem comum), e que é inafastável o caráter político de sua

atuação (não, evidentemente, no sentido partidário do termo, mas

entendida a política como arte da busca do bem comum), não há

como afastar o juiz, aprioristicamente, do conhecimento de opções

ditas discricionárias dos demais poderes. O que jamais se poderá

permitir é que o juiz busque substituir o critério do administrador ou

do legislador pelo seu próprio. Não é disso que se trata. O que se

defende é a possibilidade comportada (diria até, exigida) pelo

sistema de o juiz apreciar as manifestações de vontade política (no

sentido supra-assinalado) dos demais poderes, confrontando-o com

o sistema legal, especialmente constitucional, para verificar sua

adequação ao mesmo.

E, ao arremate, citando ANTÔNIO CARLOS DE ARAÚJO

CINTRA7, consigna que “[...]se diz, frequentemente, e com razão, que a discricionariedade

administrativa não se confunde com arbitrariedade. Mas essa afirmativa não passaria de

fútil manifestação de um desejo se, na realidade, o exercício do poder discricionário ficar

inteiramente incontrolável ou sujeito apenas a um controle por indícios, decorrentes da

própria ação administrativa, considerada por fora, sem a justificativa do administrado [...]

(Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Sétima Câmara Cível. Apelação Cível nº

596.017.897, de Santo Ângelo. j. em 12/03/1997 - grifamos)8.

Os referidos julgados reconhecem, enfim, que a dita

“discricionariedade” do administrador público está subordinada aos ditames da lei e,

7 In "Motivo e Motivação do Ato Administrativo", São Paulo, Revista dos Tribunais, 1979.

8 O texto do referido acórdão foi extraído da obra “Adolescente e ato infracional”, de autoria do

eminente Juiz Gaúcho JOÃO BATISTA DA COSTA SARAIVA, Editora Livraria do Advogado, Porto Alegre, 1999, pags.143 a 172.

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acima de tudo, da Constituição Federal, que lhe fornecem os parâmetros dentro dos

quais tem (relativa – e restrita) liberdade de agir.

Reconhecem, ainda, de maneira clara, que o Poder Judiciário não

apenas pode, mas tem o verdadeiro dever institucional, na condição de garantidor da ordem

jurídica e do chamado “Estado Democrático de Direito”, que pressupõe o respeito às leis e

às disposições constitucionais soberanas, obrigar o administrador público, sempre que

necessário, em cumprir aquilo que lhe incumbem a lei e a Constituição Federal.

E nem poderia ser diferente.

Em sendo inequívoco, como dito acima, que “discricionariedade”

não é sinônimo de arbitrariedade, haja vista que a atuação do administrador público está

sempre subordinada aos comandos da lei e da Constituição Federal, e partindo da

constatação elementar de que é esta mesma Magna Carta que, em seu art.227 estabelece que

é dever do Poder Público assegurar à criança e ao adolescente, com a mais absoluta

prioridade, o pleno exercício de toda uma gama de direitos fundamentais, dentre os quais

relaciona de maneira expressa o direito à educação, e que segundo o art.205, também da

Constituição Federal, a educação, em todos os seus níveis, é “direito de todos e dever do

Estado”, sendo a educação infantil, segundo o art.211, §2º, do mesmo Diploma

Constitucional, de responsabilidade do município, é deveras elementar que cabe ao Poder

Público municipal o atendimento de todas as crianças de zero a seis anos que venham a se

matricular neste nível de ensino.

Mais do que um mero “enunciado vazio” contido na Constituição

Federal, ou uma norma de cunho meramente “programático”, a obrigação do Poder Público

municipal oferecer vagas em creches e pré-escolas para todas as suas crianças de zero a seis

anos é reafirmada pela Lei nº 8.069/90 e Lei nº 9.394/96, tendo a primeira reconhecido de

maneira expressa que a oferta irregular de tal serviço público pode levar à

responsabilidade do agente público omisso, estabelecendo inúmeros mecanismos judiciais

que podem ser acionados para ver o comando jurídico-constitucional respectivo (ao qual

corresponde o direito das crianças em receber a educação infantil), fielmente respeitado

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pelo administrador, que, para tanto terá de promover as necessárias adequações, a começar

pelo orçamento público, nos moldes do disposto nos arts. 4º, par. único, alíneas “c” e “d”;

87, inciso I e 259, par. único, todos da Lei nº 8.069/90.

É a própria Constituição Federal, por fim, que confere ao Poder

Judiciário a prerrogativa de zelar pelo cumprimento da lei por TODOS, inclusive o

Poder Público, pois do contrário, de nada valeriam quer o princípio da inafastabilidade

da jurisdição, insculpido no art.5º, inciso XXXV da própria Carta Magna, quer os inúmeros

mecanismos judiciais de exigibilidade de direitos relacionados no art.208 e seguintes da

Lei nº 8.069/90, alguns dos quais, como nos casos dos arts. 212, §2º e 213 c/c 216,

expressamente destinados a serem utilizados contra o Poder Público.

VII – DA URGÊNCIA DO PROVIMENTO JURISDICIONAL:

No presente caso, necessária há urgência em compelir o Município

de Alto Piquiri – Paraná a proporcionar, já neste período letivo iniciado, a ampliação da

oferta de vagas em creches e pré-escolas, de modo a atender, num primeiro momento, ao

menos aqueles casos de maior risco envolvendo crianças em lista de espera das duas

creches, minimizando assim o sofrimento dessa já combalida parcela da população

piquiriense, bem como reduzindo os efeitos deletérios resultantes da omissão do requerido,

restaurando assim a ordem jurídica violada.

O provimento jurisdicional em caráter liminar exige a presença de

dois requisitos essenciais: fumus boni iuris (juízo de probabilidade e verossimilhança da

existência de um direito) e periculum in mora (fundado temor de que a demora na solução

do litígio inviabilize a sua “justa composição”).

No caso em exame, não resta qualquer dúvida quanto à possibilidade

ou probabilidade do direito alegado, consoante se infere dos argumentos e dispositivos

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legais antes mencionados.

Com efeito, a plausibilidade do direito invocado, qual seja o fumus

boni iuris, está plenamente evidenciado pela flagrante desobediência às referidas normas

constitucionais e infraconstitucionais, haja vista que boa parte das crianças encontra-se

privada de atendimento em creche e pré-escola.

Os diversos julgados acima transcritos não apenas reconhecem de

maneira expressa o direito à igualdade de acesso de todas as crianças de 0 (zero) a 6 (seis)

anos idade à educação infantil, com o correspondente dever do Poder Público (mais

especificamente, do município), em proporcioná-la – inclusive, na forma da lei, sob pena

de RESPONSABILIDADE, como também o poder-dever da Justiça da Infância e

Juventude em determinar o cumprimento dos comandos legais e constitucionais

respectivos, coibindo assim a omissão do Estado (latu sensu) tão lesiva aos interesses

infanto-juvenis.

Por outro lado, não permitir a continuidade do agir (ou melhor do

não agir) do requerido, mostra-se conveniente – e necessário – para minimizar os danos

causados à população infantil desta Comarca, trazendo especial benefício àquelas que

aguardam vagas nas intermináveis “filas de espera” e aos nascituros, que no futuro próximo

verão, finalmente (e mais de dezesseis anos depois do advento da Constituição Federal de

1988), garantido seu direito à educação infantil.

A continuidade dos atos lesivos a esses interesses só pioraria e

agravaria a atual situação que não foi e nunca será bem aceita pelas entidades de atuação em

benefício da infância, bem como pela comunidade de Alto Piquiri – Paraná.

Quanto mais tempo perdurar a negligência e omissão do requerido,

maiores os prejuízos àqueles que já aguardam vaga em creche e pré-escola – e como dito,

enquanto isto permanecem expostos a toda sorte de perigo – e maior a chance de a solução

às graves violações apontadas aos direitos das crianças e dos adolescentes tornarem-se

inviáveis de serem alcançadas (até porque as crianças não pararão de nascer e crescer, assim

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como os riscos e problemas decorrentes da negativa do exercício do citado direito

fundamental não cessarão, enquanto se aguarda uma solução).

Diante dos argumentos apresentados, conclui-se que a situação

caótica em que se encontra a população infantil do Município de Alto Piquiri – Paraná,

principalmente aquela oriunda de famílias de renda mais baixa, não pode perdurar

indefinidamente, sob pena de se tornar um problema de proporções e conseqüências

gravíssimas e insuperáveis.

Assim sendo, resta patente o requisito do periculum in mora, já que a

permanência desta situação poderá gerar lesões graves e de difícil reparação às crianças

mais carentes, tendo em vista a impossibilidade de receberem educação escolar,

retardando e prejudicando o pleno desenvolvimento físico, nutricional, mental e

intelectual.

Muitos são os prejuízos das crianças que ficam em casa ou em outro

lugar expostas ao perigo, tendo em vista que os pais necessitam trabalhar e não têm onde

deixar seus filhos. Além disso, as crianças estão deixando de aprender as primeiras noções

da vida em sociedade e deixando de receber estímulos físicos e psíquicos cuja falta

repercutirá em toda sua vida.

Caso persista, portanto, a negligência e omissão do Município de

Alto Piquiri – Paraná, as crianças, repita-se, principalmente as carentes, já privadas de uma

gama imensa de direitos, poderão sofrer danos irreparáveis em face do descaso municipal

em lhes prestar o atendimento devido.

No caso em tela, depreende-se que se encontram presentes os

requisitos necessários à concessão da medida liminar, na forma do artigo 12 da Lei 7.347/85,

sem que seja necessária justificação prévia.

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VII. 1 – DO PEDIDO LIMINAR:

Desta forma, presentes os requisitos necessários, requer o Ministério

Público seja concedida medida liminar, inaudita altera parte, determinando que o

Município de Alto Piquiri – Paraná, no prazo máximo de 02 (dois) meses (ou seja, de modo

a permitir a matrícula ao menos para o segundo semestre letivo de 2013), promova o

atendimento em creche e pré-escola, em período integral (manhã/tarde) a, no mínimo, mais

60 (sessenta) crianças da cidade, além das já atendidas, isto em caráter emergencial.

Ademais, no mesmo ato, requer-se que seja determinado ao

Município de Alto Piquiri – Paraná, também em caráter liminar, a criação e implantação,

até a data de 31 de dezembro de 2013, de mais 60 (sessenta) vagas para crianças, entre o

berçário, maternais e pré-escolas.

Na hipótese do Município de Alto Piquiri – Paraná não providenciar

o requerido, nos prazos e períodos mencionados, requer o Ministério Público seja o

requerido condenado a arcar com multa cominatória diária de R$ 500,00 (quinhentos

reais), nos termos do artigo 213, § 2º, da Lei nº 8.069/90 e artigo 12, §2º, da Lei nº 7.347/85,

valor esse que deverá ser destinado ao fundo gerido pelo Conselho dos Direitos da Criança e

do Adolescente deste Município, na forma do artigo 214 do Estatuto da Criança e do

Adolescente c/c os artigos 11 e 13, da Lei nº 7.347/85.

V I I I - D O S P E D I D O S F I N A I S :

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Ante todo o exposto, restando evidente a prática de atos atentatórios

aos direitos das crianças e dos adolescentes, requer-se:

VIII.1 - A concessão e confirmação da medida liminar pleiteada e

especificada no item anterior (60 vagas em creche e pré-escola, em caráter emergencial,

no prazo de 2 meses, bem como a criação definitiva de 60 vagas até 31 de dezembro de

2013), inaudita altera parte e independentemente de justificação prévia ou, se entendendo

necessário, observado o prazo de 72 (setenta e duas) horas da Lei n° 8.437/92;

VIII.2 – A citação do Município de Alto Piquiri – Paraná, na pessoa

de seu representante legal, para contestar, querendo, a presente ação, sob pena de revelia;

VIII.3 – A total procedência do pedido, no sentido de, já a título de

tutela antecipada, na forma do disposto no art.273, do Código de Processo Civil, também

aplicado subsidiariamente a procedimentos afetos à Justiça da Infância e Juventude por força

do disposto no art.152, da Lei nº 8.069/90:

a) Condenar o Município de Alto Piquiri – Paraná a, ao longo dos

05 (cinco) anos subsequentes - período correspondente aos exercícios de 2013 a 2018 -,

obedecendo a um cronograma de implantação a ser definido e protocolado em Juízo até,

no máximo, o dia 31 de dezembro de 2013, bem como contemplado no Plano

Orçamentário Plurianual a ser elaborado no ano de 20149, suprir a demanda reprimida,

em toda a área do Município, que como visto acima, segundo a necessidade atual do

Município, que em data de hoje, à carência de vagas em creche e em pré-escola, com

atendimento em período integral (manhã/tarde), garantindo assim a todas as crianças, cujos

9 Que irá estabelecer, precisamente, as metas orçamentárias para o período de 2014 a 2018, que por

sua vez servirão de base para as respectivas leis orçamentárias (Leis de Diretrizes Orçamentárias e Leis Orçamentárias anuais).

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pais desejem matriculá-las, o direito de acesso ao serviço público de educação infantil em

condição de igualdade, respeitados os princípios da universalidade e gratuidade;

b) A fixação de multa cominatória diária por cada criança que não

esteja sendo atendida, vencidos os prazos concedidos, no valor de R$ 500,00 (quinhentos

reais), nos termos do artigo 213, § 2º, da Lei nº 8.069/90 e artigo 12, §2º, da Lei nº 7.347/85,

valor esse que deverá ser destinado ao fundo gerido pelo Conselho dos Direitos da Criança e

do Adolescente deste Município, na forma do artigo 214 do Estatuto da Criança e do

Adolescente c/c os artigos 11 e 13 da Lei nº 7.347/85;

c) De modo a tornar efetivo o direito à educação da população

infantil local, evitando os já mencionados prejuízos decorrentes da oferta irregular de vagas

em creches públicas, e ainda como forma de dar plena eficácia aos comandos normativos da

Lei nº. 8.069/90, Lei nº. 9.394/96 e Constituição Federal acima transcritos, bem como ao

próprio provimento jurisdicional respectivo, requer outrossim, a teor do disposto no art.213,

caput, segunda parte e §2º, da Lei nº. 8.069/90, que na hipótese de descumprimento dos

prazos fixados seja o Município de Alto Piquiri – Paraná condenado na obrigação de fazer

consistente na celebração de convênios com creches e escolas particulares, se necessário, de

modo a permitir nelas sejam matriculadas, a expensas do município, as crianças carentes que

procurem o serviço (conforme demanda já declinada), tudo conforme artigo 461 e

parágrafos, do Código de Processo Civil;

d) A condenação do Município de Alto Piquiri – Paraná à obrigação

de fazer, consistente na previsão dos recursos necessários à criação e implantação de novas

creches e pré-escolas, bem como a ampliação do número de vagas existentes, nos moldes do

acima exposto, nas propostas de leis orçamentárias – Plano Plurianual (a ser elaborado em

2014), Leis de Diretrizes Orçamentárias e Leis Orçamentárias anuais – devendo promover,

para atendimento da obrigação contida no item VI.1 supra, a alocação e/ou remanejamento

dos recursos necessários na proposta e/ou Lei Orçamentária para 2009, com posterior

execução prioritária do orçamento no setor, tudo de acordo com o disposto nos arts.4º,

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caput e par. único, alíneas “b”, “c” e “d” e 259, par. único, da Lei nº 8.069/90 e Lei

Complementar nº 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal).

VIII.4 - A produção de todas as provas legalmente admissíveis,

especialmente depoimento pessoal do réu, inquirição de testemunhas, juntada de

documentos (nos termos do artigo 397 do Código de Processo Civil) e exames periciais que

se fizerem necessários;

VIII.5 - A condenação do Município de Alto Piquiri – Paraná ao

pagamento de encargos de sucumbência e demais cominações legais, cujo montante deverá

ser destinado ao Fundo Especial do Ministério Público, criado pela Lei Estadual nº. 12.241

de 28/07/98.

Dá-se à causa para efeitos meramente fiscais, o valor de R$ 1.000,00

(mil reais).

Nestes termos,

Pede deferimento.

Alto Piquiri, 06 de Junho de 2013.

RAFAEL JANUÁRIO ROCHA

Promotor de Justiça

(Assinado Digitalmente)