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Página 1 de 15 EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) JUIZ(A) FEDERAL DA VARA DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO DISTRITO FEDERAL ANDRÉ PEIXOTO FIGUEIREDO LIMA, deputado federal, casado, RG nº 5.540.938-2/SSP-CE, CPF nº 259.055.033-20, portador do título de eleitor de n o 000.190.073.070-1 (Zona 003, Seção 0380/CE), endereço eletrônico (e-mail): [email protected], podendo ser encontrado no seu endereço profissional, no Anexo IV da Câmara dos Deputados, gabinete nº 940, Praça dos Três Poderes, CEP 70.160-900, Brasília/DF, representado pelo advogado qualificado no instrumento procuratório em anexo, vem, nos termos do inciso LXXVIII do artigo 5º da Constituição, propor: AÇÃO POPULAR com pedido cautelar, inaudita altera parte, em face da UNIÃO FEDERAL, pessoa jurídica de direito público interno, cujos procuradores podem ser encontrados no Setor de Autarquias Sul (SAS), Quadra III, Lote 5/6, Edifício Multi Brasil Corporate, CEP 70.070-030, Brasília/DF, e da AGÊNCIA NACIONAL DE PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS – ANP, pessoa jurídica de direito público interno, cujos representantes podem ser encontrados no Setor de Grandes Áreas Norte (SGAN), Quadra 603, Módulo I, 3° andar, CEP: 70.830-902, Brasília/DF, pelas razões a seguir.

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EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) JUIZ(A) FEDERAL DA

VARA DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO DISTRITO FEDERAL

ANDRÉ PEIXOTO FIGUEIREDO LIMA, deputado federal, casado,

RG nº 5.540.938-2/SSP-CE, CPF nº 259.055.033-20, portador do título de eleitor

de no 000.190.073.070-1 (Zona 003, Seção 0380/CE), endereço eletrônico (e-mail):

[email protected], podendo ser encontrado no seu endereço

profissional, no Anexo IV da Câmara dos Deputados, gabinete nº 940, Praça dos

Três Poderes, CEP 70.160-900, Brasília/DF, representado pelo advogado

qualificado no instrumento procuratório em anexo, vem, nos termos do inciso

LXXVIII do artigo 5º da Constituição, propor:

AÇÃO POPULAR

com pedido cautelar, inaudita altera parte, em face da UNIÃO FEDERAL,

pessoa jurídica de direito público interno, cujos procuradores podem ser

encontrados no Setor de Autarquias Sul (SAS), Quadra III, Lote 5/6, Edifício

Multi Brasil Corporate, CEP 70.070-030, Brasília/DF, e da AGÊNCIA

NACIONAL DE PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS

– ANP, pessoa jurídica de direito público interno, cujos representantes podem

ser encontrados no Setor de Grandes Áreas Norte (SGAN), Quadra 603, Módulo

I, 3° andar, CEP: 70.830-902, Brasília/DF, pelas razões a seguir.

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1. DO FORO COMPETENTE

1. A parte final do § 2º do artigo 109 da Constituição é clara em

estatuir que as ações intentadas contra a União poderão ser aforadas no Distrito

Federal, sendo que o parágrafo único do artigo 7º da Lei Federal nº 9.478/1997

diz que “a ANP terá sede e foro no Distrito Federal”, exsurgindo daí a competência

da Justiça Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal.

2. DA LEGITIMIDADE PASSIVA

2. Além disso, com a inovação do inciso IV do artigo 75 do Código

de Processo Civil – CPC (Lei Federal nº 13.105/2015), segundo o qual “serão

representados em juízo, ativa e passivamente, a autarquia e a fundação de direito

público, por quem a lei do ente federado designar”, sobrevém a capacidade

processual da ANP, razão pela qual foi arrolada como Ré.

3. DOS FATOS (OBJETO DA AÇÃO)

3. Trata-se de ação popular contra atos lesivos ao patrimônio da

União e da sociedade de economia mista Petróleo Brasileiro S/A – Petrobrás,

especificamente, os editais da 2ª e da 3ª rodada de licitações para outorga de

contratos de partilha para atividades de exploração e produção de petróleo e

gás natural, por desvio de finalidade e ilegalidade de seus objetos (Lei Federal

nº 4.717/1965, art. 2º, “c”), publicados em 23/08/2017 e retificados em 19/10/2017.

4. DO DIREITO

4.1. DA AMEAÇA DE LESIVIDADE AO PATRIMÔNIO DA UNIÃO E

ILEGALIDADE DO OBJETO

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4. No mérito, tem-se que, em regra, o exercício do monopólio da

União sobre a pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo e gás natural e outros

hidrocarbonetos fluidos (CF, art. 170, I) se dá pelo regime de concessão (Lei

Federal nº 9.478/1997, art. 23), no qual é sempre devida à União participação

especial como “compensação financeira extraordinária devida pelos concessionários,

nos casos de grande volume de produção ou de grande rentabilidade” (Decreto nº

2.705/1998, art. 21)

5. Por outro lado, em áreas do pré-sal e outras áreas estratégicas, o

regime legal aplicável é o de partilha de produção (Lei Federal nº 12.351/2010,

art. 1º). Neste, a União é compensada pela descentralização do monopólio

mediante excedente em óleo, que é a “parcela da produção a ser repartida entre a

União e o contratado, segundo critérios definidos em contrato” (Lei Federal nº

12.351/2010, art. 2º, III).

6. No caso dos contratos das licitações da 2ª e da 3º rodadas do pré-

sal, relativos aos editais ora impugnados, a adjudicação tem como único critério

a maior oferta de excedente em óleo para a União (Lei Federal nº 12.351/2010,

art. 18)1. O problema é que os critérios usados pela ANP como base para o lance

mínimo a título de excedente são flagrantemente desvantajosos e, pior, a longo

prazo podem implicar em prejuízos severos às reservas em óleo devidas à

União que subsidiam políticas públicas (ver adiante).

7. Ambos os editais estabelecem que “O percentual do excedente em

óleo para a União, a ser ofertado pelas licitantes, devera referir-se ao preço de barril de

petróleo tipo Brent de US$ 50,00 (cinquenta dólares norte-americanos) e a produção

1 Cf. Cláusula 1.3 dos Editais da 2ª Rodada e também da 3ª Rodada: “As ofertas são classificadas

segundo a ordem decrescente do excedente em óleo para a União, sendo declarada vencedora da sessão

pública de apresentação de ofertas a licitante que ofertar o maior percentual para a União”.

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diária média de 12.000 (doze mil) barris de petróleo por poço produtor ativo” (Cláusula

8.3), embora o percentual seja estabelecido bloco por bloco.

8. Assim, para calcular o preço da menor proposta, provavelmente a

inicial, na 2ª rodada, os blocos de Norte de Carcará, Sul de Gato do Mato,

Entorno de Sapinhoá e Sudoeste de Tartaruga Verde terão as seguintes margens

(vide Cláusula 8.3 do edital respectivo):

9. Na 3ª rodada, em que são licitados os blocos de Pau Brasil, Peroba,

Alto de Cabo Frio Oeste e Alto de Cabo Frio Central, as alíquotas são (idem):

10. Como se adiantou, esses percentuais serão aplicados sobre a

referência de preço (Brent a U$D 50,00) e de produção (12.000bbl/d) para

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aferição da oferta mínima. À medida em que os lances aumentarem, o cálculo

da percentagem passa a reger-se pela seguinte Tabela 17 (Cláusula 8.3),

constante dos editais:

11. No leilão, considerando a atratividade dos blocos, é razoável

esperar competição, de maneira que o produto varie necessariamente a maior.

Acontece que essa tabela continuará a servir de índice para as atividades

futuras dos eventuais operadores, conforme dispõe a cláusula 9.5 (atualização

de preços) dos contratos anexos aos editais.

12. Com isso, se o preço Brent estiver entre US$ 60,01 e US$ 80 por

barril e a média de produtividade dos poços estiver entre 4,001 Mbbl/d e 6,000

Mbbl/d, o percentual do excedente em óleo da União será reduzido de 8,52%.

Admitindo-se que a oferta vencedora para o Entorno de Sapinhoá seja o

excedente mínimo – que é 10,34%, conforme mostrado na Tabela 16 – haverá

excedente em óleo para União de 1,82%.

13. A desvantagem é tão grande que, operando no regime de

concessão, a alíquota efetiva da participação especial da União para o campo

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de Sapinhoá foi de 28,67%, de acordo com o Relatório Trimestral de

Participação Especial da ANP, referente ao 2º Trimestre de 20172.

14. O déficit é mais evidente no caso da 3ª rodada. Com o Brent entre

US$ 80,01 e US$ 100 por barril e a produtividade entre 2,001 bbl/d e 4,000 bbl/d,

o percentual do excedente em óleo da União será reduzido de 15,10 pontos

percentuais. Se a oferta vencedora de Pau Brasil for o excedente mínimo -

14,40% pela Tabela 16, esse percentual será reduzido de 15,10%, resultando

num excedente negativo, hipótese em que será fictamente de 1%.

15. O mais grave é que, embora a tendência do preço do barril de

petróleo seja de recuperação, um exame retrospectivo dos últimos dois anos

mostra uma normalização em patamar abaixo dos U$D 50,00 (cinquenta

dólares), o que significa dizer, na prática, que a União está efetivamente doando

o controle da produção ao mercado, observe-se (fonte: IFC Markets):

16. A propósito, a minoração do excedente em óleo tem impacto

direto sobre as políticas públicas da União, não é mera fonte de arrecadação. É

que a receita advinda da comercialização desses excedentes –feita, aliás, pela

2 Disponível em: http://www.anp.gov.br/wwwanp/images/Royalties-e-outras-participacoes/Participacao_

Especial/ Relatorio_2Trimestre_2017.pdf

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Empresa Brasileira de Administração de Petróleo e Gás Natural S.A. – Pré-Sal

Petróleo S/A – PPSA (Lei Federal nº 12.304/2010, art. 4º, II) – é destinada ao

Fundo Social - FS (Lei Federal nº 12.351/2010, art. 45).

17. O FS é uma poupança soberana (Lei Federal nº 12.351/2010, art.

48, I) cuja missão mais nobre – repise-se, com o produto da venda dos

excedentes em óleo – é o “desenvolvimento social e regional, na forma de programas e

projetos nas áreas de combate à pobreza e de desenvolvimento da educação, da cultura,

do esporte, da saúde pública, da ciência e tecnologia, do meio ambiente; e de mitigação e

adaptação às mudanças climáticas” (Lei Federal nº 12.351/2010, art. 47, I a VII).

18. Ademais, a redução da margem de excedentes – como se propõe

na 2ª e na 3º rodadas – tendo como efeito em cascata a minoração das receitas

do FS tem repercussão imediata sobre o consumidor final, no “preço na bomba de

combustível”, pois também tem como objetivo “mitigar as flutuações de renda e de

preços na economia nacional, decorrentes das variações na renda gerada pelas atividades

de produção e exploração de petróleo e de outros recursos não renováveis” (Lei Federal

nº 12.351/2010, art. 48, III).

19. Não suficiente, outro fator de lesividade à União consiste no

valor irrisório do bônus de assinatura, que é o “valor fixo devido à União pelo

contratado, a ser pago no ato da celebração e nos termos do respectivo contrato de

partilha de produção” (Lei Federal nº 12.351/2010, art. 2º, XII). Só para se ter uma

ideia, na licitação do campo de Libra, a 1ª rodada do pré-sal, a quantia foi

prestada foi de R$ 15 bilhões de reais e, agora, somados o montante total da 2ª e

da 3ª rodadas, chega-se a R$ 7,75 bilhões.

20. Com efeito, o anexo XIX do edital da 2ª rodada prevê um bônus de

R$ 3 bilhões para o bloco de Norte de Carcará; R$ 100 milhões para Sul de Gato

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do Mato; R$ 200 milhões para Entorno de Sapinhoá; e R$ 200 milhões para

Sudoeste de Tartaruga Verde. O mesmo anexo do edital da 3ª rodada consigna

R$ 1,5 bilhão para Pau Brasil; R$ 2 bilhões para Peroba; R$ 350 milhões para

Alto Cabo Frio Oeste; e R$ 500 milhões para Alto Cabo Frio Central.

21. Todos esses argumentos convergem para a inegável ameaça de

lesividade ao patrimônio da União, passível de apreciação pelo Poder

Judiciário (CF, art. 5º, XXXV) através de ação popular (CF, art. 5º, LXXIII). Do

ponto de vista jurídico, tem-se uma flagrante subversão constitucional,

principalmente aos imperativos de redução das desigualdades sociais (CF, art.

3º, III), de promoção da defesa do consumidor (CF, art. 5º, XXXII, e 170, V) e de

implementação da função social da propriedade (CF, art. 170, III).

22. Sem dúvida, os editais em questão traduzem-se como atos

próprios da política pública energética nacional, mas nem por isso ou porque o

padrão de controle invocado é de ordem programática que estão eles imunes à

controle. Como ensina Fábio Konder Comparato, “a juridicidade das normas que

simplesmente declaram tais fins (as Zielnormen dos alemães), ou que impõem a

realização de determinado programa de atividades – as normas propriamente

programáticas –, já não pode ser posta em dúvida, nesta altura da evolução jurídica”3.

23. Como demonstrado, o excedente em óleo (Lei Federal nº

12.351/2010, art. 2º, III) não consiste em mera expropriação da produção pela

União. Não, trata-se de um instrumento legal que viabiliza a implementação de

políticas públicas sociais e até mesmo da capacidade de intervenção estatal em

defesa do consumidor, mediante regulagem da oferta de petróleo e derivados,

tudo em consonância com a livre inciativa (CF, art. 170, I).

3 In: Ensaio sobre o Juízo de Constitucionalidade de Políticas Públicas. Revista de informação

legislativa, v. 35, n. 138, p. 39-48, abr./jun. 1998, p. 45.

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24. Então o órgão regulatório responsável, a ANP, não pode mitigar

discricionariamente, isto é, segundo a conveniência e a oportunidade das

pressões do mercado, os percentuais a serem licitados como excedente e, mutatis

mutandis, o valor devido como bônus. Na espécie, uma comparação preliminar

entre com o regime de concessão – com arrecadação por participação especial –

e com experiência anterior do modelo de partilha (Libra), mostrou que a escolha

pública não se deu em atenção aos impactos subsequentes sobre o Fundo Social.

25. Noutras palavras, sendo o FS o fim último da comercialização dos

excedentes para implementar políticas públicas de diversas matizes, os editais

deveriam ter primado pela maximização dos critérios em referência, o que

evidentemente não ocorreu, fazendo implicar, por conseguinte, a ilegalidade de

seus objetos, transformando-os em nulos de pleno direito, na forma da alínea

“c” do parágrafo único do artigo 2º da Lei da Ação Popular (Lei Federal nº

4.717/1965).

4.2. DA AMEAÇA DE LESIVIDADE AO PATRIMÔNIO DE SOCIEDADE

DE ECONOMIA MISTA E ILEGALIDADE DO OBJETO

26. Juridicamente, essa iniquidade não parece ser inerente ao modelo

de partilha, mas, com certeza, foi potencializado em virtude de a Lei Federal nº

13.365/2016 ter alterado a de nº 12.351/2010, permitindo que a Petrobrás não

fosse a exploradora única da pesquisa e da lavra das jazidas de petróleo e

derivados, seja diretamente ou em consórcio, como previa a redação original

daquela lei. Os editais, a seu turno, refletem esse permissivo legal,

contaminando-se da inconstitucionalidade formal e material da lex posteriori.

27. A Lei Federal nº 13.365/2016 originou-se do Projeto de Lei do

Senado (PLS) nº 131/2012, de autoria do Senador José Serra (PSDB/SD), foi

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aprovado no Senado – com emenda substitutiva do Senador Romero Jucá

(PMDB/RR) – em 24/02/2016, e, sucessivamente mas sem alterações, na Câmara

dos Deputados, em 09/11/2016, e sancionado em 30/11/2016.

28. Grosso modo, a Lei retirou a necessidade de participação da

Petrobrás, em operação direta ou em consórcio (nova redação do artigo 2º, VI e

VII da Lei Federal nº 12.351/2010), criando um direito de preferência (nova

redação do artigo 4º, § 1º, idem); e conferiu ao Conselho Nacional de Política

Energética (CNPE) a atribuição de, quando oportuno, oferecer à Petrobrás tal

opção (nova redação do artigo 4º, idem).

29. Sucede que essas modificações são de iniciativa normativa

privativa do Presidente da República, na medida em que dispõem sobre

“organização e funcionamento da administração federal”, especificamente, da

Petrobrás e do CNPE, devendo ter sido, rigorosamente, objeto de decreto

autônomo (CF, art. 84, VI, “a”). Sem prejuízo de sua disciplina por meio de lei

ordinária, todavia, persiste a reserva em favor do Presidente da República

para deflagrar o processo legislativo pertinente (CF, art. 84, III).

30. Quer dizer, por sua conta, os parlamentares poderiam intentar a

alteração de outras matérias constantes da Lei Federal nº 12.351/2010, como as

cláusulas essenciais do contrato de partilha de produção (art. 29) ou os objetivos

do FS (art. 48), mas não as prerrogativas inerentes ao funcionamento de ente da

Administração Federal – mesmo que indireta, a Petrobrás.

31. Até porque, é bom ressaltar, a revogada obrigatoriedade de sua

atuação direta ou em “consórcio por ela constituído com o vencedor da licitação”

(redação original do art. 2º, VII), diz respeito à dimensão de seu funcionamento

ligado à concretização de sua finalidade constitucional para a segurança

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nacional e o relevante interesse coletivo (CF, art. 173), sob pena de se esvaziar

sua raison d'etre por falta de amparo constitucional.

32. E mais, a sanção presidencial não é capaz de sanar o vício formal,

como há muito pontifica a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF),

por exemplo: “Alteração da denominação e das atribuições do órgão da Administração

Pública. Lei oriunda de projeto da Assembleia Legislativa. Veto do Governador do

Estado, sua rejeição e a promulgação da lei. Subsistência do atentado à competência

reservada ao Chefe do Poder Executivo para dispor sobre a matéria. Vício formal

insanável, que não se convalida” (ADI 2417, Rel. Min. Maurício Corrêa, Tribunal

Pleno, julgado em 03/09/2003).

33. Não menos significativo, há um vício material na Lei Federal nº

13.365/2016 que, por derivação racioinal, igualmente corrompe os editais aqui

impugnados judicialmente. Cuida-se do desatendimento aos já aludidos

imperativos de segurança nacional e o relevante interesse coletivo (CF, art.

173) com a supressão da obrigatoriedade de participação da Petrobrás na

partilha da exploração, mas agora sob outro prisma.

34. Uma primeira violência decorre do fato notório – motivo pelo

qual não depende de prova (CPC, art. 374, I) – de que foram os investimentos

da Petrobrás na área de pesquisa, exploração e produção que levaram à

descoberta das grandes reservas do pré-sal. Essas aplicações que, obviamente,

foram decisivas para o aumento do endividamento e da alavancagem da

empresa, mas que, na verdade, são o seu grande ativo. Ceifá-lo da Petrobrás é

também uma ameaça de lesividade a seu patrimônio.

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35. Estudos4 apontam que, no regime de participação anterior, a longo

prazo, a Petrobrás poderia triplicar suas reservas, aumentando a produção sem

maiores aportes de capital, reduzindo a relação dívida líquida/Ebitda5. Basta

notar que, ao contrário de outras grandes companhias do setor – como

ExxonMobil, BP, Chevron e Shell – a Petrobrás é a única com crescimento real

da produção (fonte: Evaluate Energy):

36. Enquanto essa circunstância revela um descumprimento concreto

ao pressuposto de relevante interesse coletivo para a exploração direta da

atividade econômica pelo Estado, sobretudo, em se tratando de matéria objeto

de monopólio da União (CF, art. 177, I), a remoção da Petrobrás como

participante obrigatória dos contratos de partilha, concorde a Lei Federal nº

13.365/2016, também representa um ataque velado à segurança nacional,

especialmente sob a ótica da soberania (CF, art. 1º, I).

4 RIBEIRO LIMA, Paulo César. Análise do Projeto de Lei nº 4.567/2016 e Apensados. Consultoria

Legislativa. Brasília, Câmara dos Deputados, 2016, p. 32. 5 Referência em inglês para earnings before interest, taxes, depreciation and amortization (em tradução

livre: lucros antes de juros, impostos, depreciação e amortização).

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37. Não é por outra razão que das 4 (quatro) maiores reservas

mundiais de petróleo, 3 (três) estão sob controle de estatais: Gazprom (Rússia),

PDVSA (Venezuela), NIOC (Irã), ADNOC (Abu Dhabi). É claro: a despeito do

crescente ímpeto ecológico, o petróleo ainda é o principal recurso natural da

humanidade, não à toa é pretexto de conflitos militares recorrentes, mostrando-

se estratégico para o desenvolvimento de qualquer economia nacional.

38. Desprezando esses elementos substantivos, a inobservância dos

imperativos de segurança nacional e o relevante interesse coletivo (CF, art.

173) a que se submete a Petrobrás, a Lei Federal nº 13.365/2016 é

manifestamente inconstitucional e, por arrastamento, os editais das 2ª e 3º

rodadas de licitações de contratos de partilha do pré-sal são nulos de pleno

direito, por ilegalidade de seus objetos (Lei Federal nº 4.717/1965, art. 2º, “c”).

39. Por fim, assinale-se que a arguição de inconstitucionalidade da Lei

Federal nº 13.365/2016, ora levantada como fundamento jurídico da nulidade

dos editais em tela, é plenamente admissível, pois “é possível a declaração

incidental de inconstitucionalidade em Ação Popular, ‘desde que a controvérsia

constitucional não figure como pedido, mas sim como causa de pedir, fundamento ou

simples questão prejudicial, indispensável à resolução do litígio principal, em torno da

tutela do interesse público’” (REsp 1559292/ES, Rel. Ministro Herman Benjamin, 2ª

Turma, julgado em 02/02/2016).

5. DA TUTELA CAUTELAR

40. Importante que as alegações lançadas evidenciam o risco ao

resultado útil do processo (periculum in mora), justificando a prestação de

tutela de urgência (cautelar) capaz de resguardar o patrimônio da União e da

Petrobrás da ameaça de lesividade.

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41. É que a sessão pública destinada ao leilão dos blocos objeto dos

editais de licitação está marcada já para 27/10/2017 (sexta-feira), de jeito que

qualquer intervenção judicial a posteriori pode trazer mais danos do que

benefícios, haja vista a sensibilidade do mercado em relação ao tema, podendo

ser interpretado, inclusive, como sinal de quebra da confiança dos investidores.

42. De resto, mesmo em cognição sumária da matéria, a narrativa

jurídica delineada dá conta de os editais da 2ª e da 3ª rodadas padecem de

ilegalidade de objeto (Lei Federal nº 4.717/1965, art. 2º, “c”), configurando a

plausibilidade do direito invocado (fumus boni iuris).

43. O vício exsurge da ameaça de lesividade ao patrimônio da União,

por decorrência do valor comparativamente irrisório do bônus de assinatura

neles veiculado e, principalmente, da defasagem percentual para o cálculo do

excedente de óleo, prejudicando a arrecadação da União e, por conseguinte, da

implementação de políticas públicas a ela veiculadas via Fundo Social.

44. Acrescente-se, pela mesma imputação, a inconstitucionalidade da

Lei Federal nº 13.365/2016, cujo conteúdo configura transgressão aos

imperativos de segurança nacional e o relevante interesse coletivo (CF, art.

173), de maneira a se desdobrar na absoluta nulidade de pleno direito dos

contratos a serem adjudicados pelos editais ora inquinados.

45. Em tempo, não há risco de irreversibilidade da medida (CPC, art.

300, § 3o) ou de esgotamento do objeto da ação (Lei Federal no 8.437/1992, art. 1o,

§ 3°), sendo o pedido liminar puramente cautelar, objetivando preservação do

status quo ante, de sorte que permite a recomposição do espectro de

anormalidade ora atacado, por meios e para fins inconstitucionais: a

continuidade do certame licitatório.

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7. DO PEDIDO

Ante o exposto, o Autor requer/pede:

a) a concessão de medida liminar, inaudita altera parte,

determinando-se a suspensão da sessão pública de apresentação de ofertas da

2ª e da 3ª rodadas de licitações de contratos de partilha de produção, prevista

nos respectivos editais para 27/10/2016 (Cláusula 1.4, Tabela 1, Cronograma),

bem como a interdição do procedimento licitatório em questão até a sentença;

b) a citação das Rés, conforme qualificação inicial, e a intimação do

representante do Ministério Público;

c) ao final, seja julgado procedente o pedido, declarando-se nulos os

editais da 2ª e da 3ª rodada de licitações para outorga de contratos de partilha

para atividades de exploração e produção de petróleo e gás natural;

e) a condenação das Rés em custas e honorários de advogado.

Dá-se à causa o valor de R$ 100,00 (cem reais).

Brasília, 25 de outubro de 2017.

LUCAS DE CASTRO RIVAS OAB/DF nº 46.431