Parahyba Judiciária 05

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  • PARAHYBA JUDICIRIA

    PODER JUDICIRIOJUSTIA FEDERAL DE PRIMEIRA INSTNCIA

    SEO JUDICIRIA DA PARABA

    PARAHYBA JUDICIRIA

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    Comisso da Revista:Juiz Federal Emiliano Zapata de Miranda Leito PresidenteJuiz Federal Rudival Gama do Nascimento - MembroJuiz Federal Substituto Rogrio Roberto Gonalves de Abreu - Membro

    Indexao:Seo de BibliotecaDulcinete Morais CarneiroBibliotecria - Secretria da Revista

    Foto da capa: Adelino Peregrino Bezerra

    Editorao eletrnica e capa: Textoarte Editora

    Impresso: Grfica JB

    Tiragem: 500

    Endereo: Seo Judiciria da ParabaRua Joo Teixeira de Carvalho, 480 - Brisamar58031-900 - Joo Pessoa - Pbemail: [email protected]

    As opinies emitidas em artigos so da responsabilidade dos respectivos autores

    PARAHYBA JUDICIRIA Seo Judiciria da Parahyba a. 4, v. 5 (maio, 2006). Joo Pessoa: ed., 2006

    ISSN 1806-6860

    1. Direito peridicos Brasil 2. Doutrina3. Jurisprudncia 4. Justia Federal Paraba

    CDU 340.142(81)(05)

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    Tribunal Regional Federal 5. Regio

    Desembargadores Federais

    Francisco de Queiroz CavalcantiPresidente

    Paulo Roberto de Oliveira LimaVice-Presidente

    Luiz Alberto Gurgel de FariaCorregedor Regional

    Francisco Wildo Lacerda Presidente 1. Turma

    Ubaldo Atade Cavalcante 1. Turma

    Jos Maria Lucena 1. Turma

    Napoleo Nunes Maia Presidente 2. Turma

    Jos Baptista de Almeida Filho 2. Turma

    Petrcio Ferreira 2. Turma

    Geraldo Apoliano Presidente 3. Turma

    Ridalvo Costa 3. Turma

    Paulo Gadelha 3. Turma

    Marcelo Navarro Ribeiro Dantas Presidente 4Turma

    Lzaro Guimares 4. Turma

    Margarida Cantarelli 4. Turma

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    COMPOSIO DA SEO JUDICIRIA DA PARABA

    Rogrio de Meneses Fialho MoreiraJuiz Federal Diretor do Foro

    Helena Delgado Ramos FialhoMoreiraJuza Federal Vice-Diretora do Foro

    Ccero Caldas NetoDiretor da Secretaria Administrativa

    1. Vara Juiz Federal TitularJoo Bosco Medeiros de Sousa

    1. Vara Juza Federal SubstitutaWanessa Figueiredo dos SantosLima

    Diretor de SecretariaRmulo Augusto de Aguiar Loureiro

    2. Vara Juiz Federal TitularAlexandre Costa de Luna Freire

    2a Vara Juiz Federal SubstitutoRogrio Roberto Gonalves deAbreu

    Diretor de SecretariaRicardo Correia de MirandaHenriques

    3 Vara Juza Federal TitularCristina Maria Costa Garcez

    3 Vara Juza Federal SubstitutaCristiane Mendona Lage

    Diretora de SecretariaRita de Cssia Monteiro Ferreira

    5. Vara (Privativa das ExecuesFiscais) Juza Federal TitularHelena Delgado Ramos FialhoMoreira

    Diretor de SecretariaHlio Luiz Pessoa de Aquino

    7 Vara Juiz Federal TitularPresidente do Juizado EspecialFederal Cvel IRogrio de Meneses Fialho Moreira

    7. Vara Juiz Federal SubstitutoBruno Teixeira de Paiva

    Diretor de SecretariaIapon Fernandes Cortez

    FORUM JUIZ FEDERALNEREU SANTOSCAMPINA GRANDE (PB)

    4. Vara Juiz Federal TitularEmiliano Zapata de Miranda Leito

    4. Vara Juiz Federal SubstitutoBianor Arruda Bezerra Neto

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    Diretor de SecretariaHildebrando de Souza Rodrigues

    6 Vara Juiz Federal TitularFrancisco Eduardo Guimares Farias

    Diretora de SecretariaMagali Dias Scherer

    9 Vara Juza Federal TitularNiliane Meira Lima

    Diretor de SecretariaHerley da Luz Brasil

    10 Vara Juiz Federal Titular eDiretor da SubseoRudival Gama do Nascimento

    Diretor de SecretariaMarconi Pereira de Arajo

    FORUM DES. FEDERALPAULO GADELHASOUSA (PB)

    8. Vara Juiz Federal TitularSubdiretor do ForoFrancisco Glauber Pessoa Alves

    Diretor de SecretariaIrapuam Praxedes dos Santos

    JUSTIA FEDERAL DAPARABAwww.jfpb.gov.brRua Joo Teixeira de Carvalho, 480Brisamar58031-900 Joo Pessoa/PbTel. (83) 3216-4040Fax (83) 3216-4030

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    SUMRIO

    APRESENTAO..................................................................................9

    DOUTRINA...........................................................................................13

    A CONSTITUCIONALIDADE DA LEI 11.079/2004 COMOREQUISITO DA EFICINCIA NOS CONTRATOS DE PARCERIAPBLICO-PRIVADAAna Karolina Soares Cavalcanti...............................................................15

    POR UMA FILOSOFIA PRAGMATISTA DO DIREITO: ADESNECESSIDADE DA BUSCA FILOSFICA PELATRANSCENDNCIA E UNIVERSALIDADE DE CRITRIOS DECORREO DAS DECISES JUDICIAIS (CRTICA POSTURAHABERMASIANA)Adrualdo de Lima Cato..........................................................................23

    PRESCRIO DA AO POPULAR: RELATIVIZAO FRENTE AOSATOS ADMINISTRATIVOS DECORRENTES DE M-F DOADMINISTRADO.Cludia Pessa Tavares de Lyra Costa.....................................................37

    A POSSIBILIDADE DO IMEDIATO JULGAMENTO DE SENTENACITRA PETITA PELO RGO JURISDICIONAL AD QUEMHenrique Jorge Dantas da Cruz...............................................................47

    GLOBALIZAO, SINDICATOS E O PRINCPIO DA IGUALDADE INFLUNCIAS NA COMUNIDADE EUROPIALuciana Vilar de Assis.............................................................................59

    PRINCPIOS CONSTITUCIONAIS COMUNITRIOS E A ORDEMINTERNA DA UNIO EUROPIAMyllena Formiga Cavalcante e Rodovalho de Alencar...............................71

    A ATUAO E OS PRINCPIOS DO JUIZ BALTASAR GARZN REALNA LUTA CONTRA O CRIME ORGANIZADOIngrid Bandeira Santos............................................................................83

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    IMPOSTO SOBRE O VALOR AGREGADO:Notas IntrodutriasFabiana Figueira Sanches Flores..............................................................97

    O IMPACTO, NOS EXECUTIVOS FISCAIS, DAS INOVAESTRAZIDAS DISCIPLINA TRIBUTRIA PELA LEICOMPLEMENTAR 118 E PELA NOVA LEI DE FALNCIASHelena Delgado Ramos Fialho Moreira...................................................111

    SENTENAS......................................................................................125

    PROCESSO N 2005.82.4060-1 Juiz Federal da 2 VaraAlexandre Costa de Luna Freire.............................................................127

    AO CIVIL PBLICA N 2000.82.00.1962-6 Juiz Federal da 3 VaraJos Fernandes de Andrade...................................................................147

    AO CIVIL PBLICA N. 2004.82.00.005500-4 - Juiz FederalSubstituto da 1. Vara FederalEmiliano Zapata de Miranda Leito.........................................................161

    EMBARGOS EXECUO FISCAL N 2004.82.00.007957-4 - JuzaFederal da 5 VaraHelena Delgado Fialho Moreira..............................................................169

    PROCESSO N 02005.82.00507612-9 (M) Juiz Federal Substitutoda 7 VaraRogrio Roberto Gonalves de Abreu.....................................................179

    AO N.: 99.000389-2 Juiz Federal SubstitutoFrancisco Glauber Pessoa Alves............................................................189

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    APRESENTAO

    O quinto nmero da revista Parahyba Judiciria vem consolidar operfil iniciado com aquele que o antecedeu, mantendo-se dividido em duassees: a primeira, dedicada divulgao de artigos doutrinriosselecionados atravs de edital aberto ao pblico especializado; e, a segunda,contendo sentenas de magistrados da Seo Judiciria da Paraba,escolhidas por eles mesmos de acordo com a relevncia da questodecidida.

    A importncia e atualidade das questes jurdicas abordadas pelosartigos doutrinrios publicados neste nmero da revista Parahyba Judiciriademonstra a sua acolhida pelo pblico jurdico local e regional como meiode divulgao da produo cientfica na rea do Direito, devendo-sedestacar a qualidade e a amplitude dos temas objeto dessa produo,ambas, caractersticas visveis nos textos selecionados e publicados nestenmero, os quais abrangeram, com altssimo nvel tcnico, a Filosofia doDireito e os Direitos Constitucional, Administrativo, Tributrio, ProcessualCivil, Internacional, Penal e Ambiental.

    A Diretoria da revista Parahyba Judiciria registra, por fim, os seusagradecimentos:

    - ao Dr. Rogrio de Meneses Fialho Moreira, Juiz Federal Diretor doForo desta Seo Judiciria, pelo renovado apoio publicao deste seuquinto nmero;

    - ao Dr. Rudival Gama do Nascimento, Juiz Federal Substituto da 10.Vara Federal desta Seo Judiciria e ao Dr. Rogrio Abreu, Juiz FederalSubstituto da 2. Vara Federal desta Seo Judiciria, pela disponibilidadeem compor a Comisso da Revista responsvel pela escolha dos artigos aserem publicados e pela dedicao e zelo com que levaram adiante essatarefa;

    - Sr. Dulcinete Morais Carneiro (Dulce), Bibliotecria desta SeoJudiciria e Secretria da Revista Parahyba Judiciria, sem cujaparticipao, mais uma vez, entusistica e dedicada, no teria sido possvel

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    a publicao deste nmero;

    - ao Dr. Ccero Caldas Neto, Diretor da Secretaria Administrativadesta Seo Judiciria, pela pronta colaborao na fase final de suapublicao;

    - ao Sr. Rogrio Xavier da Costa, Diretor do Ncleo de Tecnologiada Informao, e aos demais servidores do referido Ncleo, pelacolaborao prestimosa na organizao do texto deste nmero da revista;

    - e CAIXA ECONMICA FEDERAL CEF, cujo patrocnio, umavez mais prontamente disponibilizado, viabilizou a publicao deste nmeroda revista Parahyba Judiciria.

    Joo Pessoa, maio de 2006.

    Emiliano Zapata de Miranda LeitoJuiz Federal Titular da 4. Vara FederalDiretor da Revista Parahyba Judiciria

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    Ana Karolina Soares Cavalcanti*

    A CONSTITUCIONALIDADE DA LEI 11.079/2004 COMOREQUISITO DA EFICINCIA NOS CONTRATOS DE

    PARCERIA PBLICO-PRIVADA

    Sumrio: 1. Breves Consideraes acerca da Atuao Estatal; 2.Princpio da Subsidiariedade; 3. As Parcerias Pblico-Privadas da Lei n.11.079/2004; 4. Eficincia versus Constitucionalidade; 5. ConsideraesFinais; 6. Referncias.

    Palavras-chave: 1.Parcerias Pblico-Privadas; 2. Eficincia; 3. AdministraoPblica.

    1. Breves Consideraes acerca da Atuao Estatal

    Paralelamente ao fenmeno da globalizao, observou-se, a partir dasegunda metade do sculo XX, a crise do Estado Social, que se configurou emtrs diferentes rbitas: 1) crise fiscal, marcada pela progressiva perda de crditopor parte do Estado, que o tornou incapaz da efetivao das polticas pblicas;2) crise do paradigma burocrtico de gesto pblica, caracterizado pelos elevadosgastos e pela baixa qualidade dos servios pbicos; e 3) crise do modo estatizantede interveno do Estado, que exprime o colapso do Welfare State e dos pasescomunistas.

    Dessa forma, o Estado Intervencionista, que outrora foi apontado comofator de desenvolvimento, transformou-se em obstculo ao crescimentoeconmico e social, justamente por adotar atividades alm de sua capacidade,com prestao de servios pblicos e atuao econmica macias, que culminouna exploso do dficit pblico e na falncia dos servios estatais.

    Toda essa crise estrutural acabou por demandar imediatas alteraesnos paradigmas da atuao do Estado. O efeito desastroso do Welfare State,adotado, principalmente pelos pases economicamente e politicamente maisavanados, incitou o discurso dos novos liberais, de modo que as polticas dedesregulao esto, atualmente, na ordem do dia, em vrios pases.

    Dupas (2000, p.93), debruando-se sobre as tendncias contemporneas

    * Advogada e Mestranda em Cincias Jurdicas, na rea de Concentrao de Direito Econmico naUniversidade Federal da Paraba.

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    da atuao estatal, afirma que o discurso neoliberal varreu as economiasmundiais. A reduo das dimenses do Estado tem sido apresentada comocapaz de resolver os problemas de um setor pblico estrangulado por suasdvidas.

    Esse novo paradigma do Estado, chamado de neoliberal ou social liberal, de natureza liberal, mas no esquece o contexto social. Pauta-se na atuaodo Estado sobre a economia, que, segundo Tavares (2003, p. 66) culmina:

    [] na revalorizao das foras de mercado, na defesa da desestatizaoe na busca de um Estado financeiramente mais eficiente probo eequilibrado, reduzindo-se os encargos sociais criados no ps-guerra, aindaque sem afastar totalmente o Estado da prestao de servios essenciais.

    O que se pretende a diminuio do tamanho da mquina administrativa,com a supresso das atividades pblicas providas exclusivamente pelo Estado,a fim de que o particular ganhe espao.

    2. Princpio da Subsidiariedade

    Diante dessa necessidade, surgiu o princpio da subsidiariedade, queproporciona uma efetiva participao da sociedade na realizao do interessepblico, mediante uma espcie de delegao social, realizada por entidades decolaborao e de cooperao, o que permite o aprofundamento da relaoentre Estado e Sociedade.

    O princpio da subsidiariedade relega ao Estado o papel de fomentar,controlar e coordenar o desempenho social, restituindo sociedade as atividadesque, embora envolvam interesse pblico, dispensam a atuao direta do Estado.

    Assim, nesse novo contexto, o Estado se retrai, reduzindo seu carter deprestador direto de atividades pblicas, a fim de direcionar-se apenas s atividadesque demandem sua atuao direta como regulador, indutor e mobilizador dosagentes sociais, na promoo do desenvolvimento, evitando, dessa forma, aprecarizao dos servios pblicos.

    Destarte, o estabelecimento de parcerias entre o setor pblico e o privado,impulsionando o avano do denominado setor pblico no-estatal, tem sidoapontado como uma das principais solues para a superao da crise do EstadoIntervencionista.

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    Para Szklarowsky (2004, p. 24), a participao do setor privado narealizao de obras e prestao de servios pblicos constitui atualmente dogmada sociedade moderna, aps o desastre do socialismo e da estatizao.

    Sobre o assunto, necessrio se faz, tambm, trazer baila o entendimentode Pietro (1999, p. 32), para quem:

    [...] a parceria serve ao objetivo de diminuio do tamanho do aparelhodo Estado, na medida em que delega ao setor privado algumas atividadesque hoje so desempenhadas pela Administrao, com a conseqenteextino ou diminuio de rgos pblicos e entidades da administraoindireta, e diminuio do quadro de servidores; serve tambm ao objetivode fomento iniciativa privada, quando seja deficiente, de modo a ajud-la no desempenho de atividades de interesse pblico; e serve ao objetivode eficincia, porque introduz, ao lado da forma tradicional de atuaoda Administrao Pblica burocrtica, outros procedimentos que, pelomenos teoricamente (segundo os idealizadores da Reforma), seriam maisadequados a esse fim de eficincia. (grifo da autora)

    Diversas so as formas de parcerias entre o Estado e o setor privadoexistentes em nosso ordenamento jurdico, dentre as quais impende ressaltar asconcesses e permisses de servios pblicos.

    Entretanto, atualmente, uma nova modalidade de parceria tem sido oalvo das atenes na Administrao Pblica brasileira. Trata-se das chamadasParcerias Pblico-Privadas, denominao que, apesar de tecnicamente indicargnero do qual as concesses e permisses tambm so espcies, tem sidoutilizada para designar a nova forma de contratao pblica estabelecida naLei n. 11.079/2004.

    3. As Parcerias Pblico-Privadas da Lei n. 11.079/2004

    Amplamente conhecidas atravs da sigla PPP, em referncia expressoinglesa Public Private Partneship, as parcerias pblico-privadas1 tm sidoapontadas como traduo da responsabilidade social atribuda atualmente ao

    1 No obstante as divergncias acerca da denominao do instituto, quando mencionarmos, a partirdesse momento, o termo parcerias pblico-privadas estaremos nos referindo nova figura da Lei n.11.079/2004.

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    setor privado, haja vista que a ampliao dos servios e infra-estrutura do Estadoserve de estmulo ao crescimento das taxas de emprego, culminando no aumentodo desenvolvimento econmico e social.

    Essa nova forma de contratao alcanou diversos pases, a exemplo daInglaterra, Irlanda, Portugal, Espanha e frica do Sul, no entanto, para que suaimplementao na Administrao Pblica brasileira tenha xito, faz-senecessria, alm da adaptao realidade brasileira, a anlise da viabilidadedessas experincias internacionais, a fim de apontar seus erros e acertos.

    A Lei n. 11.079/04 estabelece as diretrizes gerais para a contrataosob o regime de parceria pblico-privada, entretanto, outros instrumentos, taiscomo, os regulamentos, editais e contratos sero de grande importncia parauma anlise prtica da aplicao dessa nova modalidade de contratao.

    As parcerias pblico-privadas constituem uma nova modalidade decontratao, na qual a Administrao Pblica e o setor privado, tendo comofundamento o compartilhamento de riscos, e mediante o financiamento pelosetor privado, assumem a realizao de uma obra ou servio pblico, mediantecontratos de concesso patrocinada ou concesso administrativa.

    O desenvolvimento desse novo regime de contratao ocorreu em faceda escassez de recursos estatais para a realizao de investimentos em infra-estrutura, necessrios para possibilitar a prestao dos servios pblicos, bemcomo, diante da necessidade de maximizao da eficincia na execuo dosservios pblicos.

    4. Eficincia versus Constitucionalidade

    O inciso I do art. 4 da Lei 11.079/04 estabelece, como diretriz nacontratao de parcerias pblico-privadas, a eficincia no cumprimento dasmisses de Estado e no emprego dos recursos da sociedade.

    No entanto, inicialmente deve-se analisar, sob a tica da realidadeeconmica brasileira, se a implementao das parcerias pblico-privadas, sob ofundamento de maximizao da eficincia na prestao dos servios pblicos,no ocasionar efeito contrrio ao pretendido, na medida em que o altoinvestimento privado poder ensejar um aumento abusivo nas tarifas pblicasdecorrentes dos contratos de concesso patrocinada, e, por conseguinte a reduono nmero de usurios aptos utilizao do servio.

    Outro ponto controvertido nas parcerias pblico-privadas diz respeito

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    eficincia na utilizao dos recursos pblicos, haja vista que alguns dispositivosda Lei n. 11.079/2004 como a possibilidade de endividamento do Estado porat 35 anos sem previso nas leis oramentrias, a vinculao de receitas pblicascomo prestao de garantia dada pela Administrao Pblica ao parceiro privadoe a aplicao de dinheiro pblico sem prvia autorizao legislativa no secoadunam com as diretrizes da responsabilidade fiscal na Administrao Pblica.

    Com efeito, nada obstante um dos principais fundamentos para a criaode parcerias entre os setores pblico e privado seja a obteno de maioreficincia na prestao de atividades pblicas, o exame da Lei n. 11.079/04nos suscita questionamentos acerca de sua efetiva obedincia a esse princpioadministrativo inserido na Constituio Federal pela Emenda Constitucional n.19/98.

    A eficincia do sistema de prestao de garantias2 ofertadas pelo PoderPblico ao ente privado, em virtude do inadimplemento do contrato desse sistema questionvel, na medida em que permite a vinculao de receitas para garantira execuo de um contrato que deveria ser financiado pelo parceiro privado 3 .

    Com efeito, toda receita pblica um bem pblico, e, como tal, dotado deatributos como indisponibilidade, irrenunciabilidade e inegociabilidade. No sedeve admitir a utilizao de receita pblica para o oferecimento de garantias,uma vez que o inadimplemento pela Administrao Pblica deve ser requeridomediante execuo judicial, atravs da apresentao de precatrios, sob penade malferimento ao art. 100 da Constituio Federal4 .

    Ademais, o art. 36 do ADCT extinguiu todos os fundos especiais5existentes na data da promulgao da Carta Constitucional de 1988 e o art.165, 9, inciso II da mesma Carta restringiu a criao de novos fundos aoprvio regramento por lei complementar, de modo que, na ausncia de lei

    2 Bonelli e Cintra (2004) apontam o sistema de prestao de garantias como condio indispensvelpara a atratividade dos projetos de parceria pblico-privada.

    3 O art. 8 da Lei n. 11.079/2004 estabelece como formas de garantia das obrigaes pecuniriascontradas pela Administrao Pblica em contratos de parcerias pblico-privadas: a vinculao dereceitas, a instituio ou utilizao de fundos especiais, a contratao de seguro-garantia, as garantiaprestada por organismos internacionais ou instituies financeiras, as garantias prestadas por fundogarantidor ou empresa estatal criada para esta finalidade, alm de outros meios permitidos em lei.

    4 O dispositivo constitucional estabelece que os pagamentos devidos pela Fazenda Pblica em virtudede sentena judicial, exceo dos crditos de natureza alimentcia, devero ser engendradosobrigatoriamente na ordem cronolgica de apresentao dos precatrios e conta dos crditosrespectivos.

    5 Com exceo daqueles resultantes de isenes fiscais que passem a integrar patrimnio privado e dosque interessem defesa nacional.

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    complementar a disciplinar previamente a matria, a criao do fundo garantidordas parcerias pblico-privadas (FGP), estabelecida no art. 16 da Lei n. 11.079/2004, est eivada pelo vcio da inconstitucionalidade formal..

    O alcance da eficincia das parcerias pblico-privadas no Brasil estinevitavelmente condicionada observncia da adequao da Lei n. 11.079/04 Constituio Brasileira, na medida em que no se justifica uma atuao daAdministrao Pblica, por mais eficiente que seja, contrria s disposies daCarta Magna.

    Corroborando este entendimento, faz-se mister consignar os ensinamentosde Villa (1997, p. 637):

    Agora, o princpio da legalidade deve ficar resguardado, porque a eficciaque a Constituio prope sempre suscetvel de ser alcanada conforme oordenamento jurdico, e em nenhum caso ludibriando este ltimo, que haver deser modificado quando sua inadequao s necessidades presentes constituaum obstculo para a gesto eficaz dos interesses gerais, porm nunca poderse justificar a atuao administrativa contrria ao direito, por mais que possaser elogiado em termos de pura eficincia.

    A Lei n. 11.079/2004 o principal instrumento legal para a implementaono Brasil desse novo e importante instituto jurdico que a parceria pblico-privada, no entanto, suas disposies devem respeitar a Constituio Federal,sob pena de no ser alcanado seu fim precpuo, o da maximizao da eficinciana prestao de atividades pblicas.

    5. Consideraes Finais

    Em virtude da tendncia contempornea do afastamento do Estado daprestao dos servios pblicos, muito se tem discutido acerca das parceriaspblico-privadas e de sua contribuio para a melhoria desses servios.

    A implementao de parcerias pblico-privadas na Administrao Pblicabrasileira tem como fundamentos a escassez de recursos pblicos, a excelnciade gesto do setor privado e a maximizao da eficincia no servio pblico, noentanto, na prtica, no h garantias de que o efeito alcanado com o adventodessa nova modalidade de contratao possa ser contrrio, culminando na m-prestao das atividades e no desperdcio dos recursos pblicos.

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    A apreciao da Lei n. 11.079/04 nos remete analise dainconstitucionalidade de seus dispositivos relativos ao sistema de prestao degarantias, o que pe em cheque seu principal fundamento, qual seja, o da maioreficincia na prestao da atividade estatal, porquanto no se deve conceberum Administrao amplamente eficiente, mas pautada em vcios deconstitucionalidade.

    6. Referncias

    BATISTA JNIOR, Onofre Alves. Princpio constitucional daeficincia administrativa. Belo Horizonte: Mandamentos, 2004.

    BONELLI, Cludia Elena; CINTRA, Antnio Flix de Arajo. Asistemtica contratual das PPP. Jus Navigandi, Terezina, a. 9, n. 504, 23 nov.2004. Disponvel em: .Acesso em: 05 abr. 2005.

    BRASIL. Constituio da Repblica Federativa do Brasil: textoconstitucional promulgado em 5 de outubro de 1988. Braslia: Senado Federal,Subsecretaria de Edies Tcnicas, 2005.

    __________. Lei n. 11.079/2004. Senado Federal. Disponvel em:. Acesso em: 10 jan. 2005.

    DUPAS, Gilberto. Economia global e excluso social. 2. ed. SoPaulo: Paz e Terra, 2000.

    GRAU, Eros Roberto. A ordem econmica na Constituio de 1988.8. ed. So Paulo: Malheiros, 2003.

    MODESTO, Paulo. Notas para um debate sobre o princpio da eficincia.Boletim de direito administrativo, v.16, n.11, p.830-837, nov. 2000.

    PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. Direito administrativo. 14. ed. SoPaulo: Atlas, 2002.

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    __________. Parcerias na administrao pblica: concesso,permisso, franquia, terceirizao e outras formas. 3. ed. So Paulo: Atlas,1999.

    SZKLAROWSKY, Leon Fredja. Anlise do projeto das PPPs.Consulex. Braslia, DF, ano VIII, n. 185, p. 24-27, set. 2004.

    TAVARES, Andr Ramos. Direito constitucional econmico. SoPaulo: Mtodo, 2003.

    VILLA, Jess Leguina. A Constituio espanhola e a fuga do direitoadministrativo. Revista de Direito Administrativo Aplicado, ano 2, n. 6,set. 1995.

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    Adrualdo de Lima Cato*

    POR UMA FILOSOFIA PRAGMATISTA DO DIREITO: ADESNECESSIDADE DA BUSCA FILOSFICA PELA

    TRANSCENDNCIA E UNIVERSALIDADE DE CRITRIOSDE CORREO DAS DECISES JUDICIAIS (CRTICA

    POSTURA HABERMASIANA)

    1. Introduo: cabvel a busca da Filosofia do Direito pelaRacionalidade do Processo Judicial?

    Trata o presente trabalho de questionar a tentativa, comum s teorias daargumentao jurdica, baseadas na postura habermasiana, de se conferir algumestatuto de racionalidade ao processo de decises de controvrsias jurdicas,representado, nas sociedades que apresentam a forma de um direito dogmatizado,pelo processo judicial.

    No se pretende afirmar que a tomada de decises jurdicas se d deforma irracional ou sem qualquer critrio. Na verdade, a postura que ora sequer assumir a de que a filosofia do direito no necessita de um discurso talque incorpore elementos e noes prprias ao discurso filosfico da modernidade.

    Para isso sero analisados os pressupostos bsicos ao discurso comoapresentados por Habermas. A sua tentativa de racionalizar o processo detomada de decises jurdicas demonstra a tendncia de manuteno dovocabulrio moderno atravs da redefinio da razo de forma a fundamentarum discurso livre de coao.

    Esta tendncia tem como conseqncia uma teoria que busca,basicamente, fundar a liberdade discursiva. Trabalhando com o pressupostode que as questes morais no podem ser resolvidas pelo recurso a noesjusnaturalistas ou de objetividade valorativa, como queriam os racionalistasmodernos, tem-se agora de fundar a moralidade num discurso livre de qualquercoao.

    Em oposio a tal tentativa, tem-se uma postura pragmatista deesquecimento da noo de algo como uma razo, prpria aos seres humanos.

    *Mestre em Teoria e Filosofia do Direito, doutorando em Teoria e Filosofia do Direito, Especialistaem Direito Processual, Professor da Faculdade Maurcio de Nassau e da Faculdade Integrada doRecife, Assessor de Desembargador Federal do TRF da 5a Regio.

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    Trata-se de uma forma de se encarar a filosofia, a cincia, a tica, a arte,enfim, qualquer discurso humano, como a busca por um futuro melhor, deixando-se, pois, de lado, qualquer tentativa de fundar algo como a liberdade no discurso.

    2. O receio da Ditadura do Poder Judicirio e a busca da Filosofiado Direito pela Racionalidade Judicial: O Juiz Hrcules de Dworkin

    como tentativa de segurana nas decises jurdicas

    Em filosofia do direito, o receio o de que a liberdade que o texto jurdicoconfere ao aplicador no momento da deciso implique num decisionismo e quea prudentia substitua a razo. As teorias da argumentao jurdica procuramdesesperadamente um lugar onde se apoiar para evitar o que j vem sendochamado de ditadura do Poder Judicirio.

    Essa tentativa pode ser exemplificada inicialmente pela viso idealistade Dworkin sobre a moralidade do judicirio e a necessidade de o juiz encontrara nica deciso correta.

    A reao de Dworkin postura de Hart (2001, p. 137), segundo a qualo direito apresenta em sua estrutura determinadas normas que tm uma texturaaberta, diante das quais o decididor pode, arbitrariamente, escolher uma entreas vrias interpretaes possveis. Diante dessa situao, o juiz poderia,arbitrariamente, ou seja, baseado na vontade, decidir o caso concreto a siapresentado. (DWORKIN. 2001, p. 34-35)1

    Baseado nessa premissa, Hart (2001, p. 138) teoriza sobre o tema doceticismo acerca das regras. As regras gerais realmente existem, ou o direito somente aquilo que os tribunais decidem em cada caso concreto? Se as normasapresentam uma textura aberta, bastante razovel perscrutar sobre a existnciade parmetros gerais de conduta para assim entender qual a amplitude daliberdade do decididor.

    com essa questo que Hart trabalha, tentando demonstrar que, apesarda liberdade do intrprete ao decidir um caso, no se pode negar as hiptesesem que os parmetros de conduta so aceitos geralmente, servindo de pautasobjetivas e que so efetivamente observadas pela sociedade. Assim, a liberdadedo que decide no nega a existncia das regras objetivas de conduta.

    O problema que, apesar de se observar que algumas pautas de conduta

    1 Ver tambm STRUCHINER, Noel. Direito e Linguagem: uma anlise da textura abertada linguagem e sua aplicao no direito. Rio de Janeiro: Renovar. 2002, p. 124.

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    so geralmente aceitas e no apresentam maiores problemas em suainterpretao, o espao deixado pela textura aberta de determinados textosnormativos possibilita que o decididor esteja livre para decidir, o que traz tonao problema da legitimidade da deciso.

    Trata-se da preocupao que Kelsen desprezou como incabvel cinciado direito. Mantendo os fundamentos de sua teoria pura, afirma que ainterpretao ato de conhecimento, que visa a encontrar as diversaspossibilidades de sentido de acordo com a cincia do direito, servindo essacomo uma espcie de moldura, dentro da qual as diversas possibilidades estariaminseridas. (KELSEN. 1998, p. 387)

    A partir de ento, a interpretao seria uma escolha arbitrria, umverdadeiro ato de vontade, exerccio de um poder discricionrio, que no estariamais no mbito de anlise da cincia do direito, pois seria questo de poltica outica, escolher qual das hipteses interpretativas seria aplicada ao caso.

    A possibilidade de uma deciso arbitrria fez com que Dworkin teorizasseacerca da argumentao judicial, apresentando o direito como um sistema deregras e princpios, justificando, assim, que o ordenamento seria completo, nosentido de que no sobraria espao para qualquer julgamento arbitrrio porparte do juiz, diante da amplitude semntica dos princpios jurdicos, podendo-se, mesmo nos chamados casos difceis (hard cases), chegar-se a uma nicadeciso correta. (DWORKIN. 1999, p. 378)2

    a teoria do juiz Hrcules, que trabalha com a figura de um juiz perfeito,dotado de atributos sobre-humanos, que teria a capacidade de encarar um hardcase e encontrar a soluo adequada, diante dos princpios presentes no sistemajurdico. Ele teria a capacidade ideal de conhecer todos os princpios do sistemajurdico, sendo capaz de encontrar, em cada caso, a melhor soluo de acordocom o ordenamento de direito vigente:

    O juiz Hcules dispe de dois componentes de um saber ideal: eleconhece todos os princpios e objetivos vlidos que so necessrios para ajustificao; ao mesmo tempo ele tem uma viso sobre o tecido cerrado doselementos do direito vigente que ele encontra diante de si, ligados atravs defios argumentativos. (HABERMAS. 1997, p. 263).

    A importncia dos princpios destacada, tendo em vista que atravs

    2 Alm de HABERMAS, Jrgen. Direito e Democracia I: entre faticidade e validade . Rio de Janeiro:Tempo Universitrio, 1997, p. 259.

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    desse tipo de texto jurdico, o ordenamento se torna completo, j que possibilitauma fundamentao dogmtica, ou seja, previamente, contm os elementos aserem utilizados na deciso. Isto porque Dworkin apresenta, como uma dascaractersticas centrais do positivismo e seu modelo de regras, a de que aobrigao jurdica (legal obligation) somente existe se houver uma regra dedireito que assim o diga. Destarte, no modelo de regras, quando no h umaregra, no h obrigao jurdica. (DWORKIN. 2001, P. 17)

    Esta tese, todavia, tem uma f absoluta na infalibilidade do juiz diante daplurivocidade dos textos normativos e das questes valorativas e altamentecontroversas que lhe aparecem no processo judicial. Esta f metafsica esomente poderia estar baseada numa figura ideal como Hrcules, o juiz perfeito.Como o juiz comum est aqum da figura de um Hrcules, a tese de Dworkin bastante difcil de ser defendida numa sociedade to complexa como a quecontemporaneamente se apresenta.

    3. A superao da razo centrada no sujeito: Racionalidade comoobedincia a pressupostos de sinceridade e liberdade discursivas

    A postura de Dwokin todavia, coloca toda a carga de responsabilidademoral numa nica figura, dentro do processo decisrio: o juiz. Esta viso no secoaduna com a postura habermasiana, que trabalha com uma outra linha decrtica irracionalidade das decises judiciais.

    Aqui se pretende apresentar a forma de se superar a teoria da verdadecomo correspondncia realidade por meio de um novo conceito de razo,desvinculada da subjetividade. A razo encarada como obedincia a critriosque garantam a liberdade e sinceridade discursivas, encarando-se ascontrovrsias jurdicas como pautas de discusso a serem decididasintersubjetivamente.

    com base nesse pressuposto que as tentativas de racionalizar o processojudicial e os discursos jurdicos em geral delineiam seu conceito de racionalidade.Foge-se da razo centrada no sujeito, de um lado, e da irracionalidade, de outropara encontrar uma razo comunicativa. Uma racionalidade pragmtica-universal, cuja funo a de identificar e reconstruir condies universais depossvel compreenso mtua. (HABERMAS. 1996, p. 09)

    A razo vista como centrada no sujeito tem a sua aferio baseada nos

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    critrios de verdade que regulam as relaes do um sujeito que conhece omundo de objetos ou estado de coisas possveis. Uma relao de correspondnciaque toma por base um mundo coisificado que existe independente do homeme que deve ser captado pela razo. Teorias filosficas que do o acesso a talmundo devem ser deixadas de lado. (HABERMAS. 2003, p. 17)

    A premissa da teoria habermasiana da racionalidade comunicativa ade que devem existir pressupostos bsicos a serem observados no discurso eque proporcionariam o carter racional ao mesmo. Refere-se tentativa de selivrar da teoria da verdade como correspondncia, mantendo a racionalidadecomo meta-critrio para correo das decises morais e veracidade das questestericas voltando-se busca do consenso. (ATIENZA. 2000, p. 234)

    Assim, normas que implicam a liberdade e sinceridade discursivas servemcomo critrios de aferio da racionalidade do discurso, que visa a substituir aracionalidade centrada no sujeito. Uma teoria como essa tem em vista afirmarque uma crena moral que seja resultante de um procedimento cujas regras deracionalidade no foram cumpridas s pode ser tida como irracional. (RORTY.2002, p. 236)

    A razo comunicativa tem em mente o conhecer como algo mediadopela comunicao, a racionalidade encontra sua medida na capacidade de osparticipantes responsveis pela interao orientarem-se pelas pretenses devalidade que esto assentadas no reconhecimento intersubjetivo.(HABERMAS. 2002, p. 438)

    A razo assim colocada se refere capacidade que tem o discurso deunificar sem coero e instituir um consenso no qual os participantes superamsuas concepes inicialmente subjetivas e parciais em favor de um acordoracionalmente motivado. A liberdade e sinceridade discursivas voltadas paraum consenso racional. (HABERMAS. 2002, p. 439)

    No se trata da viso de uma comunidade privada, especfica paradefinio das regras de racionalidade discursiva, pois, mesmo que no se possasair do jogo de linguagem a que o ser humano est vinculado, na relao coma realidade no se pode perder o nexo com algo que independe de ns e que ,nesse sentido, transcendente. (HABERMAS. 1997, p. 32)

    A verdade, assim considerada, tem por base a noo de final opinionda comunidade de cientistas, um estgio ideal onde a informao fosse completa,de forma tal que a realidade depende da deciso derradeira da comunidade; opensamento constitui-se caminhando na direo de um pensamento futuro....(PEIRCE. 1983, p. 83)

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    Esta concepo de realidade depende de uma considerao decomunidade que, por determinados critrios, definiria a verdade comoaceitabilidade racional, uma pretenso de validade criticvel sob as condiescomunicacionais de um auditrio de intrpretes alargado idealmente no especosocial e no tempo histrico, o que indica a preocupao com a liberdade departicipao no discurso, tanto temporal quanto espacial. A noo de umacomunidade discursiva se refere idia de algo diferente da noo de verdadecomo representao objetivada de uma realidade pelo mtodo cientfico.(HABERMAS. 1997, p. 32 e 33)

    Habermas bem destaca que a community of investigators de Peirce um ambiente de cientistas e no de pessoas comuns. Todavia pensa que anoo pode ser utilizada no somente para problemas cientficos ou tericos,mas pode ser transplantada para questes prticas e do dia-a-dia. Em ambosos casos tm-se pretenses de validade para as assertivas propostas dentro dodiscurso com relao a questes do mundo. (HABERMAS. 1997, p. 34)

    A anlise pragmtica habermasiana implica, pois, a considerao docarter transcendental dos pressupostos de racionalidade. O acordo resultantedo procedimento discursivo racional no algo apenas relativamente vlido,mas sim objetivamente vlido para todos os sujeitos considerados racionais,aqueles que potencialmente podem participar da situao ideal de discurso. Daque a verdade ou correo do resultado do discurso depende da possibilidadede se alcanar o consenso numa situao discursiva ideal, que o fundamentoda racionalidade do processo discursivo. (ATIENZA. 2000, p. 239)

    Em suma, pode-se identificar como pressupostos de racionalidade dodiscurso a obedincia a regras bsicas que conferem total liberdade ao discursoe ampla participao dos oradores. A regra primeira aquela que define anorma: todo aquele que fala pode tomar parte no discurso. (ALEXY. 1997, p.112). Veja que se trata de uma teoria prescritiva que toma por base pressupostostranscendentes que, se observador, definem a racionalidade do discurso.

    A pretenso em Habermas de racionalizar o discurso e, com isso, criaruma alternativa razo centrada no sujeito, e s teorias da verdade comocorrespondncia com a realidade. Seguindo esta linha, Alexy trabalha o discursojurdico como caso especial do discurso prtico habermasiano, o que faz daquesto sobre a correo de um enunciado um problema procedimental, cujaracionalidade estaria ligada ao cumprimento dos pressupostos bsicos do discursoracional prtico, notadamente, a liberdade dos argumentos.

    No pensa num procedimento que encontrar apenas uma resposta, nem

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    coloca o pressuposto da racionalidade no resultado do processo. Na verdade, oracional est no cumprimento das regras bsicas e no em um resultadoespecfico, seja ele consensual ou no. (ALEXY, 1982. p. 93)

    Para quien slo est dispuesto a aceptar como teora de la argumentacinjurdica racional un procedimiento que garantice la seguridad del resultado, lateora aqu propuesta resulta rechazable ya por este motivo. (ALEXY, 1997,p. 278) Abandona-se, portanto, a ligao entre certeza e razo, partindo-separa a busca de algo que possa salvar o processo de tomada de decises dealgo irracional, sem qualquer possibilidade de segurana e racionalidade. aretomada da corrida pela cientificidade do direito, agora sob nova roupagem.

    Assim, partindo-se da viso de que o processo judicial um tipo deambiente para o discurso jurdico e de que este um tipo de discurso prticogeral, busca-se uma fundamentao prescritiva para a racionalidade dessetipo de discurso judicial, que estaria no cumprimento de regras bsicas da razoe que haveria, nos participantes a pretenso de correo das suas assertivas.(ATIENZA. 2000, p. 292)

    Evidentemente, aqui, no se quer analisar pormenorizadamente asdiversas regras estipuladas por Alexy, nem como elas poderiam ser aplicadasao processo, nem a questo de se o discurso jurdico caso especial do discursoprtico geral, j que tal empreitada necessitaria de uma anlise bem maisaprofundada sobre a teoria e suas especificidades. A questo que se pretendeproblematizar a de saber se atribuio de um carter universalista etranscendente aos critrios de racionalidade procedimental algo a se buscarpela filosofia do direito.

    4. Uma postura filosfica antiessencialista: A noo de jogo delinguagem como forma de vida contra concepes filosficas

    universalistas

    Neste ponto, a noo de jogo de linguagem de Wittgenstein serve para opropsito de uma argumentao filosfica pragmatista, de forma a deixar delado qualquer tipo de vocabulrio que ainda mantenha concepes de cartertranscendente ou universalista como a teoria acima exposta.

    A viso do homem como ser desde j inserido na linguagem e que notem qualquer acesso direto a um mundo independente dele a base daconsiderao de que a verdade no correspondncia, mas se refere a maior

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    coerncia ou utilidade das descries realizadas. A verdade no est diante dohomem, pois s h verdades onde h frases, que so elementos lingsticos,criaes humanas. (RORTY. 1994, p. 25)

    Esta viso impede que se considere haver qualquer verdade independentedo homem, como tambm impede qualquer viso do que seria a naturezaintrnseca das coisas ou da prpria humanidade. Qualquer considerao comoessa somente pode ter por base algo pr-lingstico, fora do jogo de linguagem,algo divinizado.

    Assim que a forma de vida do ser humano se configura como um jogode linguagem. Ao invs de definir um conceito de jogo de linguagem,Wittgenstein (2002, IF 19 e 23) exemplifica-os como sendo contextos de formasde vida nas quais o homem atua, age. A expresso jogo de linguagem deveaqui realar o fato de que falar uma lngua uma parte de uma actividade ou deuma forma de vida. Da que a atuao do homem dentro do jogo que conferesignificao s suas descries.

    Isto quer dizer que no h algo em si que retratado pela linguagem.Ao viver o homem atua dentro de um contexto significativo e, para atender aseus objetivos e interesses, tem que jogar segundo as regras do jogo de linguagemem que est inserido. Ao afirmar, assim, que algo vermelho, o ser humanono designa uma caracterstica intrnseca do vermelho. Como que reconheoque isto vermelho? Vejo o que isto; e agora sei que tem esse nome. Isto?O qu?! Para esta pergunta, que gnero de resposta tem sentido?. Overmelho seria, portanto, to somente descrio, que s adquire sentido dentrodo jogo. (WITTGENSTEIN. 2002, IF 380).

    Identifica-se, portanto, linguagem e o agir humano. O agir humano semprese d em determinados contextos de ao, com caractersticas prprias eespecficas, que o jogo de linguagem. (OLIVEIRA. 1996, p. 138) Sempre seest num jogo determinado. So vrios os jogos com que o ser humano age eentre os mesmos no h qualquer elemento essencialmente comum. Ao invsde tentar encontrar uma essncia da linguagem eu afirmo que todos estesfenmenos [jogos de linguagem] nada tm em comum, em virtude do qual nsutilizemos a mesma palavra para todos mas antes que eles so aparentadosentre si de muitas maneiras diferentes. (WITTGENSTEIN. 2002, IF 65)

    Isto demonstra que, em sendo vrios os jogos, em cada jogo havendoregras de significao especficas, e em no havendo fatos independentes dedescries dentro desses jogos, no h que se falar em uma essncia que existeindependentemente ou fora dos jogos de linguagem.

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    Se no h algo a fundamentar o sentido de uma assero, sua correoou veracidade, que no seja uma justificao inserida no jogo de linguagem, comodefender uma transcendncia ou universalidade da racionalidade discursiva? Atomada de conscincia de que o mundo no nos diz quais os jogos de linguagemque devemos jogar no deveria, no entanto, levar-nos a dizer que uma decisosobre o jogo que h que jogar arbitrria, nem a dizer que a expresso de algode profundo que existe dentro de ns. (RORTY. 1994, p. 25)

    Este algo profundo dentro de ns tambm no deveria ser substitudo porum critrio transcendente, universalista, como parece ser o caso das regras darazo no discurso. A escolha pelas asseres corretas no algo que sepossa vincular por critrios objetivos, nem por uma mera questo arbitrria.Tambm no uma escolha regrada por padres universais do discurso: AEuropa no decidiu aceitar a linguagem da poesia romntica, nem a da polticasocialista, nem a da mecnica de Galileu. Tal tipo de viragem no foi um actode vontade, tal como no foi resultado de uma argumentao. Na verdade, oque ocorreu que se deixou, gradualmente, de utilizar algumas palavras,passando a se utilizar outras no lugar daquelas. (RORTY. 1994, p. 27)

    A mudana na forma de jogar e, portanto, a mudana de jogos, no fruto de um consenso racional, ou de algo superior ao contexto em que ohomem age. Os conceitos so usos de palavras e as palavras deixam de serusadas porque outras passam a ser usadas em seu lugar, outras palavras maisinteressantes ou teis aos propsitos humanos. (RORTY. 2003)

    Seguindo a linha de Kuhn (2003, p. 22), tem-se que diferentes paradigmascientficos sobrevivem contemporaneamente e so ambos eficazes nos tratoscom os problemas humanos, apesar de as asseres retiradas de um e de outroserem completamente incompatveis, no faz qualquer sentido perguntar sobrequal das duas seria correta ou verdadeira.

    Portanto, no faz sentido questionar: Qual a relao entre a mesa slidado senso comum e a mesa no-slida da microfsica? (RORTY. 1994, p. 27)Tambm no faz sentido perguntar sobre a diferena entre as cores do arco-ris, visto por um fsico atravs de uma anlise espectroscpica (que revelariaque o mesmo no possui faixas de cores repartidas uniformemente), e a anlisedo homem comum ao olhar para o mesmo arco-ris (com faixas contnuas decores diferentes). (RABENHORST. 2003, p. 57-58)

    Paradigmas que sobrevivem ao mesmo tempo e so eficazes no tratocom problemas no deveriam ser comparados pela filosofia, que no necessitariade encontrar um critrio superior para distinguir crenas falsas e verdadeiras e

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    concepes morais corretas e incorretas.Isto, porm, no quer dizer que a incomensurabilidade entre os

    paradigmas ou vocabulrios algo intransponvel. As revoluescientficas e as influncias morais entre culturas diversas se do atravsde interferncias entre os vocabulrios que, gradualmente, formam umnovo vocabulrio. A criao desses novos vocabulrios no se d porcritrios pr-fixados e externos aos jogos de linguagem, trata-se dainveno de novos instrumentos para soluo de problemas: Introduzirum vocabulrio desses mais como pr de parte alavanca e o calo porse ter tido a idia da roldana, ou como pr de parte o gesso e a tmperapor se ter imaginado o modo de lidar adequadamente com a tela.(RORTY. 1994, p. 27)

    A linguagem instrumento que usado pelo homem para viver, suaforma de vida. (OLIVEIRA. 1996, p. 143). Esta viso instrumentalista dalinguagem, levada cabo por Wittgenstein, reflete a desnecessidadefilosfica de busca por um critrio ltimo com o qual medir a correo deasseres morais ou a verdade de asseres tericas. A noo de jogo delinguagem impede a postura filosfica universalista cara teoria do discursoconforme tratada no ponto anterior.

    Ressalte-se que as regras do jogo no esto postas desde j. Oadestramento do homem que o faz aprender as regras. como se sfosse possvel aprender as regras do jogo jogando. No se trata de repetirsmbolos, mas de agir de uma determinada forma. Tentar buscar tais regrasantes do jogo cair num universalismo, o que ora se pretende contrapor.

    Procurar, portanto, critrios de deciso, seja moral, terica, polticaou esttica em um lugar objetivo (na representao do mundo), ou nasubjetividade humana (razo) ou em regras universais e transcendentes dodiscurso (razo comunicativa) empresa filosfica sem sentido, poisesquece a contingncia do homem e de sua linguagem. Esquece que o homemage jogando lingisticamente, donde no h como se encontrar a essnciadas coisas, mas to somente analisar as mudanas que ocorrem nos vriosjogos de linguagem do qual o homem participa. (RORTY. 2001, p. 51)

    Nesse sentido, o que se quer defender aqui que a tentativa de seencontrar uma espcie de razo centrada na intersubjetividade e em regrasgarantidoras da liberdade de discurso , ainda, um resqucio dessa visodivinizada e que, portanto, pode ser deixada de lado por uma posturafilosfica pragmatista. (RORTY. 2001, p. 22)

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    5. Consideraes conclusivas: Uma Filosofia do Direito semfundamentos ltimos

    Veja-se que, ao longo do trabalho, no foram questionadas as regras deracionalidade como contedos especficos de um modelo processual para umadeterminada sociedade democrtica. O que se questionou foram as premissasfilosficas utilizadas em tal modelo. Premissas estas que universalizam oparadigma para uma justificao universal.

    O processo judicial, nesse sentido, apresenta questionamentos bastantecomplexos, o que no faz de uma filosofia universalista o projeto maisinteressante para melhoria e aprimoramento das formas de soluo de conflitosjurdicos.

    Imaginem-se os processos de deciso adotados em comunidadesprimitivas como os indgenas, que at hoje mantm seus modos de soluo deproblemas morais, que podem no se encaixar nas regras da razo. Excluirmodelos plenamente eficazes e legitimados tachando-os de irracionais acreditar na possibilidade de fundamentar a forma de vida europia, tornando-a mais que europia, mais que um projeto humano contingente. (RORTY.1999, p. 242 e 244)

    Isto equivale a deixar de lado a busca por uma racionalidade do processojudicial e tentar ver as regras da razo como metforas a serem aplicadasem jogos determinados, sendo que somente dentro do jogo que tais regrasfaro sentido. Ao invs de atribuir carter universal s mesmas, cabe filosofiado direito tentar v-las como palavras, que, como tais, sero usadas emcontextos de formas de vida prprias.

    Todavia, qualquer posio filosfica que venha a desprezar o racional,ou algo que possa garantir a correo das assertivas e decises humanas, podevir a ser taxada de irracionalismo, ou mesmo de relativismo, ou ainda, em questesprticas, pode ser chamada de imoralidade. (RORTY. 1994, p. 71)

    O pragmatista visto como algum que despreza o consenso e o acordo,pois abandona a noo de essncias a-histricas e se pe a agir de forma adefender o irracionalismo. Muito dessa viso tem por base a necessidade dereviver as Luzes como forma de encontrar segurana nas posturas cientficase morais a respeito do mundo. Da a esperana de tornar a busca pela decisocorreta e pela verdade algo ainda em voga e que leva o pragmatismo comoapresentado por Rorty a ser acusado de irracionalista. (RORTY. 1999, p. 243)

    Para a posio que aqui vai ser apresentada, a sada combater as

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    posturas essencialistas no propondo assertivas como: no h verdades, omundo um caos, ou a moralidade no existe. No se quer defender qualquerdecisionismo, relativismo ou irracionalismo nos processos de decisojurdicos.

    O ponto que fundar a liberdade num critrio de carter transcendente uma posio filosoficamente contestvel. Ao se defender uma racionalidadediscursiva, pretende-se buscar o critrio, o vocabulrio, o jogo perfeito, noqual o resultado ser correto ou verdadeiro. Tal postura , portanto,filosoficamente dogmtica, e pode resultar, at, mesmo, em atitudes polticasautoritrias (vide as recentes tentativas de disseminao da democracia por partedas potncias ocidentais aos pases do oriente). (ADEODATO. 2002, p. 233)

    Assim que as tentativas de admitir um privilgio moral ao valorliberdade pode ser uma tentativa de empurrar os adversrios polticos contra aparede. Tentativa essa que fracassa sempre que se considere que a parede nada mais que um entre outros tantos vocabulrios, mais uma, entre tantasoutras maneiras de descrever o mundo.

    6. Referncias

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    PRESCRIO DA AO POPULAR: RELATIVIZAOFRENTE AOS ATOS ADMINISTRATIVOS DECORRENTES

    DE M-F DO ADMINISTRADO.Cludia Pessa Tavares de Lyra Costa*

    Introduo

    1. Ao Popular: Um exerccio de cidadania

    O presente trabalho objetiva demonstrar que, com a promulgao daConstituio Federal de 1988, o art. 21 da Lei da Ao popular, que trataexatamente da prescrio de tal ao, j no guarda um sentido absoluto, umavez que deve ser interpretado a luz dos princpios constitucionais em que seassenta o Estado Democrtico de Direito Brasileiro, especialmente, os princpiosda moralidade administrativa e da boa-f. que, partindo-se da prpria naturezado interesse defendido na Ao Popular interesse da coletividade -, no sepode admitir que o instituto da prescrio sirva como instrumento legitimadorde situaes jurdicas constitudas sob o signo da m-f.

    preciso ter em mente que 18 anos separam a Lei da Ao Popular(Lei n 4717/65) da data da promulgao da atual Carta Magna e que, duranteestes anos a sociedade brasileira evoluiu, cabendo tanto ao legislador quanto aooperador do direito abraar a conscincia poltica atual, mormente, no que tangeaos chamados direitos trans-individuais.

    A crtica constante ao ordenamento jurdico salutar, a medida em queserve de ponto de partida para novas construes quer sejam, doutrinrias,polticas, econmicas e porque no dizer, jurisprudenciais e legislativas.

    Neste sentido que se traa aqui um breve histrico da Ao Popular,demonstrando-se a influncia do pensamento liberal no seu surgimento eevoluo, a natureza daquele instrumento processual, at entrar na discussocentral do estudo proposto a imprescritibilidade da Ao Popular que vise nulidade de ato administrativo atentatrio ao princpio da moralidade, isto ,aquela cujo objeto seja anular ato administrativo constitudo a partir da m-fdo particular.

    Trata-se de tema bastante atual, sobretudo quando se sabe que, cada

    *Analista Judiciria do TRF 5 Regio

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    vez mais, o povo brasileiro conclamado a se insurgir contra prticas dessanatureza. Na verdade, ainda incipiente no seio da sociedade brasileira aconscincia de que no se pode autorizar ou mesmo fazer vista grossa s lesesimprimidas ao patrimnio pblico, muito embora j se possa visualizar sinais demudana de atitude, quer sejam nas CPIs, nas aes civis pblicas, cada vezmais freqentes, ou mesmo, nas ainda tmidas Aes Populares que se fazempresentes nas Cortes Judiciais nacionais.

    2. A influncia liberal no surgimento da Ao Popular e sua evoluono Direito Brasileiro

    O Mundo ocidental, como por todos sabido, sofreu decisiva influnciadas idias liberalistas que determinaram a Revoluo Francesa, onde o objetivoprincipal foi, exatamente, limitar o poder estatal e exaltar o homem enquantoser individual.

    Dentro deste sentimento que aos poucos foram se consagrando, emdiversos ordenamentos jurdicos, vrios institutos voltados garantia do indivduoface ao Estado. Tais garantias comearam a ser incorporadas ao nosso sistemajurdico, fazendo surgir, entre outros, os hoje chamados remdios constitucionais:o Habeas Corpus, o Mandado de Segurana, a Ao Popular etc.

    Somente com o advento da nossa terceira Carta Constitucional -Constituio de 1934 - que o cidado brasileiro passou a contar com a AoPopular. O art. 38 daquela Lei maior, assim previa, ipsis litteris: Qualquercidado ser parte legtima para pleitear a declarao de nulidade ou anulaodos atos lesivos do patrimnio da Unio, dos Estados ou dos Municpios.

    Surgiu, portanto, em um momento de grandes mudanas institucionais,onde as idias liberais encontravam campo frtil. Vale ressaltar que foi,justamente, com o nascimento do Estado liberal que apareceu o conceito deque coisa pblica patrimnio do povo.

    O referido art. 38 da CF/88 fez exsurgir, na verdade, mais um entretantos outros direitos pblicos subjetivos at ento conferidos pela constituiobrasileira, ampliando, assim, a participao ativa e direta do cidado na vidapoltica do pas. Meireles(1989 apud Fagundes) enfatiza que:

    alm do poder de escolher seus governantes, com a ao popular outorga-se ao cidado a faculdade de fiscalizar os atos de administrao o que,

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    por outro lado, aprimora a noo de responsabilidade dos administradores,incutindo-se-lhes o hbito da submisso ordem legal.

    Note-se que, apesar da Ao Popular ter sido suprimida nos idos de1937, com a adoo do regime ditatorial de Getlio Vargas, novamente ressurgiucom a Carta Magna de 1946, desta vez com um espectro mais alargado, incluindotambm a administrao indireta autarquias e sociedades de economia mista.

    Somente em 1965, ou seja, passados quase vinte anos do seu reingressono nosso ordenamento jurdico, que a ao popular teve regulado o seuprocedimento, exatamente com a edio da Lei 4.717/65.

    Com o advento da Constituio de 1988, chamada por muitos deconstituio cidad, o mbito de aplicao da ao popular restou alargado, demodo a englobar no s os atos e ou contratos administrativos eivados deilegalidade que lesem o patrimnio pblico, mas tambm aqueles que atentemcontra a moralidade administrativa, o meio-ambiente e ao patrimnio histrico ecultural.

    Com efeito, o art. 5, LXXIII, da CF/88 assim dispe:

    Art. 5 [...]

    LXXIII qualquer cidado parte legtima para propor ao popularque vise a anular ato lesivo ao patrimnio pblico ou de entidade de queo Estado participe, moralidade administrativa, ao meio ambiente e aopatrimnio histrico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada m-f,isento de custas judiciais e do nus da sucumbncia.

    3. O Art. 21 da Lei da Ao Popular e o atual ordenamento jurdico

    A Lei 4.717/65, em seu art. 21 assim prev, in verbis: A ao previstanesta Lei prescreve em 5 (cinco) anos.

    Considerando que o procedimento da ao popular foi definido em aoordinria do ano de 1965, portanto, ainda sob a gide da Carta de 1946, impe-se analisar se os dispositivos ali estampados compatibilizam-se completamentecom a nossa atual constituio.

    indiscutvel que o Direito repele situaes pendentes e que a prescriovisa, justamente, estabilidade das situaes constitudas pelo decurso do tempo.

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    Todavia no se pode olvidar que existem situaes e situaes. H que sedistinguir aquelas em que o administrado agiu de boa-f, as quais, no ver dedoutrinadores do calibre de Seabra Fagundes, Almiro Couto e Silva e WeidaZancaner, devem ser preservadas, renunciando a Administrao a invalid-lasa lume de valores supremos do ordenamento jurdico: segurana jurdica e certezado direito; e aquelas em que a Administrao induzida a erro por m-f doparticular.

    Esta segunda situao traz tona uma ascendente inquietao dasociedade brasileira em relao preservao do patrimnio pblico, isto porque,ainda que de maneira incipiente, j comeou a germinar no inconsciente coletivoptrio a noo de que os atos danosos ao patrimnio pblico implicam prejuzopara cada cidado.

    Pensar diversamente disto significa caminhar contra a correnteza, nummomento em que aparece um nmero cada vez maior de institutos conclamandoa coletividade a assumir um papel mais participativo na vida estatal. Pactuandocom esta linha de pensamento (MEIRELLES, 1989, p. 95) assim assevera:

    ...se antes s competia aos rgos estatais superiores controlar aatividade governamental, hoje, pela ao popular, cabe tambm ao povointervir na administrao, para invalidar os atos que lesarem o patrimnioeconmico, administrativo, artstico, ambiental, ou histrico da comunidade.Reconhece-se, assim, que todo cidado tem direito subjetivo ao governohonesto.

    Com a promulgao da atual Carta Magna abriram-se, ainda mais,caminhos processuais voltados defesa dos chamados direitos metaindividuais,e foi assim que, j em 1990 surgiu o Cdigo de Defesa do Consumidor,contemplando a definio do que viria a ser tais direitos e distinguindo-os emdireito difuso, coletivo e individual homogneo.

    Posteriormente, foi editada a Lei 9.784/99, que ficou conhecida no meiojurdico como a Lei do Processo Administrativo, muito embora seu objeto sejabem mais amplo. que, conforme previsto, no seu art. 1, ela se destina, tambm,tanto proteo dos direitos dos administrados, quanto ao melhor cumprimentodos fins da Administrao. Ao visar, exatamente, resguardar os direitos dosadministrados, que fixou o prazo decadencial de 05(cinco) anos para que aAdministrao pudesse rever os atos de que tivessem decorrido efeitosfavorveis aos destinatrios.

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    evidente, que tal texto normativo, de forma alguma, se props a preservarsituaes ilegais e/ou ilegitimamente constitudas, mas sim, o interesse daquelesque foram beneficiados de boa-f. Entender de modo diverso prestigiar osatos administrativos decorrentes de m-f, fragilizando ainda mais um princpioto vital ao Estado Democrtico de Direito: o da boa-f.

    4. Imprescritibilidade da Ao Popular em decorrncia dainfringncia ao princpio da boa-f

    O constituinte de 1988, ciente da importncia do respeito coisa pblica,fez constar, expressamente, no texto constitucional (art. 37, caput), o princpioda moralidade. Princpio este que guarda ntima relao com o da boa-f, postoque: na verdade o princpio da boa-f conatural, implcita ao princpio damoralidade(FIQUEIREDO, 2003, p. 52). Esta mesma doutrinadora, citandoJsus Gonzles Perez, assim colaciona:

    O princpio da boa-f no s tem aplicao no Direito Administrativo,seno que neste mbito adquire especial relevncia. Como disse Guasp,todos os campos do Direito estatal so clima propcio, como qualqueroutro, ao desenvolvimento desta patologia do jurdico. E mais, ela se dno seio dos principais elementos que conjuga a relao jurdica estatal: aautoridade e o sdito. Porque, com efeito, a presena dos valores delealdade, honestidade e moralidade que sua aplicao comporta especialmente necessria no mundo das relaes da Administrao comos administrados.(...).Confiana, legtima confiana de que no se lhevai impor uma prestao quando somente superando dificuldadesextraordinrias poder ser cumprida. Nem em um lugar em que,razoavelmente, no cabia esperar. Nem antes e que o exijam os interessespblicos, nem quando j no era concebvel o exerccio da potestadeadministrativa. (...) A aplicao do princpio da boa-f, por outra parte,comportar a confiana da Administrao em que o administrado quecom ela se relaciona vai adotar um comportamento leal na fase deconstituio das relaes, no exerccio de seus direitos e no cumprimentode suas obrigaes em face da prpria Administrao e em face deoutros administrados. Como disse Sainz Moreno, a boa-f daAdministrao em face do cidado consiste na confiana de que

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    este no s no vai ser desleal com o comportamento honesto daAdministrao, seno que tampouco vai utilizar a Administraopara obter em seu benefcio resolues contrrias boa-f deoutro cidado.(FIGUEIREDO, 2003, p. 53, grifo nosso)

    Atente-se que, justamente com o intuito de preservar a boa-f dosadministrados que a j mencionada Lei 9.874/99, em seu art. 54, assimestabeleceu, in verbis: Art. 54 O direito da administrao de anularos atos administrativos de que decoram efeitos favorveis para osdestinatrios decai em 05 anos, contados da data em que foram praticados,salvo comprovada m-f.

    Tal dispositivo, acompanhando, exatamente, o sentido cvico-administrativodo artigo 37, caput, da Carta constituio, assegurou Administrao Pblica odireito de reaver, a qualquer momento, os atos administrativos, ainda que tenhamgerado efeitos favorveis a seus destinatrios desde que tenham decorrido dem-f.

    Pergunta-se: seria de aplicar-se este mesmo entendimento em relaoao prazo prescricional previsto na Lei da Ao Popular?

    pertinente a lio do processualista Jos de Albuquerque Rocha, queora se transcreve, ipsis litteris:

    ...Concluso: a legitimao para a defesa dos direitos supra-individuaisexige ruptura com os critrios ancorados nos dogmas do liberalismoclssico, que v o conflito social como choque de interesses interindividuais,viso insuficiente para explicar a atual realidade scio-jurdica,caracterizada pelo surgimento dos conflitos coletivos. Desgraadamente,porm doutrina e jurisprudncia continuam aferradas aos velhos dogmasdo individualismo, o que impede ou dificulta a defesa em juzo de direitosmetaindividuais. (ROCHA, 2005, P. 182)

    Partindo-se deste ponto, faz-se necessrio analisar a natureza dosinteresses defendidos por meio da Ao Popular.

    cedio que a doutrina no unssona quanto natureza do direitodefendido na Ao Popular. H aqueles que afirmam que por ela no seamparam direitos individuais prprios, mas sim interesses dacomunidade.(Meirelles, 2002, p. 683) J para o constitucionalista Jos Afonso

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    da Silva, o autor popular age por legitimao ordinria, vez que fica investidode legitimidade para o exerccio de um poder de natureza essencialmente poltica,e constitui manifestao direta da soberania popular consubstanciada no art. 1,pargrafo nico, da Constituio... (SILVA, 2003, p.460)

    Trazendo para o campo judicial, tem-se que o Egrgio Supremo TribunalFederal, em julgamento proferido na Reclamao n 424-4/RJ, tendo por relatoro Ministro Seplveda Pertence, por maioria, entendeu que a legitimidade docidado na ao popular caso singular de substituio processual, onde esteage em nome prprio, mas na defesa do patrimnio pblico. Tal aresto assim sehouve:

    AO POPULAR: NATUREZA DA LEGITIMAO DOCIDADO EM NOME PRPRIO, MAS NA DEFESA DOPATRIMNIO PBLICO: CASO SINGULAR DE SUBSTITUIOPROCESSUAL.II STF: competncia: conflito entre a Unio e o Estado: caracterizaona ao popular em que os autores, pretendendo agir no interesse de umEstado-membro, postulam a anulao de decreto do Presidente daRepblica e, pois, de ato imputvel Unio.

    Adota-se aqui a posio de que o autor popular age por legitimaoordinria, uma vez que ao resguardar o patrimnio pblico, est protegendo umdireito da coletividade na qual, indiscutivelmente encontra-se inserido. Impe-se, neste sentido, ter em mente que a Lei 4.717/65 no pode desconsiderar anatureza do direito a que ela se prope tutelar, ou seja, o interesse da coletividade.Toda a sociedade tem o direito subjetivo a uma administrao pautada naprobidade, transparncia.

    Partindo-se da premissa de que o cidado, na Ao Popular, age emnome prprio na defesa do interesse da coletividade, restaria, ao menos emtese, avaliar se o argumento defendido por (Rocha, 2005, p.182) teria um cartergeneralizado ou se existiriam restries sua aplicao. Ocorre que o objetivodo presente trabalho, como j mencionado, est adstrito a constatar se a AoPopular, que vise nulidade de ato administrativo inguinado de ilegal por terdecorrido de m-f do beneficiado, estaria submetida prescrio qinqenalprevista no art. 21 da Lei 4.717/65.

    Atente-se que o referido prazo prescricional encontra-se assentado em

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    lei ordinria datada de 1965, enquanto que a atual Constituio da Repblicadata de 1988. Assim impe-se interpretar aquela norma infraconstitucional luz dos princpios constitucionais atuais, notadamente o da moralidadeadministrativa e o da boa-f . Ademais, o princpio, enquanto alicerce de todoo ordenamento ptrio, que tem que prevalecer, e, no foi com outro intuito queo legislador originrio, em boa hora, incluiu entre os objetos da ao popular,como j dito, os atos lesivos moralidade.

    Defende-se, portanto, a tese de que, com a promulgao da CF/88 e,principalmente, nesses quase 17 anos de sua vigncia, conceitos como: soberaniapopular, cidadania, direitos metaindividuais, moralidade administrativa, entreoutros, vm se fortalecendo cada vez mais, no havendo como se conceberque, sob o manto da prescrio, restem intocadas situaes jurdicas que tenhamsido constitudas a partir de flagrante violao ao princpio da moralidade e emprejuzo ao patrimnio pblico. A prescrio neste caso no de ser aplicada,reconhecendo-se ao cidado o direito de, a qualquer tempo, pleitear a nulidadedaquele ato.

    Frise-se ainda que a atual Constituio da Repblica produziu um Estadocomprometido fundamentalmente com o exerccio da cidadania e sendo assima inaplicabilidade da prescrio, conforme acima delineado, estaria perfeitamentejustificada pelo interesse social, haja vista que no se pleiteia na Ao Populardireito individual, mas sim o direito de toda uma coletividade.

    oportuno mencionar que o Egrgio Tribunal Regional Federal da 5Regio, em recente deciso proferida na 2 Turma, datada de 07/06/05, tendocomo relator o Desembargador Federal Petrucio Ferreira, por maioria, restoupor afastar a preliminar de prescrio suscitada em sede de Ao Popular,justamente por entender que, tendo o ato que se visava anular decorrido de m-f do beneficiado, a esta no se aplicaria o prazo prescricional previsto no art.21 da Lei n 4717/65.

    5. Concluso

    O tema escolhido, a primeira vista, pode parecer bastante restrito imprescritibilidade da ao popular que vise a nulidade de ato administrativoatentatrio moralidade -, todavia no decorrer dos estudos que ora se apresentapercebe-se quantos conceitos esto aqui envolvidos, desde a noo de cidadania,direitos metaindividuais, prescrio, princpios constitucionais, moralidade, boa-f entre outros, e de logo atenta-se para a importncia de um aprofundamento

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    da questo, notadamente quando se est diante de um Pas onde as fraudes previdncia, v. g., esto sempre fazendo parte do noticirio.

    Neste sentido que este trabalho defende a tese de que no se podeadmitir que situaes jurdicas constitudas a partir de ato ilegal (fraude, m-f,etc), portanto j nascidas contaminadas por vcio insanvel, venham a ter umaconfirmao tcita em decorrncia da prescrio do direito de rever tal ato. que, diversamente do que ocorre em relao aos atos privados, os quais atingemapenas interesses individuais, os vcios administrativos podem afetar o interessede terceiros ou at mesmo o interesse pblico, como ocorre na hiptese acimamencionada fraude Previdncia.

    Ademais, de se reconhecer que o art. 21 da Lei Ao Popular deve serrelativizado de modo a se compatibilizar com o princpio da boa-f, princpioeste, como diz Lcia Valle Figueiredo, implcito ao da moralidade, o qual foierigido com a CF/88 condio de princpio constitucional. Entenderdiversamente disto retroceder posto que se deve, cada vez mais, estimular epropiciar ao cidado, o ingresso em juzo de Aes Populares tendentes a abolirsituaes onde a boa-f tenha sido posta margem.

    O que devem permanecer so as situaes em que a relaoadministrao-administrado foi pautada na confiana, em que o administradotenha adotado um comportamento leal na fase de constituio das relaes, noexerccio de seus direitos e no cumprimento de suas obrigaes em face daprpria Administrao e em face de outros administrados, de modo que, paratais situaes, a sim, o art. 21 da Lei 4.717 tem plena eficcia.

    Referncias bibliogrficas

    DA SILVA, J. A. Curso de Direito Constitucional Positivo. 22Edio. So Paulo: Ed. Malheiros, 2003.

    DI PIETRO, M. S. Z. Direito Administrativo. 14 Edio. So Paulo:Ed. Atlas, 2001

    FIGUEIREDO, L. V. Curso de Direito Administrativo. 6 Edio.So Paulo: Ed. Malheiros, 2003.

    MEIRELLES, H. L. Mandado de Segurana, Ao Popular, Ao

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    Civil Pblica, Mandado de Injuno, Habeas Data.13 Edio. So Paulo:Ed. Revista dos Tribunais Ltda, 1989.

    ROCHA, J. A. Teoria Geral do Processo. 8 Edio. So Paulo: Ed.Atlas, 2005, pg. 182.

    BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

    MANZILLI, H. N. A defesa dos interesses difusos em juzo. 14Edio. So Paulo: Saraiva, 2002.

    MEDAUAR, O. Direito Administrativo Moderno. So Paulo: EditoraRevista dos Tribunais, 2002.

    PACHECO, J. S.. O Mandado de Segurana e outras AesConstitucionais Tpicas. 4 Edio. So Paulo: Editora Revista dos Tribunais,2002.

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    A POSSIBILIDADE DO IMEDIATO JULGAMENTO DESENTENA CITRA PETITA PELO RGO

    JURISDICIONAL AD QUEM

    *Bacharel em Direito pela Universidade Federal da Paraba; Graduado pela Escola Superior daMagistratura

    1. Introduo

    O Estado tem funes essenciais perante sua nao, podendo-se sintetiz-las como a promoo do bem-estar social (welfare State), na qual a garantiada paz social est inserida. Para melhor promover a paz social eliminao dasinsatisfaes originadas da impossibilidade de todos os componentes dasociedade obterem o bem de vida que pretendem ele subdivide-se em trsfacetas:

    a) no Poder Executivo, o grande administrador dos interesses da nao.Aplica a lei de ofcio, de modo que a execuo das regras de direito se traduzamem prestaes de bens ou de servios;

    b) no Poder Legislativo, elaborador das normas. Labuta comorepresentante da sociedade, de sorte que o produto final do seu lavor espelheos bens e valores considerados conducentes ao desenvolvimento social eindividual almejado;

    c) no Poder Judicirio, que, mediante o ordenamento jurdico, proteger,materialmente, os bens e valores acima referidos, declarando a vontade legal,abstrata e genrica, que s se concretiza e individualiza-se quando as hipteseslegais so verificadas no mundo emprico.

    Diante dessa panormica, o Poder Judicirio, cujos efeitos de suaatuao alcanam coercitivamente todos, sem qualquer distino, que, atravsdo processo judicial, concretiza sua misso e dever de eliminar as situaes deinsatisfao.

    Nesse quadro de idias, a eliminao dos referidos conflitos opera-se doseguinte modo: o Estado-juiz, com espeque nas condutas definidas comofavorveis ou desfavorveis vida em sociedade pelo Estado-legislador, acenacom recompensa quele que agiu conforme primeira situao, e comreprimenda quele que se pautou de acordo com a segunda, estabelecendo,assim, os critrios de acesso aos bens perseguidos pelos litigantes (teoria dualista

    Henrique Jorge Dantas da Cruz*

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    do ordenamento jurdico).Por conseguinte, como a atividade jurisdicional est diretamente voltada

    para os modos de vida da populao, faz-se necessrio que esse mister estejaem plena confluncia de idias com as atuais aspiraes do meio social.

    Nas ltimas dcadas, a sociedade brasileira conferiu nova roupagem aodireito de acesso justia. Hodiernamente, ele no se circunscreve meracomposio de conflitos de interesses, mas sim, significa que todos tm direito efetiva, adequada e tempestiva tutela jurisdicional.

    Precisamente, no mbito recursal do direito processual civil brasileiro, osprestigiados princpios da efetividade e da celeridade da prestao jurisdicionalvm alcanado a relevncia merecida. Exemplificativamente: o nascimento doart. 515, 3, do Cdigo de Processo Civil, includo pela Lei n 10.352/2001.

    Dessa passagem legal, conclui-se a clara inteno do legislador em ofertaruma tutela jurisdicional mais clere e efetiva s partes, de maneira que, estandopresentes os requisitos legais, o Tribunal de 2 grau possa julgar, de imediato, omrito da demanda, mesmo que o Juzo a quo no o tenha apreciado.

    No entanto, aplicando-se uma exegese extensiva, poder-se-ia elastecero emprego da referida norma, a ponto de, havendo julgamento citra petita(inobservncia do princpio da congruncia), e estando o feito dentro dascondies legais, legitimar o rgo da instncia ad quem, com arrimo no art.515, 3, do CPC, a apreciar o pleito no analisado.

    exatamente para confirmar essa proposio que as linhas adiante foramredigidas.

    2. O nascimento do art. 515, 3, e sua finalidade

    A processualstica atual volta suas preocupaes no sentido de conferirmaior efetividade prestao jurisdicional. Ratificando esse entendimento, apermisso dada pelo art. 515, 3, do Cdigo de Processo Civil ao Tribunalpara, afastando a razo que ensejou a extino do processo sem julgamento domrito (hipteses do art. 267 do CPC), dentro de certos requisitos legais acausa versar questo exclusivamente de direito e estiver em condies deimediato julgamento , julgar de imediato o mrito da lide.

    Nessa esteira de pensamento, privilegiando-se a harmonizao entre otexto legal e a vontade geral da nao, nasceu, pela Lei n 10.352/2001, o art.515, 3, do Cdigo de Processo Civil, cuja redao passo a transcrever:

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    Art. 515. A apelao devolver ao tribunal o conhecimento da matriaimpugnada.(omissis) 3 Nos casos de extino do processo sem julgamento do mrito (art.267), o tribunal pode julgar desde logo a lide, se a causa versar questoexclusivamente de direito e estiver em condies de imediato julgamento.

    Confiram-se os motivos (CARNEIRO e TEIXEIRA, 1999) que levaramo legislador a editar a citada norma:

    Art. 515. Cuida-se de sugesto que valoriza os princpios dainstrumentalidade e da efetividade do processo, permitindo-seao tribunal o julgamento imediato do mrito, naqueles casos emque o juiz no o tenha apreciado mas, sendo a questo exclusivamentede direito, a causa j esteja em condies de ser inteiramente solucionada.Anota-se que o duplo grau no imposio constitucional.Consoante Carreira Alvim, como o processo no um fim em simesmo, mas um meio destinado a um fim, no deve ir alm doslimites necessrios sua finalidade. Muitas matrias j se encontrampacificadas no tribunal - como, por exemplo, na Justia Federal e na dosEstados, as questes relativas a expurgos inflacionrios - mas muitosjuzes de primeiro grau, em lugar de decidirem de vez a causa, extinguemo processo sem julgamento do mrito, o que obriga o tribunal a anular asentena, devolvendo os autos origem para que seja julgada no mrito.Tais feitos, esto, muitas vezes, devidamente instrudos, comportandojulgamento antecipado da lide (art. 330, CPC), mas o julgador, por apegadoamor s formas, se esquece de que o mrito da causa constitui a razoprimeira e ltima do prprio processo. (destacamos)

    Pelo que se v, a norma veio com o fim de, prestigiando o princpio dainstrumentalidade e da efetividade, propiciar um julgamento mais rpido(princpio da celeridade processual) e menos custoso s partes (princpioda economia processual).

    Desta maneira, com a nova previso legal, o rgo de segundo grau dejurisdio julgar, de imediato, todo o mrito de uma lide.

    Diante dessa situao, pode-se estender essa aplicao s sentenascitra petitas, de modo que, presentes os pressupostos autorizadores, a segunda

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    instncia julgue o pedido no apreciado pelo Juzo a quo.

    3. O art. 515, 3, e os princpios constitucionais do processo civil

    Essa proposio coaduna-se com o esprito do nosso ordenamento jurdico,visto que nenhum dos princpios constitucionais do processo ferido. Observe-se:

    A) O emprego do art. 515, 3, do CPC a uma sentena citra petitano fere o princpio da inafastabilidade da prestao jurisdicional1 , em virtudede a Corte ad quem julgar a lide, observando a pauta de valores que foitransformada em condutas havidas como legtimas pelo direito, mesmo contraquem inicialmente impulsionou o exerccio da jurisdio, bem como privilegia eenaltece a celeridade processual2 , evitando que a demanda volte ao primeirograu, para, s depois, caso haja recurso contra a segunda sentena, julgar-se,definitivamente, o meritum casae.

    B) Veja-se que o Arepago ad quem julgar o mrito do pedidoesquecido, sem outorgar privilgios para qualquer das partes, tratando-asigualmente (princpio da isonomia processual).

    Da inteleco que se deve dispensar tratamento igual s partes, fcilperceber a ntima ligao existente entre o princpio da isonomia com os princpiosda ampla defesa e do contraditrio3 .

    O princpio da ampla defesa denota a idia de que o litigante pode

    1 O art. 5, XXXV, da CF reza que a lei no excluir da apreciao do Poder Judicirio leso ouameaa a direito. Este princpio, tambm chamando de indeclinabilidade da prestao jurisdicional,preceitua que o Poder Judicirio deve prestar seu ofcio a qualquer indivduo ou coletividade que oprocure, quando restar comprovada uma situao de ameaa ou efetiva leso a direito, seja eleindividual, coletivo ou difuso. Contudo, importante registrar que o direito subjetivo realizado nos quando o Estado presta a tutela jurisdicional. Prestar por prestar. Ela h de ser efetiva, ou seja, oEstado deve proporcionar o bem da vida a quem for legitimado pelo direito material, de modo quea satisfao seja tamanha, a ponto de construir uma situao como se a lei no tivesse sido violada.

    2 imperioso registrar que a Emenda Constitucional n 45/2004 incluiu, no rol dos direitos egarantias fundamentais constantes da Constituio Federal, a razovel durao do processo e osmeios que garantam a celeridade de sua tramitao, uma vez que, segundo Dinamarco (2000), osmales de corroso e frustrao que o decurso do tempo pode trazer vida dos direitos constituemameaa efetividade da promessa de tutela jurisdicional, contida nas Constituies modernas eameaa to grave e to sentida, que em tempos atuais se vem firmando que tal garantia s seconsidera efetiva quando for tempestiva.

    3 O art. 5, LV, da CF, textua que aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aosacusados em geral so assegurados o contraditrio e ampla defesa, com os meios e recursos a elainerentes.

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    convencer o julgador de sua tese com todos os mecanismos possveis e lcitosexistentes. Aquele que for parte em um processo judicial tem o direito de exporsuas razes ao pretor, com auxlio de todos os meios legtimos, para sua pretensoser acolhida.

    Utilizando-se das palavras de Tucci e Tucci (1989), a garantia da ampladefesa abrange o direito de ser informado, a bilateralidade de audincia(contraditoriedade) e o direito legtima produo e colheita do arcabouoprobatrio. Conseqentemente, o contraditrio deve ser entendido com umaexteriorizao da ampla defesa.

    O contraditrio impe uma conduo dialtica do processo (par conditio),pois toda vez que, no mbito do processo civil, um indivduo propuser umademanda em face de um outro, for requerida certa providncia contra algumou houver julgamento, parcial ou total, da lide, esse algum dever ser cientificadopara ter a oportunidade de se manifestar sobre a situao que se apresentacontrria aos seus interesses4 .

    Na proposio defendida, respeitam-se esses postulados processuaisconstantes da nossa Constituio Federal.

    Quando o Tribunal for empregar o art. 515, 3, do CPC, ambas aspartes j tiveram oportunidade de se pronunciar sobre todos os pedidosformulados. Lembre-se de que os pontos controvertidos da contenda judicialso extrados do confronto entre a pea preambular e a contestatria, o quedenota que, no havendo mais provas a ser produzidas, estando, assim, oarcabouo probatrio completo com os documentos trazidos na fase postulatria,os autos, maduros para julgamento, j podem receber a chancela judicial. Eisfigura semelhante ao julgamento antecipado da lide5 .

    O julgamento direto do pedido pelo rgo de 2 grau no trar qualquersurpresa s partes. Formulados os pedidos em juzo e contestados, os litigantesoutorgaram ao Poder Judicirio deliberar sobre seus interesses contraditrios,devendo o Estado impulsionar o feito ao seu fim.

    Em termos de praticidade, o que ocorre com a previso legislativa doart. 515, 1, do CPC. Nessa situao, o promovente formula dois pedidos em

    4 Diz-se, ento, que o contraditrio se exerce mediante reao aos atos desfavorveis advindosde qualquer dos sujeitos da relao processual: reage-se demanda inicial com a contestao; sentena adversa, interpondo o adequado intento recursal.

    5 Nessa hiptese, inexiste prejuzo a ser experimentado pelas partes, tendo em vista aoportunidade que cada um teve, ainda que por prova documental, de evidenciar o que pretendiam(ALVIM, 1994).

  • PARAHYBA JUDICIRIA52

    cumulao sucessiva6 . Se o rgo jurisdicional de primeira instncia julgarimprocedente o primeiro requerimento, no apreciar, obviamente, o segundo.Mas, se o rgo ad quem reformar a deciso, analisar, naquela mesma instnciae em primeira mo, a segunda postulao.

    Nessa ordem de idias, no enxergo o porqu de no se aplicar o art.515, 3, do CPC aos julgamentos citra petitas.

    C) O princpio do juiz natural7 tambm no impe empecilhos nossaproposio. Esse princpio assegura trs garantias: a) um julgamento por umjuiz constitucionalmente investido nesse cargo; b) a preexistncia do rgojudicirio ao fato sobre o qual recara a deciso, vedando-se tribunais de exceo,e; c) a competncia do julgador segundo a Constituio e a lei.

    Quanto s duas primeiras garantias, no vejo dificuldades quaisquer, umavez que os julgamentos seriam proferidos por magistrados de segundo grau,investidos em cargo previsto pela Constituio Federal, alm de os rgosjurisdicionais serem preexistentes aos fatos a serem examinados.

    J a terceira garantia (competncia) poderia, prima facie, impedir aconfirmao de nossa proposta. Ledo engano.

    O primeiro ponto a ser fincado que no h princpio ou garantia absoluta,todos devem ser vistos dentro de um contexto e seus conflitos resolvem-se peloaferimento dos seus pesos (princpio da proporcionalidade) e no da suavalidade8 , ou melhor, no h excluso peremptria dos mandados de otimizaoconflitantes, apenas, em dado caso, afasta-se a aplicao de um princpio, cujopeso foi sobrepujado pelo do outro, ou ento, pode-se at aplic-los conjuntamente,mas at os limites das possibilidades que o peso de cada um comporte(ESPNOLA, 2002).

    6 O segundo pleito s ser analisado se acolhido o primeiro, p. ex.: investigao de paternidadecumulada com pedido de alimentos.

    7 Nossa Constituio Federal prev esse princpio quando afirma, em seu 5, inc. XXXVII, que nohaver juzo ou tribunal de exceo, e, no inc. LIII, que ningum ser processado nem sentenciadoseno pela autoridade competente.

    8 a) princpios e regras so espcies do gnero norma; b) os princpios possuem uma dimenso que nose encontra nas regras (os pesos); c) a tese dbil da distino entre princpios e regras ageneralidade; a tese forte apia-se o carter qualitativo: os princpios so mandados de otimizao,podem ser cumpridos em diversos graus, enquanto as regras ou so cumpridas ou descumpridas; d) oconflito entre regras leva excluso de um delas do sistema (por exemplo, a lei posterior revoga aanterior); a coliso entre princpios impe tarefa de avaliao para a aplicao de um deles se