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Expedições - Rumos Educação, Cultura e Arte 2008-2010

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Esse livro apresenta parte dos resultados da segunda edição do programa Rumos Educação, Cultura e Arte. São 12 perfis de educadores não formais de várias partes do Brasil, com experiências que valorizam as características locais, regionais ou de grupos específicos.

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Centro de Documentação e Referência Itaú Cultural

Expedições : Rumos Educação, Cultura e Arte 2008-2010 / Ilustração Vânia Medeiros. – São Paulo : Itaú Cultural, 2010.

152 p.

ISBN 978-85-7979-014-0

1. Educação e arte. 2. Projeto educacional. 3. Projeto social. 4. Educação não formal. 5. Cultura brasileira. I. Título.

CDD 370

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EXPEDIcoESrumos educação, cultura e arte 2008-2010

São Paulo2011

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O Rumos Educação, Cultura e Arte 2008-2010 in-tegra o programa Rumos Itaú Cultural, que o institu-to mantém desde 1997, apoiando e reconhecendo a produção artística e intelectual brasileira em dife-rentes áreas de expressão.

A educação não formal é a área de expressão do Rumos Educação, Cultura e Arte, e a diversidade uma das diretrizes principais, que se confirma no va-riado painel de perfis e locais de atuação dos 12 educadores premiados nesta segunda edição.

Os 12 perfis representam um recorte do panorama nacional da educação não formal, que se espalha em organizações voltadas para ações de promoção social, econômica e cultural, assim como em mu-seus e instituições culturais brasileiros. São iniciati-vas que valorizam as culturas locais, regionais ou de grupos específicos e, usando um repertório com-posto de várias linguagens artísticas, propiciam o respeito pela diversidade cultural.

Essas ações educativas são criadas, coordenadas e executadas por profissionais com experiências di-versas. Eles dão forma a ideias e, integrados aos par-ticipantes/educandos, constroem e aperfeiçoam ações. As estratégias e metodologias utilizadas são específicas, desenvolvidas de acordo com o contex-

to e em harmonia com seus referenciais culturais e linguagens artísticas. Os educadores não formais são mediadores, facilitadores, estimuladores, orien-tadores e parceiros na construção de experiências educativas importantes para a formação cultural de todos.

A primeira edição do programa Rumos Educação, Cultura e Arte 2005-2007 recebeu 221 inscrições, das quais 5 foram premiadas. Esta segunda edição rece-beu 429 inscritos e selecionou 12 educadores, que ao participar das expedições de formação itinerante, em trajetórias por estados e cidades do país, e entrar em contato com outras tantas pessoas que também dedicam a vida a práticas de arte e educação perce-beram que não estão sozinhos na peleja.

Assim, o Itaú Cultural reforça o compromisso de apoiar a construção de novas políticas nas áreas de cultura, arte e educação no país, reconhecendo e destacando ações de qualidade e, ao propagar a experiência, con-tribuindo para a ampliação e sedimentação da rede de pessoas que atuam no desenvolvimento da edu-cação não formal do Brasil.

Itaú Cultural

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sumário

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O Rumos Educação, Cultura e Arte 2008-2010 ...............

Paulo Azevedo ............................................................................A dança de cada corpo Renato Negrão ............................................................................Poesia e performance para criar Bruna Elage ..................................................................................o poder das narrativas Alessandra Pamponet ............................................................Se virando com música e audiovisual Joana D´Arc Lima ..........................................................................Quando é preciso ressignificar Wagner Porto ..............................................................................Entre mestres e mamulengos Maryanne Galinski .....................................................................Um picadeiro para todos

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Edson Oliveira ............................................................................. Educar com tambores e guitarras Margarete De Oliveira ............................................................perceber para entender Ana Carmen Nogueira .............................................................Um convite aos sentidos Ana Teixeira ...................................................................................Outras formas de ver o mundo María Eugenia Salcedo ............................................................A arte para experimentar

Entrelaços de histórias de educação .............................Trajetórias ....................................................................................Agradecimentos .........................................................................Ficha técnica ...................................................................................

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O Rumos Educação, Cultura e Arte 2008-2010

Em 2007, a equipe do Núcleo de Educação do Itaú Cultural iniciou o processo do Rumos Educação, Cul-tura e Arte 2008-2010, ampliando o alcance do pro-grama para educadores de museus e instituições cul-turais e abrangendo projetos para públicos de qual-quer faixa etária (a edição anterior não contemplou essas instituições e atendia apenas projetos para crianças e adolescentes). A partir desses novos parâ-metros, o programa foi lançado em pontos estratégi-cos e diversos do país – 17 cidades em 14 estados e no Distrito Federal, das cinco regiões.

Além de dar a conhecer normas, objetivos e deta-lhes do edital de inscrição para o prêmio, os eventos promoveram, por meio de palestras e aulas-espetá-culos, a articulação e a sensibilização de profissio-nais do campo da educação não formal.

As aulas-espetáculos ficaram a cargo do grupo carioca Os Tapetes Contadores de Histórias. A escolha foi mo-

tivada pela preocupação de estimular o contato dos educadores não formais com linguagens artísticas. Pa-lestras de convidados complementaram a ação de formação, enriquecendo o debate com referências teóricas e experiências, como fizeram a pesquisadora espanhola Marián López e a coordenadora da Rede de Educadores de Museus (REM), Marcelle Pereira.

O resultado foram 429 inscrições – relatos de ex-periências de educação não formal elaborados por educadores.

Para análise e julgamento das inscrições, foi mon-tado um comitê de seleção composto de seis pro-fissionais de áreas do conhecimento e locais distin-tos. Vindos do Maranhão, de Pernambuco, do Rio de Janeiro e de São Paulo, mesclaram experiências nos campos da pedagogia, da museologia, da ges-tão de projetos, da educação artística e social, da etnomusicologia e da produção cultural.

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Aula-espetáculo com o grupo Os Tapetes Contadores de Histórias, em Nova Olinda (CE) | imagem: Itaú Cultural

Marián López e Marcelle Pereira | imagens: Chris Rufatto

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Comitê de seleçãoCom pós-doutorado em museologia, Adriana Mor-tara colaborou no desenvolvimento do edital e na construção de ferramentas e metodologias de ava-liação, a partir de sua experiência em avaliação de ações e programas desenvolvidos em instituições culturais, bem como no prêmio Cultura Viva.

Anna Christina Nascimento, bacharel em relações internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC/MG) com mestrado em ges-tão para desenvolvimento pela Ruhr Universität Bo-chum (Alemanha) e consultora da Unesco, acres-centou um olhar focado na elaboração e no desen-volvimento de projetos sociais.

Do campo das artes e da educação e doutora pela Universidade de São Paulo (USP), Denise Grins-pum ofereceu os conhecimentos acumulados no programa educativo do Museu Lasar Segall, em São Paulo, e no Instituto Arte na Escola, além da experiência no processo de seleção da primeira edição do Rumos Educação, Cultura e Arte.

Da primeira edição veio também um dos premiados, Gustavo Vilar, formado em história e especialista em et-nomusicologia pela Universidade Federal de Pernam-buco (UFPE). Vilar foi contemplado no Rumos pelo pro-jeto Musicalização com Mestres do Sertão de Pernam-buco, vinculado à Associação Respeita Januário. Ele aproximou o comitê da cultura popular e da música.

Kenya Pio, com formação em arte e pós-graduação em computação gráfica pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), inseriu no conjunto sua vi-vência de produção cultural e atividade em insti-tuições como a Central Única de Favelas (Cufa), a Se-cretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualda-de Racial (Seppir) e o Grupo Cultural AfroReggae.

Complementando o comitê, Socorro Guterres, pe-dagoga e educadora social com prática em for-mação de educadores e lideranças e com a expe-riência de coordenação do Centro de Cultura Negra do Maranhão, incorporou ao grupo valores ligados a questões étnicas e à educação em comunidades re-manescentes de quilombos.

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Processo de seleção

O processo de seleção durou quatro meses. Cada um dos seis membros do comitê leu e avaliou individual-mente os relatos. Na segunda etapa, o comitê de se-leção reunido seguiu com novas análises e discus-sões e concluiu a pré-seleção de 20 projetos. O passo seguinte foi visitar cada educador em atividade na instituição relacionada à experiência. Após essa vi-vência, o grupo se encontrou outra vez para nova discussão e chegou aos 12 vencedores.

Por fim, ocorreu o anúncio dos contemplados, cujos perfis são desenhados nesta publicação, com ênfa-se na atividade que desempenhavam quando pre-miados e na formação itinerante proposta como o principal prêmio do programa.

O Rumos Educação, Cultura e Arte 2008-2010 con-templou cada integrante do grupo com a formação itinerante e com um conjunto de obras culturais, entre livros, DVDs e CDs, composto de produtos do Itaú Cultural, e outras quatro publicações (uma de livre escolha), mais o valor de 10 mil reais.

Formação itinerante: deslocamentos

Em abril de 2009, os 12 educadores foram levados a São Paulo, iniciando as expedições de formação itinerante pelo país, realizada em um ano e meio. Distribuída em quatro blocos, teve carga horária de mais de 350 horas; nos moldes da educação for-mal, o equivalente a um curso de extensão ou es-pecialização. No modelo não formal, foi composta de um mosaico de deslocamentos e encontros que reposicionaram os educadores em relação aos processos educacionais.

O trajeto das viagens começou com o Seminário In-ternacional Linguagens da Cultura – Desafios da Edu-cação Não Formal, aberto ao público, na sede do Itaú Cultural, em São Paulo (SP) – marcado pelo momento em que os educadores premiados passaram a se co-nhecer e foram anunciados.

A educadora do Instituto de Arte Tear Denise Men-donça mediou o encontro entre os 12 educadores do Rumos e os acompanhou durante a programação. Ela se reuniu novamente com o grupo na última viagem do ciclo de formação, para Pernambuco, e está presen-te, avaliando a experiência e o cenário da educação não formal brasileiros, em artigo escrito para este livro.

Além de São Paulo e Pernambuco, as expedições pas-saram pela Bahia e por Minas Gerais. Na Bahia, o traje-to por Salvador e por cidades da Chapada Diamanti-na deixou marcado, nos viajantes, sobretudo, o con-tato com arte e cultura numa perspectiva social. Em Minas Gerais, destaca-se no conjunto das atividades a troca artística com músicos do grupo Uakti. Em Per-nambuco, passaram por sete cidades e experimenta-ram a diversidade e a riqueza da cultura popular local.

Ao todo, o grupo conheceu pessoas e visitou insti-tuições em 15 cidades. Os quatro estados foram es-colhidos para que os educadores conhecessem o pro-jeto dos companheiros premiados e tivessem contato com o contexto e a origem de cada um, trocando ex-periências mais intensas.

Para expandir os destinos e as conexões da rede, os 12 premiados realizaram viagens de livre escolha, por mais 10 cidades.

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A viagem de livre escolha é um diferencial do progra-ma e ocorreu pela primeira vez nesta edição. Cada educador escolheu para onde viajar, de acordo com a possibilidade de conhecer profissionais, iniciativas e instituições de seus interesses. Dessa forma, foram montados, em parceria com a equipe do Itaú Cultu-ral, roteiros específicos nos quais cada educador era autônomo em relação ao processo de formação, re-conhecendo também o lugar de educando.

Devido à qualidade diferenciada dos relatos apresen-tados na inscrição, o comitê de seleção indicou três educadores para realizarem também uma viagem in-ternacional, que amplia o mapa percorrido para a pe-nínsula ibérica, onde conheceram profissionais e or-ganizações das principais cidades portuguesas, Lis-boa e Porto, e espanholas, Madri e Barcelona.

A trajetória da formação itinerante está ilustrada no final deste volume e permeia os 12 capítulos de cada educador.

Formação itinerante: estrutura

O processo de formação itinerante foi concebido para propiciar a construção de um olhar que permi-tisse aos educadores conhecer outras ações de edu-cação não formal e criar situações que ampliassem

seu repertório artístico-cultural. Em cada local visita-do, com cada pessoa envolvida foi estabelecido um ponto de contato. Agora, por meio desses pontos, a ideia é manter viva a dinâmica de troca e construção.

Estruturada e desenhada em razão das necessida-des e particularidades do grupo, a formação itine-rante retrata importantes pressupostos da edu-cação não formal. Em vez de trabalhar com con-teúdos e estratégias previamente definidas, parte do modo como o grupo se configura. A estrutura não segue padrões cartesianos. No processo, há o elemento imprevisível das viagens, do convívio in-tenso entre os integrantes do grupo, da troca de experiências, presente a cada momento. A partici-pação não é obrigatória e as etapas podem ser dis-cutidas e transformadas.

Encerradas as viagens, a última fase desta edição do programa ocorre com a divulgação da experiência, missão principal deste livro. Sua leitura e circulação prima pela possibilidade de que esses registros atuem como sementes para que os educadores não formais possam, conhecendo novas experiências, repensar suas práticas. Que os 12 educadores repre-sentados aqui inspirem outros 12, outras realidades, outros modos de atuação. E que esta história não acabe por aqui...

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Grupo de educadores premiados com representantes do Itaú Cultural em Brumadinho (MG) | imagem: Itaú Cultural

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A Danca de cada corpo

No trabalho do educador Paulo Azevedo, o poder do corpo está fundamentado no autoconhecimento. Com base em suas particularidades, um corpo expressa emoção e beleza por meio da dança.

Paulo é diretor artístico, há cinco anos, do Centro Integrado de Estudos do Movimento Hip-Hop, em Macaé (RJ), onde desenvolve diversos projetos, entre eles a atividade com a qual foi premiado no Rumos Educação, Cultura e Arte 2008-2010: D.I. CIA. de Dança. A sigla, D.I., surgiu significando dança inclusiva e evoluiu para outros sentidos sugeridos pelas possibilidades estéticas do trabalho, como definição infinita.

Na época da premiação, a D.I. tinha oito participantes com idade a partir de 16 anos. Em 2010, havia se trans-formado também em escola de formação, com 12 alunos, que participam de dinâmicas que exploram o universo da companhia, não tendo necessariamente a intenção de integrar o grupo de dança.

Os dançarinos se encontram duas vezes por semana, em ensaios de quatro horas de duração, e apresentam-se em teatros e espaços urbanos, além de circular por instituições com vivências e debates, dentro e fora do Brasil.

A linguagem investigativa favorece o processo de profissionalização do grupo. A proposta é desenvolver no corpo um ambiente de diálogo e aproximação, possibilitando uma dança que exista sem que o foco seja a deficiência e a necessidade de superar limites.

A iniciativa recebeu o prêmio Funarte de Dança Klauss Vianna 2008 e teve o mais recente espetáculo, Gudu-bik, contemplado no edital de montagem da Secretaria de Estado de Cultura do Rio de Janeiro.

Paulo Azevedo

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Na dança de Paulo Azevedo o foco é o autoconhecimento | imagem: Cia de Foto

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Superacao x autoconhecimento

Paulo ressalta que, quando surgiu, a D.I. era o primeiro projeto em Macaé de dança inclusiva, envolvendo jovens com deficiência em cena. Por isso, quando o público relacionava o trabalho à superação de limites, gerava incômodo nos artistas.

Pesquisando a própria experiência e refletindo sobre ela, Paulo concluiu que, no lugar da superação, o que eles queriam trazer à cena era o conhecimento do próprio corpo. “Ser homem dá muito trabalho, imagine ser super-homem. Por isso, desconstruímos uma série de formatos para chegar a uma dança que possa ser alojada no corpo, e não um corpo que tenha que chegar a uma dança”, explica.

A desconstrução começou com a inversão de conceitos. Não eram mais os limites impostos pelo coreó-grafo ou por outro corpo que deveriam ser superados. A caixa de ressonância do palco deveria propa-gar outra mensagem.

“Nossa questão era a experiência, por exemplo, de uma pessoa que vai ao cinema e não tem uma rampa de acesso. Precisa ser carregada por outras três e vira a atração da sala. Todo mundo olha para ela, quando ela queria apenas ter chegado, sentado e visto o filme.”

Dessa forma foi desenvolvido um processo artístico, no qual a preocupação é o autoconhecimento, por meio da sensibilidade, do envolvimento e das possibilidades criativas de cada corpo, que são todos diferentes.

“A inclusão, senão entendida a partir de uma arqueologia do poder/saber, torna-se um termo inócuo para o nosso tempo”, define o artista. “Ao participar de uma sociedade que visa a uma homogeneização de emoções, corpos e hábitos, a dança construída para esses corpos pode provocar uma reação política”, completa.

As dinâmicas são engendradas para “fortalecer outros protagonistas”. Assim, um corpo toca o outro, aprende com o outro e depende do outro.

A linguagem utilizada por Paulo derivou de sua experiência temporária como cadeirante, após sofrer um aci-dente de carro. A partir dessa nova condição, sua percepção de espaço, ocupação e peso foi se transformando. Isso foi levado para o trabalho com os integrantes da D.I., criando-se o processo no qual Paulo também busca-va conhecer o novo corpo. “É um jogo, em que há possibilidade de conflito, de ganhar, de provocar o outro. Vejo o que meu corpo não tem e tento furtar essa experiência. Um jogo simultâneo”, descreve.

Para criar as coreografias, seguindo essa linguagem, o artista educador considera mais importante a obser-vação informal durante os intervalos dos ensaios, quando os intérpretes estão brincando, distraídos.

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As cenas provocam reações políticas contra a homogeneização | imagem: Mayara Costa

Em cena Aline, Everton e Renato

O vínculo com os educandos é muito forte. Em 2008, três jovens definiam a D.I.: Aline Negreiros, 26 anos; Éverton Viana, 27; e Renato Mota, 22. Aline e Éverton integram a companhia desde o início, em 1999.

Renato tem a diferença presente nos gestos e nas ideias. Trilhou um caminho de pesquisa e atualmente é arte-educador, coordenando a escola de formação da D.I., além de ser assistente de direção na companhia. Paulo conta que o dançarino alcançou uma importante elaboração estética e gera momentos únicos.

Éverton é um artista com cerca de 200 quilos e uma particularidade próxima ao autismo. É doce e encantador no palco. Seu irmão é jogador profissional de futebol e sua coreografia está relacionada à presença da bola.

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D.I. CIA de Dança | imagem: Cia de Foto Grupo Corpo no espetáculo Ímã | imagem: José Luiz Pederneiras

Aline tem atuação marcada pelo trabalho no chão, desenvolvendo questões relacionadas ao equilíbrio. Com suas particularidades físicas, leva para o palco movimentos de impressionante beleza. “É linda e disciplinada.”

Paulo lembra uma passagem especial. Um dia encontrou o grupo ao redor de Éverton contando em voz alta as embaixadas que ele fazia. O coro foi crescendo, com a passagem dos números, 30, 40, 50, a excitação cada vez maior, 90, 91, 92, até que no 99 Éverton chutou a bola para o alto e saiu de cena. Foram ao seu encontro, perguntando o que havia acontecido; e ele desconversou, “vou beber água.” Para o educador, o episódio destrói a racionalidade comum e retrata o trabalho da D.I., no qual não há necessidade de superar metas como chegar à 100ª embaixada.

Na companhia, as coreografias dos espetáculos são desenvolvidas exclusivamente para cada um dos intér-pretes. Se durante um espetáculo há alguma saída, Paulo busca outra significação para os que chegam.

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“Um corpo toca o outro, aprende com o outro e depende do outro” (Paulo Azevedo) | imagem: Cia de Foto

Rumos e trajetorias

Paulo é mestre em políticas sociais e graduado em educação física. Antes do trabalho no centro, pesquisava cultura urbana, com foco no hip-hop; também trabalhou em escolas, creches, programas sociais e ONGs. Atualmente, é um homem requisitado na cena artística, com a agenda costumeiramente lotada, não conse-guiu acompanhar todas as atividades propostas pela formação itinerante do Rumos. Sua trajetória foi com-posta de uma passagem por São Paulo e Pernambuco e duas idas a Minas Gerais.

Em Pernambuco, guardou com carinho o Grupo de Apoio aos Meninos de Rua (GAMR), do educador Edson Oliveira. Destaca a recepção original, a vitória da experiência, as conquistas de espaços, o processo de cole-tividade e a comunidade presente e pulsante. A oficina de danças populares, com direito a frevo e maracatu, foi o que mais gostou.

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“Apesar de a dança ser minha área de especialização, o contato com esses ritmos é tímido, o que gera a sensação de aprendizagem do inusitado”, ressalta. Plantou o sonho de ir à cidade de Édson, Gravatá (PE), e trabalhar com a instituição. “No GAMR reside muito talento, energia da moçada. Me interessa contribuir numa possível direção artística do projeto como forma de impulsionar ainda mais os desdobramentos estéticos”, explica.

Ele narra o dia numa taberna próxima ao hotel em que esteve hospedado com os demais educadores, du-rante a visita ao Instituto Inhotim (MG), quando ofereceu uma música a cada pessoa, buscando adivinhar os gostos. “Todos se sentiam contentes e o suspense era bacana demais. Depois, dançamos até os músicos di-zerem que não aguentavam mais tocar.”

De Inhotim levou também a perplexidade diante da beleza. “Aprendi muito nos museus, mas com Inhotim foi além. Penso sempre em outra arquitetura quando é citada a palavra ‘museu’. Obras como as de Hélio Oiticica e de Cildo Meirelles levam a sensações do porquê fazer arte, senão para experi-mentar essas sensações. As linhas de fuga que potencializam esse lugar inédito da resistência, do existir a partir da criação, da presença do estético como lugar de desvio, ruptura, subversão, arte e política; sempre.”

A segunda viagem a Minas Gerais foi escolha do educador e refletiu o encontro com o grupo Corpo Cidadão, que conheceu em São Paulo, e seu desejo de aprofundar o contato com a companhia de dança contemporânea Grupo Corpo. Depois dos encontros, estabeleceram um plano de estreitar as relações e crescerem em rede, assim como ocorreu com o GAMR. “Trocamos experiências e mantemos um diálogo contínuo”, resume.

As vivências em diferentes contextos culturais foram outro aspecto importante. “As tradições, as vestes, os hábitos, as comidas e os sotaques sempre são muito relevantes. Parecem uma lágrima no meio do oceano da globalização, saber que o local se preserva me traz esperanças. No Recife (PE), isso ficou forte demais e me deixou muito alegre de ver, sentir e pensar coisas positivas.”

A somatória é de renovação. “O conjunto de atividades, de saberes, de subjetividade e de gostos, ver gente, conhecer coisas, ouvir e tocar mudam algo em mim, mas certamente me faz sentir algo que re-nova o pulso do educador Paulo. É como ocorre na festa, você precisa da festa para poder voltar à vida séria com mais energia”, analisa.

E a lição maior é respeitar a diversidade, que confirmou, uma vez mais, durante o processo, na percepção de que as pessoas têm inteligências diferentes e cabe ao educador descobrir que tipo há em cada um dos seus educandos para realizar o reconhecimento.

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sobre Renato“Daí, depois tinham umas

performances e tal…”

Esse final de sentença revela

uma típica situação em que ocupa

o lugar da PERFORMANCE na

esfera social latente, isto é, uma

premissa do complementar,

quase do supérfluo.

O trabalho do Renato Negrão

nos ensina outra coisa, onde a

performance se faz de corpo e

palavra para se tornar elemento

estruturante de discurso, assim

não apenas refutando o

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resíduo de um imaginário

coadjuvante, mas, ainda,

servindo a novos diálogos e vias

de comunicação não tradicionais

na cidade. Aliás, Renato nos faz

lembrar as teorias do filósofo

francês Gilles Deleuze sobre o

papel da arte como motor da

sensação, borrando os clichês e

sugerindo a presença de

imagens de um devir. Há

reticências, há criação.

Por Paulo

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poesia e performance

para criar

O artista plástico, compositor e educador mineiro Renato Gomes Soares, nas artes conhecido como Renato Negrão, se dedica, há 14 anos, ao trabalho com poesia e performance no circuito artístico de Belo Horizonte (MG). Renato desenvolve oficinas artísticas, apresentando-se e se aprimorando em arte e educação.

Há seis anos, foi chamado para trabalhar na Fundação Municipal de Cultura de Belo Horizonte (FMC/BH), implementando trabalhos que utilizassem a literatura como ferramenta de arte-educação para jovens em situação de risco social na capital mineira.

Em 2008, com o trabalho já consolidado no formato de oficinas de poesia e performance, ele recebeu novo convite da fundação para integrar a equipe do projeto Arte Livre, que oferecia oficinas a jovens em situação de liberdade assistida e de prestação de serviço comunitário por estar em conflito com a lei.

Eram adolescentes entre 15 e 18 anos, com acesso a oficinas artísticas não obrigatórias, como a ministrada por Renato, Palavra Imagem, que teve duração de um ano. Com o relato dessa oficina, o educador foi sele-cionado para participar do programa Rumos Educação, Cultura e Arte 2008-2010.

Negrão nasceu em 1968, em Belo Horizonte. Além da trajetória artística diversificada, é graduado em educação artística com habilitação em artes plásticas pela Escola Guignard da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG). Com a oficina Palavra Imagem, lança mão da poesia e da performance como linguagens educativas.

A metodologia usada na oficina privilegia os aspectos rítmicos, imagéticos e semânticos da poesia, as estratégias da arte contemporânea, como diálogos dentro e fora do campo artístico, e a diversidade no uso de suportes e materiais. Ao entrar em contato com os textos, os jovens apresentavam resistência, as-sociando a escrita aos traumas da escola formal. O educador descreve, entretanto, que, trabalhando com experimentações rítmicas e plásticas e utilizando recursos como o vídeo, a música e ações corporais, conseguia quebrar esse paradigma.

Renato Negrão

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Renato Negrão realizou oficinas para jovens em situação de liberdade assistida | imagem: Bruna Elage

O exemplo do exercIcio branco

Para resumir os processos e as atividades das oficinas, Renato escolhe uma ação como ilustração, Exer-cício Branco, e a descreve: “na experiência, utilizo estratégias da arte contemporânea e o campo intui-tivo, físico e intelectual, com vistas a uma ressignificação da subjetividade em razão da valorização da potência da vida”. O exercício foi conduzido com três educandos do núcleo de formação e criação artística da FMC/BH.

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Intervenção urbana: “O que você daria em troca do branco?” | imagem: Renato Negrão

Convidados a compartilhar impressões sobre o branco, os jovens discutiram temas como paz, equilíbrio, nada ou vazio, entre outros. A partir daí, a ação performática tomou a posição central do processo: em um sinal fechado, cartazes em branco foram mostrados aos motoristas, seguidos da pergunta “o que você daria em troca do branco?”, que gerou uma coleção de respostas que vão de “não tenho nada” a “ao branco eu daria o preto”. A experiência foi, posteriormente, analisada em grupo.

Na performance, o educando se via na situação de propositor de uma ação. Ao mesmo tempo, quebrava o estereótipo dos jovens de semáforo. Discutiram-se formas contemporâneas de fazer arte a partir da reflexão sobre o espaço público como local de interação e criatividade. Foram trabalhados ainda a indistinção entre palco e plateia e o reconhecimento dos diversos atores sociais, gerando ressignificações.

A partir de uma relação baseada na pedagogia da pergunta, desenvolveu-se, como explica o arte-educador, “um jogo amoroso com a linguagem e o gosto pela letra, pela palavra e pela frase em seu uso criativo”. A pa-lavra é, ao mesmo tempo, ferramenta e matéria-prima. Numa lousa branca, Negrão anota as mais marcantes ditas pelos próprios alunos, a fim de gravar e articular pensamentos para manter a escuta sempre atenta.

Fruto de uma trajetória diversificada por processos artísticos variados – poesia, performance, música, corpo, vídeo –, a metodologia de Negrão reúne o campo ampliado da linguagem poética e as estratégias da arte contemporânea, com referenciais teóricos diversos, da literatura, da filosofia e da educação.

Renato esclarece que, em média, recebia dez jovens para os encontros, duas vezes por semana. Como a frequência nas oficinas não era obrigatória, o público sempre variava. Assim, os educadores foram apren-dendo a garantir o envolvimento e a participação dos alunos flexibilizando as regras, juntando turmas diversas em aulas únicas e estimulando os jovens em atividades completas – proposição, execução e leitura crítica –, porém breves.

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Outro aspecto importante do projeto que Renato faz questão de assinalar é a formação multidisciplinar da equipe. A fundação não necessariamente optava por profissionais formados em arte-educação, mas busca-va artistas da cidade com perfis de educadores.

Na experiência do Exercício Branco, participaram três adolescentes, cujo anonimato será preservado a pedi-do do educador. “Quando são reinseridos na sociedade, os jovens que estiveram em liberdade assistida preferem não carregar essa marca, não ter a história atrelada a isso.”

O grupo era formado por três pessoas. Com uma delas, os frutos da oficina Palavra Imagem renderam dois livros. O primeiro, de poesia, foi impresso artesanalmente, Vivacidade. O segundo, Quatro Jovens e Um Desti-no, foi impresso pela FMC/BH. É um relato autobiográfico da aventura de um grupo de adolescentes numa viagem para conhecer o mar.

A metodologia reúne poesia e arte contemporânea | imagem: Renato Negrão

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Caminhos e rumos

O edital do Rumos Educação cruzou o caminho de Negrão na própria fundação. A vontade de enviar o projeto da oficina Palavra Imagem foi imediata, no entanto ele só começou a escrevê-lo na véspera do prazo final.

“Comecei a escrever às 15h e coloquei no correio às 16h31 do dia seguinte. Não dormi. Passei a noite escrevendo o formulário, organizando o material. Ainda guardo o caderninho verde do edital e o recibo da postagem”, conta.

Diz que estava confiante como nunca. “Meu trabalho estava em um momento bom, com diversas experiências anteriores boas e más e uma curiosidade grande sobre questões do artista professor, da radicalidade que tem a função da poesia e da arte contemporânea em favor do aprendizado, da autonomia, da investigação criativa.” O projeto Arte Livre, para o qual trabalhava, era um piloto e contava com uma equipe multidisciplinar afinada.

O esforço valeu a pena. Contemplado, Negrão conta que o contato com projetos, museus, artistas e educa-dores de diversas instituições ampliou seu repertório cultural, provocando “deslocamentos através de uma profusão de cores, sabores, sotaques, modos de pensar e realidades culturais” e abrindo ainda a possibilida-de para o trabalho em museus.

Para o educador, as viagens da formação itinerante do Rumos foram muito importantes. “Foram sempre uma prioridade. Avisava no trabalho, a família, desmarcava compromissos. Em todas as viagens, tentei estender a permanência nas cidades. Visitava o lugar, sempre que possível, para poder ter um tempo sozinho antes da experiência com o grupo.”

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Renato conheceu Pernambuco mais de perto e reiterou a ideia de que no estado se entrelaçam contextos cultu-rais diversos com a marcante interação de elementos da tradição popular e variadas formas e expressões da arte contemporânea. Lá lembrou de Catatau, romance do escritor Paulo Leminski que narra a fictícia vinda de René Descartes, o pai do racionalismo, na comitiva holandesa de Maurício de Nassau ao Brasil, que, em 1620, invadiu o estado de Pernambuco, e o delírio que acomete o filósofo diante da profusão sensorial que ali encontra.

Ao Recife Negrão deu mais cinco dias “para andar pelas ruas, entrar em contato com as pessoas e vivenciar deslocamentos, para não sofrer tanto o choque da volta”.

Na Bahia, o momento especial foi o contato com a natureza monumental da Chapada Diamantina, a sabe-doria dos mestres da cultura popular, a estada na comunidade quilombola do Remanso. “A sabedoria dos mestres é forte e, muitas vezes, moderna e atemporal.”

Em São Paulo, outra experiência importante, estendida ao máximo, foi o contato com amigos e com a

Entre as linguagens artísticas estão literatura, vídeo, música e ações corporais | imagem: Cia de Foto

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cena cultural da cidade, que o fez produzir um show com o cantor paulista Mauricio Pereira em Belo Horizonte (MG).

Da formação em Minas Gerais, seu estado natal, guarda forte a lembrança da experiência de ter adaptado ações da oficina Palavra Imagem para os educadores do Rumos, no Instituto Inhotim, em Brumadinho. “Realizamos práticas corporais e exercícios criativos de texto, que foram retribuídos com a apreciação crítica dos educadores.”

Como viagem de livre escolha, Renato optou por ir a Porto Alegre (RS) e ver a Bienal do Mercosul para trocar experiência com artistas e produtores e conhecer o circuito de produção da cultura local.

“Sinto-me cada dia melhor para o trabalho em equipe. Estive em grandes instituições voltadas para a edu-cação não formal do país. Conheci lugares diversos, amplos deslocamentos, contextos culturais diferentes e olhares sobre esses contextos. Troquei boas conversas e tenho certeza de que fiz grandes amigos.”

Em Porto Alegre (RS), Renato foi à Bienal do Mercosul e conheceu o circuito artístico local | imagem: Fundação

Bienal do Mercosul – Acervo NDP/Eduardo Seidl (indicefoto.com)

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Sobre BrunaHá dias vinha querendo buscar no dicionário o significado da palavra

“meigo”. Encontrei na sua etimologia uma acepção que escapa aos seus

sinônimos. Meigo, do grego ‘magikós’, pelo latim ‘mágico’, ‘encantador’.

Carinho, afeto, ternura, bondade. Características imprescindíveis ao

projeto FAZENDO MINHA HISTÓRIA e que ainda não havia encontrado em

lugar algum em tamanha proporção. Somam-se delicadeza, cuidado e

firmeza para dar conta da responsabilidade de lidar com vidas tão

novas já tocadas pela dimensão do trágico.

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Mas há mais do que a firmeza

que anula a ideia de uma

delicadeza vazia, há aquilo que

transparece tanto no resultado

quanto na personalidade de

quem delineia os contornos do

projeto: A força e o meigo que vi

na Bruna Elage.

E o meigo é tão raro diante da

aspereza do mundo

contemporâneo! E qual é a sua

singularidade? Carinho e bondade

ainda existem pelo mundo... Por

isso fui buscar o significado

tentando encontrar algo de outra

ordem. E o que encontrei além

estava guardado na sua

etimologia. Magia e encantamento.

Por Renato

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o poder das narrativas

Contando histórias e despertando em crianças e adolescentes o desejo de contarem as suas próprias, a psi-cóloga paulista Bruna Elage desenvolveu um projeto de educação que auxilia moradores de instituições de acolhimento a construir uma narrativa sobre suas vidas: o projeto Fazendo Minha História. Desenvolvido no Instituto Fazendo História, há oito anos, atende cerca de 1,4 mil crianças e adolescentes, de 0 a 18 anos, em 250 abrigos em Fortaleza (CE), João Pessoa (PB), São Luís (MA), Foz do Iguaçu (PR) e São Paulo (SP).

As instituições de acolhimento, explica a psicóloga, eram chamadas de abrigos e orfanatos, mas apenas 5% das crianças e jovens que vivem nesses locais são órfãos. A grande maioria vivencia um período temporário separado dos pais, geralmente associado à violência de dramas familiares.

“O projeto começou com a implementação na instituição de uma biblioteca de 150 títulos. Geralmente, as instituições possuem acervos sem muita qualidade literária. Depois da biblioteca montada, por meio de uma rede de voluntários, iniciamos o trabalho individualizado de contar histórias, despertar o prazer pela leitura e estimular a produção de um álbum de histórias”, conta Bruna.

Os colaboradores, que podem ser voluntários, educadores ou técnicos do projeto, além da literatura, usam desenhos, fotografias e pintura, e acompanham os meninos e jovens por 12 meses. No processo de cons-trução do álbum, os participantes resgatam e registram narrativas sobre suas vidas e pensam sua identidade. Os álbuns combinam imagens e palavras ligadas à família, ao passado, ao presente e ao futuro. “Dentro da instituição, muitas vezes, esse é o único objeto que é só deles. Vira um motivo de orgulho, um lugar de pre-servação da memória, onde conseguem falar de seus segredos.”

Por meio dessa atividade criativa, crianças e adolescentes, à medida que vão se envolvendo e desenvolven-do as narrações, trazem à tona, de modo lúdico, o passado, aliviando o peso que estava atrelando a ele. ”Mesmo para os adultos que trabalham com essas crianças, é muito difícil abordar esse passado de violência, então deixamos que as crianças tragam essas questões espontaneamante na construção do álbum.”

Por fim, a psicóloga observa que o trabalho do álbum de histórias vale também como registro para que o jovem não perca o passado e a lembrança das coisas positivas que viveu na instituição. “Sem essa referência, costumam criar muitas fantasias, de que o abrigo era horroroso, e não é assim. É preciso construir a memória.”

Bruna Elage

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Bruna Elage trabalha com crianças e adolescentes de instituições de acolhimento | imagem: Renato Negrão

Novas historias

Bruna tem particular preocupação com as reações internas que o dia a dia do trabalho possa despertar nos colaboradores. Antes de começarem as ações do programa, eles passam por uma formação, na qual ela trabalha com cada um dos colaboradores suas próprias histórias de vida.

“O contato com as crianças muito pequenas que passaram por problemas familiares desperta nossas pró-prias questões, que não são necessariamente parecidas, mas mexem com nossas emoções. Para o trabalho, é preciso se distanciar disso.”

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A montagem dos álbuns ajuda a entender o passado e a inventar o futuro | imagem: Cia de Foto

O segundo passo é esclarecer e sedimentar a ideia de que há infinitas possibilidades de reconstruir as narra-tivas e olhar para o futuro de um jeito diferente. Contar uma nova história. “Durante o processo de formação, o colaborador percebe se está preparado para o trabalho, se é capaz de lidar com essa realidade. Eles são acompanhados de perto durante todo o projeto”, assegura.

Depois de selecionados, os colaboradores começam a atividade e passam a ser a referência de diversas crianças e adolescentes nas instituições. Uma vez por semana, eles se reúnem, individualmente, com cada um deles para desenvolver ações de estímulo à leitura e da construção do álbum.

“É preciso dar acesso a literatura de qualidade e despertar o interesse na criança. Apresentar os livros de uma maneira solta e tranquila. Deixar que elas descubram, coloquem na boca, leiam de ponta-cabeça e, sobretu-do, que a leitura seja sempre livre. Que parem quando sentirem vontade de falar. Nesse momento, geral-mente, despertam para questões internas”, avalia Bruna.

A educadora narra que, com o passar do tempo, as crianças e os adolescentes passam a inserir a literatura nas atividades cotidianas. A ler antes de dormir. E é muito comum que os mais novos peçam, com frequência, para ouvir dezenas de vezes a mesma história. “Também procuramos livros específicos para questões mais relevan-tes aos jovens. Muitas vezes isso funciona. A literatura age diretamente na imaginação e indica respostas.”

Sobre a construção do álbum, ela se diferencia de acordo com a faixa etária e as consequentes habilidades de cada criança e adolescente. Por exemplo, com os bebês até 3 anos, os álbuns são feitos pelos educadores, num modelo de relato, como os tradicionais álbuns de bebês feitos pelos pais.

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“O colaborador é quem confecciona os álbuns, até o momento em que chega a escrita. Essa é uma grande mudança”, revela. A gradativa autonomia do jovem vai transformando o álbum de registro num diário pessoal.

A educadora acredita que o processo de construção dos álbuns tem de ter princípio, meio e fim. Ou seja, deve acabar. Os álbuns não devem ser preenchidos por tempo indeterminado. O que é observado, em casos de jovens que permanecem mais de um ano em abrigos, é que retomam o hábito, em novos álbuns.

Os encontros com os jovens são registrados em relatórios e questionários, assim como as reuniões e as ofi-cinas com os educadores e técnicos dos abrigos, e esse material é a base para o planejamento da continui-dade das ações e para avaliações do projeto, bem como o próprio álbum dos jovens.

Fotografias, desenhos e textos compõem um espaço de registro pessoal | imagem: Cia de Foto

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Redes percep oes

e ganhos

Bruna se expressa com eloquência. Ao mesmo tempo que demonstra segurança e distanciamento para poder transformar o projeto em narrativa, aparenta estar sempre ciente da importância do afeto nesse pro-cesso, no contato com crianças e adolescentes.

Após a experiência no Rumos Educação, Cultura e Arte 2008-2010, ela passou a ser coordenadora do progra-ma de formação de educadores dos serviços de acolhida do Instituto Fazendo História.

“Estava mudando de função no instituto durante o processo de formação do programa, por isso vivi a expe-riência já pensando no que iria acrescentar à minha nova atividade. Foi marcante ocupar o papel do educan-do, estar do outro lado, para pensar minha prática de trabalho. Ver o impacto de uma experiência que desper-ta sentimentos no processo de aprendizado”, expõe.

Assim, levou muito da experiência desse processo para a atividade de educadora.

Bruna ressalta ainda outra percepção, a importância da roda. “Tive uma compreensão e um encantamento maior com a força da roda, de tudo que ela significa e fala. Voltei para o trabalho com esta frase na cabeça, ‘todo o grupo tem de começar e acabar com uma roda’ (dita pela dançarina Miriam Pederneiras, da asso-ciação Corpo Cidadão). Outras experiências significativas me fizeram refletir ainda mais sobre a roda, como a visita à Casa Redonda Centro de Estudos, em Carapicuíba (SP), que trouxe para mim a concretude da roda, do redondo, do círculo. Fechar esse ciclo com a visita à biblioteca redonda, inspirada no poço de Alice no País das Maravilhas (no Quilombo de Nossa Senhora de Nazareth do Timbó, em Garanhuns – PE), uma passagem para o mundo da imaginação, foi muito bacana também”, completa.

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Na trajetória do processo itinerante da formação, Bruna escolheu viajar para a região do sertão do Cariri, no Cea-rá, onde conheceu a Fundação Casa Grande – Memorial do Homem do Cariri, no município de Nova Olinda. “Para conhecer mais, é preciso tempo, entender o cotidiano, a metodologia na prática. Isso foi muito legal na experiência da Casa Grande. Era a possibilidade de conhecer de verdade, uma compreensão diferente”, recorda.

No processo do Rumos ela consolidou uma rede com as outras educadoras selecionadas: Ana Carmen No-gueira, do Projeto Acesso, e Ana Teixeira, do Ateliê Parangolé, da Fundação Antonio – Antonieta Cintra Gor-dinho; ambos em São Paulo.

“O contato com Ana Teixeira e Ana Carmen, educadoras do mesmo estado, permitiu a construção de uma parceria de trabalho muito exitosa. A participação das duas no projeto de formação de educadores de abri-gos enriqueceu demais nossa equipe e renovou olhares sobre a questão da arte como ferramenta de traba-lho”, resume Bruna.

Outro ponto que a educadora ressalta como fruto da experiência é a percepção da diversidade que caracteriza o mundo. As diferentes realidades e abordagens nos processos educativos. “Durante o convívio com outros educa-dores, fui tomando consciência da diversidade que cabe dentro do mundo, do desafio de se abrir para o novo, de compreender a partir dele. Isso tudo me ensinou muito como pessoa, como educadora.”

A construção do álbum é definida de acordo com a faixa etária | imagem: Cia de Foto

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Crianças brincam em frente à Fundação Casa Grande, no sertão do Cariri | imagem: Acervo Fundação Casa Grande

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Sobre Alessandra

Lembro-me de Alessandra e seu

espírito empreendedor desde o

primeiro dia, falante e apaixonada

pelo que faz; em meio a tantas

trocas, me chamou atenção a ideia

da sevirologia, ensinar os jovens

da Eletrocooperativa a se virar, a

partir de quem são, de seus

desejos e repertórios, de suas

histórias, tudo isso em

cooperação com o grupo. Essa

ideia me pareceu muito inovadora.

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Conhecer de perto o trabalho, o

espaço onde tudo acontece e cada

um dos jovens envolvidos no

projeto naquele momento me deu

a dimensão dos conceitos de

autonomia e protagonismo na

prática. O espaço é mesmo de

criação, e a criatividade toma

formas de qualidade. Os jovens

aprendem fazendo e o prazer

está sempre presente! É possível

ver isso na cara, no jeito de falar e

de estar lá de cada um deles. A

individualidade é valorizada e a

força está na coletividade.

Por Bruna

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se virando com

musica e audiovisual

A educadora baiana Alessandra Pamponet dedica-se à formação de jovens há mais de dez anos. Entre 2003 e 2010, trabalhou no Instituto Eletrocooperativa, em Salvador (BA), fundado por seu irmão, Reinaldo Pamponet, onde desenvolveram o método da sevirologia, ou sevirismo – neologismos que advêm da expressão popular “se vire!”.

O instituto, que ocupa uma casa no Pelourinho, sítio histórico e ponto turístico da cidade, oferece a adoles-centes de baixa renda, entre 16 e 24 anos, moradores da periferia da capital baiana, formação em audiovisual e música com foco no desenvolvimento humano.

Para garantir planejamento e previsão aos futuros profissionais, os projetos do instituto estão focados no desenvolvimento sustentável e na gestão de carreira, e na formação de grupos de trabalho para a cons-trução de redes e modelos de plano de negócio. Assim, além de oferecer formação aos jovens, reforçam aspectos importantes para a inserção e o sucesso no mercado de trabalho.

Com atividades diárias, em dados de 2010, o instituto havia formado mais de 2 mil jovens, sob o comando de 7 educadores e outros 100 ex-alunos, que atualmente trabalham no instituto. Por meio de apresentações e do site mantido pela instituição, alcançaram público superior a 1 milhão de pessoas e registraram mais de 100 mil downloads, em 43 países.

“Esses jovens chegam da periferia, de origem humilde. Alguns têm conhecimentos musicais, sabem tocar um instrumento, outros são DJs. Não necessariamente serão todos músicos ou artistas, porém irão aprender sobre gestão e se desenvolver como seres humanos”, comenta a educadora.

Os jovens passam dois anos no instituto e participam de diferentes formações. O processo é dividido em três etapas.

A primeira começa com uma palestra sobre um valor, “por exemplo, ética, respeito, solidariedade, coletivida-de”, ilustra Alessandra. Para cada palestra, é convidado um especialista. Após a discussão, o grupo é dividido em equipes e cada uma delas é incubida de produzir um vídeo, um programa de rádio e uma música, asso-ciando a reflexão sobre os valores a recursos tecnológicos e processos criativos, gerando produtos que, ao final, são apresentados a todos e os resultados comentados.

Alessandra Pamponet

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Na segunda etapa, os jovens que mais se destacaram, em aspectos técnicos e comportamentais, passam a receber formação para se tornar estagiários, desempenhando a função de assistentes dos que estão na terceira etapa. Os demais são encaminhados para outras formações.

A terceira etapa é a última e implica a inserção dos jovens na usina de produção – uma empresa social. São os sócios contratados, que já estão aptos para produzir trilhas, vídeos, programas de rádio e outros produtos para o mercado. Estão também capacitados para vender os produtos. “Aprenderam fazendo. São sevirólo-gos. Aprenderam a se virar e podem ser donos da própria vida”, resume.

Alessandra ressalta a importância de, durante o processo, estimular as relações interpessoais entre os jovens, para que criem empreendimentos em conjunto, a partir de afinidades e simpatias. “Isso ocorre de forma natural. Escolhem o que querem fazer, música ou audiovisual; reúnem-se, de acordo com as preferências, e iniciam o planejamento. A Eletrocooperativa ajuda, elaborando um modelo de plano de negócio, de desen-volvimento de carreira, e eles vão gerindo o empreendimento, ganhando dinheiro.”

Além de conhecimentos técnicos sobre a área que escolheram, os adolescentes recebem aulas sobre cida-dania e gestão cultural, e apoio psicológico. “A educação é o eixo: transformar e desenvolver.”

Alessandra educa jovens para serem empreendedores culturais com foco no desenvolvimento humano |

imagem: Cia de Foto

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Sevirologia se virar

para vir a ser

A sevirologia vem da ideia de se virar para vir a ser. Alessandra explica, “carregamos a sevirologia dentro de nós. Ela é um jeito de ver a vida em direção à ação, ao movimento. É um encontro com a sabedoria presente em cada um, que potencializa aquilo que temos de mais valioso. Acreditar no que somos e no melhor que temos para dar ao mundo nos coloca numa postura ativa em relação à vida e nos ajuda a trilhar nosso caminho”.

Para a educadora, “se virar” é uma expressão familiar e, em nossa vida, há diversas histórias de sevirologia. “A proposta é resgatar esse conceito e ampliar as possibilidades de aprendermos sozinhos e com os outros, enriquecendo assim nosso potencial de criação.”

Há três princípios essenciais para a sevirologia, são eles: reconhecer nossa sabedoria e o poder de realização; fazer o melhor com o que temos; e aprender sozinho e com os outros. Dois elementos principais pautam a teoria, o ambiente e o estímulo.

“Estimulamos a diversidade, para que não fiquem no mesmo, e eles deliram. Misturam analógico e digital, criam sons, mesclam linguagens. Criam para o futuro. Seguindo esses princípios, propomos que a sevirolo-gia seja incorporada em nossas ações na vida e na rede, e que possa se espalhar para inspirar outras redes.”

Além da teoria da sevirologia, a educadora aponta outras questões importantes na educação dos jovens para o trabalho na cooperativa, como orientá-los para atender as demandas de mercado. “Estamos na Bahia e dizem que baiano não nasce, estreia, em referência ao excesso de criatividade por aqui. Isso atrapalha, faz com que os ado-lescentes se percam. Por isso temos regras de seleção da qualidade do que foi criado, para que aprendam a aten-der o mercado e gerar renda.” Dessa forma, os jovens são orientados a cumprir metas e prazos, ter coerência esté-tica em relação ao produto que o cliente encomenda e obedecer às regras para poder competir no mercado.

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Em dois anos, os jovens participam de diferentes formações | imagens: Cia de Foto

As diferencas no mundo

Para entrar na Eletrocooperativa o jovem precisa, além de ser morador da periferia, ter renda familiar mensal abaixo de mil reais. “Muitas vezes, a renda familiar não chega a um salário mínimo.”

Outra característica comum aos jovens, explica a educadora, é o amor à música. “Temos depoimentos nos quais adolescentes falam sobre a vantagem de poder trabalhar com música, que no instituto faz parte do dia a dia.”

Branca, de cabelos lisos, Alessandra considera o preconceito racial algo misterioso e incoerente. “Não enten-do o preconceito, por isso prefiro nem falar muito sobre ele, pois me causa indignação. Sabemos que há discriminação, mas também há superação”, defende.

Os garotos da Eletrocooperativa compuseram uma música para ela, “A Loura Preta”, que gerou o apelido pelo qual a chamam e que lhe provoca emoção, reafirmando o impacto do trabalho com os jovens, a troca de afeto e o reconhecimento do esforço. Na música, a Loura Preta é uma guerreira que não concorda com o preconceito e tenta combatê-lo.

“Qual o baiano que não é negro? Qual o brasileiro que não é afrodescendente? Para combater a discriminação, trabalhamos bastante a autoestima, o autoconhecimento. Os estilos diferenciados de ver o mundo”, revela.

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Dos garotos ganhou o apelido de “Loura Preta” | imagem: Cia de Foto

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No rumo das descobertas

Sobre a participação no Rumos Educação, Cultura e Arte 2008-2010, Alessandra guarda diversas impressões e afirma ter aprendido muito e conquistado flexibilidade. “Meu repertório foi ampliado. Percebi que a cultura popu-lar tem um significado muito importante nas nossas histórias. Isso é básico, mas não estava vivo dentro de mim.”

No processo, teve oportunidade de ver de longe sua experiência como educadora e reavaliar diversos as-pectos. “Percebi que o educador aprende muito mais do que ensina. Ao ver outras realidades, conheci novas alternativas. Essa junção de mundos, conhecer a realidade alheia e descobrir caminhos que podem ser se-guidos, é impagável. Isso aprendemos com os demais educadores e com o público com o qual trabalhamos. Assim, o mundo se torna muito mais bonito.”

Alessandra participou de todas as viagens da formação itinerante do Rumos. “Pra mim a primeira etapa da for-mação que aconteceu em São Paulo foi a mais produtiva e a mais impactante. Destaco o projeto Fazendo Minha História, que me causou muitas reflexões e mudanças internas.” Em São Paulo, ocorreu a abertura da premiação e o primeiro encontro com os 12 educadores contemplados, entre eles, Bruna Elage, do Instituto Fazendo História.

Por escolha própria Alessandra decidiu voltar a Belo Horizonte (MG) e ir à Espanha. Em Minas obteve um contato mais íntimo com as experiências em que tinha mais afinidade. “Consegui estabelecer vínculos de amizade e trabalho e aprender muito. Na Espanha, foi para Madri e Barcelona conhecer experiências de economia da cultura, ampliando ainda mais sua bagagem.

No balanço geral, destaca que seu trabalho de educadora, depois da experiência, ganhou humanização. “A dimensão econômica era minha prática – gestão de carreira, empreendedorismo e sustentabilidade. Agora, eu me aproximei das dimensões simbólica e cidadã e descobri que a cultura popular tem um sig-nificado muito importante. Isso melhorou meu olhar em relação às pessoas e aos projetos e me ensinou a valorizar as histórias.”

Foi assim que ela afirma ter identificado o que faltava em sua atuação como profissional de desenvolvimen-to humano: o resgate e o conhecimento das histórias das pessoas. “Depois disso, as dificuldades nas etapas de desenvolvimento desapareceram. Foi a luz que eu precisava para refazer os processos do meu trabalho de forma mais eficiente e assertiva.”

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A sevirologia nasceu da expressão “se vire!” | imagem: Cia de Foto

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Sobre Joana

Muito fácil falar de Joana.

- Pensamento estratégico e global

- Espírito coletivo

- Capacidade de planejamento

- Disposição para encarar situações complexas

- Habilidade de comunicação

- Capacidade de motivação

- Capacidade de integração

- Criatividade

- Liderança

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Ela tem a missão de olhar adiante

em busca dos futuros desafios e

da criação do novo. Em paralelo,

estimula o aprendizado e aguça a

curiosidade dos que a rodeiam.

Desprovida de vaidade, sempre

que julga necessário envolve

seus companheiros em conversas

“cabeça” para articular a visão e

dividir os conhecimentos. Joana é uma criatura muito especial.

Tem uma característica diferenciada

que é a eterna e incansável busca

da compreensão da floresta, e não

apenas das árvores.

Por Alessandra

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Quando e preciso

ressignif

Quando foi trabalhar no Instituto Ricardo Brennand (IRB), no Recife (PE), a educadora paulista Joana D’Arc Lima se deparou com um local inusitado. A principal edificação do instituto é um soturno castelo com ele-mentos arquitetônicos medievais, que se impõe com espanto em torres altas e uma ponte levadiça, na paisagem bucólica do bairro da Várzea.

O acervo do IRB é composto de uma das maiores coleções de armas brancas do mundo; objetos, mobiliário e pinturas dos séculos XVIII e XIX, e bonecos de cera de personagens da França do século XVII. O medieval e o barroco. O peso de religiões e valores. “Objetos belíssimos, feitos para exibição, e não para o uso, mas com uma simbologia necessária de ser reconstruída e ressignificada, como a visão generalizada que se tem sobre a relação do medievo com as trevas e os bárbaros”, explica Joana.

Para trazer leveza a essa realidade, a educadora buscou ajuda na produção da cultura contemporânea, em suas variadas linguagens. “Desmanchar no ar as estruturas, percorrer os espaços livres da instituição e poten-cializar o prazer de visitar o museu. Desnaturalizar noções e conceitos que nos habitam como verdades e saberes absolutos”, explica.

Assim, começou com sua equipe a construir o que chamou de binômio peso e leveza, metáfora extraída das narrativas do autor italiano Ítalo Calvino. O primeiro passo foi refazer a ideia do que foi o período medieval. Entender os signos que o castelo e os objetos do acervo representavam para o colecionador, pois o IRB é uma instituição privada, criada para exibir a coleção do empresário pernambucano Ricardo Brennand.

“Com perseverança e coragem, começamos a trabalhar para potencializar o diálogo com a arte contem-porânea e criar estratégias de fazeres e produções dentro de culturas específicas”, declara.

O trabalho começou em 2002, com uma equipe de 30 educadores. O IRB recebia, nos finais de semana, pú-blico médio de 1,6 mil pessoas e contava com acervo de mais de 5 mil peças. “Havia 30 educadores envolvi-dos em inúmeros programas – ações do cotidiano da instituição, que recebe muitos visitantes e grupos.”

Em 2007, após cinco anos trabalhando no castelo, Joana pôs em prática uma nova proposta, que pensava as interfaces da coleção com a contemporaneidade.

Joana D´Arc Lima

i

icar

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Projeto Educativo para

Publicos Espontaneos

Com referências de trabalhos das artes visuais contemporâneas, a equipe criou uma ponte entre os tempos, lugares de diálogos, aproximando as obras do museu do público. As pinturas do século XVII passaram a ser apresentadas ao lado de grafites atuais. As armaduras barrocas ao lado de obras contemporâneas que inci-tavam a questão: “quantas armaduras não usamos em nossa contemporaneidade?”. Era o Projeto Educativo para Públicos Espontâneos, composto de três ações principais.

A primeira delas foi o programa Peça a Peça (Pape), que busca formar o olhar e ampliar o universo cultural dos participantes, partindo da análise de uma peça/obra específica do acervo. É mensal, todo último sábado do mês, e a obra em questão é escolhida pelo próprio público.

A diversidade etária e cultural foi levada em conta na formatação do programa. O instituto atrai turistas estran-geiros e brasileiros e a população da cidade. “Como o espaço do museu é usado também para convivência e lazer, refletimos sobre estratégias para aproximar os visitantes do acervo”, completa.

A programação inclui um bate-papo sobre a obra, seguido da visita mediada ao espaço expositivo, privile-giando o contato direto com o objeto artístico. Simultaneamente, às crianças é oferecida uma vivência esté-tica em oficina artística tendo como mote da experiência a obra selecionada. Ao final há uma apresentação cultural. “Um momento que preza a participação e o diálogo, no qual juntamos adultos e crianças, compar-tilhamos o que aprendemos e narramos as vivências.”

As inscrições para participar são feitas com antecedência e o público é variável. “Há vezes em que temos 100 pessoas, que lotam o auditório, outras vezes 30. A temática é uma das razões dessa variação. E há os que vão sempre, frequentam todos os meses”, conta. Para a educadora, o destaque do programa são as estratégias de participação oferecidas e as possibilidades de conversas desencadeadas entre pessoas de gerações, ori-gens e níveis sociais e culturais diversos.

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O projeto educativo de Joana D’Arc aproximou o público do acervo do IRB | imagem: Cia de Foto

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O castelo e seus valores medievais foram ressignificados | imagem: Cia de Foto

A formacao do olhar

A segunda ação foi criada após, contrariando a regra comum dos museus, a direção do IRB liberar a fotogra-fia nos espaços expositivos. Os visitantes começaram a fotografar compulsivamente tudo, despertando na equipe uma curiosidade e questionamentos. Assim foi criado o programa Por Dentro do Museu: A Formação do Olhar – para o público aprender a ler imagens e produzi-las –, que oferece outra entrada no mundo de símbolos e significações. “Acredito que essa experiência seja transformadora.”

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As peças ganharam uma ponte até a contemporaneidade | imagem: Cia de Foto

Joana avalia que os encontros ampliam o espaço do museu para outras linguagens e outras ocupações físi-cas, provocando um deslocamento do público para além do papel de espectador; propondo a ele o lugar de criador. Os educadores trabalham o olhar a partir de postulados de teóricos contemporâneos e da meto-dologia de educação patrimonial.

“Participa todo tipo de fotógrafo amador, com qualquer equipamento, desde máquinas fotográficas a tele-fones celulares.” Os grupos são de, no máximo, 25 pessoas. As imagens são feitas em dois momentos, duran-te o percurso e em um local específico escolhido por eles. Ao final, as fotos são reproduzidas para todos e o resultado discutido a partir da coleção do museu. O tema da coleção e do colecionador é recorrente no programa. Os visitantes saem da visita com uma coleção de imagens do acervo, refletindo sobre guarda, conservação, classificação e arquivo.

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Lugar para arte e sentido

A terceira ação é o Programa Lugar para Arte(s) e Sentido(s) (Lupas), que consiste em um encontro cuja progra-mação prevê uma visita mediada pelo espaço expositivo, com recortes temáticos específicos. Depois, separados adultos e crianças, eles participam de um laboratório de produção artística. O programa tem como marca regis-trada a experiência sensorial. São destacados contextos específicos do acervo, como uma curadoria educativa que constrói percursos na coleção. Depois, há a extensão para ações estéticas, também focadas nos temas.

Entre as possíveis temáticas abordadas, estão a escultura neoclássica e a mitologia grega com base na co-leção do museu e o acervo de heráldica. Há ainda uma viagem que parte das armaduras medievais e segue até o cangaço nordestino.

“O público tem a oportunidade de conhecer a coleção e puxar dela fios analíticos, estabelecendo relação com experiências cotidianas, com uma vivência estética e poética. Priorizamos nessa atividade, principalmen-te, a participação de famílias, para instaurar um repertório único que possa ser dialogado entre eles”, esclarece.

As três ações foram concebidas para o público espontâneo, que se somam às ações para o público escolar.

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As ações educativas exploram o espaço expositivo | imagem: Cia de Foto

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A surpresa do Rumos

Antes de entrar no IRB, a educadora desenvolveu atividades educativas em outras instituições e aprimorou os estudos com um mestrado em sociologia da cultura. Em Paris (França), fez uma especialização e conviveu com a coincidência de ser homônima à santa e heroína francesa que, na Idade Média, foi queimada pela Inquisição, Joana D’Arc. Extremamente racional no discurso sobre seu trabalho, ela reverbera o conhecimento acadêmico, relacionando teorias, teóricos e livros como base de suas ações. Atualmente, finaliza um doutorado no Recife.

Da seleção no prêmio Rumos Educação, Cultura e Arte 2008-2010, guarda, sobretudo, uma surpresa. “Achava que o programa trabalhava com outra perspectiva de atuação, com educadores inseridos em universos so-cioculturais no limite das carências. Esse não é meu lugar. Trabalho com uma diversidade de público, ricos e pobres.” Depois da surpresa, Joana pondera que o processo que precedeu a premiação, preencher fichas, explicar o que fazia, foi essencial para a reflexão e o amadurecimento das ações no IRB. “Pude parar e pensar o trabalho numa dimensão maior, valorizá-lo, e o resultado me deu força para continuar tentando.”

Visita guiada à Mostra Absurdo, no Armazém 3, em Porto Alegre (RS) | imagem: Fundação Bienal do Merco-

sul – Acervo NDP/Eduardo Seidl (indicefoto.com)

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Na bagagem das viagens

Da formação itinerante que realizou com o programa Rumos, Joana guarda lembranças, imagens e experiências; muitas delas, hoje, incorporadas às atividades de educadora. Um exemplo é a formação de rodas para conversar, percepção que trouxe na bagagem da visita à Associação Grãos de Luz e Griô, em Lençóis, interior da Bahia.

“Aprendi a fazer e insistir na roda, na circularidade. Isso mudou meu trabalho. Parece uma bobagem, mas é uma sabedoria. A roda tem um sentido, uma necessidade, reverbera no sujeito.” Na prática no IRB, a educa-dora inseriu nos processos de formação de educadores e nos trabalhos com o público do museu essa ma-neira de trabalhar. “Percebi como o diálogo fluía, os olhares se cruzavam e isso ajudava no trabalho de for-mação do olhar que tanto prezo e que norteia minha atuação como educadora.”

Na bagagem das viagens do Rumos, Joana trouxe outras lembranças, aprendizados e descobertas subjeti-vas, como a percepção do significado de certas palavras e valores, que viu renovados em outros trabalhos, e a importância de valorizar as tradições. “Guardei também como preciosidade a valorização das tradições, porque a falta das tradições e referências esmaece valores e ameaça práticas sociais.”

Sozinha, Joana escolheu viajar para Porto Alegre (RS), onde visitou a Bienal do Mercosul, museus, instituições e espaços culturais da cidade. Como resumo de todo o processo, a educadora ressalta ainda que, depois da vivência do Rumos, sua prática na educação é outra. “Sair das paredes invisíveis que delimitam os espaços da educação e da prática do educador me ajudou a diluir fronteiras e entender que o processo educacional é amplo e cabe em todos os lugares. Passei a valorizar muito os deslocamentos como possibilidade singular, a desterritorialização, os confrontos entre contextos diferenciados, a roda e o diálogo, e a tão retórica frase de aprender na vivência. Isso mudou minha prática.”

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Sobre Wagnereducativo no Quilombo do Timbó,

objetivando a troca, os

aprendizados múltiplos e,

sobretudo, a construção de

relações entre o ensinar e o

aprender no cotidiano da vida,

torna seu projeto uma das mais

belas ações educativas que já

vislumbrei. O trabalho fomenta

demandas que estão presentes,

mas adormecidas no cotidiano do

lugar, como a criação de uma

biblioteca aberta, a valorização

do trabalho artístico de mestres

do barro e da madeira, a

reinvenção de histórias para ser

contadas por meio da brincadeira

do mamulengo, do cordel, da

Meus olhos ficaram plenos de

surpresa, de imagens e de

encantamento ao se fixarem no

lugar/projeto de trabalho do

educador Wagner Porto. Sua

atuação singular, porque seu

projeto é cerzido com o mesmo

fio que tece sua vida. Sua

residência artística e educativa o

coloca em disponibilidade na

comunidade. A ideia de sair de

sua cidade e fundar um espaço

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dança, da capoeira e das artes de

narrar. Todos os materiais

possíveis são reutilizados em sua

prática e noções sobre o meio

ambiente e a natureza são

discutidas. Wagner, então, ativa o

desejo e as potencialidades do

outro, sejam os mais velhos, os

mestres artesãos, as parteiras

do lugar, as crianças e os jovens

que buscam curiosamente pelo

novo. Uma vasta rede vai sendo

construída, na qual as relações

adquirem sentido, afetividade e

políticas diferenciadas.

Por Joana

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entre mestres e mamulengos

A comunidade quilombola de Nossa Senhora de Nazareth do Timbó, em Iratama, distrito de Garanhuns, no agreste meridional de Pernambuco, recebeu um dia um visitante estranho, que fixou morada no local e, ar-mado com arte e educação, ajudou os habitantes do lugar a trilhar novos caminhos de acesso à cidadania e de recuperação e preservação da identidade.

Em 1975, nasceu Wagner Porto, num subúrbio à beira-mar de Olinda, Pernambuco; o bairro de Rio Doce – marcado por alto índice de violência urbana, problemas de infraestrutura, as mazelas das periferias brasilei-ras. Na infância, estudava e frequentava os folguedos da comunidade. Passou no vestibular para arquitetura, no mesmo período em que também aprofundava o conhecimento e a prática sobre a cultura popular.

Ao entrar na faculdade, em 1996, enveredou pelos caminhos dos movimentos estudantis e aguçou o faro para a pulsante cultura popular pernambucana. Convivia com os mestres Custódio e Salustiano. Tocava di-versos instrumentos, brincava em cavalos-marinhos e maracatus, e entrou para um grupo musical que acompanhava apresentações de teatro de mamulengos.

Enquanto isso, na universidade, via os sonhos cada vez mais turvos. Achava o ambiente elitista, distante da realidade. Pensava que a educação formal estava obsoleta e não servia mais a objetivos elementares, como promover o enriquecimento cultural, econômico e social da população mais carente.

Seis anos se passaram, e ele fez sua opção pela cultura popular. Abandonou a universidade e encontrou o contraponto para a insatisfação com o sistema educacional no exemplo dos mestres – educadores popula-res que, nas periferias e no campo, desenvolviam trabalhos para comunidades desassistidas. “Decidi que me dedicaria a essas práticas; conviver e aprender com os mestres”, recorda.

Seguiu o aprendizado e começou a compartilhar o conhecimento coordenando grupos culturais em acam-pamentos de desabrigados e assentamentos rurais.

Wagner Porto

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Novo batismo Parente

Em 1999, Wagner participava de folguedos, tocava e fazia mamulengos de mulungu (Erythrina falcata), árvo-re de madeira leve e flores vermelhas. Para confeccionar os bonecos, usa apenas galhos caídos no chão. Por isso, resolveu descobrir, em Pernambuco, áreas onde havia a madeira em abundância, e assim topou com o Quilombo de Nossa Senhora de Nazareth do Timbó.

O cenário: natureza exuberante e riqueza cultural, que contrastavam com uma carência de material inaceitável, fome e pobreza das áreas rurais desamparadas. O jovem educador se sentiu cativado e decidiu ajudar aquelas pessoas. “Sigo a religião da Jurema e vi ali uma missão – desconstruir o passado de perseguição e morte por meio da prática da arte. Sempre acreditei no poder transformador da arte”, explica.

Fixou raízes no local para desenvolver no quilombo uma residência artística. Wagner virou Parente. “O apeli-do foi adotado pela comunidade após assistirem ao cavalo-marinho, no qual os personagens Mateus e Bastião se tratam assim. Eu interpretava Mateus.” Com seus bonecos de mulungu, foi fazendo novos amigos. “O mamulengo teve uma assimilação impressionante. Eles não tinham nenhuma opção de lazer. O germe do bem aos poucos foi contaminando, reunindo as pessoas.”

A experiência no quilombo, em 2010, completou 10 anos. Sua formatação é intuitiva e espontânea, forjada no dia a dia. “Quando decidi morar lá, preparei um espetáculo de mamulengos para a comunidade. Em seguida, as pessoas começaram a se aproximar de mim por curiosidade. Não programei nada de oficinas, fomos fican-do amigos, e foram surgindo as necessidades. A presença do artista instiga e cria outras referências.”

Como exemplo, cita o interesse das crianças em aprender música. “Não havia mais instrumentos musicais no quilombo quando cheguei. Para absorver o interesse deles em aprender, passamos a fazer ensaios abertos, nos fins de semana.”

Também guiado pelas necessidades, “no colégio, pediram aos meninos para fazer cordéis”, começou a ensi-nar literatura de cordel e a juntar livros, e criou um espaço de leitura. “O fazer e viver artísticos cotidianos criam momentos pedagógicos únicos.”

Outros focos da ação de educador estão no ensino de artesanato com argila e na confecção e manipulação de títeres. “Formamos um movimento multicultural de produção e reflexão, que deu vida nova às práticas esquecidas e criou condições de acesso à cidadania.”

Inserido na comunidade e tendo a observação do cotidiano como principal referência, Wagner conseguiu em-preender uma ação autônoma de fortalecimento das etnoculturas, valorização do patrimônio imaterial local.

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..

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Wagner Porto vive a cultura popular no Quilombo do Timbó | imagem: Cia de Foto

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Formacao itinerante

Ao olhar para ele, parecia ser o mesmo Wagner do movimento estudantil. Roupas simples, bermuda e san-dália de couro. Um colar colorido, um gorro de crochê cobrindo os dreadlocks e cavanhaque. É assim que convive com os quilombolas do agreste, é assim que transita em hotéis e centros de cultura, é assim que vive. Seu estilo se complementa com a maneira de ser, atencioso, não poupa palavras nem tempo para se comunicar. “Nas comunidades rurais, o ritmo é outro.”

O amigo mamulengo, Juá, o acompanha. Quando necessário, sai do saco e ganha vida. Não é mais Wagner. É Parente que dialoga com Juá, brincando, cantando, mandando seu recado. Quando Juá cansa, senta ao lado do bonequeiro, elegantemente.

Parente é transparente. À medida que conta sua história e vivências, as emoções afloram, em sorrisos, olhos marejados. “Sou artista, sou sensível.” E, depois da experiência do Rumos, ganhou uma certeza: “não estou só. Há muitas iniciativas importantes, pessoas usando seus superpoderes para o bem. Aprendi muito com os selecionados e as atividades que realizamos. Foram jornadas que ainda se fazem constan-tes em visitas a meu pensar.”

Em São Paulo, o mamulengueiro reforçou a confiança em sua atividade. Era a primeira apresentação que realizava para gente culta e letrada – os educadores compadres do Rumos, que acabava de conhecer, e convidados, até de outros países. “Tive medo da reação, se iam acompanhar sem se cansar, porque o mamu-lengo é sempre longo, dura horas.” Mas o resultado foi a simpatia e o entrosamento com o público. “O teatro de mamulengos é universal e contemporâneo, não carece nem de tradução.”

Wagner diz que também foi presente do Rumos a amizade estreita com Juá. “Nessa viagem a São Paulo, nasceu minha amizade com Juá. Ele é um embolador de coco.” O títere é manipulado a partir do pandeiro, e isso, para Wagner, é de suma importância.

“Mestre Salustiano dizia que um verdadeiro mestre não copia, inventa. Eu inventei a manipulação dos mamulengos a partir do instrumento musical. Pandeiro, rabeca, é outra forma de fazer a brincadeira. E Juá é com o pandeiro.”

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Os mamulengos o ajudaram a integrar-se à comunidade | imagem: Cia de Foto

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A bencao e a permanencia

dos mestres

Mestre Salustiano, mestre Custódio e mestre Zé Lopes, de Glória do Goitá, zona da mata de Pernambuco, são as mais importantes referências no processo de aprendizado do educador Wagner Porto. “Eles tinham um papel transformador e conceitos avançados de ensino. Um ano com mestre Salustiano valeu mais que cinco na faculdade”, defende.

O que aprendeu com os mestres? Os folguedos – ciranda, maracatu, cavalo-marinho, mamulengo, e segue: “são elementos de educação que existem há muito tempo e são praticados por diversas comunidades, afirmando e questionando valores, estratégias de resistência e luta, formas de expressão artística. E essa tradição é dinâmica”.

Mas a principal lição diz ter sido a necessidade do domínio sobre a técnica. Simples e libertários, abertos a outros formatos de ensino, sem horário rígido ou provas, os mestres nunca deixaram de lado o cuidado na execução dos folguedos, no canto, no toque do instrumento. “Ensinaram-me a ser exigente comigo mesmo.”

No Quilombo do Timbó, mais dois mestres entraram na história de Wagner, mestres Fida e Juarez. “Quando cheguei ao quilombo, mestre Fida não trabalhava mais, desestimulado. Ao ver meus bonecos, retomou a atividade e fez um boneco, uma escultura maravilhosa, que se movimentava com o vento. No passado, esses bonecos eram uma marca do lugar. Havia um em cima de cada casa. Foi uma tradição revitalizada.”

O mesmo aconteceu com mestre Juarez, do samba de coco. “As crianças não gostavam de ouvir, não tocavam mais. Só os mais velhos lembravam.” Hoje, o grupo de samba de coco do Timbó se apresenta em todo o estado.

“Há uma pureza nesse lugar que é a grande riqueza desse povo, e de outras comunidades quilombola em que trabalho. Só em Garanhuns há seis comunidades quilombola. Falta gente para trabalhar nesses locais. O Brasil é tão grande, e os problemas se repetem em todas as regiões – quilombolas, indígenas, sem-terra, ri-beirinhos –, tantos grupos específicos sem ações próprias para eles”, opina Wagner.

Wagner Porto marcou com idiossincrasias o processo no Rumos. As avaliações sobre as atividades itineran-tes preenchia com desenhos e textos poéticos. O depoimento solicitado sobre outro educador escreveu em cordel. A viagem que organizou ao quilombo onde vive colocou o grupo para se deslocar de pau-de-arara e, devido a uma forte chuva, eles tiveram de voltar andando até o local acessível mais próximo – criando-se, com ajuda do destino, um momento marcante para todos os participantes.

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O recurso disponibilizado pelo prêmio, que lhe permitiria fazer uma viagem, converteu em verba para uma oficina no Quilombo do Timbó. “Organizamos um laboratório de técnicas de construção vernacular com argila – ladrilhos, combogó, elementos de construção – com mestre Nado, de Olinda. Toda a comu-nidade participou e agora pode produzir seus próprios materiais para construir. Com o material produzi-do, ergueram uma biblioteca circular e trabalham por uma escola para crianças menores de 7 anos.

A biblioteca circular | imagem: Margarete de Oliveira O boneco Juá | imagem: Bruna Elage

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Sobre Maryanne

O seu sucesso garante

Desde o primeiro instante

O coração que nos guia

Que EMOÇÃO nos encante

Arte e tecnologia

Circo não é tão novo

Mas é quem lembra o povo

A não viver sem Magia

Lá vejo estrepolia

Daquele que luta e vence

Supera com acrobacia

A coragem convence

Devido à sua ciência

Pra musa do picadeiro

Chuva de flor em botão

Revele ao folheteiro

Sua divina inspiração

Para narrar com clareza

Força , amor e beleza

Há no Circo do Capão

Rompendo com a noção

Que todo circo é errante

Nas artes da educação

Está um passo adiante

O Circo é cultura viva

E a construção coletiva

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É bela a influência

Dessa família Circense

Antes que a gente pense

Que vive o circo parado

É marca que lhe pertence

Ser tão diversificado

O Circo em sua praça

E o mundo inteiro que passa

Por essa flor do cerrado

Artistas de todo lado

Palco e arquibancada

“Ermanos” fazem bailado

Capoeiras da Chapada

E brinquedos de terreiro

Com gente do mundo inteiro

Pela ARTE INTEGRADA

Criança maravilhada

Não é adulto teimoso

Na alegria respeitada

O crescer é prazeroso

Para tornar num segundo

O picadeiro do mundo

Feliz e maravilhoso

Por ser intenso e formoso

Alegrando toda nação

Revivo, Circo, saudoso

Essa é minha intenção

Na corda que embalança

Trago sempre a lembrança

Esse Circo do Capão

Por Wagner

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um picadeiro para todos

No semiárido da Bahia, um circo oferece inclusão social e opções de lazer e cultura a uma comunidade rural, vencendo os limites da carência e superando a falta de oportunidades.

É a Escola de Circo do Capão – Associação Safar Miramas de Artes no Circo, localizada no Vale do Capão, Chapada Diamantina, no município de Palmeiras (BA), fundada pelo casal Jean Paul e Maryanne Galinski. Ele, um acrobata francês, há 16 anos radicado no Brasil. Ela, uma assistente social soteropolitana que, a partir dessa experiência, se tornou educadora e foi premiada no Rumos Educação, Cultura e Arte 2008-2010.

O casal se conheceu em Salvador. Maryanne, estagiária do Projeto Axé; Jean Paul, professor de acrobacia da Escola de Artes do Circo Picolino. As instituições desenvolviam atividades de recuperação de crianças em situação de risco social com atividades circenses. Naquele ano, 1996, Maryanne percebeu que a arte do circo era uma ferramenta de inclusão social e Jean Paul ampliou sua visão, descobrindo que, como arte-educador, podia dar outra dimensão às habilidades circenses.

Em 1998, o casal esperava o primeiro filho e resolveu trocar a metrópole pelo campo. “Somos viajantes. De-cidimos tentar um estilo alternativo de vida e fomos morar no Vale do Capão, um local que já frequentáva-mos e de uma beleza natural impressionante”, lembra Maryanne.

Maryanne Galinski

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Maryanne Galinski levou o circo para o Vale do Capão | imagem: Cia de Foto

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O circo chegou

Ao chegar à comunidade, organizaram um espetáculo circense com os amigos do Circo Picolino e, no dia seguinte, ofereceram às crianças e adolescentes da comunidade, por um mês, oficinas intensivas de ativida-des circenses: malabarismo, equilíbrio em arame, contorcionismo, acrobacia, trapézio. Conseguiram 90 ins-crições e, após 30 dias, realizaram o segundo espetáculo, desta vez com os participantes da oficina, que passaram da condição de plateia a protagonistas.

A experiência foi mantida de forma regular na comunidade. Logo, os participantes das oficinas, selecionados por disciplina e capacidade técnica, começaram a receber formação para ser monitores.

O casal, então conhecido na comunidade como Mary e Paolo, em 2002 celebrou o primeiro ano de ativida-de regular. A escola recebeu o nome de Escola de Circo do Capão. Em 2004, para dar suporte legal às ativi-dades, que cresciam a cada ano, eles fundaram a Associação Safar Miramas de Artes no Circo, que Mary diz fazer referência à palavra árabe safar, cujo sentido, entre outros, é viajante, e miramas, de mirar más, em es-panhol, mirar mais; referências ao espírito viajante e observador do casal.

Integrados à comunidade, trouxeram outras pessoas para o projeto. Amigos europeus, artistas circenses, chegavam continuamente. Conhecido na Europa por Popol, Paolo obteve apoios e contribuições que bene-ficiaram o trabalho no Vale do Capão. “Em poucos anos, tínhamos formado um grupo de artistas e monitores da própria comunidade com um nível técnico e criativo comparado às escolas de circo conceituadas das grandes metrópoles”, conta Mary.

A Escola de Circo do Capão começava a ser referência na Bahia, no Brasil e mesmo nos círculos das compa-nhias circenses europeias, que ouviam falar do circo de Popol, na zona rural de uma área de preservação ambiental, o Parque Nacional da Chapada Diamantina.

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A lona e um novo espaco

Depois de dois anos desenvolvendo as atividades em um prédio cedido pela comunidade, o circo necessi-tava de um espaço específico para sediar a escola. “Compramos um terreno, que passamos a usar nas ativi-dades, mas, devido à chuva constante que ocorre de novembro a janeiro, tínhamos de interrompê-las, mui-tas vezes. Um amigo francês chamado Julot que nos visitou percebeu nossa necessidade e nos presenteou com uma lona de 25 x 33 metros.”

Era uma nova fase, a escola agora tinha sede própria e ampla. Com o passar do tempo, o espaço recebeu outras atividades, como formação em teatro, dança, artes visuais, música.

“Convidei amigos de Salvador, diversificamos as oficinas e, quando nos demos conta, a escola era um centro de cultura. Desenvolvia ações ligadas ao circo, ao teatro, à dança, à música, às artes plásticas, à capoeira. In-serimos nas atividades também a discussão de questões ambientais, promovendo espetáculos circenses teatralizados”, comemora.

Uma das razões para o sucesso do trabalho Mary credita à beleza e sedução que o Vale do Capão exerce sobre os sentidos dos visitantes. “As pessoas têm prazer em estar lá. Elas se oferecem para ir e, ao relatar a experiên-cia, estimulam mais gente a participar da escola.”

Os espetáculos eram gratuitos, ou com preços populares. Os monitores que vinham de longe ganhavam hospedagem e refeição, e o trabalho foi se consolidando. O passo seguinte foi ampliar as oficinas para adultos.

Atualmente, a escola funciona diariamente com aulas para 200 pessoas, entre crianças, adolescentes e adul-tos. Há oficinas de teatro, dança, música, além das disciplinas de circo (trapézio, monociclo, contorcionismo, equilíbrio em arame, malabares), e das complementares à formação de artistas: montagem de cenários, fi-gurinos e maquiagem, entre outras.

Cada vez mais pessoas da comunidade e visitantes se integram ao projeto, não mais como monitores. A maioria chega à escola para aprender artes circenses, sobretudo acrobacia. “Recebemos artistas estrangeiros que nos visitam para conhecer o local e interagem com a comunidade. Isso ocorre também com pessoas do Sudeste, do Sul e do Nordeste, que vêm para cá para fazer aulas, contribuindo para nossa autossustentabilidade”, revela Mary.

A escola oferece bolsas à comunidade local, “setenta por cento das pessoas do Capão são bolsistas”, enquanto os demais moradores pagam. Os turistas brasileiros ou estrangeiros pagam por aulas avulsas. Como conse-quência, a escola ajuda a movimentar o turismo local, importante fonte de renda para o município.

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As atividades circenses geram oportunidades de inclusão social e opções de lazer | imagens: Cia de Foto

Em 2009, após o planejamento com profissionais de saúde e de circo, a escola começou a oferecer aulas a portadores de necessidades especiais. São oito jovens que, duas vezes por semana, frequentam a escola com um monitor exclusivo e recebem acompanhamento de profissionais de saúde voluntários. “Esses jo-vens viviam em casa, isolados, sem acesso a lazer ou outra atividade. A satisfação que sentimos ao vê-los a caminho do circo, como outros jovens da comunidade, é enorme.”

O Circo do Capão tem chancela do Ministério da Cultura (MinC) como Ponto de Cultura, integrando o Pro-grama Cultura Viva. Os pontos de cultura recebem uma verba pontual do MinC e formam uma rede que desenvolve ações de cultura e cidadania no território nacional. Mary toma parte ativamente das atividades do Cultura Viva e desenvolve seu trabalho em consonância com as diretrizes que unem e ampliam essa rede.

Na escola, Mary e Paolo criaram a Cia de Espetáculos do Circo do Capão com artistas e monitores da comu-nidade para promover espetáculos na região. Usam o espaço do circo, escolas públicas e praças. “Fizemos diversas turnês em outros municípios da Chapada e nas comunidades mais próximas, nos quais além da apresentação de espetáculos realizamos oficinas de artes circenses.”

A escola exibe filmes à população, desenvolve ações de preservação e divulgação da cultura oral e, em par-ceria com a comunidade e artistas locais, promove anualmente o Circuito de Arte e Cultura do Vale do Capão.

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Estruturando a educa ao

A participação nas ações de formação itinerante do Rumos Educação foi estruturadora para a educadora Maryanne Galinski. Depois de trocar experiências com outros profissionais e conhecer novas vivências de educação não formal, Maryanne se coloca com mais segurança no papel de educadora.

“Meu trabalho foi guiado pela intuição e pelo amor. Identifiquei no circo uma ferramenta educativa e uma pos-sibilidade de inclusão social. Não sou pedagoga nem circense. Foi com a experiência e com os conhecimentos proporcionados pela equipe do Rumos que comecei a me perceber como educadora, a ter mais rigor, a sistema-tizar as ações, a ter um planejamento pedagógico mais norteador. O mais importante foi, ao analisar a nossa iniciativa, com olhar mais técnico, reconhecê-la como um circo social, um espaço de arte-educação”, declara.

Na execução do trabalho, Mary ressalta que foi essencial outros atores, como numa grande engrenagem, em que cada peça faz funcionar o todo. Entre os resultados do processo para a comunidade, destaca a cons-trução de um olhar para a realidade local. “Desencadeamos um processo de valorização e acesso à arte em nossa comunidade, a atrativos culturais e a obras artísticas de qualidade técnica e estética. As pessoas não se reconheciam pertencentes a uma comunidade e agora se reconhecem.”

Das viagens que fez, Mary afirma ter vivido a mais forte experiência em Pernambuco, em parte pela proximi-dade com o sertão da Bahia, em parte pela fascinação com a cultura local.

Na próxima edição, no Circuito de Arte e Cultura do Vale do Capão estarão presentes representantes de centros de cultura pernambucanos, que Mary conheceu na viagem. No futuro, a educadora planeja realizar uma residência artística em Olinda. “Gostaria de estabelecer um intercâmbio cultural com diversas iniciativas pernambucanas que dialogam com a nossa”, explica.

Por livre escolha, Mary viajou para Roraima, para conhecer o universo da educação indígena, em contato com a etnia macuxi, na Raposa Serra do Sol, e suas organizações que lutam pela preservação da identidade cultural e pelo resgate da língua materna. “O povo macuxi é protetor natural da biodiversidade e presta um serviço silencioso à humanidade.”

A experiência fez a educadora decidir empreender o projeto de uma longa viagem com a família e unir caracte-rísticas comuns do trabalho no Vale do Capão e na terra indígena, como a participação comunitária, a utilização do saber local e a solidariedade. “Estamos nos organizando para, daqui a dois anos, levar a experiência das ofici-nas e das performances circenses para essa região e aprender mais sobre a experiência deles com educação.”

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O circo é espaço para diversas atividades culturais | imagem: Cia de Foto

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Sobre Edson

Foi muito especial perceber no GAMR uma ação afirmativa, que acredita

na possibilidade de interferir de forma positiva no processo de

formação identitária das crianças e adolescentes participantes do

projeto. por estarem em um espaço marcado referencialmente pelas

questões de matriz afro-brasileira, eles são, potencialmente, capazes

de se tornar transmissores do patrimônio imaterial da área em que

atuam, na cidade de Gravatá (PE).

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Por Maryanne

A dedicação e o amor que Edson tem

pelo projeto é fundamental para os

resultados alcançados. Ele consegue,

com simplicidade e verdade, criar no seu

entorno uma grande família.

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Educar com tambores

e guitarras

O educador pernambucano Edson Oliveira utiliza cultura, educação e esporte para oferecer promoção pes-soal e coletiva a jovens em situação de vulnerabilidade social.

Edson nasceu em 1969, em Gravatá, cidade do agreste de Pernambuco, de clima ameno e que, na última década, se consolidou como destino para chácaras e chalés de famílias do Recife; gerando um crescimento rápido e desordenado, marcado pela especulação imobiliária, que levou a população rural do município a um êxodo para a zona urbana. O resultado foi a formação de bairros populosos e carentes, e os problemas sociais decorrentes, como “muitas crianças nas ruas em busca de dinheiro para matar a fome”, recorda.

Nesse contexto, surgiu a semente do Grupo de Apoio aos Meninos de Rua (GAMR), que atua, há 19 anos, ofere-cendo oficinas de arte, cultura popular e futebol a crianças e jovens, de 4 a 20 anos, em situação de risco social.

Edson, no projeto desde os 17 anos, lembra o período. “Começou em um grande espaço público, no qual os meninos iam jogar bola. Aos poucos, ocorreu uma aproximação, para saber quem eram e do que preci-savam. Durou dois anos e pediram a devolução do espaço. O trabalhou passou para as praças da cidade e surgiram pessoas muito importantes que lhe deram consistência. Éramos ainda um grupo informal.”

Edson Oliveira

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Edson Oliveira atraiu os jovens com o futebol | imagem: Cia de Foto

No alto do Cruzeiro

O grupo conquistou maturidade superando desafios e, em agosto de 1991, o GAMR nasceu oficialmente, como pessoa jurídica e com sede própria, no Alto do Cruzeiro, periferia da cidade.

“O Alto do Cruzeiro é um bairro muito pobre, comumente relacionado à morte, porque é lá onde está o cemitério de Gravatá. Escolhemos de propósito, pois nele há bastante expressão cultural e os mestres esta-vam morrendo; e a tendência era a cultura morrer também. Outra característica é que é um bairro onde as pessoas nascem, crescem e vivem lá; todo mundo se conhece”, relata.

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Logo que o trabalho foi iniciado, surgiu a primeira dificuldade, convencer a comunidade de que o GAMR não traria confusões para a vizinhança. “Não queriam no local o trabalho com meninos de rua. À medida que fomos resgatando a arte dos mestres, que estavam esquecidos, conquistamos a simpatia e a aceitação.” Edson faz questão de citar o poeta e embolador Zé dos Santos, Sebastião Librina e Biu Lixandre, mestres de pífano, coco e mazuca, cujo legado cultural foi integrado às atividades do grupo.

O educador ressalta que o trabalho de cultura no GAMR começou aos poucos, a reboque do futebol, grande atrativo para os jovens. As oficinas de ritmos regionais não foram facilmente assimiladas. As crianças e os adolescentes não gostavam e pediam os sucessos da época, como o axé. “Insistimos em apresentar algo li-gado à região, que eles ainda não conheciam. Foi um choque, porque diziam que era coisa de velho, que não era bonito. Mas encaramos o desafio. Apresentamos essa cultura e propusemos que interferissem. Foi quando passaram a ter mais interesse, porque alterando eles viram sua cara.”

O segundo grande empecilho enfrentado se refere aos instrumentos. Eram oferecidas oficinas de guitarra, violão e baixo, entre outros, mas não havia envolvimento dos jovens, exceto com a percus-são. “Os professores começaram a acreditar que era por falta de capacidade, que os meninos só con-seguiam tocar tambor, até que decidiram mudar o método e descobriram que o erro era a metodo-logia. Antes, ensinavam a teoria e depois a prática. Mas os meninos mal sabiam ler. Então invertemos, colocando primeiro a prática. Assim, foram se interessando, até o ponto de quererem aprender tam-bém a ler e escrever.”

O GAMR, em 2010, atendia cerca de 60 jovens. Edson comenta que 60% do grupo frequenta assiduamente a entidade. Os demais, devido à instabilidade do estilo de vida, flutuam entre ausências e presenças. O dia a dia do grupo começa com um café da manhã. Depois, são encaminhados para as oficinas de instrumentos musicais, ritmos regionais, teatro, dança e audiovisual, entre outras.

Ao entrar na instituição, o jovem tem de frequentar obrigatoriamente todas as oficinas. Depois, de acordo com os desejos e aptidões, ele se envolve com as que preferir. É obrigatório que estejam indo à escola regularmente. Exceção à regra são os alunos expulsos da rede pública, com sérios problemas pedagógi-cos e grave defasagem escolar, que representam 15% do grupo. Eles recebem aulas especiais, por um tempo, preparadas para resgatar o interesse deles para o aprendizado formal. Além dessas atividades, desde o princípio do projeto, o grande chamariz para a garotada é o futebol. “Sem ele fica difícil trabalhar. Eles adoram futebol.”

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Musica, audiovisual e dignidade

Edson, ao falar, mescla timidez e segurança. “Eu era um simples educador vindo do interior do Brasil, de uma cidade que, talvez, os premiados nunca ouviriam falar na vida, caso não estivesse ali. No início, eu me sentia como um peixe fora d’água. Durante o processo, fiquei um pouco mais à vontade, mais tranquilo, porém preocupado em fazer o grupo entender meu trabalho.”

Ele reflete sobre o futuro da instituição e dos garotos, apostando no valor do projeto pedagógico do GAMR e nos frutos já colhidos. Maciel Ferreira da Silva, 28 anos, o maestro do Maracatu do GAMR, é um exemplo. Ex-aluno da instituição, é hoje um educador não formal, que trouxe o maracatu para o grupo. Outras diver-sidades de experiências musicais ocorrem na instituição, graças ao incentivo à formação de conjuntos mu-sicais que os educadores dão aos jovens.

“Temos cinco CDs gravados, prontos para ser lançados, e alguns grupos, que se apresentam no município. A Banda Mestre Librina, a Tradicional Pífanos, a Banda Instigadinho, o Maracatu pra Tu e As Cirandeiras. Algu-mas experiências duram mais, outras se transformam, outras acabam.” Os grupos musicais cobram cachês para se apresentar, que é dividido entre os músicos e o GAMR.

Além da música, outra atividade forte atualmente na instituição é o audiovisual. Com estúdio e equipa-mento, oferecem formação sobre manejo, técnicas e linguagens, estimulando os jovens a produzir.

“O maior desafio hoje é o futuro. Eles começam a crescer e sentir necessidade de lutar pela sobrevivência, porque o futebol e a cultura são legais até eles deixarem de ser adolescentes. Pergunto-me qual a perspec-tiva de vida para eles. Há muita aflição nessa questão e também a percepção de que nem todos serão artis-tas. Seja o que forem, jardineiros ou serventes de pedreiro, serão com dignidade; levarão o que aprenderam no GAMR, outra visão da vida.”

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Incentivo à formação de grupos musicais já rendeu cinco CDs | imagem: Cia de Foto

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Por rumos encantados

A seleção no Rumos Educação, Cultura e Arte 2008-2010, para Edson, foi uma surpresa e um reconhecimen-to. Ele se refere às viagens da formação itinerante como uma experiência de encantamento, permeada de emoções. “Existe tanta coisa no país que acabamos pensando que nosso trabalho não é tão valioso, mas o prêmio mostra o contrário, que é importante.”

Nas viagens, viveu práticas sem precedentes, como as visitas à oficina do músico João do Pife e aos ateliês do gravurista J. Borges e do ceramista Mestre Nado, em Pernambuco; e, em São Paulo e Minas Gerais, a cons-tante aproximação do terreno das artes contemporâneas, que agora alimenta novas abordagens junto aos jovens do GAMR, como nas oficinas de audiovisual.

O projeto trouxe significado novo para o bairro | imagem: Renato Negrão

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“Conheci o trabalho de diversos artistas. Aprendi que entender arte contemporânea é entender o mundo contemporâneo, o mundo atual, que vivemos e respiramos. Passei a usar esse conceito, tentando mostrar inclusive que estranhamento faz parte da magia da arte contemporânea.”

Como viagem de livre escolha, Edson optou por ir ao Rio de Janeiro (RJ), em companhia de outro educador, citado anteriormente, Maciel Ferreira da Silva. Juntos, conheceram instituições como AfroReggae e Nós do Morro, entre outras. “Foi muito bom levar um educador da minha entidade. Pudemos dividir a experiência.” Conhecer projetos similares em outra cidade, explica, serviu para a construção de parâmetros.

Outro aprendizado, diz, foi perceber a importância do modo de receber os visitantes que vão à sua insti-tuição. “Ver a forma de como eu era recebido nos outros projetos me fez mudar a maneira de receber qual-quer pessoa na entidade. Quem visita um projeto social quer atenção.”

Para o educador, a conclusão pode ser resumida: “o mais importante de tudo foi valorizar minhas raízes, pois sempre me considerei um homem/árvore e de certa forma invejava o voo dos pássaros. Viajar, conhe-cer pessoas e lugares, me fez olhar para minha prática com outros olhos, me fez ver coisas tão óbvias, mas que não conseguia enxergar antes, me fez reafirmar o compromisso com a ancestralidade e a oralidade como processo educativo”.

O GAMR está no Alto do Cruzeiro, periferia de Gravatá (PE) | imagem: Cia de Foto

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sobre Margarete

Cresci, sem nunca ter ido a um

museu, mas tinha no meu

imaginário um cenário bem

definido, graças ao que via nos

livros, na televisão e/ou nos

filmes, e claro que não conseguia

imaginar um museu sendo visitado

por pessoas portadoras de

deficiência, porém, na Pinacoteca de

São Paulo, pude ver e vivenciar

essa prática, na qual Margô e sua

equipe de trabalho reproduzem

obras de arte em relevo, usam

jogos sensoriais, maquetes e

sonorização de ambientes.

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O que achei mais interessante

mesmo foi a possibilidade de

tocar obras de arte com os

olhos vendados, e sendo

obrigado a enxergar pelos

dedos fui relaxando e pouco a

pouco reconhecendo algumas

obras, usando principalmente a

imaginação. Foi, sem dúvidas, uma

rica experiência, que não vi nem

senti em nenhum outro lugar.

Por Edson

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Perceber para\entender

O acesso a diversos mecanismos de descoberta do mundo é tolhido a pessoas com necessidades especiais, desde a possibilidade de livre trânsito e circulação até a percepção dos espaços, por exemplo, como levar um cego para uma exposição de arte?

O trabalho da educadora Margarete de Oliveira e da equipe, na Pinacoteca do Estado de São Paulo, oferece res-postas e, continuamente, tem propiciado a públicos especiais descobrir as artes e interagir com esse universo.

A Pinacoteca tem mais de 100 anos de história e um acervo de cerca de 8 mil obras, do século XIX ao perío-do contemporâneo. O museu abriga uma das maiores coleções de arte brasileira, que é exposta ao público em mostra permanente e temporária.

Margarete é educadora e assistente de coordenação do Programa Educativo para Públicos Especiais (Pepe) do Núcleo de Ação Educativa da Pinacoteca, por meio do qual atua no processo de mediação em visitas educativas de públicos especiais e grupos inclusivos.

Além de organizar e realizar as visitas, os educadores do Pepe pesquisam e produzem textos e cadernos di-dáticos adaptados em dupla leitura (tinta e braile); orientam a formação especializada de educadores surdos e planejam estratégias de apreciação que respondam às necessidades de públicos especiais.

O alvo da abordagem inclui pessoas com limitações visuais, auditivas, físicas, intelectuais e neuromotoras, portadores de transtornos emocionais – e também grupos inclusivos, compostos de pessoas com e sem essas limitações.

Margarete também leciona na Pinacoteca nos cursos Ensino da Arte na Educação Especial e Inclusiva, e Acessibilidade e Ação Educativa em Museus de Arte e Instituições Culturais.

Margarete de Oliveira

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Margarete de Oliveira conduz públicos especiais a descobrir as artes visuais | imagem: Cia de Foto

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O processo de compreensao da arte

Quando inscrito no Rumos Educação, Cultura e Arte, em 2008, o programa existia há mais de cinco anos e havia atendido mais de 2 mil participantes, resultado significativo para a missão de possibilitar a esse público o conhecimento e a percepção da arte e da produção artística, transformando o museu em um espaço de referência de acesso à arte.

A preparação para as visitas, ressalta Margarete, começa com o agendamento, quando o educador busca infor-mações sobre as características de cada grupo. “Coleto informações que sejam referenciais, como o tipo de deficiên-cia e comprometimentos, os objetivos da ida ao museu e o tipo de abordagem educacional da instituição”, conta.

A visita orientada ao acervo utiliza recursos multissensoriais, como reproduções de obras bidimensionais em relevo, jogos, maquetes táteis e música. Ao final de cada atendimento, aos que têm limitações visuais é dado um catálogo em braile com informações sobre as obras e os artistas que conheceram. Há ainda atividades realizadas com propostas lúdicas, jogos sonoros e dramatizações, que levam o visitante a uma maior interação com a arte.

A educadora comenta que muitos desses grupos estão em instituições especiais ou no ensino regular, e, mes-mo assim, têm grande dificuldade de compreensão e acesso à arte. “Por exemplo, os que têm limitações visuais percebem a arte de uma forma totalmente diferente de quem tem a visão normal. Propiciamos, por meio de um percurso sensorial, conhecimento e acesso para que ele possa, a partir de então, discutir sobre isso.”

O museu dispõe de uma galeria tátil de escultura brasileira, composta de 12 esculturas originais em bronze e recurso de audioguia e percurso tátil, que dá autonomia a deficientes visuais para realizar a visita no horá-rio que quiserem, sem depender da presença de um educador. Para Margarete, essa autonomia é muito importante porque faz do museu um espaço de democratização social e cultural.

“O projeto faz parte da minha vida desde 1992, quando entrei no Museu de Arte Contemporânea da Univer-sidade de São Paulo (MAC/USP), como estagiária, e comecei a ter encantamento em como lidar com esse público. Percebia a necessidade que tinham de entender e discutir arte. São 17 anos de trabalho e aprendi-zado e, a cada momento, a troca se faz mais rica e intensa.”

Essa troca, avalia Margarete, se consolida num processo contínuo em que o educador e os educandos aprendem e ensinam uns aos outros. “Uma vez, depois de acompanhar um grupo de crianças com deficiên-cia visual a uma exposição, fiquei emocionada. Trabalhávamos com desenho em tela e percebi uma cutu-cando a outra, dizendo: ‘estou desenhando e pensava que não sabia!´ Isso parece muito simples para uma pessoa que enxerga, mas para aquela criança era um momento único. Creio que ela não tinha vivenciado uma experiência tão marcante de perceber seu desenho.”

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A percepcao da educacao

A educadora guarda com carinho as lembranças de todo o processo do Rumos Educação, Cultura e Arte 2008-2010. “Foi um presente muito grande.” O primeiro momento se deu com o preenchimento do formu-lário, que gerou uma avaliação de todo o trabalho. “Preencher o formulário me levou a tomar consciência de quanto construí e não sabia. Reavaliei meu processo educativo, minha posição como educadora. Ressignifi-quei minha ação como profissional.

Sua participação no programa foi uma sugestão das coordenadoras do projeto. “Um dia ao chegar ao mu-seu, minha chefe, Mila Chiovatto, chamou-me à sua mesa junto com minha coordenadora Amanda Tojal e explicou que havia me escolhido para ser a educadora que iria concorrer ao prêmio pela Pinacoteca”, conta.

Foi um susto seguido de muita ansiedade. “Era um trabalho de anos sendo reconhecido. Não importava naquele momento se eu iria ganhar ou não”, relata.

O comunicado oficial da premiação ocorreu numa data importante para Margarete. Era 14 de novembro. “Rece-bi a carta no mesmo momento que recebi a notícia de que minha avó havia acabado de falecer. Duas emoções intensas, dois sentimentos contraditórios.”

Na Pinacoteca, a visita orientada utiliza recursos multissensoriais | imagens: Cia de Foto

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O museu dispõe de uma galeria tátil de esculturas brasileiras | imagem: Cia de Foto

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Na confraria de nos

Em abril de 2009, Margarete conta que começou a participar de um grupo de educadores, com os quais conheceu novas cidades, novas formas de trabalhar e ver o mundo. “Era a Confraria de Nós, tão bem apeli-dado pela educadora Denise Mendonça.”

Da experiência, ela recorda o encanto dos companheiros Edson Oliveira e Maryanne Galinski ao entrarem na Pinacoteca e associa esse sentimento às viagens que realizou com o grupo na formação itinerante.

Um dos momentos mais marcantes foi a viagem de livre escolha para o Rio Grande do Sul, que começou em Caxias do Sul, onde conheceu o Programa Permanente de Estímulo à Leitura (PPEL). Depois, seguiu para Porto Alegre; lá encontrou com outros educadores da confraria – Renato Soares e Joana D’Arc e foram à Bienal do Mercosul.

“Como tenho formação em letras, priorizei conhecer projetos que trabalhassem com literatura.” Na periferia de Porto Alegre, conheceu a Biblioteca Ilê Ará, no Morro da Cruz, e o Instituto Popular de Arte-Educação IPDAE, que mantém o Museu Comunitário Lomba de Pinheiro. “Pude compreender que nosso papel como educador tem grande potencial de transformar pessoas e suas realidades de vida”, conclui.

Do Nordeste guarda outras sensações e lembranças. “Foi uma grande descoberta. A cultura popular, as narrati-vas, a oralidade, foi algo novo.” Dessa cultura popular, Margarete guarda, sobretudo, a visita a uma comunidade quilombola e a sensação de nostalgia da infância que veio à tona na experiência que viveu no Circo do Capão.

As visitas a diversos outros projetos de educação não formal fizeram a educadora promover uma mudança em seu trabalho. “Após a formação do Rumos, passei a sentir a necessidade de desenvolver um trabalho mais continuado com os grupos especiais que atendemos na Pinacoteca.”

Assim, o Pepe passou a promover encontros que envolvem uma visita do educador à instituição. O mo-delo tem sido desenvolvido em parceria com alguns Centros de Convivência e Cooperativas (Ceccos) e Centros de Atenção Psicossocial (CAPs).

“Em média, realizamos três visitas num semestre, e no semestre seguinte outras três. Assim, criamos mais vínculo e aprofundamos o olhar do educando. O problema é que muitas instituições não dispõem de transporte, o que dificulta a vinda do grupo, entre outras ações que comprometem a continuidade da parceria”, comenta.

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O maior desafio do processo de formação do Rumos? “Chegar a um consenso de saber lidar com tantas opiniões e personalidades diferentes. Cada um dos rumeiros tinha um jeito de ser e isso foi um exercício e tanto para todos nós. As vivências ampliaram meu olhar para fora do museu e proporcionaram a possibilida-de de poder repensar minha prática educativa. Creio que tenha sido uma ampliação do meu senso crítico. Parei de focar meu trabalho no meu umbigo e descobri que um processo de inclusão é muito mais amplo.”

Em Caxias do Sul, Margarete conheceu as atividades do PPEL | imagem: Tapete Mágico – Assessoria de Imprensa PPEL

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Sobre Ana Carmen

O mais marcante, ao conhecer este projeto, foi o

trabalho com a poesia concreta, partindo da leitura da

obra de Lygia Clark. Ana conseguiu mostrar aos jovens

do Projeto Acesso quanto a poesia concreta e a própria

obra de Lygia são lúdicas.

Primeiro, a educadora trabalhou a obra de Lygia,

possibilitando de forma concreta aos alunos com

deficiência visual e baixa visão compreenderem que os

trabalhos realizados pela artista se projetam para além

do limite do suporte da obra de arte. Os alunos de forma

simples construíram seus próprios bichos.

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O desdobramento desta ação se

concluiu na Oficina da Palavra,

quando ocorreu a aproximação

dos deficientes visuais com o

universo da poesia concreta. Sem

terem discutido o movimento

literário concretista pelo viés

acadêmico, conseguiram, poética

e tranquilamente, perceber

essa produção.

Os jovens interagiram com a

exploração dos poemas por meio

dos sons e do jogo de composição

semântica e trabalharam suas

possíveis interpretações,

construindo seus próprios poemas.

A riqueza final dessa composição

me encantou muito.

Por Margarete

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um convite aossentidos

Ana Carmen Nogueira é arte-educadora. Por quatro anos, coordenou o ateliê de artes do Projeto Acesso, do Centro Brasileiro de Apoio Pedagógico Especializado ao Deficiente Visual, na zona oeste de São Paulo (SP).

O ateliê oferecia a pessoas com deficiência visual “conhecimento artístico e ferramentas para a expressão não verbal, a autocompreensão e a melhora da confiança em si mesmo.” Utilizando técnicas como argila, papel machê, desenho e pintura, a abordagem mesclava informações sobre obras e artistas, trazendo-as para o universo da pessoa com deficiência visual, além de desenvolver a habilidade tátil e fomentar a criati-vidade, a expressão livre e a investigação, permitindo ainda o desenvolvimento de materiais educativos e artísticos focados no público com deficiência visual.

A parceria do ateliê com o Projeto Acesso começou em agosto de 2004. A cada semestre, era estudado um artista ou uma obra, de acordo com as necessidades levantadas pelos alunos. Um dos primeiros artistas apresentados foi o pintor francês Henri Matisse, que inspirou colagens baseadas no quadro A Queda de Ícaro. Mas foi em 2008, com a artista plástica Lygia Clark e sua obra, que o trabalho se expandiu.

As diversas fases da artista, desde as superfícies moduladas até as obras moles, inspiraram atividades que foram se desenvolvendo, naturalmente, até outro território contíguo, o da poesia concreta. “Todo trabalho partia das necessidades apresentadas pelo grupo. A partir do que cada um trazia, buscávamos, dentro do universo da cultura, algumas respostas e novos questionamentos para cada indivíduo”, descreve Ana Carmen.

O trabalho com Lygia Clark teve início depois da discussão com o grupo sobre questões relativas ao ser e seu lugar no mundo e no espaço. “A artista trazia as questões do espaço, do habitar o mundo, de contaminar os espaços, de religar a vida com a arte. Iniciamos com o estudo de obras da fase concreta, que foram adaptadas para compreensão tátil”. No ateliê, conheceram essas obras, que, adaptadas às necessidades dos alunos, po-diam ser montadas e desmontadas como um quebra-cabeça. Partindo dos trabalhos bidimensionais, a pes-quisa evoluiu para a produção dos alunos, na qual eles criaram seus próprios casulos, bichos e obras moles.

Em paralelo ao desenvolvimento do trabalho, Ana se aproximou da Associação Cultural o Mundo de Lygia Clark, no Rio de Janeiro (RJ), dando início a uma parceria, que resultou na vinda de representantes da asso-

Ana Carmen Nogueira

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Ana Carmen levou arte e literatura para deficientes visuais | imagem: Cia de Foto

ciação a São Paulo para uma oficina com os alunos do ateliê e alunos de outro artista plástico e professor que trabalhava com o mesmo público em São Paulo, Paulo Pitombo.

“Foi um encontro emocionante. O pessoal da associação trouxe uma exposição com réplicas dos casulos, dos bichos e de obras moles, além da última fase, com os objetos sensoriais e relacionais. Os alunos tiveram a oportunidade de comparar suas produções e soluções com as da artista. Foram mais de cinco horas ma-nipulando os objetos, percebendo, sentindo, compreendendo e comparando. Foram momentos de grande significação para todos nós.”

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Montando a poesia concreta

Em meio à fascinação com a obra de Lygia Clark, a educadora Rosanna Bendinelli, que desenvolvia uma oficina de leitura e produção de textos no Projeto Acesso, juntou-se ao ateliê para apresentar a poesia concreta ao grupo.

Os alunos ouviram poemas de Haroldo de Campos, Augusto de Campos, Décio Pignatari e do contemporâ-neo Arnaldo Antunes, analisaram o material e, seguindo o mesmo caminho trilhado com a obra de Lygia Clark – de fragmentação e montagem –, partiram para a construção de suas próprias poesias.

“A poesia concreta lhes permitia um trabalho com humor. O resultado foi ótimo. Cada poesia gerava um momento de apreciação e discussão. Assim como com as obras de Lygia Clark, eles puderam entender, opinar e vivenciar a poesia concreta.”

Os resultados das conversas eram gravados e mixados, nos moldes de uma poesia concreta. “Em seguida, foi proposto a cada um que fizesse sua poesia e a gravasse, com os efeitos sonoros que quisessem. Para chegar à construção gráfica usada pelos poetas concretos, transformamos as poesias em obras realmente concre-tas, com a montagem das palavras em peças de madeira de diversos tamanhos.”

Assim, as palavras foram escritas em peças de madeira em braile e à tinta e as poesias montadas em uma mesa. O poema se transformava em objeto visual e tátil, valendo-se do espaço físico e dos recursos que cada peça oferecia. Podia ser sentido, lido e visto, e quem quisesse podia alterar a ordem, construindo outra poesia com as peças de madeira. O texto original estava escrito à tinta e em braile ao lado da montagem.

O grupo de educandos incluía participantes de ambos os sexos, entre crianças, jovens e adultos. Essa fase teve duração de quatro meses.

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No ateliê, montaram e desmontaram obras de Lygia Clark | imagem: Cia de Foto

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As atividades apresentaram o universo da poesia concreta | imagens: Cia de Foto

Descobrindo outros rumos

Por causa das atividades desenvolvidas no ateliê, Ana Carmen conta que era usuária da biblioteca/videoteca do Itaú Cultural e foi frequentando o local que ficou sabendo do Rumos Educação, Cultura e Arte 2008-2010.

Ela não se esquece do telefonema que recebeu dos representantes do programa para agendar uma vi-sita ao ateliê, pois era uma dos educadores selecionados. Entretanto, a parceria com o Projeto Acesso havia se encerrado.

“Receber o telefonema foi ótimo, porém extremamente angustiante. O projeto não estava mais funcionan-do, eu não tinha como levar as pessoas ao ateliê”, lembra.

Só “voltou a respirar” quando verificou no edital que ainda assim sua participação no prêmio era válida. “Ti-nha tudo documentado com fotos, vídeos, desenhos e trabalhos desenvolvidos. Ver meu nome na lista foi emocionante”, recorda. E mais: estava entre os três selecionados para a viagem internacional.

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viagens que constroem rede

Ana revela que o fato de o ateliê não estar funcionando lhe trazia tristeza e frustração. “Sempre me senti em dívida com o grupo por não poder compartilhar uma parte do que foi vivido com meus alunos. Em São Paulo, no encontro com os educadores do Rumos, mostrei um vídeo, mas foi no Recife (PE) que pudemos compartilhar minha experiência dentro do ateliê de artes.”

Ana comenta que viveu o processo de formação do Rumos em “estado de encantamento”. A diversidade de projetos e de intervenções e as diferentes formas de compreender o mundo, de vivenciar o cotidiano, de agir na vida foram para ela os aspectos mais importantes da formação.

Em Porto Alegre (RS), instalação Dance Music Collaborations, de Terence Gower, na Bienal | imagem: Funda-

ção Bienal do Mercosul – Acervo NDP/Flávia de Quadros (indicefoto.com)

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“Experimentei formulações de pensamentos diversos e algumas vezes antagônicos que nos colocam em xeque, nos fazem rever pensamentos e maneiras de encarar a vida e nossa prática como educa-dor”, descreve.

Ela também comenta haver crescido com a experiência. “Exercendo a alteridade, colocando-se no lugar do outro, somando conhecimentos e estabelecendo relações com pessoas e grupos tão diferentes daqueles com quem convivemos.”

Na cidade do Porto, Portugal, o destaque ficou com as pessoas que conheceu: “as carinhosas e atentas edu-cadoras que nos apresentaram o programa educativo da Fundação Serralves e do Centro de Arte Moderna da Fundação Gulbenkian. Foi por meio desses contatos que fui convidada para participar de uma mesa no VI Encontro do Grupo de Pesquisa Educação, Arte e Inclusão, em agosto de 2010, na Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc)”.

Com outras educadoras paulistas do Rumos, foi chamada para uma palestra e oficinas na cidade de Arara-quara (SP). Como consequência das redes que estabeleceu, participou de uma programação de cursos de capacitação de educadores com Ana Teixeira e Bruna Elage, também premiadas nesta edição do programa. Acompanhando o Grupo de Pesquisa em Mediação Cultural: Contaminações e Provocações Estéticas da Universidade Presbiteriana Mackenzie de São Paulo, visitou o trabalho de outra educadora premiada no Rumos, María Eugenia, em Brumadinho (MG).

“Fui ainda convidada pela Pinacoteca do Estado a ministrar uma aula no curso Ensino da Arte na Educação Especial e Inclusiva, realizado pelo Programa Educativo Públicos Especiais do Núcleo de Ação Educativa da Pinacoteca do Estado, do qual Margarete de Oliveira, também premiada no Rumos, faz parte.

Por fim, no Recife (PE), foi chamada para participar do III Caderno de Textos Diálogos entre Arte e Público com o texto “A Arte e o Perceber: A Experiência do Ateliê de Artes para Pessoas com Deficiência Visual”.

A viagem de livre escolha foi a Porto Alegre (RS), quando visitou a Bienal do Mercosul e instituições que desenvolvem trabalhos com deficientes visuais.

De tudo, Ana insiste no aprendizado definitivo de que um projeto de educação, para ser duradouro, precisa ser sustentável além de inovador. “Nada mais é igual na minha prática como educadora. Agora ao pensar um projeto, considero sua fundamentação, seus objetivos, a quem ele se destina, mas sei que é extremamente importante estar organizado para ser um projeto duradouro e multiplicador. Estar conectado em uma rede que o suporte e sustente. O projeto não pode ser solitário, nem basta ser inovador, ele deve ter comuni-cação, metodologia e articulação política.”

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sobre Ana Teixeira

Quando conheci Ana Teixeira, eu me encantei com ela. Mulher difícil,

chorona, brava, briguenta. Às vezes uma leoa, poucas vezes um

carneiro, muitas vezes uma águia.

Fomos ao seu ateliê Parangolé. No meio de uma fazenda em Jundiaí, São

Paulo. Em tempo de trânsito bom, são uns 30 minutos até a avenida

Paulista, essa é a melhor distância em que se pode colocar Ana Teixeira

da cidade cosmopolita. E fui conhecendo Ana Teixeira, e descobri

maravilhada que Ana não trabalha com arte, ela vive a arte. Ana não

envolve seus alunos apenas com técnicas e programas, ela caminha

com as palavras, com a poesia e vai tecendo histórias e contos e tramas,

e, quando você percebe, caiu dentro do tacho. Já no nosso primeiro

encontro eu me declarei sua fã. E pronto!

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Ana me mostrou seus vídeos de

trabalhos individuais, contou da

experiência com os meninos, um

monte de histórias. Tudo poesia

viva, vivida, vivenciada, tatuada.

Provocante, em seu pulso

pulsa o “ainda”. Ana trabalha

com poesia na pele e isso eu não

vi em nenhum outro lugar.

Sempre achei que Ana era

Diadorim. Ela, embora siga o

circuito São Paulo - Berlim,

carrega toda uma maneira de ser

de “berlândia”.

Mas Ana na verdade é Riobaldo, o

que conta a história, pinta a

paisagem e vive o amor.

Por Ana Carmen

(Ana Teixeira tem em seu pulso a

palavra “ainda” tatuada.)

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outras formas de ver o mundo

A artista e educadora Ana Teixeira usa a arte contemporânea para instigar jovens em idade escolar, do ensi-no fundamental, a ver o mundo de outras formas.

Seu trabalho no Ateliê Parangolé, em Jundiaí (SP), é mantido pela Fundação Antonio - Antonieta Cintra Gor-dinho, há nove anos, na Cidade dos Meninos e Meninas de Jundiaí, na periferia do município paulista e está integrado à escola Antonio Cintra Gordinho. Oferece aulas e atividades extracurriculares, gratuitamente, a 220 crianças e adolescentes da região, de famílias de baixa renda.

As atividades do ateliê são obrigatórias para os alunos da escola e ocorrem uma vez por semana, abrangen-do todos os espaços da Cidade dos Meninos e Meninas – uma grande fazenda com bosques, quadras, jar-dins, piscina etc. Nesses espaços, os jovens realizam intervenções artísticas, efêmeras ou permanentes, indi-viduais e em grupo, a partir das vivências no ateliê e em outros espaços culturais de São Paulo.

“O trabalho estimula a formação de um imaginário farto e diversificado, não tendo a intenção de ensinar técnicas artísticas, mas de apresentá-las como instrumento de comunicação com o mundo”, detalha Ana. Assim, os jovens conhecem artistas e obras essenciais na cena contemporânea mundial e nacional, visitam exposições, assistem a filmes e entram em contato com uma vida cultural diversificada, à qual, de outro modo, dificilmente teriam acesso.

O Ateliê Parangolé surgiu em 2001, com Ana e Priscila Okino, pesquisadora e também arte-educadora que esteve no projeto até 2008. Parangolé, segundo o dicionário, é regionalismo do Rio de Janeiro que significa conversa fiada. No universo da arte contemporânea brasileira, é o nome das esculturas para vestir criadas pelo artista carioca Hélio Oiticica na década de 1960.

Quando Ana ganhou o prêmio Rumos, o ateliê recebia 200 alunos da 1a à 8a série do ensino fundamental. Atualmente há 20 alunos mais, do 1º ao 9º ano.

Ana Teixeira

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Ana Teixeira usa a arte para instigar novas formas de ver o mundo | imagem: Cia de Foto

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Artista e educadora conectadas

Ana mantém paralelo ao trabalho de educadora a atividade de artista, e os considera totalmente conecta-dos. Em sua produção artística, utiliza diversos suportes – vídeo, fotografia, desenho, performances – e bus-ca discutir as maneiras pelas quais nos relacionamos, contamos histórias e nos comunicamos, com interesse principal em estabelecer contatos e engendrar relações entre seres, coisas, palavras e espaços.

Com a ação Troco Sonhos (1998/2006), por exemplo, passou por diversas cidades com a intervenção na qual montava uma barraca de sonhos (o doce recheado e frito) e os trocava com os transeuntes por um sonho deles, registrados com uma câmera. Gravou 6 mil sonhos e compilou parte do material em um curta-metragem.

“Minhas atuações como artista e como educadora seguem o mesmo rumo. Tanto em uma quanto em outra propicio o contato com o sensível, chamo atenção para o olhar e o refletir sobre a realidade”, co-menta. A artista reflete sobre por que considera essencial que as atividades de artista e educador ocorram paralelamente: “ter uma produção pessoal faz diferença no trabalho com educação, pois falo com os alu-nos sobre desenho, por exemplo, a partir de minha experiência e de meus enfrentamentos pessoais com o desenho. Além disso, a prática artística me autoriza a propor processos de criação mais ampliados – e quem não tem essa prática não conhece.”

No Ateliê Parangolé, Ana e os jovens utilizam técnicas diversas – pintura, desenho, gravura, modelagem e outras construções tridimensionais. “Uma das características da arte contemporânea é que as técnicas estão a serviço de uma ideia, uma reflexão.” Para promover reflexões, os alunos são convidados a apreciar obras de artistas como a brasileira Regina Silveira, o alemão Joseph Beuys e o indiano Anish Kapoor, entre outros. Vá-rios artistas já visitaram o ateliê e desenvolveram trabalhos com os alunos. Além disso, diversas intervenções foram feitas no espaço da fundação, como a pintura dos azulejos do banheiro feita pelos alunos; os desen-hos no corredor que leva ao ateliê; a parede de poemas; a parede das mãos; e outras, por vezes provisórias, feitas no jardim, na quadra e nos pátios da fazenda.

Para complementar as atividades, os alunos têm acesso a catálogos de arte e literatura na biblioteca do ateliê e, há dois anos, assistem a um festival de curta-metragem que Ana promove com material que conse-gue em festivais dos quais participa.

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Os desafIos da educacao

Ana é licenciada em arte e mestra em poéticas visuais, ambos pela Escola de Comunicações e Artes da Uni-versidade de São Paulo (ECA/USP).

Sobre o trabalho com crianças e adolescentes, opina ser algo delicado, sobretudo quando o tema são as regras. Nas turmas há, em média, 25 alunos, que participam das aulas observando, pensando e produzindo arte, porém as questões disciplinares são um tema recorrente no ateliê, tanto quanto na escola.

“Há especificidades no ateliê que são positivas, mas podem agravar o problema da disciplina. Os alunos, em alguns momentos, ficam descalços e sem camisa; trabalham com materiais que usualmente não estão na escola, como tintas, gesso e argila; têm acesso a imagens polêmicas, como nus. Isso colabora para um am-biente de muita efervescência, o que exige do educador responsável uma postura intervencionista.”

No Ateliê Parangolé, as crianças têm acesso a vasto repertório | imagens: Cia de Foto

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Os desenhos do corredor são de autoria dos alunos | imagem: Cia de Foto

Sobre a obrigatoriedade das aulas no ateliê, imposta pela direção da escola, Ana acredita que deveria ser imposta apenas até o quarto ano; as outras turmas poderiam escolher participar ou não. “As crianças preci-sam passar por diversas experiências, mesmo que seja apenas para saber que existem, mas os adolescentes já conseguem escolher se gostam mais de futebol do que de artes visuais. Essa escolha deve ser respeitada.”

Outro momento que estimula a educadora a pensar sua atuação é quando sente necessidade de intervir nos processos de produção dos alunos. “É sempre um desafio fazer uma intervenção para que ela seja posi-tiva, que não gere a desistência. Por exemplo, não ensino a desenhar, ensino a olhar, e o desafio é fazer com que os desenhos deixem os estereótipos e ganhem autonomia.”

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Viagens, livros e amizades

Além do trabalho no Parangolé, Ana atua na formação de educadores em arte. Ela diz que a experiência no Rumos Educação foi importante e trouxe ânimo novo para sua atuação. “Geralmente, em meu contato com educadores, presencio angústias e dúvidas sobre como descobrir e transmitir algo dessa área a crianças. Nas viagens de formação itinerante que fizemos, encontrei, nas tantas experiências, algumas respostas para isso.”

Ana viajou com o Rumos por todos os destinos da formação itinerante e escolheu voltar ao Nordeste, em busca de outras experiências similares à sua em Jundiaí, nas capitais da Paraíba e do Rio Grande do Norte.

Em João Pessoa (PB), Ana conheceu a Casa do Pequeno Davi e, em Natal (RN), o Centro Cultural Casa da Ribeira, e descobriu outras maneiras e possibilidades de atuar em arte e educação.

Trouxe das viagens muitas lembranças, novas amizades e recordações: da Bahia, a imersão na cultura popular. De Minas Gerais, a marcante experiência a partir do contato com o trabalho da educadora María Eugenia Salcedo, no Laboratório Inhotim, em Brumadinho (MG), onde visitou obras de artistas de grande importância em sua trajetória pessoal e encontrou inspiração para desenvolver novas atividades com seus alunos. “As visitas a outros projetos alteraram minha prática. Percebi pontos fortes e fracos e descobri outras maneiras de trabalhar.”

De Pernambuco, guarda a visita ao ateliê de Mestre Nado, os sabores de frutas novas e a paisagem do Quilombo de Nossa Senhora de Nazareth do Timbó, em Garanhuns; e as visitas ao Instituto Ricardo Bren-nand, no Recife, e ao Grupo de Apoio aos Meninos de Rua (GAMR), em Gravatá. “Gostei muito de todas as viagens. Mas a que deixou saudade antes mesmo de acabar foi a viagem a Pernambuco, sobretudo por-que foi a última com o grupo.”

Depois de percorrer esses rumos, Ana começou a desenvolver um trabalho com outras educadoras do gru-po, Bruna Elage e Ana Carmen Nogueira, no projeto Arte Expressão, de formação em arte e educação para educadores sociais.

Ana faz questão de ressaltar outro presente do Rumos: uma caixa de livros dada a cada um dos 12 educado-res. “Foi incrível ganhar aquela caixa. O Rumos foi uma experiência excelente que resultou em, além de um aperfeiçoamento na prática educativa, muitos amigos, livros e muitas boas lembranças.”

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Como vivência, ela destaca o aspecto humano que a experiência resgatou. O contato com um universo novo, no qual conheceu pessoas preocupadas e envolvidas com pessoas. “Vi gente acreditando em gente mais do que em deuses, mais do que em arte, mais do que em política. E ao mesmo tempo elas agem por meio da arte e promovem ações políticas (entendendo-se como política uma série de medi-das para a obtenção de um fim comum). O conjunto de atividades de formação me tornou mais aberta e receptiva para as diferenças e me marcou como pessoa. Mesmo que eu deixe de ser educadora, mi-nha atuação foi modificada.”

O desafio para a educadora não é ensinar técnicas, é ensinar a olhar | imagem: Cia de Foto

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Conhecer o projeto coordenado por María Eugenia foi como

encontrar um grande espelho no qual, mais do que me ver, pude

penetrar. Eu não conhecia outro projeto que, como o Ateliê

Parangolé, também apresentasse a arte como área de produção de

conhecimento e reflexão e colocasse a técnica, em suas muitas

vertentes, a serviço de ideias e conceitos.

sobre MarÍa Eugenia

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Como Alice, entrei por esse espelho e me vi trilhando um caminho, que

logo se tornou uma experiência. Vi jovens estimulados a se relacionar

com naturalidade com a arte e suas premissas, jovens se permitindo

pensar, ousar, agir e reagir. No projeto Laboratório Inhotim o que está

em jogo é a possibilidade de vivenciar a arte contemporânea explorando

o melhor de seu potencial estético, poético, ético, político e crítico.

Por Ana Teixeira

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a arte para

experimentar

A arte educadora María Eugenia Salcedo tinha 25 anos quando iniciou o projeto Laboratório Inhotim – no Instituto Inhotim, em Brumadinho, região metropolitana de Belo Horizonte (MG) –, que trabalha com alunos da rede pública do município conceitos da arte contemporânea para a construção, o mapeamento e a con-solidação de significados de cidade, identidade, pertencimento e memória.

É um trabalho poético e crítico, cujos resultados podem ser percebidos nas intervenções artísticas que os alunos desenvolvem e no conhecimento que adquirem.

María Eugenia nasceu em Quito, no Equador, e se considera “artista educadora”. Fez bacharelado em artes plásticas na Escola Guignard da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG) e especializou-se em arte e contemporaneidade pela mesma universidade.

Trabalha com educação e cultura há dez anos, tendo atuado no Brasil, no Equador e na Índia. Desenvolve ainda trabalho artístico de performance, desenho e vídeo.

Chegou a Inhotim em 2005. Dois anos depois, iniciou o projeto do laboratório, “que atua nas áreas de artes plásticas e educação, que se complementam o tempo todo”.

Sobre a sede do Instituto Inhotim, vale destacar o panorama do local: um conjunto de pavilhões, que abriga um importante acervo de arte contemporânea, em meio a um impressionante parque com espécies vege-tais tropicais raras e uma reserva florestal de Mata Atlântica.

María Eugenia Salcedo

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No Laboratorio Inhotim

Durante dois semestres, 16 jovens de Brumadinho, entre 12 e 16 anos, participam do laboratório, recebendo fundamentação crítica e teórica, e realizam ações/intervenções em diversos espaços do instituto e de Bru-madinho. No primeiro semestre, trabalham o tema da cidade e, no segundo, da museologia e da institucio-nalização do conhecimento.

Para os que optam por seguir há mais um ano de pesquisa. “Participam de uma nova seleção para receber uma bolsa de iniciação científica júnior, que tem apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig)”, conta María Eugenia.

Em todo o processo, a cidade e seu entorno rural são o campo ampliado de pesquisa. Encontros e trocas ocorrem no instituto, na cidade e fora dela, visões diferentes se somam, gerando possibilidades em torno da identidade. “Trabalhamos com os jovens para pensar a cidade em relação à arte contemporânea.”

O projeto tem várias etapas que, devido à flexibilidade da metodologia, podem acontecer simultaneamente. “Na etapa de documentação do trabalho, os jovens podem propor uma intervenção artística. O grupo deci-de os detalhes da ação e também onde ela vai acontecer, como o público participará e que tipo de registros será gerado”, detalha.

A cada ano, a experiência gera um catálogo, uma exposição e um DVD como produtos finais. Entre os resul-tados, os jovens apresentam textos, imagens, performances – “ações em resposta às questões levantadas”, como prefere María Eugenia. Geralmente, a exposição com registros de todas as ações e propostas é na Casa de Cultura de Brumadinho, aberta à população por um mês.

A difusão dessas ações acontece nas escolas, liderada pelo próprio grupo, e em outros espaços. As ativida-des têm impacto na comunidade, contribuem para mudar a percepção sobre a cidade e o instituto, e dão aos professores, amigos e família dos participantes uma nova perspectiva sobre os jovens.

“Tudo se principia em Inhotim, no espaço museológico, mas sempre com a liberdade de perceber outros lugares e transitar por eles, de acordo com a vontade do grupo. Como é um projeto que coordeno e partici-po diretamente, meu pensamento é sempre deixar espaços livres para que cada um dos elementos do projeto – jovens, estagiários ou outros – também se torne propositor.”

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María Eugenia trabalha com jovens da rede pública de ensino | imagem: Cia de Foto

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Pavilhão True Rouge, no Instituto Inhotim, em Brumadinho (MG) | imagem: Instituto Inhotim/Jomar Bragança

O rumo das refLexoes

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María Eugenia lembra que decidiu se inscrever no Rumos Educação, Cultura e Arte 2008-2010 dias antes do fechamento do edital. Havia recolhido material, escrito, reescrito e coletado opiniões. “No último dia, contei com a ajuda de algumas pessoas nas correções e nas impressões, em clima de emoção e nervosismo. Quan-do vi, já era tarde demais para postar no correio comum – salvo o correio dentro do shopping center que fica aberto até as 22h!”, relata.

As primeiras lembranças do Itaú Cultural são de um momento em que “todos estavam nervosos e for-mais demais”. Preocupou-se em como se expressar: “Não adiantava pensar que iria falar da minha expe-riência com o projeto da forma que a vivenciei. Seria necessário traduzir a experiência de forma que contribuísse para a formação coletiva. Percebi que, se era um programa de formação o que o Rumos propunha, eu teria de contribuir com a formação do grupo, através da reflexão sobre a minha experiên-cia e não somente com a experiência em si”.

Os encontros de formação passaram a ser um momento paralelo à rotina de educadora. Antes e depois das viagens, era invadida pela necessidade de recolhimento e reflexão. “Isso talvez tenha sido o mais difícil, tentar olhar com distanciamento para todo o processo do projeto durante a formação do Rumos e, logo, voltar a entrar na rotina, mergulhando nas questões do momento.”

María Eugenia diz ter aprendido muitas coisas sobre si mesma por meio da oportunidade de observar, com-parar e olhar crítica e poeticamente para as ações que a fizeram, principalmente, retomar objetivos que “fi-caram esquecidos ao longo do caminho”.

Uma dessas descobertas diz respeito ao sentimento de encontro e aceitação do contexto de Brumadinho, essencial em seu projeto. “Uma das questões principais é pensar o que é uma cultura local e o confronto com outras culturas. Quando comentam que ensino cidadania, sou levada a refletir que não sou cidadã de Brumadinho, mas que sou aceita assim pelos jovens, e isso me faz ser cidadã mesmo. Esse é o encontro que busco. De culturas e percepção.”

Esse sentimento está presente também quando pensa sobre a premiação do seu projeto. “O Rumos Edu-cação é um programa inovador, que se propõe a dialogar. Ele reconheceu meu projeto, as buscas similares. Nos encontramos. Há pessoas, em diversos lugares pensando em sintonia. O prêmio, além do reconheci-mento, aponta para o encontro de 12 pessoas e a equipe do programa.”

Do convívio com esses educadores, destaca a troca constante durante a experiência. “Isso trouxe uma com-plexidade de referências diretas e indiretas que afetaram o meu fazer de educador. Cada contato foi valioso e necessário. Os embates, discussões e críticas também. Por trabalhar com arte, todo o processo foi alimento crítico e poético para continuar construindo.”

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Registro de viagensPernambuco deixou nela a vontade de construir em rede, criar uma trama mais complexa de ações. A visita ao ateliê do artesão e ceramista Mestre Nado foi revigorante. “Os produtos são geradores de possibilidades. Instrumentos, mas também objetos a ser estudados, fruídos, experimentados – assim como o que penso ser arte. Dessa forma, reaprendi o motivo que me levou à arte e por que acredito em seu potencial de formação.”

Nada foi fácil. “Assim que a formação do Rumos se iniciou, comecei a me afastar por causa das viagens e exigências do processo todo. Senti que os jovens se sentiram abandonados e até hoje preciso reconquistar alguns”, diz.“ É necessária a ausência de certas presenças em certos momentos. Quero cada vez mais cultivar um lugar de ausência em contraponto a um lugar de presença, para assim dar lugar a uma autonomia maior dos educandos”, observa.

Os movimentos das viagens foram enriquecedores para a educadora. “O simples fato de topar se deslocar – tanto física como conceitualmente – é uma atitude transformadora. Sinto que venho construindo uma vonta-de de deslocamento constante e que me ajuda a afirmar minhas bases e certezas, e até minhas raízes”, analisa.

Nas viagens, grande impacto em Portugal. “De certa forma a dificuldade de expor o projeto lá foi maior, mas foi um momento muito intenso porque senti uma necessidade grande de repensar o laboratório e minhas

Vista dos jardins do instituto | imagem: Obras de Edgar de Souza, Sem Título, 2000, 2002 e 2005 – Instituto Inho-

tim/Pedro Motta

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A cada ano, a experiência gera um catálogo e exposições | imagem: Cia de Foto

futuras propostas”, conta. María Eugenia e outras duas educadoras, Alessandra Pamponet e Ana Carmen Nogueira, foram premiadas com uma viagem internacional.

A ida à Europa foi ampliada com sua viagem de férias. Ela passou pela Espanha, pela Itália, pela Holanda e pela França. Voltou direto para João Pessoa (PB), para mais uma etapa de formação, escolhida por ela. “Fui à Paraíba conhecer estudos sobre educação biocêntrica e ao Recife (PE).”

“Diversas vezes mencionei que poderia ficar nos lugares que visitamos para sempre; atuando nesses lugares, fazendo diferente do que faço normalmente”, relata e acrescenta outras lembranças: “o gosto de se sentir na pele do outro – deslocada –, dançando forró, tocando pífano, no palco de um teatro em São Paulo, nas ruas do Porto, rolando no chão feito minhoca, fazendo som com barro”.

A visita que o grupo de educadores fez ao seu local de trabalho, em Inhotim, a ajudou a perceber o projeto por outra perspectiva. “Creio que isso se repete em todos os lugares e ações visitadas. Sem o visitante/obser-vador, somos menos conscientes do nosso lugar no mundo”, comenta.

“Sinto que cresci imensamente como educadora pelo fato de ter sido permitida ser isto – educadora somen-te, legitimada sem a necessidade de constante justificativa ou prova de ser. Ser educadora talvez seja a maior das recompensas dessa oportunidade junto ao Rumos. Não é uma afirmação fácil de fazer em um país (ou talvez mundo) onde a educação sofre uma crise política complexa”, conclui.

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sobre Paulo

Por meio do contato que

consegui estabelecer e manter

com Paulo, penso no corpo em

movimento como uma afirmação

de uma voz política poucas vezes

escutada. Penso em corpos

trabalhando juntos, vejo

movimentos inspirados no meu

dia a dia... Sabendo que seria o

dia a dia deles que gera tais

movimentos. Não danço hip-hop

nem eles. Ao mesmo tempo, eles

dançam hip-hop e parece que o

ritmo também está encarnado no

meu cotidiano. A abertura para

novas ideias, a possibilidade de

criação constante, de levar as

ideias até o limite onde elas de

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Por María Eugenia

fato acontecem como poesia... Para a D.I. CIA, por meio de Paulo,

percebo a constante movimentação necessária para gerar frutos

em forma de dança. Sinto vontade de desenhar no espaço e

contribuir com a certeza dos movimentos, a leveza dos corpos e

a igualdade com a qual toda forma de expressão é tratada no

processo da dança deles. Não consigo abordar o trabalho

especificamente pelas suas características de trabalho com jovens

de periferia ou com jovens com alguma deficiência - sua

característica maior talvez seja, a meu ver, a necessidade coletiva

do movimento em constante movimento.

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Entrelaços de histórias de educaçãopor Denise Mendonça

Para tecer amarrações e correspondências entre os vários saberes e fazeres de cultura, arte e educação protagonizados pela sociedade civil, fora dos es-paços da escola, nos últimos anos no Brasil é impor-tante perceber que o que produzimos é fruto de um movimento histórico, com lutas e conquistas sociais.

... as correlações dos movimentos culturais com a arte e com a educação em arte não acontecem no vazio, nem desenraizadas das práticas sociais vividas pela sociedade como um todo. As mu-danças que ocorrem são caracterizadas pela dinâ-mica social que interfere, modificando ou conser-vando as práticas vigentes. (1)

Por meio de um breve recorte do tempo, destaca-rei alguns fatores que contextualizam as mu-danças ocorridas no âmbito das práticas arte/edu-cativas realizadas no chamado campo da edu-cação não formal.

De 1930 a 1970, essas práticas foram influenciadas pelos fundamentos da psicologia e da psicanálise, que trouxeram para o centro da cena a importân-cia da arte como manifestação da individualidade. Em uma perspectiva humanista, modernista, tais práticas potencializavam a espontaneidade, a au-toliberação, a originalidade, a criatividade e a livre

expressão do indivíduo, enfocando o aspecto ex-perimental da arte como importante via de sensi-bilização e comunicação do ser humano. Nesse período, as ações eram realizadas pelas escolinhas de arte e ateliês espalhados pelo Brasil, como ativi-dade extraclasse. O Movimento Escolinhas de Arte (MEA) teve um papel de extrema relevância entre os anos 1950 e 1970 para a democratização e con-solidação da arte na educação.

Nos anos seguintes, por causa da conjuntura política do Brasil e do mundo, a partir da redemocratização do país e da luta pelos direitos sociais, políticos e ci-vis, as práticas de arte/educação foram mudando o foco. Da concepção de indivíduo voltado às suas visões de mundo, passa-se à concepção de sujeito sócio-histórico-cultural, enraizado em sua comuni-dade. Tais práticas passaram a dialogar com a área dos direitos humanos, trazendo para o centro da cena a importância da arte como manifestação da coletividade. Em uma perspectiva multiculturalista e cognitivista, valorizavam o aspecto político da arte. Nessa época, consolidam-se as chamadas organi-zações não governamentais, muitas delas tendo a arte na centralidade de suas ações, a maioria com a finalidade de contribuir para o desenvolvimento hu-mano de crianças e jovens de baixa renda em si-tuação de vulnerabilidade social.

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É também nesse período, marcado pelas tensões dos debates acerca do ensino de arte na escola, en-tre visões modernistas e pós-modernistas, que sur-gem pesquisas e metodologias da arte/educação que vão influenciar as práticas desenvolvidas em vá-rios outros espaços culturais. São criados nos mu-seus programas educativos, que vêm propiciando, a partir daí, a articulação dos fazeres artístico-educati-vos de diferentes espaços de educação.

A partir de 2000, novos conceitos e concepções entram na cena. A importância da arte na cons-trução das identidades culturais e na valorização da diversidade cultural, da interculturalidade e da garantia da cidadania cultural. As práticas arte/educativas protagonizadas por diversas insti-tuições da sociedade civil passam a ser funda-mentais na construção das políticas culturais no país. Destaca-se nesse âmbito, o Programa Cultu-ra Viva do Ministério da Cultura, com o reconheci-mento de pontos de cultura em todo o Brasil – iniciativas que já vinham desenvolvendo práticas culturais e passaram a ser valorizadas e apoiadas pelo Governo Federal. Nesse sentido, é a partir desta última década que se consolidam e se for-talecem práticas arte/educativas que vêm contri-buindo para a construção de novas políticas nas áreas de cultura, arte e educação.

Entrelaços de saberes e fazeres

É extraordinária a riqueza da rede de iniciativas que se estende pelo Brasil acreditando na arte como caminho de transformação social e cultural. Mesmo sabendo que existem ainda muitos equí-vocos e distorções em determinados segmentos, por exemplo: quando a arte se torna no imaginá-rio de muitos um poderoso instrumento de con-trole ou de ocupação de territórios emocionais, afetivos e espirituais de crianças e adolescentes, com a justificativa de que, ao participar de progra-mas e projetos de arte, meninos e meninas caren-tes estarão a salvo da marginalidade. Ou quando se utiliza a arte com fins unicamente promocio-nais, criando talentos artísticos a toque de caixa, ou buscando autopromoções a custa dos dramas da infância e da juventude.

Assim mesmo, o cenário brasileiro se apresenta com novos contornos que nos reanimam. Cultura e educação, depois de décadas divorciadas, ini-ciam conversas com promessas de mudança e arti-culação. Iniciativas se multiplicam pelos quatro cantos do país, constituindo uma rede/teia de grande importância, que vem impulsionando no-vas maneiras de desenvolvimento e investimento no âmbito da cultura.

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Por parte da iniciativa privada, temos visto o surgi-mento de arranjos que se apresentam positivos no fomento, na produção e na difusão da cultura e da arte, numa perspectiva mais abrangente e democrá-tica. Por tudo isso, já é possível verificar que tanto a arte como a cultura não são mais vistas como aces-sórios da condição humana, e sim seus substratos.

Em que contextos, nexos, sentidos (conexos) se fun-damentam, se fundam essas iniciativas como proje-to social, cultural, artístico no âmbito da educação praticada no Brasil? Possivelmente, não existem res-postas únicas, mas há algumas semânticas que aproximam e entrelaçam fazeres e saberes que vêm marcando nosso tempo.

O primeiro ponto é que toda e qualquer ação que envolva a arte na perspectiva do desenvolvimento humano, nas dimensões ética e estética, é eminen-temente política. Quando o caminho é processual, com intencionalidade que provoque o sentir, o fluir, a expressão, o conhecimento e a contextualização, a educação por meio da arte é disparadora de encon-tros e confrontos, na medida em que revela dife-renças, singularidades, identificações, modos de ver e de se saber no mundo.

A cultura/arte permite traduzir melhor a dife-rença entre nós e os outros e, assim fazendo, res-gatar a nossa humanidade no outro e a do outro em nós mesmos. (2)

O segundo ponto é que são iniciativas bordadeiras. São processos partilhados em muitas dimensões, geralmente com largueza e liberdade de opções, mas que precisam constantemente ser pensados com delicadeza e justeza para não se perderem no meio de tantas possibilidades de ação. Por serem espaços construídos pelo sentido plural, pela afetivi-dade e confiança, constituem-se lugares movidos pela paixão de um bem comum.

Aprendi com a Família Dumont, bordadeiras de Pi-rapora (MG), três aspectos que fazem parte dos princípios de seus processos de criação, que me levaram a compreender com outra lente os modos de se fazer a arte/educação, no âmbito da edu-cação, nestes últimos anos:

1. A compreensão do sentido verdadeiro do avesso dos bordados, não como desalinhos e arremates dos pontos. Mas como a interioridade do que se desvela belo no desavesso, ou direito.

A arte tem seu alimento no que apreendemos e ex-perimentamos da e na vida, mas é esse mesmo ali-mento que ganha forma, e se faz conhecido quan-do o transformamos em música, desenho, escultura, drama, dança. Avesso e direito, nesse sentido, são partes do mesmo processo, movimentos e desloca-mentos de interioridades e exterioridades de nosso imaginário, sensibilidades e inteligências que vão compondo novos horizontes.

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2. O “trans-bordamento” dos limites do desenho não significa sentidos desmanchados.

Por meio da arte se torna possível a elaboração de novas narrativas e representações sobre como os sujeitos percebem e compreendem a si mesmos, os outros e seus ambientes (familiares, comunida-de, escola, grupos de amigos). É possível verificar maneiras outras de enfrentamentos de seus coti-dianos, de como traduzem a condição de existên-cia projetando desejos futuros, encorajando-se para conquistar espaços de direito por direito. Todo esse processo de desfazimentos e refazimen-tos de ideias e percepções – jogo em que a criação em arte envolve e desenvolve – implica tomada de decisões e escolhas. Há de se ter coragem para mudar, desafiando os limites (percepção de si) que muitas vezes são impostos e aceitos quase como uma fatalidade, expressos como: “nasci assim, não tem jeito, não posso mudar”. Mas mudar não signi-fica perder identidades. É preciso transbordar cer-tos limites e realizar travessias.

3. O processo coletivo (uma mesma peça é bordada a muitas mãos) só é possível com a clareza do senti-do comum. Mesmo com escolhas específicas e defi-nidas do que será bordado, os desmanches do que já foi bordado por outro é autorizado. É sinal de per-tença e correspondência.

Na arte, os processos de criação ainda que realizados por sujeitos únicos e de expressões singulares somente na relação com outros se completam. Nos exercícios de criação coletiva, em rodas de conversa e em liturgias (no sentido de atividades feitas por uma comunidade de destino), muito praticados nesses espaços de educação não formal; memórias, valores, tradições, identidades culturais, temas do universo de interesse do grupo ritua-lizam acordos de convivência, confiança e sentidos de pertencimento. É nesse ponto que a função da arte se revela grandiosa, potencializando a vocação humana de ter liberdade, autoria e soberania nas escolhas e nas expressões. Nascemos para ser livres e correspondidos.

Finalmente, como terceiro ponto, destacaria o grande acervo de diversos conhecimentos e metodologias criadas, a partir de uma prática do dia a dia, acompa-nhada nas minúcias e delicadezas dos gestos, das ex-pressões, das falas, das histórias de vida desses meni-nos e meninas, participantes dessas iniciativas.

São entrelaços amplos e complexos que, como um calei-doscópio, podem formar imagens múltiplas e multicolo-ridas, únicas, que não se repetem, configurando manei-ras próprias e singulares de produção de práticas educa-tivas. Equipes multidisciplinares e abordagens transdisci-plinares temperam as metodologias, que se flexibilizam na estruturação de seus conteúdos, na medida em que novos conhecimentos e desafios são lançados.

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Há quem julgue que essa característica signifique falta de clareza de objetivos, foco e sistematização das práticas, mas não é verdade. Sem dúvida, a qualidade empírica é um dos maiores valores des-sas iniciativas, mas o corpo teórico que funda-menta suas práticas inspira estudos e pesquisas por parte do mundo acadêmico. Talvez o que pos-samos pensar é que felizmente a arte nos aponta caminhos e não existe uma única forma de dizer o que esses grupos sabem fazer e de avaliar o que querem saber. Mas tenho clareza de que são práti-cas que têm na arte sua poíesis (3), na educação seus caminhos formativos e na cultura a força po-lítica de transformação social.

No artigo foi utilizada a grafia arte/educação sugerida pela educa-

dora Ana Mae Barbosa, principal teórica brasileira sobre o tema.

“Quando comecei a estudar, o termo arte educação era escrito com

as duas palavras separadas. Nos anos 1970 comecei a escrever com

hífen, arte-educação, porque defendia uma relação dialética e um

sentido de pertencimento entre a arte e a educação. Nos anos

1990, depois de ouvir a opinião de um linguista, decidi utilizar a

barra, que reforça o significado dialético e de pertencimento, daí

arte/educação.” Ana Mae Barbosa.

Denise Mendonça é arte-educadora, musicotera-peuta e compositora. Dirige espetáculos musicais e preside o Instituto de Arte Tear, do qual é tam-bém sócia-fundadora da escola de arte.

Referências bibliográficas

1 - FERRAZ, Maria Heloisa & Maria F. Resende e Fusa-ri. Metodologia do Ensino de Arte. São Paulo: Cortez, 1993.

2 - DA MATTA, Roberto. Você tem cultura? Jornal da Embratel. Rio de Janeiro. 1981.

3 - Poíesis, do grego, significa ação de fazer, criar, cons-truir alguma coisa. Platão, no livro O Banquete, discute a palavra (da qual deriva “poesia, poeta”). “Toda causa”, diz ele, “de uma coisa que passa do não ser para o ser é poíesis, de sorte que as atividades manufatureiras em todos os ramos da indústria são formas de poíesis e todos os artífices e oficiais são poietai (poetas). MOISES, Massaud. Dicionário de Termos Literários: Cultrix, 1997 e OSBORNE, Harold. Estética e teoria da arte: uma introdução histórica. Tradução Octavio Mendes Cajado. São Paulo: Cultrix, [1968?].

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Trajetórias

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São Paulo 12 a 18 de abril de 2009(São Paulo e Jundiaí)

1. Apresentação da indiana Sangeeta Isvaran no Itaú Cultural2. A sul-africana Kadiatou Diallo encerra o seminário3. Edson Oliveira visita a Pinacoteca do Estado de São Paulo4. Espetáculo Consumidor Loko do Corpo Cidadão5. Vera Paolillo (Unesco) e Jean Hurstel (Banlieus d´Europe)6. O antropólogo Marcelo Manzatti anuncia os vencedores7. Wagner Porto e Denise Mendonça em formação

Rio de Janeiro (r J)

Macaé (r J)

Caxias do Sul (RS)

Porto Alegre (RS)

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Bahia30 de maio a 9 de junho de 2009(Salvador, Lençóis, Remanso e Vale do Capão)

8. Educadores em expedição no Pelourinho, Salvador9. Trajetória rumo ao quilombo nos Marimbus 10. Educadores dançando forró no Remanso11. Contato com os griôs da comunidade quilombola 12. Alessandra observa atividades no circo13. Oficina no Circo do Capão, Chapada Diamantina14. Ana Teixeira se equilibra no arame do circo

Rio de Janeiro (r J)

Macaé (r J)

Boa Vista (RR)

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Rorainópolis (RR)

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Minas Gerais12 a 16 de agosto de 2009(Brumadinho e Belo Horizonte)

15. Os instrumentos do grupo Uakti16. Paulo e Maryanne em Brumadinho 17. Bruna registra um momento da expedição mineira 18. Demonstração de músico do Uakti em Belo Horizonte 19. No Instituto Inhotim, obra do artista Chris Burden

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João Pessoa (PB)

Portugal

Natal (RN)

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Pernambuco4 a 14 de abril de 2010(Recife, Olinda, Caruaru, Garanhuns, São João, Gravatá e Bezerros)

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20. Mestre Nado e seus instrumentos de argila21. Pau-de-arara rumo ao Quilombo do Timbó em Garanhuns 22. Ana Carmen esculpe no Quilombo do Timbó 23. Maryanne se concentra na construção dos mamulengos24. Renato Negrão em performance no Recife25. Cultura popular marcou a trajetória pernambucana26. Margarete de Oliveira toca alfaia no GAMR, em Gravatá27. Joana D’Arc prova um pífano com João do Pife, em Caruaru

Natal (RN)

Nova Olinda (CE)

Juazeiro do Norte (CE)

Espanha

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CRéDITOS:

Fotos 1, 2, 4, 5, 6 e 7: Cia de Foto

Fotos 3, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19*, 21, 26 e 27: Itaú Cultural

*Foto 19: Beam Drop, de Chris Burden, 2008 I Instituto Inhotim

Fotos 8, 9 e 24: Ana Teixeira

Fotos 10 e 12: Bruna Elage

Fotos 11, 22 e 23: María Eugenia Salcedo

Foto 20: Maryanne Galinski

Foto 25: Renato Negrão

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AgradecimentosEDUCADORES FINALISTAS

Priscila Maria GalloAssociação de Moradores da Aldeia Hippie de Arembepe – Escola Menino Luz (BA) – São Carlos/SP

Maria Aparecida de Faria LemosAryran Instituto de Desenvolvimento Humano, Cultura e Meio Ambiente – São Paulo/SP

Rosangela Rocha dos SantosCentro de Estudos Casa Curta-SE – Aracaju/SE

Neide das Dôres Camara RabeloBoi Urubu (C.E. Ribeiro do Amaral) – São Luís/MA

Adriana Pedroso PregnolattoGuaimbê – Espaço e Movimento Criativo – Pirenópolis/GO

Roberto Ricardo Santos de AmorimInstituto Batucar – Brasília/DF

Vânia Maria Nogueira de VasconcelosAsmult – Associação de Mulheres Tianguaense – Tianguá/CE

Hélcio Hipólito Carvalho QueirozAmar – Associação dos Moradores e Amigos da Região – Conselheiro Lafaiete/MG

INSTITUIçõES PARCEIRAS E COLABORADORES – CIRCUITO NACIONAL

AracajuMuseu do Homem Sergipano

BahiaAssociação Grãos de Luz e Griô/Líllian Pacheco e Márcio CairesCarla Araújo LopesCirco do Capão – Associação Safar Miramas de Artes no Circo Cria – Centro de Referência Integral de Adolescentes/Maria Eugênia Viveiros MiletInstituto EletrocooperativaMuseu da Misericórdia/Lúcia CostaMuseu de Arte Moderna da Bahia/Tonico PortelaPonto de Cultura Arte Viva/Antônio MarquesProjeto Axé/Cesare de La Rocca, Ená Benevides, Marle OliveiraTeatro Sesc-Senac Pelourinho

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CearáCentro Cultural Dragão do MarFundação Casa Grande Memorial do Homem Cariri/Alemberg Quindins e Rosiane LimaverdeLira Nordestina/José Lourenço Gonzaga Museu de Arte da Universidade do CearáONG Juriti/Ana Cristina de Melo Sesc Juazeiro do Norte/Mano Grangeiro

Distrito FederalFunai – Fundação Nacional do Índio/Cláudio RomeroIphan – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional/José Nascimento Jr.Marcelo ManzattiRenato Janine RibeiroFaculdade de Educação da UnB – Universidade de Brasília

GoiásEmac – Escola de Música e Artes Cênicas da UFG – Universidade Federal de Goiás

MaranhãoEscola de Música do Maranhão

Minas GeraisAssociação Imagem Comunitária/Roberto AlmeidaBodô (Valmir Alcântara Alves) Centro de Passagem Emaús/Irlane da Silva Amorim Centro de Referência da Juventude/Vitor SantanaComum – Cooperativa da Música de Minas/Makely KaCorpo Cidadão/Miriam Pederneiras e Waldir de CarvalhoCria! Cultura/Kuru LimaFórum da MúsicaFundação Municipal de Cultura de Belo HorizonteGiramundo Teatro de Bonecos/Fabiano Barroso Gislayne Avelar de MatosGrupo Corpo/Cristina Castilho e Rodrigo Pederneiras Grupo Cultural NUC/Renegado Grupo UAKTI/Marco Antônio Guimarães, Paulo Santos, Artur Andrés, Décio Ramos e Édila Lopes Instituto Inhotim/Janaína Melo Instituto São Rafael Museu Histórico Abílio Barreto/Joanna Guimarães Observatório da Diversidade Cultural/José Márcio Barros Palácio das ArtesSpasso Escola Popular de Circo/Rogério Camara e Bernadete Camara

ParáInstituto de Artes do ParáRede Brasileira de Arteducadores/Manoela Souza

ParaíbaCasa de David/Mirley Jonnes

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Centro Cultural São Francisco/Monsenhor Ednaldo Araujo dos Santos e Iara de OliveiraEscola de Formação em Educação Biocêntrica/Elisa GonçalvesEspaço Cultural José Lins do Rego/Arthur Rocha Fernandes Núcleo de Arte Contemporânea da UFPB – Universidade Federal da Paraíba/Marta Penner e Marco Aurélio Damasceno

ParanáCCH – Centro de Letras e Ciências Humanas da UEL – Universidade Estadual de Londrina

PernambucoBanda Mestre Librina Casa Pró CidadaniaFundaj – Fundação Joaquim Nabuco/Ana Carmen PalharesGAMR – Grupo de Apoio aos Meninos de RuaInstituto Ricardo Brennand/Simone Ferreira Luizines J. BorgesJoão do PifeMamam – Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães/Cristiane Mabel MedeirosMarcelo SilveiraMestre Nado Museu da AboliçãoMuseu do Estado de PernambucoMuseu Murillo La Greca/Gleice Kelly Heitor Oficina Francisco Brennand/Regina Batista Silva Rio de JaneiroD.I. CIA de Dança – Centro Integrado de Estudos do Movimento Hip-HopGrupo Cultural Afroreggae/Johayne HildefonsoInstituto de Arte Tear/Denise Mendonça Juventude Transformando Arte/Ângela NogueiraLuiz Guilherme VergaraMarcelle PereiraMuseu da Maré/Luiz Antonio de Oliveira Museu da República/Magaly CabralNós do Morro/Guti Fraga e Regina Melo Observatório de Favelas/Jailson de Souza e Silva e Elionalva de SousaOs Tapetes Contadores de HistóriasREM – Rede de Educadores de Museus Rodrigo Felha

Rio Grande do NorteCasa da Ribeira/Gustavo Wanderley

Rio Grande do SulAssociação de Cegos Louis Braille/Joanete ZanandreaBiblioteca Comunitária Ilê Ará/Lindolfo Alcemar ReckziegelBienal B/Isabel Alencar de CastroCasa de Cultura Mário Quintana/Luiz Armando Capra FilhoCentro Cultural Usina do Gasômetro/Ricardo Thofehrn CoelhoCentro de Estudos em Arteterapia, Psicologia e Educação/Gislene Nunes Guimarães

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Fabico – Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação da UFRS – Universidade Federal do Rio Grande do SulFundação Bienal do Mercosul/equipe: Mônica Hoff, Ethiene Nachtigall e Gabriela Silva/artistas convidados: Julio Lira , Francisco Tomsich, Martín Verges e Diana AisenbergFundação Iberê Camargo/Luciano LanerFundação Maurício Sirotsky Sobrinho/Alceu Terra NascimentoInstituto Popular de Arte Educação/Ediane Gheno Museu Comunitário da Lomba do Pinheiro/Cláudia Feijó da Silva Museu de Arte Leopoldo Gotuzzo da UFPEL – Universidade Federal de PelotasPaola ZordanPPEL – Programa Permanente de Estímulo à Leitura (Secretaria da Cultura de Caxias do Sul)/Luíza Helena Darsie da MottaProjeto PPDs Rumo Norte/Simone LeãoSantander Cultural/Maria Helena Gaidzinski

RoraimaCIR – Conselho Indígena de Roraima/Dionito José de SouzaDiocese de Roraima/Padre Ronald Beaton MacDonellInstituto Insikiran/Celino RaposoLaudicéia André SousaOmir – Movimento das Mulheres Indígenas de Roraima/Ana Catia Januario de SouzaPonto de Cultura A Bruxa Tá Solta/Catarina RibeiroPonto de Cultura Arte Indígena Macuxi/Lidia RaposoTuxaua Caetano Raposo

Santa CatarinaFaculdade de Educação da UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina

São PauloAecid – Agencia Española de Cooperación Internacional para el Desarrollo/Ana Tomé e Marina CorrêaAna Mae BarbosaBia AntunesCentro Brasileiro de Apoio Pedagógico Especializado ao Deficiente VisualFundação Antonio – Antonieta Cintra Gordinho/Patricia RazzaIlan BrenmanInstituto Fazendo História/Cláudia VidigalJucilene Braga Silva EvangelistaMaria da Glória GohnOlga Von SimsonPinacoteca do Estado de São Paulo/Mila ChiovattoPrograma Educativo Públicos Especiais – Pinacoteca do Estado de São PauloSecretaria de Cultura de Araraquara/Euzânia AndradeUnesco/Vera Paolillo

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INSTITUIçõES PARCEIRAS E COLABORADORES – CIRCUITO INTERNACIONAL

África do SulKWA – Sparck/Kadiatou Diallo

EspanhaAecid – Agencia Española de Cooperación Internacional para el Desarrollo/Pilar Sanchez e António IgrejasAsociación Salud y Familia/Josefina AltésCasa Amarilla/Míriam MarinéLa Casa Encendida/Monica Carrocquino e Lucia CasaniLa Tabacalera/Mikel Urtasun e Jordi Claramonte Marián LopezRadio Nikosia/Martin Correa-UrquizaTrànsit Projectes/Ángel Mestres e Gemma Lladós Unión Fonográfica Independiente/Marian Lozano

FrançaBanlieues d’Europe/Jean Hurstel

ÍndiaSangeeta Isvaran

PortugalCasa da Música/Ana Isabel RebeloCasa das Histórias – Paula Rego/Adriana PardalCentro Cultural de Vila Flor/Elisabete PaivaCentro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão/Susana Gomes da SilvaEscola da Ponte/Ana Maria Marques Pinto MoreiraEspaço do Tempo/Ricardo Carmona e Rui Horta Fundação Calouste Gulbenkian/Sofia UlrichFundação Serralves/Sofia VictorinoGAM – Grupo para Acessibilidades nos Museus (Fábrica da Pólvora de Barcarena/Museu da Pólvora Negra)/ Teresa TomásJangada de Pedra/Rita Vieira e Aldara BizarroMaus Hábitos – Espaço de Intervenção Cultural/Daniel PiresMuseu Coleção Berardo/Cristina GameiroPédexumbo/Luísa FonsecaPrograma Gulbenkian Educação para a Cultura – Descobrir/Maria de AssisProjeto e Orquestra Geração/Hugo SeabraSolar – Galeria de Arte Cinemática/Nuno Rodrigues

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Ficha Técnica

Coordenação

Renata Bittencourt

Tatiana Prado

Equipe

Ana Paula Drudi Miranda

Maria Cecília Lopes Guimarães

Apoio (2008)

Luciana Nemes

Vera Curado

Consultoria para edital

Adriana Mortara Almeida

Redação

Carlos Costa

Tatiana Diniz

Edição de texto

Carlos Costa

Revisão

Polyana Lima

Ilustrações

Vânia Medeiros

Projeto gráfico

Luciana Orvat

Ricardo Daros I assistente

Direção de arte

Jader Rosa

Produção editorial

Maria Clara Matos

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