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44 Indústria Automobilística Brasiliera - 50 anos Terra é azul, umas das mais marcantes frases da indústria da mobi- lidade, foi pronuncia- da em russo quando Yuri Gagarin consa- grou a União Soviética como o primeiro país a mandar um ho- mem à órbita terrestre. Em res- posta, nos Estados Unidos, o re- cém-eleito John Kennedy prome- teu ir adiante e fabricar o veículo capaz de levar o homem à lua. Era 1961. No Brasil João Goulart assumia a Presidência da República após a renúncia de Jânio Quadros e a indústria co- memorava: pela primeira vez, após cinco anos de produção automotiva nacional, veículos seriam exportados. A estréia foi com o ônibus urbano monobloco O 321 pro- duzido pela Mercedes-Benz des- de 1958, em São Bernardo do Campo. O lote de 550 unidades destinado a Argentina e Vene- zuela foi dividido em dois, com 380 unidades embarcadas em 1961, e as demais 170 em 1962. O primeiro passo fora dado com sucesso. Os anos seguintes foram tensos para o Brasil. A democra- cia fora substituída por ditadu- ra e o cenário era de inseguran- ça. Ainda assim a indústria con- segue romper outra fronteira em 1965, quando a mesma Mer- cedes-Benz fecha novo contra- to para exportações de cami- nhões. Ao todo foram oito unida- des, em vendas mais pulveriza- das do que as de ônibus. Para a Argentina foi enviada uma uni- dade do LP-331, para o Uruguai dois L-1111 e para o Paraguai quatro L-1111 e um LP-321. O pioneirismo da indústria de veículos pesados atiçou os ânimos das fabricantes de veí- Exportações As exportações pioneiras foram realizadas a partir de 1961, e começaram com ônibus e caminhões, que tiveram a América do Sul como destino.

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Terra é azul, umas dasmais marcantes frasesda indústria da mobi-lidade, foi pronuncia-da em russo quandoYuri Gagarin consa-

grou a União Soviética como oprimeiro país a mandar um ho-mem à órbita terrestre. Em res-posta, nos Estados Unidos, o re-cém-eleito John Kennedy prome-teu ir adiante e fabricar o veículocapaz de levar o homem à lua.

Era 1961. No Brasil JoãoGoulart assumia a Presidência daRepública após a renúncia deJânio Quadros e a indústria co-memorava: pela primeira vez,após cinco anos de produçãoautomotiva nacional, veículosseriam exportados.

A estréia foi com o ônibusurbano monobloco O 321 pro-duzido pela Mercedes-Benz des-de 1958, em São Bernardo doCampo. O lote de 550 unidades

destinado a Argentina e Vene-zuela foi dividido em dois, com380 unidades embarcadas em1961, e as demais 170 em 1962.O primeiro passo fora dado comsucesso.

Os anos seguintes foramtensos para o Brasil. A democra-cia fora substituída por ditadu-ra e o cenário era de inseguran-ça. Ainda assim a indústria con-segue romper outra fronteiraem 1965, quando a mesma Mer-cedes-Benz fecha novo contra-to para exportações de cami-nhões.

Ao todo foram oito unida-des, em vendas mais pulveriza-das do que as de ônibus. Para aArgentina foi enviada uma uni-dade do LP-331, para o Uruguaidois L-1111 e para o Paraguaiquatro L-1111 e um LP-321.

O pioneirismo da indústriade veículos pesados atiçou osânimos das fabricantes de veí-

Exportações

As exportações pioneirasforam realizadasa partir de 1961,e começaram com

ônibus e caminhões,que tiveram a

América do Sulcomo destino.

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culos. Chegara a vez de tentarvender aos países vizinho mode-los de automóveis de passeioproduzidos no Brasil. Assim, em1969, enquanto os Estados Uni-dos cumpriam a promessa feitapor Kennedy enviando NeilArmstrong à Lua, a GeneralMotors enviava as três primei-ras unidades do Chevrolet Opa-la ao Chile.

Novos produtos,novos mercados

Com a virada da década asdemais montadoras instaladasno Brasil começam a enxergar nademanda dos países vizinhossolução para aumentar a escala.Bom exemplo é a Volkswagen.Do embarque inaugural de tre-ze Variants e oito Kombis para oMéxico, em 1970, a empresa fe-chou a década com exportaçãode mais de 370 mil unidades.

Rumo ao livre comércio

O primeiro contrato bilateral do Brasil foi firmado em 2000 com a Argentina.Pelo documento, o comércio automotivo dos dois países admitiria por um flex gradualda balança comercial compensada até a abertura do livre comércio em 2006.

Com a crise argentina de 2001 os planos mudaram. Em janeiro de 2006 ospaíses decidem pela prorrogação do flex vigente de 2,6 – para cada US$ 100 expor-tados o país poderia importar até US$ 260, livre de impostos de importação – pormais dois meses. Em março nova prorrogação, por mais quatro meses, até que asnormas do acordo permanente sejam aprovadas.

Em 2002 os países do Mercosul assinam um ACE, acordo de complementaçãoeconômica com o México firmando compromisso de promover a integração e acomplementação produtiva dos setores automotivos de cada país. Também firmamacordo automotivo com o Chile.

Nesse meio tempo a indús-tria automotiva ganha importan-te ator: em 1976 a Fiat inaugurafábrica em Betim, pronta a des-tinar parte de sua produção aoexterior. Já em 1977 envia 1.346unidades do 147 a países daAmérica Latina e de lá até 1989,ano em que a produção do mo-

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delo é descontinuada, mais de174 mil carros deixam a fábricarumo aos portos.

Somados os embarques deMercedes-Benz, Fiat, Ford – quetambém iniciara as exportaçõesem 1970 –, General Motors,Volkswagen, Scania e Toyotacom o seu Bandeirante em 1971,a indústria brasileira exportou,no acumulado dos anos 70, maisde US$ 2,9 bilhões ou 105,6 milunidades.

Os anos 80 chegam comperspectiva nada boa para a in-dústria. Após os anos do mila-gre econômico a renda percapita cai 5% e o mercado in-terno passa de 1 milhão de uni-dades, em 1979, para 580,7 milem 1981. Diante do cenárioameaçador a indústria bradauníssona: exportar é necessá-rio!

A partir de então são gran-des os esforços para atender àdemanda externa. Em um doscontratos mais atípicos do setora Volkswagen fecha operaçãode vendas do Passat para oIraque em troca de petróleo,que era revendido à Petrobrás.Os veículos, 170 mil unidades de

1983 a 1988, saiam da fábricacom o adesivo Made in Brasil elogo foram batizados de Brazilipelos iraquianos. Ainda hoje ovelho Passat roda por lá.

Mas a indústria queria mais,queria exportar aos países de-senvolvidos. Caso emblemáticofoi a venda do VW Voyage paraos Estados Unidos e Canadá.Batizado como Fox o modelopara exportação era equipadocom motor 1.8 e tinha mais de 2mil modificações que o distin-guiam da versão comercializadano mercado interno, comocatalisador, sistema de injeçãode combustível e equipamentosde segurança. Foram seis anosde contrato, iniciados em 1987,e 220 mil unidades exportadas.

Alta demanda

Os caminhões também con-quistaram seu espaço. A Ford, quealcançara bom desempenho coma venda do Escort para paísesnórdicos e para Israel, comemo-rava contrato para a produção docaminhão Cargo para os EstadosUnidos. A demanda foi tanta quedepois de dois anos a produçãofoi localizada na fábrica deKentucky. Da fábrica brasileiracontinuavam os embarques paraAmérica do Sul, América Centrale alguns países da África.

Já a Volkswagen Caminhõesfoi ao outro lado do mundo.Fechou contrato para exporta-ções de 1 mil caminhões mode-lo 11.130 para a China. A em-presa que contratara o frete sóviu os modelos pelo catálogo eolhando para as fotos errou nasdimensões. Quando o naviochegou para buscar as primei-ras seiscentas unidades não ha-via espaço suficiente. Guindastesprecisaram ser usados para aco-modar os veículos na ponte decomando. Nunca mais a empre-sa ouviu falar das tais unidades.

O resultado do esforço foirecompensado: no acumulado

Antigos problemas, antigas soluções

No ano em que projeções indicam novo recorde de exportação, US$ 11,5 bi-lhões, a indústria se vê às voltas com novos e antigos problemas. O real valorizadodiminuiu a rentabilidade das operações, que já sofriam com a alta carga tributária,inflação de custos domésticos - como mão-de-obra e energia -, infra-estruturaineficiente, juros altos e retenção de crédito do ICMS, Imposto sobre Circulação deMercadoria e Serviço sobre produtos exportados.

No cenário internacional a ameaça mais contundente vem da China. Não épara menos. Enquanto no Brasil a indústria luta por políticas setoriais internas eexternas de longo prazo naquele lado do mundo as estimativas para os próximoscinco anos estão definidas. A saber: ser o maior produtor de automóveis com 20milhões de unidades, das quais 50% destinadas à exportação.

Para brigar com os novos players, Rússia, Índia e Leste Europeu inclusos, épreciso escala e produtividade. Consultores já trabalham com a meta de 4 milhõesde veículos produzidos no Mercosul até o fim da década, 40% dos quais destinadosà exportação. E avisam que o jogo só dará certo se todos os elos da cadeia secomprometerem com qualidade, eliminação de desperdício e redução de custos.Além disso, o País precisa de mais acordos automotivos internacionais, visto ape-nas ter três: Mercosul, Chile e México.

Nos anos 80 aindústria brasileira

exportou 2,2 milhõesde unidades

ou US$ 17,2 bilhões.

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Há mais de 50 anos no Brasil, a Bosch vem passando sua tecnologia de geraçãopara geração. Uma história marcada pelo pioneirismo em desenvolver soluçõessurpreendentes que facilitem cada vez mais a vida das pessoas. Inovação com osistema de freio ABS, liberdade de escolha com o Flex Fuel, e redução deemissão de gases poluentes com o Sistema Common Rail e Start-Stop. Para aBosch, produzir sistemas inteligentes como estes é tão emocionante quanto umpasseio de carro com quem você tanto admira. www.bosch.com.br

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dos anos 80 a indústria brasilei-ra exportou 2,2 milhões de uni-dades ou US$ 17,2 bilhões.

Em 1990 começa nova fase,a da liberalização comercial, es-tabilidade econômica e dosacordos internacionais que mu-dariam o panorama das relaçõesinternacionais.

Na Europa o bloco econô-mico já era realidade quando,em 1991, Brasil, Argentina,Paraguai e Uruguai assinam oTratado de Assunção, estabele-cendo objetivos, mecanismos eprocessos de integração para aconstituição de um mercadocomum na região, o Mercosul.Em 1997 o bloco recém surgidoconsome 64% dos embarquesbrasileiros, com 75% compradospela Argentina.

Nesse mesmo ano o Brasilultrapassa a marca 2 milhões deunidades produzidas atraindonovos fabricantes de veículoscomo Honda, DaimlerChrysler(automóveis), International,Iveco, Land Rover, Nissan,Toyota (automóveis), Audi, emassociação com a Volkswagen,Renault, Peugeot Citroën. As ex-portações seguem a toada e re-gistram o melhor desempenhoaté então: 416,9 mil unidades,volume que caiu para poucomais de 400 mil e para 274,8 milnos dois anos subseqüentes.

O ano 2000 chega e invertea curva em queda com bom im-pulso dos acordos internacionais(veja box). As exportações so-bem gradualmente das 371,3mil unidades de 2000 para novorecorde de 424,4 mil, registradoem 2002. Daí em diante a cadaano há nova marca, com cresci-mento de 26% em 2003, 21%em 2004 e 38% em 2005. Emvalores o incremento foi de US$3,5 bilhões para US$ 11,2 bi-lhões.

Em paralelo ao crescimen-to de volumes e valores o Brasilpassa para mais uma fase expor-tando serviços de engenharia.Ford, General Motors e Volks-wagen passam a investir no de-senvolvimento de projetos mun-diais. Bons exemplos: a GM bra-sileira cuidará do projeto de ins-talação de novo sistema de pin-tura da empresa no Egito e daVolkswagen nacional saiu oprojeto de linha de montagemdo Space Fox na Argentina.

No ano em que completa 50anos de história, a indústria ce-lebra embarques de US$ 83,7bilhões – realizados de 1961 a1995 – ou mais de 9 milhões deveículos, exportados para maisde noventa países. Assim comolá no início da história a Argen-tina se consagra como principalimportador.

Destino das exportações automotivas brasileiras(Autoveículos, máquinas agrícolas e rodoviárias, chassis/carrocerias e autopeças)

Em paralelo aocrescimento de

volumes e valoreso Brasil passa para

mais uma faseexportando serviços

de engenharia.

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A hora da reorientação

Apesar dos embarques de veículos com etiqueta made in Brazil terem começa-do na década de 60, foi somente nos anos 90 que a indústria voltou-se ao mercadointernacional com projeto de inserção mais refinado e consistente. Antes disso, expli-ca a vice-presidenta da Anfavea, Elisabeth de Carvalhaes, os embarques eram es-porádicos e serviam como válvula para alguma crise no mercado interno.

"Em 1995 o governo brasileiro formatou, pela primeira vez, projeto para a indús-tria baseado no tripé de estímulo à importação de alta tecnologia e ferramental,equalização de qualidade do produto brasileiro ao do melhor nível mundial edesoneração de tributos de veículos a serem exportados" - diz a executiva.

Pormenor: apesar do produto final não pagar tributo, toda a cadeia ainda reco-lhe ICMS sobre componentes que equipam veículos produzidos para mercados alémfronteiras. Esse tributo é transformado em crédito, mas dificuldades de governosfederal e estaduais impedem o uso do recurso pela indústria.

Com a estratégia montada, a Anfavea entendeu que era preciso ampliar o mer-cado e começou a trabalhar em parceria com o Governo em acordos internacionaisque oferecem possibilidades reais para o produto brasileiro. "Foi no final dos anos 90e início dos anos 2000 que vivemos uma fase na qual o destino nos ajudou muito:pelo perfil do consumidor brasileiro sabíamos que nossa vocação era produzir car-ros compactos. Com o desaquecimento da economia mundial percebemos que issonão era um problema, mas sim uma grande oportunidade", acrescenta de Carvalhaes.

Assim o País entrou na era dos acordos fechando o primeiro com o Mercosul,bloco formado por Brasil, Argentina Paraguai e Uruguai. Depois vieram México eChile. "No México reduzimos o imposto de 32% a zero. Hoje o país é um dos princi-pais clientes do Brasil e estamos saindo de lá, não por pressão de concorrentes,simplesmente porque estamos perdendo competitividade", comenta a executiva.

México não é caso isolado. A constante valorização do real aliada à escassezde financiamento para as exportações, aos tributos que incidem sobre a cadeia e aoalto custo produtivo, como energia elétrica e insumos, ameaçam as exportaçõesautomotivas brasileiras. "O governo precisa decidir qual será o papel do País nessenovo desenho da indústria automotiva mundial. Ou seremos exportadores - e paraisso precisamos de medidas que tornem nossos produtos competitivos - ou saímosde vez do mercado", conclui de Carvalhaes.

“Pelo perfildo consumidor

brasileiro sabíamosque nossa vocação

era produzircarros compactos.”

Embarque de caminhões

para a China

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