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1 FACULDADE DE DIREITO MILTON CAMPOS MESTRADO EM DIREITO EMPRESARIAL WESER FRANCISCO FERREIRA NETO PERSECUÇÃO ÀS FRAUDES EMPRESARIAIS E A RESPONSABILIZAÇÃO CIVIL, ADMINISTRATIVA E CRIMINAL DO GESTOR E DA SOCIEDADE LIMITADA NOVA LIMA-MG 2008

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FACULDADE DE DIREITO MILTON CAMPOS

MESTRADO EM DIREITO EMPRESARIAL

WESER FRANCISCO FERREIRA NETO

PERSECUÇÃO ÀS FRAUDES EMPRESARIAIS

E A RESPONSABILIZAÇÃO

CIVIL, ADMINISTRATIVA E CRIMINAL

DO GESTOR E DA SOCIEDADE LIMITADA

NOVA LIMA-MG

2008

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WESER FRANCISCO FERREIRA NETO

PERSECUÇÃO ÀS FRAUDES EMPRESARIAIS

E A RESPONSABILIZAÇÃO

CIVIL, ADMINISTRATIVA E CRIMINAL

DO GESTOR E DA SOCIEDADE LIMITADA

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado stricto

sensu da Faculdade de Direito Milton Campos – FDMC,

como requisito parcial para obtenção de título de Mestre

em Direito Empresarial.

Área de concentração: Direito Empresarial Penal

Orientador: Professor José Barcelos de Souza

NOVA LIMA-MG

2008

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PERSECUÇÃO ÀS FRAUDES EMPRESARIAIS

E A RESPONSABILIZAÇÃO CIVIL, ADMINISTRATIVA E CRIMINAL

DO GESTOR E DA SOCIEDADE LIMITADA

TERMO DE APROVAÇÃO

WESER FRANCISCO FERREIRA NETO1

Dissertação aprovada e apresentada, em 4.4.2008, à Comissão

Examinadora da Faculdade de Direito Milton Campos, como requisito

parcial para obtenção do título de Mestre em Direito (Área de

concentração: Direito Empresarial Penal), formada pelo Professor

Doutor José Barcelos de Souza (orientador), Professor Doutor

Marcellus Polastri Lima e Professor Doutor Vinícius José Marques

Gontijo.

1 Delegado de polícia/MG; professor de Direito Penal e Processual Penal da Faculdade de Direito Estácio de Sá-Belo Horizonte/MG; professor de Legislação Disciplinar da ACADEPOL/MG; pós-graduado em Ciências Penais e em Direito Público, pela PUC/MG; especialista em ‘Política e Estratégia’ – ADESG/MG e em Criminologia – ACADEPOL/MG; associado ao Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM-SP); aprovado, em 1° lugar no processo seletivo para o curso de pós-Graduação Mestrado Stricto Sensu, realizado em fevereiro de 2005; suplente de deputado estadual em Minas Gerais, eleições de 2006; condecorado com as medalhas “Raul Teixeria da Costa” pela Câmara Municipal de Santa Luzia/MG e a medalha “Dr. Davidson Pimenta da Rocha” pelo Sindicado dos Delegados de Polícia de Minas Gerais por relevantes serviços prestados na área de segurança pública; condecorado com a Medalha “Gilberto Porto” – grau ouro, pelo 1° lugar no Curso de Criminologia. E-mail: [email protected]

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DEDICATÓRIA

A querida esposa Alessandra, que com paciência, acompanhou minha trajetória nestes anos de convívio, sendo companheira e amiga. Aos meus amados filhos, Davi e Isabel, que sempre me fazem refletir sobre o milagre da existência de Deus. Aos meus pais, Ari e Waldete, à minha irmã Elba, somente tenho a lhes dizer: “Vocês estão diariamente em meu coração”. Aos familiares; aos diversos companheiros da labuta diária na seara educacional e também, no âmbito das atividades policiais. A Deus, que me dá diariamente o ar que respiro, saúde e coragem para trabalhar.

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AGRADECIMENTOS

Ao Chefe da Polícia Civil do Estado de Minas Gerais, Dr. Marco Antônio Monteiro de Castro; ao Corregedor Geral de Polícia, Dr. Geraldo de Morais Júnior; ao Presidente da Associação dos Delegados de Polícia do Estado de Minas Gerais, Dr. Francisco Eustáquio Rabello; e aos Delegados de Polícia Dr. Orlando Antunes de Oliveira e Dr. Otto Teixeira Filho, pelo apoio dispensado e por acreditarem em dias melhores para a segurança pública de Minas Gerais. Aos Professores e aos meus alunos da Faculdade de Direito Estácio de Sá de Belo Horizonte/MG, em especial, ao Professor e Doutor José Alfredo de Oliveira Baracho Júnior. Aos Professores e Doutores Wille Duarte Costa, Alexandre Bueno Cateb, Vinícius José Marques Gontijo, Luiz Fernando da Silveira Gomes, Nanci de Melo e Silva, Fernando José Armando Ribeiro, Míriam de Abreu Machado e Campos, Alberto Deodato, José Alfredo Baracho (in memoriam), Rogério Filippetto, Jason Soares de Albergaria Neto, Carlos Alberto Rohrman e ao orientador, Prof. José Barcelos de Souza.

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“Os segredos da liderança de Jesus: Jesus foi um homem solucionador de problemas; Jesus acreditada no seu produto; Jesus nunca apresentou erroneamente seu produto; Jesus ia aonde as pessoas estavam; Jesus gastava tempo para planejar; Jesus sabia que não tinha que fechar todos os negócios para ser um sucesso; Jesus tinha algo de que os outros necessitavam; Jesus estava interessado em multiplicar as finanças das pessoas; Jesus queria ir aonde nunca tinha ido antes; Jesus nunca permitiu que aquilo que os outros diziam dele mudasse sua opinião sobre si mesmo; Jesus entendia de tempo e de preparação; Jesus desenvolveu uma paixão por seus objetivos; Jesus respeitava a autoridade; Jesus nunca discriminou; Jesus venceu o estigma de um passado questionável; Jesus nunca perdeu tempo respondendo críticas; Jesus sabia que havia um tempo certo e um tempo errado para abordar as pessoas; Jesus recusava o desânimo quando os outros julgavam mal suas motivações; Jesus se recusava a ficar amargurado quando os outros eram desleais ou o traíam; Jesus se comunicava com as pessoas de todas as procedências; Jesus resistiu à tentação; Jesus tomava decisões que criavam um futuro desejável, em vez de um presente desejado; Jesus jamais julgou as pessoas pela sua aparência exterior; Jesus foi um pensador do amanhã; Jesus conhecia o poder das palavras e o poder do silêncio; Jesus permitia que os outros corrigissem os erros deles; Jesus estabeleceu alvos específicos; Jesus sabia que toda grande realização requer a vontade de começar com as coisas pequenas; Jesus sofria quando os outros sofriam; Jesus não teve medo de demonstrar seus sentimentos; Jesus terminou o que começou; Jesus nunca tinha pressa; Jesus ia aonde era celebrado, em vez de ir aonde era tolerado; Jesus acordava cedo; Jesus nunca sentiu que tinha que provar seu valor para qualquer um; Jesus sabia que o dinheiro sozinho não poderia trazer felicidade; Jesus sabia seu valor; Jesus delegava e seguia cuidadosamente sua programação pessoal; Jesus evitava confrontos desnecessários; Jesus sempre respondeu com verdade; Jesus aceitou a responsabilidade pelos erros daqueles que estavam sob a sua autoridade; Jesus buscou mentores em homens mais experientes; Jesus consultava constantemente seu Pai celestial; Jesus respeitou a lei da semeadura e da colheita; Jesus nunca tentou ter sucesso sozinho; Estes foram alguns dos segredos da liderança de Jesus.” Mike Murdodock2

2 MIKE. Os segredos da liderança de Jesus, p. 3-4.

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RESUMO Para demonstrar as persecuções as fraudes na gestão empresarial, faz-se necessário identificar-se a tripla responsabilização de seus autores, sejam as pessoas físicas ou jurídicas, o que resultará na imposição de punições. A fraude, revestida de um ato doloso, má-fé ou artimanha e que provoca prejuízo a terceiros em uma gestão empresarial causa violações normativas na órbita dos ilícitos civis, administrativos e criminais. Esta obra apresenta, de forma sistêmica, os meios de identificação, e de persecução às fraudes por condutas desonestas, em face de uma gestão empresarial, bem como as responsabilizações limitada e ilimitada do gestor (pessoa física) e da sociedade limitada (pessoa jurídica) perante terceiros prejudicados, motivando a aplicação de punições aos infratores. Configura-se como um ensaio de repressão à criminalidade globalizada, tendência que avança através de gestões empresariais que se respaldam em corrupção e falcatruas, em que seus administradores se utilizam da sociedade limitada para obter vantagens ilícitas, em prejuízos a terceiros. A imposição de sanções e de responsabilizações aos gestores faz-se necessária por condutas que atentam contra as relações de consumo, a ordem econômica e tributária e o meio ambiente, bem como, por violação às normas licitatórias, aos crimes falimentares e aos interesses previdenciários ou, ainda, quando envolvem os crimes de “lavagem de dinheiro”, sendo a sociedade empresária a beneficiária indireta da gestão espúria. É sob esta ótica que se busca individualizar as condutas da pessoa física e da pessoa jurídica com a viabilidade de impor responsabilizações aos agentes infratores. Abordam-se, ainda, a desconsideração da pessoa jurídica e suas conseqüências da fraude à lei. Enfoca-se a tripla responsabilização do gestor e da sociedade limitada, com as possíveis responsabilizações e sanções civis, administrativas e criminais, em face das atividades ilícitas. A novidade é a implementação da teoria da responsabilização concorrente de agentes, decorrente da gestão empresarial fraudulenta, motivando o concurso de pessoa física (gestor) como sendo sujeito ativo-imediato (direto) do crime, pois é quem pratica o fato típico, ilícito e culpável, mas se utiliza de interposta sociedade limitada (pessoa jurídica) como sendo co-autor-mediato (indireto), não tendo o domínio sobre o fato ilícito, mas contribuindo para a realização dele. O estudo concentra-se em abordagens às atividades investigatórias de ilícitos e, também, de cunho repressivo realizadas pela Polícia Judiciária, ou seja Polícia Federal e Polícia Civil, que são órgãos de segurança pública, sob a chefia do delegado de polícia de carreira, que preside o inquérito policial, sob o controle externo das atividades policiais apuratórias pelos representantes do Ministério Público, titulares da ação penal. Por fim, tem o intuito de oferecer opções investigatórias e técnicas inteligentes aptas a identificar a autoria e a materialidade de infrações penais de naturezas diversas que ocorrem no âmbito empresarial.

Palavras-chave: Persecução às fraudes e apuração dos ilícitos. Gestão empresarial fraudulenta na sociedade limitada. Responsabilizações do gestor e da pessoa jurídica nas órbitas civil, administrativa e criminal. Teoria da responsabilização concorrente de agentes: a pessoa física (gestor) e a pessoa jurídica (sociedade limitada). Repressão às infrações penais perpetrados no âmbito empresarial.

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SUMMARY

Tracing frauds in corporate management is deemed necessary to identify triple resposibilization of its agents, whether an individual or a juridical entity, what will lead to punishments. Fraud, as a willful and ill intention act, a tricky deed causing damages to third parties, in corporate management, causes normative violations in the field of civil, administrative and criminal illegal acts. Thus, this work shows in a systemic way the means of identification and tracing of frauds and misconducts, in face of corporate management, also showing limited and unlimited liability of the manager (individual) or limited liability company (juridical entity) with harmed third parties. The work presents an essay of repression to globalized criminality, which has advanced through corporate management leaning on corruption and misconducts when managers take advantage of the limited liability company to obtain illicit gains, in detriment of others. The imposition of sanctions on and indictment of managers become necessary for conducts infringing consumer relations rules, the fiscal economic order, environment, tender and bids rules, being extended to bankruptcy crimes, social security concerns or even further, when they involve crimes such as ´money laundry,’ with the company as indirect beneficiary of the action. This approach aims at pinpointing individuals and juridical behaviour and conducts. It also touches the disconsideration of the juridical entity and its consequences in violations of the laws. We elaborate on the triple resposibilization of the manager and the limited liability company, with possible liabilities and civil, administrative and criminal sanctions, in face of illegal activities. Novelty here is the implementation of the concurrent liability theory, deriving from fraudulent corporate management, motivating the co-liability of the individual (manager), as the crime immediate-active agent, as he is the doer of the typical, illicit and punishble fact, though using an intermediary limited liability company (juridical entity) as the (mediate co-agent), not keeping control of the illicit fact, but contributing to its execution. This work focuses on approaches to investigation activities of illicit acts and also on repressive measures carried out by the Judiciary Police (Federal Police and Civil Police), which are public security forces, under the command of the official Police Xeriff (Delagate Officer) in charge of supervising the police inquiry, with the external control of the police investigative activities by the Public Attorneys, who have the leading role of the criminal lawsuits. And last but not least, the work aims at demonstrating investigative options and smart techniques to identify the doer and material existence of the criminal violations of different natures, and which take place in the corporate field Keywords: Tracing of frauds and investigation of illicit acts. Fraudulent corporate management in the limited liability company. Indictment of the juridical entity´s manager in the civil, administrative and crininal fields. Theory of concurrent indictment of manager and of the juridica entity, in the civil, administrative and criminal fields. Theory of the concurrent liability of the agents: individual (manager) and the juridical entity (limited liability). Repression of criminal violationis perpetrated in the corporate field.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABIN – Agência Brasileira de Inteligência Art.(s) – artigo(s) CC – Código Civil c/c – combinado com CAOET – Centro de Apóio às Promotorias da Ordem Econômica e Tributária CC 5 – Carta Circular n. 05/69, do Banco Central – conta bancária p. jurídicas no exterior CDC – Código de Defesa do Consumidor CF – Constituição Federal CLT – Consolidações das Leis do Trabalho CIDE – Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico CIRA – Comitê Interinstitucional de Recuperação de Ativos CNI – Confederação Nacional das Indústrias COAF – Controle de Operações Financeiras (órgão do Ministério da Fazenda) CP – Código Penal CPC – Código de Processo Civil CPP – Código de Processo Penal CPMF – Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira DRCI – Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional DJ – Diário do Judiciário DPDC – Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor FBI – Federal Bureau of Investigation Fiemg – Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais IBCCRIM – Instituto Brasileiro de Ciências Criminais IBPT – Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ICMS – Imposto de Circulação de Mercadorias e Serviços IOF – Imposto sobre Operações Financeiras I.P – Inquérito Policial IPI – Imposto de Produto Industrializado Interpol – Internacional Criminal Police Organization LRE – Lei de Recuperação de Empresas LREF – Lei de Recuperação Extrajudicial e Falências MPE – Ministério Público Estadual p. – página PC – Polícia Civil PF – Polícia Federal PL – Projeto de Lei PIB – Produto Interno Bruto PROCON – Programa de Proteção do Consumidor REFIS – Refinanciamento de Débitos Fiscais RJ – Recurso Julgado RT – Revista dos Tribunais ss. – seguintes SISNAMA – Sistema Nacional de Meio Ambiente TAMG – Tribunal de Alçada de Minas Gerais

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TCO – Termo Circunstanciado de Ocorrência SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO........................................................................................................... 12

2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA CONDUTA FRAUDULENTA............................... 19

2.1 Persecução civil, administrativa e criminal ............................................................... 25

3 A SOCIEDADE LIMITADA E A GESTÃO CONTEMPORÂNEA........................ 30

3.1 Responsabilização no Direito Societário..................................................................... 36

3.2 Responsabilidade do sócio e da sociedade limitada ................................................... 42

3.3 Sistematização da responsabilidade civil ................................................................... 46

4 DESCONSIDERAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA .................................................. 50

5 TRIPLA RESPONSABILIZAÇÃO DO GESTOR (PESSOA FÍSICA).................... 60

5.1 Responsabilidade civil do gestor................................................................................. 63

5.2 Responsabilidade e sanções administrativas ao gestor (sócio e não sócio)............... 70

5.3 Responsabilidade penal do gestor.............................................................................. 81

5.3.1 Do concurso de pessoas no Direito Penal ................................................................. 85

6 TRIPLA RESPONSABILIZAÇÃO DA SOCIEDADE LIMITADA

(PESSOA JURÍDICA)............................................................................................... 92

6.1 Responsabilização civil da sociedade limitada.......................................................... 99

6.2 Responsabilização administrativa da sociedade limitada.......................................... 106

6.2.1 Das sanções administrativas por violação às normas do Direito do Consumidor..... 108

6.2.2 Das sanções administrativas por violação às normas do Direito Ambiental............. 112

6.2.3 Das sanções administrativas por violação às normas licitatórias............................... 113

6.2.4 Das sanções administrativas por violação às normas atinentes ao crime de

“lavagem de dinheiro” ............................................................................................. 114

6.3 Incapacidade penal da pessoa jurídica....................................................................... 115

6.4 Responsabilização penal da sociedade limitada........................................................ 118

7 TEORIA DA RESPONSABILIZAÇÃO CONCORRENTE NA GESTÃO

EMPRESARIAL ...................................................................................................... 133

7.1 Do concurso de pessoa física e de pessoa jurídica ................................................... 135

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8 PERSECUÇÃO CRIMINAL ÀS FRAUDES NO ÂMBITO EMPRESARIAL..... 148

9 PERSECUÇÃO AOS CRIMES CONTRA AS RELAÇÕES DE CONSUMO

PREVISTAS NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR............................. 166

10 PERSECUÇÃO AOS CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA,

A ORDEM ECONÔMICA E AS RELAÇÕES DE CONSUMO .......................... 177

10.1 Atribuições da Polícia Judiciária na repressão à sonegação fiscal ......................... 182

10.2 Inquérito policial na seara fiscal ............................................................................. 192

10.3 Termo circunstanciado de ocorrência na seara fiscal ............................................. 196

10.4 Das diligências policiais investigatórias e a atuação do delegado de polícia ......... 197

11 PERSECUÇÃO AOS CRIMES AMBIENTAIS..................................................... 201

12 PERSECUÇÃO AOS CRIMES POR VIOLAÇÃO AS NORMAS

LICITATÓRIAS...................................................................................................... 209

12.1 Atribuições da Polícia Judiciária na repressão aos crimes previstos no

procedimento licitatório........................................................................................... 212

12.2 Inquérito policial na persecução à violação às normas licitatórias.......................... 217

12.3 Termo circunstanciado de ocorrência na seara licitatória........................................ 219

12.4 Operações policiais na repressão ao crime licitatório.............................................. 220

13 PERSECUÇÃO AOS CRIMES PREVIDENCIÁRIOS.......................................... 229

14 PERSECUÇÃO AOS CRIMES DE “LAVAGEM DE DINHEIRO”..................... 245

15 PERSECUÇÃO AOS CRIMES FALIMENTARES .............................................. 256

15.1 Dos crimes falimentares ......................................................................................... 257

15.2 Dos atos de Polícia Judiciária na repressão aos crimes falimentares...................... 263

15.3 Inquérito policial falimentar .................................................................................... 264

15.4 Termo circunstanciado de ocorrência falimentar ..................................................... 270

16 CONCLUSÃO ......................................................................................................... 273

REFERÊNCIAS ........................................................................................................ 285

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1. INTRODUÇÃO

Iniciar o estudo sobre persecução às condutas fraudulentas e sua identificação, por

meio de procedimentos investigatórios, sejam policiais ou decorrentes de auditorias internas,

dos comportamentos suspeitos e perpetrados pelos gestores (pessoas físicas) ou por interposta

sociedade limitada (pessoa jurídica), não é tarefa fácil. O que se verifica é a globalização

fomentando as organizações criminosas que se instalam na seara empresarial. Faz-se

necessário coibi-las.

A cada dia, tornam-se mais sofisticadas as práticas de fraudes, com a prevalência

do poderio econômico, que envolve as atividades empresariais, nacionais ou internacionais.

“Dados do Banco Mundial mostram que, pelo método de paridade de instituições, o Brasil

está em sexto lugar, empatado no ranking das maiores economias do mundo, junto com o

Reino Unido, a França, a Rússia e a Itália. O ranking é liderado pelos EUA, que é seguido por

China, Japão, Alemanha e Índia. Segundo o Banco Mundial, o Brasil tem 3% do Produto

Interno Bruto (PIB) mundial. Essas economias, ao lado de Espanha e México, são

responsáveis por dois terços da renda mundial.”3 Em 2007, conforme fonte do FMI/Austing

Rating, o Brasil continua entre as dez potências econômicas da economia mundial. No

ranking das principais economias mundiais, os valores do PIBs foram: US$ 13,788 trilhões,

Estados Unidos; US$ 3,345 trilhões, Japão; US$ 3,248 trilhões, China; e US$ 1,296 trilhões,

Brasil.4

As atividades empresariais têm participação nessa realidade econômica.

Entretanto, a obtenção de um lucro fácil e ilícito, no mercado globalizado por empresários

deverá ater-se ao compromisso de respeito à lei e à ética. As autoridades competentes têm o

dever de coibir as falcatruas quando enganadas ou induzidas ao erro por terceiros. Sabe-se que

o empresário, ao exercer a atividade econômica, utiliza-se de uma estrutura jurídica

organizada, mas não deve na utilização da mesma, ter a pretensão e a finalidade de encobrir

fatos puníveis. Condutas que causam prejuízo a alguém devem ser coibidas e devem motivar a

imputação de responsabilizações a seus autores.

A sociedade limitada não deve ser utilizada como instrumento de artimanhas

desonestas e “orquestradas” para fraudes, a partir de uma administração voltada para a má-fé

3 PAIVA. Poder de compra, p. 15. 4 OLIVEIRA. Notas Econômicas de Destaque, p. 106.

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ou malícia, com artifícios de enganar alguém e burlar a lei, viciando os negócios com a

prática de crimes.

A gestão fraudulenta será aquela em que o gestor utiliza-se de interposta pessoa,

seja física (empregado e/ou servidor público) ou jurídica (pública e/ou privada), no intuito de

obter para si vantagens ilícitas, que se revestem de caráter de corrupção ou de falcatruas.

Abordar a fraude no âmbito empresarial consistirá em confrontar um resultado

ilícito, oriundo de uma ação ou de sua omissão quando se utiliza da pessoa jurídica para gerar

comportamentos ilícitos, de falsificação, sonegação e corrupção, que, se perpetrados, vão

motivar a imposição de sanções. O exercício da atividade empresarial ocorre por intermédio

do ente coletivo: a sociedade empresária (art. 983, CC). Este trabalho concentra sua atenção

na sociedade limitada, sua gestão empresarial e as conseqüentes responsabilizações e

punições, em decorrência de fraudes e vantagens indevidas. A fraude é gerada por um

impostor, seja pessoa física (empresário) ou sociedade limitada (pessoa jurídica), a qual, de

“fachada”, é utilizada em atividades ou “negociatas” com direcionamento visando a falsear

um comportamento, seja burlando ou enganando terceiros.

Na estrutura organizacional, em especial da sociedade limitada, torna-se necessário

coibir e punir condutas fraudulentas e de corrupção praticadas pelos gestores,

administradores, prepostos, gerentes ou empregados quanto se utilizam de uma pessoa

jurídica. Inicia-se este estudo com a aspiração de identificar a persecução dos

comportamentos desviantes com a imposição de tripla responsabilização. Tais

responsabilizações serão civil, administrativa e criminal, em concurso de agentes: pessoa

física (gestor) e pessoa jurídica (no caso a sociedade limitada).

Conforme noticia Stanley Martins Frasão5:

No período de 1985 a 2005, com as estatísticas do DNRC sobre as empresas que têm seus atos constitutivos arquivados nas Juntas Comerciais dos Estados da Federação, com atenção, de forma particular, aos arquivamentos de atos constitutivos de Sociedade Limitada. No aludido período, das 9.868.6276 empresas com os respectivos contratos sociais arquivados nas Juntas Comerciais brasileiras 4.783.051 são sociedades limitadas, no percentual relativo de 48,46%. A se considerar que 50,99% dos arquivamentos são registros de Firmas Individuais e que 0,06% constitui-se das demais empresas e 0,26% de cooperativas, sendo, inclusive, o percentual dessas superior ao das Sociedades Anônimas (0,23%), pode-se constatar a relevância da Sociedade Limitada como tipo societário no ordenamento jurídico brasileiro.

Em razão dessas informações, optou-se por investigar e buscar responsabilizar a

sociedade limitada como sujeito ativo por ilícitos verificados, o que torna-se capaz de vir a ser

penalizado com as sanções correspondentes.

5 FRASÃO. Responsabilidade civil do administrador e sócios da sociedade limitada, p. 96. 6 Dados disponíveis em: http://www.dnrc.gov.br/. Acesso em: 6.4.2006.

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Assim, ações ou omissões, quando revestidas de artifício de má-fé, com

dissimulação e no intuito de se enganar alguém, se motivar resultado de dano ou de perigo,

redundará na persecução e apuração dos comportamentos lesivos. Tais condutas são

imputadas ao gestor, aos empregados ou à própria sociedade limitada se for utilizada com a

finalidade de enganar, lesar, frustrar compromissos, modificar injustificadamente suas

relações mercantis ou alterar produtos e serviços, mediante atividades que consistem em

esconder a qualidade e a finalidade de seu fim social, visando a obtenção de lucro ilícito.

Tudo isso motivará intervenções de ordem administrativa e/ou judicial, motivando

responsabilizações, conforme será demonstrado no estudo.

A responsabilização civil, administrativa e criminal ao gestor e à sociedade

limitada em persecução às condutas fraudulentas visa identificar os atos ilícitos originários de

condutas fraudulentas. O não cumprimento das normas vigentes e de segurança societária por

parte da sociedade limitada e de seus gestores constitui um fato desencadeador da

criminalidade. Deve, portanto, haver responsabilizações por questões de política criminal, a

fim de coibir a impunidade. O estudo apresenta as justificativas e as motivações para a

persecução às fraudes empresariais em face das condutas desviantes.

Busca-se individualizar a conduta do administrador e/ou da pessoa jurídica, a fim

de averiguar se no decorrer da gestão empresarial o compromisso assumido pelas partes no

contrato social motivou o cumprimento das obrigações contratuais pactuadas. Pois aquele que

tenha causado prejuízo a terceiro deve ser responsabilizado em decorrência da falcatrua

praticada e do locupletamento ilícito à custa alheia.

Também será abordado o dano como resultado lesivo de uma má gestão suscetível

de ser recomposta ao lesado, com a responsabilização de seus autores.

O dano injusto ou prejuízo causado ao bem ou interesse de outrem pode ser de

duas espécies: econômico e moral. O dano consiste na diminuição de um patrimônio ou

ofensa a interesse juridicamente protegido, contra a vontade do titular. A expressão final

alberga o dano moral, a lesão ou ameaça a direito (art. 5°, XXX, da CF). O dano econômico

resulta de uma lesão a interesse jurídico não-patrimonial ou patrimonial, avaliável em

dinheiro, conforme relata Roberto de Abreu e Silva. 7

Neste contexto, o estudo aborda a evolução histórica da fraude e das condutas

fraudulentas, motivando a necessidade de os operadores do Direito buscarem individualizar as

condutas lesivas que ocorrerem no âmbito da gestão empresarial capazes de justificar a

7 SILVA. Pressuposto da responsabilidade civil, p. 194.

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aplicação de sanções. Para imputar responsabilização, é necessário identificar os infratores,

situação em que se verificará a análise pela persecução civil, administrativa e/ou criminal,

conforme será demonstrado.

Por tratar-se de apuração de qualquer fraude ou abuso de direito, a ser

demonstrado no âmbito de uma sociedade limitada, a matéria será tratada na órbita da

persecução à pessoa jurídica de direito privado: sociedade limitada. Portanto, as

peculiaridades da sociedade limitada e a gestão contemporânea, no intuito de produzir uma

análise sistêmica da responsabilização no direito societário, requerem a necessidade de impor

punições, decorrentes da responsabilização do gestor e da sociedade limitada perante lesões a

terceiros. Ou, ainda, numa análise interna de gestão, quanto à apuração de autoria, impor

condutas lesivas à boa administração empresarial, que serão verificadas por auditorias.

Outra proposta prende-se à análise confusão patrimonial ou ao desvio de

finalidade, na gestão fraudulenta, que se verificam entre os gestores e a sociedade limitada,

diante dos compromissos espúrios e lesivos a terceiros. O tema propõe ainda o estudo sobre a

possibilidade da desconsideração da pessoa jurídica, com a necessária responsabilização e

aplicações de sanções ao gestor por sua má gestão empresarial. A desconsideração da pessoa

jurídica é apresentada como alternativa para possibilitar que as obrigações ou relações

decorrentes da má gestão na sociedade limitada contemplem os bens particulares dos

administradores ou dos sócios de modo a garantir e ressarcir os prejuízos causados às vítimas.

O estudo também apresentará circunstâncias que motivam o afastamento momentâneo da

personalidade jurídica da sociedade, para destacar e alcançar a pessoa do sócio-gestor (pessoa

física), como se a sociedade limitada não existisse. O objetivo é coibir a manobra realizada

pelo gestor, que, se eivada de fins fraudulentos ou abusivos apurados, implicará punições.

Diante da violação de um preceito legal e demonstrado um fim antijurídico,

iniciam-se as apurações por meio de auditorias, procedimentos administrativos investigatórios

ou demandas judiciais. A responsabilização, seja na seara civil, administrativa ou criminal, ao

gestor, enquanto pessoa física, é extensiva ao gerente, diretor, preposto, procurador ou

representante legal da sociedade limitada, podendo até individualizarem-se as

responsabilizações do empregado ora contratado sob o regime trabalhista. Aqui, ao gestor

empresarial implicará responsabilizar-se, limitada ou ilimitadamente, por seus atos e

patrimônio particular.

Já em análise do comportamento da sociedade limitada que fora utilizada como

manobra por uma pessoa física, sócio quotista ou não, para fins espúrios, o trabalho visa

apurar o resultado desse dano. Se perpetrado por tal estrutura organizacional na gestão do

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empreendimento empresarial, terá como conseqüência sua responsabilização, que será

observada e que implicará sanções diversas.

A polêmica que se levanta é quanto à capacidade ou incapacidade da pessoa

jurídica de vir a ser sujeito ativo de infração penal. Entretanto, em face do estudo da teoria

geral do crime e da teoria geral da pena, em respaldo constitucional, podem-se apresentar

resíduos legais e a viabilidade de impor sanções penais aos autores de violações aos bens

jurídicos tutelados, seja a pessoa física ou pessoa jurídica, cabendo a esta última somente

penas restritivas de direito e multa. O fato é que há necessidade de reprimir as condutas

criminosas que se escondem na estrutura organizada e burocrática que compõem uma pessoa

jurídica quando esta contribui para fins ilícitos.

Nesse propósito de imputar responsabilidades aos gestores-infratores e às pessoas

jurídicas é que passa-se a demonstrar uma gama de condutas fraudulentas, revestidas

ilegalidade e falcatruas, que podem ser atos preparatórios ou intermediários para práticas de

condutas e atividades ilícitas, sejam tentadas ou consumadas.

Com o advento da globalização empresarial e a capacidade penal da pessoa

jurídica, em vários países, e sob a tutela constitucional, torna-se necessário imputar sanções

penais ao gestor e à pessoa jurídica. Em especial, discute-se o inovador projeto de Lei n.

1.142/2007, que vem tipificar o crime de corrupção das pessoas jurídicas em face da

administração pública, com a proposta de um outro tipo penal incriminador, a partir da

flexibilização dos bens jurídicos tutelados pela norma penal incriminadora empresarial.

O estudo apresentará, em razão dos inúmeros crimes que podem ser verificados na

gestão empresarial, uma demonstração de casos práticos e de atos repressivos da polícia

judiciária nas persecuções aos crimes envolvendo: relação de consumo (Lei n. 8.078/90); a

repressão à sonegação fiscal; a ordem tributária e econômica (Lei n. 8.137/90); o meio

ambiente (Lei n. 9.605/98); e as normas licitatórias (Lei n. 8.666/93); a identificação dos

crimes por violação aos interesses previdenciários (arts. 168-a e 337-a do CP e Lei n.

8.212/91); a persecução aos crimes decorrentes de “lavagem de dinheiro” (Lei n. 9.613/98)

com a participação da pessoa jurídica; a incidência de investigações policiais nas

organizações criminosas que ocorrem na órbita empresarial (Lei n. 9.034/95); e, finalizando,

os crimes falimentares. O objetivo é destacar as atividades espúrias praticadas por gestores,

por meio de suas sociedades empresariais, para cuja elucidação tornam-se imprescindíveis as

investigações policiais.

A perspectiva é que, havendo responsabilização concorrente dos agentes (gestor e

sociedade limitada), nada obsta, na seara criminal, à autoridade judiciária aplicar sanções a

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ambos os autores, num único processo penal, com a denúncia dos infratores como

responsáveis pela violação da norma penal incriminadora, mediante contribuição, direta ou

indireta, para a produção do resultado de lesão ao interesse tutelado pela norma penal.

Assim, a intervenção da Polícia Judiciária, seja Federal ou Civil, nos atos de

repressão policial no âmbito empresarial, via instauração do inquérito policial ou do termo

circunstanciado de ocorrência, constitui procedimento administrativo inquisitorial de apuração

de ilícitos penais. As investigações policiais têm sob sua presidência o delegado de polícia de

carreira, que tem como atribuição constitucional a persecução aos ilícitos penais, o que se

torna necessário para subsidiar posterior denúncia-crime formalizada pelo representante do

Ministério Público, titular da ação penal acusatória.

Com o oferecimento da denúncia pelo promotor de justiça e o seu recebimento

pelo juiz de direito, há conseqüente ação penal, agora, sob o crivo do devido processo legal,

do contraditório e da ampla defesa, em que a autoridade judiciária poderá aplicar as sanções

simultâneas ao gestor e à pessoa jurídica, sejam penas restritivas de direito e/ou multa, além

daquelas privativas de liberdade que são extensivas à pessoa física quando há

responsabilização concorrente na gestão empresarial fraudulenta. É o que se pretende

conscientizar aos operadores do Direito.

O trabalho tem como proposta abordar a necessidade de identificar nas gestões

fraudulentas os atos de corrupção empresarial e a responsabilização de todos os agentes

(pessoas físicas ou pessoas jurídicas), caso venham a contribuir para as atividades ilícitas e

criminosas, gerando danos aos entes de natureza privada ou pública. A pessoa física é autora

imediata e direta da prática do injusto culpável, enquanto que a pessoa jurídica tem a

participação indireta ou mediata, por ser mero instrumento para a prática do fato punível,

matéria que será abordada de forma pormenorizada, justificando a individualização das

condutas do autor e do co-partícipe na violação ao interesse tutelado. Tal análise motivará o

oferecimento da denúncia-crime ao gestor e à sociedade limitada, em concurso de agentes,

com a descrição das condutas que contribuíram para o resultado lesivo ou de perigo.

Outra análise apresentada envolve as sanções passíveis de serem aplicadas às

pessoas jurídicas, na seara civil ou administrativa, que já estão previstas na legislação

brasileira. E, também, em uma análise ousada e sistêmica, com respaldo constitucional e em

farta doutrina estrangeira favorável, trata-se da punição criminal do ente coletivo, sob a

viabilidade de que a própria autoridade judiciária, agora, na seara jurisdicional, possa vir a

aplicar tais sanções penais, que serão correspondentes à sanção de natureza administrativa

(penal), à pessoa jurídica, em procedimento de caráter administrativo, as quais, entretanto,

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também, passam a ser aplicadas pela autoridade judiciária, na órbita criminal, em sentença

penal condenatória da pessoa jurídica, seja isoladamente ou em concurso de pessoas, com o

gestor (pessoa física), em fundamentada teoria da responsabilização concorrente, na gestão

empresarial.

Nas penas pecuniárias e de restrição de direitos, previstas na órbita da teoria geral

da pena (art. 32, incisos II e III, do CP), em se verificado a participação indireta ou mediata

do ente coletivo, deverá o juiz de direito, havendo correlação da denúncia-crime, com as

provas carreadas nos autos, colhidas na fase de investigações preliminares, em que se

vislumbrou a autoria da pessoa física (direta e imediata) ou da pessoa jurídica (sociedade

limitada), via co-autoria indireta, os infratores serão processados. Na realidade, nada obsta

serem responsabilizados de forma concorrente, em verdadeiro concurso de agentes, os agentes

infratores. Afinal, o teor do art. 5°, inciso XXXV, da Constituição Federal reza que: “a lei não

excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Neste aspecto, a

sociedade limitada e o gestor deram causa ao resultado lesivo, com à subsunção a norma

penal incriminadora. A responsabilização do gestor poderá ser verificado em face de condutas

lesivas à sociedade, ao próprio sócio e a terceiros. Quanto à sociedade limitada, sua

responsabilização é decorrente das atividades lesivas a terceiro, em face do sócio de boa-fé, e

a terceiros, quando há relações que extrapolam o fim social da atividade empresarial.

A posterior aplicação de sanções, no intuito de coibir a impunidade no direito

societário, é mera conseqüência do ato lesivo perpetrado pelo gestor ou por interposta

sociedade limitada, o que redundará em responsabilizações: civil, administrativa e criminal,

sendo a proposta da matéria estudada, com a análise de um direito jurisdicional

administrativo-criminal.

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2. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA CONDUTA FRAUDULENTA

A gestão ou direção de uma atividade empresarial deve pautar-se pelo

cumprimento dos preceitos estabelecidos no contrato social ao instituir a sociedade limitada.

Tais responsabilidades são dos gestores, ou sócios, que integram a estrutura da pessoa

jurídica. Neste aspecto, torna-se necessário identificar o ilícito civil, administrativo e criminal,

em razão de condutas que afrontam a legalidade e devem gerar punições à sociedade limitada

ou à pessoa física, quando se administra com interesses em atividades eivadas de falcatruas ou

corrupção.

A corrupção é a depravação progressiva dos costumes. O corrupto “é um sujeito

que, incapaz de impor princípios à sua vida, acaba considerando seu modo de ser válido para

todos, ou para o grupo de que faz parte, a corrupção transforma-se em norma geral. Quem não

é corrupto passa a ser encarado como desdém,” conforme esclarece Lourenço Diaféria.8

A palavra corrupção origina-se do latim corruptione, do verbo corrumpo,

corrumpis, corrupi, corruptum, corrumpere, que significa “o ato ou efeito de corromper,

decompor, perverter, desintegrar. São sinônimos de corrupção: adulteração, decomposição,

apodrecimento, putrefação, devassidão, depravação, perversão, suborno, dentre outros”. 9

Para Rui Barbosa, “todas as crises, que pelo Brasil passa, e que dia a dia sentimos

crescer aceleradamente, a crise política, a crise econômica, a crise financeira, não vêm a ser

mais do que sintomas, exteriorizações parciais, manifestações reveladoras de um estado mais

profundo, uma suprema crise: a crise moral”. 10

A origem da fraude, do estelionato e da própria corrupção do homem é antiga entre

as civilizações e apresenta-se como motivadora para justificar a persecução à gestão

fraudulenta, como demonstra o estudo.

A palavra estelionato, vem do latim stelionatus, que quer dizer “fraude,” “engano”

e “embuste”. Compreende, genericamente, toda espécie de fraude ou engano introduzida nos

contratos ou nas convenções com o intuito de realizar um negócio a que se está vedado ceder

objeto que não possa ser cedido ou a tirar ou obter proveito ou vantagem que se considere

8 SCHILLING. Op. cit., p. 63. 9 Disponível na internet http//valdecimedeiros.sites.uol.com.br/contabilistas/corrupcao.htm 10 BARBOSA. Op. cit., p. 24.

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ilícita. Induz alguém a erro para que consiga vantagem ilícita que se tem em mente, como

bem define Ferracini.11

Abordando o estelionato ou fraude, também se pode apresentar a definição de

Piragibe12, para quem em “sentido restrito, consiste em ato lícito em si que leva ao resultado

ilícito (fraude civil). Em sentido amplo, é o ato doloso, de má-fé, que causa prejuízo a

terceiro. É a sonegação, a falsificação, a artimanha desonesta.”

Há várias espécies de fraudes, que podem ser: civil, contra credores, à execução,

fiscal, à lei e penal, que importa na prática de ato punido pelo direito penal.13

Na Antiguidade, como assinala Souza14, os autores apenas indicam a existência de

relações de troca entre os povos da época: troianos, egípcios, cretenses, sírios, fenícios,

cartagineses e babilônios, em 2083 a.C.

As fraudes são constatadas desde o antigo Império Romano, e o Egito, já se

aplicava punição, sendo que o mestre Ribeiro15, ao citar que Horonemheb16 sempre procurava

ocasião de esmagar a injustiça e punir a mentira, tendo promulgado um édito contra os

prevaricadores (contra aqueles que usavam fraude no exercício da função pública roubando o

povo e o Faraó). Por outro lado, o funcionário que se apoderasse de bens pertencentes ao

templo seria castigado com cem bastonadas, no mínimo, e deveria restituir aquilo de que se

apoderou e pagar o cêntuplo a título de danos e juros. Podia ir até a ablação do nariz ou das

orelhas e prisão do culpado, que seria dado como cultivador ao pessoal do templo. Dessa

forma, o egípcio procurava agir corretamente, por força das disposições sobrenaturais e

religiosas, mais do que pela força das leis humanas ou dos decretos punitivos do faraó.

Os babilônios não possuíam uma codificação, senão códigos locais, e não tinham

um código jurídico. Como os egípcios, guiavam-se pela religião e pela lei moral, que lhes

determinava o caminho reto.

O mais famoso código da Antiguidade foi consolidado num texto de pedra pelo rei

Hamurabi, que consolidou seu poder e uniu os povos da Mesopotâmia. Hamurabi, rei da

Babilônia (1955 a 1913 a.C), uniu a Terra por meio de uma série de golpes políticos e

militares, até a transformação num país e numa civilização que pode arrogar-se a liderança do

mundo de então. 17 Uma vez conquistado o poder, ele pôde esperar vinte e cinco anos até que

11 FERRACINI, Op. cit., p. 31. 12 MAGALHÃES, Op. cit., p. 422. 13 RIBEIRO, Op. cit., p. 423. 14 SOUZA. O Direito das Empresas. Atualização do direito comercial, p. 36. 15 RIBEIRO. Fraude e Estelionato, p. 20. 16 MONTET. Op. cit., p. 272. 17 W.C. CERAM, apud Ribeiro. Deuses, Túmulos e Sábios. História da Arqueologia, p. 40.

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o seu mais poderoso inimigo, Rim-Sin, de Larsa, envelhecesse o suficiente para ser abatido

com segurança. Hammurabi é o primeiro grande legislador da história. Ele determinou que se

elaborasse um código, “a fim de que os fortes não prejudicassem os fracos, [...] de que os

órfãos e viúvas sejam tratados com justiça na Babilônia”. Mandou escrever as suas preciosas

palavras numa “estela” e colocar diante de uma imagem de si mesmo como o “Rei da

Justiça”.18

O Código de Hammurabi já trazia a diferença entre crime culposo e crime doloso,

além de outras punições por fraude. No art. 197, dispõe o seguinte: “Se alguém tirar um olho

de outrem, perderá o próprio olho. Era para sua época um monumento jurídico, pela fama que

gozou em todo o mundo antigo. Encontrado em 1901, por uma expedição científica francesa,

nas ruínas da cidade de Suca, na Pérsia, gravado em diorito, foi recolhido ao Museu do

Louvre, em Paris. Borges assinala que “gravados em pesado bloco de diorito, são ilegíveis,

em torno da inscrição na estrela de Hamurábi, uns 35 artigos, cuja integral reconstituição não

pode ser feita. Daí não permitir o texto afirmar-se com certeza a existência em Babilônia de

um direito mercantil”. 19

O povo hebreu era voltado exclusivamente para a religião, que dominava todos os

seus atos. Teve, inicialmente, como código ético e moral os Dez Mandamentos. Em época

posterior, o Direito e a Religião foram separados, tendo sido elaborado um código jurídico: o

Código de Deuteronômio, que proibia a “fraude praticada entre os irmãos, mas era mais

benigno para as fraudes praticadas entre os hebreus e estrangeiros. 20

Para o Direito grego, abordando a fraude, Thonissem21 relata:

Não se interessava em punir a fraude quando o agente visasse o patrimônio individual, mas quando o prejuízo e consequentemente a “fraude” empregada pelo violador se destinavam a dar prejuízo à cidade (ao patrimônio comum), ao comércio, à alfândega, aí então havia penas severas, e era dever de todo cidadão promover a acusação, em benefício do bem estar comum. As fraudes eram punidas com o seqüestro das mercadorias e naquelas praticadas nas transações das mais variadas ficava o ofensor na obrigação de devolver à vítima o dobro do preço da coisa comprada e sujeito as outras modalidades de pena.

No Direito Romano, ensina Ribeiro:22 “pelo segundo século do Império, depois de

Adriano, é que surgiu em qualificação geral a figura do stellionatus, que vem de stellio, que

significa o mesmo que camaleão, porque assim como esta espécie de lacertílio é notável pela

sua sutileza e pela variedade das suas cores, também os que cometem este crime empregam 18 AYMARD. Op. cit., 121. 19 BORGES. Curso de direito Comercial Terrestre, p. 17. 20 BURNS. História da Civilização Ocidental, p. 328. 21 J.J. THONISSEM. Op. cit., p. 36. 22 RIBEIRO. Op. cit. p. 40

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todos os meios, ardis e artifícios, para ocultarem suas fraudes”. Nos textos, enunciam-se como

exemplos desse crime: alienar de coisa onerada, dissimulando a obrigação; supor, distrair,

corromper mercadorias; usar, por insídia, locuções obscuras; vender coisa já vendida; e repetir

o indébito. No Código de Direito Canônico, que compõe cinco livros, não é usada a expressão

“estelionato,” terminologia clássica do Direito romano, que vem a ser sinônimo de fraude. Por

fim, surge, na Idade Moderna, o mercantilismo e, conseqüentemente, o Estado Democrático,

que é originário de idéias da revolução francesa.

Acrescenta Ribeiro23 que:

A incriminação do estelionato foi encontrada inicialmente nas Ordenações Filipinas, Livro 5º, item 65, com a denominação de ‘burla ou inlício’. Daí passou ao Código do Império (legislação brasileira), que previa a em seu artigo 264. Com o advento da República, foi recepcionada no artigo 338 da Consolidação das Leis Penais, no qual estavam catalogadas as diversas modalidades de fraude. O projeto de Alcântara Machado, que, com algumas modificações, veio a converter no Código Penal de 1940, ao instituir a figura do estelionato, introduziu modificações ao dispositivo do Código de 1890.

O Capítulo VI do Título II (Parte Especial) do Código Penal brasileiro trata dos

bens jurídicos tutelados atinentes aos crimes contra o patrimônio e prevê o crime de

estelionato e outras fraudes, nos arts. 171 a 179. O delito prescrito no art. 171, caput do CP

tipifica o crime de estelionato, que possui as seguintes elementares: “obter, para si ou para

outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro,

mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento”. No estelionato não há

subtração ou violência física, ou moral, cedendo à vítima, mercê dos meios fraudulentos que o

agente utilizou para enganá-la, obtendo vantagem indevida, que ocorre geralmente por dolo

ou simulação do agente.

Führeer24 afirma que há defeitos nos atos jurídicos que podem gerar a situação em

que estes podem ser anulados (nulidade relativa), podendo também ser viciados, como dolo e

simulação. O autor apresenta distinções:

Dolo é o artifício empregado para enganar alguém (não confundir com o dolo do direito penal). Não se considera dolo o simples elogio da mercadoria ou o exagero da publicidade (dolus bônus). Aqui também, à semelhança do que ocorre no erro, o dolo deve ser de certa gravidade (dolus malus); a ponto de se considerar que o ato jurídico sem ele não seria praticado. O dolo sobre aspectos secundários do negócio (dolo acidental) não anula o ato, dando direito, porém a perdas e danos. Simulação é a declaração enganosa da vontade, visando produzir efeito diverso do ostensivamente indicado, com o fim de criar uma aparência de direito, para iludir e prejudicar terceiros ou burlar preceito legal. É geralmente um ato bilateral em que duas pessoas fingem fazer um negócio jurídico, para enganar um terceiro ou burlar a lei.

23 RIBEIRO. Op. cit., p. 43. 24 FUHRER. Manual de direito público e privado, p. 294.

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Para a caracterização do crime de estelionato, é preciso que, por meio do uso de

meios fraudulentos (ardis, artifícios, mentira e engano, em que constitui o dolo elemento

subjetivo), o sujeito obtenha um ilícito proveito (sofrendo a vítima um prejuízo indevido e

injusto), que é exatamente o elemento subjetivo do crime. Sem dolo, que corresponde ao

elemento subjetivo, e sem prejuízo patrimonial, elemento objetivo, não se caracteriza o delito.

O mestre Nelson Hungria25 distingue a fraude civil da fraude penal, e assinala:

Hipótese de fraude civil não coincidente com a fraude penal. Se um comerciante me fornece excelente pano de linho fabricado na Lombardia, assegurando-me ser linho de Flandres, que eu lhe havia encomendado, é certo que me ilude; mas se não me ilude quanto ao preço, esse engano, me dê direito à rescisão do contrato, não atinge o campo da criminalidade.

Ora, nessa abordagem, são os seguintes elementos da fórmula genérica do

estelionato: houve um malicioso induzimento a erro; houve um dano emergente; e houve um

lucro cessante em relação ao comprador, a quem só era útil à linha flamengo. Há quase

sempre fraude penal, mas no caso é fraude civil. Diante da hipótese do ardil grosseiro, a que a

vítima se tenha rendido por indesculpável inadvertência ou omissão de sua atual prudência, o

inadimplemento preordenado ou preconcebido é, talvez, o menos incerto dos sinais

orientadores na fixação de uma linha divisória nesse terreno contestado das fraudes.

Ferracini26, contextualizando as fraudes, esclarece:

Insta esclarecer-se de que não há fraude penal e fraude civil. Ela, a fraude, é uma só. Há quase sempre fraude penal quando, relativamente idôneo o meio que ilude, se descobre, na investigação retrospectiva do fato, a idéia preconcebida, o propósito “ad initio” da frustração do equivalente econômico. Acrescenta que são elementos psíquicos: a) consecução de vantagem ilícita; b) o emprego de meio fraudulento; c) o erro causado ou mantido por esse meio; d) o nexo de causalidade entre o erro e a prestação da vantagem; e, e) a lesão ao patrimônio.

A lesão de interesses protegidos, quando motivada por uma ação ou omissão que

envolve fraude, poderá gerar um dano. Etimologicamente, tal expressão do dano é assim

definida:

1. Dano. Derivado do latim damnum, genericamente significa todo mal ou ofensa que tenha uma pessoa causado a outrem, da qual possa resultar uma deterioração ou destruição à coisa dele ou um prejuízo a seu patrimônio. 2. Juridicamente, dano é usualmente, tomado no sentido do efeito que produz: é o prejuízo causado, em virtude de ato de outrem, que vem a causar diminuição patrimonial. 27 2. Dano. Mal ou ofensa que se faz a outrem. 2. Dir. Ofensa ou diminuição do patrimônio moral ou material de alguém: dano em sentido amplo, é toda diminuição dos bens jurídicos da pessoa. 28

25 HUNGRIA. Comentários ao Código Penal, p. 184-186. 26 FERRACINI. Do crime de estelionato e outras falcatruas. p. 34-35. 27 SILVA. Vocabulário jurídico, p. 408. 28 ACQUAVIVA. Dicionário jurídico brasileiro, p. 56.

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3.Dano provém do latim damnu: prejuízo, perda. Prejuízo sofrido pelo patrimônio econômico ou moral de alguém.29 4. Dano é a perda in natura que o lesado sofreu, em conseqüência de certos fatos, nos interesses (materiais, espirituais e morais) que o direito violado ou a norma infringida visam tutelar. É a lesão causada no interesse juridicamente tutelado, que reveste as mais das vezes a forma de destruição, subtração ou deterioração de certa coisa, material ou incorpórea. 30

A objetividade jurídica de tais condutas, se forem danosas, consiste em esclarecer

e proteger a inviolabilidade do patrimônio de terceiros diante da investida dos agentes

inescrupulosos na gestão empresarial. Conforme relata Parizatto31, em razão de “causarem

prejuízo ao patrimônio da vítima, em vista de engano ou fraude, protegendo ainda de forma

secundária, a boa-fé que deve existir nos negócios jurídicos”. Assim, caso se verifiquem tais

danos, importante é buscar o ressarcimento deste prejuízo, por meio das responsabilizações

aos gestores ou ao próprio ente coletivo.

Muitos comportamentos são originários de falcatruas perpetradas por sócios,

gerentes ou administradores na gestão de uma sociedade limitada, que podem ser

vislumbradas em ações ou omissões revestidas de artifícios ardis ou fraudulentos, com que se

engana alguém, tendo como conseqüência o resultado um dano ao terceiro de boa-fé.

A conduta fraudulenta poderá gerar a lesão a um bem jurídico tutelado e dar causa

a um dano, que resulta em prejuízo ao ente público ou a interesses privados. Martinho Garcez

Neto32, em análise do dano e da conseqüente responsabilização, sustenta:

O dano é, portanto, o pressuposto central da responsabilidade civil, tanto que a ação antijurídica imputável não é punível se não ocasiona dano. É bastante considerar que a responsabilidade civil concretiza-se na reparação e na falta de dano não haveria o que reparar. Mas esta afirmação não importa em desconhecer a importância futura de um fato atual, nem as conseqüências resultantes da perda de uma “chance”, como não implica em afirmar que o dano deva existir no momento de agir por ressarcimento, pois, pode haver cessado por fato de um terceiro ou da própria vítima. Como se vê, o dano compreende não só o prejuízo sofrido, como também o lucro de que a vítima (prejudicado) foi privado pelo ato ilícito alheio, e que se resume nas expressões “perdas e danos”.

Para chegar-se à existência do dano, o gestor poderá utilizar-se de fraude, que é

gerada por um impostor que se utiliza da sociedade limitada para falsear um comportamento,

burlando ou enganando terceiros, de modo a obter vantagem ilícita.

Tal gestor ou, mesmo, tal sociedade limitada são utilizados para enganar, lesar,

fraudar compromissos, modificar injustificadamente relações de mercantis ou alterar produtos

e serviços. Também, o gestor poderá, ao administrar uma empresa, valer-se de atitudes

29 MICHAELIS. Moderno dicionário da língua portuguesa, p. 615. 30 VARELA. Das obrigações em geral, p. 592. 31 PARIZATTO. Dos crimes contra o patrimônio, p. 142. 32 GARPEZ NETO. Responsabilidade civil no direito comparado, p. 148.

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suspeitas para esconder a qualidade e finalidade do fim social da empresa, com o objetivo de

lucro ilícito, o que motivará responsabilização e punições. A responsabilização poderá ser nas

esferas civil, administrativa e criminal, conforme será demonstrado.

Para a caracterização do crime de estelionato não bastam a obtenção de vantagem

ilícita e a ocorrência de prejuízo alheio; é necessária, ainda, a certeza de que o agente tenha

induzido ou mantido a pessoa a erro, mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio

fraudulento.33 Exige-se, pois, que a tomada do alheio tenha-se dado por meio ardiloso.34

Para a análise da conduta eivada de fraude ou falcatrua, torna-se necessário

identificar a responsabilidade da pessoa física e a do sócio ou da sociedade limitada, que

constitui a pessoa jurídica, que também deverá ter capacidade de vir a ser responsabilizada. Se

vislumbrado resíduo de conduta ilícita na gestão empresarial, tornam-se necessários a

repressão e a persecução ao delito, no intuito de imputarem-se as sanções ao gestor ou ao ente

coletivo.

Para Vera Helena de Mello Franco35 “administrar, gerenciar, significa, em sentido

lato (administração externa), representar a sociedade nas suas relações perante terceiros. Em

sentido estrito (interno), a gestão é a da atividade, ou, melhor dizendo, significa prover ao

funcionamento da atividade econômica.” Ao identificar-se a responsabilização criminal dos

agentes, nada obsta quanto a punir os indícios de transgressões civis e administrativas aos

agentes motivadores do injusto.

2.1 Persecução civil, administrativa e criminal

As pessoas jurídicas internas de direito privado e seus gestores vêem-se envolvidas

em relações obrigacionais e contratuais perante terceiros, motivadas pelas atividades

econômicas, diante das diversas naturezas transacionais. São relações associadas à produção

ou circulação de bens e serviços ou manutenção de suas atividades perante o próprio Estado,

na área de consumo.

Nesse aspecto, seus gestores ou representantes legais (sócios quotistas,

representante contratual, diretor, gerente, procurador ou interposta pessoa) desempenham

papel importante na administração, pois são obrigados a respeitar os princípios

33 RJTAMG, 31:362. 34 Jurisprudência mineira, 17:616. 35 FRANCO. Manual de direito comercial, p. 262.

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consubstanciados em atividades lícitas e de boa-fé de que se revestem os diversos ramos do

direito societário.

Assim, tais agentes se sujeitarão às sanções nas searas cível, administrativa e

criminal, demonstrado a subsunção da conduta ilícita do gestor ou perpetrado pelo mesmo,

por intermédio da pessoa jurídica, visando obter benefícios próprios. Para o ente coletivo,

poderá gerar a tripla punição, em searas normativas distintas.

A perda do objeto social na atividade empresarial, se ocorrer mediante alguma

falcatrua que corresponda a elementares de um tipo penal, torna possível a responsabilização

penal. Entretanto, há necessidade de apurar o sujeito ativo do crime: se pessoa física, se

pessoa jurídica ou ambas. É a proposta da teoria da responsabilização concorrente de agentes

por crimes societários em que há a responsabilização penal do gestor e da sociedade limitada,

tal como sustentado neste estudo. Renato Martins Prates36 define o crime societário como

aquele praticado por indivíduo, isolada ou coletivamente, agindo em nome da pessoa jurídica,

como seu mandatário ou representante. A responsabilização da pessoa física e da pessoa

jurídica será tratado oportunamente.

Quando se falar aqui em ilicitude, aborda-se a conduta do gestor (pessoa física) e

da sociedade limitada (pessoa jurídica), podendo-se imputar três sanções distintas em razão do

resultado produzido por uma conduta fraudulenta, em desacordo com a legislação vigente.

Rogério Greco37, acerca da ilicitude, ensina:

Temos ilícitos de natureza penal, civil, administrativa, etc. Será que existe alguma diferença entre eles? Ou, numa divisão somente entre ilícitos penais e ilícitos não penais, podemos vislumbrar alguma diferença? Na verdade não há diferença alguma. Ocorre que o ilícito penal, justamente pelo fato de o Direito Penal proteger bens mais importantes e necessários à vida em sociedade, é mais grave. Também aqui o critério de distinção é político. O que hoje é um ilícito civil amanhã poderá vir a ser um ilícito penal. A diferença entre o ilícito penal e o civil, obviamente observada a gravidade de um e de outro, encontra-se também na sua conseqüência. Ao ilícito penal, o legislador reservou uma pena, que pode até chegar ao extremo de privar o agente de sua liberdade, tendo destinado ao ilícito civil, contudo, como sua conseqüência, a obrigação de reparar o dano, ou outras sanções de natureza civil.

A gestão eivada de fraudes nos negócios empresariais, em especial nas sociedades

limitadas, motiva a investigação das circunstâncias dessa violação. Caso demonstre-se o dolo,

culpa ou má-fé, em prejuízo de terceiros, é necessário apurar os indícios de crime ou outros

ilícitos. Identificada a autoria da prática de infração à norma legal, caberá impor

responsabilizações criminais, administrativas e civis em face do caso concreto.

36 PRATES. Acusação genérica em crimes societários, p. 14. 37 GRECO. Op.cit., p. 153.

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O tema constitui uma verdadeira aspiração dos operadores do Direito ao analisar

de forma sistêmica os meios de coibir-se a impunidade que impera em “negociatas”, nas

atividades empresariais quando seus gestores (pessoas físicas) que integram ou não um

quadro social não cumprem as obrigações pactuadas sob a égide da lei e do contrato social.

Assim, procura-se responsabilizar criminalmente o motivador da conduta típica e antijurídica

que se utilizou da empresa limitada para praticar infrações penais.

Nesse contexto, visualiza-se de imediato a necessidade de reparar o dano causado

ao terceiro prejudicado, sendo garantia da vítima o patrimônio jurídico da sociedade limitada

ou, ainda, o patrimônio particular do gestor, tudo isso decorrente do comportamento ilícito

que advém um resultado de dano.

Portanto, apurado que um dos contraentes é o causador do dano ou do

locupletamento indevido, seja este a empresa privada ou a própria pessoa física (empresário)

envolvida nas relações obrigacionais, torna-se necessário investigar e coibir tais fatos,

apurando-se as responsabilidades civis e administrativas, por meio de auditorias ou processo

hábil, seja da pessoa jurídica ou da pessoa física que der causa a fraude e a enriquecimento

ilícito. Torna-se necessário apurar também o resíduo criminal, por meio de investigações

preliminares (art. 5º, §3º, do CPP), inquérito policial (art. 4º ao 23 do CPP) ou termo

circunstanciado de ocorrência (art. 69 da Lei n. 9.099/95). A apuração da notitia criminis

ocorre com a participação da Polícia Judiciária, nas investigações policiais, conforme

preceitua o art. 144, incisos I e IV, c/c § 1º e § 4º, da Constituição Federal.

Nas atividades de gestão empresarial fraudulenta, se a personalidade jurídica for

amparada em falcatrua, ingerência, prevaricação ou má-fé, com a perda do objeto social

pactuado pela empresa, torna-se necessário proceder-se à persecução. A sociedade limitada,

quando gerida pelo sócio em face da relação transacional ilegal, deverá gerar a

responsabilização da pessoa física e da pessoa jurídica, seja civil, administrativa ou criminal,

ao teor do art. 225, §3º, da Constituição Federal, por exemplo, reportando-se ao dano

ambiental.

A análise do enriquecimento ilícito e das falcatruas, seja por um crime ambiental,

além do nexo de causalidade, que deve ficar demonstrado entre a ação ou omissão do sujeito

ativo (gestor) e o resultado danoso, motivado pela atividade desempenhada pela sociedade

limitada, tem como conseqüência a imposição de punição criminal ao autor da gestão

fraudulenta. Nesta questão, abordando legislação moderna, também, há de se imputar à pessoa

jurídica sua responsabilização criminal.

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Na gestão empresarial, o administrador poderá praticar ilícito civil e também o

ilícito penal. Ambos são antijurídicos. No ilícito civil, a conduta do agente redunda num

resultado lesivo, que advém da culpabilidade da pessoa, salvo a responsabilização objetiva. É

o nexo causal originário do fato ilícito que causa o dano. Assim, gera a responsabilidade ao

gestor que se utilizou da pessoa jurídica para a prática abusiva ou fraudulenta.

A sistematização da responsabilidade, seja subjetiva ou objetiva, está prevista nos

arts. 186 e 927 do Código Civil. Será abordada no capítulo 3, item 3.3, quando se verifica que

a reparação dos danos é decorrente de um ilícito civil que pode ser imputado à pessoa física

ou a pessoa jurídica. Registra-se que a responsabilidade civil pode ser estendida aos herdeiros

do autor do ilícito, até o limite do valor do patrimônio transferido, ao teor do art. 5º, inciso

XLV, da CF. Darcy Bessone, abordando a morte do contratado ou sua incapacidade alusiva

aos compromissos assumidos, diz que “é claro, porém, que os sucessores do morto ou os

representantes dos incapazes poderão concluir o contrato proposto. Mas a conclusão resultará

da emissão de uma nova vontade, diversa da destruída pela morte ou pela incapacidade”. 38

Noutro giro, reportando ao ilícito penal, parte-se da tipicidade, que é revestida de

um comportamento do agente motivado por dolo ou culpa, que, redundando na violação de

um bem jurídico tutelado, que é resultante do nexo causal da ação ou omissão e da

culpabilidade da pessoa física, tem como conseqüência a aplicação de uma pena, que pode ser

privativa de liberdade, restritiva de direitos ou multa ao agente. Se a pessoa física morre, há

extinção da punibilidade pela morte do agente, e não há como imputar sanção penal aos

familiares.

Entretanto, se a pessoa jurídica for utilizada com fins fraudulentos para beneficiar

o gestor, impõe-se-lhe a responsabilização penal, com pena diversa da privação da liberdade -

ou seja, pecuniária ou penas restritivas de direito, ao teor do art. 32, incisos II e III, do Código

Penal. Outros entendimentos contrários à capacidade penal da pessoa jurídica serão

esclarecidos oportunamente.

O ilícito administrativo, segundo Hely Lopes Meirelles, “trata-se de infrações

administrativas e são atos ou condutas individuais que, embora não constitui crime, seja

inconveniente ou nociva a coletividade, como o previsto na lei legal”. 39 Logo, toda infração

administrativa corresponderá também a uma sanção, que poderá ser extensiva ao gestor ou à

própria pessoa jurídica. A responsabilização concorrente do gestor e da pessoa jurídica é

possível em face das condutas ilícitas perpetradas pela pessoa física e se a sociedade como

38 BESSONE. Do contrato: teoria geral, p. 133 39 MEIRELLES. Direito administrativo brasileiro, p. 117.

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instrumento para a obtenção dessa vantagem indevida, logo, participa do fato sancionador não

como realizador, mas contribui de qualquer modo para o resultado lesivo.

Portanto, nas gestões empresariais, seja no âmbito federal, estadual ou municipal,

os contratantes devem cumprir os acordos e revestir de boa-fé os negócios, recepcionando-se

assim, na legislação civil, comercial, tributária, trabalhista, administrativa, previdenciária,

fiscal, penal e em outras legislações vigentes. Em não se verificando isso há conseqüências

capazes de gerar punições ao gestor e à sociedade limitada de forma simultânea. É sob esta

análise que passa-se a estudar a persecução às fraudes empresariais e a responsabilização

civil, administrativa e criminal do gestor e da sociedade limitada.

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3. A SOCIEDADE LIMITADA E A GESTÃO CONTEMPORÂNEA

O Código Civil brasileiro unifica em um mesmo código as matérias atinentes ao

Direito Civil e ao Direito Comercial. Entretanto, antes da entrada em vigor do Código Civil

(Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002), em 11 de janeiro de 2003, o direito societário

brasileiro era regido pelo Código Comercial de 1850 e por duas leis especiais, que regulavam

a sociedade por quotas de responsabilidade limitada (Decreto n. 3.708, de 10 de janeiro de

1919) e as sociedades anônimas (Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976, alterada e

revogada pela Lei n. 11.638, de 28/12/2007). A sociedade limitada possui um regime jurídico

próprio, previsto nos art. 1.052 a 1.087 do CC. Há, ainda, os regimes supletivos internos,

elencados nos arts. 997 a 1.038 do CC e o regime supletivo externo, previsto na Lei n.

6.404/76, tudo isso na época em que as normas que tratam da sociedade limitada eram

omissas.

Com o advento do Código Civil, o Direito de Empresa passou a ser regulamentado

pela Parte Especial do Livro II (Do Direito de Empresa). O art. 966 identifica aquele que se

considera empresário como a pessoa que exerce profissionalmente atividade econômica

organizada para a produção ou circulação de bens e serviços. Logo, para optar-se como

atividade profissional faz-se necessário estar investido em uma sociedade empresarial. No

estudo da gestão empresarial fraudulenta, aborda-se a responsabilização da sociedade limitada

quando desempenha atividades empresariais. Na sociedade limitada, a responsabilidade de

cada sócio é restrita ao valor de suas cotas, mas todos respondem solidariamente pela

integralização do capital social.

Todavia, faz-se necessário distinguir as palavras empresa e empresário, que não

se confundem. Ripert 40 esclarece que “as palavras empresa e empresário pertencem à língua

corrente. O uso lhes deu sentido diferente. A primeira é usada para designar toda atividade

orientada para certo fim; a segunda, para qualificar o homem que, profissionalmente, executa

os trabalhos”. Acrescenta Coelho 41 que a “empresa é a atividade econômica organizada para a

produção ou circulação de bens ou serviços. Sendo uma atividade, a empresa não tem a

natureza jurídica de sujeito de direito nem de coisa. Em outros termos, não se confunde com o

empresário (sujeito) nem com o estabelecimento empresarial (coisa)”. Para Parentoni42

40 RIPERT. Aspectos jurídicos do capitalismo moderno, p. 291-292. 41 COELHO. Curso de direito comercial, p.19. 42 PARENTONI. O conceito de empresa no novo Código Civil de 2002, p. 34.

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“empresa é, portanto, uma atividade econômica organizada e voltada para a produção e

circulação de bens ou serviços. Econômica é a atividade cujo fim precípuo é a distribuição do

lucro. Organizada é a atividade habitual que conjuga os fatores de produção. Produção e

circulação de bens e serviços abrangem a indústria, o comércio e a prestação de serviço”. O

Prof. Vinícius José Marques Gontijo43 considera as atividades empresárias, “as que, em maior

ou menor grau, contenham todos os requisitos descritos no caput do art. 966 do CC. Estes

elementos são: a) profissionalismo; b) atividade econômica; c) organização; d) produção ou

circulação de bens e serviços”.

São de suma importância econômica e social a empresa e a atividade

desempenhada pelo empresário. Para Alfredo Lamy Filho44,

[...] o fenômeno da empresa é recente na história econômica e social da atividade humana. Só apenas há duzentos anos organizou-se a produção sobre a forma empresarial. E, no entanto, o mundo de hoje seria incompreensível sem a onipresença da empresa que ocupa, praticamente, todos os espaços na vida do homem moderno. Com efeito, dependemos da empresa, para o nosso trabalho e nosso lazer, para nos transportarmos e nos comunicarmos, para a produção de alimentos ou de mobiliário e vestuário, para a defesa de nossa saúde, para a habitação, para a produção de toda essa parafernália de utilidades empregadas no dia-a-dia do homem moderno.

Mas constituir uma empresa não é tarefa fácil, em face da burocracia que impera

na constituição de um ente coletivo. Segundo reportagem jornalística de Rafael Alves45 acerca

da burocracia que envolve a abertura de uma empresa, concluiu-se:

O Estado de Minas Gerais foi o estado com o segundo maior número de empresas criadas no ano passado, atrás apenas de São Paulo. Foram 197,5 mil autorizações concedidas pelos órgãos responsáveis, o que representou 11,5% do total nacional. O resultado aparece numa pesquisa inédita do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, que comparou o tempo e o dinheiro necessários à abertura de uma empresa em cada estado do país. O panorama do Registro Mercantil no Brasil mostra que a burocracia exige dos candidatos a empresários quase R$ 400,00 e 40 dias de peregrinação por cartórios, Receita Federal, prefeitura e juntas comerciais para ter em mãos os documentos indispensáveis. Em Minas Gerais o pretendente à categoria de pessoa jurídica demorou 24 dias para conseguir legalizar os documentos e abrir sua empresa, em média. Apesar de ser o melhor resultado do Sudeste, Minas ocupou o 11° lugar no ranking nacional. O líder é o Rio Grande do Sul onde o processo burocrático dura 4 dias, em média. Se já não bastasse toda tensão de abrir uma empresa, com todas as dúvidas que o futuro empresário tem, dos gastos que nunca acabam ao sucesso do empreendimento, a burocracia é uma barreira a mais. Até aí, há pouca novidade na pesquisa, no entanto, merece atenção um dado: quase metade (48,99%) das novas empresas é de um dono só. A tendência mundial da transformação do trabalhador em pessoa jurídica. Perfil das empresas: a) 48,99 - só um dono; b) 50,29 – sociedade limitada; c) 0,36 – sociedade anônima; d) 0,25 – cooperativa; e) 0,08 – outros.

43 GONTIJO. O empresário no Código Civil Brasileiro, p. 76-78. 44 PARENTONI. O conceito de empresa no novo Código Civil de 2002, p. 136. 45 SCHMITZ. Brasileiro espera 40 dias para abrir empresa. Economia, p. 14.

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São discutidas a seguir as modalidades de sociedade empresária que poderão ser

abertas, todas reguladas pelos arts. 1.039 a 1.092 do CC. O estudo aqui proposto registra que a

sociedade por quotas de responsabilidade limitada passa a ser conhecida pelo nome de

sociedade limitada, encontrando-se regulamentada nos arts. 1.052 a 1.087 do CC, divididos

em 8 (oito) seções, que tratam dos seguintes assuntos: a) disposições preliminares; b) quotas;

c) administração; d) Conselho Fiscal; e) deliberações dos sócios; f) aumento e redução do

capital social; g) resolução da sociedade em relação a sócios minoritários; e h) dissolução.

Hoje, o sócio quotista, sócio-gerente ou administrador da sociedade, é a figura

central para identificar as responsabilizações na sociedade limitada que são conseqüências de

atividades ilícitas. O comportamento dos dirigentes, bem como dos demais colaboradores em

uma gestão empresarial, como os empregados, é alvo de investigações, pois todos estão

envolvidos num contexto globalizado envolvendo as atividades negociais. Acima de qualquer

contexto social, torna-se necessário avaliar seu comportamento na gestão empresarial. Caso

haja prejuízo a terceiros, com obtenção de vantagens ilícitas e de lucro fácil, mediante

falcatruas, imprescindível é imputar-se responsabilizações: civil, administrativa e criminal,

com a identificação da norma violada correspondente.

Qualquer conduta dissimulada aos fatos verdadeiros que se direciona à gestão

empresarial da qual decorra prejuízo patrimonial a terceiros, em face da atividade realizada

utilizando-se do engano e enriquecimento ilícito, será passível de investigações, no intuito de

apurar responsabilidades, seja da empresa, que contribui para a realização do evento danoso,

ou do gestor, em decorrência de sua administração fraudulenta.

A sociedade empresária, na realidade social, exerce atividade econômica

organizada. Para Francesco Galgano46, “o empresário é um dos sujeitos do sistema

econômico, é quem participa da organização social da produção e distribuição de riquezas”. A

sociedade empresária pode ser em nome coletivo, em comandita simples, anônima, em

comandita por ações e sociedade limitada. Este estudo centraliza sua análise na persecução à

gestão empresarial fraudulenta, no intuito de imputarem-se responsabilizações à sociedade

limitada e ao gestor - no caso, aqueles que integram uma estrutura societária de uma empresa.

Sobre a fraude e o estelionato no âmbito empresarial, cometem-nos o gestor que,

com o fim de obter uma vantagem, provoca um erro prejudicial aos bens alheios, seja

alegando fatos falsos, seja alterando ou suprimindo fatos verdadeiros; aquele que, com a

intenção de procurar para si ou para terceiro lucro ilícito, causa dano aos bens alheios,

46 GALGANO. Diritto commerciale – L impreditore, p. 20-21.

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provocando ou mantendo alguém em erro; que, mediante simulação de fatos falsos, altera ou

dissimula fatos verdadeiros; que usar de artifícios para surpreender a boa-fé de outrem, iludir

a sua vigilância ou ganhar-lhe a confiança; e que induzindo alguém a erro ou engano por esses

e outros meios astuciosos, procurar para si lucro ou proveito. Tais condutas, se identificadas

na gestão empresarial, motivarão a responsabilização de seus autores.

A empresa deve ser administrada visando atender a fins lícitos, sob pena de

resultar na necessidade de imputarem-se responsabilizações aos gestores e, até mesmo, a

pessoa jurídica. As malícias e o prejuízo por atos dos sócios ou gestores que buscam atingir

terceiros geram responsabilizações civis, administrativas ou criminais, matéria a ser abordada

posteriormente. Se a sociedade acoberta a figura do sócio, uma vez sendo utilizada como

instrumento de fraude, deverá ocorrer a desconsideração da pessoa jurídica, no intuito de

corrigir o mau uso da atividade empresária e ressarcir os prejuízos causados aos terceiros.

Uma gestão empresarial contemporânea eficaz deve reportar-se para a função social da

atividade empresarial. Sobre o tema, Daniela Vasconcellos Gomes47 ensina:

A importância da empresa em nossa sociedade atual é incontestável, pois é a instituição social que proporciona a maior parte dos bens e serviços oferecidos e consumidos no mercado, além de fornecer considerável parcela de suas receitas ao Estado. Mas não resta dúvida de que estamos diante de um novo direito de empresa, onde há a imposição de uma ética empresarial, em que a empresa, no exercício de suas atividades, ao mesmo tempo em que busca o lucro, deve desempenhar seus deveres e responsabilidades sociais. Em países com estágio de desenvolvimento mais avançado, a doutrina da responsabilidade social já está consolidada. E as empresas que não se adequarem a essa nova postura, infelizmente, não terão espaço para continuar suas atividades.

Um sinal de alerta que acaba por contribuir para a criminalidade no âmbito

empresarial e que gera uma gestão fraudulenta decorre da vontade do empresário em adquirir

o lucro fácil, em prejuízo de terceiros gerando como conseqüência violações às funções

sociais da sociedade empresária.

O presidente da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais, Robson

Braga de Andrade48, abordando as dificuldades das empresas no competitivo mercado de

trabalho relata:

Estudos realizados pelas entidades representativas da indústria – a Confederação Nacional da Indústria (CNI), no plano nacional e a Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais, no âmbito estadual – captam essa desaceleração. Entre os principais problemas listados pelas empresas ouvidas na pesquisa da Fiemg e CNI, a carga tributária aparece como principal, apontada por 70% das grandes empresas e 73% das pequenas e médias. Em segundo lugar, como variável que compromete decisivamente o desempenho da economia, estão as taxas de juro elevadas, problema

47 GOMES. Função social do contrato e da empresa: aspectos jurídicos da responsabilidade social nas relações consumeristas, p. 56. 48 ANDRADE. Sinal de Alerta, p. 11.

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apontado por 45% das grandes empresas e 39% das pequenas e médias. Estudos do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT) confirmam que a carga tributária brasileira chegou a 36,56% do PIB em 2004, contra 35,54% em 2003, mais do que o dobro em países como a China e a Índia, onde o total de impostos não passa de 16% do PIB.

Não obstante os desestímulos quanto a manter um empreendimento, respaldados

nos ditames do governo, não podem os empresários administrar com objetivo voltado para

fins de burlar a lei ou de violar o interesse social da empresa. Os sócios numa sociedade

limitada devem assumir compromissos e responsabilidades.

Ao reportar-se aos sócios, que passam a integrar uma sociedade de

responsabilidade limitada, estes quando assumem um compromisso social, devem respaldar-

se na segurança jurídica e no bem comum. Assim devem administrar no decorrer de toda a

vida útil, sob pena de motivar responsabilização pelos ilícitos perpetrados.

No que tange à persecução e à apuração de falcatruas empresariais, as

responsabilidades ao gestor em decorrência de sua gestão infrutífera na sociedade limitada

devem ser impostas. Têm-se as responsabilizações de caráter administrativo, a serem impostas

ao sócio quando este põe em risco a continuidade da empresa, as quais precisam ser

demonstradas para sua exclusão da sociedade por justa causa, e aquelas atinentes ao sócio

faltoso com a administração empresarial (arts. 1.004, 1.030 e 1.085 do CC) e aquelas

estabelecidas por vontade da maioria, desde que previstas no contrato social.

Num contexto contemporâneo, a conduta da sociedade limitada, por intermédio

dos seus representantes ou empresários, deve estar atenta aos fins lícitos, sob conseqüência de

imputarem-se a ela sanções se violadas as normas legais de natureza civil, administrativa e

criminal. A conduta que decorre de falcatruas e atitudes irregulares ou, ainda, de atos

fraudulentos capazes de promover a inserção de prestação de serviços e produtos em prejuízos

de terceiros, justifica a aplicação de sanções à pessoa jurídica e à pessoa física, conforme será

demonstrado, em razão de sua participação na produção do resultado lesivo.

Caso seja necessária a persecução aos ilícitos em caso de abuso da personalidade

jurídica atinente à sociedade limitada, caracterizando-se o desvio de finalidade ou a confusão

patrimonial, passível torna-se a desconsideração da pessoa jurídica, na figura do gestor que

atuou em má-fé ou por fraude, vindo a ser responsabilizado com seu patrimônio particular.

Este patrimônio vai ressarcir os prejuízos de terceiros de boa-fé em decorrência do

enriquecimento ilícito da sociedade limitada ou do empresário. A boa-fé é o princípio de

lealdade que deve orientar as relações desenvolvidas na gestão empresarial, criando

obrigações e limitando direitos e deveres.

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Em análise sistêmica, o doutrinador Ricardo Negrão49 distingue a atividade

empresária em três elementos formadores: “a) economicidade – consistente na criação de

riquezas; b) a organização, representada por uma estrutura visível, de fatores objetivos e

subjetivos de produção; e c) a profissionalidade ou habitualidade”. Abordando o

empreendedorismo e o crescimento da empresa, Paulo Renato Macedo Cabral50 relata que

“em muitos encontros empresariais, debates e palestras, sempre acompanhando os

empresários, grande parte dizem da dificuldade em se manterem no mercado, reclamam da

grande carga tributária e trabalhista, que sufocam as pequenas empresas no Brasil e a já tão

conhecida falta de crédito no mercado bancário.”

Não podem as dificuldades que enfrentam os empresários, ser obstáculo para que

possam adequar suas gestões. Caso, haja violações às normas vigentes, devem assumir

responsabilidades. O tema é polêmico quando se trata das dificuldades para abrir uma

empresa e mantê-la no mercado competitivo, em face dos vários encargos que são assumidos

pelos empresários.

Assim, várias são as responsabilidades do gestor. O vocábulo responsabilidade

forma-se do latim respondere, significando responsabilizar-se, garantir, assegurar, assumir o

pagamento do que se obrigou ou do ato que praticou.51 Na evolução histórica, no Direito

Romano, inicia-se com a fase da vingança privada, em que o mal sofrido era reparado com o

mal. Consagra-se a regra jurídica do Talião.52 Depois deste período, surge aquele conhecido

como o da composição, que seria consistir em entrar em composição com o autor da ofensa,

que repara o dano mediante prestação da poena, espécie de resgate da culpa, pelo qual o

ofensor adquire o direito ao perdão do ofendido.53 A reparação civil sucedeu a satisfação pela

vingança, ou retribuição do mal pelo mal, que se fixam na Lei das XII Tábuas, encontrando

seus fundamentos, pois, na Lei Aquília. A Lei das XII Tábuas já inseria várias disposições a

respeito da reparação do dano causado por fatos ilícitos. 54

A análise da responsabilidade torna-se de fundamental importância, pois impõe ao

autor do dano a possibilidade de vir a responder pelas conseqüências sofridas pelo lesado.

Assim, gera o direito de indenizar, mas só se verifica após a investigação, com a identificação

da autoria.

49 NEGRÃO. Manual de direito comercial e de empresa, p. 38. 50 CABRAL. Guia de Negócios: crescimento da empresa, p. 2. 51 SILVA. Vocabulário Jurídico, p. 1367. 52 MONTENEGRO. Responsabilidade Civil. Rio de Janeiro: Anaconda Cultural, p. 14. 53 DIAS. Da responsabilidade civil, p. 20. 54 STOCCO. Responsabilidade Civil e sua interpretação jurisprudencial, p. 1347.

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O art. 225 da CF, em seu §3º, previu a possibilidade de aplicação cumulativa de

três formas de responsabilização por danos cometidos ou ameaças impostas ao meio

ambiente, ao determinar que as “condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente

sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas,

independentemente da obrigação de reparar o dano”. Logo, pretende-se motivar a persecução

às gestões fraudulentas e à responsabilização civil, administrativa e criminal do gestor e da

sociedade limitada, com conseqüente aplicação de sanções.

Mais uma vez, presente o resultado danoso, necessário torna-se retirar-se o véu

que envolve a pessoa jurídica na prestação de serviço e responsabilizar seus gestores, no

intuito de avaliar suas condutas na administração empresarial, em face do contrato social

existente e da atividade mercantil desenvolvida, apurando-se sob a forma revestida de

legalidade.

É neste contexto que se inicia a análise da atividade desempenhada em uma gestão

empresarial, seja nas relações de consumo, de interesses fiscais, econômicos e outros

legítimos, mas sempre atendendo à função social da sociedade limitada. Logo, identificando-

se atividades empresariais que não se respaldam na lei e na ordem, vislumbra-se a

possibilidade de imputar sanções aos gestores e à sociedade limitada em face de falcatruas

que serão abordados nos capítulos seguintes.

3.1 Responsabilização no direito societário Foi no Direito Canônico que o instituto da personalidade jurídica assistiu à sua

maior transformação, a partir da incrementação das fundações chamadas corpus mysticum,

segundo as quais qualquer ofício eclesiástico provido de patrimônio próprio era considerado

ente autônomo, conforme assinala Washington de Barros Monteiro.55

O conceito moderno de pessoa jurídica começou a tomar forma somente com a

Revolução Francesa. Nesse contexto, em que a valorização do indivíduo, a política do

liberalismo e a Revolução Industrial exigiam a concentração de somas maiores de capital para

o sucesso empresarial, é que surgiu a personalidade societária, fruto da não intervenção do

Estado na atividade econômica e da insuficiência de recursos financeiros individuais diante do

55 MONTEIRO. Curso de direito civil, p. 99.

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novo movimento histórico.56 Nesse quadro, mister identificar a responsabilidade da pessoa

jurídica e do gestor perante terceiros, em razão da gestão eivada de atividades ilícitas.

É necessário identificar nos atos do comércio as atividades desempenhadas pelos

empresários que se utilizam da sociedade limitada para desempenhar atividades espúrias e

eivadas de vícios capazes de gerar atos fraudulentos em prejuízo de terceiros. Sem a

investigação e a identificação do ilícito motivador do enriquecimento ilícito não pode haver

punição aos gestores ou, até mesmo, do ente coletivo.

Registra-se que o art. 170 da CF dispõe que “a ordem econômica, fundada na

valoração do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência

digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I – soberania

nacional; II – propriedade privada; III – função social da propriedade; IV – livre concorrência;

V – defesa do consumidor” e outros. O Brasil adota o modelo de economia capitalista de

produção, já que a livre iniciativa é um princípio basilar da economia de mercado. Qualquer

violação aos preceitos descritos motiva a iniciarem-se as persecuções para identificar a autoria

e imputarem-se responsabilizações, com a conseqüente punição.

Apurar responsabilidades da sociedade limitada, no âmbito civil ou a partir das

condutas dos sócios, desde que passíveis de sanções penais por práticas de crimes decorrentes

de falcatruas, torna-se de suma importância, pois o objetivo é de coibir gestões ilícitas que

causem prejuízos a terceiros. A sociedade limitada é administrada por uma ou mais pessoas

designadas no contrato social ou em ato separado, conforme preceitua o art. 1.060 do Código

Civil, segundo o qual todos devem ser responsabilizados por desvio de conduta.

Assim, sempre que pessoas naturais usarem a sociedade limitada para cometer

qualquer conduta ilícita serão responsabilizadas, com sanções penais, administrativas ou civis.

A empresa será desconsiderada e o sócio será punido no lugar da pessoa jurídica. É o que

determinou o Direito Anglo-Saxão e o Germânico com a instituição do disregard of legal

entity, ou teoria da desconsideração da personalidade jurídica. A partir daí, em 1912, pelos

estudos do jurista norte-americano Maurice Wormser57, esta teoria considera ineficaz a

estrutura da pessoa jurídica quando utilizada indevidamente.

Assinala-se que a pessoa jurídica tem personalidade distinta daquela dos sócios e

que a responsabilidade da sociedade limitada é ilimitada no caso de gestão fraudulenta. Neste

aspecto, os sócios têm responsabilidade limitada à integralização da quota social. Ou seja, os

sócios respondem de maneira limitada.

56 OLIVEIRA. Op. cit., p. 514. 57 COELHO. Desconsideração da personalidade jurídica, p. 9.

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Tratando-se de sócios que agem com fraude, suas responsabilidades são ilimitadas,

reportando-se ao operador do direito a desconsideração da personalidade jurídica, pois os

patrimônios pessoais dos sócios vão responder pelas dívidas da sociedade. Se constatada uma

gestão eivada de falcatruas, a responsabilidade civil da pessoa física que, utilizando-se da

sociedade limitada atua com abuso de direito ou fraude, com má utilização da personalidade

jurídica, ainda que não se caracterize um ilícito penal, poderá haver responsabilização civil.

Logo, responderá com seu patrimônio particular pelos danos causados.

Também se torna necessário identificar se em decorrência da gestão fraudulenta há

subsunção da conduta da pessoa jurídica ou do empresário em uma norma penal

incriminadora, o que redundará em responsabilização criminal da pessoa jurídica e/ou do

gestor, ou de ambos, conforme será demonstrado oportunamente.

Os questionamentos sobre as atividades empresariais é o tema que se pretende

analisar, na ótica individualizada da conduta da sociedade limitada enquanto pessoa jurídica

ou do gestor enquanto pessoa física. Entretanto, se há concurso de pessoas e unidade de

propósitos para a prática do ilícito de resíduo penal, há sustentáculos jurídicos para impor

sanções ao gestor e à pessoa jurídica.

Na realidade, a sociedade limitada estabelece que a responsabilidade

(civil/administrativa) de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas integralizadas ao capital

da empresa. Todos respondem solidariamente pela integralização do capital social.

Tal sociedade empresária tem existência própria distinta daquela de seus membros.

Os patrimônios da sociedade limitada e de seus membros não se confundem, mas torna-se

necessário haver a persecução dos atos administrativos. Se eivados de falcatruas, impõem-se

responsabilidades concorrentes ou individualizadas, com punições à pessoa jurídica, aos

gestores ou a ambos.

Sobre a realidade social e econômica, todos entes coletivos, sejam das grandes,

médias ou pequenas devem assumir responsabilidades ao serem administradas por seus

gestores (pessoas físicas). Sobre o tema, Maria Accacia Silva Barros58, abordando a dinâmica

contemporânea dos negócios empresariais, esclarece:

Volta a desafiar a técnica jurídica, porque os preceitos sobre o dirigismo contratual mostram-se acanhados ante novos acontecimentos, perceptíveis nos bastidores das relações jurídicas. É nesses bastidores que vislumbramos o jogo insinuante da emulação social, das pressões psicológicas, dos impactos publicitários, resultando numa sutil condução da vontade humana. Trata-se de um fruto da sociedade tecnológica, com seus corolários de criação generalizada de certas necessidades sociais, padronização dos meios de satisfazê-las e facilidade nos métodos de comunicação social. Os grandes complexos empresariais dominam os mercados, ou

58 BARROS. A lesão nos contratos e a restrição da capacidade contratual, p. 54.

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porque exploram empreendimentos de tal vulto que só a eles restam forças para fazê-lo, muitas vezes sob concessão do Poder Público, ou monopólio; ou porque, ante a demanda popular maciça de certos bens e serviços, só a eles sobram organização e recursos para o cometimento.

Torna-se necessário identificar na sociedade limitada, numa outra análise seu

objeto social e aqueles que são responsáveis e capazes de manter as atividades no competitivo

mercado globalizado e contemporâneo envolvido pela competitividade.

Para Paulo Renato Macedo Cabral59, sem o crescimento das empresas não há o

crescimento do país. Os empregos se estagnam, a economia paralisa e a pobreza aumenta.

Uma estratégia nacional que contemple o crescimento das empresas é fundamental.

Empreendedores, empresários, governos e sociedade civil devem estar alinhados a esse

propósito, uma vez que associar empresas ao empreendedorismo pode ser a grande

oportunidade do país.

Nos dias atuais, identificam-se vários problemas que envolvem as atividades

empresariais. O mais grave de todos são as falcatruas e os atos de corrupções que envolvem a

gestão, praticados no intuito de se burlar a lei e causar prejuízos a terceiros. Torna-se

necessária a persecução aos ilícitos decorrentes dos atos de uma administração fraudulenta.

Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e

causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

A conduta maliciosa do gestor e exteriorizada pela sociedade limitada em atos que

desfalcam o patrimônio empresarial e venham gerar prejuízos a terceiros, em característica

administração visando obter vantagens ilícitas na empresa, constitui atividade característica de

má-fé na gestão, suscetível de fraude. Havendo prejuízos a terceiros, torna-se necessário

revogar o negócio jurídico lesivo aos interesses dos prejudicados. Se decorrente da fraude a

credores, ocorre mediante da ação pauliana ou revocatória, ao teor do art. 158 do CC, na seara

cível.

O devedor insolvente, seja o gestor ou a sociedade limitada, na iminência de

tornar-se tal em face da gestão eivada de falcatruas por atos duvidosos e espúrios demonstra

que diminuiu ou desfalcou seu patrimônio com a redução desse modo da garantia, pois o

patrimônio representa o pagamento de dívidas através da ação pauliana, que revoga o negócio

lesivo aos interesses dos credores. Há fraude por simulação de dívidas.

A pessoa que celebrou a conduta fraudulenta, com má-fé e desvio de finalidade,

tendo a intenção do estado de insolvência, deverá ser responsabilizada em face da confusão

gerada por seu ato enquanto sócio quotista. Se provada a fraude contra os credores, nada obsta 59 CABRAL. Crescimento da empresa, p. 2.

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40

invocar-se a desconsideração da personalidade jurídica e o patrimônio particular do gestor a

arcar com o prejuízo causado pela empresa ao terceiro de boa-fé.

Sobre a formação e conceito de empresa, no enfoque da teoria da empresa e sua

eventual responsabilização por inadimplências decorrentes da gestão fraudulenta, Ricardo

Negrão60, com muita maestria, assinala:

Ao qualificar a pessoa – física ou jurídica – como comerciante, prende-se à prática reiterada, habitual, de atos reputados, historicamente ou por força de lei, comerciais. Pode-se inicialmente, entretanto, considerar empresa o exercício profissional de uma atividade econômica, organizada, de produção ou circulação de bens e serviços. Tornam-se necessárias atividades econômicas, com defesa da lealdade, no cumprimento do convencionado e atentos a boa fé.

Deve-se verificar que há distinção entre o sócio e o administrador (empregado) na

sociedade limitada. Tal análise torna-se necessária para esclarecer que o primeiro é o titular da

atividade empresarial, enquanto o segundo é mero gestor ou, ainda, executa as atividades fins

da sociedade. Qualquer um dos dois que vier a causar prejuízos a terceiros com o

enriquecimento sem justa causa valendo-se da sociedade limitada deverá arcar e ser

responsabilizado com seu patrimônio particular. É a responsabilidade patrimonial que se

impõe ao gestor, salvo a existência também de ilícitos penais, que poderá gerar pena privativa

de liberdade aos gestores. Em estudo realizado a respeito do poder de gerir uma empresa,

Berle Jr61 relata:

O controle encontra-se, na maior parte dos casos, nas mãos daqueles que tem o poder de escolher os administradores. Assim, sejam os sócios, que integram a sociedade ou os empregados, tidos como gerentes ou administradores, também têm suas cotas de responsabilidades ao gerir as atividades mercantis visando o bem comum, sob conseqüência de motivar sanções, em razão de falcatruas que motivam prejuízos a terceiros.

Nesse sentido, afirma Lamy Filho62 que os donos perdem o poder de gerir sua

propriedade, os quais se transferem aos administradores, pessoas que passam a dispor da

propriedade alheia como própria. Demonstra-se que para a pessoa, seja jurídica ou física, seus

atos de gestão empresarial devem pautar-se por atividades lícitas.

Assim, na responsabilização no direito societário constata-se uma ruptura entre a

pessoa jurídica, que possui seu patrimônio próprio, após ser integralizada toda quota social, e,

de outro lado, os bens particulares dos sócios ou não sócios, que não fazem parte das

atividades mercantis, mas que poderão vir a ser garantias a credores por falcatruas apuradas,

em prejuízo do acervo patrimonial da sociedade limitada.

60 NEGRÃO. Op.cit., p. 17. 61 BERLE JR. Societa per azioni e proprieta privata, p. 70. 62 LAMY FILHO. A empresa, o empresário e a nova Lei de S.A, p. 45.

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Os empregados ou gerentes, não sendo, no caso, sócios, mas sim detentores da

incumbência de bem administrar a sociedade limitada, estão sob a tutela e fiscalização do

titular da empresa, que poderá proceder às apurações de condutas desajustadas na

administração, dando causa a sanções às pessoas em face do ilícito verificado na gestão

empresarial.

Ensina Rubens Requião63 que “as limitações da responsabilidade do sócio, próprias

da sociedade limitada, exigem dele comportamento ilibado, respeitando as normas contratuais

e legais. Infringidas tais normas, o transgressor perde a vantagem concedida pelo tipo social,

passando a responder de modo ilimitado pelos atos que autorizou ou praticou”.

A identificação de responsabilizações no direito societário também é verificada em

decorrência de fraudes fiscais, fraudes penais ou, ainda, vários cartéis de fraudes, em que

empresas fazem acordos para atingir resultados ilícitos. Pode-se citar a fraude à execução,

com a venda de bens penhorados ou dos únicos bens que poderiam ser penhorados, que é ato

ineficaz e motiva sua postulação em juízo, sob o fundamento do art. 593, II, do CPC.

Constata-se, assim, que o sócio quotista, inicialmente, é preservado de responder

com seu patrimônio particular pelo ato fraudulento perpetrado por intermédio do ente

coletivo. Entretanto, esta responsabilidade é ampliada, por ter caráter solidário, pois, em

princípio, não afasta a responsabilidade natural da sociedade, que serve de instrumento para a

conduta ilícita.

Ademais, agrega-se a responsabilidade pessoal do sócio quotista ou do gerente-

administrador que deliberou de modo a gerar uma conduta ilícita, seja de fraude à execução

ou outra passível de subsumir-se a uma infração penal. Mas, apurando-se responsabilizações

por violações às normas vigentes, patente será a punição a seu autor, que poderá ser tripla:

civil, administrativa e criminal.

Os crimes e falcatruas estão presentes na sociedade. Alberto Silva Franco64,

abordando o tema “globalização e criminalidade dos poderosos”, esclarece que “há um novo

momento de poder planetário. Trata-se de uma realidade que chegou e que, como as

anteriores, são irreversíveis. A revolução mercantil e o colonialismo (séculos XV e XVI), a

revolução industrial e o neocolonialismo (séculos XVIII e XIX) e a revolução tecnológica e a

globalização (século XX) são três momentos de poder planetário.”

Para Luiz Gustavo Negrini65,

63 REQUIÃO. Op. cit., p. 497. 64 FRANCO. Temas de direito penal econômico/organizador Roberto Podval, p. 242. 65 NEGRINI. Op. cit, p. 12.

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[...] no dia-a-dia das relações comerciais, ante a ascendente busca do homem por maior conforto, que se presume pela abundância do patrimônio, há a constante procura pelo maior lucro pessoal, deixando de lado o caráter recíproco dos contratos (negócios bilaterais). Nestas condições, a fraude traz consigo o sentido de engano, não como se evidencia no dolo, em que se mostra a manobra fraudulenta para induzir outrem à prática de ato, de que lhe possa advir prejuízo, mas o engano oculto para furtar-se o fraudulento ao cumprimento do que é de sua obrigação ou para o logro de terceiros. É a intenção de causar prejuízos a terceiros. Contra este tipo de procedimento lesivo, a ordem jurídica se ergue, em todos os seus ramos, desde os de Direito Privado até os de Direito Público, seja na defesa de interesses puramente particulares, seja na repressão a prejuízos de interesses gerais ou coletivos.

Sob a ótica da globalização da criminalidade penal empresarial e das falcatruas na

gestão empresarial, torna-se necessário voltar as atenções para a necessidade de

responsabilizações a serem imputadas à pessoa jurídica e ao gestor enquanto participantes de

atividades mercantis, seja nas atividades de interesses privados ou em relações contratuais

com a Administração Pública. É nesta análise que se identifica a responsabilidade do sócio e

da pessoa jurídica nas searas civil, administrativa e criminal, a qual implicará punições,

conforme se demonstrará.

3.2 Responsabilidade do sócio e da sociedade limitada

A sociedade limitada e os sócios se identificam quanto a suas atividades fins por

meio do contrato. Segundo Celso Marcelo de Oliveira66, na sociedade limitada, enquanto o

capital fixado não estiver integralizado, os sócios respondem integralmente pelas obrigações

da empresa até o valor total do capital.

Nessa sociedade, o capital é dividido em cotas. O sócio quotista tem limitação em

sua responsabilidade, que se reporta à integralização de sua cota parte, que passa a integrar o

patrimônio da sociedade limitada. A peculiaridade desse tipo societário é a limitação da

responsabilidade subsidiária dos sócios à integralização do capital social.

Acerca do tema, Waldo Fazzio Júnior67 relata que “cada sócio responde,

solidariamente, pela integralização de todas as cotas sociais. Uma vez completo o capital

social, o patrimônio particular dos sócios não será, em regra, afetado por débitos da

sociedade. Esta responderá ilimitadamente pelas obrigações sociais, com o próprio

patrimônio.”

O capítulo IV do vigente Código Civil brasileiro trata da sociedade limitada (arts.

1.052 a 1.087). Tal dispositivo reporta-se ao art. 1.052, deduzindo-se que a responsabilidade 66 OLIVEIRA. Manual de direito empresarial, p. 522. 67 FAZZIO JÚNIOR. Op. cit. p. 71-72.

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do sócio perante a sociedade está limitada ao valor de suas quotas. Na sociedade limitada, a

responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem

solidariamente pela integralização do capital social. Ressalte-se, ainda, que todos respondem

solidariamente pela integralização do capital social caso não ocorra a integralização do capital

da sociedade limitada.

Noutro giro, procurar identificar responsabilidades da sociedade limitada e do

gestor, que inicialmente reporta-se à quota-parte a ser integralizada, se ocorrer atos passíveis

de uma administração fraudulenta, seja residual de natureza civil, com possibilidade de

desconsideração da pessoa jurídica, deverá gerar a responsabilização e ter como garantia o

patrimônio particular do empresário, devendo este arcar com os prejuízos advindos de uma

gestão eivada de falcatruas, no intuito de coibir-se o enriquecimento sem justa causa.

Vera Helena de Mello Franco68 ensina que “a limitação da responsabilidade,

representada pela separação entre o patrimônio dos sócios e aquele da sociedade, que surge,

destarte, como pessoa titular de direitos e obrigações, com um patrimônio próprio que não se

confunde com aquele dos sócios, revela a influência de perfil da sociedade”.

Torna-se necessário lembrar que o sócio poderá ser chamado a compor o que faltar

para a integralização da quota-parte, cumprindo a obrigação de um de seus pares que não

integralizou o montante prometido, ainda que tenha integralizado sua quota totalmente. Pode-

se dizer que posteriormente tal sócio poderá ingressar com ação de regresso contra o sócio

inadimplente.

A sociedade possui uma organização de pessoas e de bens patrimoniais, objetivo

este em conformidade com a lei, ou seja, lícito. Torna-se sujeito de direitos e de obrigações. É

necessário apurar o dano caso ocorra em prejuízo de terceiros por conduta ilícita. Daí surge a

responsabilidade, seja da empresa ou do empresário. Portanto, é por meio de um contrato que

se dá vida à pessoa jurídica, cujo papel é cumprir sua função social e econômica, repelindo

atividades espúrias perpetradas seja pela sociedade empresarial, ou por seus gestores.

Utilizando-se do ente coletivo para o enriquecimento ilícito e corrupção, devem-se imputar-se

responsabilidades a seus autores.

Humberto Teodoro Júnior69 esclarecendo sobre o contrato:

O contrato é antes de tudo um fenômeno econômico. Não é uma criação do direito. Este apenas, conhecendo o fato inevitável na vida da sociedade, procura, ora mais, ora menos, impor certos condicionamentos e limites à atividade negocial. Seria contra a natureza qualquer norma que impedisse o contrato e que o afastasse do campo das

68 FRANCO. Op.cit. p. 238. 69 THEODORO JÚNIOR. O contrato social e sua função, p. 97-98.

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operações de mercado, onde a iniciativa pessoal e a liberdade individual são acima de tudo, a razão de ser do fenômeno denominado contrato. As primeiras manifestações da ordem jurídica moderna, em torno do contrato, foram apenas de consagrar a liberdade negocial.

O contrato em questão institui a sociedade limitada, com a identidade dos sócios

vindo a integrar este ramo mercantil. Com a existência da pessoa jurídica de responsabilidade

limitada, passa-se a atuar com atividade econômica. Há, também, peculiaridades que vão

envolver as relações mercantis da empresa nas relações de consumo com terceiros (pessoas

físicas ou pessoas jurídicas). Não deixa de sempre ter como atividade fim o respeito ao

ordenamento vigente, sob pena de incorrer responsabilidade civil pelo fato danoso, seja do

produto ou do serviço prestado, em prejuízo de terceiros. Caso vislumbre-se de forma

concorrente a prática de infração penal residual, será objeto de análise na seara criminal. A

responsabilização será do ente coletivo e do gestor.

As lesões causadas pela empresa privada nacional na relação de consumo, sob o

enfoque de produção em massa, fazem com que o consumidor, cidadão anônimo ou não,

quando sofre lesões em suas compras ou negócios, deverá reclamar contra a precariedade dos

produtos e serviços que lhe são oferecidos, para ser ressarcido dos prejuízos sofridos.

Para Paulo de Bessa Antunes70, “a defesa do consumidor é cada vez mais uma

exigência da moderna sociedade industrial, pois a oligopolização e a monopolização da

economia acarretam uma decrescente importância do comprador e, em conseqüência, uma

queda da qualidade dos produtos postos à disposição do mercado”. Aquele que sofre prejuízos

em transações empresariais deve buscar a reparação dos danos.

Também é dever dos sócios na sociedade a comunhão de esforços, com objetivos

ordenados e visando a um fim comum, que se respalda no vínculo associativo, que é expresso

na idéia de affectio societatis. Havendo interesses comuns, mas ocorrendo danos nas relações

empresariais, deve-se buscar o prejudicado o ressarcimento dos prejuízos sofridos. Os

gestores devem ser solidários na reparação dos danos quando for interposta pessoa jurídica

que der causa à lesão dos interesses tutelados.

Para Vera Helena de Mello Franco71, “affectio societatis significa confiança mútua

e vontade de cooperação conjunta, a fim de obter determinado benefício, e o elemento

confiança é da essência da sociedade. Se o sócio falta, com este dever, rompe-se a affectio

societatis e a sanção é a exclusão”.

70 ANTUNES. Curso de direito ambiental: doutrina, legislação e jurisprudência, p. 167. 71 FRANCO. Op. cit., p. 177.

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Os administradores, gestores, gerentes e empregados da sociedade limitada, muito

embora não sejam os sócios, devem adequar as suas condutas visando ao bem comum. Caso

não atuem, há possibilidade de demissão por justa causa. Já o sócio, por violação da affectio

societatis e desvio de suas atribuições, com abuso de poder, a alternativa de sanção é a sua

exclusão. Todas estas sanções são de caráter administrativo, conforme será apresentado

oportunamente nesta obra.

Os sócios gerentes ou aqueles que derem nome à sociedade não respondem

pessoalmente pelas obrigações contraídas em nome da pessoa jurídica, mas respondem para

com esta e para com terceiro de forma solidária e ilimitadamente pelo excesso de mandato e

pelos atos praticados com violação ao contrato e da lei. Prescreve o art. 1.011 do CC que o

administrador deve ter no exercício de suas funções o cuidado e a diligência que todo homem

ativo e probo costuma empregar na administração de seus próprios negócios. É neste contexto

que se busca limitar a responsabilização limitada ou ilimitada do sócio quotista, também

administrador.

Diante do exposto, entende-se necessário apurar a responsabilidade civil da pessoa

física e da pessoa jurídica. A imposição de sanções e responsabilizações civis, administrativas

e penais ao gestor ou, ainda, a análise da viabilidade da responsabilização da sociedade

limitada, em concurso de pessoas, em face da administração fraudulenta, também se faz

importante esclarecer. As sociedades respondem ilimitadamente com suas obrigações, tanto é

que pode ser decretada a sua falência, e seus bens podem ser arrecadados para quitar seus

compromissos.

A persecução às condutas fraudulentas tem por objetivo coibir atos que afrontam a

realidade social e econômica em atividades mercantis, capazes de causar prejuízos a terceiros

pelas atividades motivadas pelas falcatruas. Pode-se definir falcatrua como o artifício com que

se engana alguém, ou a fraude72, cujo intuito é o lucro fácil, causando dano e enriquecimento

ilícito. O que nada obsta também gerar resíduos para a persecução e apuração de

responsabilidades criminais dos gestores e da própria sociedade limitada.

72 MICHAELIS. Op. cit., p. 432.

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3.3 Sistematização da responsabilidade civil

A responsabilização dos atos humanos ou da pessoa jurídica objetiva garantir à

vítima poder vir a ser ressarcida integralmente dos prejuízos sofridos decorrentes de

atividades fraudulentas. Registra-se que são partes no direito obrigacional: a vítima o

particular ou o Estado. Ao sofrerem um prejuízo, devem a ser ressarcidos, impondo-se ao

causador do dano a obrigação de repará-lo.

Todo comportamento ilícito vai originar uma responsabilidade ao seu autor. Do

latim vem a palavra responsabilitatis, que abrange os significados de garantir, assegurar e

assumir o pagamento do que se obrigou ou do ato que praticou. Na etimologia, gera qualidade

de ser responsável; condição de responder. 73

As civilizações mais antigas, como se pode constatar pelo Código de Hamurabi, o

Código de Manu, o antigo Direito Hebreu e a civilização romana, já defendiam a idéia de

punir aquele que causava prejuízo a outrem ou de aplicar-se ao causador do mal um

sofrimento igual.74

A responsabilização é decorrente de um ato ilícito, que é definido por Sílvio

Rodrigues75 como sendo ato humano cujas conseqüências não são almejadas pelos agentes,

mas são decorrentes de conduta contrária à lei. A conduta humana é praticada em desacordo

com a ordem jurídica, violando o direito subjetivo individual. E, diante do prejuízo provocado

a terceiro, surge a obrigação imposta pela lei, consistente na obrigação pelo dano causado.

Reside aqui a fonte da obrigação de reparar o dano objeto da responsabilidade civil. Outras

são as responsabilidades civis e criminais que serão abordadas em tópicos seqüenciais.

O Código Civil de 2002 disciplina, no Título IX, a responsabilidade civil, que

contém dois capítulos: Capítulo I – Da obrigação de Indenizar; e Capítulo II – Da

indenização. Começa no art. 927 e vai até o art. 954. Para René Savatier, “a responsabilidade

civil diz respeito à obrigação que pode incumbir uma pessoa a reparar o prejuízo causado a

outra, por fato próprio, ou por fato de pessoas ou coisas que dela dependam”. 76

Na teoria da responsabilidade civil, uma das distinções mais importantes é entre a

responsabilidade civil subjetiva e a responsabilidade civil objetiva. Logo, as teorias que

fundamentam a responsabilidade no Direito pátrio e no Direito comparado reportam-se à

responsabilidade por culpa e sem culpa (objetiva e risco).

73 MOTTA. Aplicação do código civil às licitações e contratos, p. 30. 74 HAMURABI. Op. cit. p. 143. 75 RODRIGUES. Direito civil. p. 6. 76 SAVATIER. Traité de la responsabilité civile em droit français, p. 13

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O pressuposto da responsabilidade subjetiva é o dolo ou a culpa, que motiva como

elemento essencial ao dever de gerar a indenização, diante da existência do dano causado e do

nexo de causalidade. Subjetiva, pois é necessária a culpabilidade para fundamentar o dever de

reparar. A violação da norma jurídica proibitiva em ação intencional (dolo) ou não (culpa)

motiva a obrigação de reparar o dano em face do fato ilícito.

A distinção entre dolo e culpa reside no fato de que no dolo a conduta do agente já

nasce ilícita, ao passo que na culpa a conduta nasce lícita, tornando-se ilícita na medida em

que se verificam a imprudência, negligência e imperícia. Na ausência de dolo e culpa, não há

que se falar em responsabilidade civil subjetiva.77 O legislador de 2002 manteve a teoria do

risco subjetivo, agora prevista no art. 186 do CC, que diz:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

O desembargador Roberto de Abreu Silva78 ressalta:

[...] a configuração da responsabilidade civil por ato ilícito na previsão dos arts. 186 do CC e 5°, X, da Constituição Federal exige a presença dos seguintes pressupostos: a) elemento formal – a ação violadora da norma jurídica; b) o elemento subjetivo – a falta de diligência e prudência (culpa) na ação do lesante violadora do dever jurídico de cuidado e de agir, denominada de negligência e imprudência, em grau leve, médio e pesado; c) o elemento causal – ligando a ação censurável do lesante ao dano civil-constitucional (perpetrado a bem de outrem contra a vontade de seu titular); d) o elemento objetivo – o dano injusto, material ou moral.

Noutro giro, de origem romana,79 apesar de pouco empregada naqueles tempos, a

responsabilidade objetiva ganhou corpo com a escola francesa, principalmente a partir do

século XIX. A responsabilização é sem culpa, mas o elemento do dano é identificado de

forma objetiva e adota-se a teoria do risco objetivo, conforme prescreve o art. 927 do CC:

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

A Constituição Federal de 1988, em seu art. 37, §6º, abordando a responsabilidade

objetiva, dispõe que “as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado,

prestadoras de serviço público, responderão pelos danos que seus agentes nessa qualidade,

causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo

ou culpa.” A prova do fato danoso e do nexo de causalidade já é o bastante para que o autor

da violação do bem tutelado violado venha a ser obrigado a ressarcir o dano.

77 SAMPAIO. Direito civil responsabilidade civil, p. 26. 78 SILVA. Pressuposto da responsabilidade civil, p. 178. 79 GONÇALVES. Responsabilidade civil, p. 18.

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O direito ambiental, como não poderia deixar de ser, incorporou por completo a

teoria do risco sem culpa. Apenas havendo dano ao meio ambiente, independentemente de

culpa, o agente causador do prejuízo ambiental deverá repará-lo. O dano é o pressuposto para

a caracterização da responsabilidade civil.

Portanto, o gestor que se utiliza de uma sociedade limitada para degradar o meio

ambiente poderá, sob a ótica da desconsideração da pessoa jurídica, responder diretamente

pelos danos causados. Ao teor do art. 225, §3º, da CF, a ocorrência do dano e do nexo de

causalidade irá constituir o dever de reparar o dano. “Denomina-se nexo de causalidade o elo

da corrente dos fatos que liga a ação antijurídica do lesante ao resultado, causando o dano

proibido pela lei”. 80 A teoria da equivalência das causas ou da conditio sine qua non, adotada

pelo Código Penal, no art. 13, é atribuída ao jurista alemão Von Buri. No nexo de causalidade

há causas preexistentes, concomitantes e supervenientes à conduta do agente que pode ou não

motivar a responsabilização decorrente do resultado lesivo verificado.

Iniciar o estudo sobre a responsabilidade objetiva demonstra que se desvincula o

dever de reparar o dano, com a análise da ação/omissão e da culpabilidade do agente, ora

pessoa física, mas a análise se baseia no risco produzido e no nexo de causalidade verificado,

o que permite ao lesado obter o ressarcimento pelo prejuízo perpetrado pelo autor da lesão -

no caso, a sociedade limitada. A responsabilidade é fundada no risco ou no dano efetivado.

Maria Helena Diniz81 ensina que “na obrigação de indenizar danos produzidos por atividade

exercida no interesse do agente e sob o seu controle, sem que haja qualquer indagação sobre o

comportamento do lesante, fixando-se no elemento objetivo, isto é, na relação de causalidade

entre o dano e a conduta do seu causador”.

Antunes Varela82 esclarece que “a responsabilidade objetiva fundamenta-se no

princípio da justiça distributiva (ubi commoda ibi incommoda), porque aquele que lucra com a

situação (exercício da atividade) deve responder pelos riscos ou pelas desvantagens dela

resultantes”.

O nexo de causalidade é o vínculo jurídico entre a conduta de determinada pessoa

e o dano causado. Torna-se necessário imputarem-se responsabilizações ao gestor e à

sociedade limitada, em concurso de responsabilidades. O primeiro, em análise da conduta

humana dolosa ou culposa; o segundo, diante do resultado danoso causado, por seu

intermédio, com a justificação e motivação de imporem-se sanções a ambos, em face da

80 SILVA. Op. cit., p. 180. 81 DINIZ. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil, p. 598. 82 VARELA. Das obrigações em geral, p. 634.

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contribuição ao evento de perigo ou de dano causado. A sociedade limitada, caso venha a

causar danos a terceiros, responderá sob a ótica objetiva, havendo nexo de causalidade entre a

conduta do gestor e o resultado produzido pela atividade empresarial.

Quanto ao dano verificado, poderá ser pleiteado cumulativamente o ressarcimento,

seja material ou moral, conforme demonstra a Súmula do STJ n. 37, que prescreve: “são

acumuláveis as indenizações por dano material e moral oriundos do mesmo fato.” Tal

ressarcimento em decorrência do dano provocado pelo gestor ou pela sociedade limitada

poderá ser postulado pela vítima, bastando identificar-se a responsabilidade, subjetiva ou

objetiva, que originou o fato lesivo.

Por fim, a sociedade limitada é responsável pela reparação civil de danos causados

pelo sócio ou empregado (gestor, gerente ou administrador, não sócio) no exercício do

trabalho ou em função dele. O art. 932, inciso III, do CC estabelece que são também

responsáveis pela reparação civil: o empregador ou comitente, por seus empregados, os

serviçais e os prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir ou em razão dele,

cumprindo-lhes o dever de indenizar que vai decorrer da responsabilidade civil, subjetiva ou

objetiva. A sociedade limitada é responsável objetivamente perante terceiros, caso dê causa,

por sua gestão fraudulenta ao dano. O gestor, caso seja identificado como o motivador da

lesão ao bem tutelado será responsabilizado pelo ato de gestão. No caso, a sua

responsabilidade é subjetiva. “A responsabilidade civil do causador do dano opera-se estando

presentes a culpa, o dano e o nexo de causalidade, ensejando, pois, sua necessária reparação”,

conforme ensina Caio Mário Pereira da Silva.83

É neste contexto que apresenta-se toda a análise de responsabilização no direito

societário, seja do gestor ou da sociedade limitada, com abordagem da sistematização de

identificação da responsabilidade subjetiva e objetiva. O que nada obsta haver persecuções à

pessoa física e à pessoa jurídica, a fim de imputarem-se responsabilizações (civil,

administrativa e criminal) no objetivo de ressarcir prejuízos advindos do abuso da

personalidade jurídica. Assim, inicia-se o estudo da desconsideração da pessoa jurídica e de

suas conseqüências na seara jurídica.

83 Apelação Cível n. 1.0024.04.196301-9/001. Comarca de Belo Horizonte/MG. Relator: Des. Alvimar Ávila.

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4. DESCONSIDERAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA

A desconsideração da pessoa jurídica não estava prevista no Código Civil de 1916,

entretanto, trazia a regra específica, no art. 50, no sentido de que este instituto ocorrerá em

duas situações: quando demonstrado o desvio da pessoa jurídica; e quando ocorrer a confusão

patrimonial entre os sócios e a sociedade.

Também prescreve o art. 28 da Lei n. 8.078/90 “o juiz poderá desconsiderar a

personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de

direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou

contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de

insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má

administração”. O doutrinador Ruy Rosado de Aguiar Júnior84, ao abordar a desconsideração

da pessoa jurídica relata:

O art. 28, do Código de Defesa do Consumidor, tem uma regra amplíssima a respeito da responsabilidade dos sócios quando, na direção ou na administração da sociedade, tenham agido contra o contrato e/ou contra a lei, causando dano ao consumidor ao administrar mal a empresa. São apenas hipóteses de extensão da responsabilidade da sociedade que se passa aos sócios. A desconsideração da pessoa jurídica ocorre, no caso de desvio, quando aquele ato praticado pela pessoa jurídica é, em si, lícito, mas é ilícito se pensarmos que foi praticado para encobrir o ato do sócio. Nesse caso, a pessoa jurídica é usada para encobrir o ato ilícito do sócio, desviando a sua finalidade. Em tal circunstância, é possível afastar a pessoa jurídica para atingir o sócio que, na verdade, estava praticando o ato.

A personalidade da pessoa jurídica, segundo Caio Mário da Silva Pereira,85 “é

conseqüência de requisitos que tornem possível a sua existência no mundo jurídico,

constituindo-se no agrupamento de quatro categorias que demonstram a existência da natureza

da pessoa jurídica: a ficção, a propriedade coletiva; a realidade e a institucional”.

Em análise do tema, Maximilianus Cláudio Américo Fürrer86 relata:

A sociedade, simples ou empresarial, tem individualidade própria, não se confundindo com as pessoas dos sócios (pessoa natural). Essa regra, porém, é derrogada às vezes por um fenômeno a que se tem dado o nome de desconsideração da pessoa jurídica. No estrangeiro a teoria tem recebido o nome de disregard of legal entily (desconsideração de entidade legal - EUA), conforme já assinalado; além de outras denominações como, lifting the corporate veil (levantamento do véu corporativo), durchgriff der juristischen person (penetração através da pessoa jurídica

84 AGUIAR JÚNIOR. O novo código civil e o código de defesa do consumido, p. 65. 85 PEREIRA. Instituições do direito civil, p. 10. 86 FÜHRER. Resumo de direito comercial (empresarial), p. 71.

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- Alemanha), superamento della personalitá giuridica (Itália), ou teoria de la penetración (Argentina). Geralmente a desconsideração é aplicada para corrigir um ato, no qual a sociedade deixou de ser um sujeito, passando a ser mero objeto, manobrado pelo sócio para fins fraudulentos.

Ricardo Negrão87 sustenta que “abuso da personalidade jurídica entende-se,

objetivamente, o desvio de finalidade e a confusão patrimonial, que se podem materializar por

uma infinidade de formas fraudatórias e que causam prejuízos aos credores”. A primeira

tentativa de positivação do instituto da desconsideração da pessoa jurídica, ocorreu no art. 28

da Lei n. 8.078/90, em que se prescreveu:

[...] o juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração. Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causadores aos consumidores.

Também, verificou-se, no art. 18 da Lei n. 8.884/94 (Lei Antitruste – dispõe sobre

a prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica), que há outros registros

subliminares e anteriores ao Código das Relações de Consumo, que prescreviam, nos arts. 117

e 158 da Lei n. 6.404/76 (Lei de Sociedades Anônimas), no art. 10 do Decreto n. 3.708/19

(sociedade por cotas) e nos arts. 134, VII, e 135, III, do Código Tributário Nacional, as

circunstâncias motivadoras da desconsideração da personalidade jurídica ou da superação da

personalidade, mas não de forma expressa, conforme se verificou na década de 1990. E

somente torna-se patente a aplicação da desconsideração, sob o respaldo do art. 50 do CC, que

prescreve:

Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.

Em importante obra, Suzy Elizabeth Cavalcante Koury88 retratou o primeiro caso

de disregard doctrine de que se teve notícia na jurisprudência. Trata-se do caso Bank of

United States versus Deveaux, ocasião em que, pela primeira vez, um juiz conheceu da causa

e julgou o caso sob a luz da referida teoria da desconsideração da personalidade jurídica. Tal

decisão (1809) levou as cortes a “levantarem o véu” e a identificar os sócios individualmente

e, conseqüentemente, suas condutas na gestão empresarial, pelas quais foram

responsabilizados.

87 NEGRÃO. Op. cit., p. 258. 88 KOURY. Op. cit., p. 63.

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Conforme esclarece a professora Rachel Sztajn89, a aplicação da teoria da

penetração tem toda uma evolução histórica:

Data do século XIX, quando em 1897, a justiça inglesa ocupou-se com o famoso caso – Salomon x Salomon & Co. – que envolvia o comerciante Aaron Salomon. Este empresário havia constituído uma Company, em conjunto com componentes de sua família, e cedido seu fundo de comércio a uma nova sociedade que acabara de fundar. Pouco tempo depois a sociedade familiar revelou-se insoldável, nada sobrando para seus credores quirografários. Embora o Sr. Aaron Salomon tenha perdido a ação em primeira e segunda instância através de uma nova teoria formulada pelo magistrado, a Casa dos Lordes (Suprema Corte Inglesa), reformou de forma unânime as decisões anteriores, julgando válido o desvio do patrimônio para a empresa recém criada. O Tribunal, em reforma da sentença sob o argumento de que as formalidades legais de constituição da sociedade haviam sido observadas e que Salomon e a companhia eram pessoas distintas. O juiz da causa afirmou que Company era apenas uma projeção, ou “agente” de Salomon, que era, na verdade, o efetivo proprietário do fundo de comércio. O caso ganhou notoriedade internacional e a teoria do Disregard of the Legal Entity ganhou guarida nas cortes americanas, onde se formou larga jurisprudência, expandindo-se, depois, por toda a Europa e América Latina.

Para Hans Kelsen90 a pessoa jurídica é uma construção elaborada pela ciência do

Direito, em decorrência da necessidade de criação de entidades capazes de realizar

determinados fins que não são alcançados normalmente pela atividade individual. Ensina

Sílvio de Salvo Venosa91 que o século XX foi o século da pessoa jurídica. Desde então,

pouquíssimas atividades da sociedade são desempenhadas pelo homem como pessoa natural.

A pessoa jurídica, da mais singela à mais complexa, infere e imiscui-se na vida de cada um,

até mesmo na vida privada. Experimenta-se um crescimento exacerbado da importância da

pessoa jurídica.

No Direito brasileiro, um dos responsáveis pela inserção e desenvolvimento da

teoria da desconsideração da personalidade jurídica foi Rubens Requião, em sua conferência

proferida na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná, no final da década de

1960.92 Argumenta-se, que as fraudes e os abusos perpetrados pela pessoa jurídica não

poderiam ser corrigidos caso não adotada a disregard doctrine.

No Brasil, até há pouco tempo, aplicava-se a teoria em casos de abuso de direito e

fraude perpetrados pela má utilização da personalidade jurídica e buscava-se fundamentação

no art. 20 do Código Civil de 1916, que reconhecia a distinção entre a personalidade da

sociedade e dos sócios, conforme assinalou César Fiúza.93

89 SZTAJN. Desconsideração da personalidade jurídica. Revista de direito do consumidor, p. 67. 90 KELSEN. Teoria pura do direito, p. 188-123. 91 VENOSA. Direito civil: parte geral, p. 56. 92 ALBUQUERQUE. A desconsideração da personalidade jurídica, p. 37. 93 FIÚZA. Direito civil: curso completo, p. 145.

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A teoria da desconsideração da personalidade jurídica seria aplicável sempre que,

por má-fé, dolo ou atitude temerária, a sociedade estivesse sendo empregada não para o

exercício regular do comércio, mas para os desvios ou a aventura de seus titulares.

Assim, quando a finalidade da sociedade empresária é desvirtuada para práticas

ilícitas, em que há utilização da pessoa jurídica para alcançar outros fins não acobertados pelo

objeto social, torna-se necessário aplicar a teria da desconsideração da personalidade jurídica,

que não irá pôr fim à estrutura contratual, mas sim, visa proteger os desvios de finalidade

promovidos por seus criadores-sócios ou, até mesmo, por outros empregados.

Com a aplicação da teoria da desconsideração, torna-se necessário apurar e

identificar a autoria da fraude na gestão envolvida por falcatrua do sócio ou do representante

legal da pessoa jurídica que provocou danos a terceiros. Em face do comportamento ilícito, tal

pessoa passa a ser a responsável pela indenização civil ou, até mesmo, a ser imputada pela

prática de crime, se constatado o injusto penal.

Todo fim antijurídico ou ilícito vai constituir ação ou omissão pelo gestor ao violar

um preceito legal, o que se caracteriza por um comportamento proibido em lei.

Não é a pessoa jurídica ou a sociedade empresarial, que vai praticar atos

fraudulentos ou ilícitos, pois o representante legal ou sócio só pode agir no que for autorizado

pela lei. Não é lícito ao sócio violar a lei. Se ocorrer, responderá o agente por obrigação

pessoal decorrente do ato de gestão ilícito que praticou em desacordo com o contrato social.

A existência da sociedade limitada não é óbice para identificar os sócios e, em

especial, aquele que agiu em desacordo com o contrato social. A existência da pessoa jurídica

não representará obstáculo para que tal pessoa física venha a ressarcir com seu patrimônio os

terceiros prejudicados, em face da administração fraudulenta.

No mesmo sentido Rodrigues94, afirma:

Quando a lei trata de responsabilidade solidária ou pessoal dos sócios, seja por obrigações da pessoa jurídica não é necessário desconsiderar a empresa para imputar as obrigações aos sócios. Não foi a pessoa jurídica que teve a sua finalidade desvirtuada, não foi à pessoa jurídica como ser que foi manipulada, mas, sim, o diretor, o gerente ou o sócio que, na sua atividade ligada à empresa, andou mal.

Para o Prof. João Casillo95, a sociedade é utilizada em seu todo para mascarar uma

situação. Ela serve como véu para encobrir uma realidade. Registram-se algumas

jurisprudências sobre o tema:

94 RODRIGUES. Op. cit, p. 16. 95 CASILLO. Desconsideração da pessoa jurídica. RT 528/24.

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Desconsideração da personalidade jurídica. Sociedade por quotas de responsabilidade limitada. Aplicabilidade somente quando presente a intenção dolosa, dirigida à infração dos preceitos legais ou das cláusulas contratuais, consubstanciadas em atos praticados pelo sócio da empresa (2º TACivSP – RT 761/283). Desconsideração da personalidade jurídica. Aplicação. Sociedade comercial. Dissolução irregular. Responsabilidade pessoal dos sócios pelos débitos da empresa. ( 1º TACivSP – RT 769/252). Desconsideração da personalidade jurídica. Aplicação. Falência. Administradora de Consórcios. Admissibilidade da responsabilização patrimonial dos sócios. Aplicação do art. 28 da Lei 8.078/90 ( TJSP – RT 770/243).

Na aplicação da teoria do superamento, não se extingue a sociedade, mas apenas se

afastam os efeitos legais decorrentes da personalidade jurídica para estender a um, alguns ou

todos os sócios os efeitos de obrigações que a rigor seriam suportados exclusivamente pela

pessoa jurídica. A forma processual de obter esse efeito é matéria controvertida, pois julgados

se dividem quanto à necessidade de prévia ação de conhecimento para apuração da fraude

(RT, 620/122, necessária; RT, 418/213, não necessária). Em regra, a legitimidade para

requerer a desconsideração da personalidade jurídica é atribuída ao credor prejudicado.

A desconsideração da personalidade jurídica não visa à extinção da empresa, que

se mantém intocada para os demais atos, conforme o ensinamento de Fábio Ulhoa Coelho96,

que relata que essa forma própria de coibição da fraude e do abuso de direito possibilita a

preservação da empresa explorada pela sociedade. Antigos mecanismos de coibição de

ilícitos, em sede de direito societário que consagrava a sanção da dissolução da pessoa

jurídica (Decreto Lei n. 9.085/46, art. 6º), não mais se compatibilizam com as novas

tendências do direito comercial.

A teoria da desconsideração possibilita a coibição da fraude ou do abuso de direito

sem o comprometimento dos interesses que gravitam em torno do desenvolvimento da

atividade empresarial, que nenhuma relação guarda com a conduta fraudulenta perpetrada

pelo gestor.

Para Roberta Densa97, “a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica é

decretada de acordo com a faculdade do juiz, e depende da análise dos seguintes requisitos: a)

lesão ao patrimônio do consumidor; b) patrimônio da pessoa jurídica insuficiente; c) prática

de atos fraudulentos ou encerramento das atividades da empresa”.

96 COELHO. O empresário e os direitos do consumidor, p. 220. 97 DENSA. Op .cit., p. 80.

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Assinala Ricardo Negrão98, reportando-se à responsabilidade por fraude no uso da

personalidade jurídica:

Somente em 2002, com a nova legislação civil, que a teoria da desconsideração da pessoa jurídica implementou sua real finalidade e reportou-se ao artigo 50, do Código Civil, no qual esclarece as circunstâncias dessa desconsideração e assevera neste aspecto que é o desvio de finalidade e a confusão patrimonial, que se podem materializar por uma infinidade de formas fraudatórias e que causam prejuízo aos credores, motivo de sua utilização por vítimas de fraudes ou abusos praticados.

Acrescenta o ministro do Superior Tribunal de Justiça Carlos Alberto Menezes

Direito no julgamento do Recurso Especial n. 279.273/SP, que acerca da desconsideração da

pessoa jurídica:

Outra questão é saber se o ato do Juiz depende de pedido da parte. E, a meu juízo, não depende a aplicação do art. 28 de requerimento da parte. Se houver a presença das situações descritas no caput, em detrimento do consumidor, o Juiz poderá fazer incidir o dispositivo, independentemente de requerimento da parte. O que provoca a incidência da desconsideração é a existência de prejuízo para o consumidor. Havendo o prejuízo, está o Juiz autorizado a fazer valer o art. 28, do Código de Defesa do Consumidor.

Portanto, com a positivação do instituto da desconsideração da pessoa jurídica,

nada obsta a pessoa prejudicada o direito de pleitear a desconsideração da empresa. O

doutrinador Leonardo de Medeiros Garcia99 abordando o tema, relata:

É questão controvertida se o juiz poderia desconsiderar a personalidade jurídica das empresas de ofício ou se dependeria de requerimento das partes. Sendo as normas consumeristas de ordem pública e de interesse social, o juiz, verificando qualquer das hipóteses presentes no art. 28 do Código de Defesa do Consumidor poderá imputar a responsabilidade diretamente aos sócios, inclusive de ofício, de modo a tutelar os consumidores, considerados vulneráveis nas relações contratuais.

Assim, tem o estudo o intuito de propiciar a máxima proteção ao prejudicado, com

a possibilidade de a pessoa jurídica ser desconsiderada no caso concreto, afetando, assim, o

patrimônio dos sócios. A responsabilização da pessoa jurídica e da pessoa física, nos âmbitos

civil, administrativo ou criminal, caso haja subsunção de condutas ilícitas e conseqüentes

responsabilidades, será analisada oportunamente. Caso haja utilização da pessoa jurídica

como o fim de fraudar credores, André Albuquerque Sgarbi100 esclarece que:

[...] pode haver a superação da separação patrimonial entre os sócios e sociedade, de modo que o patrimônio dos primeiros responda por dívidas da última. A teoria foi formulada para coibir situações nas quais sócios mal-intencionados se utilizavam da personalização da sociedade (que lhe garante patrimônio, direitos e obrigações distintos) para praticar atos fraudulentos e prejudicar terceiros, se ocultando sob o manto da personalidade jurídica própria da sociedade, que na verdade era criada somente como um instrumento para facilitar a fraude. Seu escopo era, portanto, possibilitar que a personalidade jurídica independente da sociedade fosse

98 NEGRÃO. Manual de Direito Comercial e de empresa, p. 259. 99 GARCIA. Direito do consumidor, p. 61. 100 SGARBI. Desconsideração da personalidade jurídica, p. 6.

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desconsiderada, e fosse possibilitada a responsabilização dos sócios por atos fraudulentos praticados formalmente pela sociedade.

Vislumbra-se, neste contexto, que os dispositivos significam apenas que, em

determinadas circunstâncias, os sócios (pessoas físicas) são responsáveis por dívida alheia,

que no caso, é dívida da sociedade, mas que, se originária de abuso, má-fé ou fraude na

gestão, em face da conduta humana do gestor, administrador, gerente ou representante da

sociedade limitada redundará responsabilidades. Noutro giro, para Marçal Justen101, sob o

abuso na gestão empresarial, ensina:

O abuso consiste na utilização anormal e surpreendente da pessoa jurídica. O abuso consistirá no prejuízo a outrem, causado por gestão e manobras com a sociedade, que visa interesses pessoais do empresário, em prejuízo ao acervo patrimonial da sociedade.

Pode-se apresentar os seguintes acórdãos alusivos à desconsideração da pessoa

jurídica, que poderão subsidiar responsabilização dos sócios:

Sociedade Comercial. Responsabilidade limitada. Dissolução irregular. Responsabilidade dos sócios por dívidas da empresa. Admissibilidade de incidência de penhora sobre bens pessoais. Inteligência do art. 596 CPC e 2º da Lei 3708/19. A determinação de que os sócios não respondem pelas dívidas sociais (art.596 CPC) diz respeito á regular extinção da empresa e a regularidade das obrigações sociais. A irregularidade da atuação, constatada pelo desaparecimento da empresa sem a regular quitação de seus débitos, impõe outro entendimento, ou seja, o de que o art. 2º da Lei 3.708/19 autoriza o alcance dos bens pessoais dos sócios para completar o capital social que foi diluído pela má gestão dos negócios da sociedade. ( RT/635, p. 225/226) Sociedade Comercial – Execução – Penhora de bens particulares dos sócios. Admissibilidade. Empresa em situação irregular, cujos bens desapareceram. Aplicação da Teoria da desconsideração da personalidade jurídica. Declarações de voto vencedor e vencido. Estando a sociedade comercial em situação irregular, cujos bens desapareceram, mas aquela continua a existir, é justo que sejam penhorados bens de seus sócios, que bastem para o pagamento da dívida assumida pela empresa, aplicando-se no caso a teoria da desconsideração da personalidade jurídica (RT/713, p. 95/98) Desconsideração da personalidade jurídica. Admissibilidade. Empresa constituída por apenas um acionista, vez que os demais dela se retiraram. Hipótese em que a pessoa física e a jurídica se misturam em seus negócios que dificultam a sobrevivência individual de cada uma. Incube ao juiz o dever de indagar, examinar, perquirir as atividades empresariais, a forma e o modo pelo qual estão atuando as empresas, se o fazem para cumprir efetivamente o objetivo social ou se debaixo da capa da personalidade jurídica procedem em detrimento da lei. A “disregard doctrine” não visa anular a personalidade jurídica, mas somente objetiva desconsiderar, no caso concreto, dentro de seus limites, a pessoa jurídica em relação às pessoas ou bens que atrás delas se escondem. Na hipótese a pessoa jurídica e a pessoa física de seu único acionista e administrador, já que os demais se retiraram da empresa, misturam-se em negócios que dificultam a sobrevivência individual de cada uma. (Ap.Cível nº 201.018-1, 4ª Câm. Civ. Rel. Des. Barbosa Pereira).

101 JUSTEN. Desconsideração da pessoa jurídica, p. 129.

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Penhora. Bens particulares dos sócios. Sociedade por quotas de responsabilidade limitada. Emissão de cheque sem fundos. Desconsideração da personalidade jurídica. A emissão de cheque sem a suficiente provisão de fundos colore a figura de fraude, possibilitando a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica (disregard of legal entily). A sociedade não pode servir de anteparo à fraude e à prática de atos contrários a lei, em detrimento de terceiros. Solidariedade do emitente do cheque pelo seu pagamento. Empresa que encerrou irregularmente suas atividades. Instituto previsto no CDC, art. 28, bem como no art. 50 do Código Civil ( Lei nº 10.406/02). Agravo provido.

O pressuposto da desconsideração é a ocorrência de fraude perpetrada, como o uso

da autonomia patrimonial da pessoa jurídica. Assim, com a confusão patrimonial ou o

desaparecimento do objeto social da sociedade, possível será a desconsideração da pessoa

jurídica a requerimento do credor prejudicado ou a requerimento do representante do

Ministério Público nas ações de que tiver competência de atuação como fiscal estatal.

Destacando os casos mais freqüentes de aplicação da disregard doctrine pela

jurisprudência argentina, Isaac Halperin102 “refere-se à sua utilização em matéria fiscal, nas

manobras do cônjuge adverso para defraudar a esposa, bem como estabelecer a

responsabilidade do grupo econômico”.

A aplicação da teoria da desconsideração da pessoa jurídica poderá dispensar a

propositura de ação autônoma para tal. Havendo indícios ou pressupostos de sua incidência,

poderá o juiz, incidentalmente, no próprio processo de execução, levantar o véu da

personalidade jurídica para que o ato de expropriação atinja terceiros envolvidos, de forma a

impedir a concretização de fraude à lei ou contra terceiros, conforme assinala o ministro

Nancy Andrighi.103

Por fim, Celso Marcelo de Oliveira104, acrescenta:

A doutrina da desconsideração não tem por objetivo anular a personalidade jurídica. Visa tão-somente, a desconsiderar, diante de um caso concreto, a pessoa jurídica em relação às pessoas ou bens que atrás dela se escondem. Acrescenta ainda, que a disregard doctrina não tem por finalidade a despersonalização ou a desconstituição da pessoa jurídica, haja vista que desconsideração e despersonificação não são termos

102 HALPERIN. Curso de Derecho Comercial, p. 273. 103 Processo civil. Recurso ordinário em mandado de segurança. Falência. Grupo de sociedades. Estrutura meramente formal. Administração sob unidade gerencial, laboral e patrimonial. Desconsideração da personalidade jurídica da falida. Extensão do decreto falencial a outra sociedade do grupo. Possibilidade. Terceiros alcançados pelos efeitos da falência. Legitimidade recursal. – Pertencendo à falida a grupo de sociedades sob o mesmo controle e com estrutura meralmente formal, o que ocorre quando as diversas pessoas jurídicas do grupo exercem suas atividades sob unidade gerencial, laboral e patrimonial, é legítima a desconsideração da personalidade jurídica da falida para que os efeitos do decreto falencial alcancem as demais sociedades do grupo. – Impedir a desconsideração da personalidade jurídica nesta hipótese implicaria a prestigiar a fraude à lei ou contra credores. – Os terceiros alcançados pela desconsideração da personalidade jurídica da falida estão legitimados a interpor, perante o próprio juízo falimentar, os recursos tidos por cabíveis, visando a defesa de seus direitos. ROMS 12872/SP; Recurso Ordinário em Mandado de Segurança 2001/0010079-1 DJ data 16/12/2002. PG 00306; Terceira Turma; Rel. Min. Nancy Andrighi; data da decisão: 24/06/2002. 104 OLIVEIRA. Op.cit., p. 539.

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que convergem para um mesmo significado. A despersonificação105 objetiva a anulação da personalidade jurídica, por faltar-lhe condições de existência, assim como acontece nos casos de invalidade de contrato social ou dissolução de sociedades.

Para o Prof. Vinícius José Marques Gontijo106:

[...] ao se examinar a responsabilização de terceiro por obrigações contraídas em nome da sociedade, pouco interessando se este terceiro seja sócio, administrador ou membro de conselho ou outro órgão social, faz-se necessário compreender que ela poderá se dar, como decorrência da relação societária, de três maneiras diversas: Primeiro, a responsabilização do terceiro pelas obrigações da pessoa jurídica poderá decorrer do tipo societário pelo qual se optou. Segundo, a responsabilidade do terceiro decorrente de ações ou omissões ilícitas praticadas em órgão da sociedade. Trata-se de responsabilização civil por dano. E, finalmente, em terceiro, no caso de desconsideração da personalidade jurídica, com isso atingindo terceiros em relação à sociedade.

Por outro lado, a desconsideração visa ignorar, somente no caso concreto, o

referido instituto. Assim, com a desconsideração da personalidade jurídica, torna-se possível

desmascarar e responsabilizar o gestor (pessoa física), pois, por meio de sua conduta ilícita,

agora sob o crivo sancionador, poderá sujeitar-se a responsabilizações civil, administrativa e

criminal, em razão da conduta ilícita ou do ato fraudulento. Ou, ainda, a própria sociedade

limitada poderá ser responsabilizada, pois foi o instrumento ou o meio utilizado para as

práticas eivadas de falcatruas ou corrupção, fato que poderá ou não constituir uma infração

penal.

Há distinções entre responsabilização e desconsideração da pessoa jurídica, como

esclarece Gontijo107:

Na responsabilização, o agente infrator da norma é responsável perante terceiros e a própria sociedade que, se indenizar o dano sofrido pelo terceiro prejudicado, tem direito de regresso contra aquele que praticou o ilícito gerador do dano. Enquanto que, na desconsideração da personalidade jurídica, por ser decretada a ineficácia da personalidade jurídica da sociedade no caso concreto, ela não tem como ser condenada e, assim, não há que se falar em direito de regresso. De fato, temos observado que, na jurisprudência, muitas vezes, equivocadamente, se diz estar desconsiderando a personalidade jurídica de uma dada sociedade e a condena solidariamente com seu administrador ou sócio. Na realidade não houve a desconsideração alardeada, na medida em que, se efetivamente tivesse havido a desconsideração da personalidade, não haveria possibilidade de condenação da

105 No caso de despersonificação, quando se anula a constituição da sociedade por ação judicial própria (art. 1.034, I, CC, e art. 206, II, “a”, da Lei 6.404/76) não se trata propriamente de hipótese de terceiro responder pela obrigação que seria da sociedade, uma vez que, anulada a sua constituição, ela deixa de ter existência jurídica, e, assim, naturalmente, não tem existência diversa da dos seus membros, assim como de seus administradores e outros membros, tratando-se, portanto, de responsabilidade direta dos próprios agentes (GONTIJO, 2006. p. 39). Diz a jurisprudência: Processo Civil. Pessoa Jurídica. Despersonificação. A despersonificação da pessoa jurídica é efeito da ação contra ela proposta; o credor não pode, previamente, despersonaliza-la, endereçando a ação contra os sócios. Recurso especial não conhecido (STJ, REsp, 282.266-RJ, 3ª T.j. 18.04.2002, rel. Min. Ari Pargendler, DJ 05.08.2002, p. 328). 106 GONTIJO. Responsabilização no direito societário de terceiro por obrigação da sociedade, p. 39. 107 GONTIJO. Op. cit., p.50.

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sociedade, pelo simples fato de que sua personalidade estaria sendo desconsiderada, ou seja, estaria sendo decretada sua ineficácia em um caso concreto. A responsabilização atinge apenas e tão-somente aquele ou aqueles agentes do ilícito passíveis de serem responsabilizados (a sanção não passa do agente infrator da norma), no entanto, a desconsideração da personalidade jurídica, por ser decorrente da decretação da ineficácia da personalidade, atinge a todos: tanto o sócio majoritário quanto o minoritário; tanto o que tem poder de gestão quanto aquele que não o tenha, em suma: todos que estavam protegidos pela personalidade da sociedade.

Assim, diante do enfoque apresentado sobre a desconsideração da pessoa jurídica

por abuso de direito ou fraude, há confusão patrimonial na gestão empresarial de ativos e

passivos entre os bens dos sócios e os da empresa privada nacional. Não restam dúvidas sobre

a necessidade de imputar responsabilidades aos autores, que se escondem na pessoa jurídica

para as práticas ilícitas. Também, torna-se necessário estudar sobre a tripla responsabilização

das pessoas jurídicas e dos gestores por atos fraudulentos que ocorrem no âmbito empresarial

oriundos de atividades ilícitas ou anti-sociais. É preciso apurar, diante do conflito aparentes de

normas, as responsabilizações e impor sanções aos autores, com sanções de natureza civil,

administrativa e criminal.

O enfoque principal deste estudo tem o objetivo de reportar-se à responsabilização

concorrente de agentes (pessoa física: gestor, sócio ou administrador) quando atuam de forma

direta e imediata, e também com a participação da sociedade limitada, como co-autora, sendo

utilizada pelo gestor de forma indireta e mediata para práticas abusivas e ilícitas. A

responsabilização concorrente na gestão empresarial do gestor e da sociedade limitada é o que

se pretende implementar na seara jurisdicional, o que motivará a aplicação de penas àqueles

que contribuem com a prática do ilícito. Assim, passa-se a analisar os indícios que motivarão

a persecução empresarial fraudulenta e a identificar as condutas lesivas, que vão gerar as

responsabilizações civis, administrativas e criminais ao gestor e à sociedade limitada.

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5. TRIPLA RESPONSABILIZAÇÃO DO GESTOR (PESSOA FÍSICA)

Os sócios na sociedade limitada têm suas responsabilidades patrimoniais restritas

ao valor de suas quotas partes, mas todos respondem solidariamente pela integralização de

todo o capital social, conforme dispõe o art. 1.052 do CC. A responsabilidade dos sócios na

sociedade limitada está prevista no contrato social, que institui o ente coletivo. Os sócios têm

que se responsabilizar ao valor de suas contribuições determinadas na quota parte ou à soma

de integralização do capital social.

A tripla responsabilidade do gestor que se pretende abordar é do sócio (pessoa

física), ou seja, civil, administrativa e criminal. Entende-se que a sociedade limitada responde

ilimitadamente com seu patrimônio perante terceiros em razão de falcatruas. Neste caso, é

instrumento para a atividade ilícita. Assim, a responsabilidade limitada do sócio quotista, diz

respeito ao seu patrimônio, com a possibilidade de este ser ou não atingido pelas obrigações

assumidas nas atividades empresariais em caso de abuso de poder ou por condutas

fraudulentas quando se utiliza da pessoa jurídica para atividades espúrias.

Prescreve o art. 1.024 do CC que “os bens particulares dos sócios não podem ser

executados por dívidas da sociedade, senão depois de executados os bens sociais”. Entende-se

que, caso o sócio venha a agir com má-fé ou gestão eivada de falcatruas, violando as

atividades mercantis e ao bem comum da sociedade empresária, deverá vir a ser

responsabilizado com seu patrimônio integralizado e/ou com os bens particulares em face do

dano causado a terceiro. Neste contexto, o gestor será responsabilizado ilimitadamente, pois

responderá com todos os seus bens.

Há responsabilização solidária dos gestores para integralizar todo o capital social

da sociedade limitada. Entretanto, conforme prescreve o art. 1.023, do CC, “se os bens da

sociedade não lhe cobrirem as dívidas, respondem os sócios pelo saldo, na proporção em que

participem das perdas sociais, salvo cláusula de responsabilidade solidária”. A

responsabilidade limitada ou ilimitada, tem em vista o ressarcimento dos danos a serem

garantidos com o patrimônio dos sócios. Neste caso, vislumbrando-se a incidência do

patrimônio particular do gestor, tal recurso deverá vir a ser responsabilizado pela má gestão,

em especial, com a apuração do seu abuso de direito ou desvio de finalidade nas atividades de

gestão empresarial.

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61

Abordando a matéria, os arts. 1.060 a 1.065 do CC introduziram no âmbito das

sociedades limitadas as figuras do administrador sócio e do administrador não sócio. Este

trata-se do gerente ou de terceiro absolutamente estranho aos quadros sociais da sociedade.

Seja o sócio quotista ou administrador, assume responsabilidades para gerir a sociedade

limitada. A sociedade limitada é administrada por uma ou mais pessoas designadas no

contrato social ou em ato separado.

Para Moacyr Lobato de Campos Filho108, “os atuais métodos e processos de

administração, aliados à necessidade de profissionalização dos administradores, justificam

plenamente a faculdade conferida pela lei, quanto ao exercício da administração da sociedade

limitada por administrador não sócio”. Tanto o sócio quanto o não sócio devem assumir seus

compromissos ao gerirem uma sociedade limitada, sob a conseqüência de virem a ser

responsabilizados e implicarem sanções pela má gestão.

Apurar a responsabilização do gestor em atos de corrupção que envolvem fraudes

nas atividades desempenhadas pela pessoa jurídica impõe-se responsabilizar-se o

representante legal ou interposta pessoa, seja o sócio quotista, diretor, gerente, procurador que

obtém vantagens indevidas ou ainda, terceiros que são contratados - no caso, os empregados.

Em ocorrendo resíduo criminal, conforme será abortado no item 5.3, instaura-se o inquérito

policial ou o termo circunstanciado de ocorrência para apurar a infração penal. Também,

torna-se necessário identificar outras responsabilizações civis e administrativas, a fim de

imputarem-se triplas sanções às pessoas físicas ou gestores, conforme será esclarecido.

No que tange à atuação do delegado de polícia, na esfera de suas atribuições,

constata-se que o exercício da atividade policial deve ser pautado pela moralidade,

publicidade, imparcialidade e legalidade, visando sempre, com isenção, à consecução do

interesse coletivo, no qual as autoridades policiais que pelejam diuturnamente nos atos de

ofício devem abster-se de diligenciarem arbitrariamente no sentido de que seus subordinados

adotem idênticas posturas. Assim, no exercício de apurar infrações, devem evitar práticas de

desvios de comportamentos no exercício de suas funções ou abuso de autoridade, com

investigações infundadas e atípicas.

Nesse sentido, os remédios constitucionais para coibir abusos109 são: “direito de

petição, habeas corpus e o mandado de segurança”, que demonstram ser as soluções

imediatas para pôr fim aos abusos e desvios de finalidades, quando verificados nas

investigações, sendo assim instrumentos inibidores das investigações, sem justa causa.

108 CAMPOS FILHO. Sociedade de responsabilidade limitada, p. 54. 109 FERREIRA NETO. A polícia judiciária e a atividade repressiva na seara eleitoral ,p. 2.

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Tal faculdade se justifica para que prevaleçam os direitos e as garantias dos

indivíduos e doravante passem as autoridades investigadoras a conscientizarem-se da

necessidade de atuar com sustentáculo de legalidade e na razoabilidade de suas pretensões

persecutórias, tudo isto norteando as garantias de justiça capazes de pôr fim às investigações

arbitrárias.110 Para o Prof. José Barcelos de Souza111, “sendo um imperativo constitucional, que

se dê habeas corpus - e se dê sempre – a quem sofrer constrangimento ilegal”. 112

As investigações ocorrem na via administrativa, seja por meio de sindicâncias

administrativas ou de auditorias internas na sociedade limitada. Poderão também, na seara

criminal, verificar-se por meio do inquérito policial. Os procedimentos têm o intuito de apurar

responsabilidades do gestor e da sociedade limitada, em face das condutas suspeitas. Não

vislumbrando-se indícios de transgressões, não há a necessidade da intervenção

administrativa, pré-processual (inquisitorial) ou jurisdicional.

Abordando a matéria investigatória, registra-se que, além do inquérito policial, no

âmbito criminal, também há o inquérito civil, cada um apresentando finalidades distintas. O

primeiro, de competência e atribuição do delegado de polícia, tem como escopo a

comprovação da responsabilidade pela prática da infração penal e a determinação da autoria,

para embasar a ação penal. Já o segundo é instrumento de atuação do promotor de justiça, que

busca elementos necessários para servir de base para a propositura da ação civil pública, com

respaldo na Lei n. 8.429/92 (que trata de sanções aplicáveis ao agente público em razão dos

atos de improbidade administrativa)113 ou, ainda, posteriormente à ação civil pública sendo a

ação cabível para apuração de responsabilidade por danos causados: ao meio ambiente, ao

consumidor, ao patrimônio cultural (bens e direitos de valor artístico, estético, histórico,

turístico e paisagístico) e demais interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos por

infração à ordem econômica, à economia popular e à ordem urbanística, encontrando-se

disciplinada na Lei n. 7.347, de 24 de julho de 1985.

Vladimir Passos de Freitas, reportando-se à ação civil pública, esclarece “que

nessas sintéticas ponderações buscou-se chamar a atenção do leitor para a existência do ilícito

110 FERREIRA NETO. Intervenção jurisdicional como inibidor das investigações abusivas, p. 36. 111 Professor Titular da Faculdade de Direito da Universidade de Minas Gerais; subprocurador-geral da República aposentado; professor nos cursos de pós-graduação da Universidade Cândido Mendes (RJ) e Faculdade de Direito Milton Campos – Nova Lima/MG. 112 SOUZA. Competência originária do STF para julgamento de Habeas Corpus contra ato de turma recursal de juizado especial, p. 320. 113 FERREIRA NETO. Controle externo das atividades policiais elide o ministéiro público de apurar ilícito funcional, análogo a to de improbidade administrativa, p. 2.

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civil e a forma procedimental de reparação,”114 quando há violação daqueles interesses

tutelados.

Havendo pluralidade de pessoas na prática de condutas ilícitas entre o empresário

e o funcionário público, este último, responderá também e será responsabilizado civil, penal e

administrativamente por seus atos irregulares em razão do cargo. Torna-se necessário analisar

as persecuções aos crimes licitatórios e previdenciários, bem como, os crimes de lavagem de

capitais decorrentes das fraudes empresariais, em que geralmente também há a participação de

servidores públicos. Sob as responsabilizações do servidor público, Edimur Ferreira de

Faria115 esclarece:

Pela responsabilidade civil o servidor responderá em virtude de comportamento ou ato omissivo ou comissivo, doloso ou culposo, que cause dano ao erário ou a terceiros. A sanção consiste na indenização, a cargo do servidor, correspondente ao dano por ele causado à Administração ou ao particular. Para a liquidação dessa obrigação, podem ser penhorados bens patrimoniais do servidor. Na hipótese de o servidor não ter bens a oferecer à penhora, o pagamento da indenização será feito mensalmente mediante desconto de até um décimo da remuneração ou do provento, nos termos do art. 46 da Lei n.º 8.112/90. A responsabilidade penal decorre da prática de crimes ou de contravenções penais imputado ao servidor nessa condição, autor do ilícito penal. A responsabilidade administrativa é conseqüência de comportamento do servidor caracterizado como ilícito administrativo. São as sanções: advertência, suspensão ou demissão.

Diante do exposto, passa-se a abordar e individualizar as aspirações da tripla

responsabilização do gestor, seja civil, administrativa e criminal, atinentes aos atos de gestão

societária relacionados com seus pares de cunho privado e, também, com os entes públicos,

mas que em toda atividade empresarial deve respaldar na lei, sob o pressuposto de que suas

condutas são eivadas de ilicitude. Assim, em qualquer falcatrua verificada em investigações

preliminares torna-se necessário buscar os meios legais a imputarem-se sanções aos autores

que não se respaldam na lei e na ordem pública.

5.1 Responsabilidade civil do gestor

A violação de um dever jurídico configura um ilícito e quase sempre acarreta dano

para outrem, gerando um novo dever jurídico, qual seja o de reparar o dano. Este dano poderá

ser motivado pelo gestor ou pela pessoa jurídica.

114 FREITAS. Op. cit., p. 356. 115 FARIA. Op. cit.,. p. 142-143.

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Para Sérgio Cavalieri Filho, “só se cogita, destarte, de responsabilidade civil onde

houver violação de um dever jurídico e dano. Assim, o Código Civil faz essa distinção entre

obrigação e responsabilidade no seu art. 389. Não cumprida a obrigação (obrigação

originária), responde o devedor por perdas e danos”. 116 Nesse sentido, é a precisa lição que se

extrai de Orlando Gomes117 “se o dever de indenizar o prejuízo causado é a sanção imposta

pela Lei a quem comete ato ilícito, necessário se torna que o dano seja conseqüência da

conduta de quem o produziu.”

O ato ilícito divide-se em civil e penal, sem se falar no ilícito administrativo. No

presente tópico, será abordada somente a responsabilidade civil da pessoa natural, sob a ótica

de sua atuação como sócio em uma sociedade limitada. Caso o sócio venha a extrapolar suas

atribuições e o compromisso que assume na sociedade perante terceiros, há responsabilização

por danos causados a terceiros, desde que se encontre na atividade da gestão empresarial.

No que tange à apuração da responsabilidade civil do sócio que integra a sociedade

limitada, o sistema geral adotado pelo Código Civil é o da responsabilidade civil subjetiva,

que se funda na teoria da culpa, como previsto nos arts. 186 e 927 do CC. Este último

prescreve que “aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano outrem, fica obrigado

a repará-lo. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede

manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos

bons costumes”.

São pressupostos da responsabilidade civil: a) conduta humana (ação ou omissão);

b) dano (ofensa a um bem jurídico); c) culpa ou risco (segundo se trate de responsabilidade

subjetiva ou objetiva); e d) nexo de causalidade, com o resultado lesivo produzido. Portanto, o

empresário, na condição de pessoa física, agindo como representante da pessoa jurídica, se

administrar em desacordo com o objeto social da sociedade limitada e vindo a causar prejuízo

a terceiros terá que ressarcir o prejuízo, estando a pessoa jurídica isenta de arcar com seu

patrimônio em razão dos danos serem praticados por seu gestor em decorrência da falcatrua.

Assim, se o empresário desempenha relações contratuais na condição de pessoa

natural sem atender os fins da sociedade, ao teor do art. 186 do CC, deverá, neste aspecto,

ressarcir civilmente o prejuízo, pois “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência

ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral,

comete ato ilícito”. Assim, o administrador que abusa da personalidade jurídica, em

verdadeiro desvio de finalidade, está envolvendo diretamente não somente os seus bens

116 CAVALIERI FILHO. Programa de responsabilidade civil, p. 24-25. 117 GOMES. Op. cit., p. 274.

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particulares, mas também os bens dos sócios, que nessa hipótese passarão a ter

responsabilidade subsidiária. O sócio demandado pelo pagamento da dívida poderá exigir

bens do administrador que agiu com fraude e da sociedade limitada.

Registra-se, ainda, que o art. 1.017 do Código Civil prescreve:

O administrador que, sem consentimento escrito dos sócios, aplicarem créditos ou bens sociais em proveito próprio ou de terceiros, terá de restituí-los à sociedade, ou pagar o equivalente, com todos os lucros resultantes, e, se houver prejuízo, por ele também responderá. Fica sujeito às sanções o administrador que, tendo em qualquer operação interesse contrário ao da sociedade, tome parte na correspondente deliberação.

Nesse aspecto, o empresário passa a ter responsabilidade civil em face de sua

gestão perante terceiros. Mas, havendo subsunção à norma penal incriminadora, dúvidas não

há de que praticou também uma infração penal, e por isso deve ser responsabilizado

criminalmente, caso sua conduta subsume-se a um injusto penal, com ofensa ao bem jurídico

tutelado.

O afastamento momentâneo da personalidade jurídica da sociedade para destacar

ou alcançar diretamente a pessoa do sócio, como se a sociedade não existisse, torna-se

fundamental para imputar-se responsabilização ao gestor. Fica evidente que qualquer manobra

do sócio, ora pessoa física, que vise a uma gestão fraudulenta ou abusiva deverá ser

combatida pela desconsideração, motivando afastamento da autonomia patrimonial da pessoa

jurídica, que passará a atingir a pessoa natural, com os seus bens particulares respondendo em

face das fraudes e abusos na gestão.

O gestor deve assumir a responsabilidade da integralização de seu capital social no

patrimônio da sociedade limitada em que sua gestão e negócios utilizam-se da empresa e sua

estrutura organizacional econômica em atividades com terceiros, mas sempre atento ao seu

limite de atuação contratual. Ao administrar ou gerir com má fé ou utilizar-se de uma gestão

de falcatruas patente, é a responsabilidade pessoal do gestor perante terceiros ludibriados.

Há responsabilidade civil do gestor enquanto pessoa física por ato ilícito ou

malícia utilizada na gestão empresarial com fim de burlar a lei utilizando-se de fraude. Neste

contexto, apuram-se a culpa do gestor e o nexo de causa que originou o evento danoso capaz

de redundar em indenização decorrente do ato ilícito, que é o fato que afronta o Direito.

Surge, assim, a responsabilidade subjetiva.

Harm Peter Westermann118, acerca da determinação do conteúdo de relações

obrigacionais contratuais, que geralmente ocorrem entre empresários e terceiros ou, ainda,

118 WESTERMANN. Código civil alemão; direito das obrigações; parte gera. p. 35.

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entre sociedades empresariais e terceiros, sejam na órbita privada ou pública, mostrando a

distinção dos compromissos autônomos, ensina:

Fora do quadro ordinário dos compromissos assumidos em forma privado autônoma, situa-se também a pena contratual. Não se deve confundir este caso especial de exercício de justiça privada com a pena criminal estatal, muito embora alguns fenômenos, que se assemelham à pena contratual, tais como as penas referentes à empresa ou à associação, se aproximem muito da ação estatal, podendo, em caso isolados, até interferir no privilegio da magistratura. Tocante à pena contratual privada, trata-se de um meio de pressão lícito na mão do credor para o caso de o devedor descumpra ou não cumpra regularmente um obrigação. Aqui, mostra-se que em sua essência, à pena contratual é também afeto o caráter de uma indenização ao credor por perdas patrimoniais sofridas.

O Código Civil também adotou como sistema subsidiário de responsabilização

pessoal a responsabilidade objetiva, conforme prevê o parágrafo único do art. 927: “Haverá

obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou

quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza,

risco para os direitos de outrem”. Assim, para que haja o dever de indenizar. é irrelevante a

conduta (dolosa ou culposa) do agente, pois basta a existência do dano e do nexo de

causalidade entre o fato e o dano, conforme relata José Franklin de Souza. 119

O estudioso Celso Marcelo de Oliveira120 relata que “em se tratando de direito

societário, o administrador, em qualquer ocasião, responderá pela prática de ato ilícito na

condução dos negócios sociais e pela eventual má-administração dos mesmos. Nesses dois

casos, o administrador sempre irá responder por ato pessoal seu, e, portanto, a sua

responsabilidade será ilimitada”.

Demonstrada a culpa, assim como o dano e o nexo causal entre o evento danoso e

uma ação ou omissão do administrador, a sociedade, os demais sócios e terceiros poderão

exigir a composição dos prejuízos. Quando ocorrer uma má-administração, o administrador é

responsabilizado por não gerenciar os negócios sociais com empenho.

Na sociedade de responsabilidade limitada, ocorrendo alteração contratual e não

levada a registro, demonstra-se uma circunstância que torna a situação irregular, acarretando,

conseqüentemente, solidariedade e responsabilidade ilimitada de todos os sócios, enquanto

não houver o registro de alteração do estatuto. A responsabilidade civil do sócio é com o seu

patrimônio particular perante terceiros.

Uma gestão fraudulenta pode ser demonstrada, por exemplo, caso haja emissão de

um cheque sem fundos, isto é, com certeza, uma fraude. Mas se uma sociedade limitada, por

119 SOUZA. Responsabilidade civil – causas de exclusão, p. 29. 120 CELSO. Op. cit., p. 569.

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intermédio de seu gestor, emite um cheque sem fundos, evidentemente firmado por seu

representante legal, não é cabível sustentar-se a desconsideração da pessoa jurídica nesta

hipótese, porque o ilícito reside somente na utilização fraudulenta do cheque. Segundo

acórdão inserido em RJTAMG, 44:286, “o inadimplemento contratual em compromisso de

compra e venda, ainda que doloso, constitui ilícito civil a ensejar a rescisão do contrato, não

configurando o crime de estelionato, por ser mero negócio mal resolvido, a ser discutido no

âmbito do direito privado”.121 A responsabilização se concretiza com o ressarcimento dos

danos produzidos pelo gestor, garantindo com o acervo patrimonial, no caso das condutas

fraudulentas.

Abordando o tema estelionato, o Desembargador do Tribunal de Justiça de Minas

Gerais Doutor Alexandre Victor de Carvalho analisa a questão envolvendo o “cheque pós-

datado” com pagamento frustrado em seu voto e a respeito do assunto:

Sobre o tema, já tive a oportunidade de me manifestar. O não-pagamento de cheque pós-datado no prazo avençado para o cumprimento da obrigação não configura crime de estelionato e sim mero ilícito civil, merecedor de reprovação em outra seara, que não a criminal. Com efeito, para a configuração do estelionato é imprescindível que haja uma relação direta entre a vítima e o agente e que este consiga aferir vantagem ilícita mediante o emprego de fraude. Nesse sentido, tenho adotado reiteradamente o entendimento de que o cheque pré-datado caracteriza confissão de dívida a ensejar o seu não-pagamento mero ilícito civil, pois o crime de estelionato exige que a vítima seja ludibriada, enganada, estando convicta, no momento em que recebe o título de crédito, como ordem de pagamento à vista, que vá receber o valor em espécie assim que depositar ou descontar o cheque, o que, não acontecendo, evidencia a fraude, o engodo, pois não existia o dinheiro como sinalizado pelo agente ao emitir a ordem de pagamento. Ora, o cheque pré-datado, prática costumeira do comércio, sendo ordem de pagamento para o futuro, caracteriza promessa de cumprimento do acordo financeiro, o que pode não se efetivar por razões outras, inexistentes no momento da avença mercantil. Dessa forma, não se pode falar em engano e erro da vítima no momento em que recebe o cheque, mas sim em confissão de dívida a ser quitado no futuro. No sentido de todo o exposto, a posição do Supremo Tribunal Federal: ‘A vítima, aceitando o cheque pré-datado para descontá-lo no banco sacado dezessete dias depois de sua emissão, concorreu para que o cheque fosse desfigurado de ordem de pagamento à vista para promessa de pagamento a prazo e, assim, o fato perdeu a tipicidade do crime previsto no art. 171, §2º, VI, do Código Penal (STF. – RHC 61.353 – Rel. Min. Soares Munhoz ) ( TJMG. Processo nº 1.0024.00.043.335-9/001 – Pub. Em 17/11/2003).

Para a caracterização do crime de estelionato, é necessário haver o agente induzido

pessoa a um erro, mediante ardil ou qualquer outro meio artificioso ou fraudulento. Se o

ilícito for de natureza civil não há por isso justificativa para a ação penal (Jurisprudência

Brasileira Criminal, 2:227). No caso descrito, o sujeito inadimplente é a pessoa jurídica.

Trata-se de mero ilícito civil, cujo ressarcimento é de atribuição da sociedade limitada, com

121 Nesse sentido, RJTAMG, 15:366.

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resíduo também de transgressão administrativa pelo sócio que lesou terceiro de boa fé em face

do inadimplemento, o que nada obsta sua possível exclusão da sociedade limitada em razão de

sua conduta direcionada a falcatruas e ao enriquecimento ilícito.

É necessário, todavia, não haver confusão entre fraude civil e fraude penal, a fim

de posteriormente amparar-se na teoria da desconsideração da pessoa jurídica, pois, para

coibir atos fraudulentos e abusivos de um administrador que se utiliza da sociedade limitada,

acaba-se por tornar necessária a individualização da autoria daquele que produziu os

resultados lesivos e motivará as responsabilizações, seja do empresário ou da sociedade

limitada. Para o doutrinador Fábio Ulhoa Coelho122:

Não se pode utilizar a teoria da superação da pessoa jurídica em qualquer caso de dano a um credor ou terceiro, pois pode muito bem acontecer de um credor não ver o seu direito satisfeito porque a sociedade devedora não possui bens suficientes para responder pela obrigação, embora os seus representantes sejam titulares de um vasto patrimônio. Para desconsiderar a pessoa jurídica, há necessidade de se provar que o dano ocorrido é decorrente de um uso fraudulento ou abusivo da autonomia patrimonial. Acrescenta ainda, que se inexistiu qualquer fraude ou abuso de direito, estamos diante de uma pessoa jurídica insolvente, que não pode honrar os seus compromissos, impondo-se, portanto, a decretação de sua falência.

Analisando as questões que envolvem fraudes utilizadas pelo administrador em

sua gestão empresarial, João Roberto Parizatto123 define que “o meio fraudulento pode ser

considerado como o recurso utilizado pelo agente na prática do crime em que há fraude, há

dolo, há má-fé; e cita Von Liszt, que diz ser fraude essencialmente, a lesão patrimonial

realizada por meio de malicioso engano”. 124 Tavares Paes acrescenta que “a fraude constitui a

manobra, a técnica para prejudicar e lesar terceiros. Assim, a fraude é o ato que visa

prejudicarem direitos ou interesses”.

Sob o tema “Responsabilidade civil e limitada do gestor”, a garantia de

ressarcimento dos prejuízos ocorre com os bens ou com as quotas sociais que integram o

capital social na empresa. É justificável a busca destas garantias pelo credor em face da

inadimplência fraudulenta da sociedade limitada em cumprir seus negócios perante terceiros

de boa fé. A justificativa se deve ao fato do sócio-gestor da sociedade de responsabilidade

limitada não cumprir seu dever, como administrador, extrapolando seu limite na sociedade

limitada e agir com má fé, aumentando ilicitamente seu patrimônio, em prejuízo de terceiros.

Nesse aspecto, o gestor viola o affectio societatis. Ou seja, extrapola sua

administração limitada no contrato, o que redunda em prejuízos a terceiros. Nada mais justo

pleitear os credores o ressarcimento, nas vias judiciais, quando o gestor utiliza-se da empresa

122 COELHO. Op. cit., p. 42. 123 PAES. Fraude contra credores, p. 19. 124 PARIZATTO. Dos crimes contra o patrimônio, p. 144.

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para enriquecer-se ilicitamente mediante fraude. Poderá o credor prejudicado pleitear o

ressarcimento, pois, sob análise da manobra feita pela pessoa física (gestor), não se pode

utilizar a gestão empresarial em falcatruas para obter vantagens ilícitas. Logo, se verificada

dúvidas não restam de que o terceiro prejudicado deverá pleitear seu direito violado no juízo

competente. A estudiosa sobre o tema Vera Helena de Mello Franco125 aponta uma série de

atos que dão lugar ao dever de indenizar, dentre eles:

a) a utilização da firma social para realizar atos estranhos ao objeto social; b) a prática de atos que, embora destinados à consecução do objeto social, lhe são vedados por uma cláusula do contrato social; c) o administrador valer-se de seus poderes para realizar atos compreendidos no objeto social, porém no seu próprio interesse e não naquele da sociedade.

Logo, na falta de diligências legais, se o gestor no intuito de valer-se do pacto

celebrado entre os contratantes, praticar atos ilícitos, pacífico será a possibilidade de este

gestor que se utilizou da má-fé ao administrar vir a arcar pelos danos causados a terceiros, em

especial com seu patrimônio particular, em caso de fraude na gestão empresarial. Outra

responsabilização do sócio decorre do excesso de mandato que constitui ato ilícito, o que,

obviamente, redundará no ressarcimento do prejuízo causado. O Prof. Vinícius José Marque

Gontijo126, sobre o tema relata:

O excesso de mandato decorre da prática do ilícito pelo não atendimento dos requisitos prescritos pelo instrumento de constituição para a ação ou a omissão, ou mesmo por subtração do objetivo social empresarial, qual seja: o lucro. Por exemplo, digamos que o contrato social de uma sociedade limitada tenha estabelecido que para a cessão de estabelecimento empresarial seria necessária a intervenção de dois administradores. Se, no entanto, apenas um subscreve o instrumento de cessão, trata-se de extrapolação dos poderes que lhe foram outorgados, gerando sua responsabilização por excesso de mandato, na medida em que não tinha poder (mandato) para, sozinho, praticar o negócio jurídico.

Ademais, abordando a responsabilidade contratual em que os sócios assumem

compromissos de gestão perante terceiros da qual poderão redundar perdas e danos, ensina

Antônio Chaves que “quem age com dolo, com intenção de prejudicar, terá que sofrer

cominação mais grave do que a simples reposição de tudo ao estado anterior. Determina que a

indenização consiste em se restituir a coisa, mais o valor das suas deteriorações, ou faltando

ela, em se embolsar o seu equivalente ao prejudicado".127

Constatado ainda que o gestor obteve vantagem ilícita, em prejuízo da empresa, há

apropriação indébita, cujo crime é previsto no art. 168 do CP. Neste aspecto, será

responsabilizado criminalmente. Se o sócio obteve vantagens indevidas de terceiros, causando

125 FRANCO. Op. cit., p. 264. 126 GONTIJO. Op. cit.,p. 42. 127 CHAVES. Responsabilidade civil: estudo de direito comparado integrativo, p. 49.

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prejuízo patrimonial para a sociedade limitada, nada obsta que, extrapolando suas atribuições

deva, ressarcir a sociedade limitada. Na seara administrativa, conforme se verificará no tópico

posterior, é caso de sua exclusão da sociedade limitada, pois violou seu dever contratual e não

seria de bom senso a sociedade arcar com o prejuízo em razão da conduta errante do gestor

criminoso.

Assim, cria-se a motivação para a teoria da tripla responsabilidade ao gestor nos

âmbitos civil e criminal, como também na seara administrativa. O objetivo é coibir o

enriquecimento ilícito e a impunidade daqueles que se utilizam da pessoa jurídica para

obtenção de vantagens ilícitas.

5.2 Responsabilidade e sanções administrativas ao gestor (sócio e não sócio)

Imputar-se responsabilização ao gestor (sócio) enquanto pessoa física por integrar

o quadro empresarial torna-se necessário caso não venha desempenhando a contento suas

funções, em especial quando administra com má fé e objetiva vantagens ilícitas, pondo em

risco toda uma estrutura organizacional. A medida necessária é a exclusão do sócio corrupto.

Também há de punir-se o administrador não sócio (empregado) que, sendo gerente,

representante ou procurador da sociedade limitada deve gerir e administrar bem, com todos os

seus esforços para que todos os objetivos sociais sejam plenamente alcançados. 128 Caso não se

verifique tal comportamento, a sanção administrativa é a sua demissão, por justa causa,

conforme verificado neste capítulo.

Portanto, o sócio representante, o administrador ou o gerente que atuarem em

desconformidade da lei devem ser responsabilizados civil ou criminalmente, assim como na

seara administrativa, caso em que a sanção é sua exclusão da sociedade como mais

recomendável. Caso seja o empregado, o motivador da conduta desajustada na gestão

empresarial, patente será sua demissão. O descumprimento dos deveres legais impostos aos

administradores ou sócios, causando dano a qualquer pessoa, faz-se necessário

responsabilizar quem motivou.

José Edwaldo Tavares Borba129, quanto à responsabilidade do administrador da

empresa, sustenta:

128 BERTOLDI. Curso avançado de direito comercial, p. 370-371. 129 BORBA. Direito societário, p. 83.

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O sócio-gerente não responde pessoalmente pelas obrigações assumidas, em nome da sociedade. No entanto, sempre que agir em desacordo com a lei ou com o contrato social, estará o sócio-gerente pessoalmente comprometido, e responderá, com todos os seus bens particulares, tanto perante a sociedade como perante terceiros. Configura-se violação da lei, isto sim, quando o imposto de renda retido na fonte ou as contribuições previdenciárias descontadas do empregado não são regularmente recolhidos. Nessas situações, o não recolhimento, por envolver apropriação indébita, representa violação da lei, do que decorre responsabilidade pessoal e ilimitada do sócio gerente. Anote-se, pois, que os sócios gerentes que agirem regularmente, com plena observância das regras legais e do contrato social, não tem qualquer responsabilidade pessoal, devendo os seus bens particulares ficar a salvo de execuções ou penhoras por dívidas da sociedade.

Ocorrendo circunstâncias em que os sócios, administradores, diretores, gerentes e

pessoas agem de forma ilícita, com uma má gestão, excedendo seus poderes limitados no

contrato social e de maneira contrária à lei, não há de falar-se em desconsideração da pessoa

jurídica, mas, sim, de responsabilizar-se civilmente a pessoa física.

O doutrinador João Casillo130 ensina “que não foi à pessoa jurídica que teve sua

finalidade desvirtuada, não foi à pessoa jurídica como ser que foi manipulada, mas sim, o

diretor, o gerente ou o sócio que, na sua atividade ligada a empresa, andou mal”.

Sob o tema “Responsabilidade pessoal dos sócios”, há uma nova ação de

responsabilização, em que se torna necessário que a indisponibilidade de bens particulares dos

réus dê-se em quantidade compatível com o dano provocado. A aludida ação está prevista no

art. 82 da Lei n. 11.101/95 (Lei de Falências), quando institui a ação de responsabilização em

desfavor da pessoa física de responsabilidade limitada. O citado art. reza “a responsabilidade

pessoal dos sócios de responsabilidade limitada, dos controladores e dos administradores da

sociedade falida, estabelecida nas respectivas leis, será apurada no próprio juízo da falência,

independentemente da realização do ativo e da prova da sua insuficiência para cobrir o

passivo, observado o procedimento ordinário previsto no Código de Processo Civil”. É bom

que se registre que o sócio de responsabilidade limitada, caso dê prejuízos a terceiros

(credores), nada obsta pleitear-se no próprio juízo de falência aludido ressarcimento, via rito

ordinário, a fim de demonstrar ser direito. O juiz poderá, de ofício ou mediante requerimento

das partes interessadas, determinar a indisponibilidade de bens particulares dos réus, em

quantidade compatível com o dano provocado, até o julgamento da ação de responsabilização.

Por essa razão, é dever do sócio colaborar lealmente para a consecução do fim comum. Se

faltar com este dever, rompe-se a affectio societatis, e a sanção sugerida é a exclusão. Neste

aspecto, verifica-se também que o enfoque é uma sanção administrativa em desfavor do sócio

infiel, que não deverá mais integrar o quadro societário.

130 CASILLO. Desconsideração da pessoa jurídica, p. 35.

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Não é só a exclusão do sócio infiel uma providência de caráter administrativo dos

outros gestores a fim de imputar-se uma conseqüência de seus atos indevidos, mas também a

oportunidade para que terceiros prejudicados possam pleitear que este mau gestor, que venha

arcar com as vantagens indevidas auferidas, mediante competente ação de ressarcimento de

danos.

Para Vera Helena de Mello Franco, affectio societatis significa confiança mútua e

vontade de cooperação a fim de obter determinado benefício. O elemento confiança é da

essência da sociedade.131 Ao administrar e gerenciar sob o enfoque externo, o gestor

representa a sociedade nas relações perante terceiros. Portanto, não poderá utilizar-se da

empresa para benefício próprio, visando a enriquecimento ilícito.

A gestão da empresa também ocorre sob o enfoque interno. Neste aspecto, a gestão

é a da atividade ou provimento visando ao funcionamento da atividade econômica, que

objetiva coibir falhas na administração. No enfoque da gestão externa da sociedade limitada

perante terceiros, o gerenciamento em desacordo com o objetivo social implicará sanções aos

infratores. Toda infração administrativa corresponderá a uma sanção de caráter disciplinar,

que serve de exemplo para que outros não violem as normas gerenciais.

Pode-se ainda constatar a responsabilizações na gestão administrativa em face da

relação recíproca de patrão e empregado, motivada pela relação contratual. Na análise de

responsabilidade contratual entre empregado e empregador (sociedade limitada), reporta-se às

sanções administrativas, com a retirada e exclusão daquele gestor (pessoa física) da sociedade

empresária. Quanto ao gestor não sócio, mas empregado e contratado, caso não venha a

desempenhar a contento suas atribuições no ente coletivo em face das condutas descritas no

art. 482, da Consolidação das Leis do Trabalho, apurando-se transgressões, via sindicância

administrativa, motivará em constituir justa causa a rescisão do contrato de trabalho pelo

empregador:

a) por ato de improbidade; b) incontinência de conduta ou mau procedimento; c) negociação habitual por conta própria ou alheia sem permissão do empregador, e quando constituir ato de concorrência à empresa para a qual trabalha o empregado, ou for prejudicial ao serviço; d) condenação criminal do empregado, passada em julgado, caso não tenha havido suspensão da execução da pena; e) desídia no desempenho das respectivas funções; f) embriaguez habitual ou em serviço; g) violação de segredo da empresa; h) ato de indisciplina ou de insubordinação; i) abandono de emprego;

131 FRANCO. Manual de direito comercial: o empresário e seus auxiliares, o estabelecimento comercial, as sociedades, p. 177.

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j) ato lesivo da honra ou da boa fama praticado no serviço contra qualquer pessoa, ou ofensas físicas, nas mesmas condições, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem; k) ato lesivo da honra ou da boa fama ou ofensas físicas praticadas contra o empregador e superiores hierárquicos, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem; l) prática constante de jogos de azar. Parágrafo único - Constitui igualmente justa causa para dispensa de empregado a prática, devidamente comprovada em inquérito administrativo, de atos atentatórios à segurança nacional.

Nos casos apresentados, o empregado de uma sociedade limitada sendo imputado

das condutas acima descritas e não justificáveis, motiva a demissão do gestor-empregado

(pessoa-física e não sócio) por justa causa, pois advém de uma relação contratual, sendo a

medida administrativa saneadora, a fim de que a empresa possa desempenhar sua gestão

isenta de condutas ilícitas.

Também participa da fiscalização do exercício das atividades da sociedade

limitada o Conselho Fiscal, ao teor do art. 1.069, incisos I a VII, do CC, que incumbem à

fiscalização “denunciar erros, fraudes ou crimes que descobrirem, sugerindo providências

úteis à sociedade”. Assim, torna-se necessário à sociedade limitada possuir um segmento

responsável para a realização de auditorias e fiscalizações, no âmbito de suas atividades, sob

pena de reinar as falcatruas empresariais. Em reportagem jornalística acerca da ausência de

órgãos de fiscalização ou de repressão às fraudes empresariais, pesquisa da Ernst & Young

feita com 151 corporações brasileiras revelou:

Em 65% delas admitem não ter plano para evitar algum tipo de roubo ou corrupção cometido por seus empregados. Base da pesquisa constatou que 38 empresas têm o faturamento anual superior a R$ 1 bilhão; 42 com faturamento anual entre R$ 250 milhões e R$ 1 bilhão; e 65 empresas com faturamento anual inferior a R$ 250 milhões. Sendo o perfil das fraudes: 65% são desvios ativos; 39% são cometidos no setor financeiro; 19% são cometidos no departamento comercial; 70% envolvem participação de funcionários (1 ou 2); 42% são descobertos através de controles internos; 28% são descobertos através de denúncias anônimas; 68% não são ajustadas à contabilidade; 88% das estimativas de perdas devido a fraudes não passam de 1% do faturamento anual da empresa; 77% das fraudes culminam com a demissão dos funcionários envolvidos; 46% das perdas geradas pelas fraudes não são recuperadas. O perfil do fraudador: 66% são funcionários com mais de dois anos de casa; 56% têm entre 25 a 44 anos. Em São Paulo, cidade que foi realizada a maior parte da pesquisa, 58% dos empregados que fraudaram as empresas têm curso superior completo e 61% ganham mais de R$ 2 mil mensais. Ou seja, quem frauda tem qualificação e capacitação para tanto. Outra pesquisa realizada por Marcelo Alcides Carvalho Gomes, da USP, com 1,5 mil empresas, revelou que as organizações ainda não conseguem identificar crimes praticados pela alta gerência e diretoria. Além disso, as auditorias internas e os

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departamentos de controladoria das empresas encontram-se despreparados para detectar e investigar crimes financeiros. 132

As diligências visando apurar as falcatruas devem ser precedidas de auditoria ou

de sindicância administrativa, a fim de apurar os ilícitos administrativos. Trata-se de uma

contribuição à prevenção de fraudes contra as atividades empresariais. Faz-se necessária a

colheita de provas objetivas e subjetivas, como documentos e inquirições de testemunhas, a

fim de que se possa formar a real convicção da transgressão administrativa noticiada e, assim,

possibilitar ao sindicado a oportunidade de defender-se das acusações, em respeito ao

princípio constitucional do contraditório e da ampla defesa. Caso demonstrado que perpetrou

a transgressão, deverá ser punido administrativamente.

A sugestão de exclusão do sócio somente deverá ocorrer se verificar-se falta grave

pelo gestor-sindicante no exercício de suas atividades empresariais, apurada em procedimento

investigativo de natureza administrativa, concluindo-se que é capaz de pôr ao risco a estrutura

organizacional econômica. No caso dos empregados que integram os quadros de uma

sociedade limitada estes estão sujeitos à obediência às normas contratuais e à subordinação,

bem como ao cumprimento do objeto social da atividade desenvolvida pela sociedade

limitada.

Abordando o tema, da retirada do sócio da sociedade limitada, prescreve o art.

1.029 do CC, que, “além dos casos previstos na lei ou no contrato, qualquer sócio pode

retirar-se da sociedade se de prazo indeterminado, mediante notificação aos demais sócios,

com antecedência mínima de sessenta dias; se de prazo determinado, provando judicialmente

justa causa”. Nos trinta dias subseqüentes à notificação, podem os demais sócios optar pela

dissolução da sociedade. Se a motivação da retirada do sócio for por justa causa, atinente a

sua má gestão na empresa, com obtenção de vantagens ilícitas, nada obstar sua saída dar-se

antes de prévia sindicância.

A sindicância é o procedimento investigatório que, atento ao crivo do contraditório

e da ampla defesa, conforme o art. 5º, inciso LV, da CF, deverão os gestores usar para

demonstrar administrativamente que a exclusão do sócio é por justa causa, após a colheita de

provas. Tal sindicância visa eximir de qualquer responsabilidade futura por lesões causadas a

terceiros por intermédio da empresa. Pelos atos praticados em decorrência de falcatruas ou

obtenção de vantagens ilícitas, o sócio quando se retira da sociedade limitada deve ser

imputado pelas conseqüências de sua conduta, com a responsabilização correspondente.

132 PAIVA. Economia. Fraude atinge 67% das empresas, p. 11.

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Numa primeira análise, a sanção de exclusão e de demissão é de cunho

administrativo, a ser imposto ao sócio ou empregado, ambas as pessoas físicas, pois não

fazem jus integrar o quadro social em face dos comportamentos eivados de falcatruas. Torna-

se justificável a sua exclusão da sociedade limitada. Quanto à dissolução da sociedade

limitada, este tema será abordado oportunamente, por tratar-se da responsabilização

administrativa da pessoa jurídica perante terceiros quando não atende o fim contratual que

instituiu o contrato social.

A resolução da sociedade em relação à parcela de empregados ou de seus sócios é

verificada com a demissão ou retirada do sócio inescrupuloso, que administra mediante

condutas fraudulentas, o que poderá ocorrer também pela via judicial, conforme se vislumbra

no art. 1.030 do CC, que assim reza: “Ressalvado o disposto no art. 1.004 e seu parágrafo

único, pode o sócio ser excluído judicialmente, mediante iniciativa da maioria dos demais

sócios, por falta grave no cumprimento de suas obrigações, ou, ainda, por incapacidade

superveniente. Parágrafo único. Será de pleno direito excluído da sociedade o sócio declarado

falido, ou aquele cuja quota tenha sido liquidada nos termos do parágrafo único do art. 1.026”.

Tal circunstância se verificará com a falta grave no cumprimento das obrigações

empresariais. A intervenção para a exclusão do sócio poderá ocorrer por intermédio do Poder

Judiciário. Conforme noticiado, deverá, posteriormente, ocorrer a alteração contratual perante

a Junta Comercial, em decorrência da mudança dos integrantes do quadro societário.

Tratando-se de sócio minoritário, já se verificando no contrato social tal possibilidade de

exclusão, adota-se na órbita administrativa, não sendo necessário ingressar-se com ação de

exclusão do sócio minoritário na seara judicial, o que nada obsta verificar esta alternativa.

O art. 1.085 do CC disciplina a expulsão administrativa do sócio minoritário, que

ocorrerá quando põe em risco a continuidade da sociedade limitada, em virtude de atos de

inegável gravidade, em que a maioria dos sócios poderá excluir tal sócio caso previsto no

contrato social. Logo, quando a maioria dos sócios, representativa de mais da metade do

capital social, entender que um ou mais sócios estão pondo em risco a continuidade da

sociedade empresarial, em virtude de atos de inegável gravidade, poderá excluí-los da

sociedade, mediante alteração do contrato social, desde que prevista neste a exclusão por justa

causa. A exclusão somente poderá ser determinada em reunião ou assembléia especialmente

convocada para esse fim, ciente o acusado em tempo hábil para permitir seu comparecimento

e o exercício do direito de defesa.

Apresentam-se como justa causa: incapacidade moral ou civil, julgada por

sentença do colegiado de sócios que apura o abuso, prevaricação, violação ou falta de

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cumprimento das obrigações sociais. Caso verificado esta exclusão, há a necessidade de

posterior alteração do contrato social. A sanção administrativa correta é o afastamento do

gestor inadequado, com sua punição de exclusão do quadro societário. Não há dissolução ou

extinção da sociedade limitada neste caso.

Sobre o tema, Hector Carrara133, em lição doutrinária apresenta:

Constitui a exclusão do sócio um poder a ser exercido pelos demais sócios inocentes contra o sócio faltoso ou desventurado e que está fundada no caráter recíproco da convenção, no qual cada participante prometeu uma prestação em benefício dos outros, que também se obrigaram em seu benefício. Os sócios têm deveres uns para com os outros, essência do affectio societatis.

Quanto à expulsão do sócio majoritário, Marcelo Bertoldi relata que “deve se

utilizar obrigatoriamente das vias judiciais em decorrência da falta grave e a conduta

desajustada”134, o que deve ser provado pelos demais sócios. Entretanto, simultaneamente

também poderá instaurar-se uma sindicância de caráter administrativo para apurar a violação

da affectio societatais, respeitando-se o contraditório e a ampla defesa procedimental, pois a

continuidade do mau gestor torna-se insuportável para uma vida saudável da sociedade.

Portanto, determina o art. 1.030 do CC que a iniciativa para a exclusão do sócio

majoritário deverá partir da maioria dos demais sócios, ou seja, na reunião ou assembléia de

sócios que venha a decidir sobre a exclusão do sócio majoritário. Este não poderá votar. A

exclusão como sanção punitiva de caráter administrativo poderá atingir qualquer gestor que

descumprir seus deveres sociais.

Para Romano Cristiano135 “o Poder Judiciário tende, atualmente, a não permitir

mais a dissolução das sociedades comerciais em geral a pedido apenas de um dos sócios.

Constitui preocupação de todos, hoje em dia, a idéia de salvar a empresa. É o afastamento do

sócio por motivo justificado”. Logo, ações que possam causar risco à continuidade da

empresa, com a gravidade da conduta do sócio quotista, em especial em atividades que

envolvem falcatruas, motivarão a justa causa para sua exclusão do quadro societário. A

exclusão será promovida pelos sócios, pois é deles a deliberação, ao teor do art. 1.085,

parágrafo único, do CC, que assim estabelece: “a exclusão somente poderá ser determinada

em reunião ou assembléia especialmente convocada para esse fim, ciente o acusado em tempo

hábil para permitir seu comparecimento e o exercício do direito de defesa”.

133 CAMARA. Dissolución y liquidación de sociedades mercantiles, p. 32-33. 134 BERTOLDI. Op. cit. p. 174. 135 CRISTIANO. Sociedade limitada no Brasil, p. 197.

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Rubens Requião136 afirma “que a ocorrência dessa justa causa (ainda que não

prevista contratualmente) habilita a maioria dos sócios a votar pela exclusão do sócio

indesejável”. Essa posição doutrinária tem sido admitida ultimamente em freqüente

jurisprudência de tribunais.137 Acrescenta-se ainda que, seja o sócio minoritário ou

majoritário, poderá ser expulso sempre que verificar-se má-fé, falcatrua, deslealdade ou

empecilhos à efetivação dos fins sociais. “Sua exclusão se impõe em benefício da preservação

da sociedade e em respeito ao direito dos demais e também quando colocam em risco as

atividades empresariais”. Assim, a justa causa para uma gestão isenta de atos fraudulentos ou

em desacordo com o bem comum da sociedade limitada faz-se necessária. Não se verificando

a lisura na gestão da sociedade limitada, outra alternativa não há senão a punição

administrativa ao gestor na seara empresarial, com sua exclusão.

Também é passível de identificar-se responsabilização administrativa dos sócios

em uma sociedade de responsabilidade limitada que, composta por quatro sócios, apura-se

que dois destes sócios, em conluio e com unidade de propósitos, celebraram um contrato inter

partes com objetivo de que os recursos e o capital dos outros dois sócios integrantes deveriam

arcar com as dívidas da empresa, enquanto que os capitais dos “contratantes” não seriam

utilizados para tal finalidade, em prejuízo dos demais sócios. Demonstradas as diversidades

das responsabilidades patrimoniais alusivas aos interesses dos dois sócios da empresa, patente

é o contrato ilícito e imoral em prejuízo dos outros dois sócios. Então, torna-se necessário

impor sanções a tais sócios quotistas beneficiários, em conduta dissimulada. No caso em tela,

somente o capital de dois sócios prejudicados seria utilizados para o pagamento de dívidas da

sociedade limitada em benefício dos outros dois contraentes, demonstrando um “pacto ilegal”.

Em matéria publicada na revista Dinheiro138 sobre contratos ilícitos, o diretor da Agência

Brasileira de Inteligência (ABIN), o delegado da Polícia Civil de São Paulo/SP, Prof. Mauro

de Lima e Silva139, esclarece:

As empresas brasileiras são alvo dos arapongas internacionais. Empresas passaram a contratar arapongas da Guerra Fria para obter de maneira ilegal informações de concorrentes. A espionagem econômica é muito lucrativa para quem a faz e para quem paga para tê-la. Com o final da Guerra Fria entre os Estados Unidos e a União Soviética soltaram no mercado milhares de espiões. São profissionais bem treinados que perderam funções políticas e buscam oportunidades em todo o mundo para atender a demanda de clientes interessados em arrancar de maneira ilegal informações estratégicas de concorrentes. Essa mudança na geopolítica do planeta coincidiu com a explosão da globalização, dos interesses internacionais atrelados à questão econômica e do aumento da concorrência comercial entre países e empresas.

136 REQUIÃO. Curso de direito comercial, p. 428. 137 TR, 510/131. 138 FERNANDES. Espionagem agora é econômica, p. 22. 139 Delegado de Polícia Civil no Estado de São Paulo e professor na ACADEPOL/SP.

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Trata-se de modalidade “contratual” revestida de caráter de imoralidade, pois a

pessoa é contratada para um fim espúrio, na busca de informações e sigilos da empresa

concorrente, sem que os gestores saibam da espionagem. Tais circunstâncias são revestidas de

fraude, corrupção e abuso do poder econômico na administração das sociedades, com

contratos revestidos de “legalidade”, mas imorais. Logo, é necessário apurar os responsáveis

deste empreendimento que infiltram pessoas para espionar a empresa concorrente e que atua

no mesmo ramo. Uma vez de posse de informações privilegiadas, causam prejuízos às

empresas concorrentes e investigadas, o que motiva prejuízos econômicos, com a obtenção de

vantagens ilícitas.

Assim, os demais gestores, apurando ser necessária a exclusão do quadro

societário de tal sócio infiel, deverão demonstrar a justa causa, instruindo o procedimento

investigatório administrativo com provas objetivas e subjetivas da transgressão de natureza

grave. Tal punição também pode ser extensiva ao espião ou empregado contratado. Portanto,

a sanção administrativa mais severa é a exclusão dos integrantes da sociedade limitada, caso

venham a desempenhar condutas incompatíveis com o estabelecido no contrato social da

sociedade.

No objetivo de identificar comportamentos potencialmente fraudulentos que

podem ser tratados por meio de procedimentos administrativos para a redução de perdas com

fraudes e abusos, a empresa WS Systems – Tecnologia para Inteligência Empresarial propõe

para a detecção de fraudes e abusos, por constituir uma forte ameaça às empresas de serviços

em alguns segmentos de negócios, que o combate à fraude possa ser realizado pelo

estabelecimento de controles administrativos, com apoio de trabalho de peritos concentrados

nas áreas de auditoria.140

Outras atividades a serem desempenhadas pelas empresas no combate a fraude

interna, com a identificação de problemas gerenciais que ocorrem na seara interna da

sociedade limitada, têm o objetivo de apurar ilícitos perpetrados por gestores, sejam

empresários ou funcionários, e serão apurados em procedimentos administrativos, em caráter

sigiloso, com a busca de provas que poderão resultar, além de sanção administrativa ao

infrator, em outros resíduos de transgressões, com a instauração de inquérito policial para

apurar infrações penais.

140 Disponível na internet http://www.wgsystems.com.br/solucoes/fraude.htm - Acesso em: 15 jan. 2005

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A empresa Spirits – Combate a Fraude Interna, apresenta como sugestão ao

combate à fraude e à prevenção de falsificação em atividades empresariais os seguintes

procedimentos:

1.Acompanhamento de movimento de mercadorias, como as entradas, saídas e entregas de mercadorias, por investigadores que seguem caminhões de entrega para garantir que os produtos chegam ao seu destino. Instalações de câmara ou investigadores infiltrados como funcionários no setor de almoxarifado. 2.Levantamento de patrimônio do funcionário, caso de suspeita, para verificar se este patrimônio está em acordo com os rendimentos normais deste funcionário. 3.Abertura de inquéritos policiais, com assessoria a empresa na fase preliminar de investigações contra funcionários flagrados fraudando a empresa. 4.Sistema de combate a fraude interna, com um sistema de monitoramento contínuo das atividades da empresa, com as seguintes análises: funcionário – análise dos responsáveis por transações suspeitas, sua relação com a empresa e com o cargo ocupado e a veracidade de seus documentos; monetárias – análise dos pagamentos, recebimentos, cruzamento de valores atuais com valores históricos, monitoramento de limites, emissão de cheques e duplicatas incomuns; comerciais – são analisadas todas as ações de compra e venda; relação entre vendedores e clientes e entre compradores e fornecedores; industriais – são analisadas as movimentações incomuns em estoques, os desvios de amostras, fornecimento de matérias primas, entre outras.141 O serviço de prevenção à falsificação exige um trabalho minucioso e eficiente, de constância e inteligência, para a obtenção de resultados desejados. Apresenta os seguintes serviços: trabalho preventivo de combate a falsificação, com pesquisa no mercado os locais conhecidos por comercializarem produtos falsos, fazer monitoramento de pessoas que possam vir a falsear produto ou serviço, por intermédio de investigadores para identificar produtos e pessoas. O serviço de combate à falsificação e fraudes se dá a partir de informações existentes de locais determinados ou de pessoas determinadas que estejam falsificando produtos ou serviços alheios, através das seguintes atividades: investigação e constatação da falsificação; atuação no desmantelamento da falsificação, com peticionamentos em delegacias de polícia especializadas na apuração das fraudes, com a solicitação dos produtos e responsabilizando os proprietários, com requisição de abertura de inquéritos policiais e acompanhamento até tornarem-se ação penal pública.142

Assim, há ilícitos civis, que geram a obrigação de ressarcimento; e ilícitos penais,

que motivam a imposição de uma sanção penal e as infrações administrativas, que implicam

medidas de auditorias e investigações administrativas, as quais geram inconvenientes ou

atitudes nocivas ao ente coletivo, com a exclusão do sócio ou a demissão do empregado.

As responsabilizações de ordem tantoncivil, administrativa e penal são

independentes entre si e autônomas, podendo ser aplicadas simultaneamente. Por exemplo:

Um gestor, após fazer uso de bebida alcoólica no limite tolerável, ao conduzir o veículo da

sociedade limitada, sem revisão e com os pneus carecas, ciente de tais fatos, avança um sinal

vermelho. Diante de tal conduta e na pressa de retornar com as encomendas, acaba por

atropelar um transeunte, causando-lhe a morte. No caso, há tripla responsabilização:

indenização na seara cível; condenação na órbita criminal; e, no âmbito administrativo, pena 141 Disponível na internet http://www.spirits.com.br/fraude_empresarial.htm – Acesso em: 15 jan. 2005. 142 Disponível na internet http://www.spirits.com.br/falsificacao.htm - Acesso em: 15 jan. 2005.

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de multa - neste caso, pelo avanço do sinal luminoso e cassação da CNH. Agora, basta

individualizar as condutas da pessoa física e da pessoa jurídica, no objetivo de se imputarem-

se as responsabilizações. Quanto à pessoa jurídica a matéria será tratada no capítulo 6.

Sobre as punições administrativas, Heraldo Garcia Vitta143 esclarece “que o

descumprimento do dever instituído gera a conseqüente sanção, pode-se definir o ilícito

administrativo como o descumprimento do dever (conduta contrária ao comando da norma),

pelo destinatário do preceptivo jurídico, cuja sanção possa ser imposta por autoridade

administrativa (no exercício da função administrativa)”.

Também analisando a responsabilidade administrativa, Bernardo Rodrigues

Souto144 sustenta que “pode-se afirmar que, apenas quando houver descumprimento do

mandamento da norma jurídica, poder-se-á falar em ilícito administrativo e a possibilidade de

ser aplicada a correspondente conseqüência jurídica pela autoridade competente, ou no

exercício da função administrativa”.

Abordando a estratégia empresarial, Gilson Fonseca145, consultor de empresas,

relata que “as empresas, basicamente, adotam um dos três modelos de gestão: autocrática – só

eu decido; laissez faire – todos decidem por conta própria; democracia – todos decidem em

conjunto. A gerência autocrática peca pela falta de reuniões e por disseminar na empresa

sentimentos de antipatia e descortesia. O modelo laissez faire perde na unidade e liderança

equilibradas. A gestão democrática é a mais indicada, desde que não só os sócios mas também

os empregados participem das decisões da organização. Criar ouvidorias internas é uma boa

estratégia empresarial”. Por meio de auditorias internas, podem-se apurar condutas desviantes

e motivar, após apuração devida, a aplicação de sanções.

A responsabilidade contratual e a estratégia de gestão empresarial têm o enfoque

de pacto de fidelidade entre o gestor e as atividades lícitas que devem motivar uma gestão

societária isenta de falcatruas. Se verificadas condutas desviantes, motiva-se a aplicação de

sanções de cunho administrativo, com a exclusão ou demissão da pessoa que participa da

gestão na sociedade limitada. Trata-se de uma sanção de caráter peculiar a ser impostas pelos

administradores, que visa às atividades mercantis respaldadas na lei e na ordem.

143 VITTA. A sanção no direito administrativo, p. 35. 144 SOUTO. A sanção no direito administrativo, p. 34. 145 FONSECA. Estratégia Empresaria, p. 9.

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5.3 Responsabilidade penal do gestor

O estudo dos crimes na teoria geral do delito ou do injusto culpável torna-se de

suma importância na seara empresarial, pois é o fato proveniente de conduta humana que vem

a violar a lei, tendo como conseqüência uma sanção penal, seja com pena privativa de

liberdade, restritiva de direito ou multa. Para Giuseppe Maggiore146, crime é qualquer ação

legalmente punível. Para Heleno Cláudio Fragoso147, crime é toda ação ou omissão proibida

pela lei sob ameaça de pena. A conduta humana é a pedra angular da teoria do crime, como

assevera Cláudio Brandão148:

É com base nela que se formulam todos os juízos que compõem o conceito de crime: tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade. A tipicidade é a adequação da conduta com a norma; a antijuridicidade é o juízo de reprovação da conduta e a culpabilidade é o juízo de reprovação sobre o autor da conduta.

Ao definir crime, Júlio Fabbrini Mirabete 149 esclarece que são requisitos genéricos

do crime: a tipicidade e a antijuridicidade. Ademais, são requisitos específicos do delito: os

elementos, elementares ou, como impropriamente a lei se refere no art. 30 do Código Penal,

as circunstâncias elementares. Esses elementos são as várias formas que assumem os

requisitos genéricos nos diversos tipos penais. É o verbo que descreve a conduta, o objeto

material ou não, que recai na conduta do agente, o sujeito ativo e o sujeito passivo, que são

inscritos na figura penal. Inexistente um elemento qualquer da descrição legal, não há crime.

A pessoa física ou o gestor que pratica o fato típico, antijurídico e culpável, que

realiza a conduta descrita na lei penal incriminadora é chamado de “sujeito ativo do crime”.

Francesco Carrara150, um dos maiores penalistas clássicos, em sua monumental obra, definiu

crime “como a infração da lei do Estado, promulgada para proteger a segurança dos cidadãos,

resultante de um ato externo do homem, positivo ou negativo, moralmente imputável e

politicamente danoso”.

Outros doutrinadores, que abordam uma definição para crime são: Damásio,151

Dotti,152 Mirabetti153 e Delmanto.154 Eles entendem que o crime, sob o aspecto formal, é um

146 MAGGIORE. Diritto penale, p. 189. 147 FRAGOSO. Lições de direito penal: parte geral, p. 148. 148 BRANDÃO. Teoria jurídica do crime, p. 19. 149 MIRABETE. Manual de direito penal, volume 1: parte geral, arts. 1º a 120 do CP, p. 24. 150 CARRARA. Programa do curso de direito criminal: parte geral, p. 48. 151 JESUS. Op. cit., p. 94. 152 DOTTI. Op. cit. p. 335-339. 153 MIRABETTI. Manual de direito penal, p. 94. 154 DELMANTO. Código Penal comentado, p. 18-19.

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fato típico e antijurídico, sendo que a culpabilidade é um pressuposto para a aplicação da

pena. Para Rogério Greco155, o fato típico e a antijuridicidade também são pressupostos para a

aplicação da pena, razão que lhe assiste.

Ney Moura Teles156 afirma:

Nas discussões atuais entende que somente o sujeito ativo do crime no direito brasileiro é o homem. E relata que o Direito Penal é limitado e tem natureza subsidiária e só deve ser chamado quando o direito tributário, civil, administrativo etc. forem insuficientes para a proteção do bem jurídico. Por fim, assinala o jurista mencionado que encontrar fórmulas para sancionar a pessoa jurídica mais eficazmente, mais rapidamente, é tarefa urgente, mas para os outros ramos do Direito.

Essa imputação pela prática do crime está prevista no Direito Penal brasileiro sob a

égide do Código Penal da década de 1940. Novos sustentáculos anseiam por uma mudança de

contexto, subsidiando-se no fundamento na Carta Magna de 1988. Além do homem ou pessoa

física, também há indícios que poderão responsabilizar criminalmente a pessoa jurídica em

face do resultado material verificado pela ofensa ao bem jurídico tutelado.

Sobre o assunto, Luiz Vicente Cernicchiaro lembra que “no Direito Penal, a pessoa

física e a pessoa jurídica reclamam tratamento diferente, e que o Direito Penal, sublime-se

mais uma vez, contém princípios que só fazem sentidos relativamente à pessoa física, mas

que, nada impede, pragmaticamente, e disso há exemplos, repita-se, em outras legislações,

estabelecer sanções penais às pessoas jurídicas”.157

A ação, ou conduta, compreende qualquer comportamento humano comissivo

(positivo) ou omissivo (negativo), podendo ser ainda dolosa (quando o agente quer ou assume

o risco de produzir o resultado) ou culposa (quando o agente infringe o seu dever de cuidado,

atuando com negligência, imprudência e imperícia), conforme assinala Rogério Greco.158

Apurar-se a responsabilização da pessoa física se faz necessário. Mas, antes de mais nada, é

indispensável adequar-se a sua conduta típica à norma incriminadora, em face da estrutura

analítica do crime e da teoria geral das penas. Havendo crime, há uma correspondente pena a

imputar-se ao sujeito ativo. É por meio dos atos de Polícia Judiciária que se realizam as

investigações policiais.

Na órbita de interesses violados na União, a competência da ação repressiva é da

Polícia Federal, sendo que na seara dos interesses tutelados pelo Estado a competência é da

Polícia Civil. Em ambas, os atos fins de investigação policial estão sob a presidência do

155 GRECO. Op. cit., p. 159. 156 TELES. Direito Penal: parte geral. arts. 1º a 120, p. 125. 157 CERNICCHIARO. Direito penal tributário: observações de aspectos da teoria geral do direito penal, p. 182-183. 158 GRECO. Curso de direito penal / parte geral, p. 163.

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delegado de polícia, ora autoridade policial judiciária que concatena seus atos fins

persecutórios, por meio do inquérito policial ou do termo circunstanciado de ocorrência.

Todos são procedimentos administrativos investigatórios, de natureza inquisitorial, mas

garantista. O empresário não é objeto a ser investigado, mas sujeito de direitos.

Fernando da Costa Tourinho Filho159 define o inquérito policial “como nada mais é

do que um conjunto de informações sobre a prática da infração, isto é, sobre o fato infringente

da norma e da respectiva autoria. Inquérito Policial é, pois, o conjunto de diligências

realizadas pela Polícia Judiciária para a apuração de uma infração penal e sua autoria, a fim de

que o titular da ação penal possa ingressar em juízo”.

Júlio Fabbrini Mirabetti160, ao abordar o sistema processual alusivo à história

judiciária , relatou que “o jus puniendi só pode ser concretizado através do processo, e na ação

penal é que deve ser deduzida em juízo a pretensão punitiva do Estado, a fim de ser aplicada a

sanção penal, pena adequada, e para isto é necessário que o Estado disponha de um mínimo

de elementos probatórios que indiquem a ocorrência de uma infração e de sua autoria. O meio

mais comum para a colheita desses elementos é o inquérito policial”.

Walter P. Acosta161 relata que “o procedimento investigatório, o inquérito, in

genere, é todo procedimento legal destinado à reunião de elementos acerca de uma infração

penal. É a instrução extrajudicial. Esse conceito, em sua amplitude, compreende também o

flagrante, ou autos de flagrante, que assim se denomina por resultar da circunstância de

surpreender-se o agente na prática do ilícito, mas que nem por isso deixa de equiparar-se ao

primeiro procedimento citado, como elemento informador, é, pois genericamente, o

inquérito”.

Ismar Estulano Garcia162 conclui sobre o inquérito policial “é o instrumento formal

das investigações. É peça informativa, compreendendo o conjunto de diligências realizadas

pela autoridade para a apuração do fato e descoberta da autoria. Relaciona-se com o verbo

inquirir, que significa perguntar, indagar, procurar, averiguar os fatos, como ocorreram e qual

o seu autor”.

Resumindo, o inquérito policial é a documentação das diligências efetuadas pela

Polícia Judiciária. É nesta concepção que se procura demonstrar a imprescindibilidade das

investigações policiais para apurarem-se atos de gestão fraudulenta. Ao abordar a imputação

159 TOURINHO FILHO. Prática de processo penal, p. 39. 160 MIRABETTI. Op. cit. p. 71. 161 ACOSTA. O processo penal, p. 31. 162 GARCIA. Inquérito – procedimento policial, p. 54.

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pessoal em face do crime noticiado, o Prof. Guilherme José Ferreira da Silva163 relata que “a

responsabilidade penal, à luz da moderna teoria do crime, pode ser conceituada como a

obrigação do autor de um fato típico, ilícito e culpável de responder por este fato perante a

Justiça Criminal, sujeitando-se, portanto, às sanções previamente estabelecidas pela lei

penal”.

Apresenta-se, a seguir, uma visão panorâmica de crimes, atividades persecutórias

de casos reais, perpetrados na gestão empresarial.

A análise da persecução às fraudes empresariais concentra-se em noções de

repressão aos crimes contra as relações de consumo, ordem tributária, relações econômicas,

crimes ambientais, por violações às normas de licitação pública, crimes previdenciários,

crimes falimentares e de lavagem de capitais, os quais motivam a impunidade por serem

perpetrados por gestores que se escondem atrás de uma sociedade empresária no intuito de

esquivar-se de uma punição. O estudo demonstra que o gestor e a pessoa jurídica poderão ser

responsabilizados, tendência já consolidada em outros países, conforme se verificará.

Ocorrendo condenação penal ao gestor, há efeitos desta condenação que se

apresentam sob a ótica de sujeita-lo aos efeitos da condenação. Por exemplo, os crimes

previstos na Lei n. 11.101/05, que trata das falências e recuperação de empresas. Ao teor de

seu art. 181, dispõe serem efeitos da condenação: a inabilitação para o exercício de atividade

empresarial; o impedimento para o exercício de cargo ou função em conselho de

administração, diretoria ou gerência das sociedades; e a impossibilidade de gerir empresa por

mandato ou por gestão de negócio.

O estudo apresenta nova dogmática normativa para imputar-se responsabilização

concorrente criminal à pessoa jurídica e à pessoa física. Contudo, quanto à pessoa física,

diante da responsabilidade penal, a sanção penal é de privação de liberdade, restrição de

direitos e multas. Entretanto, modernamente, em razão da globalização econômica e da

criminalidade organizada, por que não imputarem-se sanções penais de natureza

administrativa as sociedades empresariais? É preciso refletir sobre o assunto e buscar soluções

para à repressão à criminalidade, sob pena da estrutura organizada empresarial tornar-se um

celeiro da criminalidade e da impunidade perpetradas por gestores que se utilizam da prática

do injusto penal.

163 SILVA. Incapacidade criminal da pessoa jurídica, p. 5.

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5.3.1 Do concurso de pessoas no direito penal

No Direito Penal, em especial na teoria geral do crime, percebe-se toda a atividade

sistêmica a que o criminalista deverá reportar-se para apurar e identificar ilícitos penais de

expressão econômica, envolvendo investigações de caráter financeiro e trazendo como

suspeito o gestor ou integrantes da estrutura societária. É o delegado de polícia a autoridade

competente para contribuir com as apurações dos ilícitos penais, por meio do inquérito

policial, em crimes verificados na órbita de uma gestão empresarial fraudulenta. O objetivo da

investigação policial é identificar seus autores, a fim de imputar-se responsabilização

criminal.

A polêmica questão, que envolve a capacidade penal do gestor e da sociedade

limitada na responsabilização concorrente, em concurso de pessoas, como sujeitos ativos do

crime, dá-se em face da gestão empresarial eivada de falcatruas e de atos de corrupção. Aqui,

os gestores são autores imediatos e a pessoa jurídica atua como coadjuvante, sendo autor-

mediato, quando direciona suas atividades para violações aos interesses tutelados pela norma

penal incriminadora. Portanto, a pretensão é responsabilizar o autor e a sociedade empresária,

subjetivamente e objetivamente, com a conseqüente imposição de sanções aos infratores.

Registra-se que é objeto de apreciação no Congresso Nacional, o Projeto de Lei n.

1.142/2007164, tem por objetivo imputar responsabilização criminal à pessoa jurídica por atos

de corrupção. A nova tipificação está prevista no art. 1º do citado projeto de lei e consiste “em

oferecer ou prometer, por decisão de representante legal ou contratual ou de seu órgão

colegiado, diretor, gerente, procurador ou interposta pessoa vantagem indevida a funcionário

público ou agente político de quaisquer dos três Poderes da República, para determiná-lo a

praticar, omitir, retardar ou condicionar a prática de ato de ofício, em seu nome, interesse ou

benefício de sua entidade”. Neste contexto, a responsabilidade das pessoas jurídicas não

exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato, conforme

tipificado no Código Penal ou em Legislação Especial, ao teor do art. 2º, §1º, do mesmo

projeto de lei.

A análise da responsabilização da pessoa jurídica faz-se imprescindível no

combate à corrupção. A gestão empresarial, em face da Administração Pública e da Privada,

se apuradas falcatruas, também motiva serem responsabilizados seus autores quando são

164 ALVES. Trabalho aprova punição para a empresa que corrompe, p. 7.

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violados interesses tutelados, nas órbitas ambiental, econômica, fiscal e financeira, por

violações às normas de licitação pública ou, ainda, nas relações de consumo. Entretanto, no

que tange à responsabilidade do gestor, Arthur Migliari Júnior165, defende a responsabilização

exclusiva da pessoa física:

Não obstante a profunda modificação legislativa que vem sendo implementada em nosso Direito Penal, o certo é que somente a pessoa física vem sendo alvo de imputações penais, mesmo porque somente a esta é cominada a norma penal. A eventual imputação penal a pessoa jurídica seria fulminada de plano por falecer tipificação para tanto, ao contrário do que acontece com as Leis do Meio Ambiente e Crimes Contra a Ordem Econômica (Leis 9.605/98, art. 3º e 8.137/90, art.11).

Também, defendendo como sendo único sujeito ativo do ilícito penal, somente a

pessoa física pode praticar o fato e ilícito, conforme relata Heleno Cláudio Fragoso166:

A ação é atividade humana conscientemente dirigida a um fim. A ação integra-se através de um comportamento exterior, objetivamente, e, subjetivamente, através do conteúdo psicológico desse comportamento, que é a vontade dirigida a um fim. Ao direito penal interessa apenas o comportamento humano suscetível de dominação volitiva. As normas penais, sejam as que se apresentam através de proibições, sejam as que constituem ordens, somente podem ser transgredidas através de um comportamento finalístico, comandado pela vontade.

Sobre o tema, Ney Moura Teles167, reportando-se à vontade humana, sob o exame

da viabilidade de imputarem-se responsabilidades criminais por gestão fraudulenta, esclarece:

A conduta é o comportamento humano voluntário final, positivo ou negativo. A expressão conduta é sinônimo de ação, em seu sentido amplo, que engloba a conduta positiva e a conduta negativa. A conduta positiva é chamada ação, em sentido estrito, e a conduta negativa é chamada omissão.

Diuturnamente, há discussão doutrinária acerca da capacidade, ou não, de a pessoa

jurídica ser responsabilizada criminalmente. Defende-se aqui tal possibilidade, numa visão

sistêmica da teoria do crime e da pena, em face das responsabilizações dos agentes infratores.

Sob a análise do concurso de pessoas físicas, o art. 29 caput, do Código Penal, que disciplina

a matéria, esclarece: “quem de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este

cominadas, na medida de sua culpabilidade”. Neste aspecto, seriam os autores e co-autores da

prática da infração penal aqueles que tiverem a participação intelectual na orientação para a

prática do crime ou, ainda, autores com participação material, com empréstimos de

instrumentos para a prática delitual. Logo, têm-se autores executores do ilícito penal e autores

indiretos que se utilizam interposta pessoa a fim de consolidar seus intentos criminosos, de

cunho empresarial. O primeiro detém o potencial conhecimento da ilicitude e do injusto

165 MIGLIARI JÚNIOR. Crimes de Recuperação de Empresas e de Falências, p. 24. 166 FRAGOSO. Lições de direito penal, p. 183-184. 167 TELES. Direito penal: parte geral, p. 140.

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culpável. Já o segundo não tem o domínio do fato, mas é instrumento para a prática do crime,

sendo o nexo de causalidade para o resultado lesivo auferido, em violação ao bem jurídico

tutelado.

A pessoa jurídica tem relevância de causa para a prática do crime pelo gestor.

Neste aspecto, há jurisprudência que vem sendo consolidada no intuito de no crime societário

se buscar individualizar as condutas dos agentes que praticam a infração penal, sob pena de

arquivamento dos autos. Nos crimes financeiros e societários, torna-se necessário

individualizar a conduta de cada pessoa, ao teor de jurisprudência:

Processo penal. Denúncia. Inépcia Crime societário. Denúncia. Individualização da conduta de cada denunciado. Indispensabilidade. In casu, verifica-se que a petição de acusação não explicita de maneira precisa e segura o nexo de causalidade entre a eventual conduta do paciente e a prática do delito, limitando-se a atribuir-lhe a responsabilidade criminal, pelo fato de seu nome constar nos contratos sociais da empresa investigada [...]. A jurisprudência vem firmando o entendimento de que, na hipótese de crimes atribuídos aos integrantes de pessoa jurídica; é imprescindível que a denúncia descreva de modo pormenorizado a ação ou omissão cometida por cada participante no evento criminoso, não bastando invocar-se a qualidade de gerente ou diretor da sociedade, por inviabilizar o exercício da ampla defesa e do contraditório. [...] Não estando, pois, demonstrada a participação do denunciado no evento delituoso, resta ausente a justa causa para a ação penal, e o seu trancamento é medida que se impõe. 168 Habeas Corpus. Constrangimento ilegal. Inépsia formal da denúncia. Crime societário. 1. A denúncia inaugura a ação penal. Traça o objeto do processo, sobre o qual incidirá a sentença penal. O cerne da denúncia reside nos fatos que a embasam. São eles a causa petendi da ação penal, traduzindo o elemento causal do pedido condenatório. Daí por que ela fixar com exatidão a conduta do acusado, de maneira precisa, certa e bem individualizada, de modo a permitir que o réu se defenda da acusação que se lhe faz. 2. Conquanto a jurisprudência vem admitindo, nos crimes de autoria coletiva, que a denúncia faça narração genérica do fato, sem especificação detalhada da conduta de cada réu, não se pode admitir que a peça acusatória não descreva, pelo menos de forma concisa, a participação de cada um no evento delituoso. 3. A denúncia que não descreve os fatos delituosos de modo a proporcionar ao réu a preparação de sua defesa, é inepta formalmente. 4. Hábeas Corpus Concedido. 169

A necessidade de identificar os grupos de criminosos que se ocultam em poderosas

sociedades empresariais torna-se imprescindível para a colheita de elementos indiciários e

probatórios, a fim de subsidiar a denúncia crime oferecida pelo promotor de justiça. Os

gestores ficam infiltrados nas sociedades, e as investigações policiais devem direcionar na

individualização da conduta de cada empresário ou gestor que se esconde na sociedade

limitada ou empresa “de fachada” (fantasmas). Se há atividades ilícitas e condutas

168TRF 5ª R. - 2ª T. - HC 2007.05.00.046829-8 - rel. Ivan Lira de Carvalho - j. 10.07.2007 - DJU 01.08.2007) e no STF, RT. 738/541. 169 TRF - 1ª Região, 4ª Turma, Habeas Corpus n. 12.1868-4 MT, Rel. Juiz Nelson Gomes da Silva, decisão de 12 set. 1994, DJ 6 out. 94, p. 56.071.

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fraudulentas, preciso será individualizar as condutas dos envolvidos, que devem ser

penalizados. É necessário identificar as elementares do tipo penal.

Entretanto, para haver concurso de pessoas e imputarem-se responsabilizações,

esclarece Rogério Grecco170, “são requisitos que será preciso caracterizar o concurso de

pessoas: a) pluralidade de agentes e de condutas; b) relevância causal de cada conduta; c)

liame subjetivo entre os agentes; d) identidade de infração penal.”

Fala se em concurso de pessoas quando duas ou mais pessoas concorrem para a

prática do ilícito penal. Há colaboração recíproca das pessoas, mas quanto a este aspecto

existem autores e partícipes gestores (pessoas físicas) que nas suas atividades em gestão

empresarial, em conluio com terceiros (agentes públicos ou não), vêm a ofender interesses

tutelados pela norma penal incriminadora, causando prejuízos a particulares, à coletividade e,

até, à Administração Pública. Há necessidade de impor sanções penais aos infratores.

De outra parte, a Constituição Federal prevê penas a serem imputadas à pessoa

física, como sendo a de privação ou restrição da liberdade, perda de bens, multa, prestação

social alternativa; suspensão ou interdição de direitos, conforme art. 5º, inciso XLVI. De

acordo com o art. 32 e ss. do Código Penal, as penas classificam-se em:

a) Penas privativas de liberdade: as penas são de reclusão e detenção. A reclusão, de regra, é aplicada a crimes mais graves, reservando-se a detenção para as infrações menos graves. Ainda, a reclusão deve ser cumprida em regime fechado, semi-aberto ou aberto, enquanto que a detenção em regime semi-aberto ou aberto, salvo necessidade de transferência a outro regime. Ambas, a reclusão e detenção, todavia, deverão ser executadas de maneira progressiva, sempre tendo em vista o mérito do delinqüente. Assim, todo delinqüente condenado a uma pena, reclusiva, superior a oito anos, deverá começar a cumprir a pena em regime fechado, seja primário ou reincidente. O delinqüente primário e condenado, cuja pena seja superior a quatro anos e não exceda há oito anos, poderá, desde o início, começar a cumprir a reclusão ou detenção em regime semi-aberto e nas mesmas, sendo a pena inferior a quatro anos, em regime aberto desde o início. Os regimes de cumprimento de penas em nossa legislação penal são: regime fechado, regime semi-aberto e regime aberto. Considera-se regime fechado a execução da pena em estabelecimento de segurança máxima ou média. O condenado a regime fechado cumprirá pena em penitenciária, e não em cadeias públicas, conforme se verifica atualmente, onde Delegacias de Polícia e investigadores, sob a fiscalização do delegado de polícia ficam responsáveis pela custódia dos presos, em verdadeira violação a norma constitucional e processual penal, que estabelecem atribuições da Polícia Federal e Polícia Civil nas funções de investigação policial, em especial dos crimes empresariais. O regime semi-aberto é executado em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar, ficando sujeito a ele o delinqüente primário, cuja pena não seja superior a oito anos e nem inferior a quatro anos. O preso em tal regime também será submetido a exame criminológico de classificação para individualização da execução, ficando

170 GRECO. Op.cit. p. 471.

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sujeito posteriormente a trabalho em comum durante o período diurno e no período noturno nada impede fique em compartimento de habitação coletiva. O regime aberto, baseado na autodisciplina e senso de responsabilidade do delinqüente condenado, consiste em cumprimento da pena em liberdade, somente beneficiará o delinqüente condenado a pena igual ou inferior a quatro anos, seja primário, mister comprovar estar trabalhando. b) Penas restritivas de direitos a serem cumpridas em liberdade: - prestação pecuniária, consiste no pagamento em dinheiro à vítima, a seus dependentes, ou a entidade pública ou privada com destinação social, de importância a ser fixada pelo juiz, não inferior a um salário mínimo nem superior a trezentos e sessenta salários mínimos; - perda de bens e valores, pertencentes aos condenados dar-se-á, ressalvada a legislação especial, em favor do Fundo Penitenciário Nacional, e seu valor terá como teto, o que for maior, o montante do prejuízo causado ou do proveito obtido pelo agente ou por terceiros, em conseqüência da prática do crime; - prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas, consiste na atribuição de tarefas gratuitas ao delinqüente condenado, dar-se-á em entidades assistenciais, hospitais, escolas, orfanatos e outros estabelecimentos congêneres, em programas comunitários ou estatais; - interdição temporária de direitos e limitação do fim de semana, consiste na proibição do exercício de cargo, função ou atividade pública, bem como de mandato eletivo; proibição, atividade ou ofício que dependam de habilitação especial, de licença ou autorização do poder público, suspensão de autorização ou de habilitação para dirigir veículo; proibição de freqüentar determinados lugares.

- a limitação de fim de semana consiste na obrigação de permanecer, aos sábados e domingos, por cinco horas diárias, em casa de albergado ou outro estabelecimento adequado, tudo isso, nos conforme previsto no código penal vigente.

c) Penas pecuniárias: consiste no pagamento ao fundo penitenciário da quantia fixada na sentença e calculada em dias multa. 171

Portanto, ao gestor empresarial, seja o sócio, empregado contratado, representante

legal, diretor, gerente, procurador ou interposta pessoa física, que gerir e administrar uma

sociedade limitada, caso venha a praticar uma infração penal, será responsabilizado e se

sujeitará às sanções penais correspondentes. Havendo dois ou mais autores, diz-se pluralidade

de agentes, ou concurso de delinqüentes ou de pessoas, e todos deverão ser punidos.

A novidade que se pretende apresentar é a teoria da responsabilização concorrente

da pessoa física e da pessoa jurídica - ou seja, do gestor e da sociedade limitada - com

respaldo na modesta legislação brasileira, em face de um fato punível ocorrido na gestão

empresarial fraudulenta. Visa imputar responsabilizações mútuas ao gestor e à sociedade

limitada em face do resultado produzido pela ofensa ao bem tutelado penal, com a

demonstração de que há nexo de causalidade, em face do resultado produzido, por ação ou

171 FERREIRA NETO. Penas e delinqüentes: visão do policial cidadão ,p. 7.

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omissão do gestor que utilizou de interposta pessoa jurídica, que não tem o domínio do fato,

mas responde objetivamente pela lesão produzida, por ser de autoria indireta ou mediata e

contribuir para a infração penal. A responsabilização concorrente dos agentes é a proposta

apresentada.

Reportando à responsabilização penal da pessoa física, vislumbra-se que, em face

da teoria geral do injusto culpável, o crime é um fato típico, ilícito e culpável. É um fato

típico, pois há a conduta humana, que, por ação ou omissão, exterioriza-se finalisticamente,

seja com dolo ou culpa, e vem subsumir seu comportamento lesivo capaz de infringir uma

norma penal incriminadora, ou seja, o próprio tipo penal, de forma tentada ou consumada. Dá-

se ensejo à tipicidade penal quando o agente, ora pessoa física, em decorrência de seu

comportamento, se subsume-se a uma norma penal, em ofensa ao bem jurídico tutelado, o que

se torna antijurídico.

É importante identificar o nexo causal entre o comportamento humano e o

resultado produzido pela sociedade limitada, que foi utilizada como instrumento ou meio para

a prática delitual e cuja adequação ao tipo penal for correspondente.

Verifica-se que a sociedade limitada não tem o domínio sobre o injusto penal, o

qual é utilizado como instrumento para a prática do crime, via órbita empresarial. Assim, é

exteriorizada a ofensa ao bem jurídico tutelado, oriundo da conduta humana, mas só se

tornando possível com a co-autoria objetiva da estrutura empresarial (pessoa jurídica), que se

consolida por meio de um nexo de causalidade, seja preexistente, concomitante ou

superveniente à ação humana.

Neste caso, não poderá excluir o resultado lesivo em decorrência da participação

mediata e objetiva da sociedade limitada, pois visa o empresário esconder-se e buscar excluir-

se da responsabilização, em face da estrutura fictícia do ente coletivo. Portanto, presentes a

conduta humana, o resultado lesivo, a tipicidade e o nexo causal entre o gestor e a sociedade

limitada, que foi instrumento para a prática do crime e também beneficiado, muito embora

não tenha o domínio sobre o fato, patente é que o ilícito torna-se punível, por revestir-se de

ofensa ao bem tutelado. Impõe-se a responsabilização concorrente dos agentes motivadores da

prática delitual.

A análise do concurso concorrente de agentes (pessoa física e pessoa jurídica), em

face da teoria geral do crime e da teoria geral da pena, encontra consonância na legislação

penal vigente, e há justificativas para que o operador do direito possa aplicá-la. É oportuno

imputar-se eventuais responsabilizações aos infratores, diante do resultado atingido pela

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gestão fraudulenta, quando se utiliza da empresa para fins espúrios que convergem a fatos

puníveis.

O liame entre os agentes (pessoa física e a pessoa jurídica) já não é mais

exclusivamente subjetivo, extensivo somente às pessoas físicas. Torna-se necessário

identificar o liame subjetivo-objetivo do gestor na prática do crime, que se utiliza da

sociedade limitada (que não tem dolo ou culpa), mas que se beneficia e não tem o domínio

sobre o injusto culpável.

O resultado de violação ao interesse tutelado pela norma penal incriminadora deve

gerar eventual responsabilização penal-administrativa da sociedade limitada, visto que é

originado por resultado perpetrado pelo sócio (pessoa física). Ademais, constatando-se que o

ente coletivo não possui potencial conhecimento do ilícito ou, mesmo, o interesse de agir com

dolo ou culpa, somente será responsável de forma concorrente com a prática delitual, por ser

beneficiado pela violação a tutela penal, entretanto de forma objetiva, por sua participação

indireta ou mediata.

A responsabilidade que se busca demonstrar é objetiva para a sociedade limitada,

pois sua participação no evento leviso ocorre por intermédio de sua estrutura organizacional e

econômica, sendo o gestor o sujeito direto e imediato da prática delitual.

A sociedade limitada, enquanto pessoa jurídica, visa imputar sanções de caráter

administrativo, com restrição de direitos, penas pecuniárias, perda de bens, proibição de

manter negócios e outras sanções administrativas. Na seara criminal, vislumbrando-se que o

gestor ao praticar o fato típico, ilícito e presente a sua culpabilidade, imputa-se-lhe as sanções

penais já previstas na legislação vigente. Passa-se à análise das responsabilizações civis,

administrativas e criminais a serem impostas à sociedade limitada, com a análise das penas de

caráter administrativo a serem aplicada ao ente coletivo.

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6. TRIPLA RESPONSABILIZAÇÃO DA SOCIEDADE LIMITADA

(PESSOA JURÍDICA)

A sociedade limitada, com seus gestores, representados pelo sócio gerente,

administrador e empregados, deve ser administrada com o objetivo de atender ao seu objeto

social. Quando se demonstrar impossível o atendimento do affectio societatis, seja com a

inexeqüibilidade do fim social ou a impossibilidade de continuação da sociedade, em face de

atividades maliciosas e de sua utilização para práticas de fraudes em desvio de finalidade por

interpostos gestores, torna-se patente a motivação de sua possível responsabilização, com

sanções civis, administrativas e criminais dos infratores.

Uma dessas sanções poderá se respaldar no art. 1.034, inciso II, do CC, em que

ocorrerá a dissolução da sociedade, seja judicialmente ou a requerimento de qualquer dos

sócios, quando exaurido o fim social ou verificada a sua inexeqüibilidade.

Torna-se necessária e conseqüente a apuração ou persecução dessa atividade

indevida e do uso inadequado da sociedade limitada, que, revestindo-se de uma personalidade

jurídica, tem como sanções a aplicabilidade de tripla responsabilização: civil, administrativa e

criminal.

Ademais, resultando da conduta do sócio ou administrador em sua gestão

empresarial com dolo ou culpa no abuso da firma social, indubitavelmente será

responsabilizado por perdas e danos por causar ao terceiro contratante um prejuízo. Responde

ainda a pessoa jurídica com seus bens. E, na ausência de patrimônio, vai-se atrás do

patrimônio do sócio (pessoa física) em face da fraude a lei. Os atos da gestão empresarial

também são sujeitos de apreciação na seara criminal alusiva à capacidade penal da sociedade

limitada como sujeito ativo de infração penal.

Sob o tema de responsabilização civil, Antônio Lindbergh C. Montenegro172,

argumenta:

Embora a responsabilidade do comerciante deva procurar-se no direito comercial, a reparação do dano sofrido pelo cliente, ou pelo terceiro, rege-se pelo direito civil. Os atos abusivos atribuídos a sociedades mercantis assumiram tamanha repercussão no mundo capitalista, a ponto de reclamar-se a tutela dos interesses difusos no campo do direito societário.

172 MONTENEGRO. Responsabilidade civil, p. 363.

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Havendo indícios na colheita de provas da existência de falcatruas pela inexecução

do contrato, inicialmente na seara da administrativa, ora decorrentes das negociações, bem

como indícios de se burlar o objeto lícito e social da sociedade limitada, tudo isso motivará a

extinção dos contratos e a conseqüente responsabilização da pessoa jurídica, que inicialmente

arcará com os prejuízos da “negociata”, devendo ressarcir os terceiros prejudicados.

Para Antônio Lindbergh C. Montenegro173, “a entidade coletiva pode ser dissolvida

por ação direta ou mediante denúncia de qualquer do povo ou do órgão do Ministério Público.

Se o objeto de uma sociedade era lícito e tornou-se ilícito, a qualquer dos sócios é permitido

pedir-lhe a dissolução.”

A tripla responsabilização da pessoa jurídica (sociedade limitada) é decorrente da

gestão empresarial fraudulenta e torna-se necessário imputar punições, sob a ótica de

prevalecer o enriquecimento sem justa causa e a impunidade.

Tais condutas ilícitas a serem imputadas à pessoa jurídica, objeto de estudo neste

capítulo, poderão ser apuradas em decorrência de violações às normas atinentes a suas

atividades administrativas e de gestão perante terceiros que motivam a responsabilidade

patrimonial e a devida indenização aos prejudicados. Também, podem-se individualizar

sanções de caráter administrativo a serem imputadas ao ente coletivo por violações às normas

de direito do consumidor, de direito ambiental daquelas licitatórias em decorrência do mau

uso da empresa para fins de “lavagem de dinheiro”. As violações de caráter administrativo

sujeitam a sociedade limitada a sanções, que também podem ser extensivos aos gestores.

Torna-se necessário imputar-se ao autor (pessoa física) e/ou ao co-autor (pessoa

jurídica) sanções civis, administrativas e criminais. Ao titular da conduta lesiva alternativa

não há senão valer-se da seara jurisdicional para resgatar a função social dos contratos e,

quem sabe também, responsabilizar-se criminalmente a pessoa jurídica.

Portanto, o intuito de identificar e imputar sanções à sociedade limitada motiva a

persecução a gestão empresarial eivada de falcatruas, no intuito de individualizar-se a

participação mediata ou indireta da sociedade limitada, que tem sua participação objetiva,

servindo como instrumento ou meio para que os gestores (pessoas físicas) obtenham o intento

ilícito, em prejuízo alheio. É sob esta ótica que se apresentam perspectivas de

responsabilizações civis, administrativas e criminais da sociedade limitada.

173 MONTENEGRO. Op. cit., p.67.

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6.1 Responsabilização civil da sociedade limitada

O tema “Responsabilidade civil” é, juntamente com os contratos, fonte das

obrigações, sendo que o Código Civil dispõe, no art. 927, que “aquele que, por ato ilícito

(arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”. Para a doutrina civilista, os

requisitos para o dever de indenizar são: ação ou omissão voluntária, nexo de causalidade,

dano e culpa, como assinala Roberta Densa.174

Forma-se o vocábulo responsável de responder, do latim respondere, tomado na

significação de responsabilizar-se, vir garantindo, assegurar, assumir o pagamento do que se

obrigou ou do ato que praticou. Em sentido geral, pois, responsabilidade exprime a obrigação

de responder por alguma coisa.175 Em matéria de responsabilização, a sociedade limitada

também é responsável pelos seus atos. Causando danos a terceiros, deve ser penalizada, com o

intuito de ressarcir os danos.

Portanto, as sociedades limitadas seriam responsáveis, na seara cível, tanto

contratual como extracontratualmente. Na primeira abordagem, a pessoa jurídica responderá

por perdas e danos no caso de inadimplemento contratual. Em segunda análise, a

responsabilidade extracontratual é indireta, pois não possui um organismo vivo e que pensa,

isentando-se de atos ilícitos. Neste aspecto, ao gestor ou à pessoa física com poder de

administrar a empresa é que serão imputadas responsabilizações, que poderão ser de cunho

civil, com seu patrimônio particular, em caso do dever de ressarcimento pelos atos ilícitos, ou

sanções administrativas e penais.

Abordando somente a responsabilidade civil, Danilo Porfírio de Castro Vieira

esclarece176:

A responsabilidade civil seria a conseqüência, o resultado da manifestação de vontade, seja comissiva ou omissiva, que a pessoa expressa, contrária a uma obrigação ou dever pré-estabelecido. É o resultado da afronta da convenção ou lei, fontes da obrigação, tendo como conseqüência uma sanção: a indenização. O termo responsabilidade vem do latim spodeo, ou seja, comprometer-se, que consistia em um ritual, em uma solenidade, que ligava o devedor à prestação e ao credor.

A responsabilidade, portanto, é o resultado indenizador e punitivo da violação da

norma, seja ela contratual ou legal, jurídica ou moral.177 Pode advir de imposições de efeitos

pelo inadimplemento e resultará em condenação. A sociedade tem patrimônio próprio, que

174 DENSA. Direito do consumidor, p. 40. 175 GOMES. Introdução ao direito civil, p. 99. 176 VIEIRA. Op.cit. p. 171. 177 ______. Os contratos na gênese do direito, p. 76.

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responde ilimitadamente pelo seu passivo, por uma gestão infrutífera. Os sócios, em regra,

não respondem pelas obrigações da sociedade. Em primeiro plano, a obrigação de ressarcir o

prejuízo é da empresa, em razão de ser utilizada, como ente coletivo, na obtenção de

vantagem indevida e por causar o dano ao terceiro prejudicado, seja agente privado ou

público.

Assim, a sociedade limitada, como pessoa jurídica, responde com seu patrimônio

integralizado, mas ilimitadamente pelas suas obrigações. Seu capital ou seu patrimônio é,

naturalmente a garantia de seus débitos e prejuízos que possa causar. Poderá o prejudicado,

primeiramente, pleitear o ressarcimento do seu prejuízo em face da gestão de falcatruas com a

ação de responsabilização civil, em desfavor da sociedade limitada e, conseqüentemente, de

seu patrimônio, que é a garantia para o ressarcimento do prejuízo alheio.

Para Waldo Fazzio Júnior178, “somente se o patrimônio social revelar-se

insuficiente para fazer frente ao passivo da sociedade é que, ainda assim em circunstâncias

expressamente previstas em lei, o sócio será chamado a responder pelos encargos sociais. A

responsabilidade do sócio cotista é subsidiária”.

Outra análise sobre a responsabilidade civil da pessoa jurídica é que a vítima pode

pleitear independentemente das investigações ou da ação penal, em tramitação. Pois eventual

condenação ou não do gestor (pessoa física) na seara criminal, em nada obsta o ressarcimento,

em ação própria, entretanto na seara cível. A capacidade penal da pessoa jurídica é matéria

que passará a ser objeto de análise pelo operador do direito, no intuito de inibir a prática do

ilícito penal em que o ente coletivo é instrumento ou meio para a ofensa ao bem jurídico

tutelado, mas não poderá ficar impune, ou seja, sem implicações de responsabilização.

Em relação às triplas responsabilizações, Ariosvaldo de Campos Pires179 esclarece:

Seja criminal, civil, administrativa, moral, traz ínsita o estigma de desvalor social, sendo a penal a mais chocante, pois traduz-se em opróbrio, drama, angústia, abandono, incerteza, desesperança e, se conduz ao cárcere. Podem as ações, penal e civil, correr paralelamente, sendo todavia, facultado ao juiz do cível decretar a suspensão do processo até decisão do processo criminal (art.64, parágrafo único, do Código de Processo Penal).

No caso de condenação criminal da pessoa física em sentença penal condenatória

irrecorrível, há a possibilidade de que a vítima venha a pleitear na seara cível indenização

pelo dano causado pelo agente condenado criminalmente. Neste caso, invocam-se os arts. 63 a

68 do CPP. Por meio da ação civil ex delicto, o prejudicado pela prática delitual poderá

178 FAZZIO JÚNIOR. Op. cit. p. 49. 179 PIRES. Compêndio de Direito Penal, p. 338-339.

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pleitear o ressarcimento de seu prejuízo em face do ilícito penal. Caso, ainda, não se verifique

a condenação criminal, nada mais justo que suspender-se a ação civil a fim de evitarem-se

decisões conflitantes.

Para Celso Marcelo de Oliveira180, ao “conferir personalidade às pessoas jurídicas,

habituando-as a realizar todos os atos com elas compatíveis, a lei a submete ao regime da

responsabilidade civil por todos os atos em seu nome praticados”. Assim, elas são

responsáveis civilmente, como também são os gestores.

No que tange à responsabilidade contratual, responderá a pessoa jurídica por

perdas e danos no caso de inadimplemento contratual a que der causa. Modernamente, com o

advento do Código de Defesa do Consumidor, também é responsável a pessoa jurídica pelo

fato (defeito) e vício de produto ou serviço (arts. 12 a 25 da Lei n. 8.078/90).

No Código de Defesa do Consumidor, há respaldo legal que garante a efetiva

reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos em razão dos

prejuízos causados nas relações de consumo, tudo em conformidade com o disposto no art. 6º,

inciso VI.

Também o Código Civil, no art. 931, dispõe sobre as responsabilidades dos

empresários e das empresas por danos causados por produtos, e reza: “ressalvados outros

casos previstos em lei especial, os empresários individuais e as empresas respondem

independentemente de culpa pelos danos causados pelos produtos postos em circulação”.

Aqui se trata da responsabilidade civil objetiva.

Tal dispositivo se integra e harmoniza com o art. 12 do CDC, que estabelece: “O

fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem,

independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos

consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem,

fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por

informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos”.

A responsabilidade é de natureza objetiva, não sendo necessária a comprovação de

culpa para que seja exigida a reparação dos danos causados aos consumidores, conforme se

demonstrou na sistematização da responsabilidade civil. Outra análise que vem à tona reporta-

se as atividades da empresa extracontratuais, visto que, por não possuírem um organismo vivo

ou vontade capaz de ação ou omissão em seus atos e gestão para determinados fins, mister

ficar atentos aos autores que se utilizam da interposta pessoa jurídica para fins espúrios.

180 OLIVEIRA. Op.cit., p. 512.

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A pessoa jurídica, em primeira abordagem, não poderia ser autora de atos ilícitos.

Mas, por mero engano, assumem a responsabilidade de seus representantes, que se utilizam da

mesma para atividades ilícitas. A empresa não está investida de poderes para realizar atos

ilícitos, como também não pode evitá-los quando, por trás reveste-se o gestor (pessoa física)

que atua em práticas ilícitas, no intuito de vantagens indevidas.

Neste aspecto, conforme cita Caio Mário da Silva Pereira181:

A doutrina recente não mais duvida da responsabilidade indireta da entidade, conceito que vem se alargando no sentido da presunção da culpa e da preposição. Qualquer pessoa vinculada à pessoa jurídica, por uma relação de representação estatutária, de comissão em forma, ou de simples preposição eventual objetivamente considerada, acarreta para aquela o dever de ressarcir pelos atos ilícitos que pratique.

A matéria, no campo jurisprudencial, presume a “culpa” da pessoa jurídica e

inverte o ônus da prova, de forma que terá de comprovar que não agiu com dolo ou culpa.

Isso, inclusive, foi sumulado pelo Supremo Tribunal Federal, com a Súmula n. 341, que reza:

“É presumida a culpa do patrão ou comitente pelo ato culposo do empregado ou preposto”.

O civilista Rui Stoco182, quanto a imputar-se ou eximir-se a responsabilidade da

empresa, diz que “basta, portanto, para comprovar o dano e a autoria, somente se eximindo a

pessoa jurídica se provar o procedimento da vítima e que, não obstante adotados meios

idôneos a evitar o prejuízo, ocorreu esse por fato vinculado pelo nexo de causalidade com o

procedimento do agente”. Noutro giro, “também exclui a responsabilidade da sociedade

empresária os atos praticados ultra vires, ou seja, além dos limites da representação.

Obviamente, sendo a sociedade condenada, ela tem o direito de regresso contra o

administrador responsável pelo ilícito”. 183

Torna-se necessário assinalar também que a responsabilidade solidária é

decorrente de lei ou da vontade das partes, como no exercício de atividade empresarial, por

meio da sociedade limitada, que corresponde a um dos tipos de sociedade empresária (art. 983

do CC). Havendo mais de um responsável pela causa do dano, todos responderão

solidariamente pela reparação, ao teor do art. 25, §1º, do CDC.

A responsabilidade solidária gera a unidade de prestação. O débito é sempre único,

podendo o consumidor exigir a reparação dos danos de qualquer dos fornecedores de produtos

ou serviços. Sobre o tema de responsabilizações solidárias, Stael Riani184 relata:

181 PEREIRA. Instituições de direito civil, p. 217. 182 STOC. Op.cit., p. 13. 183 GONTIJO. Op. cit., p. 47. 184 RIANI. Consumidor, p. 4.

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Garante ao cliente o direito de acionar quem ele quiser que participe da cadeia de fabricação ou distribuição do produto ou serviço, tendo o escolhido que arcar integralmente com os prejuízos causados ao consumidor, evitando assim o chamado jogo de empurra. Em apreço ao caso concreto, o fornecedor seja ele fabricante, assistência técnica ou lojista, tem o prazo de 30 dias para reparar o vício no produto. Ultrapassando esse período ou não se tratando de produto essencial que o dispensa, poderá o consumidor optar alternativamente e à sua escolha: a) devolução do dinheiro, corrigido monetariamente, sem prejuízo de perdas e danos; b) substituição do produto por outro igual e em perfeitas condições de uso; c) abatimento proporcional do preço.

O art. 173, §5°, da CF diz: “a lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos

dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a as punições

compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e

contra a economia popular”. Assim, a pessoa física e a pessoa jurídica podem ser

responsabilizadas por seus atos, sob a análise subjetiva e objetiva do dano constatado.

Outra responsabilização objetiva pode ser decorrente dos danos que ocorrem no

âmbito de uma gestão empresarial. Tal fato foi verificado após auditoria em que se apurou

que o laboratório S.I.P Ltda foi multado por fraude em exames. Apurou-se:

O Hospital B. e o laboratório S.I.P Ltda foram multados pela emissão de resultados falsos de exames de compatibilidade para transplante de rim. Esse resultado foi identificado pela auditoria feita pela Secretaria Municipal de Saúde para apurar irregularidades em relação à emissão de exames. A falsificação dos exames foi identificada em 2003, quando 790 pacientes, por solicitação do MG Transplantes tiveram que repetir seus testes. O médico M.S.L reconheceu, em seu depoimento aos auditores, que emitiu laudos falsos. O Hospital B. informou por intermédio da assessoria que ainda não tem conhecimento formal sobre a conclusão da auditoria e que repudia qualquer responsabilidade atribuída, já que os exames não foram feitos pela instituição. Z.S.M que teve seus exames de HLA falsificados e sofreu rejeição em um transplante de rim, espera instruir ação de indenização contra o Hospital e o laboratório. 185

Sob o tema “Responsabilização civil da sociedade limitada”, a pessoa jurídica será

responsável e, conseqüentemente, ser-lhe-á imposta uma sanção de caráter civil em razão de

suas atividades em desacordo com as normas estabelecidas, sem prejuízo da responsabilização

administrativa e criminal.

185 MELO. Transplante: Laboratório multado por fraude em exame, p. 25.

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6.2 Responsabilização e sanção administrativa à sociedade limitada

A sociedade limitada está disciplinada nos arts. 1.052 a 1.087 do CC. Está sob a

administração dos sócios que integrarem seus quadros exercendo atividades ilimitadas,

embora suas responsabilidades de gestão reportem-se ao dever limitado, seja às ordens legais

ou aos fins sociais. Entretanto, poderá ser responsabilizada a pessoa jurídica caso se apurem

prejuízos a terceiros por falcatruas perpetradas pelos gestores.

Nesse contexto, verifica-se que a sociedade limitada que a causar prejuízos a

terceiros em decorrência de má gestão empresarial torna-se passível de investigação e

responsabilização, o que motivará o ressarcimento do dano causado em razão das atividades

espúrias.

Abordando a natureza de sanção administrativa, o coerente sistema das

contravenções de ordem do Direito alemão esclarece que são punidas com multa

administrativa, resultando em um direito não-penal, as sociedades empresárias, mas com as

garantias próprias de um direito sancionador. A lei prevê a multa contravencional

(Geldbusse), que pode ser bastante elevada, como sanção acessória à pessoa jurídica quando o

autor (pessoa física), dotado de certa representatividade, praticar uma contravenção ou um

delito, sempre e quando tenha conexão com a atividade da empresa. De seu turno, prescreve:

Quem, como proprietário ou titular de uma empresa, dolosa ou culposamente, omite-se em adotar as medidas de vigilância necessária para evitar a realização de infrações cominadas com pena ou multa administrativa e vinculadas à atividade da empresa, será punível por contravenção, quando se praticar uma contravenção ou delito, no caso em que o exercício da vigilância devida pudesse evitar a contravenção ou o delito. Essa disposição legal cria um dever contravencional de cuidado e vigilância (Aufsichtpflicht), que dá origem a tipos de omissão pura. O Direito belga, embora ambíguo, em razão da heterogeneidade das respostas legislativas, prevê inúmeras sanções administrativas ao ente coletivo, v.g. multa, medidas coercitivas – interdição de exploração ou de funcionamento ou fechamento da empresa, publicação na imprensa da sentença condenatória e ainda, a chamada transação administrativa. 186

Pode-se citar matéria jornalística que demonstra ser passível a extinção da pessoa

jurídica em razão da perda de seu objeto, o que pode ocorrer na órbita administrativa, com a

sugestão de sua dissolução, em face dos seguintes fatos:

A empresa T.V. e Turismo Ltda atuava no aliciamento de mulheres, no qual apurou-se que: “desarticulada a quadrilha de tráfico internacional de mulheres para a prostituição, sete aliciadores já estão presos. J.P.J dono da empresa atuava no aliciamento e envio de mulheres à Europa, recebendo comissões dos receptadores. Policiais fizeram buscas na empresa e apreenderam passaportes, computadores,

186 HENNAU-HUBLET. Op. cit., p. 156.

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agendas, celulares e documentos ligados à organização criminosa internacional.” A atividade da empresa inicial é de turismo, entretanto seu objeto social está sendo violado, com o tráfico internacional de mulheres para a prostituição, o que motiva sua dissolução, via seara administrativa. O que nada obsta ser pleiteado, também, via judicial. Ademais, nada obsta a exclusão dos sócios ‘infiéis’, envolvidos com as atividades ilícitas. Facultando aos outros sócios, que tem participação lícita, nos atos de gestão empresarial a permanência na sociedade empresarial, agora, redirecionando suas atividades para os fins lícitos do turismo. 187

Trata-se a sociedade limitada de uma organização de pessoas para a consecução de

fins específicos que motivam a reunião de esforços ou capitais para atividades econômicas,

mediante o contrato e estabelecem responsabilidades a todos. O contrato da sociedade dispõe

sobre sua estrutura e interesses fundamentais e dos sócios. O vínculo social entre os sócios

serve de base para a constituição de uma pessoa jurídica, que deverá atender ao seu fim, que a

instituiu de forma lícita, sob pena da responsabilidade de seu gestor. Caso demonstrado

qualquer prejuízo ao terceiro e caso haja subsunção do infrator a uma conduta típica e

antijurídica, há motivações que implicam punições.

Eventual dissolução e a liquidação da sociedade são etapas distintas. A extinção da

empresa põe-se fim à vida da sociedade. Assim, na liquidação apura-se o patrimônio social

em relação ao ativo ou ao passivo, até saldar os credores e a divisão dos lucros, se houver,

tudo isso havendo a necessidade do ressarcimento de danos a terceiros se constatado algum

prejuízo. Quanto à responsabilidade do sócio gerente perante terceiros em face da extinção da

empresa, podem-se apresentar as seguintes jurisprudências sobre o assunto:

Constitui infração a lei e do contrato com a conseqüente responsabilidade do sócio-gerente, o desaparecimento de sociedade sem prévia dissolução legal e sem o pagamento dos dissídios tributários (Rec.Extraordinário nº 115.652-0, 2ª turma DJU, de 25.03.88) RT 656/102, 660/181, 613/159 e 630/100. O ato do sócio-gerente com violação do contrato, obriga a sociedade perante ato de boa-fé (RE 1.695, de 1990, JSTJ, vol. 11/166 e DJ, de 1.3.93, pg. 2.514) A aplicação da disregard doctrine, a par de ser salutar meio para evitar a fraude via utilização da personalidade jurídica, há de ser aplicada com cautela e zelo, sob pena de destruir o instituto da pessoa jurídica e olvidar os incontestáveis direitos da pessoa física. Sua aplicação terá de ser apoiada em fatos concretos que demonstrarem o desvio da finalidade social da pessoa jurídica, com proveito ilícito dos sócios. (RT, 673/160).

A sociedade contratual não pode ser instituída em desacordo com a lei, não

devendo ocorrer conflitos entre os interesses dos contratantes e os dispositivos previstos em

lei. Sob esta questão, Francesco Carnelutti188 ensina:

187 MINAS. Operação Castanhola: Polícia Federal desarticula quadrilha que atua no interior de Goiás e é acusada de tráfico internacional de mulheres para prostituição principalmente na Espanha e em Portugal, p. 7. 188 CARNELUTTI. Teoria geral do direito, p. 181.

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Para a existência da sociedade é preciso: o fim comum (patrimonial), a ser alcançado pela corporação dos sócios; contribuição dos sócios em esforços ou recursos e affectio societatis. A pessoa jurídica, como acontece com a pessoa natural, nasce, vive e morre. No que tange ao seu nascimento, ocorre com o contrato da sociedade, em que há obrigações dos sócios para a formação do capital social e cooperar na realização do fim comum; desempenhando atividades mercantis (vive). Posteriormente o seu fim (morte) ocorre o rateio dos lucros de forma solidária, em face da administração da sociedade.

Várias são as teorias para justificar a existência das pessoas jurídicas. A mais

importante considera como uma criação artificial da lei. A teoria da ficção, defendida por

Ihering189, declarava que as pessoas jurídicas são seres fictícios criados artificialmente pelo

direito positivo, pois a idéia natural da pessoa coincide com a do indivíduo. A existência da

pessoa jurídica de direito privado começa com a inscrição dos seus contratos, atos

constitutivos, estatutos ou compromissos no seu registro peculiar. O seu fim ocorrerá com o

desaparecimento da personalidade jurídica. Entretanto, o ato culposo ou doloso do

administrador ou do diretor gera necessariamente a sua responsabilidade perante a sociedade.

Registra-se que, em relação aos terceiros prejudicados em face da manobra

administrativa do gestor, a responsabilidade da sociedade só estará em jogo se estes estiverem

de boa-fé. Em caso de má gestão, a responsabilidade da sociedade limitada e a do gestor são

ilimitadas perante terceiros.

No tópico abordado, a extinção da sociedade é assinalada por Rubens Requião

com um dos motivos “de divergência grave entre os sócios, por constituir motivo da

dissolução, tendo em vista que torna impossível a continuação da sociedade, pela extinção da

compreensão e colaboração mútuas, ou seja, pelo desaparecimento do affectio societatis”. 190

Para Darcy Arruda Miranda Júnior191, são causas comuns de dissolução e

liquidação das sociedades empresariais:

a) pela expiração do prazo de duração da sociedade (vencido o prazo contratual não se pode mais falar em prorrogação e sim novo contrato); b) pela falência da sociedade (dissolução da sociedade mercantil por quebra da sociedade ou de qualquer dos sócios); c) por acordo entre os sócios (deve ser respeitados direitos de terceiros); d) pela inexistência do número mínimo legal de sócios; e) pela fusão ou incorporação; f) pela cassação, na forma da lei, da autorização para funcionar; g) a sociedade que tiverem objeto ou fim ilícito; ou desenvolverem atividades ilícitas ou proibidas em lei; h) por previsão estatutária; i) pelo falecimento de um ou mais sócios; j) pela vontade de um sócio; k) pela anulação judicial de sua constituição; l) por não poder a sociedade preencher o seu fim; m) por inidoneidade de qualquer dos sócios; n) por descumprimento dos deveres sociais.

189 IHERING. Op. cit., p. 33. 190 REQUIÃO. Curso de direito comercial, p. 268. 191 MIRANDA JÚNIOR. Direito comercial, p. 329.

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Do exposto, a dissolução é a resolução ou desfazimento do ato constitutivo da

empresa. Gera atos seqüenciais: a liquidação e a partilha. A partilha é o ato final da

liquidação, uma vez atendidos todos os credores. Pagos os débitos, o contrato vencido e o

vincendo, passa-se para a partilha. Se apurado algum saldo, deve ser distribuído entre estes,

na proporção dos respectivos quinhões.

No que tange aos atos fins, a partilha será feita proporcionalmente à quota de

capital de cada sócio. Identificam-se os lucros entre os sócios ou os prejuízos verificados com

o advento das falcatruas apuradas. É a fase final do processo de extinção da sociedade, só

então desaparece a pessoa jurídica, com o arquivamento do ato de dissolução no Registro do

Comércio. Conforme relata Aline Luz192,

[...] as extinções de empresas em Minas aumentaram em 2007, segundo dados da Junta Comercial do Estado de Minas Gerais (JUCEMG). No Estado de Minas encerraram as atividades 19,104 mil empreendimentos, contra 12,503 mil no ano de 2006; sendo que, em 2007 foram extintas 8,352 mil sociedades limitadas. A JUCEMG apurou a constituição de 27,640 mil (2006) e 28,950 mil (2007) de sociedades limitadas. Em 2007, segundo dados do Departamento Nacional de Registro de Comércio (DNRC), São Paulo registrou a extinção de 52,275 mil sociedades empresariais e a constituição de 161,409 mil”.

Para o Prof. Jason Soares de Albergaria Neto193,

[...] esse encerramento da fase ativa da sociedade podemos denominar de dissolução. Este ‘falecimento’ decorre das causas de dissolução, devendo respeitar um procedimento de liquidação e extinção. Esta extinção pode ser simples como na formação, pois, pelo consenso dos sócios, os mesmos deliberam pela extinção. Ou também, pode esta ser mais complexa, quando dependerá de atuação judicial. Assim, dependendo do fenômeno que ocorrer, nas hipóteses de dissolução consensual ou judicial, a extinção poderá ser total ou parcial.

Entretanto, provada a má-fé de um dos sócios na administração da empresa, os

demais podem pleitear a sua exclusão e pleitear à autoridade policial as apurações das fraudes

ou indícios de crimes na seara empresarial que envolve corrupção. A pretensão dos demais

sócios poderá ser por via judicial, visando dissolver parcialmente a sociedade limitada, com a

exclusão do sócio corrupto envolvido com a gestão fraudulenta.

Como regra geral, os credores da sociedade serão pagos com os bens da sociedade

empresária. Somente com as fraudes apuradas é que se podem imputar-se responsabilizações

com os patrimônios pessoais dos sócios. Neste caso, com a desconsideração da pessoa

jurídica. O sócio corrupto deverá arcar com os prejuízos a terceiros com seu patrimônio,

isentando de responsabilidade a pessoa jurídica e os demais sócios que não participaram das

falcatruas empresariais.

192 LUZ. Aumenta a extinção de empresas, p. 1-15. 193 ALBERGARIA NETO. A dissolução da sociedade limitada no novo código civil, p. 235.

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Com a dissolução total da empresa, faz-se o inventário dos bens que devem pagar

as dívidas passivas pela inexecução do contrato. Neste aspecto, indeniza-se o terceiro pelos

prejuízos causados pela sociedade limitada. Por fim, após a dissolução da sociedade limitada,

se for o caso, ocorrerá liquidação, que consiste no período de fechamento das contas. Sobre o

tema, José Edwaldo Tavares Borba194 ensina “que nessa fase deverá a sociedade ultimar

negócios pendentes, realizar o ativo e pagar o passivo. A dissolução da sociedade tem em foco

o dissenso entre os sócios e a preservação da função social da própria sociedade”. Nesse

aspecto, o Prof. Wille Duarte Costa195 declara que “a dissolução de sociedade não é um ato

isolado, mas representa um conjunto de fases. O que era uma associação de interesses passa a

ser uma dissociação”.

Em face da independência das jurisdições civil e criminal, havendo indícios de

infrações penais praticados pelos administradores (não sócios) ou empresários da sociedade

limitada, torna-se necessário apurar os indícios de crime e de autoria, o que poderá ser

verificado por meio dos atos repressivos da Polícia Federal ou da Polícia Civil, que serão

oportunamente abordados na persecução aos crimes na órbita empresarial, a partir do capítulo

8. Logo, para uma gestão responsável e saudável, deverão os diretores ou gerentes atuar de

acordo com os fins sociais da sociedade mercantil, não praticando atos proibidos que poderão

ser maculados ou inidôneos. Darcy Arruda Miranda Júnior196 assim descreve esses atos:

a) atos de liberalidade à custa da sociedade; b) não podem também os diretores alienar, hipotecar e empenhar os bens sociais, sem a expressa autorização da assembléia geral ou do estatuto; c) proíbe também aos diretores tomarem empréstimos à sociedade sem prévia autorização da assembléia geral; d) deixar de prestar contas de sua administração ou outros sócios.

Ensina Marcelo Bertoli197 que “o art. 1.034, inciso II, do CC, sempre que se

verifique a impossibilidade da realização do objeto social, seja por desinteligência entre os

sócios que comprometa a continuidade da empresa, caberá a dissolução”.

Diante das razões apresentadas e da visão panorâmica que envolve a extinção de

uma sociedade limitada, depreende-se a atenção da responsabilidade civil dos diretores ou

gerentes que atuarem com manobras de gestão fraudulentas em detrimento dos interesses

sociais motivará outras sanções administrativas que poderão ser imputadas à pessoa jurídica.

Verifica-se que, para adquirir personalidade e imputarem-se responsabilizações a

pessoa jurídica, basta que a sociedade limitada seja registrada. Mas, para perdê-la, observa o

194 BORBA. Direito Societário. p. 83. 195 COSTA. A dissolução de sociedade comercial composta por dois sócios, p. 361. 196 MIRANDA JÚNIOR. Op.cit. p. 329. 197 BERTOLI. Curso avançado de direito comercial, p. 172.

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104

processo extintivo (judicial ou extrajudicial, conforme o caso), dividido em etapas

seqüenciais: dissolução, liquidação e partilha, que poderá ser motivada pela gestão

fraudulenta e conseqüente responsabilização dos sócios cotistas corruptos.

Também na órbita de uma gestão e administração de uma empresa, ao teor do art.

483 da CLT, o empregado, seja o gestor, gerente ou administrador (não sócio), poderá

considerar rescindido o contrato de trabalho na sociedade limitada e pleitear a devida

indenização a pessoa jurídica quando:

a) forem exigidos serviços superiores às suas forças, defesos por lei, contrários aos bons costumes, ou alheios ao contrato; b) for tratado pelo empregador ou por seus superiores hierárquicos com rigor excessivo; c) correr perigo manifesto de mal considerável; d) não cumprir o empregador as obrigações do contrato; e) praticar o empregador ou seus prepostos, contra ele ou pessoas de sua família, ato lesivo da honra e boa fama; f) o empregador ou seus prepostos ofenderem-no fisicamente, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem; § 1º - O empregado poderá suspender a prestação dos serviços ou rescindir o contrato, quando tiver de desempenhar obrigações legais, incompatíveis com a continuação do serviço. (Incluído pela Lei nº. 4.825, de 5.11.1965)

Pode-se perceber que é necessário analisar todos os fatos que envolvem uma

gestão empresarial, sejam as condutas típicas, com resíduo de ilícito administrativo, penal ou

civil, capazes de gerar responsabilização e punições. As transgressões podem ocorrer de

forma concorrente, sejam perpetrados pela pessoa física ou pela empresa limitada, ou por

ambas.

O empregador, sob a ótica de constituir uma sociedade limitada, é administrado

por seu gestor, seja ou não sócio quotista. O gestor é quem dirige e fiscaliza a prestação

pessoal dos serviços e de seus empregados, subordinados ou não. Logo, o gestor deve zelar

pela ordem e legalidade na gestão de uma empresa, sempre exercendo o poder de controle e

disciplina, no intuito de eliminar condutas ilícitas dos empregados ou de outros sócios, caso

venham a causar danos a terceiros e violar a lei.

Não sendo identificada a responsabilização pessoal do infrator, poderá haver a

responsabilização objetiva do empregador (sociedade limitada). Esta é uma responsabilidade

que a pessoa jurídica exerce administrativamente sobre seus subordinados no intuito de coibir

condutas fraudulentas. Também, tem cunho de sanção administrativa para a sociedade

limitada, em caso de extinção da mesma, visto que o empregado fará jus a todos os direitos

previstos na legislação, uma vez que não foi ele quem deu causa à cessação do contrato de

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105

trabalho ou, até mesmo, a falência da sociedade limitada ou empregador, conforme assinala

Sérgio Pinto Martins.198

Na órbita trabalhista, a sociedade limitada tem que contemplar seus empregados

com todos os direitos trabalhistas. Para isso, a sociedade limitada deverá possuir em seu

estabelecimento o livro de inspeção do trabalho. O inspetor do trabalho tem o direito de

ingressar nas dependências da sociedade limitada para inspecionar, examinar e censurar. Caso

haja resistência, poderá requisitar força policial, ao teor do art. 630, §8º, da CLT, tudo isso a

fim de apurar a ocorrência de fraude ou embaraço a fiscalização. Se acaso forem apuradas

irregularidades, o inspetor autuará a empresa com uma multa, conforme estabelece o art. 636,

§6º, da CLT. Verifica-se, assim, outro tipo de sanção administrativa.

Abordando a responsabilidade da empresa, Daniela Holler Branco199, reportando-se

à doutrina do reactive corporate fault dos australianos Frent Fisse e John Braithwaite, relata

uma fase preliminar de investigação e sanção administrativa ao infrator pela pessoa jurídica:

Quando uma empresa comete um crime, ela não será responsabilizada por essa conduta de imediato, é dada a corporação a oportunidade de se corrigir. O Estado irá exigir que a empresa conduza sua própria investigação para determinar quem foi o responsável pela conduta. A corporação investiga a ofensa, instaura o processo disciplinar contra o indivíduo ou o setor que é diretamente responsável por ela e então envia um relatório detalhado para ser analisado judicialmente. A responsabilidade de conduzir essa investigação e de tomar as medidas corretivas e preventivas é toda da corporação. Desta sorte, se a corporação toma as medidas corretivas e seu relatório é aprovado judicialmente, a corporação não será responsabilizada penalmente pelo crime cometido. Entretanto, se a empresa falha em tomar as medidas cabíveis e de elaborar um plano preventivo ou corretivo, ela será responsabilizada penalmente pela conduta inicial.

A persecução aos atos ilícitos e a sua apuração tornam-se necessários, no caso,

para imputarem-se responsabilidades à sociedade limitada e, de forma residual, ao próprio

sócio, ora pessoa física, em caso de uma administração ou gestão em desacordo com a lei.

O resultado dessa apuração de responsabilidades, se for patrimonial, é a separação

dos bens particulares do sócio em relação ao patrimônio ou bens da sociedade limitada. As

obrigações de ressarcimentos ou indenizações em face da gestão fraudulenta visam identificar

as condutas lesivas dos sócios e, conseqüentemente, da sociedade limitada, que tem como

resultado a responsabilização objetiva, com a imposição de sanções aos autores. Caso a

atividade empresarial venha acobertar formações gestores em verdadeiras quadrilhas para

atividades que envolvem falcatruas, torna-se necessário impor responsabilizações: civil,

administrativo e criminal.

198 MARTINS. Fundamentos de direito do trabalho, p. 93. 199 BRANCO. Op.cit., p. 475.

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106

Passa-se à apresentação da responsabilização administrativa da sociedade limitada

e das possíveis sanções a serem imputadas por ilícitos administrativos em violações às normas

do consumidor e do direito ambiental pertinentes às licitações públicas e às violações

atinentes à “lavagem de capital”.

6.2.1 Das sanções administrativas por violação às normas do Direito do Consumidor

A sociedade limitada poderá vir a ser responsabilizada na órbita administrativa

com sanções caso venha a violar os direitos dos consumidores. Tais transgressões

administrativas, sem prejuízo daquelas de natureza civil ou penal e das definidas em normas

específicas, geram imposições de responsabilizações à pessoa jurídica e estão previstas no art.

56 do Código de Defesa do Consumidor, assim elencadas: multa; apreensão do produto;

inutilização do produto; cassação do registro do produto junto ao órgão competente;

proibição de fabricação do produto; suspensão de fornecimento de produtos ou serviço;

suspensão temporária de atividade; revogação de concessão ou permissão de uso; cassação de

licença do estabelecimento ou de atividade; interdição, total ou parcial, de estabelecimento, de

obra ou de atividade; intervenção administrativa; e imposição de contrapropaganda. As

sanções previstas neste artigo serão aplicadas pela autoridade administrativa, no âmbito de sua

atribuição, podendo ser aplicadas cumulativamente, inclusive por medida cautelar,

antecedente ou incidente de procedimento administrativo.

Registrem-se aqui as atribuições para fiscalizar e aplicar as sanções

administrativas correspondentes as penas pecuniárias e de restrição de direitos no âmbito da

Administração Pública. O art. 55 do CDC apresenta toda sistemática de atuação

administrativa. A União, os Estados e o Distrito Federal, em caráter concorrente e nas suas

respectivas áreas de atuação administrativa, baixarão normas relativas à produção,

industrialização, distribuição e consumo de produtos e serviços. Estes entes e os Municípios

fiscalizarão e controlarão a produção, industrialização, distribuição, a publicidade de produtos

e serviços e o mercado de consumo, no interesse da preservação da vida, da saúde, da

segurança, da informação e do bem-estar do consumidor, baixando as normas que se fizerem

necessárias. Portanto, os órgãos federais, estaduais, do Distrito Federal e municipais com

atribuições para fiscalizar e controlar o mercado de consumo manterão comissões

permanentes para a elaboração, revisão e atualização das normas, sendo obrigatória a

participação dos consumidores e fornecedores. Os órgãos oficiais poderão expedir

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notificações aos fornecedores para que, sob pena de desobediência, prestem informações

sobre questões de interesse do consumidor, resguardado o segredo industrial.

Para que haja a aplicação de qualquer das sanções administrativas deverá a

autoridade administrativa instaurar procedimento administrativo apuratório, garantindo à

sociedade limitada - ora fornecedor, representado pelo administrador, sócio ou gestor - o

direito à ampla defesa e ao contraditório, sob respaldo legal do art. 5º, inciso LV, da CF.

Analisando a possibilidade de impor-se uma sanção administrativa, Vladimir

Passos de Freitas200 esclarece:

Sempre que se deparar com a imposição de uma sanção administrativa, verificar se ela possui fundamento na lei, seja esta federal, estadual ou municipal. Poderá acontecer que um artigo de lei seja genérico e atribua à Autoridade Administrativa o poder de definir as hipóteses em que ocorrerá a infração. O que não se admite mesmo é que uma simples Portaria ou Resolução crie uma figura infracional e imponha multa. O que também, torna-se preocupante a tipificação e aplicação de outras condutas administrativas que possam motivar a “morte da empresa”, como por exemplo, não haver autorização pelo poder público para o seu funcionamento.

Os arts. 57 a 60 da Lei n. 8.078/90 disciplinam a dosimetria para que o julgador

possa aplicar as sanções administrativas à sociedade limitada, diante da gravidade dos ilícitos

apurados. A pena de multa, graduada de acordo com a gravidade da infração, a vantagem

auferida e a condição econômica do fornecedor, será aplicada mediante procedimento

administrativo, revertendo para o fundo de que trata a Lei n. 7.347, de 24 de julho de 1985, os

valores cabíveis à União, ou para os fundos estaduais ou municipais de proteção ao

consumidor nos demais casos. As penas de apreensão, inutilização de produtos, proibição de

fabricação de produtos, suspensão do fornecimento de produto ou serviço, cassação do

registro do produto e revogação da concessão ou permissão de uso serão aplicadas pela

administração, mediante procedimento administrativo, assegurada a ampla defesa, quando

forem constatados vícios de quantidade ou de qualidade por inadequação ou insegurança do

produto ou serviço. As penas de cassação de alvará de licença, interdição e de suspensão

temporária da atividade, bem como de intervenção administrativa, serão aplicadas mediante

procedimento administrativo, assegurada ampla defesa, quando o fornecedor reincidir na

prática das infrações de maior gravidade previstas neste código e na legislação de consumo. A

pena de intervenção administrativa será aplicada sempre que as circunstâncias de fato

desaconselharem a cassação de licença e a interdição ou suspensão da atividade. A imposição

de contrapropaganda será cominada quando o fornecedor incorrer na prática de publicidade

enganosa ou abusiva, nos termos do art. 36 e seus parágrafos, sempre às expensas do infrator.

200 FREITAS. Crimes contra a natureza, p. 158.

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Diante do conteúdo apresentado, torna-se necessário identificar na gestão

empresarial comportamentos que venham a violar os interesses do consumidor, a fim de

imputar-se sanção administrativa à sociedade limitada e, se caso for, também ao gestor. A

motivação deve ser decorrente de atividades ilícitas na gestão administrativa das atividades

empresariais quando é utilizado como instrumento de corrupção e de falcatruas o ente

coletivo, causando prejuízos aos terceiros de boa-fé. O momento é de coibir tais atividades

lesivas perpetradas por meio de uma estrutura societária quando se torna necessário aplicar

punições a seus autores.

6.2.2 Das sanções administrativas por violação as normas do direito ambiental

No que tange às infrações administrativas a serem aplicadas à pessoa jurídica em

face de violação aos interesses ambientais, prevê a Lei nº. 9.605/98, nos arts. 70 a 76, de

forma geral, todo o procedimento para a aplicação de tais sanções por condutas lesivas ao

meio ambiente. As infrações ambientais são apuradas em processo administrativo próprio,

assegurado o direito de ampla defesa e do contraditório.

Os doutrinadores Édis Milaré e Paulo José da Costa Júnior esclarecem que

[...] a noção de ampla defesa, dentro de nosso sistema jurídico, abrange desde a possibilidade de apresentação de alegações finais e de interposição de recursos, assim como a produção de todas as provas em direito admitidas, passando pelo direito de acesso aos autos e extração de fotografias, até a obrigatoriedade de motivação fática e jurídica e de divulgação oficial das decisões administrativas”. 201

Assim, as autoridades competentes para lavrar auto de infração ambiental e

instaurar processo administrativo são os funcionários de órgãos ambientais integrantes do

Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA), designados para as atividades de

fiscalização, bem como os agentes das Capitanias dos Portos, do Ministério da Marinha ou

qualquer pessoa que constate a infração ambiental, a qual, neste caso, poderá dirigir uma

representação às autoridades competentes para efeito do exercício do seu poder de polícia.

Tudo isso deve-se respeitar o devido processo legal, a ampla defesa e o contraditório, ao teor

do art. 5º, inciso LV, da Carta Magna.

A autoridade ambiental que tiver conhecimento de infração ambiental perpetrada

pela sociedade limitada ou gestor é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante

processo administrativo próprio, sob pena de co-responsabilidade. “As infrações

administrativas ao meio ambiente, em face da repartição de competência introduzida pela

201 MILARÉ. Direito penal ambiental: comentários à Lei 9.605/98, p. 212.

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109

Constituição Federal de 1988, poderão estar previstas na legislação federal, estadual ou

municipal”. 202

Considera-se infração administrativa ambiental toda ação ou omissão que viole as

regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação ao meio ambiente e sujeitará

as seguintes sanções administrativas à pessoa jurídica: advertência; multa simples; multa

diária; apreensão dos animais, produtos e subprodutos da fauna e flora, instrumentos,

petrechos, equipamentos ou veículos de qualquer natureza utilizados na infração; destruição

ou inutilização do produto; suspensão de venda e fabricação do produto; embargo de obra ou

atividade; demolição de obra; suspensão parcial ou total de atividades; restritiva de direitos: I

- suspensão de registro, licença ou autorização; II - cancelamento de registro, licença ou

autorização; III - perda ou restrição de incentivos e benefícios fiscais; IV - perda ou suspensão

da participação em linhas de financiamento em estabelecimentos oficiais de crédito; V -

proibição de contratar com a Administração Pública, pelo período de até três anos.

As sanções administrativas a serem aplicadas aos entes coletivos por violação aos

interesses ambientais podem ser aplicadas cumulativamente, inclusive com as de natureza

civil e penal, por tratar-se de esferas normativas distintas. Em um só tempo, há ilícitos penais,

civis e administrativos, sendo conseqüência a tripla responsabilização.

O respaldo legal encontra-se na órbita constitucional, o art. 225, §3º da CF c/c art.

4º da Lei n. 9.605/98, que disciplina a responsabilidade do gestor e da empresa, por lesões ao

meio ambiente, prescrevendo que “as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio

ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e

administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”. Poderá ser

desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento

de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente. Portanto, a sociedade limitada, além da

sanção administrativa a que está sujeita, poderá também ser responsabilizada criminalmente,

como previsto está na norma constitucional.

A polêmica que se levanta decorre do fato de a tradicional doutrina penal

brasileira, não faz menção de responsabilização criminal a pessoa jurídica ou a sociedade

empresária, salvo nos crimes ambientais. A pessoa jurídica não é tratada como sujeito ativo da

prática de um crime, visto que tradicional teoria finalística da ação fundamenta sustenta ser a

infração penal somente perpetrada pela conduta humana, pois a imposição da pena depende

da vontade do agente que agiu com dolo ou culpa. A imputabilidade, o potencial

202 FREITAS. Op. cit p. 359.

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conhecimento da ilicitude e a exigibilidade de uma conduta voluntária estão presentes na

culpabilidade da pessoa física.

No intuito de busca responsabilização da pessoa jurídica, Ulrich Drobnig203

esclarece:

A expressão haftungsdurchgriff, significa penetração para fins de responsabilidade, nas hipóteses em que se supera o princípio da separação entre pessoa jurídica e seus membros, a fim de atribuir responsabilidade aos sócios e aos gerentes ou administradores da empresa, registra que a possibilidade que existe de julgar uma sociedade, em um determinado caso, levando em consideração os homens que ela comporta ou os bens que ela comporta ou os bens que ela possui seu substrato humano ou patrimonial; é considerando de algum modo como transparente a personalidade jurídica da pessoa jurídica.

Dá-se origem à possibilidade neste estudo da viabilidade de imputar-se a tripla

responsabilização à pessoa jurídica e ao gestor. Um exemplo seria a do administrador (sócio

quotista) ou não-sócio, este último empregado de uma sociedade mineradora, que, para

valorizar certo terreno, dá causa a um dano ambiental ao empreender atividade de mineração

de modo a destruir uma reserva ambiental com o fim de construir uma estrada para a

passagem de futura ferrovia. Além de ser a sociedade limitada responsável pelos danos

ambientais, poderá também ser caso de iniciar a persecução ao co-autor, ora gestor.

No caso, há a possibilidade de sanções administrativas serem aplicadas à

sociedade limitada e também será possível a exclusão do sócio ou, mesmo demissão do

empregado por violação aos interesses ambientais. No que tange a sanções civis, poderá

motivar resíduo de indenizações, que poderão ser pleiteadas à pessoa jurídica ou ao

administrador em face da teoria objetiva ou subjetiva.

Nesse aspecto, há pluralidade de responsabilização concorrente, seja da pessoa do

sócio administrador ou do gerente que foi o responsável pela obra imprópria e também com a

co-autoria mediata da própria empresa, que, por meio de todo o seu maquinário, realizou a

obra que deu causa ao dano e redundou em benefício da própria pessoa jurídica. Portanto, as

atividades de gestão empresarial com a pretensão de instalar ferrovia e de obter ganhos

econômicos futuros, com a facilidade de locomoção de seus bens, via transporte por trem de

mercadorias, com maior celeridade, demonstram o nexo de causalidade da ação do gestor e o

resultado produzido em benefício da sociedade limitada que participou do evento lesivo com

toda sua estrutura. A norma constitucional prevê a responsabilização civil, administrativa e

criminal da pessoa física ou da pessoa jurídica. O momento é de reflexão. O operador do

direito deve buscar todos os mecanismos jurídicos para a responsabilização dos infratores, no

203 DROBNIG. Nature et limites de la personnalité morale em droit allemand, p. 42.

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intuito de coibir atos ilícitos e, conseqüentemente, a impunidade, que geram prejuízos aos

particulares e, principalmente, à Administração Pública.

Ensina Suzy Elizabeth Cavalcante Koury204:

[...] quebrando o tabu da intocabilidade da personalidade jurídica sem, em nenhum momento, negar a sua existência e a sua relevância, a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, implica ser utilizada para os casos em que a personalidade jurídica imponha obstáculos ao devido exame da responsabilidade por fraudes ou simulações, e impeça que se chegue a soluções, que decorre em um desvio de função da pessoa jurídica.

A aplicação da desconsideração da pessoa jurídica tem como objetivo acessório

identificar a responsabilização do gestor (pessoa física), a fim de individualizar seu

comportamento e apreciar sua responsabilização em razão da lesão aos interesses do meio

ambiente que somente teriam ocorrido em benefício da pessoa jurídica na locomoção do

minério. Vladimir Passos de Freitas205, reportando-se à autoridade competente para a

aplicação das sanções administrativas, esclarece;

[...] que a via judicial é exigida para a administração, no tocante à pena de multa. Essa só pode ser executada pelo Poder Judiciário, ao contrário das outras sanções, que a autoridade administrativa pode impor de plano, baseada no princípio da auto-executoriedade dos atos administrativos. Já o particular, após insucesso na esfera administrativa, pode procurar solução perante a autoridade judiciária. Essa via é facultada a todos, conforme art. 5º, inciso XXXV, da CF.

O Poder Público é representado por autoridades públicas investidas e preparadas

para representar a gestão pública. As sanções pecuniárias e restritivas de direito estão também

previstas no art.32, incisos II e III, do Código Penal como sendo de caráter criminal. Tais

sanções são aplicáveis na órbita administrativa à pessoa jurídica.

Reportando-se à ação penal, que não deixa de ser um processo regular e instruído

pela Administração Pública, por intermédio das autoridades judiciárias, constata-se que, sendo

oferecida denúncia crime pelo representante do Ministério Público em desfavor da pessoa

física e da pessoa jurídica, dúvidas não pairam de que a própria autoridade judiciária,

respeitando o devido processo legal, após receber a peça acusatória, revestindo-se como

representante estatal, deverá julgar os fatos típicos e ilícitos motivados pelos danos, sob o

respeito do devido processo legal. Assim, ao teor do art. 41 do CPP, a denúncia ou queixa

conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do

acusado e os esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e,

quando necessário, o rol das testemunhas. Neste aspecto, torna-se justificável a possibilidade

204 KOURY. Op. cit., p. 197-198. 205 FREITAS. Op. cit., p. 361.

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de imputar sanções à pessoa jurídica, sob o respaldo do ordenamento vigente, mas atento ao

crivo do contraditório e da ampla defesa.

6.2.3 Das sanções administrativas por violação às normas licitatórias

Nas atividades empresariais, diuturnamente, sociedades limitadas submetem-se aos

processos licitatórios para contratar com a Administração Pública. Outra análise que se faz

necessário é sobre a responsabilidade administrativa e as sanções a serem impostas à

sociedade limitada que, ao contratar com o ente público para a realização de serviços ou

fornecimentos de produtos, não cumpre as suas obrigações. Entretanto, investigando

irregularidades contratuais para coibir as vantagens indevidas do gestor ou, mesmo, do

servidor público, torna-se fundamental esclarecer que poderá motivar as mesmas práticas de

resíduos criminais a serem aplicados àqueles que praticam condutas típicas e ilícitas, com

sanções penais e a obrigação de ressarcimento de danos.

No tópico em tela, há gestões empresariais que envolvem violação aos interesses

tutelados pelas normas de licitações públicas e motivarão sanções administrativas, tal como

previsto nos arts. 86 a 88, da Lei n. 8.666, de 21 de junho de 1993, em que, havendo

inexecução total ou parcial do contrato, a Administração poderá, garantida a prévia defesa,

aplicar ao contratado as seguintes sanções: advertência, multa, na forma prevista no

instrumento convocatório ou no contrato; suspensão temporária de participação em licitação e

impedimento de contratar com a Administração, por prazo não superior a 2 (dois) anos;

declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública enquanto

perdurarem os motivos determinantes da punição ou até que seja promovida a reabilitação

perante a própria autoridade que aplicou a penalidade, que será concedida sempre que o

contratado ressarcir a Administração pelos prejuízos resultantes e após decorrido o prazo da

sanção aplicada.

Portanto, identificando-se a sociedade limitada e o ilícito administrativo sob a

ótica da gestão societária infrutífera, há como buscar imputar a respectiva responsabilização

administrativa para a sociedade limitada. Também havendo indícios de responsabilização

penal a ser imputada à pessoa jurídica, tema que será abordado oportunamente, nada obsta

impor-se uma pena ao ente coletivo em razão das esferas de normas jurídicas independentes.

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6.2.4 Das sanções administrativas por violação as normas atinentes ao crime de

“lavagem de dinheiro”

A responsabilização criminal dos gestores e da sociedade limitada nos crimes de

“lavagem de dinheiro” será de forma pormenorizada e esclarecida no capítulo 14. Sob a ótica

da responsabilização administrativa, não se pode deixar de registrar as atenções ao que

estabelece o art. 12 da Lei 9.613/98, que implicam sanções administrativas a seus violadores,

estando prescrito que às pessoas referidas no art. 9º da citada lei, bem como aos

administradores das pessoas jurídicas, que deixem de cumprir as obrigações previstas nos arts.

10 e 11 serão aplicadas, cumulativamente ou não, pelas autoridades competentes, as seguintes

sanções: advertência; multa pecuniária variável, de um por cento até o dobro do valor da

operação, ou até duzentos por cento do lucro obtido ou que presumivelmente seria obtido pela

realização da operação, ou, ainda, multa de até R$ 200.000,00 (duzentos mil reais);

inabilitação temporária, pelo prazo de até dez anos, para o exercício do cargo de

administrador das pessoas jurídicas referidas no art. 9º; e cassação da autorização para

operação ou funcionamento.

Pretende-se, de forma sumária, demonstrar que a pessoa jurídica (sociedade

limitada) e o administrador ou gestor (pessoa física), além de se submeterem ao crivo de uma

auditoria e fiscalização pelas autoridades competentes, se for apurado que houve qualquer

violação aos interesses tutelados na lei, ficando sujeitos à aplicação de sanções de natureza

administrativa. Quanto ao ente coletivo, tais sanções poderão ser: advertência, multa,

inabilitação temporária e cassação da autorização para operação ou funcionamento.

As sanções administrativas não isentam de outras responsabilizações civil ou

criminal a que podem sujeitar-se os gestores e a própria sociedade limitada, conforme será

demonstrado no capítulo 14, que trata da repressão e persecução aos crimes de “lavagem de

dinheiro”.

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6.3 Incapacidade penal da pessoa jurídica

Na seara criminal, para a responsabilização e imposição de sanção penal ao agente,

patente é a necessidade de ação ou omissão e que presentes estejam os requisitos de sua

culpabilidade: ser imputável; o agente vislumbrar o potencial conhecimento da ilicitude de

sua conduta; e a exigibilidade do comportamento ilícito e voluntário, o que vem gerar

conseqüente punibilidade.

A vontade da conduta humana (imputação subjetiva) tem que ser analisada, já que

no ente fictício não se encontram tais peculiaridades. A pessoa física, ou gestor, passa a ser

analisada pela teoria geral do crime e da pena, em face do princípio da individualização do

injusto culpável e da pena, com a observância de que “nenhuma pena passará da pessoa do

condenado”, ao teor do art. 5º, inciso XLV, da CF. Logo, sob está ótica, imputa-se

responsabilização penal somente à pessoa física, pois somente o agente pode se sujeitar à pena

privativa de liberdade.

O Direito Penal brasileiro, inicialmente, com a influência das doutrinas germânica

e italiana, filiou-se ao princípio de não admitir a responsabilidade penal das pessoas jurídicas.

Nos países filiados ao sistema romano-germânico, que representa o princípio societas

delinquere non potest, segundo o qual é inadmissível a punibilidade penal das pessoas

jurídicas, aplica-se somente a punibilidade civil e administrativa. Foi no Direito Romano, que

surgiu o princípio de que a sociedade não poderia delinqüir. Sob o tema, Aquiles Mestre206

assinalou:

La noción de personalidad jurídica, que debía desempenar un papel imporantíssimo en el Derecho romano, se introdujo en él muy lentamente, y, en efecto, se acomoda poço a los sistemas primitivos, porque exige um esfuerzo considerable de abstracción que no está al alcance de inteligências poco familiarizadas com las construciones jurídicas.

De outro lado, nos países anglo-saxões e nos países que receberam suas influências

do princípio da common law, que admite a responsabilidade penal da pessoa jurídica, somente

após o século XIX.207

As indústrias eram consideradas responsáveis por infrações penais de menor

potencial ofensivo. Em 1889, o Parlamento britânico determinou que a expressão “pessoa”,

presente em todos os textos legislativos relacionados às infrações penais, deveria ser

206 MESTRE. Las personas morales y su responsabilidade penal: asociaciones corporaciones sindicatos, p. 55. 207 BACIGALUPO. La responsabilidad penal de lãs personas jurídicas, p. 30.

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115

interpretada de maneira a abranger as entidades coletivas. A partir de então, a

responsabilidade penal das corporações passou a ser plenamente admitida na Inglaterra. 208

Sendo a pessoa jurídica uma realidade social, é capaz de praticar ilícitos

ambientais, civis e previdenciários, contra a ordem econômica, comercial, tributária e

administrativa. Quanto à conduta correspondente à infração penal ou ilícito penal, patente

vem sendo a impunidade da sociedade empresária, em decorrência da legislação ordinária, por

não disciplinar de forma específica tal matéria.

A interpretação lógico-sistemática, com respeito aos delitos ambientais e da ordem

econômica relacionados na Constituição Federal, vem, nos últimos séculos, mudando o

entendimento ancorado no princípio da incapacidade penal das pessoas jurídicas, que se

consubstanciou em societas delinquere non potest. No item 6.4, fundamenta-se a capacidade

criminal da sociedade limitada, ou pessoa jurídica, com base na nova tendência globalizada de

responsabilizar criminalmente o ente coletivo por atos lesivos aos interesses tutelados.

Inicialmente, as pessoas jurídicas não ostentam imputabilidade penal; somente as

pessoas físicas. Ao teor da teoria geral do crime, na definição de René Ariel Dotti209,

apresentam-se várias definições de crime em que somente seria passível de incidir a conduta

humana:

a) conceito analítico: crime é a ação ou omissão típica, ilícita e culpável; b) conceito formal: crime é um fato humano contrário à lei; c) conceito jurídico-legal: crime é o fato definido como tal pela lei; d) conceito material: o crime é a ação ou omissão que, a juízo do legislador, contrasta violentamente com valores ou interesses do corpo social, de modo a exigir seja proibida sob ameaça de pena; e) conceito radical: crime é toda violação individual ou coletiva dos direitos humanos; f) conceito sociológico: crime é o comportamento socialmente desviado que produz um dano ou perigo de dano.

Para Cezar Roberto Bitencourt210, “são argumentos para não se admitir a

responsabilidade penal das pessoas jurídica os institutos da ação, da culpabilidade e da função

e natureza da própria sanção penal”.

Em face do entendimento de que a prática da infração penal consiste na violação

de um preceito legal - ou seja, agir contrariamente a uma proibição imposta pelo ordenamento

jurídico visando a um fato típico, antijurídico e culpável - somente poderia ser imputado o

gestor, enquanto pessoa física.

208 BRANCO. Responsabilidade penal das corporações: lições dos sistemas jurídicos anglo-americanos. p. 467. 209 DOTTI. Curso de direito penal: parte geral, p. 299. 210 BITENCOURT. Tratado de direito penal. Parte especial. Dos crimes contra a pessoa, p. 5.

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Luiz Luisi211 relata que “a cominação genérica de penas para a pessoa jurídica,

conforme dicção do artigo 21 da Lei n. 9.605/98, que trata dos crimes ambientais, ofende o

princípio da legalidade, pois não há determinação dos delitos que podem ser praticados pela

empresa e as penas correspondentes”. Prescreve o art. 21 que as penas aplicáveis, isolada,

cumulativa ou alternativamente, às pessoas jurídicas, de acordo com o disposto no art. 3º, são:

I - multa; II - restritivas de direitos; III - prestação de serviços à comunidade.

Assim, a pessoa jurídica, em si, não pratica ilícitos penais, mas sim o seu

representante legal ou preposto, que só pode agir na administração ou gestão da empresa.

Segundo Francisco de Assis Toledo212,

[...] para que a conduta seja ‘crime’ deve ajustar-se formalmente ao tipo legal (legalidade), mas apenas se podendo falar em tipicidade a partir do instante em que a conduta, formalmente típica, seja também, ao mesmo tempo, lesiva ao bem jurídico protegido ou ética e socialmente reprovável. Daí falar-se em “tipo injusto” e termo como corolário, a atuação dos princípios da insignificância e da adequação social, no caso somente é extensiva à pessoa humana.

Neste aspecto Toledo213 diz que “só os seres humanos podem ouvir e entender

normas, portanto, só eles são passíveis de motivação e, pois, de cometer crimes. Atualmente a

pessoa jurídica não é sujeito ativo de crime, mas sim, os seus representantes legais.” A pessoa

jurídica não tendo o domínio sobre o fato ilícito, mas ao contribuir para que o resultado leviso

ocorra, por servir como instrumento ou meio organizacional para atividades espúrias da

pessoa física, motivará o nexo de causalidade entre a ação subjetiva e o resultado objetivo em

face da conduta do autor direto/imediato (gestor). Assim, à inovadora teoria da

responsabilização concorrente de agentes, em que a pessoa física e a pessoa jurídica, com

resultados que se subsume a um tipo penal, poderá motivar sanções de natureza penal aos

autores.

Contrapondo a responsabilidade criminal da pessoa jurídica, René Ariel Dotti214

tem uma posição muito clara:

A pretensão de atribuir a imputabilidade penal às pessoas jurídicas não está em harmonia com a letra e o espírito da Constituição, mostrando que restariam violados os princípios da igualdade, da humanização das sanções, da personalidade da pena, o direito de regresso e as regras de aplicação da lei penal, ofendendo, ainda, vários princípios relativos à teoria do crime, ressaltando, a propósito, que a conduta, revelada através da ação ou da omissão, como primeiro elemento estrutural do crime, é produto do homem.

211 LUISI. Responsabilidade penal da pessoa jurídica: em defesa do princípio da imputação penal subjetiva, p. 79-100. 212 TOLEDO. Princípios básicos de direito penal, p. 130. 213 _______. Op. cit., p. 91. 214 DOTTI. A incapacidade criminal da pessoa jurídica, p. 187-191.

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Mesmo posicionamento é de que a incapacidade da pessoa jurídica de vir a ser

sujeito ativo de crime vem do pressuposto de que a prática delitual somente é passível de ser

praticado pela pessoa física, ou seja, pelos diretores, gestores e administradores da empresa.

Conforme se verificará em análise oportuna, há perspectivas na legislação brasileira de

responsabilizarem-se os autores que atentam contra a ordem pública e a privada, com

conseqüentes sanções penais, seja a pessoa física ou jurídica.

Nas citações sobre o tema Luiz Régis Prado215 esclarece:

Não obsta ou inviabiliza a necessária aplicação de medidas sancionatórias extrapenais, como sanções civis e administrativas as pessoas jurídicas, em razão de um Direito Penal minimalista, fragmentário e de natureza verdadeiramente garantista. 216 Deflagra-se o processo penal contra a pessoa jurídica quando estiver tal responsabilidade prevista explicitamente no tipo legal de delito. Definem-se, assim, de modo taxativo, quais as infrações penais passíveis de serem imputadas à pessoa jurídica.

Acrescenta Pierre Couvrat217 sobre a incapacidade de responsabilização:

É necessária previsão legal explícita da responsabilidade criminal da pessoa jurídica – princípio da especialidade, que constitui, na matéria, um reforço ao princípio da legalidade.

A sanção penal correspondente para imputar-se a sociedade limitada deve

respaldar em princípio, na teoria geral da pena, prevista no Código Penal brasileiro. A questão

envolvendo a responsabilidade ou irresponsabilidade da pessoa jurídica implica vir a ser

sujeito ativo da prática de uma infração penal e ser responsabilizado o ente coletivo com uma

sanção de natureza penal, o que traz diuturna discussão na órbita doutrinária. A realidade

jurídica vale-se de um direito positivo, seja de cunho substantivo ou adjetivo, mas

doutrinariamente ainda há verdadeiras discussões sobre a matéria de possibilitar, ou não, a

pessoa jurídica vir a ser responsabilizada criminalmente.

Ainda é tímida e estagnada a ação dos operadores do direito ou de nossos

legisladores, que, sempre atentos às normas existentes, reportam-se aos princípios da

culpabilidade da personalidade das penas ou, somente, limitam-se a impor sanções penais à

pessoa física em razão de sua conduta típica, ilícita e culpável. Apresentam-se opções para

aplicar-se à sociedade limitada outros ordenamentos do direito, com a possibilidade legal de

impor sanções à pessoa jurídica, de caráter administrativo e/ou civil.

O momento é oportuno para se repensar o Direito Penal e a imputação penal à

pessoa jurídica, em razão do ordenamento constitucional que, queiram ou não, está no topo do

215 PRADO. Op. cit., p. 181. 216 PRADO. Op. cit., p. 169. 217 COUVRAT. La responsabilité pénale des personnes morales: un príncipe nouveau, p. 15.

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ordenamento jurídico vigente e prevê a possibilidade de sanção penal-administrativa a pessoa

jurídica, a ser aplicada na ordem jurisdicional criminal.

Para imputar-se a responsabilização penal aos agentes (pessoa física ou pessoa

jurídica), seus comportamentos devem adequar-se aos elementos descritivos do injusto penal,

que corresponde ao núcleo (verbo reitor), às elementares do tipo penal e às circunstâncias que

agregam as infrações penais, com aumento ou diminuição da pena, o que redundará em

conseqüente sanção penal. Podem-se responsabilizar a pessoa jurídica se houver previsão

legal, mas, antes de tudo, há a necessidade de perspicácia do operador do direito, a fim de

respaldar sua motivação sancionadora, com a persecução ao ilícito perpetrado pela pessoa

jurídica, que não há dúvida, é sempre utilizada pelo gestor para a prática de atividades ilícitas.

6.4 Responsabilização penal da sociedade limitada

Na Antigüidade, principalmente, no período áureo de Roma, vingava o princípio

da irresponsabilidade das pessoas jurídicas, consubstanciado na máxima de que a sociedade

não pode delinqüir, conforme se verificou. A idéia de pessoa jurídica começou a desenvolver-

se com a expansão territorial, o que, mais ou menos, coincide com o início da época clássica e

do chamado “Direito Clássico”. Isso ocorre por volta do século II a.C e se estende até, mais

ou menos, 300 d.C. Somente no período pós-clássico, que se estendeu de 300 d.C até 565, é

que o termo pessoa adquiriu um significado mais semelhante ao moderno, mas, de todo

modo, restrito ao ser humano livre.218

A partir do século XII, intensifica-se o amálgama entre o Direito Romano (Ius

Commune), Direito Germânico (Ius Proprium) e Direito Canônico (Ius Canonicum), quando

se desenvolve a idéia de pessoa jurídica, pois as fundações passam a receber o mesmo

tratamento das corporações. 219

Na Idade Média, a teoria da ficção das pessoas jurídicas construída pelo Direito

Canônico atinge o seu esplendor, mantendo-se até o século XVIII.220 No movimento

denominado “Iluminismo”, há grandes pensadores, como Voltarie, Locke, Rousseou e

Montesquieu, e no campo penal, Cesare Beccaria e Howard221, os quais fizeram severas

críticas aos excessos perpetrados pelo Estado, em especial no âmbito penal.

218 LISZT. Tratado II, p. 259. 219 FERRARA. Teoria delle persone giuridiche, p. 128-129 220 MIR PUIG. Derecho Penal: Parte General, p. 170. 221 GUZMAN. Manuel de Ciência Penitenciária, p. 86.

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Foi neste período, com o reconhecimento de novos valores e ideais humanitários,

além do período histórico da Revolução Francesa e da Revolução Industrial, que a teoria da

ficção jurídica começa a ganhar força. Em análise, o Estado reconhece os direitos difusos e

coletivos.

No Direito Germânico, o indivíduo era titular de deveres e obrigações, enquanto

membro de uma comunidade, pelo que respondia pelos fatos puníveis realizados por um dos

que a ela pertencia. Bartholus de Saxoferrato, pós-glosador, traçou o destino dos quatro

séculos posteriores trasladando ao Direito Penal a teoria da ficção e construindo com sua

ajuda uma falsa capacidade delitiva da universitas, que se converteu na communis opinio, até

início do século XVIII. Malblanc e, em seguida, Feuerbach negaram a existência de um delito

corporativo. Savigny, impondo a concepção jurídica romanista, acabou por excluir por todo

um século o problema. 222

Para Savigny, sob a ótica da teoria da ficção, as pessoas jurídicas têm existência

fictícia ou irreal. São entes abstratos, capazes de possuir, mas incapazes de delinqüir, por

carecem de vontade e ação. Neste aspecto, os crimes são sempre praticados por seus membros

ou diretores (pessoas físicas), sob o enfoque da persecução às fraudes penais empresariais.

A teoria da realidade penal das pessoas jurídicas é concebida pelo jurista alemão

Otto Gierke223, na segunda metade do século XIX, quando o Estado começa a interagir na

economia e no meio social, reconhecendo direitos individuais.

Luiz Regis Prado224, sob a responsabilização da pessoa jurídica, ensina:

Na teoria assinalada a pessoa jurídica tem existência distinta da pessoa humana, detém personalidade real ou orgânica, ou seja, as pessoas jurídicas são entes reais (vivos e ativos), independentes dos indivíduos que as compõem. Têm uma personalidade real, dotada de vontade própria, com capacidade de ação e de praticar ilícitos penais. O ente corporativo é uma realidade social, sujeito de direitos e deveres, capaz de dupla responsabilidade: civil e penal.

Assim, a teoria da realidade objetiva, ou teoria voluntarista, retrata que a pessoa

jurídica é tão pessoa quanto as pessoas naturais, do ponto de vista objetivo. No mundo, há

organismos vivos e organismos sociais. Os organismos sociais teriam vontade própria,

expressão da vontade de seus membros. Essa vontade deve ser protegida pelo Direito, que

regula, assim, as pessoas jurídicas enquanto sujeitos que não dotados de vontade, mas servem

como instrumentos ou meios para atividades espúrias.

222 RODRIGUEZ DEVEA. Derecho Penal espãnol, p. 391. 223 MIR PUIG. Derecho Penal: Parte General, p. 171. 224 PRADO. Curso de Direito Penal Brasileiro. Parte Geral, p. 186-187.

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Logo, é necessário identificar e responsabilizar todos, gestores e sociedades

empresariais, com imposições de sanções, sejam civis, administrativas ou criminais.

O Direito não as criou; apenas declarou e regulou sua existência. As pessoas

jurídicas têm vontade própria e existência autônoma.225 Hauriou 226 defende o ponto de vista

de que as pessoas jurídicas são instituições sociais, isto é, organizações sociais destinadas à

obtenção de um fim.

Sob a responsabilização da pessoa jurídica, César Fiúza227 acrescenta:

Apesar de não ter realidade física, a pessoa jurídica possui realidade, realidade ideal, a realidade das instituições jurídicas. No âmbito do Direito, são dotadas do mesmo subjetivismo que as pessoas naturais. Em outras palavras, para o Direito, as pessoas jurídicas são, assim, como as naturais, sujeitos de direitos e deveres.

Então, por que não imputar-se a responsabilização à pessoa jurídica ou sociedade

empresária moderna, em face da criminalidade econômica?

Há necessidade de mudança na teoria geral do crime e na teoria geral das penas, a

fim de responsabilizar-se criminalmente a pessoa jurídica e também a pessoa física, para que

ambas, em concurso concorrentes de pessoas venham a ser punidas? O momento é de reflexão

pela gravidade dos danos causados por meio das corporações, que não podem ficar impunes,

em especial, por acobertar seus gestores.

Sobre a tese da responsabilização criminal da pessoa jurídica, Luiz Flávio

Gomes228 apresenta sua visão a esse respeito:

Assinalando sobre a complexidade da vida moderna, internacionalização da economia e o poder cada vez maior das empresas aconselham, sem dúvida, renunciar ao clássico princípio societas delinquere non potest, é dizer, as pessoas jurídicas devem ser sancionadas penalmente sempre que o fato delitivo for executado dentro da esfera das operações ou negócios da sociedade, se tem alguma relação com as atividades, se utilizaram meios ou recursos da empresa e, sobretudo, se o fato proporcionou algum proveito ou benefício econômico ou de outro tipo à empresa ou se ela foi utilizada para encobrir o fato punível.

Com efeito, os professores Dario José Kist e Maurício Fernandes da Silva aduzem

as seguintes considerações sobre a responsabilização da pessoa jurídica:

Atualmente, nos países anglo-saxões destacam-se os seguintes países que adotam a responsabilidade penal às empresas: a Inglaterra, os Estados Unidos, o Canadá, a Austrália e a Escócia. Influenciado pelo mesmo sistema, o Japão também adota tal responsabilidade.

225 ALMEIDA. Das pessoas jurídicas: ensaio de uma teoria, p. 75. 226 HAURIOU. Droit constitutionnel et institutions politiques, p. 127. 227 FIÚZA. Direito civil: curso completo, p. 138. 228 GOMES. Sobre a imputabilidade da macrodelinquência econômica desde a perspectiva criminológica da teoria da aprendizagem, p. 171-172.

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No Brasil, a responsabilidade penal da pessoa jurídica não foi adotada somente na Constituição Federal de 1988. Antes mesmo dos portugueses chegarem, os povos indígenas viviam sob responsabilidade coletiva, no qual a responsabilidade individual vigia em raras exceções. João Bernardino Gonzaga, em sua obra “O direito penal indígena” citou que, à época do descobrimento do Brasil, se reportando a Ataídes Kist, que ‘os vários laços que estabelecem forte coesão social; coesão inclusive de natureza mágica, totêmica e fatores vários, enfim, fazem com que cada membro se confunda com o grupo a que pertença. Não é concebível um homem isolado na própria individualidade. O indígena é sempre indestacável do seu grupo. Há círculos concêntricos de coletividade que superpõem, a família, a aldeia, o clã, a tribo, o totem, cada uma delas apresentando-se qual massa uniforme em que se dissolvem as pessoas. No Código Criminal Brasileiro de 1830, em seu artigo 79, havia expressa previsão de punição de pessoa jurídica: Reconhecer o que for cidadão brasileiro, superior fora do Império, prestando-lhe efetiva obediência. Penas: de prisão de 4 a 16 meses. Se este crime for cometido por corporação, será dissolvida. O Código Penal republicano também adotou a responsabilidade coletiva. Seu artigo 103 previa: se este crime for cometido por corporação, será esta dissolvida; e, caso os seus membros se tornem a reunir debaixo da mesma, ou inversa denominação, com o mesmo ou diverso regime: pena aos chefes, de prisão celular por um a seis anos; aos outros membros, por seis meses a um ano. Não obstante, o artigo 25 do mesmo diploma estabelecia que a responsabilidade penal devesse ser exclusivamente pessoal, concluindo os doutrinadores da época que houve má redação do referido dispositivo legal. O Código Penal vigente de 1940, com alterações introduzidas pela Lei nº. 7.208/84, possui sua parte geral voltada estritamente para pessoa física. É clara sua intenção de punir apenas à vontade ‘humana’ e jamais a ‘coletiva’, adotando, portanto, o princípio societas delinquere no potest. Esta a regra também na legislação especial. As exceções que podem ser citadas são: a Lei 4.595/64, cujo artigo 44, §7º, prevê que quaisquer pessoas físicas ou jurídicas que atuem como instituição financeira, sem estar devidamente autorizadas pelo Banco Central do Brasil, ficam sujeitas à multa referida neste artigo e detenção de 1 (um) a 2 (dois) anos, ficando a esta sujeitos, quando pessoa jurídica, seus diretores e administradores. Na Lei nº. 4.729/65, artigo 6º, consta que quando se tratar de pessoa jurídica, a responsabilidade penal pelas infrações previstas nesta Lei será de todos os que, direta e indiretamente ligados à mesma, de modo permanente ou eventual, tenham praticado ou concorrido para a prática da sonegação fiscal. Já a Lei nº 4.728/65, que disciplina o mercado de capitais, estipula no artigo 73, §2º, que a violação de qualquer dos dispositivos constituirá crime de ação pública, punido com pena de 1(um) a 3(três) anos de detenção, recaindo a responsabilidade, quando se tratar de pessoa jurídica, em todos os seus diretores. Entretanto, a Lei nº. 9.605/98, conforme já dito, prevê explicitamente a responsabilização criminal de pessoa jurídica, fazendo-o no artigo 3º. As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o dispositivo desta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou beneficio da sua entidade. Parágrafo único. A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato. No mesmo artigo como defensores da responsabilização criminal dos entes coletivos, cabe citar os renomados juristas Luiz Paulo Sivinskas, Toshio Mukai, Gilberto e Vladimir Passos de Freitas, Sérgio Salomão Shecaria, Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins, Fausto Martin de Sanctis, Walter Claudius Rothenburg, Celeste Leitos dos Santos Pereira Gomes, Paulo Affonso Leme Machado, Eládio Lecey, José Afonso da Silva, Pinto Ferreira, Edis Milaré, entre outros. Sua tese, em síntese, é que

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o princípio da societas dilinquere non potest não é absoluto e que, no direito moderno, deve ser analisada a responsabilidade social, e quanto ao princípio da culpabilidade, este deve ser revisto: A responsabilidade penal das pessoas jurídicas não pode ser definida a partir do conceito tradicional de culpabilidade. A responsabilidade penal há de ser associada à responsabilidade social da pessoa jurídica, que tem como elementos a capacidade de atribuição e a exigibilidade. A responsabilidade social permite construir um juízo de reprovação sobre a conduta da pessoa jurídica. Não se trata de um fato psicológico, mas de um comportamento institucional. 229

Com efeito, o Direito Comparado230 assim trata a responsabilização criminal da

pessoa jurídica, verbis:

a) Canadá e Austrália – a regra geral é a responsabilidade penal das pessoas jurídicas. b) Itália – vigora o princípio da responsabilidade individual, admitindo-se subsidiariamente a responsabilidade pecuniária das pessoas coletivas, que se situa no âmbito civil. c) Alemanha – adota um direito penal da pessoa jurídica, no qual as punições são através de multas administrativas. Basta o comportamento ilícito, não sendo necessário a culpa.

d) Holanda – a Corte Suprema Holandesa vem reconhecendo que certas ações ou omissões são da própria empresa, sendo, apenas, imputadas às pessoas físicas vinculadas, como conseqüência.

e) França – o antigo Código Penal francês não dispunha sobre a responsabilidade criminal da empresa, enquanto com a reforma, esta fora plenamente acolhida. O atual Código Penal dispõe sobre a responsabilidade das pessoas jurídicas por seus próprios atos ou por atos de seus representantes. Temos como pena a pessoa jurídica a vigilância judiciária por um determinado tempo.

f) Grã-Bretanha (Inglaterra) e Irlanda do Norte – a responsabilidade criminal do ente coletivo era vedada no início do século passado, devido à incapacidade das pessoas jurídicas de querer e de estar pessoalmente em juízo. Já na segunda metade do século XIX, com o crescimento da indústria, proliferaram-se as corporações e os Tribunais passaram a aceitar a responsabilidade penal da empresa nas infrações de omissão e negligência. Assim, atualmente, a pessoa jurídica pode ser penalmente responsabilizada, por violações à economia, meio ambiente, à saúde pública e a higiene e segurança do trabalho, também considerado como meio ambiente stricto sensu.

g) Portugal – há tanto a responsabilidade penal individual como o da pessoa jurídica, a qual é tratada por legislação infraconstitucional, que prevê várias formas de penas aplicáveis, podendo citar a perda de bens e publicidade da decisão condenatória.

h) Estados Unidos – na Common Law também vigora o regime da responsabilidade da pessoa jurídica. É importante observar que em função do sistema federativo norte americano, alguns estados não adotam a orientação dominante, como é o caso de Indiana. Porém, a regra é a de responsabilidade criminal das corporações.

229 KIST. Responsabilidade penal da pessoa jurídica na Lei nº. 9.605/98. p. 5. 230 _________. Op. cit.. Internet <htp://www2.camara.gov.br/internet/homeagencia/materias.html?pk=114149>. Acesso em: 27 novembro 2007.

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i) Dinamarca – o Código Penal Dinamarquês não prevê a responsabilidade penal das pessoas jurídicas, mas diversas leis foram desenvolvidas prevendo tal responsabilização, permitindo a punição da empresa, da pessoa física ou de ambas.

j) Áustria – há sanções para membros e órgãos que se utilizam da associação com fins econômicos escusos. A pena da empresa não afasta a proferida para a pessoa física. k) Japão – um país de influência norte-americana adotou a teoria de Gierke sobre a real responsabilidade dos entes coletivos. l) China – por ser um país socialista, não admite qualquer ato contra o interesse comum do Estado. Atualmente, a legislação consagrou a responsabilidade das empresas nos delitos de contrabando e corrupção. A pena aplicável é a pecuniária, sem exclusão da detenção, reclusão ou mesmo da prisão perpétua para as pessoas físicas responsáveis.

m) Noruega e Suécia, também adotam a responsabilidade penal das pessoas jurídicas.

n) América Latina – a regra é a responsabilização exclusiva da pessoa natural, abrindo-se exceção para o México e Cuba. Na Argentina, Venezuela e Colômbia, há uma discussão sobre o tema, pois alguns juristas, de peso, já admitiram tal possibilidade.

Conforme assinala Daniela Holler Branco,231 abordando a responsabilidade penal

das corporações nos sistemas jurídicos anglo-americanos:

Os modelos tradicionais de responsabilidade penal das corporações foram primeiramente idealizados pelos tribunais ingleses e norte-americanos, se desenvolvendo posteriormente em outros países do common law. Para os modelos tradicionais, as corporações, como entidades coletivas, são consideradas como um ente real, porém reduzível aos seus membros. Há teorias para justificar capacidade penal das pessoas jurídicas: 1 – Agency Theory, a responsabilidade penal pode ser atribuída a uma corporação levando-se em conta a conduta de seus empregados. O modelo proposto foi primeiramente construído no direito civil e gradualmente adaptado para o direito penal.232 As corporações seriam indiretamente e subsidiariamente responsáveis pela conduta criminosa de seus empregados. Desde que, o empregado deva ter agido dentro de suas atribuições funcionais e enquanto vinculado contratualmente à corporação; o empregado deve ter agido para beneficiar a corporação, pelo menos parcialmente; a conduta tem que ser imputável à corporação. É popular nos Estados Unidos, Canadá, Inglaterra e Austrália. Nestes países do commom law o modelo só é aplicado para infrações híbridas, i.é., administrativo-penais. 2 – Identification Theory, uma corporação pode ser responsabilizada diretamente pela conduta criminosa de certo grupo de empregados, considerando-se como se fosse da corporação a conduta destes. Parte do pressuposto de que alguns indivíduos se confundem com a própria corporação, a conduta criminosa do empregado é a conduta criminosa da empresa. O nascimento da doutrina identification theory não foi acidental, ela foi construída pelos tribunais ingleses para suplantar as limitações da agency theory, cuja utilização em matéria penal era quase inexpressiva por ser considerada injusta e desarrazoada para apuração deste tipo de responsabilidade.233 A

231 Mestre em Direito Penal pela Universidade de Saskatchewan (Canadá) e Advogada. 232 PARISI. Theories of corporate criminal liability, p. 44. 233 GOODE. Corporate criminal liability, 2004.

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empresa não tem mente própria, o seu estado mental e a sua intenção devem ser encontrados em funcionários que são o verdadeiro ego e centro de personalidade da corporação. A guilty mind da corporação se personifica na figura de certos indivíduos que a representam. A metáfora foi usada por Lord Denning em uma decisão de 1915, ao comparar uma corporação ao corpo humano. Existem pessoas em uma corporação que representam o cérebro desta e neste caso o seu estado mental e suas ações podem ser tratados pelo direito como se fossem o estado mental e as ações da corporação. Foi desenvolvida na Inglaterra sendo hoje adotada nos países do commom law e nos países do civil law 234 que admitem a responsabilidade penal das empresas. Na Agency Theory a responsabilidade é atribuída indiretamente à corporação, na identification theory essa atribuição se dá diretamente.

3 – Aggregation Theory, a corporação pode ser responsabilizada penalmente pelo somatório das condutas de seus empregados. Tem o mérito de quebrar com a tradição individualista dos modelos anteriores que colocavam o indivíduo em primeiro plano como o elemento de ligação entre a ofensa e a responsabilidade da corporação. A necessidade de se encontrar em um indivíduo os elementos ensejadores da responsabilidade penal desaparecem na proposta da aggregation theory, abre-se, então, espaço para um novo conceito, o de consciência coletiva. O modelo de atribuição de responsabilidade penal proposto pela aggregation theory, combina elementos da responsabilidade indireta com a noção de culpa presumida. 235 Mesmo que não seja possível dizer que algum dos empregados tenha agido culposamente, é possível dizer que a corporação, presumidamente, agiu com culpa e atribuir subsidiariamente a ela. Propõe a construção de um “estado mental artificial” resultante da somatória das consciências individuais. Os modelos surgiram para solucionar casos concretos, elaborados em um curto prazo de tempo e dentro dos liames do direito penal. Cabe à doutrina aprofundar nesse exame teórico e fornecer aos legisladores e operadores do direito o conhecimento necessário para uma mudança de perspectiva. 236

Na legislação brasileira, a ligação entre um delito e uma sanção à pessoa jurídica é

estabelecida por um comportamento motivado por seu gestor. Reportando-se à

responsabilidade penal das pessoas jurídicas, verifica-se que na Constituição Federal de 1988,

os arts. 173, §5º, e 225, §3º, registram o interesse do poder constituinte originário de imputar-

se responsabilidade penal à pessoa jurídica. Prescrevem os citados artigos:

Art.173. [...] §5º. A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a as punições compatíveis com a sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular. Art.225. [...] §3º. As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

234 Alguns países do sistema civil law (romano-germânica) que adotaram a responsabilidade penal das corporações são França, Dinamarca, Holanda e Bélgica. 235 DIXON, Ronald L. Corporate criminal liability. In: Spencer, Margaret e Sims, Ronald R. (Coord.) Corporate misconduct. Westport, US: Quorum books, 1995, p. 52. 236 BRANCO. Op. cit., p. 463-484.

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O objetivo é buscar meios e instrumentos legais, bem como processuais, para

imputar responsabilizações ao gestor e à pessoa jurídica. Todos os atos perpetrados pelos

administradores, por uma necessidade de política criminal, há de motivar as individualizações

e responsabilizações - no caso, para impor sanções à pessoa jurídica.

A análise do dolo e da culpa é atinente à conduta do gestor (pessoa física), pois

integra o resultado lesivo do fato típico, ilícito, e a culpável em razão do dano causado e do

resultado de violação ao bem jurídico tutelado. Há subsunção da conduta ao ilícito penal que é

decorrente do nexo de causalidade. Se motivado pela conduta humana, incide na tipicidade

penal. O objetivo da responsabilização penal é tornar passível de responsabilizar a sociedade

limitada que participa do ilícito penal em co-autoria mediata (indireta), em face de sua

estrutura contribuir para o crime empresarial em benefício dos gestores (pessoa física).

Os agentes do delito que se utilizam da estrutura física e financeira da sociedade

limitada em benefício desta empresa e, conseqüentemente, de seus gestores no intuito de lesar

o patrimônio público ou o interesse privado em face da gestão corrupta e eivada de falcatruas

devem ser punidos. Dá-se início à persecução concorrente de responsabilizações do gestor e

da sociedade limitada, com sanções civil, administrativa e criminal. Para Ricardo Negrão, “a

empresa é vista como o resultado da organização pessoal, formada pelo empresário e por seus

colaboradores”. 237 Registra-se também que o Código de Defesa do Consumidor prescreve as

normas incriminadoras, entre os arts. 61 a 80, quanto à irregular inserção de produtos e

serviços no mercado de consumo, o que torna necessário apurar as responsabilidades da

sociedade limitada e do gestor, ou de ambos.

Logo, o ato de imputar responsabilidades e sanções aos autores têm o objetivo de

inibir tais falcatruas, que se subsumem às atividades empresariais em infrações penais

diversas. Entretanto, se for ilícito civil, a responsabilidade é patrimonial, seja da sociedade

limitada ou do gestor. Se for ilícito penal, a conseqüente sanção é de natureza criminal, em

caráter de retribuição pelo injusto praticado.

Por fim, verificando-se tratar de infração administrativa, também se faz necessário

responsabilizar os autores, conforme demonstrado. Para Daniela Holler Branco238, “as

corporações é um foco de investigação relativamente novo para o direito penal

contemporâneo, pelo menos no que tange às corporações como sujeitos responsáveis”.

A inovadora legislação constitucional, que institui a responsabilidade penal da

pessoa jurídica fora reforçada com a promulgação da Lei n. 9.605, de 12 de fevereiro de 1998

237NEGRÃO. Op. cit., p. 44. 238 BRANCO. Op. cit., p. 471.

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126

(Lei Ambiental), a qual prevê responsabilidade penal pessoal e da pessoa jurídica, conforme

prescrevem os arts. 3º e 4º:

Art.3º. As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da entidade. Art.4º. Poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que a sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente.

Para o doutrinador Fernando Galvão239, são requisitos explícitos para a

responsabilidade da pessoa jurídica:

a) deliberação do ente coletivo; b) autor material da infração seja vinculado à pessoa jurídica; c) que a infração seja praticada no interesse ou benefício da pessoa jurídica; d) que seja a pessoa jurídica de direito privado; e) que o autor material tenha agido sob o amparo da pessoa jurídica; f) que tal atuação ocorra na esfera das atividades da pessoa jurídica ou que essas atividades se prestem a dissimular a verdadeira forma de intervenção da pessoa jurídica.

Também reportando ao art. 173, §5º, da Carta Magna, está o legislador atento à

teoria geral da penal, sujeitando ao gestor a pena privativa de liberdade. Entretanto, esta pena

não pode ser imputada à pessoa jurídica, o que é impossível. Ademais, o dolo e a culpa não

integram a pessoa jurídica, mas atingem seus dirigentes, sócios quotistas (pessoas físicas) ou

gerente administrador, que, diante do nexo de causalidade do dano e da infração penal

identificada, quando se vislumbra a adequação ao tipo injusto deve ser punível tanto o gestor

como o ente coletivo em decorrência do resultado lesivo, sendo instrumento ou meio para a

prática da infração penal pelo gestor delinqüente.

Poder-se-ia interpretar o art. 225, §3º, da CF ao assinalar que as condutas e

atividades lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, às

sanções cíveis, penais e administrativas. Há dupla responsabilização, administrativa e civil,

para a sociedade limitada ou há tripla responsabilização, incluindo a penal? Defende-se aqui a

possibilidade da tripla responsabilização dos envolvidos, em concurso de agentes.

É necessário que a ação penal, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa,

recebida a denúncia crime em desfavor da pessoa física e da pessoa jurídica, demonstre a

narrativa da infração penal e a descrição da participação dos agentes, com a individualização

da conduta dos autores: autoria direta-imediata (pessoa física) e autoria indireta-mediata

(pessoa jurídica). É claro que as investigações vão se concentrar nas pessoas físicas e também

239 ROCHA. Op. cit., p. 124.

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127

nas pessoas jurídicas. Portanto, o representante do Ministério Público deverá descrever os

elementos mínimos que apontem na direção de indícios de materialidade, ou o resultado de

ofensa ao interesse tutelado pela prática delitual, demonstrando a subsunção de condutas à

norma penal incriminadora perpetrada pelos agentes - gestor e da sociedade limitada - de

modo a configurar a justa causa suficiente para autorizar a deflagração de uma ação penal.

Torna-se necessário demonstrar que o gestor, ou diretor, pertence ao quadro da

pessoa jurídica e individualizar sua responsabilidade ou, mesmo, a da sociedade limitada que

participa de forma indireta para a prática do fato punível. A denúncia que acusa o gestor de

cometer o crime deve demonstrar sua responsabilidade subjetiva e, ao ente coletivo, a

responsabilidade objetiva. Esta última, pormenorizando sua participação, muito embora não

domine o fato, mas é meio ou utiliza-se de sua estrutura organizacional com o benefício

auferido para que as pessoas físicas possam ficar impune, o que não pode prosperar. Assim,

há concurso de agentes concorrentes para a prática da infração penal.

Após regular a tramitação dos autos, o devido processo legal poderá gerar

conseqüente sanção ao gestor e/ou à sociedade limitada em razão do evento lesivo com

violação ao interesse tutelado pela norma penal incriminadora. O sujeito ativo, seja pessoa

física ou jurídica, em face do art. 32, incisos II e III, do CP, poderá sujeitar-se às penas com

caráter de restrição de direitos e/ou de multa, salvo a privativa de liberdade, que é somente

estendida à pessoa física.

É preciso refletir, pois a ação ou omissão é inerente à vontade caracterizadora da

conduta humana, basilar da responsabilidade subjetiva. Nesse aspecto, haveria a incapacidade

penal da pessoa jurídica para pensar e agir, mas o nexo de causalidade do resultado material,

que foi motivado pela ação/omissão do gestor (que conseguiu tal intento, através da sociedade

limitada), nada obsta responsabilizar objetivamente a pessoa jurídica, pois é partícipe

mediata/indireta e não possui o domínio sobre o fato, mas vem a contribuir para que se

realize o injusto culpável. Já há respaldo nas searas civil e administrativa, com indenizações e

multas a serem impostas à pessoa jurídica. Quanto à responsabilização penal do ente coletivo,

oportuna é a discussão, pois há indícios jurídicos de virem a ser imputadas sanções à

sociedade limitada e ao gestor. Entretanto, a novidade é de somente ser possível, no caso, por

exemplo, em concurso concorrente de agentes.

Abordando a matéria sobre a possibilidade de responsabilidade penal da pessoa

jurídica, o criminalista René Ariel Dotti240 leva à conclusão de que “tanto a pessoa física como

240 DOTTI. A incapacidade penal da pessoa jurídica, p. 187.

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a pessoa jurídica podem ser responsabilizadas nas ordens civil, administrativa e tributária por

seus atos; mas a responsabilidade penal continua sendo de caráter e natureza estritamente

humanos”. Discorda-se deste raciocínio, em face das sanções penais-administrativas:

restritivas de direito e multa, já elencadas no Código Penal brasileiro.

Impedir a responsabilização penal do ente coletivo trata-se de uma política

criminal arcaica, que precisa ser revista pelo legislador brasileiro, uma vez que as pessoas

somente são responsabilizadas quando e na medida em que a lei determine.241 O ordenamento

constitucional brasileiro permite a responsabilização criminal da pessoa jurídica. Cabe aos

operadores do direito aplicá-la, com a devida interpretação da lei.

Nesse sentido, o respaldo na norma constitucional e em legislações extravagantes

motiva o operador do direito a fazer valer a aplicação de sanções penais às sociedades

limitadas. Sob essa análise, tramita no Congresso Nacional o projeto de Lei n. 1.142/07, que

apresenta como novidade a tipificação do crime de corrupção das pessoas jurídicas em face da

Administração Pública.

A criminalidade e o delito não fazem parte de uma realidade natural, mas sim de

uma construção jurídico-social que depende dos juízos valorativos que produzem a qualidade

criminosa na conduta, à qual se aplicam e se impõem responsabilidade a determinadas

pessoas.242

Abordar dogmaticamente a pessoa jurídica como sujeito ativo de crime no âmbito

criminal brasileiro vislumbra sua viabilidade, por ter uma personalidade própria, com

patrimônio e vida própria, seja com um registro contratual e, até mesmo, com a identidade,

perante a Receita Federal e a Estadual.

Contudo, verifica-se que nos sistemas penal e processual, quanto à teoria geral do

crime e da pena, na persecução ao crime somente se torna passível inicialmente para imputar-

se responsabilização penal a pessoa humana, que é revestida de capacidade de discernimento

e de autodeterminar-se em face do fato típico, ilícito e culpável. O sujeito ativo de crime

poderá ser punido com penas de reclusão ou de detenção, somente imputável à pessoa física.

Entretanto, partindo-se do pressuposto das penas previstas no sistema penal brasileiro, o art.

32, incisos II e III, do CP permite a aplicação da pena restritiva de direitos e multa, que

também podem ser extensivas às pessoas jurídicas, conforme relatado. Agora, é só o

legislador fazer valer-se das mesmas e vislumbrando o injusto culpável, com a participação

241 PELAEZ. Introdução ao estudo da criminologia, p. 38. 242 THOMPSON. Op. cit., p. 46-47.

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mediata da pessoa jurídica, dar ensejo à aplicação da pena correspondente, diversa de

privativa de liberdade.

Para o jurista Fernando Galvão243, a responsabilidade penal resulta:

De um processo político de escolha sobre quem deva suportar a pena a ser imposta pela violação da norma jurídico-penal. Esclarece ainda, que quando se discute o tema da responsabilidade penal da pessoa jurídica, não se pode esquecer que o equacionamento da questão deve ser feito no âmbito político. E a opção política sobre o tema já foi feita, e por aqueles que detinham legitimo poder para tanto. O ponto de vista contrário à responsabilização penal da pessoa jurídica foi vencido no debate institucional, segundo as regras do jogo democrático. Sob esta análise de política criminal atualmente vinga a irresponsabilidade penal da pessoa jurídica, sob a ótica de teoria geral do crime e da pena, isso não significa que é eterno. O contexto de incidência do sujeito ativo do crime em face do bem jurídico violado, seja perpetrado pela pessoa física e agora, com sustentação legal, quanto ao ramo ambiental, nada obsta buscar-se uma regra positivista, com sustentáculo na reserva legal, para buscar-se também impor sanções penais as pessoas jurídicas, no intuito de mudarem-se paradigmas. Logo, o estudo da responsabilidade penal da pessoa jurídica ainda desafiará os operadores do direito por algum tempo, mas registra-se que a constituição federal acolheu a opção política, no sentido de responsabilizar criminalmente a pessoa jurídica.

Sob o prisma da responsabilização da sociedade limitada, dúvidas não há quanto a

sua punição cível para arcar com prejuízos a terceiros, por meio de seu patrimônio

integralizado, que corresponde ao patrimônio distinto das pessoas físicas. Estes últimos

também podem ser responsabilizados solidariamente com seus patrimônios em face do caráter

fraudulento nas gestões empresariais, com a desconsideração da pessoa jurídica.

Também há responsabilização administrativa da pessoa jurídica. Para

Maximilianus Cláudio Américo Führer244, “sendo o agente, pessoa jurídica é aplicável às

penas de multa, a restrição de direitos, a prestação de serviços à comunidade ou liquidação

forçada”. Concorda-se com este posicionamento, uma vez que a pessoa jurídica é um co-autor

mediato para a conduta típica, ilícita e culpável da pessoa física (autor-imediato).

No que tange à aplicação das penas restritivas de direitos, está previsto no art. 43

do CP que, numa análise positivista, somente poderiam ser imputadas tais penas ao agente ou

gestor (pessoa física), mas, em face do concurso de agentes, surge uma alternativa para o

operador do direito, o que também é extensivo às penas de multa. Ambas as penas podem ser

aplicadas ao gestor e à sociedade limitada, desde que haja o devido procedimento legal.

Contudo, sob o enfoque da responsabilização da pessoa jurídica, em especial pela prática de

crimes no âmbito ambiental, conforme já assinalado, nada obsta aplicar-se à sistemática do

243 ROCHA. Op. cit., p. 14. 244 FÜHRER. Resumo de direito penal (parte geral), p. 97.

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Código Penal tais espécies de pena restritivas de direitos e multa em outras infrações penais.

O doutrinador Fernando Galvão245 justifica:

Sua aplicação à pessoa jurídica, com a obrigação de custear programas ou projetos ambientais, a execução de obras de recuperação relacionadas às áreas degradadas pela prática delitiva que fundamentou a responsabilização. A reparação dos danos causados pelo crime é efeito automático da condenação. Da mesma forma, a recomposição do dano é pressuposto para a aplicação imediata de pena e para a declaração de extinção da responsabilidade da empresa, com a suspensão condicional do processo. Assim, afirma ainda, que a pena aplicada (imediatamente ou ao final do julgamento de mérito da pretensão punitiva) deve dirigir-se a recuperação de outras áreas. É necessário que o magistrado determine o local no qual se dará a obra de recuperação, bem como as intervenções a serem realizadas. Também, a extinção da pessoa jurídica é efeito da condenação que possui a mesma natureza daquele previsto no artigo 91, inciso II, alínea “a”, do Código Penal e, por isso, deve ser expressamente declarado e fundamentado na sentença, conforme os termos do artigo 92 do estatuto repressivo nacional.

A capacidade penal das pessoas jurídicas tem respaldo constitucional no Brasil,

conforme esclarecido, mas ainda há polêmica quanto a sua aplicação, pois não há consenso

doutrinário e jurisprudencial sobre ser extensiva a outros interesses tutelados pela norma

penal incriminadora.

O momento é oportuno para implementar-se e devem-se aplicar as normas

vigentes ou, ainda, buscar imediata adequação da realidade brasileira a uma legislação eficaz

de combate às falcatruas empresariais, que serão oportunamente analisadas, como a

tipificação do crime de corrupção perpetrado pela pessoa jurídica em face da Administração

Pública, que está em discussão no Congresso Nacional, ora abordado neste trabalho.

É necessário ficar atentos para enfrentar essa nova realidade que se apresenta, pois

é preciso subsidiar as autoridades competentes com recursos legais, humanos e materiais para

combater a corrupção e as organizações criminosas econômicas que se instalam no Brasil e no

exterior em face da criminalidade globalizada das atividades empresariais.

Os atos de desvios e de desperdícios de recursos públicos, que ofendem interesses

do Estado e do setor privado, podem ser verificados em face de gestões empresariais

fraudulentas que compreendem violações aos interesses fiscais e econômicos, às relações de

consumo, ao meio ambiente, às normas de licitações públicas e, ainda, aos interesses da

Administração Pública, as quais se não forem coibidas, podem gerar a impunidade e lucros

ilícitos.

Os crimes falimentares também podem ser motivados por gestões administrativas

que decorrem de atos de corrupção empresarial.

245 ROCHA. Op. cit., p. 126.

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Fernando da Costa Tourinho Filho246, abordando a responsabilização da pessoa

física e aspirações para imputar sanções à pessoa jurídica, argumenta:

A legalidade e a subsunção da conduta do agente ao crime, registra que alusivo à pessoa jurídica, mas, se lhe falta capacidade de culpabilidade, somente por arte mágica poder-se-á imputar-lhe a prática de crime. Para a conduta seja crime, deve ajustar-se formalmente ao tipo legal (legalidade), mas apenas se podendo falar em tipicidade a partir do instante em que a conduta, formalmente típica, seja também, ao mesmo tempo lesiva ao bem jurídico protegido ou ética e socialmente reprovável.

A legislação penal brasileira, subsidiando-se na norma constitucional e na

legislação infraconstitucional, seja pelo Código Penal, pelo Código Processual e por leis

extravagantes, disciplina de forma mediata a responsabilidade penal da pessoa jurídica.

O operador do direito deverá demonstrar que a política criminal atual possibilita a

aplicação de sanções à pessoa jurídica. Para isso é imprescindível respaldar qualquer decisão

neste sentido, com o sustentáculo constitucional, que ainda é muito tímido. As penas terão

caráter administrativo e poderão ser aplicadas à pessoa jurídica na seara jurisdicional?

Na análise contemporânea e preocupado com a repressão globalizada aos crimes

perpetrados no ambiente empresarial, muitas vezes, até via da rede de computadores, nos

denominados “crimes sem fronteiras”, a realidade é que, cada vez mais, ultrapassa os limites

fronteiriços entre estados e países. Se perpetrados por empresas, por meio de gestões

empresariais fraudulentas, faz-se necessário também impor sanções penais à pessoa jurídica e

a seus gestores, sob o risco de gerar uma insegurança a sociedade.

Não se pode comungar com o caráter de impunidade da pessoa jurídica, que não

pode ser blindada nem ser impossível a persecução penal estatal, pois possui existência real.

A sociedade limitada é passível de penas de restrição de direitos, multa, prestação de serviços

à comunidade, perda de bens e, até, de fiscalização pública, além de outras responsabilizações

civis e administrativas já consolidadas.

Agora, torna-se necessário delimitar tais responsabilidades da pessoa jurídica e do

gestor (pessoa física), assim como as conseqüentes sanções a serem aplicadas na seara

criminal. Registra-se que as penas aos entes coletivos têm caráter administrativo.

A expressão “responsabilidade criminal da pessoa jurídica,” em realidade, é

semelhante à responsabilidade civil e administrativa do ente coletivo, mas a alternativa, agora,

é decorrente da conduta da pessoa física (gestor) que utiliza da pessoa jurídica para a prática

do crime em condutas concorrentes. Há a participação mediata e indireta da pessoa jurídica,

mas, não tendo o domínio do fato, mas serve de instrumento ou meio para o benefício ilícito

246 TOURINHO FILHO. Manual de processo penal, p. 173.

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daquele empresário, denominado “gestor fraudulento”. Ambos devem ser investigados,

denunciados e, se acaso for confirmado o delito, vem ser punidos na seara jurisdicional.

Enquanto o empresário perpetra o injusto culpável - fato típico, ilícito e culpável,

com atuação direta e imediata -, a pessoa jurídica tem mera participação mediata ou indireta,

servindo como meio ou instrumento para que o resultado de perigo ou lesivo se execute.

A pessoa jurídica é coadjuvante, é co-autora ou partícipe, pois há nexo de sua

efetiva participação, mas de forma indireta, por ser instrumento de atividade criminosa, a ser

perpetrado pela conduta humana, que utiliza a empresa para encobrir o fato punível.

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7. TEORIA DA RESPONSABILIZAÇÃO CONCORRENTE NA

GESTÃO EMPRESARIAL

Prepondera na doutrina, no contexto do terceiro milênio, o entendimento de que a

responsabilização da pessoa jurídica já não é mais ficção. O intuito de imputarem-se sanções

penais à sociedade limitada, que possui realidade própria e estrutura organizacional, com

registro na Junta Comercial e que paga impostos para a Receita. Aborda-se aqui a teoria da

responsabilização concorrente da pessoa física e da sociedade limitada na seara criminal,

atento a seus atos e suas atividades. E, caso violem o tipo penal incriminador, demonstrando o

liame entre os agentes decorrentes da lesão causada, nada obsta serem investigados,

denunciados, processados e condenados.

Há, nesse contexto, o crime societário, pois verificou-se pelas atividades

empresariais, sendo perpetrado em concurso de pessoas (física e jurídica). Apurada a prática

do ilícito penal, é importante responsabilizar seus autores, independentemente de serem

pessoa física ou pessoa jurídica, ou ambos concorrentemente. Mas imputar a

responsabilização criminal ao gestor e à sociedade limitada pode deixar de ser mera ilusão.

Caminha-se para a individualização das condutas e atividades desenvolvidas pelos agentes

concorrentes do fato punível, o que se torna viável em persecução às fraudes empresariais.

As formações de quadrilhas por empresários que executam em seus negócios e

atividades da sociedade limitada operações que têm relações com o objetivo suspeito de lesar

o erário público e os particulares, com obtenção de vantagens ilícitas, já não podem prosperar.

Os empresários que se utilizam dos recursos da empresa e, sobretudo, de toda sua estrutura

montada, caso venham a beneficiar-se com algum proveito e benefícios econômicos, com

interposta contribuição da pessoa jurídica que não detém o domínio sobre o injusto culpável,

mas é utilizada para encobrir o fato punível, patente é sua co-participação de forma mediata.

Logo, também passam a ser sujeitos ativos do crime, em concurso de agentes: os empresários

e a sociedade limitada. Para Édis Milaré247,

[...] a corrente doutrinária minoritária, defensora da responsabilidade penal da pessoa jurídica, afirma que o princípio societas delinquere non potest não é absoluto. Há crimes que somente poderão ser praticados por pessoas físicas, v.g., o homicídio, o estupro, o roubo, etc. Mas há outros que, por suas características, são praticados quase que exclusivamente por pessoas jurídicas e, sobretudo, nos exclusivos interesses delas. São os crimes praticados mediante fraude, os crimes ecológicos e diversas figuras culposas”.

247 MILARÉ. Op. cit., p.13.

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A análise da responsabilização à sociedade limitada ou à pessoa jurídica, sob a

ótica de se imputar a sanção penal por concorrer como sujeito ativo-mediato da infração

penal, torna-se criteriosa e renovada, em face da tradicional teoria geral do delito, em que

somente se impõe sanção penal à pessoa física. Inicialmente, não seria possível

responsabilizar criminalmente a pessoa jurídica. Entretanto, a conduta da sociedade limitada

como co-partícipe indireto no auxílio mediato do sujeito ativo (pessoa física) do crime é de

natureza objetiva. A teoria do crime demonstra a conduta típica, ilícita e culpável. Uma vez

praticada, subsume-se somente ao comportamento da pessoa humana. O gestor age e se utiliza

da interposta sociedade limitada, que, por ação ou omissão, de forma imediata ou direta,

conseguindo seu intento ilícito, que, no caso, é um injusto punível, mister apurar-se

responsabilizações.

Para a pessoa jurídica, há consolidado a responsabilização civil e administrativa

por atos ilícitos praticados que causem prejuízos a terceiros. Os administradores agem em

nome da sociedade limitada. Ao causarem prejuízos, seus gestores buscam esconder-se na

organização burocrática que compõe a estrutura de pessoa jurídica, visando à impunidade.

Assim, a sanção diante de tais ilícitos penais poderá ser de cunho patrimonial, de restrição de

direitos ou multa, em face da teoria geral da pena, ao teor do art. 32, incisos II e III, do CP,

que poderão ser aplicadas à pessoa jurídica. A proposta é de imputar-se responsabilização

criminal à sociedade limitada e ao gestor (empresário). A este último imputam-se as penas

previstas no art. 5º, inciso XLVI, da CF, ou seja: privação ou restrição da liberdade, perda de

bens, multa, prestação social alternativa e suspensão ou interdição de direitos.

Nossa legislação constitucional e infraconstitucional prevê a cominação de sanções

civis, penais e administrativas, conforme cada caso, às pessoas físicas ou pessoas jurídicas,

quando causem lesão às relações de consumo e ao meio ambiente, em violação às normas

licitatórias e atinentes aos crimes de “lavagem de dinheiro” que podem ser apurados e

redundar sanções de naturezas diversas.

Na órbita criminal, a interpretação lógico-sistemática permite o acolhimento da

responsabilidade penal das pessoas coletivas, em face dos arts. 173, §3º, e 225, § 3º, da CF.

Portanto, segundo Bettiol248, notável penalista italiano, a pena “é a conseqüência da

prática de uma infração penal que pode ser um meio de redenção moral, ou, mal executada,

instrumento de perdição. Pode servir a readaptar o homem à vida social ou a agravar

tendências anti-sociais”. Deixar de imputar sanções penais à sociedade limitada e a seus

248 BETTIOL. Diritto penale; parte geral, p. 790.

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administradores ao praticarem crimes poderá contribuir para a banalização da criminalidade,

gerando a impunidade. No contexto, se a sociedade pode ser utilizada para delinqüir e,

conseqüentemente, sujeitar-se à punição civil e administrativa, por que não responsabilizá-la

criminalmente? A pessoa física e a pessoa jurídica devem sofrer sanções penais por violação

ao bem jurídico tutelado, com a prática do injusto penal. Torna-se necessário a tripla

responsabilização da pessoa física e da pessoa jurídica. José Antônio Pereira Ribeiro249

esclarece sobre essas responsabilizações:

O Direito Administrativo e o Direito Penal existem correlação, pois quando o abuso do funcionário transpassa as normas meramente hierárquicas e burocráticas do Direito Administrativo incide nas normas punitivas do Direito Penal. Portanto, a finalidade principal do Direito Penal ao cominar normas punitivas e coercitivas é a de se harmonizar com as demais disciplinas jurídicas e buscar a efetivação da tão necessária paz interna, punindo infratores de crimes para estabelecer a harmonia e trazer o equilíbrio à sociedade, seja imputando sanções penais a pessoa jurídica ou a pessoa física.

Portanto, imputar responsabilização às pessoas físicas ou às pessoas jurídicas

torna-se possível, em concurso de pessoas, se motivado pela prática de um ilícito penal, e não

há de cogitar-se qualquer arbítrio ou abuso do direito de punir todos os envolvidos, pois o que

se pretende é incidir sanções a seus autores caso concorram para a violação dos bens jurídicos

tutelados. O que não pode é prosperar a criminalidade e a impunidade na órbita do Estado

Democrático de Direitos. Aqueles que praticam condutas ilícitas - no caso, os empresários e

as sociedades limitadas que mantêm relações com terceiros - e utilizadas para fins espúrios,

de forma concorrente ou simultânea, em face do crime apurado, deverão ser denunciados e

processados, tendo como conseqüência a responsabilização do gestor e da pessoa jurídica,

com sanções penais correspondentes.

7.1 Do concurso de pessoa física e de pessoa jurídica

É importante a apuração das responsabilidades civis, administrativas e penais da

sociedade limitada e do gestor atinente às condutas ilícitas quando decorrentes de uma gestão

empresarial fraudulenta. Identificar as infrações penais ou as condutas ilícitas que envolvem

corrupção e, conseqüentemente, trazem ofensas aos interesses das relações de consumo, ao

meio ambiente, à violação às normas econômicas, fiscais, licitatórias e da economia popular

ou, ainda, aos interesses coletivos, como saúde pública e Administração Pública, torna-se

249 RIBEIRO. Op. cit, p. 55.

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necessário, pois não se pode deixar que a impunidade prospere no âmbito das relações

empresariais. Entretanto, só há punição, sob a ótica da teoria geral do crime e da pena, caso se

utilize o ordenamento penal e processual. É possível imputar sanções ao gestor da empresa,

seja com penas privativas de liberdade, restritivas de direito e de multa. Quanto à pessoa

jurídica, aplicam-se sanções de natureza penais-administrativas, é o que se pretende

implementar com sanções administrativas penais na órbita jurisdicional.

Ausente está uma reserva legal direta acerca da responsabilização criminal da

pessoa jurídica em face dos ilícitos penais. Torna-se necessário trazer para a realidade

brasileira o concurso de agentes em crimes empresariais, agora sob a análise da prática

delituosa perpetrado pela pessoa física que se utiliza da sociedade limitada ou pessoa jurídica

para benefício econômico e para encobrir fato punível. Ambos os agentes (pessoa física e

pessoa jurídica) devem responder de forma concorrente pelo ilícito penal apurado. Dá-se

ensejo à teoria da responsabilização concorrente na gestão empresarial, com a

responsabilização do gestor e da sociedade limitada em razão do fato punível.

O Código Penal brasileiro contempla a reunião de agentes para a prática de um ou

mais tipos penais. Entretanto, somente se reporta às pessoas físicas, ao teor do art. 29. E por

que não estender a unidade dos desígnios do crime perpetrado pelo gestor também para a

pessoa jurídica que não detém o domínio do fato, mas encobre o fato punível? Havendo nexo

de causalidade da ofensa ao bem jurídico penal tutelado, que é perpetrado por meio do ente

coletivo, em benefício do gestor e da sociedade limitada fraudulenta, lógico será a

responsabilização concorrente de ambos, o que implicará eventuais sanções penais.

Em reportagem no jornal Hoje em Dia250 acerca da condenação de empresário e

sociedade empresária por violarem interesses ambientais, constatou-se:

A condenação da empresa X.Y.Z a oito anos e oito meses de prestação de serviços à comunidade e de dois de seus dirigentes ao mesmo tempo de prisão em regime fechado, em processo criminal por danos ambientais, cria jurisprudência importante em Minas Gerais. A decisão pode acabar com a controvérsia provocada por alguns advogados, que entendem não ser procedente a responsabilidade penal de pessoa jurídica. Para o juiz do Tribunal de Justiça Militar Fernando Galvão, ex-promotor coordenador de Defesa do Meio Ambiente, foi uma vitória contra a impunidade e uma decisão histórica. O juiz acredita que novas decisões semelhantes venham a ser tomadas pelo Judiciário. À época (2001) Fernando Galvão foi um dos promotores que denunciaram a empresa e seus dirigentes à Justiça, por causa do acidente com uma barragem que se rompeu e derramou toneladas de lama no distrito de São Sebastião das Águas Claras (Macacos) em Nova Lima/MG, na região metropolitana de Belo Horizonte/MG. Cinco funcionários da empresa morreram, e 80 hectares de mata foram devastados.

250 DIA. Condenação pode inibir crime ambiental, p. 15.

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O juiz afirma que há um passivo ambiental muito grande provocado por acidentes e, até então, as empresas reparavam os danos e faziam acordos, esperando o processo criminal.

Sendo a pessoa jurídica que contribui pela prática de fatos delituosos, com

atuação coadjuvante, em co-autoria mediata ou indireta, demonstrando-se que o injusto

culpável foi perpetrado pelo gestor-imediato ou direto (pessoa física), a quem detém a

ação/omissão e a culpabilidade, motiva-se a responsabilizar-se todos aqueles que contribuírem

para a ofensa da norma penal tutelada. Eventual pena de multa ou restritiva de direitos

imposta à empresa poderá gerar, dependendo da pena pecuniária, desde a “pena de morte”,

por ausência de recursos e condições de cumprir a sanção aplicada, até a conseqüente extinção

do ente coletivo, que doravante não poderá mais participar das suas atividades fins.

A pessoa jurídica consubstancia a sua participação na infração penal sem possuir o

domínio do fato, diante do concurso direto e imediato de um grupo de comparsas ou

empresários, em verdadeira quadrilha. Estes agentes possuem o dolo ou culpa capaz de

exteriorizar a adequação do resultado de violação à norma penal incriminadora, mas ambos,

pessoa jurídica e pessoa física, devem ser sancionados criminalmente em face do interesse

estatal ou de natureza privada, coibindo-se os criminosos que se refugiam em sociedades

empresariais. A sociedade limitada, que encontra a racionalidade objetiva por servir de

instrumento organizado e econômico para esconder o gestor, também concorre para o crime

empresarial, e tem que haver responsabilização criminal de todos os infratores.

A pessoa física, ora gestor-empresário, ao agir perpetrando o ilícito penal, detém

um juízo subjetivo, enquanto são participantes das atividades da empresa. Os agentes são

meros atores que possuem potencial conhecimento da ilicitude e culpabilidade. Já a pessoa

jurídica é instrumento ou meio pelo qual se pratica o delito. A sociedade limitada vem a

encobrir o fato punível. Assim, todos devem ser responsabilizados concorrentemente pela

violação ao interesse tutelado.

Na análise do concurso de pessoas, o Código Penal lançou-as na fórmula de que,

[...] quem concorre, de qualquer modo, para o crime, incide nas penas a estes cominadas, dela saem às figuras concorrentes que são o autor (ou co-autor), o partícipe e o auxiliar. O autor é quem concorre, realizando a ação descrita pelo verbo, núcleo do tipo. O co-autor é o que concorre para o crime, numa identidade de propósitos com outrem, rumo ao fim a alcançar, atua em colaboração prévia e estreita. Já o partícipe é o que concorre mediante ações, que contribuem para o crime, mas sem praticar diretamente a ação prevista pelo verbo, mas concorre para o evento, pelo ajuste, pela determinação ou pela instigação e auxílio,” conforme assinala Ariosvaldo de Campos Pires.251

251 PIRES. Compêndio de direito penal, p. 209-210.

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Pode-se dizer que existem as condições para fracionar e identificar a atividade

desempenhada pela pessoa jurídica e a conduta da pessoa física, em face do resultado

naturalístico perpetrado. Logo, é necessário analisar a participação dos sujeitos ativos do

crime, em concurso concorrente dos gestores nos crimes que envolvem atividades

empresariais, que incide por violar o bem jurídico tutelado descrito na norma penal. É

necessário identificar o crime, a fim de impor sanções à pessoa física e à pessoa jurídica, em

razão da atuação concorrente, pois há a possibilidade de aplicar o resíduo penal incriminador

e punições a ambos: autor e partícipe.

O que se pretende demonstrar sob esta ótica repressiva das falcatruas empresariais

na gestão empresarial são as condutas fraudulentas nas esferas das operações e negócios da

sociedade limitada quando é utilizada para encobrir o fato punível. Assim, pode-se imputar

responsabilização à pessoa física (autoria imediata) e à pessoa jurídica (autoria mediata), em

concurso concorrente de agentes, quando há pluralidade de autores.

Para imputar-se responsabilidade criminal a alguém, é necessário identificar o fato

punível e os agentes que concorreram para o ilícito penal, individualizando-se, de modo

pormenorizado, a ação ou omissão que cada participante praticou no evento criminoso, não

bastando identificar-se o gestor, gerente ou diretor da sociedade, mas quem, de forma direta e

indireta, foi beneficiado com a prática crime, utilizando-se de interposta pessoa jurídica.

Para imputar-se responsabilização penal a sociedade limitada, deverá o crime ser

perpetrado por meio desta. A relação de causalidade entre o comportamento prévio da pessoa

física e o resultado atingindo pela organização empresarial, enquanto pessoa jurídica, deve ser

demonstrada no nexo do resultado produzido, com o benefício econômico galgado e a

utilização da pessoa jurídica para a consumação do crime.

O que se verifica na teoria geral da pena é a responsabilização da pessoa física, ao

assinalar que

[...] quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida da culpabilidade (art.29, caput, CP) e se a participação for de menor importância, a pena pode ser diminuída de um sexto a um terço (art.29, §1º, CP) sendo que se algum dos concorrentes (pessoas físicas) quis participar de crime menos grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste; entretanto, essa pena será aumentada até metade, na hipótese de ter sido previsível o resultado mais grave (art. 29, §2º, CP).

Sobre o concurso de pessoas ou de agentes, o jurista Damásio E. de Jesus252 relata:

A infração penal nem sempre é obra de um só homem. Com alguma freqüência, é produto da concorrência de várias condutas referentes a distintos sujeitos. Por vários motivos, quer para garantir a sua execução ou impunidade, quer para assegurar o interesse de várias pessoas em seu consentimento, reúnem-se repartindo tarefas, as

252 JESUS. Código Penal Anotado, p. 136.

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quais, realizadas integram a figura delitiva. Neste caso, quando várias pessoas concorrem para a realização da infração penal, fala-se em co-delinqüência, co-autoria, participação, co-participação ou concurso de delinqüentes.

A análise em questão do concurso de agentes previsto no Código Penal brasileiro

reporta-se somente ao concurso de pessoas físicas, pois somente o homem é dotado de

vontade e culpabilidade. Cláudio Brandão253, abordando a culpabilidade, afirma:

Para a Teoria Finalista o dolo reside na ação e não na culpabilidade. É por isto que se diz que a culpabilidade somente é composta por conceitos normativos; ela se verifica quando concorrem simultaneamente os seguintes elementos: 1º) potencial conhecimento de antijuridicidade; 2º) imputabilidade; 3º) exigibilidade de conduta diversa. A consciência da antijuridicidade é o conhecimento da significação ilícita do comportamento. A partir da capacidade humana da percepção, que é decorrente dos órgãos do sentido, o sujeito pode conhecer a realidade exterior e assim formar a consciência de antijuridicidade. O sujeito imputável é aquele capaz de alcançar a exata representação de sua conduta e agir com plena liberdade de entendimento e vontade. A idéia de exigibilidade de outra conduta é ligada à idéia de liberdade, pois se reprova pessoalmente o sujeito que, podendo se comportar conforme o Direito, optou livremente por se comportar contrário ao Direito. Por isso, referido Direito, exigindo do autor uma conduta diversa da que ele praticou, pode imputar-lhe o juízo de censura da culpabilidade.

Fica a seguinte indagação: Como imputar-se uma sanção penal à pessoa jurídica

quando se sabe que esta não possui vontade direcionada, por ação/omissão, e os requisitos da

culpabilidade, mas, não tendo o domínio do fato, tem participação ou é utilizada para encobrir

o fato punível? Apurando-se que a sociedade limitada é co-autora (participação mediata ou

indireta) do resultado produzido pela prática da infração penal perpetrada pela pessoa física

(gestor), sendo a empresa o meio ou instrumento na efetivação da prática delitual, agora há

nexo da conduta do homem e o resultado advindo desta colaboração da sociedade limitada,

cuja participação é objetiva (indireta-mediata). É preciso ser ousado e responsabilizar

criminalmente a pessoa jurídica, pois é partícipe da realização da infração penal. Luiz Flávio

Gomes, abordando o concurso de pessoas, esclarece que há distinção entre o autor e o

partícipe:

a) Teoria subjetiva ou extensiva ou unitária, que não distingue o autor do partícipe. Todos que participam do fato seriam autores. b) Teoria objetiva ou restritiva: distingue o autor do partícipe (autor é quem realiza o verbo do núcleo do tipo e partícipe é quem colabora de qualquer outro modo). O problema dessa teoria é que não explica, por exemplo, a autoria mediata (na qual o agente é autor e não realiza o verbo núcleo do tipo, porque se serve de terceira pessoa para isso). c) Teoria do domínio do fato (Claus Roxin): 254 hoje amplamente aceita, distingue com clareza o autor do partícipe. Autor é quem domina realização do fato, quem tem

253 BRANDÃO. Op. cit., p.141-146. 254 ROXIN. Autoria y Domínio del Hecho em Derecho Penal. Marcial Pons, p. 56.

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poder sobre ele (controlar, de fazer cessar, etc.); partícipe é quem não domina a realização do fato, mas contribui de qualquer modo para ele. 255

Atua como autor principal uma pessoa física ou uma pessoa jurídica, que foi

utilizada para fins criminosos em benefício de todos os agentes. Pessoas físicas e pessoas

jurídicas dão causalidade aos resultados lesivos a interesses tutelados pela norma penal

incriminadora. Então, nada mais lógico do que imputar sanções aos agentes. Havendo

subsunção da norma penal incriminadora ao resultado lesivo, patente está demonstrada a

responsabilização concorrente. O autor (pessoa física) que subsumir sua conduta com base na

norma penal incriminadora motivará a teoria da responsabilização subjetiva por participar da

realização do tipo penal. A participação do agente, em co-autoria com a pessoa jurídica, que

se respalda na teoria da responsabilidade objetiva e na teoria do domínio do fato se sujeitará a

ser responsabilizada. A pessoa jurídica não realiza o núcleo do tipo penal, porque serve de

instrumento da prática do crime cometido pela pessoa física ou, ainda, a sociedade limitada

não domina a realização do fato punível, mas contribui de qualquer modo para a realização do

fato típico, ilícito e culpável. Atua, assim, como partícipe mediato. Há responsabilização

concorrente dos agentes. Ambos os autores devem ser punidos com as sanções

correspondentes.

Teorias desenvolvidas na Alemanha adotam o conceito de domínio do fato para

conceituar a autoria. André Luís Callegari256, abordando o concurso de agentes nos crimes de

lavagens de capital, sustenta que

[...] o fato deve aparecer como obra de uma vontade que dirige o ocorrido, mas também é determinante o peso objetivo da parte do fato assumido por cada interveniente. Como a doutrina brasileira segue, em regra, os conceitos elaborados pela doutrina alemã a respeito do domínio do fato, considera autor aquele sujeito que possui o domínio final do fato em razão de sua decisão volitiva. O autor é aquele que tem em suas mãos o curso típico dos acontecimentos, ao qual se estende o dolo. De acordo com a teoria do domínio do fato, não só o sujeito que entre em contato com os bens objeto da lavagem é autor, como também será autor aquele que tem o curso causal do sucesso final em suas mãos.

O crime de lavagem de dinheiro, na órbita empresarial será abordado

oportunamente.

A identificação do resultado de violação ao bem jurídico tutelado, o nexo de

causalidade decorrente da ação ou omissão do autor direto (gestores) e a participação mediata

da pessoa jurídica na prática do delito, com a conseqüente contribuição para o resultado

lesivo, motivam a imporem-se sanções ao autor e partícipe. O fundamento está previsto na

responsabilização concorrente criminal da pessoa física e da pessoa jurídica. 255 GOMES. Direito penal: teoria constitucional do delito, p. 282. 256 CALLEGARI. Op. cit., p. 107.

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Para o doutrinador Nilo Batista257, reportando-se ao nosso Código Penal, há quatro

casos de autoria mediata: “o erro determinado por terceiro; coação moral irresistível; a

obediência hierárquica e o caso do instrumento impune em virtude de condição ou qualidade

pessoal”. Tais componentes da autoria mediata são tópicos que não se relacionam às pessoas

jurídicas, pois são extensivas às pessoas físicas. A exclusão de culpabilidade tem como

conseqüência a isenção de pena do agente, muito embora pratique o fato típico e ilícito.

Entretanto, a sociedade limitada, sendo instrumento e condição – na qualidade de pessoa

jurídica – para o êxito da infração penal (no caso, é instrumento punível), por contribuir para

a execução do crime realizado pelo autor imediato (pessoa física), ora gestor ou empresário,

vem demonstrar que deverá também ser responsabilizada a sociedade limitada. Não devem

ficar impunes o autor imeditado (gestor) e o autor mediato (sociedade limitada). A pessoa

jurídica é instrumento punível e organizacional. O empresário, na realização do injusto

culpável, é autor direto e a pessoa jurídica atua como partícipe. No caso, é instrumento

punível e tem sua participação de forma indireta, visto que ambos os agentes contribuem para

a ofensa ao bem jurídico tutelado na norma penal incriminadora.

Necessário se faz iniciar a persecução criminal e a repressão não só da pessoa

física, mas também da pessoa jurídica, no intuito de aplicarem-se sanções penais a ambas. O

delegado de polícia deve buscar indícios e provas indiciárias. O promotor de justiça deve

oferecer a denúncia-crime, com a individualização pormenorizada da participação direta do

gestor na prática do injusto culpável e da sociedade limitada, como instrumento punível. Este

último detém qualidade pessoal para a prática mediata e indireta do resultado lesivo e não

pode permanecer impune quando é utilizado no intuito de encobrir o fato punível.

Nesse aspecto, a pessoa física (autor direto) e a pessoa jurídica (autor indireto)

concorreram para a prática do crime. Logo há unidade de infração e do fato punível,

denominada “notitia criminis.” Agora, só se torna necessário individualizar a conduta dos

infratores, em razão da teoria subjetiva, objetiva e do domínio do fato, no intuito de

responsabilizar os envolvidos, coibindo-se a impunidade. Para André Luís Callegari258, “o que

caracteriza a autoria mediata é que o domínio do fato esteja nas mãos do ‘homem de trás’ é

dizer, o fato deve estar sob seu controle, o que demonstra o domínio do fato”. O empresário é

o autor e tem o domínio do fato punível, enquanto que a pessoa jurídica tem sua participação

objetiva, não tendo o domínio da conduta lesiva e incriminadora, mas que contribui para que

esta se realize em beneficio próprio e do próprio gestor.

257 BATISTA. Concurso de agentes, p. 103. 258 CALEGARRI. Op. cit., p. 110.

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Como exemplo, pode-se vislumbrar o dano ambiental em que o administrador, ou

o sócio, pessoa física, utiliza-se de todo o maquinário da sociedade limitada para remover

uma montanha. Assim agindo, por intermédio da sociedade empresária e de toda sua

estrutura econômica, vem a causar o dano ambiental, com o objetivo finalístico de construir

uma estrada por aquela localidade, até então óbice ao crescimento da empresa. O dolo e a

culpabilidade do agente na execução do tipo penal, o resultado de ofensa ao bem jurídico

ambiental tutelado e o nexo de causalidade, que se tornou possível em razão da efetiva

participação mediata da empresa, a quem se imputa a responsabilidade objetiva e contribui

para o crime, estão demonstrados. A sociedade limitada não detém o potencial conhecimento

da ilicitude, o domínio do fato, mas participa e dá causa ao resultado de dano, pois é utilizada

para beneficiar-se com o fato punível.

Verifica-se que o gestor age com dolo no intuito de praticar o crime ambiental, e

para isso teve o auxílio de toda a estrutura da pessoa jurídica. Por meio do maquinário da

sociedade limitada o gestor realiza toda a conduta típica, ilícita e culpável. A atuação célere

conseguiu o objetivo de remover de toda a montanha - no caso, obstáculo para a construção de

uma estrada para o transporte de cargas.

A ação direcionada pela pessoa física consumou-se por intermédio da pessoa

jurídica, autora mediata, aqui representada pela sociedade limitada. O poderio econômico

prevaleceu e toda estrutura organizacional da pessoa jurídica conseguiu o intento de perpetrar

a ofensa ao bem jurídico tutelado, de natureza ambiental. Mas também pode-se reportar a

qualquer outro tipo penal. Por que, então, não responsabilizar concorrentemente a pessoa

física e a pessoa jurídica com sanções penais? O entendimento da tese resulta como

mecanismo para subsidiar, com o respaldo constitucional, a seara jurisdicional, sendo

justificável a aplicação da pena pela autoridade judiciária competente.

É necessário individualizar a conduta dos agentes concorrentes para a imposição

de sanções ao presidente, ao diretor, ao sócio, ao gestor ou ao empregado, bem como a

própria empresa, enquanto sujeitos ativos (autores e co-autores) do ilícito penal. Entretanto,

exige-se um mínimo de prova de que tenham praticado o fato ilícito punível, ou concorrido

para a sua prática. Se isso não existir ou ficar demonstrado nas investigações, em caso de

sanções, poderá suscitar-se que houve abuso do poder de denúncia 259 e, conseqüente, da

punição.

259 DOTTI. Curso de direito penal; parte geral, p. 361-362.

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Quanto ao sujeito ativo, sendo a pessoa física, não há sobre a aplicação da teoria

geral da pena, em que se apresenta um rol taxativo de espécies de sanções, que estão previstas

no art. 5º, inciso XLVI, da CF, também descritas no art. 32 do CP, como sendo: privativas de

liberdade, restritivas de direito e multa. Fernando Galvão260, abordando a sanção penal a ser

imposta à pessoa jurídica, esclarece:

Muito embora à pessoa jurídica não seja possível impor pena privativa de liberdade, o instituto da aplicação imediata da pena (transação penal e ou a suspensão condicional do processo) também lhe pode ser aplicado, ora previsto na Lei 9.099/95, já que lhe confere benefícios, na medida em que implica em vantagem o fato de que ela não será considerada reincidente, o fato não constará de certidão de antecedentes criminais, salvo para impedir a concessão de novo benefício no prazo de cinco anos, e a pena não terá qualquer efeito civil. Acrescenta ainda, se o juiz pode decretar a prisão preventiva do acusado – pessoa física (que é medida de grave repercussão em seu direito de liberdade) também, pode presentes os mesmos pressupostos, decretar preventivamente a suspensão parcial ou total das atividades da pessoa jurídica (que é medida menos grave e repercute efeitos meramente patrimoniais), com base nos artigos 3º e 311, do Código de Processo Penal e artigo 799, do Código de Processo Civil. Outra abordagem apresentada pelo citado autor é da aplicação subsidiária do artigo 798 do CPC, nos casos de pronta intervenção do Poder Judiciário para interromper a continuidade delitiva, com poder de decisão cautelar do juiz criminal, antes do julgamento da lide, quando houver fundado receio de que uma parte, possa vir ser vítima de lesão grave e de difícil reparação.

A pena a ser imposta à pessoa jurídica há de respaldar-se na legislação. Nenhuma

pena pode ser imposta sem estar prevista em lei (art. 1º do CP). Também, nenhuma pena

passará da pessoa do condenado, seja a pessoa física ou a pessoa jurídica, no contexto

apresentado, ora esculpido no art. 5º, XLV, da CF, que permite aplicação de sanções aos

infratores. Em relação às aplicadas às penas restritivas de direito e aos dias-multa

disciplinados no Código Penal, nada obsta sua aplicação às sociedades empresarias ou pessoas

jurídicas. Maria Lúcia Karam261, abordando as penas aplicadas às pessoas jurídicas, relata:

Quando o Ministério Público, nos moldes das regras do art. 76, da Lei 9.099/95, vai a juízo para “propor a transação”, o que está fazendo, decerto, não é algo diverso do ajuizamento de uma demanda, mas um ato pelo qual alguém pede ao Estado a prestação de atividade jurisdicional. Expõe o Ministério Público situação fática, alegadamente configuradora de uma infração penal de menor potencial ofensivo, e veicula a pretensão de fazer valer o poder de punir do Estado (a pretensão de direito material, revelada como pretensão punitiva), diante da alegada prática de infração penal daquela natureza, mediante a imposição, por ato do juiz, de uma pena não privativa de liberdade, que pede seja antecipadamente aplicada, desde que haja a anuência do imprópria e precipitadamente denominado “autor da infração”, isto é, daquele que está assim sendo demandado. Manifestada sua anuência, bem como a de seu defensor, o juiz homologará tal manifestação de vontade em ato no qual estará contida a imposição daquela pena não privativa de liberdade, pedida e aceita. Tal pronunciamento, como o denomina o

260 ROCHA. Op. cit., p. 124-125. 261 KARAM. Anotações sobre aspectos penais e processuais penais das Leis 9.099/95 e 10.259/2001 – Leis dos juizados especiais, p. 163-169.

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próprio legislador (§ 5º, do art. 76, da Lei 9.099/95) é uma sentença, com eficácia condenatória, apta a ensejar a execução da pena aplicada. Na hipótese de aplicação da pena pecuniária, o não pagamento da multa estará a implicar, como em qualquer outra hipótese de descumprimento de pena desta natureza, na incidência das normas da legislação relativa à dívida ativa da Fazenda Pública, na forma contida no art. 51, do Código Penal.

A transação penal, em razão da natureza da infração penal de menor potencial

ofensivo, pode ser apresentada à empresa, ora “autora-mediata” da infração penal, conforme

se verificou, ou, ainda, ao autor imediato-direto, em face do concurso de agentes na prática

delitual. Em outras infrações penais, seja de menor potencial ofensivo, médio ou grave, pode-

se também imputar pena restritiva de direito ou multa para a pessoa jurídica ou, até mesmo,

de ambas as penas. Os agentes da infração penal - sociedade limitada e gestor - se o caso for

de concurso concorrente de pessoa física e de pessoa jurídica devem ser punidos

simultaneamente. Sobre a análise de responsabilização criminal da pessoa jurídica tramita no

Congresso Nacional o Projeto de Lei n. 1.142/07262, que tipifica o crime de corrupção das

pessoas jurídicas em face da Administração Pública e prescreve, no art. 3º, algumas sanções

penais a serem cominadas à pessoa jurídica:

Art. 3º. As penas aplicáveis isolada, cumulativa ou alternativamente às pessoas jurídicas, de acordo com o disposto no artigo anterior são: I – multa, no valor de 10 a 50 vezes o montante da vantagem ofertada ou do proveito econômico almejado; II – restritivas de direitos; III – prestação de serviços à comunidade; IV – colocação sob vigilância judiciária; V – perda de bens; e. VI – publicidade da decisão condenatória.

As penas de multa restritivas de direitos, prestação de serviços à comunidade e

perda de bens prevista no ordenamento brasileiro são passíveis de serem aplicadas aos autores

de ilícitos penais. No que tange às sanções penais a serem aplicadas à pessoa jurídica,

verifica-se que as penas restritivas de direito seriam de: suspensão parcial de atividade ou

dissolução; interdição temporária de estabelecimento ou atividade; e proibição de contratar

com o Poder Público, bem como de obter dele subsídios, subvenções ou doações. Já as penas

de prestação de serviços à comunidade pela pessoa jurídica consistirão em: custeio de

programas e projetos contra a corrupção, e contribuições a entidades voltadas para o combate

à corrupção, ao teor dos arts. 4º e 5º do citado Projeto de Lei, o que vem a contribuir com o

combate à criminalidade empresarial.

262 BRASIL. Projeto de Lei nº. 1.142 de 23 de maio de 2007.

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Ademais, cita o art. 9º do Projeto de Lei n. 1.142/07 que a pessoa jurídica

constituída ou utilizada, preponderantemente, com o fim de permitir, facilitar ou ocultar a

prática de crime definido no art. 2º desta Lei terá decretada sua liquidação forçada e que seu

patrimônio será considerado instrumento do crime e como tal perdido em favor do Fundo

Penitenciário Nacional, com o que se concorda.

A gestão societária deve ser fiscalizada diuturnamente pelos sócios,

administradores, gerentes e, até, empregados na administração interna, seja com auditoria

administrativa ou, até mesmo, espionagem, no intuito de zelar-se pela legalidade e de coibir

os atos de falcatruas e corrupção. Portanto, vislumbrando-se resíduos criminais, torna-se

imprescindível a atuação repressiva da Polícia Judiciária na apuração do crime praticado pelo

gestor em concurso concorrente com a pessoa jurídica.

Também o representante do Ministério Público exerce papel importante na

persecução estatal punitiva e na fiscalização da lei e da ordem, bem como das atividades

policiais voltadas para a repressão aos crimes empresariais. Cumpre-lhe requerer às

autoridades policiais diligências complementares a serem realizadas para subsidiar as

investigações policiais. A busca de provas materiais e subjetivas, identificando-se a infração

penal e os seus autores, seja a pessoa física ou a pessoa jurídica, torna-se necessária diante da

criminalidade moderna. Cabe ao delegado de polícia proceder ao indiciamento de todos os

envolvidos na prática de ilícitos penais empresariais.

Para a análise da tipificação do crime, tendo como autor o ente coletivo e a pessoa

física, a sugestão é que se ampliem os tipos penais capazes de imputar responsabilização à

pessoa jurídica, pois o PL n. 1.142/07 somente tipificou o crime de corrupção das pessoas

jurídicas em face da Administração Pública. Entretanto, propõem-se as seguintes sugestões,

com a alteração e inclusão de outras elementares ao novo tipo penal a ser imputados ao ente

coletivo por violações a outros interesses tutelados pela norma penal, senão vejamos:

Art. 2º. Constituem atos de corrupção das pessoas jurídicas, oferecer ou prometer, por decisão de representante legal ou contratual ou de seu órgão colegiado, diretor, gerente político ou interposta pessoa vantagem indevida a funcionário público, agente político de quaisquer dos três Poderes da República ou a particular para determiná-lo a praticar, omitir, retardar ou condicionar a prática de atos de ofício ou não, em seu nome, interesse ou benefício de sua entidade ou de outra pessoa jurídica; visando obter a pessoa jurídica, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém a erro, mediante artifício ardil, ou qualquer outro meio fraudulento em ofensa aos interesses tutelados na relação de consumo, ao meio ambiente, a ordem tributária, econômica e financeira, à saúde pública e aos interesses da Administração Pública. (NR)

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§1º. A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato, conforme tipificado no Código Penal ou em Legislação Especial; entretanto há responsabilização concorrente da pessoa física e da pessoa jurídica, se demonstrado o concurso de pessoas. (NR) §2° [...] §3° [...] §4°. Salvo disposição expressa em lei, as sanções administrativas já previstas em legislações infraconstitucionais poderão ser também aplicadas às pessoas jurídicas pela autoridade judiciária competente, independentemente que se apure ou não autoria da pessoa física, desde que na ação penal, verifique ser utilizada o ente coletivo por interposta pessoa física para encobrir o fato punível. (NR)

A proposta sugerida tem o objetivo de ampliar aquelas condutas incriminadoras já

previstas em lei que, em conluio dos representantes legais ou gestores, utilizando-se das

pessoas jurídicas venham a ofender interesses tutelados diversos.

José de Faria Costa263, sobre a responsabilidade jurídico-penal da empresa e dos

seus órgãos, argumenta:

A nossa preocupação centra-se, deste jeito, na criminalidade que encontra na empresa um possível centro de imputação penal. Ela não é só o lugar “onde” ou “por onde” a criminalidade econômica se pode desencadear, ela é fundamentalmente o topo “de onde” a criminalidade econômica pode advir. A empresa pode apresentar como um verdadeiro centro gerador de imputação penal.

Pode-se citar violações ao meio ambiente, à ordem econômica e financeira e às

relações de consumo, ofensas aos interesses fiscais e crimes previdenciários, com

dissimulação e ocultação dos bens provenientes de origens ilícitas, ora tipificados nos crimes

de “lavagens de dinheiro”, também vislumbrando a participação mediata ou indireta da pessoa

jurídica na prática da infração penal, o que nada obsta ser responsabilizado com aplicações de

sanções administrativas-penais.

No Direito francês, a responsabilidade penal da pessoa jurídica já é norma de lei de

Direito Penal positivo, que estende, em caso de usura, a responsabilidade penal dos diretores e

administradores, aplicando-se à empresa, a título provisório ou definitivo, a pena de

encerramento das atividades, conforme noticia Roberto Santiago Ferreira Gullo.264

263 COSTA. Temas de direito penal econômico/organizador Roberto Podval, p. 165. 264 GULLO. Op.cit., p. 169.

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Para Édis Milaré265,

[...] no que tange à objeção da doutrina tradicional quanto à impossibilidade de aplicação de penas às pessoas jurídicas, quer nos parecer que o argumento possa ser facilmente vencido. Evidente que seria impossível aplicação da pena privativa de liberdade. Entretanto, há muitas outras modalidades de penas que se ajustam à pessoa jurídica, tais como a pena pecuniária, as penas restritivas de direitos, com destaque para a modalidade de interdição temporária de direitos.

Enfim, nas condutas resultantes de um comportamento exteriorizado pela

sociedade limitada que se subsume a uma participação incriminadora em manobras de gestão

empresarial fraudulenta vem ser justificável a persecução criminal, com as investigações

preliminares e o posterior devido processo penal, com as conseqüentes sanções penais, seja a

pessoa física, à pessoa jurídica ou a ambos os agentes infratores, em face do fato delitivo

coletivo executado.

É sob este enfoque que se apresentam casos práticos de persecuções criminais às

fraudes, no âmbito empresarial, com o estudo de diligências apuratórias por violação aos

interesses das relações de consumo, fiscal, meio ambiente, licitatório, previdenciário, lavagem

de dinheiro e crimes falimentares.

265 MILARÉ. Op. cit., p. 13.

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8. PERSECUÇÃO CRIMINAL AS FRAUDES

NO ÂMBITO EMPRESARIAL

As pessoas jurídicas, por intermédio de seus gestores, devem ficar atentos aos

pressupostos da legalidade. Suas atividades empresariais devem se respaldar em atos lícitos

no cumprimento dos deveres estabelecidos em lei, sob pena de sujeitarem-se as

responsabilizações nas searas civil, administrativa ou criminal. A gestão fraudulenta poderá

gerar a tripla responsabilização da empresa e do gestor em face das condutas concorrentes e

de prejuízos causados a terceiros com violações aos bens tutelados.

O estudo das falcatruas na seara empresarial verifica-se quando o empresário, no

exercício da mercancia, comete alguma fraude valendo-se da sociedade limitada para

contrariar as suas legítimas finalidades. Tal fato é apurado quando atua enganando ou lesando

terceiros por meio atividades exercidas de forma espúria, seja com atitudes eivadas de

ilegalidade, má-fé ou em abuso de direito. São atividades não violentas que envolvem

falsidades, acobertamento da verdade, manipulação, fraudes, corrupção e dissimulações.

Em editorial abordando o tema “Política e corrupção”, João Bosco Martins Salles 266 relata:

A corrupção rende tanto dinheiro que supera a receita do tráfico de drogas e é o crime que gera maior volume para lavagem de recursos no Brasil. A afirmativa é do ministro Gilson Dipp, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em sua intervenção no IV Fórum Global de Combate a Corrupção, que se realiza em Brasília. Em relatório recente, a Organização das Nações Unidas (ONU) calculou que os recursos provenientes dos atos de corrupção somam US$ 1 trilhão por ano. No Brasil, estima-se que a corrupção causa prejuízos equivalentes a 20% do Produto Interno Bruto (PIB).

As fraudes, as falcatruas, a corrupção e os estelionatos empresariais, segundo

Valdeci Medeiros267, apresentam os seguintes comportamentos:

- pagamento de propinas ou suborno para evitar multas; - direcionamento de licitações; - laudos técnicos forjados ou comprados visando à aprovação de projetos; - subavaliação patrimonial para direcionar empresas para um estado falimentar; - superavaliação patrimonial visando dar uma falsa impressão aos investidores uma solidez que não existe; - registro sem a correspondente existência física como forma de distorcer o patrimônio;

266 SALLES. Política e corrupção, p. 8. 267 Disponível na internet http://valdecimedeiros.sites.uol.com.br/contabilistas/corrupcao.htm – Acesso em: 15 jan. 2005

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- excessivo provisionamento contábil para provocar necessidade de aumento de capital; - retenção de encargos sociais sem o respectivo recolhimento; - desfalque de numerário de caixa; - adulteração em sistemas de pagamentos; - adulteração em registros de documentos; - privilegio aos fornecedores com informações sigilosas; - pagamentos a fornecedores inexistentes ou já desativados;

- lavagem de dinheiro. Tais comportamentos, se perpetrados em concurso de agentes (pessoa física e

pessoa jurídica), podem motivar violação às normas civis, administrativas e criminais.

Podem-se vislumbrar condutas suspeitas quando se modifica ou altera um produto, esconde

bens, desvia os serviços ou, ainda, quando se praticam atividades ilícitas com o objetivo de

obter lucro fácil e desprovido de guarida legal, constituindo-se em condutas injustificáveis

para uma gestão empresarial. Juliano Linhares268, abordando a fraude que ocorreu no leite,

relatou que,

[...] com aproximadamente 30% da produção nacional, equivalente a seis bilhões e 800 milhões de litros/leite/ano, Minas Gerais é o maior produtor de leite do País. Recentemente, a qualidade do leite mineiro passou por episódios associados a fraudes realizadas por empresários desonestos, em duas cooperativas de leite em Minas Gerais (Passos/MG e Uberaba/MG). Tal fato abriu questionamentos sobre a fragilidade dos sistemas de inspeção, episódio que pode ser considerado isolado.

Fatos que envolvem crimes de corrupção empresarial em desfavor dos interesses

particulares podem influenciar a livre concorrência, em prejuízo de outras sociedades

empresariais e, até, da Administração Pública. Esses crimes podem ser de cunho fiscal, de

violação à ordem econômica, de danos ambientais, de lavagem de dinheiro e de violação aos

interesses dos consumidores, que se constatam por meio das atividades empresariais

revestidas de negócios que proporcionam algum proveito ilícito, sendo a sociedade limitada

utilizada para encobrir o fato punível.

No âmbito do Direito Empresarial, o desempenho operacional e administrativo no

gerenciamento da empresa moderna, diante da globalização do mercado, enseja a necessidade

de identificar os comportamentos potencialmente tidos como lesivos e que assimilam ou

subsumem-se em infrações penais, pois, se constatados por atos fraudulentos ou em atividades

que envolvem corrupção, com a facilidade de obter do dinheiro de origem ilícita, torna-se

imprescindível iniciar-se a persecução criminal, por meio dos órgãos estatais.

A personalidade jurídica tem patrimônio e responsabilidades distintas dos sócios e

não pode ser instrumento para abusos, para encobrir desonestidades ou para burlar a lei,269

268 LINHARES. Leite Fraudado, p. 11. 269 GIARETA. Teoria da Despersonificação da pessoa jurídica (disregard doctrine), p. 10.

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sendo que seu uso anormal constitui abuso de direito, em especial se ocorrerem manobras

para lesar ou prejudicar terceiros. É necessário apurar a autoria e imputar responsabilizações.

Tais levantamentos de indícios de ilícitos e desvio de comportamento gerencial

podem ser constatados por meio de auditorias administrativas ou investigações competentes.

Nesse aspecto, busca-se reduzir tais abusos ou condutas dissimuladas, por constituírem forte

ameaça aos negócios, visto que tais anomalias demonstram um lado tenebroso do mercado ao

não se preocupar com a moralidade e legalidade. Patente será a “falência” das atividades

mercantis e do próprio Estado, que, ao impor normas cogentes para serem cumpridas, se não

foram acatadas pelo empresariado, haverá um prejuízo aos direitos e garantias dos cidadãos.

Segundo a classificação de Berdn Schunemann270, a criminalidade envolve a gestão

empresarial que gera pagamentos de propina, extorsão, evasão de tributos e obstrução da

Justiça, em face do rito ordinário as pretensões persecutórias e esclarece:

A criminalidade envolvendo a empresa poderia ser agrupada em criminalidade que se desenvolve à margem da empresa, criminalidade que germina dentro da empresa contra a própria empresa, criminalidade de pessoa da empresa contra outros membros da empresa e, finalmente, a criminalidade que se projeta a partir da empresa.

No intuito de iniciar-se a persecução à infração penal que ocorre no âmbito das

atividades empresariais, constata-se que o poder de investigação policial em matéria criminal

foi conferido à Polícia Federal e à Polícia Civil, que concatenam seus atos fins de

investigação no inquérito policial, sob o respaldo constitucional previsto no art. 144, §1º e

§4º, da CF/88 e nos arts. 4º a 23 do CPP. Também, há o termo circunstanciado de ocorrência,

ao teor do art. 69 da Lei n. 9.099/95 acerca de investigações envolvendo a notitia criminis

atinentes aos delitos de menor potencial ofensivo, seja no âmbito federal ou estadual, cuja

pena máxima não seja superior a dois anos, ou multa.

No Brasil, em matéria processual penal, foi adotado o sistema acusatório, com uma

fase procedimental-inquisitorial e outra processual, com a ação penal, de caráter

eminentemente contraditório, assegurando ao acusado a ampla defesa, direito esse assegurado

pela nossa Carta Magna de 1988, no teor do art. 5º, inciso LV. Lima, abordando a persecução

criminal, relata que “no Brasil, temos duplicidade de instrução, sendo a primeira fase

nitidamente inquisitória, com a investigação, cuja forma mais comum é o inquérito policial, e

a segunda fase da ação penal, quando teremos o processo propriamente dito”. 271

Em realidade, é na fase inquisitorial que se faz a colheita das provas indiciárias.

Não há de se cogitar duplicidade de instrução. Na primeira fase policial, o delegado de polícia 270 SCHUNEMANN. Op. cit., p. 529-531. 271 LIMA. Curso de Processo Penal, p. 74.

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preside as investigações, na busca de elementos subjetivos e objetivos da violação da norma

penal incriminadora. O representante do Ministério Público, ciente das investigações policiais,

vai subsidiar sua peça acusatória, com o indispensável caderno apuratório, de natureza

administrativo-inquisitorial. É por meio da denúncia do “parquet” que se dá início da

persecução penal, em juízo.

O inquérito policial e o TCO, enquanto na fase pré-processual de natureza

inquisitorial, também se apresentam como instrumento de persecução ao crime. A norma

constitucional é garantista, uma vez que se torna necessário respeitar os direitos

constitucionais do cidadão investigado. Os procedimentos investigatórios, sob a presidência

do delegado de polícia de carreira, antecedem o pronunciamento da Justiça, bem como irão

subsidiar a denúncia-crime formulada pelo representante do Ministério Público.

Os processualistas José Geraldo da Silva e Marco Antônio Desgualdo, abordando

a importância do inquérito policial, relatam:

Já o Inquérito Policial possui um caráter inquisitório, pois, não obstante seja facultado ao indiciado assistência de advogado, não é nessa fase, que se fará a defesa do seu cliente, inexiste o princípio do contraditório, na fase pré-processual, muito embora seja-lhe permitido indicar testemunhas ou solicitar certas diligências. 272 O Inquérito Policial, instituto altamente democrático, mantido os seus pressupostos básicos pela atual Constituição Federal, há mais de um século, vem servindo como instrumento hábil contra as acusações levianas e precipitadas da qual a razão humana pode se valer como meio de desvio comportamental. 273

Assim, o IP e o TCO são procedimentos policiais de investigação, tendo como

presidente do procedimento administrativo o delegado de polícia de carreira, no exercício de

sua função imparcial na condução da persecução criminal ao crime empresarial. Este, no

exercício de seu mister, deve ater-se a fiscalização de seus auxiliares: escrivães de polícia,

agentes de polícia, médicos legistas e peritos criminais, a fim de que todos, também possam

atuar nas investigações policiais.

É o delegado de polícia, também bacharel em Direito, o operador do ordenamento

jurídico e sustentáculo da Justiça Criminal, pois sem investigação não há punição. Deve o

delegado de polícia ter uma conduta ilibada, respaldada nos pressupostos da legalidade,

moralidade, imparcialidade, eficiência administrativa e publicidade dos atos, salvo a

necessidade de ser decretado o sigilo absoluto das investigações policiais.

272 SILVA. O Inquérito Policial e a polícia judiciária, p. 41. 273 DESGUALDO. Manual de polícia judiciária: doutrina, modelos, legislação, p. 27.

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O delegado de polícia civil em Minas Gerais e doutrinador Geraldo Toledo274

esclarece que,

[...] o imparcial delegado deve observar os princípios streptus judicii, garantindo a imagem e a integridade dos suspeitos, pautando pelos ditames constitucionais e buscando sempre a verdade real, indiciando somente aqueles que demonstrarem verossimilhança de autoria e comprovada materialidade delitiva. A Polícia Judiciária busca a verdade real, que servirá de ‘justa causa’ para a propositura da ação. O Ministério Público promove a acusação criminal, enquanto a Defensoria empenha-se pela defesa. Por último, e imparcial como o primeiro, vem o Poder Judiciário aplicar a tutela jurisdicional.

No intuito de investigar a criminalidade envolvendo a gestão empresarial, o Estado

por intermédio de seus órgãos repressivos na seara criminal, tem sua atividade de combate à

criminalidade a ser exercida pela Polícia Judiciária. O jus puniendi, que corresponde ao

direito subjetivo do Estado de punir o infrator de suas leis, ficará a cargo do juiz de direito. É

o Estado que disciplina a vida da sociedade e tem a competência de impor sanções penais às

pessoas infratoras. Por que não imputar sanções penais-administrativas à pessoa jurídica?

O promotor de justiça atua como parte acusatória da ação penal. Para isso, vale-se

das informações coletadas nas investigações preliminares, que constituem provas indiciárias,

as quais foram perseguidas pela Polícia Judiciária, constituindo-se em provas subjetivas e

objetivas. Assim, ao oferecer a denúncia o parquet poderá faze-lo em desfavor da pessoa

física (autor direto-imediato) e da pessoa jurídica (autor indireto-mediato), desde que descreva

o injusto culpável perpetrado pela pessoa física e a relação do nexo de causalidade. Portanto,

o resultado objetivo advindo de lesão ao bem jurídico tutelado que se perpetrou com as

atividades ou negócios espúrios mediante a interposta pessoa jurídica, que não tem o domínio

sobre o fato punível, também motivará sanções. As investigações policiais vão instruir a ação

penal ou ainda, subsidiar a denúncia crime, apresentada pelo parquet, que não poderá ser

genérica, quando envolver crime na órbita do direito societário. Agora, a denúncia passa a ser

em desfavor da pessoa física e da pessoa jurídica.

O momento é de mudança da política criminal repressiva, em que todos os

segmentos representativos estatais que contribuem para a apuração de falcatruas empresariais

- Polícia Judiciária, representantes do Ministério Público e de outros segmentos

representativos do Estado e as autoridades estrangeiras - devem buscar elementos de

convicção de que a pessoa jurídica vem sendo usada para encobrir os delitos perpetrados

pelos empresários. Nada mais justo que a sociedade limitada seja punida também pela atuação

indireta e mediata quando é utilizada para encobrir o fato punível.

274 TOLEDO. Manual de Processo Penal I. Inquérito. Ação Penal. Provas e Prisões, p. 2.

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A persecução criminal às falcatruas empresariais torna-se necessária para detectar

casos de dissimulação da lei ou, ainda, que se manifestem em comportamentos ilícitos e de

fraudes em relação às atividades mercantis. A fraude – no caso, o “estelionato empresarial”-

reveste-se de enorme importância, pois com a fraude aos credores e o abuso de direito de

administrar faz-se necessária a persecução ao ilícito, com posterior sanção aos infratores.

É necessário coibir tais abusos, não anulando a pessoa jurídica, mas por

desconsiderar a sociedade limitada, e identificar os gestores ou os bens que atrás dela se

escondem, no intuito de apurar responsabilidades de caráter civil, administrativo e penal.

Conforme leciona Celso Marcelo de Oliveira275, “a fraude e o abuso de direito constituem atos

para prejudicar terceiros, os mesmos não se confundem. Isso porque a fraude é o negócio

jurídico tramado para prejudicar credores, em benefício do declarante ou de terceiro. No

abuso de direito não existe propriamente trama contra o direito de credor, mas sim, surge do

uso inadequado de um direito”.

Em ambos os casos, o que se pretende é instruir uma persecução criminal em que

se apurem tais condutas, que se adequem-se a um tipo penal perpetrado pela pessoa física e

pessoa jurídica, a fim de imputar-se responsabilização criminal a ambos.

No âmbito criminal, torna-se necessário identificar se há subsunção da conduta do

gestor, da sociedade limitada ou de terceiros (funcionários públicos ou não) nas atividades

empresariais que envolvem corrupção. Se positivo, as condutas são revestidas em operações

ou negócios ilícitos que se identificam com as elementares e circunstâncias que agregam ao

tipo penal incriminador e podem ser direcionadas as ações com dolo, malícia, meio ardil e que

resultem em prejuízos alheios. Outro aspecto a identificar-se é o enriquecimento sem causa

justificável com os recursos da sociedade limitada praticado pelos agentes, no intuito de obter

proveito ou benefícios indevidos, que são escondidos na estrutura da pessoa jurídica,

camuflando-se da persecução penal estatal e acobertando falcatruas dos gestores.

Podem-se citar várias condutas criminosas e meios de persecuções aos crimes na

órbita empresarial e que passarão a ser objeto de análise pelas autoridades encarregadas de

apurá-los. As persecuções criminais no âmbito empresarial passarão a reportar-se aos crimes

que envolvem: o direito dos consumidores (Lei n. 8.078/90), a ordem tributária, econômica e

as relações de consumo (Lei n. 8.137/90), crimes ambientais (Lei n. 9.605/98), crimes por

violações as normas licitatórias (Lei n. 8.666/93), crimes previdenciárias (arts. 168-a e 337-a

275 OLIVEIRA. Manual de Direito Empresaria, p. 571.

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do CP e a Lei n. 8.212/91), crimes de lavagem de dinheiro (Lei n. 9.613/98), e crimes

falimentares (Lei n. 11.101/05).

Podem-se vislumbrar outras condutas ilícitas, como: exploração de prestígio pelo

empresário caso venha a solicitar, exigir ou cobrar vantagens nas atividades de comércio ou,

ainda, efetuar pagamento de propinas a servidores públicos para evitar multas administrativas,

em que há patente suborno nas negociatas; e condutas ilícitas, como tráfico de influência (art.

332 do CP) e corrupção ativa (art. 333 do CP). Caso seja o servidor público que exige ou

solicita vantagem indevida, patente é o crime de concussão (art. 316 do CP) e de corrupção

passiva (art. 317 do CP), todos descritos no Código Penal.

Torna-se necessário citar algumas condutas típicas e ilícitas, tais como aquelas

praticadas por malfeitores que, na seara empresarial, costumam utilizar-se de cartões

bancários ou de crédito em nome de empresas, muitas das vezes, visando à obtenção de

vantagens ilícitas. Ocorrendo tais condutas desviantes com a associação de mais de três

pessoas para a prática de crimes, há a formação de quadrilha ou bando, prática prevista no art.

288 do CP. Nada obsta a participação de gestores inescrupulosos, que, além da “abertura de

conta bancária com documentos falsos”, promovem a fraude bancária com a transferência

eletrônica dissimulada.276 Também, há as transações fictícias sofisticadas, que causam perdas

a terceiros, caracterizados pelo modus operandi de criminosos.

A persecução criminal no âmbito empresarial motivará aqueles que participam das

apurações dos ilícitos penais a subsidiarem-se suas ações investigatórias sob o respaldo da Lei

n. 9.034/94, que regulamenta os meios operacionais para reprimir organizações criminosas. É

necessário buscar provas, com autorização judicial e o conseqüente acesso aos dados,

documentos e informações fiscais, bancárias, financeiras, de interceptação ambiental de sinais

eletromagnéticos, óticos ou acústicos e até eleitorais, que deverão contribuir para desvendar

as atividades espúrias realizadas por gestores, por intermédio de suas empresas em atividades

criminosas. Outro meio para subsidiar as investigações policiais e que se torna de suma

importância na busca de outras provas tem respaldado na Lei n. 9.296/96, que regulamentou a

interceptação telefônica e equiparou ao sistema telefônico a interceptação do fluxo de

comunicações em sistema de informática e telemática ou, ainda, a busca e apreensões, além

de seqüestros de bens. Tais pedidos devem ser postulados ao juízo competente, já precedido

de prévia investigação, demonstrando sua necessidade, inclusive com a instauração do

inquérito policial ou procedimento investigatório correlato.

276 MALDANER. Golpes e Fraudes: saiba como evitar, p. 9-11.

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Vários tipos penais podem ser verificados no âmbito de uma gestão empresarial, os

quais estão identificados na parte especial do Código Penal e em legislações extravagantes em

face de uma gestão fraudulenta. Podem-se citar: as falsidades materiais e ideológicas; a

formação de quadrilha, com comportamentos eivados de falcatruas, em que há a confecção de

laudos técnicos forjados277 ou comprados, no intuito de ver a aprovação de projetos a serem

realizados pela sociedade limitada, com a participação e o aval do servidor público; e a

adulteração em registros de documentos, livros fiscais (falsidade de balanço/documento de

contabilidade e outros ilícitos). As apurações concentram-se no “estelionato empresarial”.

Tais fatos puníveis podem ser demonstrados por uma falsa gestão dos gestores

quando demonstram uma solidez que não existe, com a distorção do patrimônio, burlando o

fisco, o que demonstra sonegação fiscal, e o pagamento a fornecedores inexistentes ou já

desativados, com apropriação indevidamente de recursos e elaboração de contratos ilícitos.

Com a persecução à gestão empresarial fraudulenta e a responsabilização de todas

as pessoas físicas e jurídicas que contribuíram para as atividades ilícitas e criminosas, seus

atos de corrupção apuradas, faz-se necessário imputar sanções correspondentes a seus autores.

Em dois anos e meio, em 74 operações policiais, a Polícia Federal prendeu pouco mais de 1,2

mil pessoas, entre funcionários públicos, policiais e empresários acusados de corrupção. 278

Na seara empresarial, se verificadas tais falcatruas ou outros ilícitos penais, em

face do conflito aparente de normas penais incriminadoras, passam os seus autores a ser

investigados, em face do modus operanti até então despercebidos. Tudo isso faz-se necessário

diante das manobras administrativas espúrias que ocorrerem em uma sociedade limitada para

encobrir o fato punível. A apuração ou investigação dos ilícitos penais se torna necessária por

meio de procedimento administrativo inquisitorial, agora, numa ousada persecução e na

apuração das falcatruas empresariais, seja ou não em concurso de agentes (pessoa física e

pessoa jurídica).

O empresário que, no intuito de obter valores monetários indevidos, em prejuízo a

terceiros, burlando a lei deve ser reprimido, em face da criminalidade moderna que se instala

no âmbito da gestão empresarial. Os altos escalões administrativos que efetivamente tiverem

conhecimento da notitia criminis devem eximir-se de tais comportamentos fraudulentos e

determinar a apuração das condutas típicas e antijurídicas. Ou, mesmo, terceiros prejudicados

277 A omissão em documento público ou particular de declaração de que nele devia constar ou inserir informação falsa ou diversa do que devia ser escrito com o fim de prejudicar direito e criar obrigação alterando a verdade dos fatos constitui falsidade e poderá motivar a prática de crimes, que poderão ser verificados no Capítulo III do Código Penal brasileiro, que trata da Falsidade Documental, entre os arts. 296 a 311. 278 ROCHA. Operação para pegar corrupto, p. 4.

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devem protocolar um pedido de providência na delegacia de polícia competente ou órgão

público fiscalizador, a fim de que a autoridade competente dê início às investigações. Só

assim haverá a possibilidade de imputarem-se sanções aos autores das infrações na órbita

societária.

Podem-se registrar várias diligências policiais no intuito de desvendar práticas

delituosas perpetradas pelas de sociedades empresariais em que a participação dos gestores ou

pessoas físicas é verificada de forma direta e imediata, enquanto a pessoa jurídica, que não

detém o domínio do fato, é coadjuvante, com a participação de forma indireta ou mediata,

pois restringe-se a encobrir o autor direto do fato punível. Em reportagem alusiva a gestões

fraudulentas Mateus Parreira279, aborda a “Operação Camaleão”:

A quadrilha era formada por empresários de uma sociedade empresarial, suspeita de abrir indústrias fantasmas e fraudar o fisco em Minas Gerais e Pernambuco, teve suas atividades interditadas, por ação conjunta do Ministério Público do Estado, Advocacia Geral do Estado, Secretaria de Estado da Fazenda e de policiais, que cumpriram mandados de busca e apreensões, em residências, escritórios e empresas, em diversas cidades. Constam informações que o grupo agia há seis anos, mediante fraude, levando aos cofres públicos um prejuízo ao fisco de 106 milhões em dívidas com o Estado. Foram identificados os nomes de laranjas e pessoas jurídicas nas fraudes. Além da fraude das empresas por não recolher os impostos, podiam comercializar sua produção a preços abaixo do mercado. Há indícios de lavagem do dinheiro sonegado pela quadrilha, por meio de compra de carretas, falsificação e clonagem de notas fiscais. Para instruir as investigações foram apreendidos automóveis e documentos que ligariam os donos das empresas. Ficou demonstrado que os empresários começaram a agir, após arrendar um imóvel, sonegando impostos, por meio de notas fiscais falsas. Não havendo meios para cobrar, porque não tinham patrimônio, por serem arrendatários. A identificação dos donos das empresas fraudadoras era dificultada pelas sucessivas criações de empresas e sociedades fantasmas, com pessoas inexistentes e identidades, CPF’s e nomes falsos. A Fazenda Estadual descobriu a fraude e cobrou o prejuízo. Foram usados inicialmente pelos sonegadores identidades falsas, mas com o nome real de um dos sonegadores que usou o nome de sua genitora para transferir 99% das contas, passando a responder como sócia majoritária, passou a responder pela empresa endividada. Com o cerco fechado sobre a família, identificou-se que outras empresas ou pessoas jurídicas foram abertas. A empresa que causava as fraudes, após sua localização foi fechada, apesar de todos os seus funcionários estarem ativos. Os donos não eram localizados por serem fantasmas, conforme noticiou Rogério Filippetto, chefe do Centro de Apoio às Promotorias da Ordem Econômica e Tributária – CAOET.

O empresário, seja ele empregado, administrador, preposto, gerente ou sócio, caso

realize manobras fraudulentas, estando ciente das condutas criminosas, deverá arcar com suas

condutas e ser responsabilizado, em concurso de pessoas. No caso em tela, verificou-se que os

empresários acusados podem responder por lavagem de dinheiro, formação de quadrilha,

279 PARREIRAS. Siderúrgicas fraudam o Fisco em R$ 106 milhões, p. 10.

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crime contra a ordem econômica e crime de falsidade ideológica e material, podendo ser

condenados em até 26 anos de prisão. A repressão ao crime de lavagem de dinheiro no âmbito

empresarial será analisada oportunamente. Outras diligências repressivas são registradas,

agora em ação da Polícia Civil de Minas Gerais, na recuperação de veículos roubados, após

fiscalização em 588 pontos suspeitos de desmanches no estado, em que empresários do ramo

automotivo estariam contribuindo para o crime:

Cerca de 580 mandados de busca e apreensões foram cumpridas (07.11.2007) durante a operação “Desmanche I.” Resultado de três meses de investigações, em vários locais do Estado onde ocorriam desmanches e comércio ilegal de peças de veículos, a operação culminou com a prisão de 28 suspeitos de envolvimento com o roubo e furto de veículos para desmanche. A operação ocorreu simultaneamente, em 73 municípios e contou com a utilização de 348 viaturas, 1117 policiais civis, sendo 141 veículos apreendidos e 408 componentes veiculares arrecadados. Foram vistoriados 588 locais, dentro os quais estabelecimentos comerciais. Para o coordenador da Superintendência Regional da Polícia Civil, delegado Anselmo Rezende Gusmão, essa foi a maior operação realizada no interior de Minas para a apuração de comércio ilegal de peças automotivas. 280

Em repressão à criminalidade empresarial, Antônio Luiz Costa281 abordou as 100

empresas mais criminosas da década de 1990, nos Estados Unidos (Top 100 Corporate

Criminal ), que foram geralmente apenadas com multas criminais:

Que é necessário chamar a atenção do público para uma onda de crimes empresariais que inundou os escritórios de promotores daquele país, que foram divididas por 14 categorias de crimes: ambiental (38); formação de cartel (20); fraude (13); financiamento ilegal de campanha eleitoral (7)282; alimentos e drogas (6); crimes

280 GUSMÃO. Ação da polícia civil recupera veículos roubados, 2007. 281 COSTA. As 100 empresas mais criminosas, 2005. 282 A fiscalização deve ser geral. Não basta somente na prestação de contas, em campanhas eleitorais pelos candidatos ou por seus contadores conferir a numeração seqüencial das notas fiscais emitidas pelas empresas prestadoras de serviços, que são consignadas no relatório prestado a Justiça Eleitoral. É importante também apresentar e juntar toda documentação comprobatória das despesas eleitorais – recibos e notas fiscais, que devem seguir em anexo. Também, devem ser realizadas blitzes nos comitês eleitorais dos candidatos ou nos galpões/armazéns pelas autoridades competentes, a fim de fiscalizarem todo o material de campanha estocado no local e fazer a confrontação de dados do material de campanha existentes e apresentados em relatórios parciais à Justiça Eleitoral. Há a necessidade de confrontação das notas fiscais emitidas com os materiais produzidos para a campanha, a fim de evitar dissimulação ou ocultação de informações da realidade do material confeccionado e registrado nas notas fiscais. Também, se necessário for, em face de suspeitas de ilícitos perpetrados por empresas que fornecem material de campanha, há necessidade de expedição de mandados de busca e apreensão e a realização de perícias de local de indícios de crime eleitoral. O objetivo é coibir dissimulações das empresas e dos candidatos no período de campanha eleitoral ou após, em que ao ser emitida a nota fiscal pela sociedade limitada, vislumbrado-se descrição de serviços prestados inferiores ao realmente realizados, há necessidade do registro da flagrante fraude eleitoral e punição aos infratores: seja o candidato e/ou a sociedade empresária/empresário, ou todos aqueles que contribuem para a fraude. Por exemplo: determinada empresa fornece 1 (um) milhão de santinhos de um determinado candidato, mas somente na nota fiscal há descrição no registro da confecção de somente 50 (cinqüenta) mil santinhos. Há uma falsidade no registro e prejuízo ao Fisco. No decorrer de toda a campanha, são confeccionados mais 10 (dez) milhões de santinhos, que não foram declarados na nota fiscal, sendo burlada a lei. Também poderá haver doações em dinheiro “vivo” por terceiros (sociedades empresariais e empresários) que, não sendo consignadas nos recibos eleitorais, há necessidade de busca e apreensão nos comitês e residências dos candidatos, local em que poderão ser apreendidas malas com dinheiro “vivo” e não declarados à Justiça Eleitoral, em evidente indício de compra de votos. Tais diligências se

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financeiros (4); declarações falsas (3); explorações ilegais (3); boicote ilegal (1); morte de trabalhador (1); suborno (1); obstrução da justiça (1); corrupção pública (1), e sonegação de impostos (1). Há milhões de norte-americanos que se preocupam com a moralidade do mercado. As grandes empresas que foram criminalmente processadas representam apenas a ponta de um enorme iceberg de criminalidade empresarial. Para cada empresa condenada por fraude em planos de saúde, há centenas de outras que continuam saqueando o sistema de saúde. Se os anos 90 foram uma década de boom nos mercados e nos lucros, foram também uma década de explosão da criminalidade empresarial. Há consenso emergindo entre os especialistas em criminologia empresarial. E o consenso é este: o crime e violência empresariais provocam muito mais dano à sociedade que todos os crimes de rua combinados. O FBI estima, por exemplo, que furto e assalto, os crimes de rua, custam à Nação US$ 3,8 bilhões por ano – e assim por diante. Compare isso com as centenas de bilhões de dólares roubados dos norte-americanos como resultado de fraudes de colarinho branco. Só a fraude em planos e seguros da saúde custa aos norte-americanos US$ 100 bilhões a US$ 400 bilhões por ano. Fraudes na poupança, empréstimos, fraude de colarinho branco, fraude no conserto de veículos, fraude com títulos e assim por diante. Os crimes ambientais frequentemente resultam em morte, doenças e ferimentos. O Departamento de Justiça tem a informação e deveria ter os recursos para começar a publicar relatórios anuais sobre o crime empresarial. A cada ano, o Departamento de Justiça publica um relatório anual intitulado “Crimes nos Estados Unidos.” Mas com “Crimes nos Estados Unidos” o Departamento de Justiça que dizer apenas “crimes nas ruas dos Estados Unidos” você vai ler sobre roubos e assaltos. Não há nada ali sobre a formação de cartel, fraude empresarial, poluição e corrupção pública. O Departamento de Justiça está devendo há muito tempo um relatório sobre o Crime Empresarial nos Estados Unidos.

A persecução criminal, no âmbito empresarial, reflete um movimento estatal

organizado, com a mobilização de todos os segmentos representativos de combate aos ilícitos

penais, como a Controladoria Geral da União (analistas de controle e finanças), Conselho de

Controle de Atividades Financeiras, Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação

Jurídica Internacional, Polícia Federal, Polícia Civil e Ministério Público federal e estadual,

todos no intuito de contribuir para a apuração da autoria dos crimes societários e vir a

possibilitar a aplicação de sanções aos infratores. É necessário buscar indícios do crime para

que o ente coletivo também seja responsabilizado com sanções. Podem-se citar várias

diligências realizadas na repressão e apuração destes esquemas fraudulentos:

a) Sete pessoas suspeitas de integrar uma quadrilha acusada de sonegar R$ 400 milhões em Impostos sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) foram presas na “Operação Celeiro.” O golpe envolvia pelo menos 70 empresas do ramo de cereais. Computadores e documentos que comprovam a existência do esquema foram apreendidos. A polícia recolheu 2,5 mil toneladas de cereais; contas correntes de pessoas físicas e jurídicas foram bloqueadas, assim como bens móveis e imóveis. O Banco Central vai agilizar a quebra do sigilo bancário dos supostos envolvidos. O grupo era bem estruturado contava com contadores, advogados e empresários

tornam necessárias para verificar-se a veracidade das prestações de contas eleitorais, confrontando com a realidade dos serviços prestados pela empresas ou de doações de campanhas por terceiros, em privilégio de determinado candidato.

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experientes e sonegava impostos federais, como PIS e Confins. Escutas telefônicas autorizadas pela Justiça permitiram o acompanhamento das ações da quadrilha. Sempre que uma empresa envolvida era intimada a pagar o que devia ao estado, os donos fechavam as portas e abriam outra firma, sempre em nome de laranjas. O Ministério Público, a Receita Estadual (Núcleo de Análise e Pesquisa) e os policiais identificaram três formas básicas de atuação da quadrilha: na primeira, os fraudadores simulavam exportações de soja, milho e sorgo, situação em que a legislação permite a isenção de ICMS. Em vez de exportada, a mercadoria era destinada a uma granja ou a uma indústria de Minas Gerais. Os suspeitos produziam nota fiscal, falsificando carimbo da Receita e encaminhando o produto a outros estados, mas a transação era fictícia. O destinatário era uma empresa fantasma. Na segunda, a mercadoria ia para outra grande indústria mineira, que recebia notas fiscais vindas de outros estados, de empresas fantasmas ou verdadeiras, mas com transações que jamais ocorreram. O destinatário mineiro ficava com crédito podres de ICMS. E terceiro, com a emissão de notas fiscais paralelas, destinando mercadorias para outros estados. As notas serviam para amparar o trânsito da carga, justificando o transporte. Se houvesse fiscalização, a situação estaria regular. Na verdade, a quadrilha evitava esses pontos de fiscalização, de modo que, ao chegar ao seu destino, a nota fiscal era destruída e outra, paralela, era emitida, com o mesmo número, subsidiando uma transação. Como há prejuízo tributário será identificado o patrimônio adquirido pelas empresas envolvidas. “O aspecto positivo da operação não é somente recuperar ativos, mas também proporcionar um equilíbrio ao segmento de grãos. Essa organização, com esse tipo de atuação, certamente provocava uma concorrência desleal em relação a outros agentes que respeitavam os deveres tributários e que recolhiam as suas obrigações normalmente. Os produtos dos envolvidos ficava substancialmente mais barato, “conforme relatou o promotor Rogério Filippetto, coordenador das Promotorias de Justiça de Defesa da Ordem Econômica e Tributária de Ministério Público. “Os empresários percebem que, em Minas, a fiscalização é séria. Por isso, têm feito mais denúncias, explica o subsecretário da Receita Estadual, Pedro Meneguetti.” 283

b) O Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor, do Ministério da Justiça, instaurou ontem 46 processos contra 32 empresas que maquiaram as embalagens de seus produtos. A prática ocorre quando os fabricantes reduzem a quantidade, seja do peso ou do número de unidades, e não informam de maneira clara ao consumidor. As empresas têm dez dias para apresentar defesa no processo do DPDC. Se condenadas, elas podem receber multas que variam de R$ 212,80 a R$ 3,19 milhões. Desde 2002, o departamento já aplicou 25 multas. Depois das notificações, as empresas têm direito a recurso e podem ainda entrar na Justiça contra a condenação. A abertura desses processos é um bom começo, mas não defenderá o consumidor, se não resultar em punição severa. 284

c) Encontradas mais notas queimadas. CPI vai pedir a prisão de M.V.F.S. Centenas de notas fiscais da empresa X.Y.Z foram encontradas pela Corregedoria Geral de Polícia Civil de Minas Gerais, quando realizavam operação conjunta com o Ministério Público contra o tráfico de armas. Segundo o delegado de polícia corregedor Elder Gonçalo Monteiro Dângelo os fragmentos de documentos encontrados são os mesmos daqueles apreendidos na casa do ex-policial. Peritos do Instituto de Criminalística da Polícia Civil estiveram no local e recolheram quatro pacotes com fragmentos de documentos, além de amostras de cinza e outros materiais ainda não realizados. O promotor de justiça Geraldo Ferreira da Silva, também acompanhou os trabalhos da perícia e afirma que, somente pelos fragmentos encontrados, já ficou caracterizada uma ilegalidade, pois há documentos de 2003, que no mínimo constitui supressão de documento público, com pena de um a cinco anos de cadeia. 285

283 FERREIRA. De grão em grão R$ 400 milhões, p. 22-23. 284 REIS. Consumo: Governo processa 32 empresas por maquiagem, p. 11. 285 PORTELA. Crise: Encontradas mais notas queimadas, p. 3.

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As notas fiscais da X.Y.Z referente ao período de 1998 a 2004, encontradas pela Corregedoria Geral de Polícia Civil, na casa do policial aposentado M.T.P, totalizam R$ 182 milhões. Foi verificada a existência de números de CGC diferentes, embora sejam da mesma empresa. Cópias dos documentos já foram enviadas à CPI dos Correios, em Brasília. As notas dizem respeito a mais de 300 empresas para quem a DNA prestou serviço, entre elas várias empresas públicas e privadas. Várias notas encontradas na casa do policial estavam queimadas. Os documentos investigados pelo Ministério Público teriam sido emitidos pela filial da empresa, que já foi fechada. A criação da filial fictícia aconteceu como forma de pagar uma taxa menor do imposto sobre serviços de qualquer natureza (ISSqn). Até o ano de 2004, a alíquota cobrada em Rio Acima/MG era de 1%, enquanto Belo Horizonte/MG chegava a 3%. Técnicos da prefeitura de Rio Acima/MG vão auxiliar nas investigações. 286

d) É grandioso o esquema de remessa de divisas 287 e lavagem de dinheiro que o doleiro A.O.C. Ele inclui contas fantasmas em bancos brasileiros, programa de computador especializado no controle bancário em moeda estrangeira, pelo menos seis empresas offshore em dois paraísos fiscais diferentes, dois bancos norte-americanos e uma imensa rede de compra e venda de divisas no mercado negro. De forma clandestina “Barcelona” transformou a agência de turismo numa corretora de câmbio. Sem autorização do Banco Central, ela atuou exclusivamente no mercado paralelo, comprando e vendendo moeda estrangeira sem origem comprovada, isto é, dinheiro sujo. Estima-se que movimentou meio bilhão de dólares entre 1996 a 2003. O cliente nunca entregava dinheiro diretamente à “empresa de turismo.” Em vez disso se queria comprar divisas, fazia depósitos em dinheiro vivo em reais nas contas do laranja. A “grana” como eram chamadas as operações em espécie, entrava e saía das contas dos laranjas para dificultar a identificação do primeiro depositante. Se quisesse vender, o cliente acertava a taxa de câmbio e entregava o dólar, euro ou libra em espécie ou mesmo em cheque ao pessoal da “empresa”. Da mesma forma, o dinheiro circulava pelo laranjal até sair, em espécie para o beneficiário final. Dessa forma, a identidade dos clientes era protegida. Sete laranjas foram identificados e tiveram o sigilo de suas contas quebradas por autorização judicial. Duas contas – ambas na agência Bradesco, centro de Belo Horizonte, se destacam, em nome da F.Fomento Ltda e Laboratório S. Ltda, ambas firmas são fantasmas. O serviço só era possível porque M. adquiriu o Barter 2.0, programa de computador para controle bancário. A Polícia Federal apreendeu os computadores com as informações. Tirou-as da memória e as gravou num DVD, que está juntando aos autos. Até hoje ninguém conseguiu entender a codificação das contas, daí os usuários da lavanderia permanecerem ocultos. 288

e) As investigações começaram a quatro meses e são desdobramentos das operações Cash Net (2001), Cavalo de Tróia I (2003) e II (2004). O golpe é conhecido na comunidade virtual por “phishing”, uma fusão dos termos em inglês password (senha) e fishing (pescar) e consistia em “pescar” senhas dos usuários. Os acusados vão responder pelos crimes de furto qualificado, formação de quadrilha e violação do sigilo bancário (art.10, da Lei Complementar 105/2001). A Divisão de Repressão aos Crimes Cibernéticos da Polícia prendeu 105 pessoas na “Operação Pégasus,” que seria a maior quadrilha brasileira especializada de invasão de contas bancárias por meio da internet para desviar dinheiro. Todo dinheiro desviado era depositado em contas de “laranjas” ou utilizado para pagamento de fatura de terceiros. Os programadores criavam as páginas clone, as mensagens e o “trojan”. Os usuários exploravam esses programas e emitiam diariamente milhares de e-mails em busca de novas vítimas. Eles “alugavam” contas bancárias de laranjas para fazer a movimentação bancária. R$ 80 milhões é a quantia que teria sido desviada pela quadrilha, segundo os cálculos da Polícia Federal, desde o início do ano. 289

286 SOUTO. Notas apreendidas somam R$ 182 milhões, p. 5. 287 Lei n° 7.492, de 16 de junho de 1986, que define os crimes contra o sistema financeiro nacional. 288 BRAGA. Crise: Segredos do doleiro Barcelona, p. 4. 289 MINAS. Fraudes: PF prende 105 acusados de desviar dinheiro de contas, p. 12.

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f) Numa fusão de duas operações, a Urutau e a Predador, a Polícia Federal prendeu em Foz do Iguaçu (PR), o chefe da maior quadrilha especializada em contrabando de equipamentos de informática do país. O empresário O.M.A chefiava uma gangue que movimentou US$ 50 milhões só em 2005. Suas empresas mantinham sites na internet para vendas on-line de computadores, laptops, câmaras e outros equipamentos contrabandeados do Paraguai. O bando usava o servido Sedex dos Correios para entrega de mercadorias vendidas em todo o Brasil. Isso não era feito em Foz, porque o correio local é fiscalizado. A Receita Federal apurou que as empresas sonegaram R$ 10 milhões de impostos desde 2001, quando o esquema teria começado. A PF mobilizou cerca de 100 agentes na operação, apoiada por 30 peritos da Receita Federal. Foram apreendidos caixas com placas-mãe de computadores, maços de dólares e reais, motos, carros, armas e farta documentação, comprovando as fraudes. 290

g) Policiais, Ministério Público Estadual e Receita, através da operação “Caça Fantasma” apuraram uma quadrilha especializada em criar empresas fantasmas para lesar fornecedores e credores, além de sonegar impostos. Os rombos nos cofres públicos ultrapassaria a R$ 40 milhões. Eles são acusados de crimes de sonegação fiscal, falsidade ideológica, estelionato, formação de quadrilha e corrupção ativa. O servidor municipal G.A estaria falsificando carteiras de identidade, CPF’s e certidões de casamento em nome de pessoas fictícias ou mortas. Os documentos eram utilizados para criar empresas para participar da mega esquema. Além de sonegar impostos, eles também estariam lesionando fornecedores e credores. Os estabelecimentos fictícios chegavam a ser executados judicialmente pelas vítimas, mas os suspeitos fechavam as portas e desapareciam. O MPE e a polícia tiveram dificuldades de encontrar os verdadeiros fraudadores, pois as empresas não tinham patrimônio e seus proprietários eram fantasmas. O grupo atuava em vários ramos, principalmente nos de cosméticos, bebidas, alimentos e materiais de construção. A quadrilha também vendia notas fiscais e criava empresas fantasmas para outros fraudadores. A justiça determinou a quebra do sigilo bancário, o bloqueio das contas e a indisponibilidade dos bens acusados. 291

h) A operação “Hidra” da Polícia Federal prendeu 58 pessoas, entre elas 11 policiais rodoviários federais. O grupo seria responsável por 50% dos produtos que entram ilegalmente no País, proveniente do Paraguai. O empresário J.D.B é o responsável por liderar o bando, em quatro estados: Paraná, São Paulo, Mato Grosso do Sul e Mato Grosso. As investigações iniciaram com o envio de uma carta anônima à Procuradoria em Foz do Iguaçu, em outubro de 2003. Ao todo, 650 policiais participaram da operação, que conta ainda com 24 auditores fiscais. Eles vasculharam depósitos e empresas usadas pela organização criminosa para a guarda de mercadorias clandestinas. 292

Diante das falcatruas em gestões empresariais e do adágio de que a sociedade não

pode delinqüir (societas delinquere non potest) por faltar-lhe a capacidade de conduta dolosa

ou culposa e a própria culpabilidade. O fato é que a Constituição Federal, no art. 225, §3º, já

admite claramente a possibilidade de a pessoa jurídica sujeitar-se a sanções penais. E por que

não imputar-se responsabilização criminal concorrente em concurso de pessoa física e pessoa

jurídica, quando ambas contribuem para o resultado lesivo ao interesse tutelado estatal? O

tabu da impunidade da pessoa jurídica já está chegando ao fim. Assim, quem, de qualquer

290 MINAS. Produtos de Informática. PF prende quadrilha de contrabandistas, p. 18. 291 LOBATO. Caça Fantasma: Acusados de criar empresas falsas, p. 24. 292 MINAS. PF desarticula quadrilha de contrabando, p. 9.

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modo, concorrer para o crime, seja a pessoa física ou a pessoa jurídica, deve sujeitar-se às

investigações policiais.

É bom lembrar que atualmente as investigações policiais devem reportar-se em

ações respaldadas na lei e na ordem, sem excessos ou abusos. Basta relatar que relatório anual

do Departamento de Estado dos EUA sobre a situação dos direitos humanos no mundo

apontou o Brasil como o campeão de abusos comedidos pela polícia no Cone Sul. 293

Não obstante os abusos noticiados e imputados aos policiais no Brasil, a realidade

das investigações e persecuções aos crimes empresariais deve revestir-se de um estudo

técnico científico para a busca de provas subjetivas e objetivas, com o uso da inteligência

investigativa. Assim, na órbita das investigações, várias são as perícias que poderão ser

pleiteadas pelas autoridades competentes no intuito de concatenar as provas capazes de

redundar em relatório conclusivo no procedimento investigatório, com o conseqüente

indiciamento dos autores (diretos e indiretos) que contribuem para os crimes empresariais. A

Constituição do Estado de Minas Gerais, no art. 139, prescreve que:

[...] a Polícia Civil, órgão permanente do Poder Público, dirigido por delegado de polícia de carreira e organizado de acordo com os princípios da hierarquia e da disciplina, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração, do território do Estado, das infrações penais, exceto as militares, e lhe são privativas as atividades pertinentes a: I - Polícia técnico-científica; II - processamento e arquivo de identificação civil e criminal; III - registro e licenciamento de veículo automotor e habilitação de condutor.

No 1° Simpósio da Polícia Civil de Belo Horizonte/MG discutiu-se a estrutura da

policial civil científica, assim distribuída:

I – Instituto de Criminalística: Seção Técnica de Perícias de Trânsito; Perícias de Crimes contra o Patrimônio; Perícias de Crime contra a Vida; de Engenharia Legal; Perícia de Documentoscopia; de Crimes contra o Meio Ambiente; Perícias Contábeis; de Papiloscopia e Modelagem; Perícias em Áudio, Vídeo e Informática; e Perícia Técnica de Fotografia e Desenho. Divisão de laboratório: Biologia Legal; Exame de DNA; Física e Química Legal; Balística, Armas e Munições. II – Instituto de Identificação: Divisão de Identificação; Divisão de Datiloscopia; Divisão de Microfilmagens; Divisão de Arquivo Criminal; Identificação Criminal; Coleta de Impressões Digitais. III – Instituto Médico Legal: Divisão de Perícias Médico-Legais; Divisão de Laboratórios. 294

É por meio da persecução criminal e da política criminal de responsabilização

penal da pessoa jurídica, sob a égide da legislação, que se busca uma mudança cultural, com a

aplicação de possível sanção penal à pessoa jurídica também sujeito ativo de crime. A

293 MINAS. Estados Unidos: Denúncia de abusos aos direitos humanos, p. 19. 294 Polícia Civil do Estado de Minas Gerais. Apostila do 1° Simpósio de Polícia Científica de Belo Horizonte/MG. 2003, p. 18.

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pretensão é possibilitar a responsabilização concorrente de pessoas (física e jurídica) na

prática do delito.

Por fim, se a infração penal for cometida pelo empregado, por meio da interposta

pessoa jurídica, nada obsta ser alvo de investigações. Caso essa conduta lesiva ou fraudulenta

também seja resultado da ação da pessoa jurídica, mas praticada por agente capaz, que

contribuiu para o resultado da infração penal, torna-se necessário haver uma sanção a ambos.

As penas possíveis seriam restritiva de direitos (art. 43, I – prestação pecuniária, II – perda de

bens e valores, e V – interdição temporária de direitos, do CP) ou, uma pena de multa (art. 49,

do CP). Somente a pessoa física poderá se sujeitar a pena privativa de liberdade. O jus

puniendi instrumentaliza-se com o jus persequendi. Para o Estado-Administração vir a impor

uma sanção penal, é necessário investigar e indicar ao Poder Judiciário os autores da prática

delitual. Com o estudo apresentado, nada poderá impedir a imposição de sanções à sociedade

limitada ou ao gestor; basta haver correlação de suas condutas com a norma penal

incriminadora, que motivará ser possível executar a responsabilização de ambos. A

investigação policial precede de conhecimento técnico dos agentes policiais nas searas

financeira, tributária, e de ordem econômica, além de noções da criminalidade na órbita do

direito empresarial, com qualificação em contabilidade e informática, em face das técnicas

utilizadas pelos criminosos para a obtenção de vantagens econômicas ilícitas.

Diante dessa análise, as falcatruas na gestão empresarial e a persecução aos crimes

praticados no intuito de apurar as responsabilidades passaram pela colaboração de redes

bancárias e operadoras de computadores e informática. O objetivo é subsidiar de provas,

como dos arquivos eletrônicos, informações colhidas em quebra de sigilos telefônicos e de

cartões de crédito.

Há condutas fraudulentas que se respaldam em atividades por meios tecnológicos

sofisticados, como: uso de e-mails falsos para a captação de senhas bancárias; balanços

fictícios da empresas; abertura de contas correntes em nomes fictícios, abertas, popularizado

como contas “fantasmas”; compras virtuais fraudulentas, com prejuízos a vendedores; e

demonstração de manipulações de contas correntes driblando a fiscalização do Banco Central

e as Receitas com o uso de “laranjas”, que são pessoas que emprestam os seus nomes, sem

registros desabonadores, visando à movimentação de negócios milionários para terceiros

(empresários) ou, mesmo, abrindo sociedades empresariais. Com a colheita dessas

informações, torna-se necessário elaborar o laudo pericial da constatação do ilícito penal

perpetrado. Podem-se citar outras diligências de persecução às fraudes que resultaram na

identificação de empresários envolvidos com o crime:

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a) A fachada legal da maior quadrilha de roubo de carga, presa em cinco estados do País, era a empresa R.B Ltda instalada na Bahia, que tinha como objeto a locação de caminhões e caçambas. A empresa é de F.C.L, considerada um dos líderes do grupo. A operação “Cavalo de Aço” foi deflagrada pela Polícia Federal e Polícia Civil Segundo o delegado de polícia Godofredo Bittencourt a Polícia Civil de São Paulo localizou ser o maior depósito de cargas roubadas já encontrados, no local ultrapassa 180 toneladas, avaliados em R$ 25 milhões. No local encontravam-se estocados, cestas de Natal de diversos tamanhos, fraldas, peças de roupas, DVD’s que pertencia a uma empresa sediada em Guarulhos/SP. Pessoas que chegaram ao depósito para realizar o transporte dos produtos a clientes, após a chegada dos policiais foram detidas. Os funcionários teriam apresentado as notas fornecidas pelos administradores do galpão supostamente frias. As notas frias buscavam legitimar os produtos do roubo. 295 b) “Operação Cevada,” realizada pela Receita Federal e a Polícia Federal prenderam cerca de 60 pessoas ligadas a cervejaria S, na maior ação contra a sonegação de impostos realizadas no País. Os suspeitos são acusados de sonegar 1 bilhão nos últimos cinco anos e de outros crimes, como formação de quadrilha, evasão de divisas, corrupção ativa e fraude no mercado. Foi comprovado o uso de notas fiscais falsas ou irregulares para a distribuição de cerveja em estados com ICMS menor. Participação de outras empresas distribuidoras “parceiras” usavam liminares estaduais e federais parra o Grupo S. não pagasse ICMS e o IPI. As empresas parceiras tinham o nome de laranjas ou eram de fachada, para a emissão de notas fiscais e simulação contábil. Uso de notas fiscais “viajadas”, que passavam por vários estados sem considerar a diferença de alíquota. Vendas subfaturadas ou sem a emissão de notas fiscais, com recebimento “por fora”. O subfaturamento é estimado em 20 a 30% das operações comerciais das indústrias. Notas fiscais entregues em locais diferentes do indicado no documento. Nesse tipo de sonegação, a nota fiscal é emitida para um estado que possui alíquota do ICMS menor. Saindo do Espírito Santo, por exemplo, as cargas de bebidas para São Paulo e Rio de Janeiro pagavam 7%. Para Minas o valor seria de 12%. Corrupção ativa para obter facilidades de agentes públicos e aparentar legalidade das operações ao cruzar as fronteiras estaduais.” 296 O IRPJ, IPI, ICMS, PIS e Confins seriam os principais tributos sonegados pela empresa. 297 c) Auditoria da Controladoria Geral da União e a Polícia Federal apurou uma quadrilha, formada por empresários, lobistas da indústria farmacêutica e servidores públicos, que fraudaram sistematicamente as compras de medicamentos do Ministério da Saúde num montante de R$ 4,4 bilhões, entre 1999 a 2004. Segundo o relatório da CGU, houve falhas, com dolo, em todas as etapas do processo de compra de medicamentos pelo ministério durante os cinco anos auditados. Os problemas ocorreram desde a etapa da programação das compras até a fase das licitações, produzindo valores subfaturados, compras superdimensionadas e recebimento de produtos com prazo de validade prestes a vencer. Durante a operação Vampiro, 17 membros da quadrilha foram presos. Nenhum dos servidores integrantes do bando, porém, foi punido administrativamente. Pelo estatuto do servidor, um processo administrativo pode levar até 2 anos para ser concluído. 298 d) A Polícia Federal (PF), em conjunto com autoridades norte americanas, deflagrou em dois estados (São Paulo e Rio Grande do Sul) a “Operação Pirita”, desmontou um esquema que fraudava investidores do mercado financeiro (pessoas físicas e jurídicas) de vários países, principalmente na Inglaterra, Espanha, Austrália, Estados Unidos e Ásia. Ao todo, são cumpridos 27 mandados de prisão temporária, três mandados de prisão preventiva e 35 ordens de busca e apreensão. Nos EUA, o FBI já cumpriu dois mandados de prisão contra brasileiros em Miami. O grupo atuava a cinco anos e registrou um lucro de US$ 50 milhões. A PF explicou que a quadrilha forjava sites de

295 ODILLA. Roubo de carga, p. 7. 296 ALVES. Operação Cevada. Presos donos da cervejaria S. em SP, p. 14. 297 PRATES. Op.cit., 17 jun. 2005, p. 16. 298 PRATES. Denúncia. Ministério vai mapear rombo dos “vampiros”, p. 3.

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falsas empresas de fusões e aquisições, agências reguladoras americanas e asiáticas e diversos contratos e documentos para ludibriar estrangeiros possuidores de ações com baixa liquidez. A partir de um boiler room (escritório especializado nesse tipo de fraude) situado em São Paulo, e recentemente transferido para Buenos Aires (Argentina), operadores de telemarketing de diversas nacionalidades, que se passavam por intermediadores, ofereciam condições irrecusáveis para compra destas ações. Para concretizar o negócio exigia-se o depósito antecipado de taxas de corretagem e impostos, com a promessa de restituição de todo esse dinheiro. O depósito era feito, pelos clientes, em contas abertas nos Estados Unidos. Uma vez o dinheiro depositado, eram realizadas uma série de transferências para diversas outras contas, de forma sucessiva, como o intuito de apagar o rastro da origem do mesmo. Por fim, o dinheiro chegava às contas dos integrantes da organização em vários lugares do mundo, inclusive no Brasil por meio de ação de doleiros. Os doleiros que auxiliavam a quadrilha a movimentar os valores e traze-los ao Brasil foram mapeados, bem como os empresários e pessoas jurídicas que operacionalizavam a lavagem de dinheiro das vítimas. Os principais crimes cometidos pela quadrilha são estelionato, evasão de divisas e operação de instituição financeira sem competente autorização, formação de quadrilha, lavagem de dinheiro e sonegação fiscal. 299 e) A Polícia Civil de Minas Gerais apurou um esquema ilegal de compra e venda de mercadorias, que usava recursos de telemarketing e internet. S.O.S foi flagrado num depósito clandestino, em que estocava mercadorias que foram compradas por meio de fraude. A investigações realizadas foram após uma queixa de um comerciante, que apresentou cheques falsos recebidos como pagamento das mercadorias. Apurou-se já serem seis as empresas lesadas. Durante as investigações constatou-se que o autuado tinha documentos de identidade e carteira de motorista com a mesma foto e nomes diferentes, que seriam falsos. No local foi apreendido um computador que será encaminhado à perícia, para apurar as negociações ilícitas. S.O.S criou uma empresa fantasma de distribuição de produtos. Com a documentação da suposta empresa, ele comprava de diversos fornecedores, pagando com cheques, ou por meio de faturamento bancário. Ele pode ter usado mais de um nome empresarial no esquema. As folhas de cheques apreendidas serão submetidas a perícia, para constatar se foram montadas a partir de documentos originais, ou são de contas correntes abertas por meio de fraude. 300

É necessário executar as ações de persecução criminal na órbita criminal às

fraudes empresariais, aos crimes envolvendo as relações de consumo, a ordem tributária e

econômica, os interesses ambientais, as normas licitatórias, os crimes previdenciários, os

crimes de “lavagem de dinheiro” e outros ilícitos. As atividades investigatórias ou repressivas

da Polícia Judiciária têm o objetivo de identificar os autores das práticas delituosas: pessoa

física e pessoa jurídica. Também, outros órgãos atuam em articulações para realizar

investigações na busca de provas do crime organizado empresarial, seja nacional ou

transnacional. É o que se propõe demonstrar.

299 COMÉRCIO. Presos acusados de fraude no mercado financeiro, p. 17. 300 HEMERSON. Cheques falsos: Foragido monta empresa fantasma, p. 23.

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9. PERSECUÇÃO AOS CRIMES CONTRA AS RELAÇÕES DE

CONSUMO PREVISTAS NO CÓDIGO DE DEFESA DO

CONSUMIDOR

Na órbita criminal, vários são os preceitos que tipificam crimes cuja repressão

interessa às vítimas de relações de consumo. Podem-se citar: Lei n. 1.521/51, que prevê

crimes contra a economia popular, conhecidos popularmente por “agiotagem”; Lei n.

8.137/90, que define os delitos contra a ordem tributária e a econômica, e as relações de

consumo; a Lei n. 8.884/94, que dispõe sobre a prevenção e repressão às infrações contra a

ordem econômica; e a Lei n. 8.078/90, que instituiu a Código de Defesa do Consumidor. Para

Daniela Vasconcellos Gomes301, “o Código de Defesa do Consumidor é uma lei de função

social, que ao impor uma nova conduta, visa tutelar um grupo específico de indivíduos

considerados vulneráveis às práticas abusivas do livre mercado”.

A violação de tais leis extravagantes pode motivar condutas lesivas aos interesses

tutelados dos consumidores, ás quais envolvidos nas relações de consumo, são decorrentes

das atividades perpetradas por fornecedores, por meio de uma gestão empresarial. Caso

proporcione algum proveito ou benefício econômico ao empresário, a violação à norma

deverá gerar o ressarcimento. Neste caso, o fornecedor ou pessoa jurídica, ao dar causa ao

fato punível, deverão arcar com os prejuízos.

A definição de consumidor esta prevista no art. 2º do CDC, que prescreve: “que é

toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário

final, equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja

intervindo nas relações de consumo”. A definição de fornecedor aparece no art.3° do Código

Consumerista, que conceitua “como sendo toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada,

nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades

de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação,

distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços”. Os crimes prescritos

na órbita das relações disciplinadas no Código do Consumidor envolvem as partes fornecedor

e consumidor. Entretanto, o fato é que há no Código Penal outras condutas incriminadoras

que têm como bem jurídico tutelado interesses dos consumidores e que podem ser imputados

301 GOMES. Op. cit., p. 61.

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aos seus autores: art. 175 (fraude no comércio), art. 177 (fraudes e abusos na fundação ou

administração de sociedade por ações), art. 272 (falsificação, corrupção, adulteração ou

alteração de substância ou produtos alimentícios), art. 273 (falsificação, corrupção,

adulteração ou alteração de produtos destinados a fins terapêuticos ou medicinais), art. 274

(emprego de produto proibido ou de substância não permitida), art. 275 (invólucro ou

recipiente com falsa indicação), art. 277 (substância destinada à falsificação), art. 278

(substâncias nocivas à saúde pública) e art. 280 (medicamento em desacordo com a receita

médica).

Portanto, a prática de maquiar produtos, reduzindo a quantidade nas embalagens,

sem informar ao consumidor, passa também a ser investigada. Na seara administrativa, há o

Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor, do Ministério da Justiça, que também

poderá contribuir com investigações e imputar sanções.

A Polícia Civil do Estado de Minas Gerais, pela Resolução n. 6.865, de 21

fevereiro de 2006, institui a Delegacia Especializada sobre Crimes contra o Consumidor na

estrutura do Departamento de Investigações, a que se refere a Resolução n. 6.174, de 30 de

maio de 1996.

Em 2005, a Polícia Civil, mediante um trabalho conjunto da Delegacia de

Defraudações e Falsificações e da Delegacia da Ordem Econômica e Tributária, apurou

crimes de estelionatos e fraudes contra as relações de consumo em que os delegados de

polícia da Polícia Civil de Minas Gerais, Horivelton Cabral Ribeiro e Rubens de Faria

Rezende relatam:

Foram realizadas investigações em 38 empresas e seus proprietários, no “golpe do dinheiro fácil” e venda de consórcios e cartas de crédito com cotas contempladas. Foram fechadas 10 empresas e foram decretadas as prisões de seus proprietários. A quadrilha obteve vantagem ilícita, enganavam as pessoas com uma oferta, exigem o pagamento de um seguro fiança e, quando a pessoa percebe e pedo o dinheiro de volta, alegam que não podem devolver, pois o valor foi para pagamento da taxa de administração do consórcio. A recomendação das autoridades policiais é que, antes de pegar um empréstimo ou comprar uma cota de consórcio ou carta de crédito, o consumidor consulte o Procon, o Banco Central e as delegacias. 302 O representante comercial P.C.S foi preso pela equipe da Delegacia Especializada de Crimes contra o Consumidor. Ele é acusado de dirigir 25 empresas fraudulentas para aplicar golpes de consórcio e empréstimo que, desde 2002 lesou milhares de pessoas em vários estados. As investigações foram responsáveis pelo fechamento de oito empresas. 303

A Delegacia Especializada na Apuração de Crimes contra o Consumidor atuará,

subsidiariamente, em todo Estado na apuração das infrações penais e no exercício da Polícia

302 MENDES. Golpes viram caso de polícia, p. 12. 303 PASCOAL. Acusado de golpe tinha 25 empresas, p. 26.

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Judiciária relativamente aos seguintes delitos: crimes definidos nos arts. 61, 63 a 75 da Lei n.

8.078, de 11 de setembro de 1990; crimes contra a ordem econômica e crimes contra as

relações de consumo definidos nos arts. 4º, 5º, 6º e 7º da Lei n. 8.137, de 27 de dezembro de

1990; crimes contra a economia popular definidos na Lei n. 1.521, de 26 de dezembro de

1951; crimes definidos nos seguintes dispositivos do Decreto Lei n. 2.848, de 7 de dezembro

de 1940, que institui o Código Penal: art. 171 - estelionato, quando a vítima for consumidor e

ocorrendo relação de consumo; art. 175 - fraude no comércio; arts. 272 a 278 e 280 - crimes

contra a saúde pública; e art. 330 - desobediência, quando adequar-se o fato ao disposto no

parágrafo único. A atuação subsidiária indica o caráter excepcional da intervenção da

Delegacia Especializada sobre Crimes Contra o Consumidor que somente ocorrerá mediante

solicitações do Programa de Proteção ao Consumidor (PROCOM), bem como dos titulares

das Unidades Policiais em casos complexos ou que causem clamor público e, neste último

caso, mediante determinação superior.

Reportando à Lei n. 8.078/90, os arts. 61 a 75 tipificam os crimes contra as

relações de consumo nos quais é possível verificar várias condutas criminosas. Entretanto, as

penas correspondentes aos autores são sempre de detenção, ou seja, passíveis de fiança crime.

O procedimento inquisitorial para a constatação da notitia criminis se verificará pelo termo

circunstanciado de ocorrência, por tratar-se de delitos de menor potencial ofensivo. A

competência de apuração é da Delegacia Especializada na apuração de crimes contra o

consumidor.

Tais crimes poderão ser praticados pela sociedade limitada e pelo gestor,

motivando a persecução na órbita criminal, com posterior responsabilização dos envolvidos e

individualização da conduta típica e ilícita. A responsabilização também se estende ao

ressarcimento dos prejuízos causados ao terceiro de boa fé. Nada obsta que a pessoa jurídica

venha a ser penalizada por contribuir para o resultado lesivo. Assim, ao teor do art. 75 da Lei

8.078/90,

[...] quem, de qualquer forma, concorrer para os crimes referidos neste código, incide as penas a esses cominadas na medida de sua culpabilidade, bem como o diretor, administrador ou gerente da pessoa jurídica que promover, permitir ou por qualquer modo aprovar o fornecimento, oferta, exposição à venda ou manutenção em depósito de produtos ou a oferta e prestação de serviços nas condições por ele proibidas.

Os crimes previstos no Código de Defesa do Consumidor são de menor

potencialidade ofensiva, pois a pena não é superior a dois anos de detenção. Assim, o art. 69

da Lei n. 9.099/95 prescreve que “a autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência

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lavrará termo circunstanciado e o encaminhará imediatamente ao Juizado, com o autor do fato

e a vítima, providenciando-se as requisições dos exames periciais necessários”.

O autor de crime contra os interesses dos consumidores deverá ser conduzido a

Delegacia de Polícia competente, onde será lavrado o termo circunstanciado de ocorrência

(TCO), que se trata de um procedimento inquisitorial sumário, no qual o delegado de polícia

determinará ao conduzido para que assuma o compromisso de comparecer em audiência

preliminar no Juizado Especial Criminal, caso já estejam disponibilizados datas e horário das

mesmas pelo juízo competente. Em algumas localidades, o próprio delegado de polícia, ciente

dos horários disponibilizados pelo juízo, procederá ao agendamento da audiência. Caso não

seja possível o prévio agendamento, o autor, assumindo o compromisso de comparecer em

juízo fica aguardando em liberdade a sua intimação pela Secretaria Judicial, que irá informar a

data da audiência, após regular intimação dos envolvidos.

Nos delitos de menor potencial ofensivo, muito embora o autor seja conduzido

preso em decorrência do estado de flagrante delito, ao ser apresentado ao delegado de polícia,

na delegacia de polícia competente, poderá ser inquirido, muito embora seja dispensável, em

face da informalidade, celeridade e economia procedimental. Havendo necessidade de exame

pericial a ser realizado, este se torna imprescindível para subsidiar o aspecto probatório do

TCO. Portanto, a autoridade policial deverá requisitar a mesma. Entretanto, é bom lembrar

que, caso o autor, preso em flagrante delito em decorrência da prática do crime de menor

potencial ofensivo e sendo apresentado ao delegado de policia, não queira assinar o termo de

compromisso para comparecimento em audiência preliminar no juizado especial criminal,

deverá ser lavrado o auto de prisão em flagrante delito presentes os requisitos do art. 302 e

seguintes do Código de Processo Penal. Neste caso, o início da persecução penal se dará por

meio do inquérito policial, sendo o autor autuado em flagrante delito pelo crime de relação de

consumo.

Em razão de os crimes previstos no CDC serem apenados com detenção, deverá o

delegado de polícia arbitrar a fiança crime, ao teor do art. 322 do CPP, que prescreve: “a

autoridade policial somente poderá conceder fiança nos casos de infração punida com

detenção ou prisão simples”. Portando, instaurado o inquérito policial, através do auto de

prisão em flagrante delito, após o pagamento da fiança, pelo autuado deverá ser posto em

liberdade, dando seqüência às investigações policiais, até a finalização e conclusão das

investigações, com posterior relatório e indiciamento do infrator, sendo descrita a conduta

violadora do autor.

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Não presentes os requisitos para se lavrar a prisão em flagrante delito do

conduzido, bem como o infrator não assinando o compromisso de comparecer em juízo, a

outra alternativa do delegado de polícia é instaurar o inquérito policial, por meio de portaria

inaugural, sendo o conduzido, após sua regular inquirição, colocado em liberdade. Neste caso,

não há de se agendar qualquer audiência preliminar do autor no Juizado Especial Criminal. O

procedimento persecutório de investigações, que fora motivado com a instauração do

inquérito policial, seja por auto de prisão em flagrante delito, com o autor inicialmente preso,

ou por portaria inaugural, com o cidadão sendo colocado em liberdade, segue um rito

ordinário, com a colheita de provas subjetivas e objetivas, resultando formal indiciamento.

O entendimento majoritário é que, concluídas as investigações policiais, via

inquérito policial, tal instrumento investigatório será encaminhado ao Juizado Especial

Criminal, em face da competência, por tratar-se de delito de menor potencial ofensivo, e,

ciente dos elementos probatórios, disponibilizará ao infrator a oportunidade de submeter-se ao

crivo das peculiaridades processuais da Lei n. 9.099/95, tais como transação penal e/ou

suspensão condicional do processo.

Não é tarefa fácil investigar e identificar a autoria dos ilícitos civil, administrativo

e criminal, sejam aqueles perpetrados pela sociedade limitada, pelo administrador ou por

ambos. Imputar responsabilidade pela prática da infração penal ao gestor que se esconde sob o

véu de uma empresa é dever das autoridades competentes, coibindo-se a impunidade.

Tornam-se necessárias, as imprescindíveis apurações e a individualização das condutas

lesivas aos interesses do consumidor que poderão ser perpetrados pelo ente coletivo ou pessoa

física, ora gestor.

As condutas criminosas são geralmente perpetradas pela pessoa jurídica, e torna-

se necessário reprimi-las, pois o agente se infiltra na estrutura organizacional da sociedade

empresária, dando causa a violações aos interesses do consumidor. A sociedade limitada pode

ser a beneficiária direta ou indireta do ilícito perpetrado, o que poderá gerar o enriquecimento

ilícito. Dúvidas não há de que a sociedade limitada também deverá arcar com os prejuízos

advindos da relação de consumo em face das manobras eivadas de falcatruas. A

responsabilidade da pessoa jurídica é objetiva e a do gestor é subjetiva. Neste caso, a

responsabilização da pessoa jurídica motivada pelo nexo da causalidade delitiva, dando

origem à responsabilidade objetiva, pois o ente coletivo não tem o domínio do fato lesivo,

mas sua utilização como instrumento para o fato punível, torna a empresa co-responsável. O

dano causado seja ao ente público ou ao interesse privado, deverá ser ressarcido. Logo,

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sociedade limitada e gestor não podem ficar isentos de sanções, por darem causa às ofensas de

interesses tutelados na seara empresarial.

Fernando Jacques Onófrio304, não defendendo a responsabilidade penal da pessoa

jurídica nas relações de consumo, justifica:

As infrações penais dispostas no Código de Defesa do Consumidor, o agente ativo é o fornecedor, que tanto faz ser de produtos, bens ou serviços. O passivo é o consumidor em qualquer uma das formas preconizada no art. 2º, parágrafo único e reeditada nos arts. 17 e 29, do CDC. Citado autor adverte, que a pessoa jurídica não perpetra qualquer tipo de crime e, em decorrência, não poderá, jamais, ser considerada agente ativo da infração penal. Em sentido inverso, a mesma pode constituir agente passivo da infração penal.

Resguardar os interesses tutelados nas relações de consumo é atribuição do

fornecedor, que deve preservar os produtos, bens e serviços prestados capazes de atender aos

objetivos tutelados pelo consumidor. Entretanto, a apuração de responsabilidade, ou

incapacidade, penal da pessoa jurídica torna-se de extrema importância, no intuito de aplicar

as responsabilizações: civis, administrativas e criminais, se caso for. Ademais, já é

consolidado que à sociedade limitada poderão ser imputadas punições administrativas e civis.

Quanto a sua responsabilização criminal, há entendimento de que fique demonstrada a

evidente responsabilização concorrente dos agentes entre o gestor (pessoa física) e a pessoa

jurídica (sociedade limitada). O objetivo é coibir a corrupção e imputar sanções aos infratores.

Para dar início à persecução penal, criaram-se as delegacias de polícia

especializadas para o atendimentos aos consumidores, vítimas de infrações penais de

consumo, tudo isso com respaldo no art. 5º do Código de Defesa do Consumidor. Pode-se

reportar a outras unidades policiais especializadas no combate à sonegação fiscal, às fraudes

gerais e à repressão aos ilícitos perpetrados com violação à tutela patrimonial. Consumidor é

toda pessoa, física ou jurídica, que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário

final. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que

haja intervindo nas relações de consumo. A Delegacia de Defesa do Consumidor de Minas

Gerais acaba de completar um mês de operação, com balanço positivo de 14 pessoas presas e

300 reclamações atendidas. Foram fechadas três empresas que atuavam no mercado aplicando

golpes. 305

Para aspirar à imputação penal da sociedade limitada, torna-se necessário que

fique demonstrado o conluio de empresários que se utilizam desta estrutura jurídica,

constituída por uma sociedade limitada, para a prática de crimes em proveito de ambos.

304 ONÓFRIO. Comentários ao código de defesa do consumidor: breves comentários à Lei nº. 8.078/90, p. 133. 305 MENDES. Empréstimo e consórcio vão parar na delegacia, p. 14.

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Nesse contexto, busca-se tornar efetiva a apuração da autoria e da materialidade,

com a possibilidade de gerar a punição daqueles que cometem crimes de relação de consumo.

Em análise ao princípio da especialidade, decorrente do conflito aparente de normas penais

incriminadoras, citam-se o estelionato e o crime de relações de consumo. A esse respeito,

houve o seguinte entendimento do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, para dirimir as

dúvidas suscitadas:

Penal. Estelionato (art. 171, CP). Crime contra as relações de consumo (art. 7º, VII, da Lei 8.137/90). Princípio da especialidade. É impossível a aplicação da regra do concurso formal entre o crime de estelionato e o de propaganda enganosa, desde que há, entre eles, identidade de elementares e, a prevalecer o concurso, poderia haver dupla punição pelo mesmo fato. O conflito aparente de normas entre o crime fraudulento comum (estelionato) e o crime fraudulento especificamente dirigido a atingir as relações de consumo – bem jurídico meta-individual que reclama especial proteção do ordenamento, resolve-se pelo critério da especialidade. Se a afirmação da vítima de que foi ludibriada por vendedor, acreditando que estava adquirindo veículo, quando na verdade, estava comprando cota de consórcio, encontra eco em fortes indícios que sugerem a má-fé dos autores, que chegaram a veicular anúncio de venda de automóvel em jornal, há provas suficientes para a condenação dos réus por crimes contra as relações de consumo, previsto no art. 7º, VII, da Lei nº 8.137/90. Recurso provido em parte. (TJMG – 5ª C. AP. 1.0024.01.071178-6/001 – rel. Hélcio Valentim. J. 22.05.2007. DOE 02.06.2006.)

Ao pleitear a identificação das responsabilidades e imputar responsabilidades pela

gestão eivada de vícios, estelionato ou fraude, no intuito de coibir comportamentos

respaldados em falcatruas e em prejuízos às vítimas de boa fé, torna-se imprescindível a

manifestação estatal na persecução penal. É necessário coibir o enriquecimento ilícito no

âmbito empresarial.

Assim, encontram guarida nesse direito de intervenção as normas jurídicas do

Direito Civil, Direito Administrativo e do Direito Penal em que se abrem espaços a uma

construção de medidas reparadoras aos danos causados, preservando o Estado Democrático de

Direito. Torna-se necessário responsabilizar aqueles que causam prejuízos a terceiros, seja a

empresa ou o gestor, com a possibilidade de imporem-se punições aos mesmos na órbita civil,

administrativa e penal, de forma concorrente.

É o contrato um instrumento constitutivo da sociedade que prevê os poderes de

gestão de todos sócios, com o objetivo social. Com a identificação dos atos desempenhados

na administração, é possível originar uma notícia crime, que redundará na justificação para a

persecutio criminis in judicio, na busca de um mínimo de prova que denote plausibilidade

para a acusação capaz de demonstrar as condutas delituosas.306 As investigações policiais vão

subsidiar a denúncia-crime, e conseqüentemente, ação penal, no intuito de imporem-se

306 TRF 2ª R. 2ª T. SER 2005.50.01.005567-2 – rel. Liliane Roriz. J. 22.05.2007 – DJU 28.05.2007.

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sanções penais aos infratores. Depois de identificada a autoria e a colheita das provas

indiciárias, por meio do inquérito policial ou do termo circunstanciado de ocorrência, caberá

ao Poder Judiciário aplicar as sanções aos infratores identificados, é claro, respeitando o

contraditório e a ampla defesa.

Apurar responsabilidades na sociedade limitada em face de atividades lesivas aos

interesses dos consumidores, em especial se decorrentes da conduta do gestor por uma

administração fraudulenta, torna-se imprescindível. O ilícito perpetrado na atividade

empresarial, seja pelo gestor (pessoa física) ou pela sociedade empresária (pessoa jurídica),

quando envolvidos em atividades lesivas ao consumidor, torna-se capaz de gerar a subsunção

ao tipo incriminador não justificável. O direcionamento da administração empresarial pelos

sócios-gestores, sob a incumbência de administrar produtos, bens e serviços, visando à

violação da garantia a ordem jurídica vigente nas relações de consumo, poderá gerar co-

autoria de responsabilização, a ser imputada também ao ente coletivo, que não tem o domínio

sobre o fato. A sociedade limitada contribui de forma indireta ou mediata para o resultado

lesivo.

A sociedade limitada, enquanto pessoa jurídica, não dispõe de vontade, mas sim

seus gestores, pessoas físicas. Nesse aspecto, torna-se necessário apurar os atos do ente

coletivo, que se exteriorizam nas atividades mercantis como fornecedora de produtos, bens e

serviços, pois, por intermédio da sociedade empresária é que se violaram interesses do

consumidor. Além da responsabilidade penal, o fornecedor (pessoa física ou pessoa jurídica)

de produtos e serviços pode, de forma concorrente e cumulativa, responder, civil e

administrativamente por seus atos.

O que se pretende vislumbrar é a eventual possibilidade da sociedade limitada vir a

contribuir para a pratica de crimes de relação de consumo, com a co-autoria indireta e

mediata, ou de o fornecedor (pessoa física), que atua por ação ou omissão. É por intermédio

da sociedade limitada que produtos e serviços são inseridos no mercado de consumo,

motivando prejuízos a terceiros de boa-fé, quando há uma gestão fraudulenta. Mas agora as

responsabilidades das pessoas físicas na órbita criminal também serão estendidas à pessoa

jurídica.

A análise da prática do crime pela pessoa física, ora revestida da função de gerir

uma empresa, dá origem para iniciar-se a apuração de sua responsabilidade pela violação dos

interesses dos consumidores. É em decorrência da conduta típica e ilícita, com enfoque da

culpabilidade do agente, que se exterioriza a persecução criminal pela violação dos interesses

atinentes ao consumo e outros delitos.

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Torna-se necessário efetivar as apurações das condutas daqueles agentes, em

procedimento apuratório próprio, quando se identificam os autores das infrações tipificados

no Código de Defesa do Consumidor. Sobre os crimes de relação de consumo, Roberta

Densa307, abordando o direito do consumidor, relata:

Muitas foram às críticas recebidas pelos legisladores em razão da tipificação das condutas criminosas cometidas pelos fornecedores, principalmente sob o argumento de que o Código de Defesa do Consumidor deveria limitar as sanções civis e administrativas, deixando para a legislação extravagante a regulamentação penal da matéria. No entanto acrescenta ainda, a inserção das condutas criminosas no Código de Defesa do Consumidor faz com que os fornecedores tomem mais cuidado no cumprimento dos princípios estabelecidos pelo legislador consumeirista, já que as sanções civis e administrativas têm caráter pecuniário, o que, muitas vezes, não põe freios à atividade econômica. Já as sanções penais têm caráter repressivo e, muitas vezes, impossibilitam a viabilidade da atividade econômica.

René Ariel Dotti308, abordando a responsabilização da pessoa jurídica, relata:

A pretensão de atribuir a imputabilidade penal às pessoas jurídicas não está em harmonia com a letra e o espírito da Constituição, mostrando que restariam violados os princípios da igualdade, da humanização das sanções, da personalidade da pena, o direito de regresso e as regras de aplicação da lei penal, ofendendo, ainda, vários princípios relativos à teoria do crime, ressaltando, a propósito, que a conduta, revelada através da ação ou da omissão, como primeiro elemento estrutural do crime, é produto do homem.

Assim, as análises das circunstâncias, discordando com o entendimento

mencionado, destacam que, em relação às atividades perpetradas pela sociedade limitada, faz-

se necessário identificar e imputar sua responsabilidade por atos lesivos em face da

participação indireta ou mediata, pois, não há o domínio sobre o fato punível. Constata-se que

o gestor, para efetivar sua conduta típica, antijurídica e culpável, utiliza-se da interposta

pessoa jurídica para praticar o crime. Por que não imputar sanções à pessoa jurídica, tais como

restritivas de direito ou pecuniárias, já previstas no ordenamento penal brasileiro, sob o

sustentáculo da Carta Magna, que prevê a responsabilização criminal?

Conforme relata César Fiúza309, “a pessoa jurídica recebe proteção na medida em

que é meio para atingir fins almejados pelas pessoas naturais. Por detrás delas estarão sempre

pessoas humanas”. Agora, se a empresa tem proteção, nada mais justo que, caso apurado que

se utilizada do ente coletivo para fins ilícitos, esta blindagem deva cair, vindo a buscar

identificar a conduta lesiva que teria contribuído para o resultado lesivo perpetrado pela

pessoa física que atua de forma direita e imediata tendo o domínio do fato punível.

307 DENSA. Direito do consumidor, p. 156. 308 DOTTI. A incapacidade criminal da pessoa jurídica, p. 187-191. 309 FIÚZA. Direito civil: curso completo, p. 167.

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É por intermédio dos gestores que se faz a subsunção de um fato típico e ilícito a

uma norma penal incriminadora. A participação da pessoa jurídica no injusto culpável é de

forma coadjuvante ou indireta, pois somente o gestor (pessoa física) é que detém conduta

humana e culpabilidade, em que seus atos se resumem no resultado lesivo alcançado por

intermédio do ente coletivo, que também sujeitará implicações de responsabilizações.

Se a sociedade limitada, não tendo o domínio do fato punível, contribui para as

operações e negociações que proporcionem vantagens econômicas e enriquecimento

indevidos dos gestores, também deverá ser responsabilizada criminalmente, sob pena de

perpetuar a impunidade por ilícitos perpetrados pelas sociedades empresariais. Se vencido o

entendimento de responsabilização criminal da pessoa jurídica, tem-se que reportar-se às

sanções administrativas, que estão previstas no art. 56 da Lei n. 8.078/90.

É nesse contexto que se pode vislumbrar que, quanto ao gestor (pessoa física), este

se sujeitará às penas de privação de liberdade, restritivas de direito ou multa, ao teor do art. 32

do Código Penal brasileiro. Em face das sanções administrativas já mencionadas, polêmica

que se levanta é ser tais sanções aplicadas à pessoa jurídica pelo juízo criminal.

Sob a ótica do conflito aparente de sanções penais e administrativas a serem

impostas aos infratores, verifica-se que há sanções de multa e de restrição de direitos, tanto na

seara criminal como na órbita administrativa, em face do Código de Defesa do Consumidor.

O art. 56 da Lei n. 8.078/90 dispõe sobre as sanções administrativas. Entre outras ali

consignadas apontam-se: multa, cassação do registro do produto no órgão competente,

suspensão de fornecimento de produtos ou serviço, suspensão temporária de atividade e

cassação de licença do estabelecimento ou atividade, que são de caráter restritivo de direitos.

Ora, as sanções de multa e restrição de direitos também estão disciplinadas na

parte geral do Código Penal brasileiro, que disciplina a teoria geral da pena, a partir do art. 32

do C.P, nesse aspecto, a serem imputadas à pessoa física. Então, por que, no devido processo

penal, não aplicar a sanção correspondente ao ente coletivo?

Muito embora haja respaldo jurídico para imputar responsabilização à pessoa

jurídica no que tange a ser sujeito ativo de infrações, o fato de a legislação prever penas de

multa e de restrição de direitos aos autores deveria levar nossos operadores do direito a

ficarem atentos às responsabilizações concorrentes do gestor e da sociedade limitada. Nas

violações aos interesses do consumidor, se perpetradas de forma concorrente pela pessoa

física e pela pessoa jurídica, a sanção aplicável se fundamenta na legislação vigente. Quanto à

pessoa jurídica, por incorrer em sanções de natureza administrativa, o juiz de direito,

subsidiando-se no art. 56 do CDC, deverá imputar sanções ao ente coletivo, atento ao devido

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processo penal, caso vislumbre indícios de sua participação e benefícios advindos da

realização da conduta culpável pelo gestor. Na responsabilização concorrente de agentes entre

o gestor e a sociedade limitada pode-se aplicar uma pena criminal à pessoa física e também

uma sanção penal-administrativa à pessoa jurídica, de forma que ambos sejam

responsabilizados. O importante é não gerar um clima de impunidade alusivo aos crimes

societários, em que a sociedade limitada tem participação indireta e mediata, por servir, em

muitos casos, para encobrir o fato punível e blindar o empresário da persecução penal estatal.

Passa-se a abordar os crimes contra a ordem tributária, a ordem econômica e as relações de

consumo, com as conseqüentes punições aos infratores: pessoa física e pessoa jurídica.

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10. PERSECUÇÃO AOS CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA,

A ORDEM ECONÔMICA E AS RELAÇÕES DE CONSUMO

Atualmente, vêm sendo motivo de discussões por diversos segmentos da sociedade

questões que envolvem a elevada carga tributária brasileira e, em contrapartida, a “sonegação

fiscal” no âmbito das sociedades empresariais, o que motiva entrar em cena nessa seara

tributária as atividades investigatórias da Polícia Judiciária com o objetivo de coibir tais

condutas ilícitas, na busca de indícios dos crimes fiscais que se verificam na gestão

fraudulenta empresarial.

No Brasil, existem mais de sessenta diferentes taxas, impostos e contribuições.

Todos, direta ou indiretamente, são contribuintes desses encargos. Em média, 33% do

faturamento empresarial é dirigido ao pagamento de tributos. Do lucro, até 34% vão para o

governo. Da somatória dos custos e despesas, mais da metade do valor é representado por

tributos.310 Em reportagem jornalística, Bianca Giannini relata que,

[...] os números mostram que os tributos federais representam a maior parte da carga tributária do País. Entre Cofins, IOF, IPI, Cide, CPMF e outros alcançará pelo menos R$ 40 bilhões ao ano. De cada R$ 100,00 em riquezas produzidas pelo País, pelo menos R$ 36,50 vão parar nos cofres da União, estados e municípios. O Brasil se mantém na desconfortável posição de ser o país com a maior carga tributária da América Latina”. 311

A Lei n. 4.729/65, pela primeira vez, abordou os delitos de sonegação fiscal. Era

pacífico o entendimento de que os delitos de sonegação fiscal eram de mera conduta ou

puramente formais. Por isso, não se admitia a forma tentada. Para a configuração do elemento

subjetivo do agente, necessário é o dolo em eximir-se do pagamento de tributos.

Sob o tema, Cláudio Maximilianus312 esclarece que,

[...] sobreveio posteriormente, a Lei 8.137/90, que, regulando inteiramente a mesma matéria (art. 2º, §1º, da LICC), revogou a Lei dos crimes de sonegação fiscal, instituindo os crimes contra a ordem tributária. Assinalou que, ao exigir, agora, a efetiva supressão ou redução do tributo, o legislador criou tipos penais de resultado e materiais, como percebeu de imediato, parte da doutrina. Sem lesão ao fisco o crime não se configura”.

Contudo, há crimes autônomos, e se verifica que a Polícia Judiciária deva eximir-

se de apurá-los. O delegado de polícia, tomando conhecimento da notitia criminis tem o dever

310 Disponível na internet http://valdecimedeiros.sites.uol.com.br/legislacao_direito/planejamento.htm – Acesso em: 15 jan. 2005 311 GIANNINI. País mantém carga de 1° mundo, p. 1-3. 312 MAXIMILIANUS. Resumo de Direito Tributário, p. 110.

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de apurar a infração penal. Logo, “a autoridade policial é aquela que, com fundamento em lei,

é parte integrante da estrutura do Estado e órgão do poder público, instituído especialmente

para apurar as infrações penais, agindo por iniciativa própria, mercê de ordens e normas

expedidas segundo sua discrição,” conforme assinala o criminalista e professor Hélio

Tornaghi. 313

O doutrinador Luiz Regis Prado314 esclarece que, “quando alguém tem notícia de

um crime, nos casos de ação pública, poderá provocar a iniciativa fornecendo, por escrito,

informações sobre o fato e sua autoria, e indicando o tempo, o lugar e os elementos de

convicção (art.27, CPP)”. Também poderá ser reduzido a termo seu depoimento. As

autoridades competentes cientes da notitia criminis deverão cumprir seus papéis requisitando

incontinenti a instauração do procedimento investigatório policial, seja o inquérito policial ou

o termo circunstanciado de ocorrência. Sobre o polêmico tema sobre o trancamento, ou

suspensão, da ação penal motivado por recolhimento do débito fiscal, conforme já registrado,

cita-se a seguinte decisão:

Acórdão: Habeas corpus. Crime contra a Ordem Tributária. Trancamento da ação penal. Lei n. 10.684/03, art. 9º. Aplicação. Des. Rel. José Eugênio Tedesco HC:Nº70009044736Quarta Câmara Criminal Comarca de Garibaldi [...] A autoridade ora coatora, ao indeferir o pedido de trancamento da ação, o fez sob o entendimento de que tal dispositivo aplica-se apenas a débitos federais. Assim, a discussão consiste na extensão desse benefício às hipóteses de débitos relativos a tributos estaduais e municipais. Vejamos. A Lei n. 10.684/03 instituiu o chamado refis II, ou seja, parcelamento especial – PAES, disciplinando o parcelamento de débitos junto à Secretaria da Receita Federal, à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e ao Instituto Nacional do Seguro Social. E, em seu artigo 9º, inovou, ao dispor: "Art. 9º - é suspensa a pretensão punitiva do estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1º e 2º da Lei n. 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos arts. 168a e 337a do Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – código penal, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no regime de parcelamento. §1º a prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da pretensão punitiva. §2º extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios. Diz-se inovou porquanto, até a edição desta Lei, os efeitos penais do pagamento de débitos relativos a tributos eram regidos pelo disposto no art. 34 da Lei n. 9.249/95 que previa a extinção da punibilidade quando o agente promovesse o pagamento antes do recebimento da denúncia. Agora, diante deste dispositivo, não há mais essa exigência. aderindo ao parcelamento, a qualquer tempo pode ser suspensa a pretensão punitiva do Estado. Nesse sentido, já se manifestou o eg. Supremo Tribunal Federal, que, ao apreciar o HC n. 81.929/RJ, concedeu habeas corpus de ofício para declarar extinta a

313 TORNAGHI. Instituições de Processo Penal, p. 240. 314 PRADO. Curso de direito penal brasileiro: parte geral, p. 588.

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punibilidade do crime imputado ao paciente, em virtude do pagamento do tributo na forma prevista pelo art. 9º, §2º, da Lei n. 10.684/03. Em síntese: deferido o parcelamento suspensa está a punibilidade nos crimes tributários, não importando o momento no qual se encontra a investigação ou o processo penal. [...] 3. Pelo exposto, concedo a ordem para o efeito de suspender a ação penal intentada contra o paciente enquanto estiver sendo cumprida a obrigação até o total pagamento do débito. Des. Gaspar Marques Batista - De acordo. Des. Constantino Lisbôa de Azevedo - De acordo. Proc. nº 70009044736: "À unanimidade, concederam a ordem, para o efeito de suspender o processo, enquanto estiver sendo cumprida a obrigação até o total pagamento do débito."

A interpretação jurisprudencial mencionada merece um estudo questionador, pois,

presentes indícios de outros crimes - estelionatos, falsidades e formação de quadrilha -, não

podem ficar tais condutas impunes diante de tais “falcatruas” em prejuízo dos interesses da

Administração Pública. Suspender as atividades de Polícia Judiciária na repressão a estes

crimes “camuflados” por interposta pessoa jurídica ou física causará prejuízos ao erário, à

sociedade e ao interesse da gestão pública.

Outra situação seria quando o agente comete a falsidade documental ou ideológica

e, na iminência de efetuar o pagamento correto, é surpreendido pela autoridade de

fiscalização. Houve tentativa do crime fiscal? Independente de supressão ou pagamento

reduzido de parcela devedora ao fisco, presentes os indícios de crimes-meios de natureza

pública incondicionada, como uso de documento falso ou, até mesmo, estelionato. Precipitada

é a determinação pela autoridade judiciária pelo arquivamento das investigações policiais sob

o fundamento de pagamento do débito fiscal. Torna-se necessário apurar outros tipos penais

em face do conflito aparente de normas incriminadoras vislumbradas na persecução ao crime

de sonegação de tributos, de violação à ordem econômica ou das relações de consumo, torna

necessário.

Entretanto as autoridades policiais, respaldadas nos princípios constitucionais de

urbanidade, direitos e garantidas dos cidadãos, deverão sempre acatar as decisões judiciais

que determinem a suspensão das investigações policiais de infração penal fiscal, em especial,

se verificada a extinção de punibilidade da pretensão punitiva do Estado em face do

pagamento do débito tributário pelo sonegador. Contudo, hão de ser consignado outros fatos

puníveis no relatório da autoridade policial, a fim de demonstrar ao juízo competente a

inviabilidade do arquivamento das investigações de natureza pública e incondicionada,

vislumbrando-se o concurso de outros crimes, que devem ser investigados.

Portanto, o delegado de polícia não deve proceder a investigações policiais

abusivas no caso do pagamento do débito fiscal na seara administrativa, salvo quando

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provocar a autoridade judiciária competente, informando que o caderno apuratório contém

indícios de crimes autônomos, por exemplo, formação de quadrilha, falsidades e estelionatos

empresariais, que não podem ficar impunes. Assim, não se cria obstáculo ao prosseguimento

na apuração dos ilícitos penais que não podem ficar impunes, mas apurados em decorrência

da sonegação perpetrados por empresários que se utilizam de sociedades empresárias para

obter vantagens indevidas.

Os delitos fiscais são de natureza pública e incondicionada (art.15 da Lei n.

8.137/90). Entretanto, é necessária uma análise criteriosa pela autoridade policial, pois poderá

aplicar-se o princípio da especialidade quando a conduta do investigado não se enquadra

como sendo conduta de sonegação fiscal, mas em outro delito autônomo. Neste caso, nada

obsta apurar-se o estelionato e as falsidades quando relacionados, ou não, à atividade fim, que

corresponde a sonegação fiscal, que poderão ser perpetrados pelo gestor e com participação

mediata da sociedade limitada. Há indícios de outro tipo penal incriminador em que a

autoridade policial não poderá deixar de apurar. Em reportagem jornalística sobre a fraude

fiscal no âmbito da gestão empresarial registrou-se:

A Polícia Federal, através da empresa multinacional C., apurou indícios de participação num esquema de sonegação de impostos no valor de R$ 1,5 bilhão no Brasil, envolvendo 30 empresas, localizadas no país e de outras empresas norte americanas, reais e fantasmas, que eram utilizadas como intermediárias. A Operação Persona prendeu pelo menos 44 pessoas em três Estados do país (São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia), suspeitas de participarem no esquema de fraudes em importações. A operação foi iniciada depois da denúncia de um ex-funcionário de uma das empresas. A PF apreendeu US$ 290 mil e R$ 240 mil, além de R$ 10 milhões em mercadorias, 18 veículos e um jato comercial. As prisões tiveram repercussão no mercado internacional.315 De acordo com as investigações, os produtos foram importados diretamente dos Estados Unidos e não comprados dos distribuidores brasileiros. Com a sonegação reduz os preços das mercadorias, pois os envolvidos subfaturam o preço do equipamento e superfaturavam o software, cuja alíquota de imposto é menor. A auditoria interna e externa não perceberam nada de errado, com informação da Polícia Federal que a fraude já ocorria por cinco anos. 316

Portanto, após análise sistêmica dos procedimentos investigatórios e do limite de

atuação da Polícia Civil e da Polícia Federal na repressão às infrações penais fiscais de

competência, pode-se visualizar a necessidade de reunir esforços com outros segmentos

representativos da sociedade. O objetivo é coibir os diversos crimes autônomos, pondo fim às

sonegações fiscais que diuturnamente se instalam nos rincões do território nacional e

ultrapassam fronteiras, em prejuízo dos interesses dos governantes e da própria sociedade.

Com a sonegação, recursos reduzidos entrarão nos cofres públicos e diminuirá os

investimentos sociais.

315 TEMPO. Fraude envolve representante de Multinacional, p. 19. 316 MOREIRA. Operação Persona, p. 3.

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Contudo, esperar a representação fiscal somente após decisão na esfera

administrativa constituirá um prejuízo à Nação, diante da natureza pública que envolve tal

questão polêmica e a força operacional e inteligente da Polícia Judiciária. Investigação é caso

para a polícia no combate à criminalidade.

A Polícia Civil e a Polícia Federal são auxiliares da Justiça Criminal e integram os

órgãos da Segurança Pública, com atribuições de investigações policiais, envolvendo

infrações que ocorrem na órbita da gestão empresarial, mas também de natureza diversa,

como na apuração de extorsão mediante seqüestro, homicídio, roubo, estelionato, estupro,

roubos a bancos, ameaça, lesão corporal, tráfico de drogas, crime de lavagem de dinheiro e

outros ilícitos penais contra a Administração Pública. Há necessidade de investigação. O

momento é de unir esforços para coibir a criminalidade empresarial, o que vai gerar punição.

No Brasil, vige a Lei n. 8.137/90, que trata da repressão aos crimes contra a ordem

tributária, ordem econômica e as relações de consumo. É necessário de apurar o valor

sonegado ou deixado de recolher aos órgãos arrecadadores pelo gestor ou sociedade limitada,

prova incontestável da conduta típica do agente. O art. 11 prescreve: “Quem, de qualquer

modo, inclusive por meio de pessoa jurídica, concorre para os crimes definidos nesta lei,

incide nas penas a estes cominadas, na medida de sua culpabilidade”. Havendo concurso de

agentes, mister imputar-se responsabilizações, em especial à pessoa jurídica, caso seja

interposto meio para as práticas de sonegação na gestão empresarial.

Abordando o tema “sonegação fiscal”, Valdeci Medeiros317 define a “fraude ou

sonegação fiscal, consiste em utilizar procedimentos que violem diretamente a lei fiscal ou o

regulamento fiscal. É uma fraude dificilmente perdoável porque ela é flagrante e também

porque o contribuinte se opõe conscientemente à lei”. E acrescenta: “Nos Estados Unidos,

empresários poderosos vão parar na cadeia por sonegar impostos, falsificar balanços ou lavar

dinheiro sujo. Na Coréia, no Japão e em Singapura, há inúmeros exemplos de altos

empresários que foram presos por delitos corporativos, além de pesadíssimas multas

empresariais que são aplicadas”. 318

Assim, com o objetivo de traçar metas de política criminal para a repressão aos

crimes de cunho fiscal, é imprescindível a parceria com outros segmentos e agentes públicos,

em especial os órgãos de fiscalização das receitas públicas.

317 MEDEIROS. Op. cit., p. 70. 318 Disponível na internet http://valdecimedeiros.sites.uol.com.br/contabilistas/corrupcao.htm – Acesso em: 15 jan. 2005.

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É bom lembrar que dez milhões de pequenas empresas são informais. Estudo

realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostra que 98% das

10,525 milhões de pequenas empresas do País funcionam na informalidade (fora do marco

legal). São estabelecimentos com até cinco empregados ou trabalhadores por conta própria

que atuam nas áreas urbanas. A pesquisa incluiu empresas que têm o Cadastro Nacional de

Pessoa Jurídica, mas não dispõem de contabilidade. Ou seja, suas despesas e receitas

confundem-se com as da própria família. Assim, a empresa é informal. As empresas informais

empregam 13 milhões de pessoas, incluindo trabalhadores por conta própria, pequenos

empregadores, empregados com e sem carteira de trabalho assinada e trabalhadores não

remunerados. As maiores empresas na informalidade estão em São Paulo, Minas Gerais, Rio

de Janeiro, Bahia e Rio Grande do Sul. 319

É nesse contexto que se apresenta a Polícia Judiciária para a repressão à sonegação

fiscal, demonstrando as atividades fins de investigação, que se consubstanciam no inquérito

policial ou no termo circunstanciado de ocorrência. É bom lembrar que empresas na

informalidade sonegam tributos, motivando uma concorrência privilegiada e sem garantias ao

consumidor. Também, uma vez existente e se utilizada para acobertar condutas criminosas

motivará impor sanções a seus proprietários ou gestores. Nesse aspecto, serão apresentados

métodos de persecução criminal na repressão a sonegação fiscal.

10.1 Atribuições da Polícia Judiciária na repressão à sonegação fiscal

Na seara tributária, a norma constitucional, o art. 145 determina que a União, os

Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir tributos: impostos, taxas e

contribuição de melhorias. Assim, na repressão aos crimes contra a ordem tributária,

econômica e relações de consumo – Lei n. 8.137/90 − nada obsta a atuação repressiva da

Polícia Judiciária, nas investigações dos ilícitos penais tributários.

A Polícia Judiciária, na busca das provas, deve atuar amparada no princípio da

legalidade, objetivando meios idôneos para consubstanciar a convicção dos indícios dos

crimes de cunho fiscal, atuando sem abuso ou constrangimento para com os investigados. Sob

o tema Jorge Vicente Silva320, cita:

319 MINAS. Informalidade atinge 98% da pequenas empresas, p. 12-13. 320 SILVA. Crimes fiscais: a importância da apuração do débito, 2004.

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A prova da ocorrência de crime fiscal (autoria e materialidade) pode ser produzida por diversas formas, como por exemplo, no caso de nota calçada, com a comparação entre duas vias com valores diversos, fraude na contabilidade, livros, emissão e documentos falsos ou inexatos, etc. Para comprovação do valor sonegado ou deixado de recolher, a apuração pode ser levada a efeito através da contabilidade da empresa, ou pessoa física, comparada com declarações, documentos, livros, arquivos de dados, ou quaisquer outras provas que demonstrem ter havido omissão ou sonegação de imposto de contribuição.

Apresentada a notitia criminis a autoridade policial, por exemplo, o crime previsto

no art. 1º, inciso V, da Lei n. 8.137/90, c/c art. 70 do Código Penal, deverá apurar se há

supressão de certa quantia de ICMS321 mediante fraude à fiscalização tributária. Esta consiste

em deixar de fornecer nota fiscal obrigatória referente às vendas realizadas e/ou até mesmo,

trabalhando com “notas frias”, situação característica de delito autônomo, como de falsidade

material.

O legislador não definiu o “estelionato tributário”, mas tal conduta deve ser

investigada por constituir conduta criminosa de violação aos interesses da Administração

Pública. Neste caso, apurando-se que as vendas foram anotadas em documentos intitulados

“pedidos”, sendo as operações confirmadas pelos compradores em quantia superior ao

descrito na nota, patente é que deixou o investigado de recolher ICMS sobre as operações

321 Outra importante observação que se faz, necessária reporta-se ao empresário que, em conluio com seus empregados, emite a nota fiscal de venda sobre produto correspondente a mercadoria ficta. Na realidade, a descrição do produto e o número seqüencial de registro na nota fiscal não corresponderão ao registro da mercadoria vendida. Neste caso, o comprador recebe a nota fiscal e a mercadoria, mas o registro do número da mercadoria não corresponde ao consignado na nota fiscal. Ou seja, perante o Fisco a mercadoria vendida é sempre única. Há uma fraude, muita das vezes, não percebida pelo comprador, pois não confronta os dados numéricos da mercadoria com os registros descritos na nota. Assim, quando a mercadoria apresenta defeito, a “grande empresa” que já burlou o Fisco, pois vendeu várias mercadorias emitindo somente uma nota fiscal, na realidade, não vê qualquer problema em solucionar o problema do cliente, com a substituição da mercadoria com defeito. Questionamentos sobre a nota fiscal sempre são esclarecidos pelo funcionário, que alega ter errado na digitação do número do produto vendido, que não corresponde ao consignado na nota fiscal apresentada. Mas tudo é resolvido sem problemas para a empresa e para o cliente, salvo para o Fisco, que fora lesado. A sociedade empresária, vendendo suas diversas mercadorias, somente emite uma nota fiscal de saída de mercadorias. Chega ao cúmulo de, até mesmo, consignar no registro da nota fiscal seus produtos utilizados diariamente na empresa. O momento é de passarmos a fiscalizar as sociedades empresariais, não obstante serem de natureza privada. O Fisco, sendo o maior prejudicado imediato, não pode ser ludibriado ou mesmo os consumidores, visto que em muitas sociedades limitadas há verdadeiros cartéis, que majoram os preços, e emitem notas frias, em prejuízo dos concorrentes. Há diversidades de sociedades empresariais, com nomes diversos, localizações distintas, ou não, mas de um mesmo grupo de empresários – que se escondem das falcatruas perpetradas por seus subordinados ou funcionários – sob sua ordem e direção da chefia, quando na realidade fazem com que o preço do produto reduza no mercado, pela fraude na ‘nota fiscal’ diante das atividades lesivas ao Fisco e em prejuízo de concorrentes que emitem a nota fiscal com numerações seqüenciais idênticas, correspondentes às vendas também seqüenciais dos produtos diversos. Para confrontar tais informações, basta criar-se uma comissão de fiscalização das empresas e de seus produtos armazenados, confrontando seus números patrimoniais ou, mesmo, as duplicidades de números de registro ou ausência de registros de produção (importação ou exportação) que vão dar entrada no competitivo mercado. Com uma gestão fraudulenta, já sendo ludibriado o próprio cliente, que não vai ter direito de ter acesso à nota fiscal com dados reais, seja do produto vendido ou da mercadoria comprada, com preço reduzido ou nota fria. Mais grave será tal “negociata” se também os clientes, querendo comprar uma mercadoria por um preço inferior, optam e manifestam conluio com as falcatruas empresariais. Há renúncia do direito de ter em mão uma nota fiscal verdadeira. Ocorre a divergência entre a mercadoria transportada e a descrita.

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realizadas, motivando o crime de sonegação, in thesi, em decorrência das “notas frias” ou

falsidade ideológica.

As investigações policiais para apurar a utilização de “notas frias” e a sonegação

fiscal não podem − neste caso, a Polícia Civil ou Federal − ficar na dependência de decisão do

Fisco Fazendário para dar início à instauração do Inquérito Policial ou do Termo

Circunstanciado de Ocorrência. Muito embora demonstrados os delitos de natureza pública

incondicionada e o pagamento de débito devido ao Fisco antes do oferecimento da denúncia

com o pagamento do devedor, trata-se de circunstância especial de diminuição de pena,

previsto no art. 16 do CP. Diante do resultado lesivo de sonegação fiscal, a reparação do dano

aos cofres públicos, por ato voluntário do devedor, motivará que a pena seja reduzida de um a

dois terços. Entretanto, o entendimento majoritário é de extinção de punibilidade pelo

pagamento do débito. Em matéria jornalística, sob o título “Império da Sonegação”322,

demonstra-se a realidade tributária brasileira acerca da sonegação fiscal:

Anunciada há pouco tempo, ainda não se tem uma idéia do órgão que conduzirá a guerra que o governo federal vai declarar aos sonegadores de impostos. Sabe-se apenas que pessoas físicas e jurídicas devem R$ 450 bilhões ao Erário: R$ 250 bilhões ao Tesouro Nacional e R$ 200 bilhões ao Ministério da Previdência Social. A força tarefa a ser criada deverá iniciar o trabalho, ajuizando ações contra os grandes sonegadores. [...] No fim de julho, o Instituto de Ética Concorrencional entregou ao ministro da Fazenda, Antônio Palocci, um relatório, mostrando que a informalidade, estimulada pela alta carga tributária, e o contrabando produzem um rombo anual de US$ 50 bilhões (R$ 150 bilhões). Já no fim dos anos 80, denunciava-se que a sonegação e a informalidade estavam assumindo proporções alarmantes no País, afetando quase 40% do Produto Interno Bruto (PIB), índice que supera em mais de 20% a média de 133 países analisados pelos economistas do Banco Mundial. Constata-se que a omissão estadual e o escancaramento das fronteiras brasileiras, permitindo a livre entrada de contrabando, criaram um estado paralelo dos sonegadores no País. O mais grave é que todos agem à vista dos agentes do Fisco e das Polícias Federal e Estaduais (Civil e Militar), o que permite a criação de uma riqueza marginal, que um economista da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) avaliou em mais de R$ 1,5 bilhão ano. As próprias entidades empresariais avaliam que, no comércio varejista, 54% das empresas estão na informalidade.

Importante é redefinir a competência da Polícia Federal e da Polícia Civil nessa

seara repressiva, pois carece de respaldo do legislador e da sociedade. Quanto à competência

policial, José Geraldo da Silva323 argumenta:

Polícia Judiciária, é destinada a investigar crimes que não puderam ser prevenidos, descobrir-lhes os autores e reunir provas e indícios contra estes, no sentido de levá-los ao juízo e, conseqüentemente, a julgamento; a prender em flagrante os infratores da lei penal a executar os mandados de prisão expedidos pelas autoridades judiciárias, e a atender às requisições destas. Assume aí o caráter de órgão judiciário auxiliar. Sua

322 MINAS. Império da Sonegação, p. 8. 323 SILVA. O Inquérito Policial e a polícia judiciária, p. 50.

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atividade só se exerce após a consumação do fato delituoso, pelo que se dá à Polícia Judiciária também a denominação de Polícia Repressiva.

A atuação das polícias no campo de apuração das sonegações fiscais praticadas, ou

não, pelo denominado “grupo do colarinho branco”, deve ser no sentido de coibir de maneira

eficaz, sendo desnecessário o uso de meios arbitrários e abusivos, como abuso de autoridade,

choques elétricos ou torturas físicas e psíquicas. Identificar, catalogar e descriminar bens ou

produtos, por exemplo, no mercado paralelo, que não recolhe os tributos devidos, é de

competência dos agentes fiscalizadores que investigam a sonegação fiscal.

É necessário, também, de coibir a sonegação do Imposto de Renda, seja de pessoas

físicas ou de pessoas jurídicas, Imposto de Produtos Industrializados, Imposto de Circulação

de Mercadorias e Serviços ou outros impostos da competência da União, Estados e

Municípios que causam prejuízos a receita pública. Em reportagem jornalística, constatou-se

que,

[...] o governo divulgou a arrecadação de R$ 31,64 bilhões em julho. No acumulado em sete meses, o montante já chega a R$ 207,37 bilhões. O Imposto de Renda pago pelas empresas somou R$ 4,16 bilhões, com o crescimento de 4,27%. A Receita Federal divulgou o balanço sobre as operações de combate a sonegação de impostos por empresas, o que resultou em 300 envolvidos em esquemas fraudulentos, o que resultou em R$ 662 milhões em autuações, que ainda podem render R$ 1 bilhão ao caixa do Leão. No total, o número de pessoas jurídicas que foram autuadas ou tiveram as declarações revistas chegou a 9.322, contra 8.999 empresas, em 2004.324

Quanto à atuação repressiva da Polícia Judiciária, no âmbito de suas atribuições,

na busca de provas do crime tributário, há o entendimento majoritário de não serem

justificáveis as repressões policiais enquanto o procedimento administrativo fiscal não for

concluído, em face da “política pública criminal” que se implantou pelo legislador e

operadores do direito e motivou nossos Tribunais a adotarem em suas decisões os seguintes

entendimentos:

Os crimes do art. 1º são materiais ou de resultado, somente se consumando com o lançamento definitivo do crédito fiscal. Nesse contexto, decaindo a administração fiscal do direito de lançar o crédito tributário, em razão da decadência do direito de exigir o pagamento do tributo, tem-se que, na hipótese, inexiste justa causa para o oferecimento da ação penal, em razão da impossibilidade de se demonstrar a consumação do crime de sonegação tributária. (5ª Turma do STJ, em 13.02.2007, no julgamento do HC 56.799/SP, de relatoria da min. Laurita Vaz) Crime contra a ordem tributária. Infração ainda sob discussão na esfera administrativa. Questão prejudicial externa. Suspensão do processo penal até término da esfera administrativa. Estando pendente de conclusão do procedimento administrativo fiscal, a hipótese é de que questão prejudicial externa, relacionada com o exaurimento da instância administrativa e diz respeito à suspensão facultativa do processo criminal instaurado para apurar e punir autor de delito praticado contra a ordem tributária, dando-se oportunidade ao paciente de esgotar a esfera

324 MINAS. Receita bate novo recorde, p. 15.

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administrativa, inclusive promovendo, se for o caso, o pagamento do tributo e acessórios, para que se livre da ação penal instaurada, evitando-se, assim, a desigualdade de tratamento. Assim, a solução é a suspensão do andamento do processo criminal, aguardando-se a solução na esfera administrativa.(TACrim,/SP, HC nº 470.752/7, 5ª C.Crim, rel. juiz Testa Marchi, j. 24.05.04). Crime tributário. Pendência de processo administrativo. Pendente processo administrativo, descabe adentrar o campo penal quer considerada a ação propriamente dita, quer o Inquérito Policial – inteligência do art. 34 da Lei n. 9.249/95. Precedente: Habeas Corpus n. 81.611-8/DF, relator ministro Sepúlvera Pertence, julgado em 10/12/2003, Plenário. (HC nº 84.105/SP, 1ª Turma, rel.min. Marco Aurélio, j.15.06.04, v.u., DJU 13.08.04, p.275). 325 Penal. Sonegação fiscal. (art.2º, I, da Lei n. 8.137/90). Apropriação indébita previdenciária (art.168-A, CP). Procedimento administrativo em curso. A instauração de inquérito policial para apuração dos crimes previstos no art. 2º, I, da Lei n. 8.137/90, e no art.168-a, está condicionada à decisão final proferida em procedimento fiscal. O prévio exaurimento da instância administrativa é condição para a propositura de ação penal ou instauração de inquérito policial em que se apura a prática de apropriação indébita previdenciária e de sonegação previdenciária. Trancamento do inquérito policial. (TRF 1ª R.3ª T. HC 2007.01.00.030633-0 – rel. Tourinho Neto. J. 07.08.07 – dju 17.08.2007)

Diante do que se apresenta nos posicionamentos majoritários, demonstra-se que se

impede que as investigações policiais na seara pré-processual se desenvolvam no intuito de

subsidiar com provas materiais e subjetivas, em eventual ação criminal, contra o sonegador.

Também de forma concorrente, poderá gerar a impunidade em outros crimes autônomos co-

relacionados com a sonegação fiscal e que constituem um prejuízo ao levantamento prévio

das fases do inter criminis do crime: fase inicial, intermediária e final, que corresponde à

sonegação fiscal. Para isso, é necessário que haja maior intercâmbio de informações entre os

órgão da Receita e da Polícia Judiciária quanto à sonegação fiscal a ser constatada. Em

decorrência dos crimes de falsificação ideológica, falsificação material, uso de documento

falso, estelionato, apropriação indébita e, até, aqueles envolvendo organizações criminosas,

com uso o de sociedades empresárias “fantamas” ou não, sendo utilizados por “laranjas” ou

não, com fim de obtenção de vantagens ilícitas, a polícia deve estar permanentemente

capacitada.

A Polícia Judiciária vem aguardando a decisão fiscal para dar seqüência aos

trabalhos repressivos de sonegação fiscal enquanto não é identificado o débito fiscal e feito o

pagamento da dívida. A esfera administrativa e a seara criminal têm independências

funcionais quanto ao poder de atuação e decisão. Algumas questões polêmicas se levantam:

por que há impedimento para que as investigações policiais se movimentem na persecução do

325 Mais que isso, com a pacificação do entendimento jurisprudencial segundo o qual não poderá haver persecução penal sem prévia constituição do débito tributário na esfera fiscal (trânsito em julgado do processo administrativo) Nesse sentido o paradigmático julgamento do Tribunal Pleno do STF, no HC 81.611 de relatoria do min. Sepúlvera Pertence, publicado no DJ de 13.05.2005.

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criminoso do fisco? É justificável o pressuposto de uma prévia decisão administrativa do

Fisco quando há materialidade do crime fiscal? Constituem verdadeiro prejuízo ao combate à

sonegação fiscal brasileira, pois a Receita ou a Polícia Judiciária na repressão a sonegação

fiscal, o fato é que, atuando de forma simultânea, poderão os órgãos estatais chegar a uma

unidade de propósitos, que é ressarcir ao erário com mais agilidade e punir os criminosos.

As esferas penal e administrativa são independentes. Logo, a atuação simultânea

dos órgãos repressivos na identificação dos sonegadores torna-se de suma importância para

combater as organizações que se instalam driblando o fisco. Seja o Fisco ou a Polícia

Judiciária na apuração dos ilícitos, existe consenso de que é necessário identificar o valor

devido e sonegado. O infrator paga. Então, não há que se falar de ação penal. Esse é o

entendimento majoritário. Mas, se houver indícios de crimes autônomos, em verdadeira

pluralidade de infrações penais para conseguir tal intento em sonegar, passível é a sanção

penal ao sonegador. Outros crimes autônomos devem ser investigados.

Não adentrando no mérito jurisprudencial apresentado, é o inquérito policial o

procedimento administrativo e o instrumento para a colheita de provas que poderão trazer à

tona, por meio das investigações policiais, a eventual organização criminosa envolvida com a

sonegação fiscal ou, ainda, outros delitos, como estelionatos empresariais, fraudes penais e

falsificação documentais.

Depender da manifestação do Fisco quanto à materialidade, ou não, de débito

fiscal, motivando a dívida ao erário, que só poderá vir a ser constituída após decisão do

procedimento administrativo fiscal, nada obsta que, de forma concorrente, a Polícia Judiciária

apure o crime de sonegação fiscal, por tratar-se de ação penal pública incondicionada, em

especial, com indícios de formação de quadrilha para tal fim espúrio.

O sonegador ao agir com dolo, fraude ou dissimulação em prejuízo do erário

público, dúvidas não há de que sua conduta é constituída por infração penal de natureza

pública, sendo interesse do Estado levar para a prisão os empresários corruptos. O simples

fato de pagar os impostos sonegados não elide a apuração de outras falcatruas no âmbito de

uma gestão empresarial. O inquérito policial é o meio idôneo, na seara processual penal capaz

de fazer as colheitas de provas objetivas e subjetivas do crime fiscal ou outros ilícitos penais

correlatos. A fraude, a falsidade e a dissimulação, além das condutas vedadas pela legislação

penal, devem ser coibidas quando se ilude, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou

impostos devidos pela entrada, pela saída ou pelo consumo da mercadoria, pois há sonegação

ao Fisco. Nesses casos, para quem vende mercadorias e não apresenta nota fiscal é necessária

a repressão criminal.

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A sonegação fiscal e a eventual formação de quadrilha por empresários

sonegadores que se utilizam de meios fraudulentos e dissimulações, não podem ficar impunes

quando advêm prejuízos ao erário público. Logo, iniciadas as investigações policiais, não

poderá ser alvo de suspensão judicial, via mandado de segurança ou habeas corpus, se

pleiteados pelo paciente, pois entendimento contrário predominante é a impunidade que

poderá instalar-se na seara do direito societário tributário, quando, por exemplo, presente se

encontra um agente praticando estelionato empresarial, uso de documentos falsos e indícios

de uma organização criminosa, em prol de uma classe economicamente privilegiada. Nesse

aspecto, decidiu o STF sobre esta questão:

Em 24/08/2004 -1ª Turma tranca ação penal em crime de sonegação fiscal A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) deferiu hoje (24/08), em parte, o pedido de Habeas Corpus (HC 84423) em favor de M A F R, M M P A e M I para o trancamento da ação penal em curso na 7ª Vara da Seção Judiciária do Estado do Rio de Janeiro, no que se refere ao crime de sonegação fiscal, previsto no art. 1º da Lei 8.137/90. O relator do processo, ministro Carlos Ayres Britto, justificou o trancamento parcial do processo, pelo não-exaurimento da via administrativa em relação à sonegação fiscal e foi acompanhado pelos demais integrantes da Turma, vencido o Ministro Marco Aurélio. A decisão manteve, no entanto, a ação penal referente ao crime de quadrilha, estabelecido no artigo 288 do Código Penal. Britto afirmou ser “remansosa a jurisprudência desta Casa no sentido de que sendo a quadrilha crime autônomo e formal, o delito se consuma no momento em que se caracteriza a convergência de vontades independentemente, portanto, da concretização do objetivo visado (...). Segundo o ministro, imputa-se aos denunciados a criação de uma organização especificamente voltada para a prática de atos que configurariam a conduta descrita no delito de quadrilha. Neste caso, o crime previsto no artigo 288 do Código Penal não poderia ser considerado meio necessário para a prática de crime tributário e, sendo assim, não há razão para o trancamento da ação penal quanto ao crime de quadrilha, ressalta.326 (grifei)

Assim, sem desejar polemizar sobre a atuação repressiva da Polícia Judiciária nas

apurações dos crimes de cunho fiscal ou crimes autônomos conexos com aqueles, o fato é que

a seara administrativa fiscal e o sistema processual penal brasileiro, em nenhum momento,

suscitaram em legislação infraconstitucional ou ordinária que a decisão administrativa do

Fisco (Federal/Estadual/Municipal) é condição de procedibilidade para que os atos de

investigações policiais iniciem-se e que somente após decisão administrativa fiscal

irrecorrível, por ser tal circunstância, a motivação de constituir-se a materialidade contábil do

326 www.stf.gov.br/notícias/imprensa/ultimas/ler.asp CODIGO=102920&tip=UM

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crime fiscal. Em matéria jornalística sobre o tema “Prémio à Sonegação327”, é demonstrada a

realidade brasileira da repressão fiscal:

Num país de conhecida complexidade tributária, alto nível de sonegação e regras econômicas pouco estáveis, criou-se o entendimento de que a legislação voltada para crimes fiscais deveria privilegiar a quitação das dívidas com o Fisco à punição dos infratores. Sendo assim, como declarou o advogado criminalista ao jornal “Valor Econômico” na edição do último dia 7, “é como se um ladrão de carro tivesse uma ação criminal suspensa caso houvesse devolução do veículo”.

Mesmo que a comparação seja exagerada, o fato é que se vai consolidando no país a percepção de que não pagar impostos pode acabar sendo um excelente negócio. É a própria legislação em vigor que fornece as condições para isso ocorra. A lei que criou o Refis2 (um segundo programa de refinanciamento de débitos com a Receita Federal) sanciona a suspensão generalizada de processos criminais movidos contra contribuintes sob acusação de sonegar tributos. O texto da lei permitiu a interpretação do Supremo Tribunal Federal (STF) de que a simples adesão a um programa de parcelamento de débitos (mesmo que não seja o citado Regis 2 e mesmo que não se trate de impostos federais) oferece ao infrator a possibilidade de se livrar de ação penal.

Não se pode passar por despercebido que foge de atribuição de análise pelos

representantes da Polícia Judiciária a questão quando envolve o pagamento integral ou

parcelado do débito tributário pelo sonegador (gestor ou sociedade limitada), seja em juízo ou

na via administrativa. O pagamento do débito poderá ensejar a extinção da punibilidade da

conseqüente suspensão da pretensão punitiva do Estado, das investigações policiais e da ação

penal, conforme já analisado. Mas como fica a repressão aos crimes autônomos?

Demonstrada está a competência da fiscalização do Fisco e da Polícia Judiciária.

Ambas as instituições, ao adotarem procedimentos independentes, deverão iniciar a

persecução ao valor devido ao fisco. Na seara criminal, busca-se a informação ao Fisco do

valor devido. Na seara administrativa, no intuito de apurarem-se responsabilizações do sócio

cotista, gestor ou sociedade empresária, se vislumbrados os indícios de crimes autônomos,

deve-se comunicar ao delegado de polícia, para a instauração do inquérito policial e apuração,

de forma simultânea, dos crimes autônomos decorrentes da sonegação fiscal.

Nada obsta que a Polícia Judiciária inicie a persecução criminal, no âmbito de

competência, diante da notitia criminis, com o objetivo de apurar fraudes empresariais com

falsificações e dissimulações, via prática de estelionato, envolvendo, direta ou indiretamente a

sonegação fiscal. É o pagamento ao Fisco condição para a extinção de punibilidade, quando,

em realidade, trata-se de causa especial de diminuição de penal, por envolver um delito cuja

ação é de natureza pública e incondicionada.

327 SÃO PAULO. Caderno Opinião: Prêmio à Sonegação, p. 16.

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O especialista Robson Antônio Galvão da Silva328, abordando a extinção de

punibilidade nos crimes pelo pagamento do débito ao erário, esclarece:

Os tribunais pátrios firmaram entendimento no sentido de que a extinção da punibilidade pelo pagamento do tributo antes do oferecimento da denúncia não se aplica ao crime de descaminho. Com fundamento, aponta-se, principalmente, a taxatividade do referido artigo 34, que faz menção expressa às Leis 8.137 e 4.729. Além disso, sustenta-se que o bem jurídico tutelado no crime de descaminho, além de abranger o interesse da Fazenda Nacional em ver o tributo recolhido, protegeria também a administração pública no que diz respeito à incolumidade do regime de importação e exportação, especialmente no que concerne aos interesses da indústria nacional. Seria inaplicável, assim, a analogia, pois não haveria lacunas na lei e nem as situações referidas seriam semelhantes. Nessas situações, o máximo que se tem reconhecido é a diminuição da pena, nos termos do artigo 16 do Código Penal, considerando-se o pagamento do tributo como arrependimento posterior.

O que se pretende concluir é que a sociedade limitada não pode ser direcionada ou

organizada para a prática de crimes na gestão empresarial. Mas, caso se verifique e apurando-

se indícios de ilícitos, imprescindível será responsabilizar os gestores e a própria pessoa

jurídica. O fato de gerar a extinção de punibilidade pelo pagamento do tributo devido ao

erário não é um condão de pairar a impunidade nestes tipos penais ou em outros ilícitos, com

indícios de falcatruas, falsidades e utilização de meios fraudentos. É dever das autoridades do

Fisco levar ao conhecimento da Polícia Judiciária a notitia criminis de natureza pública e

incondicionada, a fim de dar-se início à persecução penal e imputarem-se responsabilizações

ao gestor e à sociedade limitada em face dos crimes praticados contra a ordem tributária, a

ordem econômica e as relações de consumo.

Em operações repressivas na apuração de infrações penais, verifica-se a

importância das intervenções policiais e de outros segmentos representativos e investigatórios

estatais, noticiados a seguir, os quais demonstram a importância da persecução às fraudes

empresariais, no intuito de identificar e responsabilizar autores de sonegação fiscal e outros

crimes:

a) Pelo menos 19 pessoas (12 no Espírito Santo, duas na Bahia, uma no Rio de Janeiro, uma no Mato Grosso do Sul, uma em Pernambuco e duas em São Paulo) foram presas na Operação Esfige da Polícia Federal, que desvendou organização criminosa, especializada em sonegação fiscal. Através de procedimento fiscal da Receita Federal apurou irregularidades em importações realizadas por mais de 300 empresas de vários segmentos, tais como combustíveis, importação e exportação, agropecuária e construção civil. Foram constatados subfaturamentos de mercadorias, práticas reiteradas de descaminho e lavagem de dinheiro. A junta comercial aponta que a empresa N.G importava mercadorias para outras empresas, com o preço bem abaixo do mercado externo e interno. Outras empresas, que por algum motivo não podiam importar, recorriam a estrutura da N.G para importar de forma superfaturada. Várias mercadorias eram trazidas com preço bem abaixo do que era praticado no mercado externo e interno. 329

328 SILVA. Extinção da punibilidade pelo pagamento de tributo no crime de descaminho e o julgamento do HC nº. 48.805, p. 5. 329 MINAS. PF prende 19 por sonegação fiscal, p. 11.

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b) A Polícia Federal e a Receita Federal deflagraram a Operação Columbus, com objetivo de desmantelar uma quadrilha de empresários que atuava nos ramos de informática e eletrônicos, no Brasil, Paraguai, Estados Unidos e Taiwan. Segundo a Receita, os prejuízos chegam a US$ 250 milhões anuais. De acordo com a polícia, a organização criminosa abastecia o mercado interno com importações feitas por empresas terceirizadas, sem autorização da Receita, para esconder o verdadeiro importador. Em Minas, a PF de Varginha cumpriu três mandados expedidos pela Justiça Federal do Paraná e apreendeu inúmeros documentos, HD’s de computadores, extratos bancários, equipamentos eletrônicos sem nota fiscal e R$ 11,5 mil, em duas empresas. Os principais empreendimentos estão, na grande maioria, no Paraná e São Paulo.330 c) O governo de Minas tenta recuperar R$ 16 bilhões em impostos sonegados, por organizações criminosas. Integram o Comitê Interinstitucional de Recuperação de Ativo (Cira), o Ministério Público do Estado, a Advocacia-Geral do Estado, a Polícia Civil, as secretaria de Fazenda e de Defesa Social e o Ministério da Justiça, por meio do Controle de Operações Financeiras (Coaf) e do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI), cujo “objetivo é ferir o crime organizado no que ele tem de mais vulnerável: o bolso,” diz o presidente da Cira, vice-governador Antônio Anastásia. O secretário-geral do Cira e coordenador do Centro de Apoio Operacional da Promotoria de Justiça de Defesa da Ordem Econômica e Tributária (CAOET), Rogério Filippetto, não revelou detalhes, para não atrapalhar as investigações. Segundo ele, dos R$ 22 bilhões da dívida ativa do estado, cerca de R$ 16 bilhões poderão ser recuperados com a atuação conjunta dos órgãos estaduais e federais, principalmente no exterior. Todos os empresários envolvidos respondem por crimes de lavagem de dinheiro, formação de quadrilha, falsidade ideológica e documental. Foram oito meses de investigações, quando ficou comprovada a existência de empresas laranjas, notas fiscais e escrituras falsas. 331 d) A PF chegou a fazer um levantamento fotográfico comparando o espaço dos depósitos das empresas nas áreas de livre comércio e as suas sedes, em Rio Branco. Os agentes constataram que as mercadorias compradas para serem vendidas no perímetro dos municípios de Epitaciolândia e Braziléia – situados na fronteira do Brasil com a Bolívia, são duas cidades pobres, a 250 quilômetros da capital - e como manda a lei, não caberia nos armazéns locais. Os relatórios dos inquéritos policiais tratam os envolvidos com a fraude como “organização criminosa” e muito bem articulada com deputados federais, estaduais e autoridades locais. O maior atacadista do Acre, a R.R.C Ltda, é uma das firmas investigadas. Sozinha, foi responsável por 40% de todas as compras destinadas aos municípios, em 2004, cerca de R$ 115 milhões. Os funcionários públicos, carimbam notas avulsas, mudam datas, tudo para comprovarem a compensação indevida de créditos tributários. Na cidade de Guajará Mirim, a área de livre comércio de Rondônia, a fiscalização da Receita constatou que, das 47 empresas registradas na cidade, apenas nove estão aparentemente regulares. No restante, os fiscais constataram fortes indícios de fraude. 332 A atuação desembaraçada dos agentes da corrupção é responsável pela movimentação de R$ 50 bilhões por ano. Isso sem levar em contra a entrada do contrabando, o movimento do tráfico de drogas e a sonegação fiscal, que nesse caso, chegaria a somar um outro Produto Interno Bruto (PIB), segundo estimativas de renomados economistas. O mais estranho é que sequer se consegue identificar a origem do dinheiro que municiou os partidos na última campanha eleitoral. 333

330 RENNÓ. Importações Irregulares. Nacional. Federais desmontam esquema, p. 13. 331 ARANHA. Desvio de verba: Caça ao dinheiro do crime, p. 7. 332 ROCHA. Denúncia: tudo para driblar o fisco, p. 13. 333 MINAS. Corrupção continuada, p. 10.

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e) Polícia Federal investiga comerciantes, atacadistas, transportadores e até indústrias, suspeitos de sonegação nas áreas de livre comércio instaladas na região Norte do país. Criadas como alavancas para o desenvolvimento econômico da região Norte, a Zona Franca de Manaus (Suframa) e as oito áreas de livre comércio, implantadas desde o começo da década de 90 no Acre, Rondônia, Ronaima, Amapá e Amazonas, transformaram-se em um bilhonário problema policial. Três inquéritos da PF que há dois anos tramitam em segredo de Justiça investigam desvio de mercadorias, falsificação de notas fiscais, de documentos públicos, superfaturamento de preços e corrupção. Delegados da PF e auditores da Receita Federal que investigam o caso estimam em mais de R$ 2 bilhões os tributos não pagos aos estados e à União. A investigação conjunta das duas instituições constatou que o golpe mais comum é o desvio de mercadorias destinadas às áreas de livre comércio, vendidas em outros lugares. Participam do golpe indústrias de São Paulo, Rio de Janeiro e outros estados do Sudeste e Sul do país. Em Rondônia, os desvios de mercadorias são comuns, pois em varredura nas empresas localizadas em áreas de livre comércio, constatou-se um alto índice de ilegalidades, com o grande número de empresas fantasmas. O desvio é feito às claras pelos empresários, que defendem a transferência dos produtos de uma cidade considerada de livre comércio para serem vendidos nas capitais onde não vigora o benefício fiscal. Alguns empresários transformam a desobrigação tributária em lucro. 334

Portanto, é por meio do inquérito policial e do termo circunstanciado de ocorrência

que a Polícia Judiciária irá realizar seus atos fins de persecução penal, no intuito de apurar

indícios de autoria e materialidade do crime de sonegação fiscal.

Ademais, as investigações policiais têm o objetivo de identificar (e, assim evitar) a

re-utilização de CNPJ de ex-empresas extintas, mas utilizadas indevidamente, por pessoas

revestidas da figura de “empresários” aplicando golpes, já que não existem mais tais

sociedades limitadas, mas cujos dados ainda continuam sendo utilizadas no mercado paralelo,

com a emissão de notas fiscais “frias.” Também, há golpe quando o empresário da sociedade

empresária já extinta desconhece as falcatruas e é lesado. É por intermédio da Polícia

Judiciária que se pode dar início à persecução das falcatruas envolvendo o ente coletivo.

Afinal, não se prende uma empresa, mas se identificam interpostas pessoas físicas ou gestores

que se utilizam do ente coletivo para praticarem crimes. Agora, o delegado de polícia passará

a investigar não só a pessoa jurídica e sua participação mediata para o resultado do injusto

penal.

10.2 Inquérito policial na seara fiscal

O art. 4º do Código de Processo Penal reza: “A Polícia Judiciária será exercida

pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a

apuração das infrações penais e da sua autoria.”

334 ROCHA. Fraude nas zonas francas ultrapassa R$ 2 bilhões, p. 12.

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É o inquérito policial um procedimento persecutório. Não há jurisdição. Pode o

delegado de polícia desdobrar-se na persecução criminal sem a necessidade de seguir um rito

específico de investigação na busca de provas: objetivas e subjetivas de cunho fiscal.

Diversas são as definições para o inquérito policial. É um instrumento da

investigação criminal. José Geraldo da Silva335 define “que é, pois, o conjunto de diligências

realizadas pela Polícia Judiciária para a apuração de uma infração penal e sua autoria, a fim de

que o titular da ação penal possa ingressar em juízo. Inquérito, in genere, é todo procedimento

legal destinado à reunião de elementos acerca de uma infração penal. É a instrução

extrajudicial”.

A autoridade policial, tendo conhecimento da notitia criminis, iniciará a apuração

dos crimes contra a ordem tributária, definidos na Lei n. 8.137/90. Para isso, deverá instaurar

o inquérito policial (por portaria ou auto de prisão em flagrante delito, contra o infrator fiscal),

salvo tratar-se de infração penal de menor potencial ofensivo, visto que, neste caso, adota-se

um outro procedimento persecutório de investigação sumária, denominado “termo

circunstanciado de ocorrência” – (TCO).

Está consolidado na jurisprudência que a mera instauração de inquérito policial

para apurar ilícitos penais não constitui constrangimento ilegal ou meio abusivo da Polícia

Judiciária:

A simples apuração da notitia criminis não constitui constrangimento ilegal, a ser corrigido pela via do habeas corpus, não sendo este remédio próprio para declaração da inexistência de crime antes de apuração dos fatos aparentemente criminosos (JULG TACRIM, 51, 109). O inquérito policial, salvo os casos aberrantes, em que à primeira vista se possa identificar abuso intolerável, é procedimento investigatório legítimo, cujo desenvolvimento e desfecho não devem ser obstados pelo habeas corpus, para que não se inocorra no risco de coarctar as atividades próprias da Polícia Judiciária e do MP. ( JULG TACRIM, 77/81)

Nada obsta a autoridade policial, no decorrer das investigações policiais dos

crimes de sonegação, venha a apurar outra infração penal, em especial se for um meio

utilizado pelo autor, em caráter preparatório ao crime fim, cujo objetivo é a sonegação fiscal.

Tudo isso independentemente de efetivar ou não supressão ou redução do imposto devido

pelo agente, que será apurado no decorrer das investigações, também na seara administrativa

do Fisco. O especialista Luiz Alberto Ferracini336 define os meios que podem ser utilizados

pelos delinqüentes, em especial pelos sonegadores:

335 SILVA. O Inquérito Policial e a polícia judiciária, p. 61. 336 FERRACINI. Do crime de estelionato e outras falcatruas, p. 31.

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Fraude, engano, embuste, entender-se, genericamente, toda espécie de fraude ou engano introduzida nos contratos ou nas contravenções, com o intuito de realizar um negócio, a que se está vedado a ceder objeto que não possa ser cedido, ou a tirar ou obter proveito ou vantagem, que se considere ilícita. O estelionato, assim, se gera de qualquer espécie de fraude, em virtude da qual se induza alguém em erro, para que consiga a vantagem ilícita que se tem em mente.

Portanto, presentes os indícios de crime de natureza pública, não há óbice para que

o inquérito policial continue galgando o objetivo fim, que se resume na colheita de provas

objetivas e subjetivas da infração penal de sonegação fiscal e de sua autoria, para então

subsidiar a eventual ação penal. Iniciada a persecução criminal, não há necessidade de

aguardar o final do procedimento administrativo fiscal, que pode nem existir, com a apuração

de débito e o imediato pagamento.

Édis Milaré e Paulo José da Costa Júnior prescrevem que, “na legislação ordinária,

observa-se que os crimes descritos nos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137/90, que cuida dos delitos

contra a ordem tributária são praticados essencialmente através de pessoas jurídicas.

Igualmente o crime tipificado no art.4º do mesmo diploma, que diz respeito ao abuso de poder

econômico”. 337

O Capítulo I da Lei n. 8.137/90, trata dos crimes contra a ordem tributária, no qual

se pode assinalar que as investigações policiais serão realizadas por meio do inquérito

policial. Neste aspecto, serão as seguintes infrações penais:

a) na seção I, no art. 1º, reporta-se aos crimes praticados por particulares, cuja pena

é de reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos e multa. Também, no citado capítulo;

b) na seção II, art. 3º, apresenta-se um rol dos crimes praticados por funcionários

públicos, em que a pena é de reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa. Entretanto, registra-

se, ao teor do art. 3º, inciso III, que patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado

perante a administração fazendária, valendo-se da qualidade de funcionário público, a pena é

de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa;

No Capítulo II da citada lei, também prescrevem-se os crimes contra a ordem

econômica e as relações de consumo, que serão investigados por meio do inquérito policial,

no qual se pode citar os previstos no art. 4º, cuja pena é reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos

ou multa; o art. 5º, a pena é de detenção, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, ou multa; o art. 6º, cuja

penas dos ilícitos penais é de detenção de 1 (um) a 4 (quatro) anos, ou multa. Por fim, o art.

7º, cuja pena é de detenção, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, ou multa. Registra-se que os artigos

311 e 312 do CPP tratam dos requisitos para justificar a prisão preventiva, que poderá ser

337 MILARÉ. Op. cit., p. 15.

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pleiteada mediante representação do delegado de polícia, na seara da investigação policial dos

crimes por violação à ordem econômica, em que se prescreve que,

[...] em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público, ou do querelante, ou mediante representação da autoridade policial. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria”.

Os crimes apenados com detenção são afiançáveis. Após arbitramento pelo

delegado de polícia, conforme o art. 322, do CPP, deverá o autuado em flagrante delito

proceder ao pagamento, em depósito judicial competente, do valor da fiança arbitrada. Se

efetuar o pagamento durante ou após a lavratura e ratificação do auto de prisão, deverá ser

colocado imediatamente em liberdade, para que possa ser investigado, e até mesmo

processado, em liberdade. Neste caso, o delegado de polícia dá início à persecução criminal

instaurando o inquérito policial, com a lavratura do auto de prisão em flagrante delito. O art.

306 do CPP prescreve:

Art. 306. A prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou a pessoa por ele indicada. § 1o Dentro em 24h (vinte e quatro horas) depois da prisão, será encaminhado ao juiz competente o auto de prisão em flagrante acompanhado de todas as oitivas colhidas e, caso o autuado não informe o nome de seu advogado, cópia integral para a Defensoria Pública. § 2o No mesmo prazo, será entregue ao preso, mediante recibo, a nota de culpa, assinada pela autoridade, com o motivo da prisão, o nome do condutor e o das testemunhas. (Incluído pela Lei nº 11.449, de 2007).

Além de iniciar-se o inquérito policial, por lavratura do auto de prisão em flagrante

delito do conduzido/preso, poderá o delegado de polícia, não vislumbrando os requisitos para

ratificar a prisão do cidadão, ao teor do art. 302 do CPP, dar início à persecução

investigatória, por meio da portaria inaugural, com o conduzido à delegacia de polícia sendo

colocado em liberdade, após sua inquirição. Faz-se importante registrar que aos delitos

apenados com a pena mínima, em abstrato, de até 2 (dois) anos de reclusão também caberá

fiança. Mas, neste caso, somente a autoridade judiciária poderá arbitrá-la, em caso da prisão

em flagrante do autuado, conforme disciplina o art. 323, inciso I, do CPP. “Não será

concedida fiança: I - nos crimes punidos com reclusão em que a pena mínima cominada for

superior a 2 (dois) anos”. Portanto, só ocorrerá a liberdade provisória do autuado, com a

expedição do alvará de soltura judicial, após o pagamento da fiança crime, com a decisão do

juiz competente, ao teor do art. 325, §2º, inciso I, do CPP. Pode-se citar algumas diligências

policiais realizadas no âmbito de repressão aos crimes fiscais:

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a) “A Polícia Civil do Rio de Janeiro indiciou ontem três empresários do ramo têxtil por crimes de estelionato, fraude fiscal e fraude tributária. Eles são suspeitos de terem aplicado um golpe de cerca de R$ 2,6 milhões em pelo menos 14 empresas que atuam no Rio, São Paulo, Espírito Santo e Santa Catarina. Os três são acusados de não honrar suas dívidas com fornecedores e sonegar impostos. A Polícia Civil lacrou também um galpão, com mais de 500 bobinas de tecido, máquinas de costura e blusas femininas. No local funcionava uma confecção. Segundo o delegado de polícia, Dr. Luiz Antônio Ferreira, o empresário Z. contou que comprou todo estoque do galpão na R.I.C, que funcionava em São Paulo, só que esta empresa R.I.C não existe, é de fachada. Naquele local tem uma empresa que vende brinquedos. As investigações começaram há duas semanas, quando a empresa G.I.C Ltda, com sede em São Paulo, procurou a delegacia, dizendo ser lesada, pois, o empresário Z comparava mercadorias e não pagava, deixando ainda, de pagar impostos estaduais e federais, como ICMS, e fecharam a empresa ilegalmente.”338

b) “Operação Bola de Fogo” realizou pelo menos 97 prisões, desencadeada com o objetivo de desarticular um gigantesco esquema de falsificação, contrabando e sonegação de impostos na fabricação e venda de cigarros populares, com atuação em oito estados do país. Cerca de 750 agentes da PF, além de servidores da Receita Federal saíram às ruas para cumprir 116 mandados de prisão e 135 de busca e apreensão. Entre os presos estão empresários, contrabandistas, laranjas, advogados e servidores públicos. O esquema era simples, mas eficiente, pois, misturavam a produção legal de cigarros, com selo de controle fiscal, com selos ilegais, sem registro. Ao mesmo tempo, uma empresa “espelho” do Paraguai, também fabricava os mesmos cigarros, que entravam no Brasil ilegalmente. Uma das empresas é suspeita de não pagar R$ 800 milhões em débitos tributários à Receita Federal, sendo 30 empresas e 115 pessoas são acusadas de compor a organização criminosa, sendo investigadas pelos crimes de contrabando, descaminho, sonegação fiscal, corrupção ativa e passiva, exploração de prestígio, falsidade ideológica, evasão de divisas, lavagem e ocultação de ativos ilícitos. Em quase dois anos de investigação, apreendeu-se 23 mil caixas de cigarros, algo em torno de R$ 13 milhões, num único flagrante. “Eles não eram muitos sofisticados, mas seguravam a atividade em cima da corrupção de servidores públicos”, conforme noticiou o delegado federal Alexandre Custódio, que coordenou a operação. 339

Em face do conteúdo exposto, passa-se a abordar os atos de polícia repressiva

atinentes aos delitos de menor potencialidade ofensiva e das diligências policiais realizadas

pelo delegado de polícia na persecução aos crimes de sonegação fiscal.

10.3 Termo circunstanciado de ocorrência na seara fiscal

As infrações penais contra a ordem tributária, de menor potencial ofensivo serão

apreciadas por meio do termo circunstanciado de ocorrência, sob a presidência do delegado de

polícia, conforme instrui o art. 2º da Lei nº 8.137/90, que independem do arbitramento e

pagamento de fiança crime, a ser arbitrado pela autoridade policial, ao teor do art. 69 da Lei n.

9.099/95:

338 FOLETTO. Estelionato: Polícia indicia empresários, p. 12. 339 GROSSMANN. Bola de Fogo: PF prende 97 por sonegação fiscal. Nacional, p. 14.

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Art. 2° Constitui crime da mesma natureza: (Vide Lei n. 9.964, de 10.4.2000; Lei n. 10.684/03 – sobre suspensão da pretensão punitiva do Estado e a extinção de punibilidade dos crimes previstos neste artigo) I - fazer declaração falsa ou omitir declaração sobre rendas, bens ou fatos, ou empregar outra fraude, para eximir-se, total ou parcialmente, de pagamento de tributo; II - deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos; III - exigir, pagar ou receber, para si ou para o contribuinte beneficiário, qualquer percentagem sobre a parcela dedutível ou deduzida de imposto ou de contribuição como incentivo fiscal; IV - deixar de aplicar, ou aplicar em desacordo com o estatuído, incentivo fiscal ou parcelas de imposto liberadas por órgão ou entidade de desenvolvimento; V - utilizar ou divulgar programa de processamento de dados que permita ao sujeito passivo da obrigação tributária possuir informação contábil diversa daquela que é, por lei, fornecida à Fazenda Pública. Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

Os delitos previstos nos incisos do art. 2º são formais, e por isso não admitem a

forma tentada. Não é necessário produzir um resultado material que se exterioriza por meio do

um comportamento do agente. Somente a conduta do agente é capaz de gerar a violação ao

bem jurídico tutelado. Mas, com a produção do resultado material, se caso for, há o

exaurimento, que decorre da consumação do delito de menor potencial ofensivo.

10.4 Das diligências policiais investigatórias e a atuação do delegado de polícia

É por meio do inquérito policial ou do termo circunstanciado de ocorrência que o

delegado de polícia que tiver conhecimento da infração penal contra a ordem tributária, a

econômica e as relações de consumo que contribua para trazer prejuízo ao erário público

deverá, ao teor do art. 6º do Código de Processo Penal, adotar os seguintes procedimentos:

I- dirigir-se ao local do fato, providenciando para que não se alterem o estado e conservação das coisas, até a chegada dos peritos; nada obsta, tal diligência ser precedido do mandado de busca e apreensão judicial; II - apreender os objetos que tiverem relação com a infração penal (documentos e livros contábeis, notas fiscais – suspeitas: falsidade e utilizados como instrumento do ‘estelionato fiscal’ – além de, computadores) que serão periciados; III - colher outras provas que possam servir para o esclarecimento do fato e suas circunstancias; IV - ouvir os sonegadores e testemunhas presenciais; V - poderá ainda, proceder reconhecimento de pessoas e coisas; e realizar acareações para sanar contradições existentes; VI - determinar, se for o caso, que se proceda a quaisquer outras perícias especializadas, tais como: autenticidade documental; autenticidade em mídias magnéticas, alteração documental, identidade gráfica, identidade mecanográfica, identidade topomórfica, confrontação de dados/marca; colheita de padrão grafotécnico; perícias para constatação de crimes de sonegação fiscal; crimes de fraude nos registros contábeis e demonstrações contábeis.

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VII – nada obsta, requerer também a prisão preventiva dos sonegadores, como garantia à ordem pública e da ordem econômica, ao teor do art. 312, do C.P.P, salvo se já tiver sido efetuado a ratificação da prisão em flagrante delito do criminoso. 340

Poderá, ainda, requerer a quebra de sigilo bancário do investigado, com fulcro na

Lei Complementar n. 105/01. Verifica-se tamanha balbúrdia do legislador, que, na elaboração

da lei, vetou a produção de prova emprestada à Receita Federal. A prova é uma só, no que se

relaciona à quebra do sigilo bancário. Por isso, não há como comungar com esse

entendimento.

Jurisprudência: TRF 4ª REGIÃO - Mandado de segurança. Inquérito policial. Quebra de sigilo bancário. Informações. Lei complementar 105/01. TRF 4ª REGIÃO - MANDADO DE SEGURANÇA Nº 2003.04.01.030619-6/PR (DJU 26.11.03, SEÇÃO 2, P. 750, J. 18.11.03) EMENTA- CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL PENAL. MANDADO DE SEGURANÇA. INQUÉRITO POLICIAL. QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO. INFORMAÇÕES. RECEITA FEDERAL. LEI COMPLEMENTAR 105/01. A Quarta Seção deste Regional já decidiu que as informações obtidas no Juízo Criminal, através de quebra de sigilo bancário, não podem ser repassadas à Receita Federal para a instauração de processo administrativo, (grifei) porque o artigo 10 da Lei Complementar nº 105/01 veda tal conduta e atribui-lhe a condição de crime.

O órgão da Receita, ciente das informações sigilosas e não podendo ter acessos ao

conteúdo, via prova emprestada, deverá buscar medidas paliativas e investigatórias para

chegar-se ao débito fiscal, já apurado na seara criminal.

A autoridade policial, na busca de provas de crimes de cunho fiscal, também deve

valer-se de outros meios lícitos, utilizando-se da quebra do sigilo telefônico, cartões de crédito

e sigilos de conteúdos informáticos que contenham arquivos de computadores, sempre

respaldado por decisão judicial. Ou, ainda, de outras diligências investigatórias que se fizerem

necessárias para a elucidação do crime tributário, com a participação de organizações

empresariais criminosas. Pode-se citar a seguinte reportagem jornalística, sobre operações

policiais na repressão ao crime atinente ao cumprimento dos mandados de busca e apreensão:

No combate ao crime organizado, diligências policiais da Polícia Federal culminaram na prisão de advogados ligados a um esquema de lavagem de dinheiro, evasão de divisas e sonegação fiscal, oriundo da Operação Monte Éden. Tais diligências objetivaram no cumprimento de 30 mandados de prisão e 80 de busca e apreensões, cujos alvos foram escritórios de advocacia. Em face das diligências redundou ao Ministério da Justiça publicar as portarias n° 1.287 e n° 1.288, que foram publicadas no DOU uniformizando e disciplinando as ações da PF, relativas a tais diligências de mandados judiciais de busca e apreensão. Dentre algumas normas a serem seguidas pelos policiais, podemos citar que o mandado de busca e apreensão deverá conter as razões que o motivam a diligência e no que ela pode ajudar na investigação. A autoridade policial deverá ainda, indicar com a maior precisão possível, o local e a finalidade de busca, bem como os objetos que se pretende apreender, preservando ao máximo a rotina e o normal funcionamento no local da diligência, de seus meios eletrônicos e sistemas informatizadores. O perito poderá copiar os dados de

340 FERREIRA NETO. A polícia judiciária na repressão aos crimes de cunho fiscal, 2005.

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computadores para serem analisados, a fim de não ser apreendido o que não esteja relacionado com o crime. Quando envolver prisões de advogados um representante da OAB deverá acompanhar as diligências. 341

Sob a persecução às provas na fase inquisitorial, Ayres da Silva & Beatriz Duarte

esclarecem sobre a discricionariedade dos investigados e do investigador nas diligências

policiais:

Este poder-dever é discricionário. Como não existe o contraditório no inquérito policial, a Autoridade Policial é lícito deferir ou não os requerimentos das partes, sem que se fale em restrição à defesa ou abuso de poder. Portanto cabe a Autoridade Policial determinar o caminho investigatório a ser seguido com vistas ao esclarecimento da verdade. 342

Os meios utilizados pela autoridade policial e outras autoridades investigadoras na

busca das provas, na seara criminal ou no âmbito administrativo, precisam ser repensados

como “política criminal”, pois nada obsta que a prova produzida em procedimentos distintos

sejam emprestadas para outra seara investigatória. O que se busca é a verdade real, que é

única. Assim, com base nos subsídios apuratórios das autoridades fazendárias ( federal,

estadual e municipal ), deve valer-se do auxílio da Polícia Judiciária na busca de outras

provas, que são obtidas para instruir as investigações administrativas, e utilizá-las como

provas emprestadas para o mesmo fato punível. Não constitui abuso de direito quando o

objetivo é a persecução e punição a fraude empresarial.

No âmbito do Estado de Minas Gerais, há Delegacias Especializadas que atuam na

repressão criminal às infrações penais de cunho fiscal ou de crimes autônomos.

A Resolução n. 6.174, de 30 de maio de 1996, que dispõe sobre a competência

operacional e o funcionamento das Unidades Policiais da Polícia Civil, define, no art.34, a

competência da Delegacia Especializada de Crimes contra a Administração Pública e

Sonegação Fiscal para o exercício da Polícia Judiciária, atuando na apuração dos crimes

contra a ordem tributária praticados por particulares (art.1º, incisos I a V – consuma-se

quando vence o prazo legal para o recolhimento − e seu parágrafo; e, art. 2º, Incisos I a V; e,

art. 3º, incisos I a III, da Lei nº 8.137/90).

A Delegacia Especializada de Ordem Econômica da Polícia Civil também tem sua

competência prevista no art. 35 da mencionada Resolução, podendo atuar na apuração, em

âmbito estadual de crimes contra a ordem popular (Lei n. 1.521, de 26/12/1951) e os crimes

contra a ordem econômica e relações de consumo ( arts. 4º ao 7º e respectivos incisos da Lei

n. 8.137/90 – relacionados à Sonegação Fiscal).

341 MINAS. Combate ao crime: Governo impõe limites às ações da Policia Federal, p. 7. 342 SILVA. Inquérito policial: teoria e prática programada, p. 23.

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Portanto, a Polícia Civil e a Polícia Federal assumem papel fundamental nas

apurações e investigações de crimes que envolvem a natureza fiscal, estando os delegados de

polícia na responsabilidade concorrente de coibirem e reprimirem tais infrações penais fiscais.

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11. PERSECUÇÃO AOS CRIMES AMBIENTAIS

O art. 225, §3º, da Constituição Federal estabelece a possibilidade de aplicação das

três formas de responsabilidades decorrentes de violações aos bens tutelados na órbita

ambiental: civil, administrativa e criminal, seja a pessoa física ou jurídica. É fato que nem

sempre todas estas responsabilizações se farão presentes no mesmo fato punível, mas poderão

ser imputadas de forma concorrente aos infratores.

O procurador da República Adilson Paulo Prudente do Amaral Filho343, abordando

a responsabilidade nos crimes ambientais, esclarece:

Onde houver um dano, incidirá a responsabilidade civil, mas não necessariamente a penal e administrativa, pois a conduta que o gerou pode não adequar às figuras típicas previstas na lei penal ou na lei sancionatória administrativa. Também se faz possível à presença da sanção administrativa ou penal mesmo na ausência de dano, como ocorre nos crimes de perigo, em que se penaliza a conduta que coloca em risco o bem jurídico, independentemente da verificação de dano efetivo, como são os crimes ambientais.

Nesse contexto, torna-se necessário identificar e apurar a responsabilização, seja

da pessoa física ou da pessoa jurídica, em face do dano ambiental verificado. O objetivo é

identificar se há concorrência de responsabilidades entre a pessoa física e a pessoa jurídica,

pois, caso sejam verificados o liames subjetivo-objetivo entre ambas as condutas e o resultado

lesivo, há o nexo de causalidade das partes.

As condutas eivadas de comportamentos ilícitos podem ser perpetradas pelos

gestores ou pela sociedade empresária, por meio de suas condutas. É preciso demonstrar o

nexo causal, com a identificação da autoria que tenha contribuído para o resultado lesivo, o

que implicará sanções. É com a análise sistêmica que se têm condições para imputar sanções

de caráter civil, administrativo ou penal aos infratores, no intuito de coibir as condutas ou

gestões fraudulentas na seara ambiental.

Ao afirmar a possibilidade da responsabilização penal da pessoa jurídica, em face

do respaldo legal previsto na Constituição Federal, há a possibilidade de ocorrerem a

imputação e a responsabilização simultânea com as pessoas naturais (gestores), pois integram

o ente coletivo e utilizam-se de interposta pessoa jurídica para a pratica do fato-crime. Torna-

se necessário descrever a conduta ou a participação dos agentes no resultado criminoso e

lesivo ao meio ambiente.

343 AMARAL FILHO. Op. cit., p. 16.

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Os diretores-gerentes devem reparar o dano ambiental, mas a sociedade limitada

que contribuiu de qualquer modo para a realização do injusto penal também deve ser punida.

A legislação extravagante que regulamentou a norma constitucional foi art. 3º da

Lei n. 9.605/98, ao prescrever que as pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa,

civis e penalmente nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante

legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou beneficio da sua entidade.

Dispõe o parágrafo único do mesmo artigo que: “a responsabilidade das pessoas jurídicas não

exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato”.

Para o doutrinador Fernando Galvão344,

[...] a construção analítica do delito não é aplicável à pessoa jurídica e a responsabilidade da pessoa jurídica resta submetida apenas aos requisitos estabelecidos no próprio artigo 3º da lei de crimes ambientais. Não se trata de co-autoria entre pessoa jurídica e a pessoa física, mas sim de responsabilidade penal da pessoa jurídica pela conduta realizada pela pessoa física, porque tal comportamento se deu em nome e benefício da pessoa jurídica. E esclarece que considerando a pessoa jurídica isoladamente, os critérios para sua responsabilidade são objetivos. No entanto, a pessoa jurídica só pode ser responsabilizada quando houver intervenção de pessoa física.

Ratificando a análise mencionada, sustenta-se que a responsabilização penal da

pessoa jurídica sempre poderá motivar o concurso concorrente de pessoas, com sanções a

serem aplicadas ao gestor e à pessoa jurídica.

Para Sérgio Salomão Shecaira345, “a pessoa jurídica é autora mediata e a pessoa

física é autoria imediata”. Tal assertiva fundamenta-se na teoria objetiva e na teoria do

domínio, a ser imputada à pessoa jurídica, que esclarece as distinções entre o autor e o

partícipe. Na análise, sendo o autor-imediato a pessoa física (gestor) e o partícipe-mediato a

sociedade limitada (pessoa jurídica).

Pode-se justificar a existência de pluralidade de autores como sujeitos ativos: um

agente atuando de forma direta e imediata, perpetrando o injusto culpável e também outro

partícipe (pessoa jurídica) atuando de forma indireta ou mediata. A sociedade limitada não

possui o domínio sobre o fato delitivo que é executado dentro das esferas das operações ou

negócios empresariais pelo empresário, tornando-se necessário demonstrar o nexo de

causalidade das relações entre os agentes com as atividades lesivas ao utilizarem os recursos

da sociedade, proporcionando benefícios ou sua utilização para encobrir o fato punível. Para a

pessoa física, ora gestor, dúvidas não há de que participa diretamente do ilícito, pois colabora

e realiza de qualquer modo, o verbo do núcleo do tipo penal.

344 GALVÃO. Op. cit., p.69-70. 345 SHECAIRA. Responsabilidade penal da pessoa jurídica: de acordo com a lei n. 9.605/98, p. 127.128.

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Abordando a teoria geral do crime, adequar sua conduta humana ao fato típico,

ilícito e culpável. Já a pessoa jurídica não realiza o verbo descrito no núcleo do tipo, porque

está ausente a sua vontade de agir e a culpabilidade, não possui potencial conhecimento da

ilicitude ou é imputável. Entretanto, participa do injusto penal na realização do fato,

distinguindo-se do autor imediato (pessoa física).

A pessoa jurídica não domina a realização do fato, mas contribui de qualquer

modo para sua realização, com advento do nexo da causalidade delitiva, decorrente do

resultado de ofensa produzido, em ofensa ao bem jurídico tutelado. Sua participação é indireta

e a do gestor é direta. Nada obsta ser a sociedade limitada sujeito ativo mediado ou indireto

para justificar a aplicação de uma sanção cuja natureza da pena é administrativa.

Os crimes ambientais estão tipificados nos arts. 29 a 69-a, da Lei n. 9.605, de 12

de fevereiro de 1998, estando dispostos no capítulo V, assim distribuídos nas seguintes

seções: I - Dos crimes contra a fauna, arts. 29 a 37; II - Dos crimes contra a flora, arts. 38 a

53; III - Da poluição e outros crimes ambientais, arts. 54 a 61; IV - Dos crimes contra o

ordenamento urbano e o patrimônio cultural, arts. 62 a 65; V - Dos crimes contra a

Administração ambiental, arts. 66 a 69. Alguns tipos penais são crimes de perigo, se penaliza

a conduta que coloca em risco o bem jurídico independente do dano efetivo.

A ação penal dos delitos ambientais é de natureza pública incondicionada. A

instauração do inquérito policial ou do termo circunstanciado de ocorrência, sob a presidência

do delegado de polícia, é instaurado, tomando-se o conhecimento da notícia crime. A ação

penal é privativa do representante do Ministério Público, ao teor do art. 129, I, da

Constituição Federal. O promotor de justiça dará início à persecução penal em juízo, com o

oferecimento da denúncia crime, conforme estabelece o art. 24 do Código de Processo Penal.

Reportando-se à lei ambiental, o art.29, § 3°, da Lei n. 9.605/98 diz que “são

espécimes da fauna silvestre todos aqueles pertencentes às espécies nativas, migratórias e

quaisquer outras, aquáticas ou terrestres, que tenham todo ou parte de seu ciclo de vida

ocorrendo dentro dos limites do território brasileiro, ou águas jurisdicionais brasileiras”.

Pode-se reportar à seguinte jurisprudência ambiental:

Crime ambiental. Caça e venda de animais silvestres. Condenação mantida. A prova deitada nos autos deixa estreme de dúvidas a caça e a comercialização de animais silvestres, inclusive ameaçados de extinção. A alegação de consumo próprio não socorre ao recorrente, sobretudo considerando a quantidade de aves apreendidas. Ainda, a falta de provas quanto ao fato de ter sido o acusado presenteado com as carcaças de veado e jacu, animais considerados em extinção, transmuda a presunção decorrente da apreensão em certeza, escorando a majorante do art. 29, § 4°, inciso I, da Lei n° 9.605/98. Condenação mantida. 346

346 BRASIL. TJRS, 4ª Câm. Crim. AC 70010305761, rel. Des José Eugênio Tedesco, j. 17.03.2005.

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“O objeto jurídico da Lei n. 9.605/98 é a preservação do meio ambiente, com a

conservação das florestas de preservação permanente, mesmo que em formação. A floresta é

essencial para a manutenção do meio ambiente, inclusive para a existência dos rios e da

fauna,” conforme relata Vladimir Passos de Freitas.347 Pode-se assinalar a seguinte

jurisprudência acerca deste tema:

Crime ambiental. Cometem o delito previsto no art. 45, da Lei n° 9.605/98 os agentes que cortam árvores de mata nativa, em desacordo com as determinações legais. Condenação mantida. Utilização de motosserra. O uso de motosserra com a finalidade de cortar árvores de mata nativa não é punível, visto que se trata de crime-meio para a consecução do crime-fim, o corte de árvores. Venda de madeira. A venda de madeira obtida com o corte ilegal de árvores constitui-se em mero exaurimento deste, caracterizando o chamado post factum impunível. 348

Reportando-se aos outros crimes ambientais e de poluição, Hely Lopes Meirelles349

relata que “é toda alteração das propriedades naturais do meio ambiente, causada por agente

de qualquer espécie, prejudicial à saúde, à segurança ou ao bem-estar da população sujeita aos

seus efeitos”. A poluição de qualquer natureza poderá ser em desfavor do solo, da atmosfera,

da água, das praias, do ordenamento urbano e do patrimônio cultural, além dos crimes contra

a Administração Ambiental.

Nesse aspecto, pode-se dizer que o bem jurídico protegido é o meio ambiente, o

qual, se verificado, torna-se passível de sujeitar seus autores a sanções que poderão ser da

órbita civil, administrativa e criminal. Para Luiz Regis Prado350, “a doutrina majoritária tem

consagrado, sobretudo para os tipos básicos em matéria ambiental, a forma de delito de

perigo, especialmente o perigo abstrato, em detrimento do delito de lesão ou resultado

material”. Portando, não é necessário que o dano efetivo se verifique, bastando o simples

perigo. Alguns tipos penais ambientais dependem de complementação externa, por

constituírem norma penal em branco, necessitando de disposição emanada por um ato

administrativo, como nos caso de permissão da autoridade competente para caçar animais da

fauna silvestre. Não se verificado a circunstância justificável, é passível de sanção o infrator.

No que tange ao elemento subjetivo do tipo penal ambiental, observa Francisco Vani

Bemfica351: “toda vez que o crime for culposo, é ele expresso em lei. No seu silêncio, ele é

doloso, na forma do art. 18, parágrafo único, do Código Penal. Isso porque o crime doloso é a

347 FREITAS. Op. cit., p. 139. 348 BRASIL, TJRS, 4ª Câm. Crim. ACrim. 70008234312, rel. Des Constantino Azevedo, j. 15.04.2004. 349 MEIRELLES. Direito administrativo brasileiro, p. 489. 350 PRADO. Direito penal ambiental: problemas fundamentais, p. 192. 351 BEMFICA. Teoria geral do crime, p. 89.

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regra; o culposo, a exceção”. Pode-se citar o crime previsto no art. 56, § 3°, da Lei n.

9.605/98, que é culposo.

O sujeito ativo das infrações penais ambientais pode ser qualquer pessoa, física ou

jurídica. Relata Freitas352:

[...] outrossim, poderá surgir caso em que o crime tenha sido praticado por pessoa jurídica (art.3º, Lei n. 9.605/98), se for delito de menor potencial ofensivo, o fato será alvo de termo circunstanciado de ocorrência. Se houver inquérito policial (crime apenado mais severamente), a pessoa jurídica poderá ser indiciada, juntando-se cópia do contrato social, pesquisados seus antecedentes, porém sem as demais medidas previstas no art. 6º, incisos VIII e IX, do CPP”.

Reportando-se ao crime ambiental perpetrado pela pessoa jurídica, o Superior

Tribunal de Justiça assumiu posição favorável à criminalização dos entes corporativos:

A imputação penal às pessoas jurídicas encontram barreiras na suposta incapacidade de praticarem uma ação de relevância penal, de serem culpáveis e sofrerem penalidades. Se a pessoa jurídica tem existência própria no ordenamento jurídico e pratica atos no meio social através da atuação de seus administradores poderá vir a praticar condutas típicas e, portanto, ser passível de responsabilização penal. A culpabilidade, no conceito moderno, é a responsabilidade social, e a culpabilidade da pessoa jurídica, neste contexto, limita-se à vontade do seu administrador ao agir em seu nome e proveito. A pessoa jurídica só pode ser responsabilizada quando houver intervenção de uma pessoa física, que atua em seu nome e em benefício do ente moral. A atuação do colegiado em nome e proveito da pessoa jurídica é a própria vontade da empresa. A co-participação prevê que todos os envolvidos no evento delituoso serão responsabilizados na medida de sua culpabilidade. A lei ambiental previu para as pessoas jurídicas penas autônomas de multa, de prestação de serviços à comunidade, restritivas de direito, liquidação forçada e desconsideração da pessoa jurídica, todas adaptadas à sua natureza jurídica. Não há ofensa ao princípio constitucional de que ‘nenhuma pena passará da pessoa do condenado’ pois é incontroversa a existência de duas pessoas distintas: uma física – que de qualquer forma contribui para a prática do delito – e uma jurídica, cada qual recebendo a punição de forma individualizada, decorrente de sua atividade lesiva. A denúncia oferecida contra a pessoa jurídica de direito privado deve ser acolhida, diante de sua legitimidade para figurar no pólo passivo da relação processual penal.353

Constata-se que nos crimes ambientais as penas a serem impostas às pessoas

físicas são de reclusão ou detenção, salvo a possibilidade de substituição por penas

pecuniárias ou restritivas de direito. Os operadores do direito devem reportar-se ao Capítulo II

da Lei n. 9.605/98 e responsabilizar criminalmente as sanções penais correspondentes que

poderão ser imputadas à pessoa jurídica, conforme se verifica nos arts. 21 a 24 da citada lei,

ou seja, pena de multa, restritiva de direitos e/ou prestação de serviço à comunidade.

A pena aplicada à pessoa jurídica por violação aos interesses ambientais também

inclui as de caráter administrativo, conforme prescrito no art. 72 da Lei n. 9.605/98. 352 FREITAS. Crimes contra a natureza: de acordo com a Lei nº 9.605/98, p. 65. 353 BRASIL. STJ, 5.ª T.,Resp 564.960/SC,rel. Min. Gilson Dipp, j. 02.06.2005.

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Entretanto, sua aplicação também, poderia ser feita pelo juízo criminal, respeitados o

contraditório e a ampla defesa, desde que seja denunciado o ente coletivo.

As sanções que poderão ser imputadas à pessoa jurídica são de advertência, multa,

apreensão, destruição e inutilização de produtos utilizados na infração, suspensão de venda e

fabricação do produto, embargo da obra ou atividade temporariamente, demolição da obra

suspensão parcial ou total de atividades. Também podem ser restritivas de direito, como

proibição de contratar com o Poder Público, bem como dele obter subsídios, subvenções ou

doações. Ou, ainda, pena pecuniária, restritiva de direito e prestação de serviços à

comunidade, ao teor do art. 21 da Lei n. 9.605/98.

Verifica-se que tais penas ambientais apresentam semelhança com as penas já

previstas no art. 32, incisos II e III, do CP, que tratam das penas restritivas de direito e de

multa como espécies sancionadoras. Portanto, os arts. 21 e 72 da Lei n. 9.605/98 prevêem, em

síntese, sanções pecuniárias e restritivas de direito, e nada obsta serem aplicadas às pessoas

jurídicas, desde que depois de regular tramitação do devido processo penal.

Assim, as sanções penais e as sanções administrativas por violação aos interesses

ambientais podem resultar em penas de multa e restritivas de direito − sanções comuns − que

poderão ser aplicadas tanto à pessoa física como à pessoa jurídica de forma concorrente, se

ambas contribuírem para o ilícito penal ambiental.

Na órbita administrativa, as penas restritivas de direito que se sujeitarão às pessoas

jurídicas, ao teor do art. 72, § 8°, são: suspensão ou cancelamento de registro, licença ou

autorização; perda ou restrição de incentivos e benefícios fiscais; perda ou suspensão da

participação em linhas de financiamento em estabelecimentos oficiais de crédito; e proibição

de contratar com a Administração Pública pelo período de três anos.

A conclusão a que se chega diante da pluralidade de sanções administrativas e

penais existentes na órbita ambiental é que podem-se justificar a responsabilização das

pessoas físicas (gestores) e também das pessoas jurídicas (sociedades limitadas): as primeiras,

com as penas de privação de liberdade, restritivas de direitos e multa, ao teor do art. 32 do CP;

às últimas subsidiando-se no ordenamento ambiental, as sanções serão de natureza

administrativa − em síntese: restritivas de direito e de penas pecuniárias.

Diante do conflito aparente de normas gerais e especiais, no que tange a quais

sanções serão aplicadas aos infratores dos tipos penais ambientais, aplicam-se as penas

previstas na Lei n. 9.605/98, em especial, as sanções de multa, restrição de direitos e de

prestação de serviços à comunidade. É bom lembrar que tais penas também podem ser

aplicadas às pessoas físicas em caso de substituição da pena privativa de liberdade, conforme

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disciplina o art. 59, IV, do CP, que prescreve “a substituição da pena privativa de liberdade

aplicada, ou outra espécie de pena (restritiva de direito ou multa), se cabível”.

Em reportagem jornalística abordando ao esquema de fraudes no Ibama que

envolvia 600 empresas madeireiras, constataram-se as seguintes persecuções de fraudes

empresariais:

Em investigações da Polícia Federal, desbaratando pela “Operação Curupira I” era formada por servidores públicos, empresários do ramo madeireiro, contadores e despachantes. Os servidores vendiam guias em branco de Autorização para Transporte de Produtos Florestais (ATPF’s), por cerca de R$ 1 mil, para despachantes que criavam empresas fantasmas. As empresas declaravam endereços falsos, em cemitérios e postos de combustíveis. Os servidores denunciados recebiam propina de R$ 3 mil a R$ 5mil para vistoriar as empresas e “legaliza-las.” Com a prisão da quadrilha que atuava há 14 anos e extraía madeira ilegalmente no Mato Grosso os servidores, também foram exonerados, afastados, estão sendo punidos, alguns presos.”354 Entre os 130 presos na operação desencadeada pela PF e pelos procuradores contra o esquema de concessões de licenças ambientais no Mato Grosso, Rondônia e Pará, há madeireiros e servidores públicos, como o ex-diretor de Florestas do Ibama.355 Na “Operação Curupira II” dezoito pessoas foram presas, entre elas dois funcionários do Ibama, são acusados de destruir 108 mil hectares de florestas, correspondente a 4 milhões de metros cúbicos de madeira, em cinco anos, nos estados de Mato Grosso e Rondônia. O custo de reparação da área é estimado em R$ 320 milhões. O esquema usava seis empresas fantasmas e documentos falsos para vender madeira extraída de forma ilegal. O certificado emitido por funcionários do Ibama, mediante pagamento de propina era usado para “esquentar” a madeira retirada de áreas indígenas, que eram vendidas legalmente. Outra notícia reporta-se a uma área superior a 100 mil hectares já teria sido derrubada por empresários de soja, que está sendo investigado. A frente de combate aos crimes ambientais e à grilagem, envolveram 140 pessoas entre, policiais federais, civis, militares, fiscais e o exército, que cederam barracas de campanha e veículos, além de helicópteros, lanchas, carros e motocicletas para ir às áreas de difícil acesso.356

Operação da Polícia Federal denominada “Caá-Ete”, que contou com a

participação de fiscais do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais

Renováveis (Ibama) e auditores da Receita Federal, cujo objetivo era desmantelar uma

organização criminosa voltada para o contrabando e a falsificação de agrotóxicos apurou:

Redundou na prisão de 27 pessoas. A quadrilha era formada por empresários e funcionários públicos, que atuavam no Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e Goiás, onde estão sendo cumpridos mandados de prisão e de busca e apreensões. Além de contrabandear os produtos, a quadrilha era responsável também por um esquema de falsificação e distribuição de inseticidas. O principal produto falsificado era o S. A prática, além de desrespeitar a legislação brasileira e as regras das Organizações das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação, representa perigo para a saúde da população, já que o produto, de qualidade inferior, é usado na produção de alimentos consumidos em larga escala no Brasil. Os integrantes do grupo são acusados dos crimes de contrabando, estelionato, crime contra a ordem tributária, falsidade ideológica, formação de quadrilha, crime contra o meio ambiente, crime

354 ALMEIRA. Ambiente: Esquema de fraudes no Ibama envolvia 600 madeireiras, p. 7. 355 ROCHA. Política. Prisão pode gerar ação na justiça, p. 4. 356 MINAS. Meio ambiente: PF prende quadrilha que extraía madeira, p. 13.

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contra marcas e produção e transporte de agrotóxicos fora das exigências estabelecidas nas leis e regulamentos. 357

Diante do conteúdo exposto, verifica-se que na responsabilização concorrente de

agentes entre o gestor (pessoa física) e a sociedade limitada (pessoa jurídica) poderá haver a

aplicação da pena criminal pela violação ao bem jurídico tutelado ambiental: a pessoa física,

com as penas privativa de liberdade, restritiva de direitos e multa; à pessoa jurídica, há sua

responsabilização.

Portanto, o sujeito ativo, seja a pessoa física ou pessoa jurídica, será

responsabilizado, para não gerar um clima de impunidade aos crimes societários. As penas a

serem aplicadas à sociedade limitada serão justificáveis se for provada a participação indireta

e mediata na prática do ilícito. Assim, no caso de o gestor, ao servir-se em muitos casos, da

sociedade limitada para encobrir o fato punível e esta, conseqüentemente, blindar o

empresário da persecução penal estatal, não pode prosperar a impunidade do ente coletivo,

motivo da responsabilização concorrentes de ambos.

Passa-se a abordar os crimes por violação às normas licitatórias e as conseqüentes

punições aos infratores: pessoa física e pessoa jurídica.

357 MINAS. Contrabando. Quadrilha vendia agrotóxicos falsos, p. 12.

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12. PERSECUÇÃO AOS CRIMES POR VIOLAÇÃO ÀS NORMAS LICITATÓRIAS

Com o advento da Lei n. 8.666/93, que trata da regulamentação do art. 37, inciso

XXI, da Constituição Federal, instituíram-se normas para as licitações e contratos da

Administração Pública pertinentes a obras, serviços – inclusive publicidade –, compras,

alienações e locações no âmbito dos Poderes da União, dos estados, do Distrito Federal e dos

municípios. As sociedades empresárias podem participar dos processos licitatórios.

A mencionada lei também contemplou suas regras, na seara administrativa

indireta, valendo-se para as autarquias, fundações públicas, empresas privadas, sociedades de

economia mista e demais entidades controladas pelo erário público, direta ou indiretamente,

tudo isto, objetivando selecionar a proposta mais vantajosa para o contrato de interesse. Cabe

ao empresário representante da sociedade limitada cumprir as normas atinentes a licitação

pública, evitando obter vantagens ilícitas.

A licitação, na lição de Maria Silva Zanella di Pietro358, corresponde:

Procedimento administrativo pelo qual um ente público, no exercício da função administrativa, abre a todos os interessados, que se sujeitem às condições fixadas no instrumento convocatório, a possibilidade de formularem propostas dentre as quais selecionará e aceitará a mais conveniente para a celebração do contrato.

Na estrutura organizacional da Administração Pública ( federal, Distrito Federal,

estadual ou municipal ), seus gestores deverão sempre se valer dos princípios da legalidade,

impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência para regular a tramitação do

procedimento licitatório, pois assegurará aos pretendentes ou concorrentes a isonomia na

busca pela melhor proposta que venha a interessar os anseios públicos, que são realizados por

meio de estudos prévios de qualificação técnica ao cumprimento das obrigações a serem

contratadas. Qualquer indício de atos de improbidade ou de fraude que importem em

enriquecimento ilícito e favorecimento de terceiros, causando prejuízos ao erário, é

característico de violação aos princípios da administração pública, motivando a apuração de

responsabilidades.

O doutrinador Aníbal Silva359, abordando a corrupção, informa que “para surpresa

e decepção de muitos brasileiros e estrangeiros, a organização não governamental,

358 DI PIETRO. Direito Administrativo, p. 255. 359 Revista Jurídica ADPEGO - IPC de 2001, p. 16.

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Transparência Internacional divulgou, recentemente, a relação dos 100 países mais corruptos

do mundo, quando o Brasil figura no 46º lugar”.

A reflexão que se traz à tona é a necessidade de que a Administração Pública se

ampare em motivação justificável para a consecução de seus atos na elaboração de contratos

administrativos, pois previamente imprescindível é o processo licitatório em que não

respeitados os ditames legais. Se assim não for, patente torna-se a atuação da Polícia

Judiciária ( federal e estadual ) na apuração dos crimes no âmbito das licitações fraudulentas.

A participação de sociedades limitadas nas falcatruas licitatórias, por intermédio de seus

gestores quotistas que passam a atuar em desacordo com as normas de licitação, não pode

ficar impune.

Flávio de Mendonça Campos360, sob a visão esquemática das licitações, ensina:

O problema da “fase interna” e da “fase externa” da licitação. A dita “fase interna” é o planejamento da contratação, envolvendo: identificação de uma necessidade administrativa; identificação dos meios a atingi-la; constatação de que a melhor solução é a contratação particular; definição do objeto do contrato e de suas normas; definição do meio de seleção do particular a ser contratado. Alternativas: “processo de contratação”: planejamento; licitação; adjudicação; execução do contrato. O que nos interessa: planejamento e licitação. Na dita “fase externa” (licitação propriamente dita), será possível identificar, consoante a doutrina dominante, quatro fases: abertura, ou instauração, que compreende a publicação do instrumento convocatório e sua discussão administrativa, mediante as impugnações dos interessados; habilitação, que é a fase destinada a examinar a idoneidade mínima dos interessados para executarem o objeto licitado e, por isso, serem admitidos na sua disputa; quem não demonstrar esta idoneidade mínima sequer não terá sua proposta apreciada; classificação, fase destinada a identificar a melhor proposta apresentada pelos interessados; homologação, ato de controle em que a autoridade superior declara a validade e utilidade da licitação e aponta o vencedor oficial do certame, que terá direito de preferência na contratação daquele objeto. A adjudicação consiste na conclusão do contrato licitado com o vencedor do certame. Alguns autores a consideram parte integrante do procedimento licitatório. Eu entendo que não, porque ela pode ocorrer ou não, sem que se tenha como frustrada a licitação, caso não haja adjudicação efetiva.

Várias são as falcatruas que podem ocorrer no âmbito de uma gestão empresarial e

engendradas por organizações criminosas, que se instalam em conluio com vários empresários

e servidores públicos, no objetivo único de obter vantagens ilícitas em prejuízo do erário

público. Pode-se demonstrar como exemplo de corrupção apurada em persecução

investigatória:

A C. é uma das maiores empreiteiras de obras públicas do Brasil e participava de uma das maiores concorrências dos últimos anos: a construção de uma ferrovia, que ligaria o Nordeste do Brasil às áreas do Centro e do Sul. Como era de praxe, as maiores empreiteiras brasileiras, de antemão as únicas classificadas para a realização da obra, se organizaram para que efetivamente "não houvesse concorrência na concorrência". Como a obra seria levada à concorrência dividida em determinados trechos

360 CAMPOS. Apostila de Processo Licitatório, p. 24.

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ferroviários e obras, as empreiteiras se reuniram para fazer uma partilha "justa" e criaram critérios específicos para decidir quem pegaria o que e a que preço. Como seria o preço menor que ganharia a concorrência, após decidir quem ganharia determinado trecho ou obra, foi também determinado qual seria o preço ganhador. Este preço, também como era de praxe, deveria incluir uma substancial porcentagem de superfaturamento.

Todas as demais empreiteiras deveriam apresentar propostas com preços superiores. Decidida à partilha, os diretores das empreiteiras passaram a bola aos engenheiros e aos contadores das empreiteiras, os quais executariam as propostas técnico-financeiras que seriam enviadas ao órgão organizador da concorrência, já sabendo quais deveriam ser as propostas ganhadoras e quais seriam apresentadas meramente "pro forma". Mélvio era o contador da C. e, como o decano do grupo de contadores e engenheiros, foi o escolhido para coordená-lo. Mas Mélvio, apesar de sua liderança dentro do grupo, tinha uma imensa aversão ao que estava sendo feito. Sabia que as empreiteiras estavam lesando profundamente o patrimônio público, como, aliás, sempre haviam feito. Ele, que sempre participara desse procedimento, sabia também que era apenas uma pequena engrenagem na máquina que era movida por gigantescos interesses. Qualquer recusa de participação não só nada impediria como equivaleria a uma efetiva despedida de seu cargo e de sua carreira. E sempre haveria um substituto, que faria o que ele se recusava a fazer.

Mas, dessa vez, Mélvio estava disposto a fazer tudo para impedir aquele verdadeiro crime de lesa-pátria, que estava sendo tramado. Agindo astuciosamente para evitar represálias, Mélvio passou a um dos mais lidos e prestigiados jornalistas do País, uma cópia da planilha final da partilha acertada pelos empreiteiros, na qual, 60 dias antes da realização da concorrência, constavam, para cada trecho e obras da ferrovia, os nomes das empresas que seriam ganhadoras e os preços que seriam cobrados. O colunista, em termos cifrados, fez publicar a planilha na seção de classificados do maior jornal do País. Depois de anunciado o resultado oficial da concorrência, o jornalista demonstrou que ela tinha sido totalmente fraudada, já que, dois meses antes, conforme a publicação que havia mandado fazer, os resultados já estavam totalmente determinados. Houve um imenso clamor público e a concorrência foi cancelada. Mélvio teve um imenso regozijo, mas por pouco tempo. A obra foi novamente posta em concorrência, e, como as empreiteiras que haviam sido as fraudadoras da primeira, conseguiram participar da segunda, foram também as ganhadoras da segunda, e, segundo o jornalista que apresentara a denúncia, "por preços até mais altos que os anteriores”.

Mas as empreiteiras, apesar de vencedoras, não esqueceram da denúncia e se uniram para tratar de esmagar quem se antepunha aos seus interesses. Primeiramente atacaram o jornalista denunciante, exigindo na justiça que revelasse a fonte de suas informações. Não tendo obtido sucesso, contrataram uma das mais conhecidas agências internacionais de detetives, e com o auxílio dos auditores das empreiteiras, chegaram a Mélvio após aproximadamente um ano de investigação. Mélvio foi demitido da empreiteira por "necessidade de reestruturação interna" e, como nada lhe foi dito sobre a causa real de seu afastamento, aceitou tranqüilamente a decisão, sabendo que com a sua experiência e seu "know-how" encontraria facilmente uma nova colocação. Foi só depois de ser recusado na fase final de mais de 8 processos de seleção é que começou a desconfiar que havia algo errado. A desconfiança virou certeza após lhe ter sido confiado reservadamente por um recrutador de pessoal, que sua antiga empresa estava passando ao mercado informações mais do que desfavoráveis sobre sua pessoa e sobre seu desempenho profissional. Mélvio tentou apelar judicialmente contra tal perseguição. 361

361 http://valdecimedeiros.sites.uol.com.br/contabilistas/corrupcao.htm

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É sob essa ótica que são perpetrados atos fraudulentos que envolvem a gestão

empresarial. Os operadores da gestão social e pública precisam estar atentos, em respeito à

probidade e moralidade. Passa-se a demonstrar a competência da Polícia Judiciária na

repressão aos crimes por violação às normas licitatórias, abordando, ainda, os atos fins de

investigações policiais: o inquérito policial e o termo circunstanciado de ocorrência. Por fim,

discutem-se as operações policiais de repressão aos crimes contra os interesses da

Administração Pública, os quais também podem ser praticados pela pessoa jurídica, que

contribui para o fato punível de forma indireta e mediata.

12.1 Atribuições da Polícia Judiciária na repressão aos crimes previstos no

procedimento licitatório

A licitação envolve diversas fases: abertura – divulgação do ato convocatório,

discussão do ato procedimental e estabilização administrativa; habilitação; classificação; e

controle: homologação, anulação e revogação do procedimento, que precede todas as fases do

procedimento do contrato, no qual se fazem planejamentos, em especial, quanto à necessidade

de contratação. Ademais, é o edital demonstrativo que justifica de forma implícita os

objetivos da contratação pela Administração Pública.

Nesse aspecto, a conduta dos gestores na sociedade limitada e dos representantes

da Administração Pública no direcionamento de licitações, dispensas forjadas ou outras

condutas criminosas de pagamento de valores indevidos aos funcionários públicos, com a

pretensão de favorecer outrem no processo de licitação, envolvendo licitações de “cartas

marcadas”, poderá constituir crime, que se encontra previsto nos arts. 89 a 98 da Lei n. 8.666,

de 21 de junho de 1993.

Os procedimentos licitatórios objetivam a busca da proposta mais vantajosa,

dentro da maior amplitude possível, no universo de proponentes, assinalando-se ser

imprescindível a vinculação dos atos preliminares ao julgamento objetivo, diante da

vinculação ao conteúdo previsto no edital, conforme já assinalou jurisprudência:

Vinculada, que está, a Administração, ao Edital – que constitui lei entre as partes – não poderá dele desdobrar-se para, em pleno curso do procedimento licitatório, instituir novas exigências aos licitantes e que não constaram originariamente da convocação. Estabelecido, em clausula do Edital, que as empresas recém-criadas ficaram dispensadas (como prova de qualificação técnica) da apresentação do balanço patrimonial e demonstração contábeis do último exercício, era defeso, à

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Administração, mediante simples aviso interno, criar novas obrigações aos licitantes, inobservando o procedimento consignado na lei. É lícito, à Administração, introduzir alterações no Edital, devendo, em tal caso, renovar a publicação do Aviso por prazo igual ao original, sob pena de frustrar a garantia da publicidade e o princípio formal da vinculação ao procedimento. A exigência da publicidade plena (do processo licitatório) não preclui pela inexistência de reclamação dos licitantes, na fase administrativa e não impede que a correção se faça na esfera jurisdicional, porquanto, segundo mandamento constitucional, nenhuma lesão de direito poderá ficar sem a apreciação do Judiciário (...) Segurança concedida. Decisão indiscrepante. ( MS 5601/DF, 1ª Seção, Rel. Min. Demócrito Reinaldo, DJU 14/12/98, p.81).

Assim, são modalidades de licitação: concorrência; tomada de preços; convite;

concurso; e leilão, ao teor do art. 22 da Lei n. 8.666/93. Todos os procedimentos elencados na

citada lei alusivos à licitação e aos contratos com a Administração Pública devem ser objeto

de maior fiscalização, seja em caráter interno ou externo. É necessário coibir qualquer tipo de

organização criminosa que se instale com o intuito de fraudar as licitações para escolher a

proposta superfaturada diante de uma “armação” previamente combinada pelos concorrentes,

que “dividem” a majoração ilícita dos preços excedentes, em prejuízo aos interesses do erário

público, o que proporciona desvio de rendas públicas, em que geralmente são beneficiadas

sociedades privadas.

É a Polícia Judiciária ( federal e estadual ) que detém, em consonância com a

Administração Pública, com investimentos operacionais, as prerrogativas de apurar as

infrações penais, no âmbito da Lei n. 8.666/93, seja com levantamentos por meio de escutas

telefônicas, cumprimento de mandados de busca e apreensões ou, ainda, buscas de todos os

meios de provas lícitas com o objetivo vislumbrar indícios de fraudes nas licitações.

O repórter Edson Luiz362, abordando matéria jornalística envolvendo fraudes em

licitações públicas, relata a persecução criminal investigatória:

A Polícia Federal teria desmontado um dos maiores esquemas de fraudes em licitações, que desviou, no Maranhão, em 10 anos, mais de R$ 1 bilhão. A “Operação Rapina” motivou a expedição de 100 mandados de prisão expedidos pelo Tribunal Regional Federal (TRF), entre os acusados estão nove prefeitos, secretários municipais, contadores, empresários e funcionários do Tribunal de Contas do Estado. A quadrilha desvia recursos da União, para a saúde e educação. O desvio do dinheiro público era feito pelos prefeitos, que usavam dois escritórios e 500 (quinhentas) empresas para justificar o esquema. Os escritórios de Planejamento Municipal e o de Contabilidade de Planejamento Municipal, duas empresas diferentes, mas localizadas no mesmo prédio, tratavam da documentação fraudada pelos prefeitos. O dinheiro vinha para uma obra, para a compra de merenda, mas a construção ou a compra dos produtos não eram feitas, e a verba toda desviada. Descoberto o esquema na fiscalização das liberações de recursos para os municípios, por inspeção da Controladoria Geral da União. Foi constatado que todos os processos de licitações e compra, entre outros, eram idênticos, o que motivou investigações policiais a chegarem às duas empresas. Outras 500 (quinhentas) empresas de fachadas e

362 LUIZ. Presa quadrilha que desviou um bilhão, p. 10.

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constituídas legalmente ajudaram nas fraudes, fornecendo notas fiscais de serviços. O dinheiro era do erário, mas os prefeitos usavam como se fosse de suas próprias contas. Consta ainda, que o delegado de polícia pediu o seqüestro dos bens da gangue, que vais ser indiciada por falsificação de documentos, falsidade ideológica, peculato, estelionato, formação de quadrilha, fraude em licitação, corrupção ativa e passiva; e, lavagem de dinheiro.

Em conclusão investigatória da Comissão Parlamentar de Inquérito da Câmara de

Vereadores de São José da Barra/MG, apuraram-se os supostos indícios de irregularidades no

processo licitatório:

1 – processo licitatório não poderia ser na modalidade Carta Convite; 2 – não publicação do Edital; 3 – superfaturamento da Obra; 4 – ausência de memorial descritivo; 5 – falta de assinatura do responsável técnico e data dos projetos da Carta Convite; 6 – Contratação e pagamento de projeto já existente; 7 – contratação desnecessária do projeto do poço semi-artesiano; 8 – duplicidade do pagamento para a montagem das máquinas e superfaturamento do preço do serviço; 9 – ausência do projeto na data do edital; 10 – ausência de coleta de preços; 11 – Pagamento feito em desconformidade com o edital; 12 – pagamento feito em duplicidade para liberação do Feam; 13 – ausência de convite às empresas cadastradas na prefeitura; 14 – falsidade dos e-mails (comunicação com as supostas empresas participantes por e-mails inexistentes; 15 – não preenchimento do requisito constante de um item do edital carta convite; 16 – envio do contrato para a execução da obra pelos Correios; 17 – ausência do laudo de aprovação técnica da obra e medições conforme descrição no empenhos ordinários; 18 – privilégio nos pagamentos feitos ao empresário W.C.L.F; 19 – Não retenção do ISS; 20 – Simulação de participação da empresa Ag Ltda; 21 – Simulação de participação da empresa A Ltda; 22 – Simulação de participação da empresa M.M Ltda; 23 – Participação irregular da empresa T Ltda; 24 – Notas fiscais “frias”; 25 – diferença em notas fiscais da empresa L Ltda; 26 – falta de assinatura ou documento explicativo quanto à desistência da interposição de recursos; 27 – documentos que envolvem o processo licitatório da Carta Convite são falsos ou, no mínimo, com suspeita de falsidades e falhas. 363

Atualmente, para reduzir a corrupção que envolve as licitações públicas e gerar

uma economia aos cofres públicos, há a alternativa dos pregões eletrônicos, que dão

transparência às concorrências públicas, conforme relata Marta Vieira:

Antes do decreto 5.450/05, as compras dos diversos órgãos do governo eram feitas livremente por concorrência, carta convite ou pregão presencial e eletrônico. A maior parte das aquisições, no entanto, aconteciam por licitação pública, cujo processo leva, em média, quatro meses para ser concluído. Pela nova regra, toda vez que algum órgão público precisar comprar produtos e serviços comuns deve optar pelo pregão

363 VIANNEY. Usina de reciclagem: CPI confirma suspeitas em relatório, p. 3.

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eletrônico. No pregão eletrônico, a licitação é feita pela internet, inclusive a sessão pública, o envio de propostas e lances, impugnações e recursos. O órgão público ou empresa convida os fornecedores cadastrados a participar do leilão de um determinado produto ou serviço. O edital é divulgado, com data e hora para apresentação das propostas, via internet. Na data marcada, o pregoeiro inicia o leilão virtual e cada participante entra numa espécie de sala de bate papo, com uma senha. As identidades dos fornecedores só são conhecidas no resultado do pregão. Ganha a concorrência aquele que apresentar o menor preço. Em alguns casos, a capacidade técnica dos fornecedores foi analisada anteriormente. Qualquer recurso apresentado é analisado pelo pregoeiro durante o leilão e não impede a continuidade do processo, ao contrário das outras modalidades de concorrência pública. O resultado pelo menor preço só será validado, se a empresa que faz a proposta vencedora apresentar os documentos exigidos no edital. Do contrário, vale automaticamente o segundo menor preço e assim por diante. O governo federal criou o portal comprasnet.gov.br, no qual os fornecedores tomam conhecimento dos próximos leilões, datas e exigências técnicas. 364 Os pregões dão transparência às compras do governo e permitem o controle pela sociedade, conforme relata Renata Vilhena, secretária-adjunta da Secretaria do Planejamento de Minas. 365

Os arts. 89 a 99 da Lei n. 8.666/93 disciplinam as condutas típicas e antijurídicas

de natureza pública e incondicionada passíveis de sanção penal aos autores. O delegado de

polícia e as autoridade competentes, tomando conhecimento de denúncias que noticiam

irregularidades no processo de licitações, deverão adotar na esfera de sua competência a

apuração destes crimes, por meio do procedimento administrativo pertinente, seja de infrações

penais de menor potencial ofensivo ou delitos de natureza média ou grave previstos na

legislação licitatória ou, mesmo, outros ilícitos penais perpetrados em concurso.

Com o sofisticado processo de pregão eletrônico, via internet, também são as

organizações criminosas empresariais aquelas que buscam sofisticados meios de burlar a lei.

O objetivo é que, noticiada a “transparência pública” que seja minuciosamente investigado

todo o processo, que não obstante seja célere, deve impedir a fraude. É necessário realizar a

identificação física da empresa, apresentando fotografias do imóvel e de seus sócios que

integram os quadros societários, a fim de identificar se as aludidas pessoas também integram

outra sociedade limitada ou que possam ter dívidas com o ente público. Confrontar dados

pessoais (pessoa física) com os dados cadastrais dos integrantes da empresa faz-se necessário,

pois se o empresário já tiver participado de outra sociedade limitada e já ter dado baixa na

Junta Comercial dos registros mas que ainda são devedores ao erário, não deve participar do

processo licitatório. A Administração Pública não deve permitir que este empresário, agora

com registro de outro ente coletivo, possa contratar com o erário público. Ademais, com as

fotografias dos sócios e seus dados cadastrais, podem-se identificar empresas “fantasmas” e

364 GIANNINI. Receita prática para reduzir a corrupção, p. 6. 365 VIEIRA. Sistema estimula concorrência, p. 3.

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pessoas usadas como “laranjas”, que participam da disputa eletrônica virtual sem serem

identificados e que passam despercebidas.

Ao verificar-se que a pessoa jurídica concorrente, contratada ou vencedora, tem

nos seus quadros sociais pessoas físicas com endereços fictícios e que seus dados não

conferem com os dados reais consignados pelos sócios (pessoas físicas) registrados no

contrato social na Junta Comercial, patente é o indício de fraude, por falsa declaração de

endereço. Com esse processo rigoroso de fiscalização dos sócios que integram ou participam

dos pregões públicos, podem-se confrontar seus dados com os das empresas participantes do

processo licitatório que devem ao Executivo Fiscal.

Os envolvidos em criminalidade empresarial ou aquelas sociedades limitadas cujos

registros foram cancelados com “baixas” decorrente da extinção de suas atividades, mas ainda

há utilização dos seus documentos “frios” para a aplicação de golpes devem ser coibidos. A

pesquisa de dados e confrontação de informações deverão ser realizadas nas investigações,

com uma minuciosa pesquisa dos antecedentes criminais das pessoas (sócios) que integram o

quadro social, a fim de identificar eventual empresário “laranja” ou, ainda, falsas declarações

de dados, como de residência.

Hoje, a sociedade empresária vencedora não pode ser aquela sobre a qual a polícia

tem facilidade de verificar um corpo real e visível, ou checar seu estabelecimento, seu

depósito, seus clientes, ou mesmo, a vida pregressa de todos os seus sócios e negócios

realizados. Por trata-se de uma transação virtual, as pessoas, não são conhecidas fisicamente,

mas, por meio da internet, elas tornam-se reais, e o resultado pode tornar-se eficiente e

lucrativo para o ente público.

Será mesmo a transparência o fim da corrupção? Não se pode duvidar que

empresas e seus gestores possam, em conluio, organizar-se nos rincões do país para criar uma

margem de sociedades empresárias vencedoras? É necessário iniciar uma pesquisa sobre os

bancos de dados daqueles empresários e sociedades limitadas que contratam com o ente

público ou, ainda, das sociedades empresárias vencedoras via participação em pregões

eletrônicos.

É necessário fiscalizá-las − seus relacionamentos comerciais, sua prestação de

conta − enfim, se realmente recolhem os impostos devidos. Em reportagem jornalística

abordando o tema de “Fraudes empresariais”, constatou-se:

O procurador-geral de Justiça, Jarbas Soares, solicitou à Polícia Civil de Minas Gerais a abertura de um inquérito policial para apurar a atuação no estado de uma rede de empresas fantasmas criadas para fraudar licitações e fornecer notas frias para

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concorrências municipais, principalmente na área de educação. Há quatro anos uma investigação da Procuradoria Especializada em Crimes de Agentes Municipais desbaratou uma quadrilha que atuava no Sul de Minas e na região Central do estado. Pelo menos um dos denunciados na época, N.A.F, então sócio de uma das empresas que participou das fraudes, esta atuando mais uma vez no estado. Nova empresa criada por ele entrou na concorrência para compra de mochilas, realizada pela Prefeitura de Felício dos Santos, no Alto Jequitinhonha, que vem sendo investigada pelo MP. Algumas empresas participantes desse certame foram registradas em endereços falsos e só existem no papel. 366

Dois são os procedimentos apuratórios na seara da Polícia Judiciária: o inquérito

policial e o termo circunstanciado de ocorrência. Estando a autoridade policial com a

incumbência de apurar, diante do sistema processual penal brasileiro, tais infrações penais

licitatórias deverão motivar a persecução criminal.

12.2 Inquérito policial na persecução à violação às normas licitatórias

Preocupação que vem à baila é que, transcorrido vários anos de vigência da Lei n.

8.666/93, ainda não há notícias de Delegacias Especializadas de Repressão às Fraudes em

Licitações Públicas. Entretanto, de forma supletiva, às autoridades policiais vêm apurando tais

ilícitos. A Lei n. 8.666/93 não é explícita quanto à importância das investigações policiais via

inquérito policial ou, ainda, da atuação da Polícia Judiciária na apuração dos crimes

licitatórios. Com a vigência da Lei n. 9.099/95, torna-se necessário esclarecer sobre a

importância do novo procedimento de polícia investigatória de natureza sumária, agora com a

lavratura do termo circunstanciado de ocorrência.

Ocorre que os arts. 101 e 102 da citada Lei, sob o crivo do legislador que a

elaborou, dispõe que os subsídios fraudulentos “levantados”, seja pelos magistrados, pelos

membros dos Tribunais ou pelos membros dos Conselhos de Contas, bem como pelos os

titulares dos órgãos integrantes do sistema de controle interno de qualquer dos Poderes, uma

vez cientes da existência de crimes definidos na Lei de licitações, deverão remeter ao

Ministério Público as cópias e os documentos necessários ao oferecimento da denúncia – sem

as imprescindíveis diligências investigatórias policiais para subsidiar a opinio delict.

Segundo essa concepção, a atuação da Polícia Judiciária, em suas atividades

preliminares, nas investigações policiais, concatenadas em procedimentos próprios, com a

instauração do inquérito policial ou do termo circunstanciado de ocorrência, não deveria ser

dispensadas. O titular da ação penal, representante do Ministério Público, somente deverá

366 MINAS, Jornal Estado de. Fantasmas: MP solicita inquérito. Belo Horizonte/MG. 3 set 2007, p. 4.

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oferecer denúncia crime após minuciosa investigação e colheita de provas, em especial nos

crimes de maior complexidade quanto à apuração da autoria. Sem investigação, a denúncia

fica fragilizada, tendo como conseqüência a impunidade. A Polícia Judiciária atua na

apuração de infrações penais de menor potencial ofensivo, natureza média ou, ainda, nos

crimes de natureza grave ou hedionda. Dispensar a atuação repressiva da Polícia Judiciária na

busca dos indícios de provas no inquérito policial ou no termo circunstanciado de ocorrência é

contribuir para a criminalidade e para a impunidade.

Ademais, imprescindível é a atuação do delegado de polícia na apuração dos

ilícitos criminais na seara licitatória. Ele deverá concentrar as investigações na busca de

indícios subjetivos e objetivos, para que assim tipifique a conduta ilícita e antijurídica

previstas nos arts. 89, 90, 92, 94, 95 e 96 da Lei n. 8.666/93. Os atos fins da Polícia Judiciária,

sob a presidência do delegado de polícia, têm por objetivo instaurar o inquérito policial, que,

após investigações, motivará a competente ação penal. Citam-se alguns comportamentos em

voga e passíveis de apuração nos artigos mencionados:

- Dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade; - Incorre aquele que, tendo comprovadamente concorrido para a consumação da ilegalidade, beneficiou-se da dispensa ou inexigibilidade ilegal, para celebrar contrato com o Poder Público; - Frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo do procedimento licitatório, com o intuito de obter, para si ou para outrem, vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação; - Admitir, possibilitar ou dar causa a qualquer modificação ou vantagem, inclusive prorrogação contratual, em favor do adjudicatário, durante a execução dos contratos celebrados com o Poder Público, sem autorização em lei, no ato convocatório da licitação ou nos respectivos instrumentos contratuais, ou, ainda, pagar fatura com preterição da ordem cronológica de sua exigibilidade, observado o disposto no art. 121 desta Lei; - o contratado que, tendo comprovadamente concorrido para a consumação da ilegalidade, obtém vantagem indevida ou se beneficia, injustamente, das modificações ou prorrogações contratuais; - Devassar o sigilo de proposta apresentada em procedimento licitatório, ou proporcionar a terceiro o ensejo de devassá-lo; -Afastar ou procura afastar licitante, por meio de violência, grave ameaça, fraude ou oferecimento de vantagem de qualquer tipo; - Incorre ao crime quem se abstém ou desiste de licitar, em razão da vantagem oferecida; - Fraudar, em prejuízo da Fazenda Pública, licitação instaurada para aquisição ou venda de bens ou mercadorias, ou contrato dela decorrente: elevando arbitrariamente os preços; vendendo, como verdadeira ou perfeita, mercadoria falsificada ou deteriorada; entregando uma mercadoria por outra; alterando substância, qualidade ou quantidade da mercadoria fornecida; tornando, por qualquer modo, injustamente, mais onerosa à proposta ou a execução do contrato. arts. 89, 90, 92, 94, 95 e 96, da Lei 8.666/93.

Em análise dos crimes e das penas previstas na mencionada Lei, constata-se que

são passíveis de investigação policial. Portando, em caso de prisão em flagrante delito do

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autor, deverá ser arbitrada a fiança crime pelo delegado de polícia, ao teor do art. 322 do CPP,

pois todos os crimes são punidos com detenção. A autoridade policial, caso não arbitre a

fiança, poderá ser acusada de abuso de autoridade. O entendimento do legislador é que para os

crimes licitatórios nada obsta aos autores virem a responder as investigações policiais e

conseqüente a ação penal em liberdade, salvo a necessidade da prisão cautelar. Entretanto,

caso seja arbitrado a fiança ao autuado e este não efetuar o pagamento em conta judicial

poderá permanecer preso. Neste caso, se o juiz competente, depois do pedido de liberdade

provisória ao preso sem pagamento de fiança e manifestação do representante do Ministério

Público, deverá manifestar-se pela liberdade do autuado, em decisão fundamentada, salvo a

necessidade de mantê-lo preso. Se a decisão for favorável pela liberdade provisória, deverá a

autoridade judiciária expedir o imediato alvará de soltura ao beneficiário.

12.3 Termo circunstanciado de ocorrência na seara licitatória

Os crimes de menor potencial ofensivo encontram-se previsto na Lei n. 8.666/93,

em especial nos arts. 91, 93, 97 e 98. O delegado de polícia, vislumbrando que a notitia

criminis é desta categoria, deverá, incondicionalmente, instaurar o termo circunstanciado de

ocorrência (TCO) e registrar, por meio de investigações sumárias, as condutas típicas e

antijurídicas, que podem resumir-se em:

- Patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante a Administração, dando causa à instauração de licitação ou à celebração de contrato, cuja invalidação vier a ser decretada pelo Poder Judiciário; - Impedir, perturbar ou fraudar a realização de qualquer ato de procedimento licitatório; - Admitir à licitação ou celebrar contrato com empresa ou profissional declarado inidôneo; - Incide aquele que, declarado inidôneo, venha a licitar ou a contratar com a Administração; - Obstar, impedir ou dificultar, injustamente, a inscrição de qualquer interessado nos registros cadastrais ou promover indevidamente a alteração, suspensão ou cancelamento de registro do inscrito; artigos 91, 93, 97 e 98, da Lei 8.666/93.

O legislador responsabilizou o infrator dessas condutas criminosas com penas de

detenção, sendo a pena máxima de 2 (dois) anos e multa. Entretanto, quando a pena máxima

for superior a 2 (dois) anos, imprescindível é a instauração do inquérito policial, em face da

complexidade dos fatos que envolvem as apurações dos crimes catalogados, nos arts. 89, 90,

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92, 94, 95 e 96, que não são de menor potencial ofensivo. A atuação da Polícia Federal e da

Polícia Civil estaduais nessas “falcatruas licitatórias” envolvendo gestores, funcionários

públicos e sociedades empresariais, no procedimento licitatório, precisa ser respaldada na

legislação licitatória, pois são crimes de natureza pública incondicionadas, portanto, o

representante estatal na persecução a tais ilícitos licitatórios tem atribuições da polícia

judiciária, que detém peculiaridade de apurar infrações penais.

12.4 Operações policiais na repressão ao crime licitatório

Em matéria jornalística, demonstrou-se a participação de empresários em

atividades espúrias, em que, com muito critério, após investigações, apuraram-se

responsabilizações de ações fraudulentas de gestores corruptos, em violação às normas

licitatórias:

O empresário L.E.M suspeito de pertencer a quadrilha que fraudava licitações no Amapá, foi preso ontem, por policiais federais em Belo Horizonte. L.M seria um lobbista que teria participado na intermediação de um convênio entre a Prefeitura de Santana (Amapá) e o Departamento Nacional de Infra Estrutura de Transportes (DNIT). Outras 29 pessoas foram detidas simultaneamente em Macapá(AP), Belém(PR) e Brasília (DF), através da operação “Pororoca”. [...] L.E.P.C sócio proprietário da Construtora Método Norte Engenharia e Comércio Ltda apontada como a principal beneficiária de recursos desviados. [...] A Polícia Federal usou grampos e fez escutas telefônicas autorizadas pela justiça para chegar aos responsáveis pelo esquema de fraudes. Através das investigações, a polícia apurou que pelo menos 17 obras teriam sido fraudadas no Amapá desde 2002. O montante da fraude ultrapassa US$ 103 milhões. [...] As fraudes da quadrilha eram realizadas através da Comissão Permanente de Licitação (CPL), que conseguia contemplar como vencedoras das licitações as empresas participantes do esquema. [...] Além de funcionários públicos de diversos órgãos, políticos e empresários estão envolvidos nas fraudes. Eles responderão pelos crimes de corrupção ativa e passiva, formação de quadrilha, tráfico de influência, advocacia administrativa, peculato, prevaricação, usurpação de função pública e inserção de dados falsos em sistemas de informações. Os fraudadores utilizavam inclusive a SIAF – um sistema de gerenciamento de créditos e orçamentos da União. Para isso, contavam com a participação de servidores públicos de Brasília. O sistema de informação da Receita Federal também teria sido violado pela quadrilha.

367

Outra operação de persecução criminal realizada pela Polícia Federal foi batizada

de “Sentinela”, em que se registraram os seguintes fatos criminosos:

A Polícia Federal prendeu ontem quatro funcionários do Tribunal de Contas da União (TCU) e seis donos de empresas de segurança e conservação e provocou uma confusão no Congresso Nacional. O grupo detido é acusado de integrar uma quadrilha

367 MINAS, Operação “Pororoca”, p. 4.

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suspeita de fraudar mais de R$ 12 milhões em licitações e comandar uma cartelização no mercado. [...] Em janeiro deste ano, a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) denunciou uma formação de cartel à Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça, que determinou uma investigação à Polícia Federal. [...] A Polícia Federal montou escutas telefônicas com autorização judicial e comprovou que um grupo de empresários de empresas de segurança realizava um cartel. E descobriu a ligação de funcionários do Tribunal de Contas da União (TCU) com a quadrilha. [...] O grupo pagava propina para funcionários do TCU fraudarem licitações – alterando os valores do contrato – para beneficiar os empresários. Além disso, os donos de empresas firmaram preços e combinavam os resultados das licitações. [...] Os crimes: formação de quadrilha, corrupção passiva qualificada, advocacia administrativa, crimes contra a ordem tributária e econômica, fraude em licitação, enriquecimento ilícito, improbidade administrativa 368 entre outros. 369

Podem-se citar outros crimes por violação às normas licitatórias que vieram à tona

após diligências investigatórias em que uma organização criminosa agia de forma imoral e

ilegal, conforme se demonstrou na apuração do fato punível, assim relatado:

O rombo causado ao País pela chamada ‘máfia do vampiro’, que manipulava a compra de hemoderivados e medicamentos, demonstrando a participação dos envolvidos, que além da responsabilidade criminal, também deverão ressarcir aos cofres públicos, o montante de R$ 4,4 bilhões, entre 1999 e 2004. A operação foi desmantelada pela Polícia Federal, motivará a punição dos fraudadores envolvidos na quadrilha. Conforme verificou a Controladoria Geral da União, divulgou que a quadrilha era formada por empresários lobistas da indústria farmacêutica e servidores públicos, sendo de forma imoral e fraudulenta utilizando falcatruas nas compras de medicamentos do Ministério da Saúde. Demonstrou-se nas investigações, que os envolvidos no esquema imoral e ilegal, agiram com dolo, em todas as etapas do processo de compra de medicamentos pelo ministério durante os cinco anos auditados. Os problemas envolvendo a imoralidade e a fraude demonstra-se nas etapas da programação das compras até a fase das licitações, produzindo valores superfaturados, compras superdimensionadas e recebimento de produtos com prazo de validade prestes a vencer. No caso em tela, 17 membros da quadrilha forma presos. 370

Pode-se citar outras operações investigatórias na repressão aos ilícitos relacionados

às fraudes licitatórias:

a) Em “Operação Guabiru” a Polícia Federal prendeu 27 pessoas, entre elas nove prefeitos, dois secretários municipais e 14 empresários, acusados de formação de quadrilha, falsidade ideológica, lavagem de dinheiro e fraudes no processo de licitação de merenda escolar em Alagoas. De acordo com a Polícia Federal, a operação envolveu 311 agentes de todo o País e desmontou um esquema de corrupção que há dez anos fraudava licitação e vendia produtos superfaturados às prefeituras. Os valores das fraudes chegam a quase R$ 2 milhões. O ex-prefeito R.T é apontado como sendo a principal figura do esquema, pois é acusado de manter empresas fantasmas e de fachada para emitir notas frias para os prefeitos, que, por sua vez, aumentavam o número de alunos para receber mais dinheiro. A polícia apreendeu 15 processos de licitação frios. De acordo com os documentos, os desvios ocorriam de diversas maneiras, como fornecimento de produtos em quantidades menores que o licitado,

368 As infrações estão previstas na Lei n° 8.429/92 – enriquecimento ilícito em razão de cargo público, leão ao erário público por ação ou omissão, dolosa ou culposa; ou que viole os deveres com a Administração Pública. 369 MINAS, Op. cit., p. 5. 370 _______ . Ministério vai mapear rombo dos vampiros, p. 3.

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com qualidade inferior, informação de alunos superior ao existente, direcionamento de processos de licitação, incluindo produtos somente as empresas de fachadas da própria quadrilha poderiam fornecer e realização de falsos procedimentos licitatórios, para acobertar saída de recursos. 371 b) Empresas fantasmas, licitações forjadas, notas fiscais falsas, falta de exigência de documentação para empresas que participam das disputas foram as principais irregularidades encontradas pela Controladoria Geral da União (CGU) em auditoria realizada em novembro e dezembro de 2004, auditoria realizada em 60 municípios brasileiro. Na lista das cidades fiscalizadas, estão sete mineiras. Todos apresentavam problemas na aplicação de recursos federais, sobretudo nos processos licitatórios. 372 c) O Ministério do Planejamento lançou edital para contratação de serviço de fotocópias com indícios de favorecimento à atual empresa prestadora dando um prazo de apenas 5 dias para instalação de 65 copiadoras. O prazo para instalação das máquinas para esse tipo de serviço estabelecido pelos órgãos públicos gira em torno de 20 a 30 dias, podendo chegar a 60 dias. O pregão estava previsto para ocorrer no último dia 24. Foi antecipado repentinamente para dia 20, mas acabou não sendo feito. Alguns fornecedores protestaram contra o prazo curto para instalação e entraram com o recurso contra o edital. De acordo, com informações extra-oficiais, o edital teria sido suspenso. 373 d) A Operação “Empreitada” formada por policiais civis paranaenses do Núcleo de Repressão a Crimes Econômicos, Centro de Operações Policiais Tático Integrado de Grupos de Repressão Especiais, com apoio das policiais civis de São Paulo e Rio, prenderam 19 pessoas acusadas de fraudar licitações públicas. As empresas se articulavam parra não participarem de concorrências e esvaziavam a licitação. Para garantir a participação dos fornecedores no processo de compra, havia a necessidade de se aumentar o preço. A partir dessa constatação que se atuou diretamente nas investigações, inclusive com escutas telefônicas, que flagra a ação criminosa. Foram formados um verdadeiro Cartel. 374 e) Em outra ação, agentes federais deflagraram, a Operação “Roupa Suja,” destinada a desarticular cartéis que fraudavam licitações para a prestação de serviços de lavanderia para hospitais do Rio e licitações para a compra de insumos para retrovirais, principalmente do coquetel anti-Aids, pelos laboratórios estaduais. A organização “loteava” a prestação de serviços e tinha como sede o Sindicato das Empresas de L., eles combinavam qual seria a empresa que ganharia determinada licitação, com a participação, em alguns casos, de servidores públicos, sempre com preços mais elevados, em alguns casos com superfaturamento de 700%, disse o procurador da República José Augusto Vagos. Os empresários acertavam previamente o resultado das licitações e os preços a serem apresentados, com o objetivo de atingir um patamar mais alto do que se realmente houvesse concorrência. A operação resultou na prisão de 11 pessoas e no cumprimento de 17 mandados de busca e apreensão, na região metropolitana da capital fluminense. Os empresários presos podem ser processados por formação de quadrilha, fraude em licitação, lavagem de dinheiro, sonegação fiscal e corrupção. 375 Em caos na saúde, Ministério Público denuncia 28 pessoas por fraudes no Rio: empresários, funcionários de empresas e servidores públicos são acusados de formar quadrilha especializada em burlar licitações para compra de remédios e insumos em hospitais públicos. 376

371 MINAS. Fraudes na merenda escolar – PF procura quatro acusado, p. 11. 372 MAAKAROUN. Auditoria: Contas irregulares em MG, p. 11. 373 MINAS. Gastos públicos, p. 5. 374 _______. Fraude em licitações, p. 10. 375 MINAS. Grupos fraudavam licitações no Rio, p. 12. 376 ______. Op.cit,. 6 de set 2005. p. 12.

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f) Em Operação Narciso, de combate à sonegação fiscal, de formação de quadrilha, de contrabando, de falsidade ideológica e de crime contra a ordem tributária, os agentes da Polícia Federal, fiscais da Receita Federal e membros do Ministério Público revistaram a empresa importadora D. localizada na Vila Olímpia (Zona Sul de São Paulo). O Ministério Público apresentou denúncia contra a sociedade limitada E.P.AT e seu irmão A.C.P.A dirigentes de uma das lojas mais luxuosas do país. Eles podem pegar até 21 anos de prisão. Foram feitas buscas na loja D, incluindo revistas de todos os veículos que chegavam ao setor de carga e descarga no estabelecimento. Em seus quatro andares, que ocupam cerca de 17 mil metros quadrados, são vendidos de cosméticos a roupas de grifes, carros, móveis e artigos de decoração, até lanchas. Entre as provas apreendidas e apresentadas a Justiça esta uma carta assinada por C.L e dirigida a A.C.P.A, em que consta uma planilha de proposta de subfaturamento de mercadorias. As mercadorias com notas fiscais subfaturadas eram montadas pela empresa D, que comprava produtos diretos de fornecedores no exterior e usava diversas importadoras no Brasil para obter notas fiscais com valores menores. Assim, a loja declarava a Receita Federal ter pagado valores bem abaixo às importadoras, que atuavam apenas como laranjas. Os processos por crimes contra a ordem tributária podem, no entanto, ser extinto caso as dívidas sejam quitadas. Uma funcionária da empresa confirma que a loja D negociava diretamente a compra de mercadorias com grifes internacionais. Segundo o procurador da República Matheus Magnani, o subfaturamento de algumas mercadorias, como vaso importado de um país da Ásia, registrou uma diferença de 9.374% entre o preço real e o que constava das notas fiscais. No caso, o valor do vaso era de cerca de US$ 79, mas foi declarado como se custasse US$ 0,68. 377 g) Cerca de 80 prefeitos e ex-prefeitos de Minas Gerais estão na mira da Polícia Federal e podem ser presos por fraude em licitação e desvio de recursos públicos. O esquema é responsável por desvio de recursos públicos federais, por meio de licitações fraudulentas e uso de notas frias, fornecidas por empresas fantasmas. J (ex-prefeito) é suspeito de desviar cerca de R$ 6 milhões de reais de recursos federais destinados à prefeitura por meio de convênios celebrados com a União. As empresas que participavam das fraudes em Varzelândia/MG também forneciam notas para outras cidades da região. A estimativa é de que as fraudes envolvam cerca de 100 empresas fantasmas que atuavam em diversos esquemas de fraude e desvio de recursos públicos espalhados pelo interior do estado. 378 h) Conforme a Polícia Federal, o esquema de desvios de verbas públicas a partir de fraudes em licitações públicas nas prefeituras funciona da seguinte forma: 1 – criam-se empresas fantasmas, “especializadas” no fornecimento de notas fiscais frias; 2 – a prefeitura realiza uma licitação viciada, com as empresas fantasmas; 3 – com a conveniência dos membros da comissão de licitação, é escolhida antecipadamente a empresa “vencedora” da concorrência. As empresas fantasmas são usadas apenas para “validar” o processo e dar a impressão de que tudo esta sendo feito dentro da lei; 4 – como se trata de licitações fictícias, além do subfaturamento, as empresas vencedoras realizam obras de má qualidade, em desacordo com os projetos; 5 – as notas fiscais frias são usadas para “prestação de contas” de serviço nunca realizados. Neste caso, os fraudadores costumam citar serviços de difícil conferência numa vistoria, como redes de esgoto. Elas são usadas ainda para a simulação de supostas compras de produtos, mas que nunca chegam a população. 379 i) Investigações policiais iniciaram no final de 2004, como decorrência das investigações anteriores feitas pelas Operações “Caronte e Galiléia,” em dezembro de 2004 e janeiro de 2005, que à época investigavam acusados de participar de fraude na emissão de certidões negativas de débito no Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) do Pará. Agora, Polícia Federal faz operações no Nordeste e Norte. No Pará, prende primogênito de A.G (ex-governador); em Pernambuco, três prefeitos e um

377 ______. Donos da D. são denunciados de contrabando, p. 9. 378 MELLO. Fraudes: Prefeitos na mira da PF, p. 9. 379 RIBEIRO. Fraudes: acusado complica prefeitos, p. 8.

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deputado estadual. Identificou-se empresas envolvidas que participavam de licitações públicas de segurança pública, limpeza hospitalar ou urbana, mesmo com débitos vultuosos junto ao INSS, o que é ilegal. A operação era possível mantendo as dívidas em nome de laranjas e revezando os certames licitatórios entre as empresas, que partilhavam não só integrantes dos quadros societários, mas veículos, instalações, endereços e até empregados em comum. O esquema rastreou as ligações entre as pessoas jurídicas envolvidas. 380 j) A Polícia Federal, em operação batizada de “Alcaide,” prendeu três prefeitos de Pernambuco, além de um deputado estadual. Ao todo, foram expedidos 21 mandados de prisão expedidos pelo Tribunal Regional Federal da 5ª Região. A operação desmontou uma quadrilha que fraudava licitações em oito prefeituras da região. Estima-se que foram desviados pelos acusados cerca de R$ 10 milhões de recursos federais. Os acusados irão responder por fraude de licitações, lavagem de dinheiro, falsidade ideológica, corrupção, tráfico de influência e formação de quadrilha. As investigações tiveram início após auditoria da Controloladoria Geral da União (CGU), em vários municípios. De acordo com a polícia, o esquema usado pela quadrilha funcionava da seguinte forma: o prefeito firmava convênios ou contratos com a União, o que implicava repasse de verbas federais. A licitação era fraudada para beneficiar empresas fantasmas ou com ramificações em outros municípios. A prestação de contas era feia com notas fiscais frias e o dinheiro retirado por prefeitos, tesoureiros, funcionários públicos ou por terceiros. 381 k) A Polícia Federal prendeu 15 pessoas, na Operação “Águas Profundas” e desarticulou esquema de fraudes em licitações da Petrobras. Entre os detidos estão três funcionários da estatal, dois da Fundação do Meio Ambiente do Rio de Janeiro, um agente federal e diversos empresários. Os valores envolvidos nas irregularidades estão sendo calculados. O esquema foi montado pelos empresários M.L.S.Z, F.C.S e W.P.G, que tinham o controle da empresa A., usada para contratar firmas fantasmas, que emitiam notas falsas para o bando. Muitas vezes, os trabalhos contratados não eram feitos ou executados de forma precária. As empresas ligadas diretamente a A receberam informações privilegiadas, o que propicia vitória segura nas disputas licitatórias, cujas cifras chegaram a valores astronômicos. Apurou-se que a empresa A passou a “vender” seus serviços. Os envolvidos responderão a processo de formação de quadrilha, corrupção ativa e passiva, lavagem de dinheiro, sonegação fiscal e fraudes em licitações. 382 l) A Operação “Navalha” da Polícia Federal, com participação da Receita Federal e do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) indicam que a empresa Construtora G. usava outras empresas de fachada para supostamente lavar recursos obtidos em contratos irregulares assinados com o setor público. As apurações atingem empresários, lobistas e políticos já presos, sob a acusação de fraude em licitação pública, corrupção, subfaturamento de obras e desvios de dinheiro público. As análises preliminares mostram também que Z.V usava empresas de seus funcionários para supostamente participar de licitações fraudulentas e para receber dinheiro público. Na primeira fase de investigação, os auditores estão cruzando os dados das declarações de Imposto de Renda com as movimentações financeiras das empresas de Z.V e dos demais envolvidos. A Receita está checando também se todos os recursos de contratos com o poder público e com outras empreiteiras e fornecedores estão devidamente declarados. Numa fase posterior, os auditores solicitarão os balanços contábeis das empresas. A devassa da Receita foi aberta com o objetivo de investigar os crimes de sonegação fiscal e contra a ordem tributária. Apesar de assinarem vários contratos supostamente superfaturados com o poder público, as empresas do empresário Z.V estão com o nome sujo na praça. Segundo o cadastro do Banco

380 MINAS. Fraude: Preso filho de ex-governador, p. 9. 381 _______. Políticos detidos em Pernambuco, p. 9. 382 _______. Presos acusados de fraudar licitações da Petrobras, p. 9.

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Central, a Construtora G. somente em maio deste ano teve protestados, em vários cartórios do país, 53 títulos que somam cerca de R$ 250 mil. 383 m) “Em operação Pororoca, foi preso o empresário L.E.P.C sócio-proprietário da C.M.N.Engenharia e C.Ltda, apontada como a principal beneficiária de recursos desviados, em decorrência de fraudes nas licitações públicas no Amapá. Outras 29 pessoas foram detidas simultaneamente em Macapá(AP), Belém (PR) e Brasília (DF). A Polícia Federal usou grampos e fez escutas telefônicas autorizadas pela justiça para chegar aos responsáveis pelo esquema de fraudes, que ultrapassa a US$ 103 milhões. As fraudes da quadrilha eram realizadas através da Comissão Permanente de Licitação, que conseguia contemplar como vencedoras das licitações as empresas participantes do esquema. Além de funcionários públicos de diversos órgãos, políticos e empresários estão envolvidos nas fraudes. Eles responderão pelos crimes de corrupção ativa e passiva, formação de quadrilha, tráfico de influência, advocacia administrativa, peculato, prevaricação, usurpação de função pública e inserção de dados falsos em sistemas de informações. Os fraudadores utilizavam inclusive o SIAF, um sistema de gerenciamento de créditos e orçamentos da União. Para isso, contavam com a participação de servidores públicos de Brasília. O sistema de informação da Receita Federal também teria sido violado pela quadrilha.” 384

n) “Operação Sentinela, leva a prisão dez pessoas, entre servidores e seis empresários, envolvidos em irregularidades no Tribunal de Contas da União (TCU), órgão responsável por fiscalizar contas públicas. As investigações sobre o caso tiveram início em janeiro deste ano, depois que a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) denunciou uma formação de cartel entre as empresas de segurança e conservação. Segundo investigação da Polícia Federal, os quatro servidores receberam R$ 100 mil dos empresários para modificar um parecer do TCU a fim de beneficiar empresas. A fraude foi realizada e a licitação aprovada. A PF também teria quebrado os sigilos bancários dos suspeitos e identificou um depósito de R$ 25 mil na conta do secretário-geral de Administração do TCU. O grupo pagava propina para funcionários do TCU fraudarem licitações, alterando os valores do contrato, para beneficiar os empresários. Além disso, os donos de empresas firmavam preços e combinavam os resultados das licitações.” 385

Registra-se, ainda, que quanto às responsabilidades administrativas, os

funcionários públicos, gerentes ou sócios administradores de sociedades empresariais deverão

ser submetidos a investigações, via sindicâncias ou processos administrativos, no objetivo de

apurar os comportamentos dos envolvidos passíveis de pena de demissão ou exclusão daquele

que estiver envolvido em “negociatas”, sem respaldo legal, bem como suas responsabilizações

criminais, se caso subsumir a um injusto penal.

Assim, em que pese a Lei n. 8.666/93 não estender a competência da Polícia

Judiciária nas investigações para que atue na repressão destes crimes, o fato é que é preciso

refletir sobre suas atribuições constitucionais. Diante da notícia crime que aportar-se aos

representantes do Ministério Público, se ausentes provas indiciárias e co-autorias definidas,

antes de oferecer a denúncia, torna-se recomendável que a Polícia Judiciária possa iniciar a

persecução repressiva ao crime. Assim, as investigações policiais com resultado satisfatório

383 RIBEIRO JR. Rede de corrupção é investigada, p. 3. 384 CRUZ. Operação Pororoca. Empresário suspeito de fraude é preso em BH, p. 4. 385 MACHADO. Fraude: PF desmonta esquema no TCU, p. 3.

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de apuração da autoria e materialidade delitiva motivará posterior denúncia do parquet, que se

subsidiará na persecutio criminis para dar início à ação penal justificável.

As mudanças que se verificam por parte dos legisladores, mais uma vez, vêm

demonstrando a preocupação em coibirem-se as “fraudes licitatórias”. Agora, só falta o

respaldo dos governantes – compromissados com a legalidade e moralidade − para que, com

uma infra-estrutura eficiente dispensada às polícias, estas passem a coibir, com novas

investidas, a criminalidade globalizada, apurando-se os gestores e as sociedades empresárias

que administram com condutas fraudulentas, a fim de serem responsabilizados criminalmente.

As sanções penais a serem aplicadas às pessoas físicas que violam normas

atinentes à licitação pública são privativas de liberdade, restritivas de direito ou multa.

Lembrando-se que aos delitos de menor potencial ofensivo é passível aplicar penas

alternativas de prisão, dentre as quais a transação penal a ser proposta pelo Ministério Público

ou, ainda, a suspensão condicional do processo, ao teor dos arts. 72, 76 e 89 da Lei 9.099/95.

Diante do conteúdo exposto, verifica-se que os gestores (pessoas físicas), caso se

sujeitem às sanções penais, podem se subsidiar na teoria geral da pena, ao teor dos arts. 32 a

58 do Código Penal, ou, ainda, nas peculiaridades da alternativa pena de prisão, conforme

disciplinado na Lei n. 9.099/95.

Conforme se verificou são sanções administrativas por violação às normas

licitatórias previstas no art. 87 da Lei 8.666/93: advertência, multa, suspensão temporária de

participação em licitação e impedimento de contratar com a administração pública, por prazo

não superior a 2 (dois) anos e declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a

Administração Pública. Tais sanções são de caráter administrativo e, se aplicadas à sociedade

limitada, resumem-se às mesmas penas, já previstas na teoria geral da pena, ou seja,

correspondentes à restrição de direitos e de multa.

A legislação trata de violação às normas de licitação, motivando a

responsabilização administrativa a ser aplicada à pessoa jurídica caso contribua para o

resultado lesivo. Verifica-se também a aplicação ao sujeito ativo (imediato-direto) de sanções.

A pessoa física poderá se sujeitar às penas de privação da liberdade, restritivas de direito e ou

multa, ao teor do art. 32 do CP. Entretanto, caso haja responsabilizações concorrentes de

agentes, também se aplicará a sanção administrativa à pessoa jurídica, que é partícipe indireta,

pois nas esferas das negociações e das operações espúrias tem relação com os benefícios

auferidos pelo gestor-autor, na medida em que a sociedade limitada é utilizada para encobrir o

fato punível.

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A alternativa que se propõe para coibir a impunidade na órbita de crimes

societários, que são realizados por intermédios de pessoas jurídicas, motiva

responsabilizações simultâneas da pessoa física (gestor) e da sociedade limitada (pessoa

jurídica) na gestão empresarial fraudulenta. Ao autor (pessoa física) aplicam-se penas:

privativa de liberdade, restritiva de direito e/ou multa; à pessoa jurídica, em face da infração

concorrente, oriunda do mesmo fato punível, sanções de restrição de direitos e/ou multa,

conforme previsto no art. 87 da Lei n. 8.666/95. Em primeira análise, as sanções penais

aplicadas às pessoas físicas autoras de crimes são de competência do Poder Judiciário, sendo

aplicadas pela autoridade judiciária. Quanto às sanções administrativas, as autoridades

administrativas são competentes por atribuições na seara administrativa no âmbito seja da

União, do estado e dos município, via processo administrativo.

Tais sanções poderão ser aplicadas pela autoridade judiciária, se respeitados os

princípios do contraditório e da ampla defesa, previsto no art. 5º, inciso LV, da CF. Assim,

oferecida a denúncia em desfavor do gestor ou do diretor da sociedade limitada e, ainda, da

própria pessoa jurídica, demonstrando cada uma das etapas do crime a participação mediato-

indireta da empresa, nada obsta regular procedimento penal acusatório. Entretanto, é

necessário identificar o tipo penal e descrever as condutas ou atividades que contribuíram para

o ilícito penal. No caso da sociedade empresária, demonstrar que sua estrutura organizacional

deu causa ao resultado lesivo para a prática do delito.

Nada obsta a regular tramitação do devido processo penal em desfavor dos

denunciados − pessoa física e a pessoa jurídica −, com a denúncia-crime oferecida aos

infratores pelo representante do Ministério Público. Basta lembrar que as sanções

inicialmente de caráter administrativo, sejam as restritivas de direito ou as penas pecuniárias

encontram respaldo no Direito Penal Brasileiro, o que nada obsta serem aplicadas à pessoa

jurídica, na órbita criminal.

É bom lembrar que, já nas fases preliminar e investigatória, a autoridade policial se

subsidiará na busca de indícios do crime atinente à violação das normas licitatórias ou de

outros delitos empresariais, que, se perpetrados em concurso de agentes − pessoa física e

jurídica −, todos devem ser responsabilizados. A apresentação dos elementos indiciários é

capaz de motivar o promotor de justiça a oferecer a peça acusatória contra aqueles que

praticam o crime societário ou com ele contribuem para as operações e negociatas ilícitas.

Há normas jurídicas diversas, tais como civil, fiscal, administrativa e penal, mas a

norma penal deve intervir na prestação jurisdicional de forma autônoma, direta e eficaz, no

intuito de resultar a responsabilização daquele que violou o bem jurídico tutelado. Para o Prof.

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Roberto Santiago Ferreira Gullo386, “o direito penal deve intervir, como disciplina

independente e preponderando sobre qualquer outro ramo do direito”. Ele ensina:

A lei penal, independe dos costumes comerciais licenciosos e despoliciados, bem como dos formalismos civilísticos, das negligências administrativas, das inexações fiscais. Nas relações com as outras matérias jurídicas, o Direito penal ocupa posição ativa, menos quanto ao Direito constitucional.

A prestação jurisdicional num único processo criminal, respeitados o contraditório

e a ampla defesa, e havendo correlação entre a peça acusatória e a sentença penal, em respeito

ao ordenamento constitucional, dá aval e motivação legal para responsabilizarem-se com a

aplicação de sanções, os agentes infratores. O objetivo estatal não tem outra finalidade senão

punir todos os infratores, e nada mais seguro para a garantia jurídica que ocorra por meio de

uma sentença penal condenatória, de caráter híbrido, com sanções penais à pessoa física e

sanções de caráter administrativo à pessoa jurídica. Assim, resumem-se as penas na órbita

criminal em privativas de liberdade, restritiva de direitos e multa, ao teor do art. 32 do Código

Penal, sendo a primeira aplicada somente ao gestor (pessoa física). Passa-se a abordar os

crimes previdenciários e as conseqüentes punições aos infratores.

386 GULLO. Direito Penal Econômico, p. 44.

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13. PERSECUÇÃO AOS CRIMES PREVIDENCIÁRIOS

A Constituição Federal de 1988, no Título VIII, contempla no Estado Democrático

de Direito, matéria fundamental atinente às garantias da “Ordem Social”. A ordem social tem

como base o primado do trabalho e como objetivo o bem-estar e a justiça social, ao teor do

art. 193. Tais garantias são extensivas a todos os cidadãos de direitos e deveres, sendo que os

empresários devem estar atentos ao fato de que seus atos podem ser geridos atendendo às

normas vigentes.

No Brasil, a seara criminal passou a tutelar as diversas condutas que violam os

interesses individuais, sociais e difusos, optando-se de forma fragmentária e de intervenção

mínima. A norma penal incriminadora, assim, visou proteger os bens jurídicos fundamentais

da sociedade utilizando-se da coação penal somente em último caso (ultima ratio), quando os

demais ramos do Direito e os controles formais e sociais tenham perdido a eficácia, não sendo

capazes de exercer a tutela necessária objetivando coibi-las. É aí que, alternativamente à

responsabilização penal, previstas estão também outras responsabilizações: civis e

administrativas.

Devido aos rombos da previdência, realizados por meio de fraudes, que têm a

participação de agentes públicos corruptos e de sonegadores, que são extensivos aos

empresários que devem milhões à Previdência Social, vê-se o Estado na obrigação de coibir

tais fatos, não obstante, não raras vezes, os inadimplentes são beneficiados por anistias,

refinanciamentos de dívidas e causas que extinguem a punibilidade, com o pagamento da

dívida previdenciária.

A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos

poderes públicos e da sociedade destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à

previdência e à assistência social (art.194 da CF/88).

Para delimitar-se o campo de atuação da Polícia Judiciária na seara de repressão

aos crimes relacionados à seguridade social ou às fraudes previdenciárias, tendo como meio

prévio condutas de falcatruas e defraudações generalizadas, é preciso refletir sobre a norma

constitucional, em especial o art. 201, que disciplina a estrutura e os benefícios da previdência

social aos cidadãos:

Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a:

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I - cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada; II - proteção à maternidade, especialmente à gestante; III - proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário; IV - salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda; V - pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes, observado o disposto no § 2º.”

Em análise sobre o Direito Previdenciário, o professor Roberto de Carvalho

Santos387 relata:

É o sistema pelo qual, mediante contribuição, as pessoas que exercem alguma atividade laborativa e seus dependentes ficam resguardadas quanto a eventos da infortunística (morte, invalidez, idade avançada, acidente de trabalho, desemprego involuntário), ou outros que a lei considera que exijam um amparo financeiro ao indivíduo (maternidade, prole, reclusão), mediante prestações pecuniárias (benefícios previdenciários) e serviços. Trata-se de um seguro social compulsório. O Direito Previdenciário tem por objeto estudar os princípios e as normas que se referem ao custeio da Previdência Social e às prestações previdenciárias devidas aos seus beneficiários. De acordo com a Carta de 1988, compete privativamente à União legislar sobre a seguridade sócia (art.22, XXIII), sendo que a lei complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas da seguridade social. Compete, contudo, à União, Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre a previdência social, proteção e defesa da saúde (art.24,XII). Na área previdenciária, entretanto, é fundamental que os Estados e Municípios partindo das normas gerais da União, venham a regulamentar os seus regimes próprios de previdência social.

Toda conduta da sociedade empresária que vise burlar tais benefícios

previdenciários mediante fraude deve ser coibidas e apurados os seus resíduos criminais.

Consiste em um sistema de proteção social visando assegurar ao trabalhador, empregado-

gestor, benefícios e serviços quando o mesmo é atingido por uma contingência social,

valendo-se para tanto da solidariedade social.

Abordando a matéria previdenciária acerca da organização criminosa, Igor Tenório

e Inácio Carlos Dias Lopes apresentam os seguintes modus operandi na configuração do tipo

de fraude, elencando-as da seguinte forma:

Fraude de benefícios (CTPS) - Carteira de Trabalho e Previdência Social; Benefício por Incapacidade - auxílio doença; são criadas “empresas fantasmas”, as quais têm existência apenas de direito, e não de fato, após recrutam-se pessoas idosas ou apenas miseráveis, que com a participação do gestor falsário, recrutadores, despachante, funcionários e ex-funcionários públicos do INSS, que conseguem iludir servidores honestos, em que a “vítima” simula fatos, com a participação de empresas, que podem “absorver” a mão-de-obra da vítima, gerando assim, prejuízos ao INSS em face de benefícios concedidos); tais comportamentos também podem dar motivação ao crime de formação de quadrilha.

387 SANTOS. Direito público/ direito previdenciário, p. 28.

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Fraude de DARPs – Documento de Arrecadação da Receita Previdenciária, similar a DARF, da Receita Federal), ocorrida uma apropriação indevida pelos falsários, em que a sofisticação do falso era tão bem feita que o número da máquina autenticadora correspondia ao número da máquina existente na agência bancária, a que os carimbos se referiam. Apresentado o DARP autenticado ao empresário, este reembolsava os falsários, descontando o valor combinado. Uma das vias do DARP acabava entrando no sistema previdenciário e ia para a DATAPREV. Para tanto a apreensão dos DARPs falsos eram compensados, com descontos. O grupo tinha um “acerto” com a DATAPREV. Uma das vias do DARP acabava entrando no sistema previdenciário e ia para a DATAPREV. O DARF falso, era periciado, após contabilidade e rastreamento dos cheques, para só então, diante das evidências, confessar o empresário e apresentar a sua via do DARP falso. Houve atuação de funcionários corruptos para a inserção do DARF falso no sistema da DATAPREV. Outras fraudes são de indenizações ou aposentadorias, Fraudes de hospitais médicos. Neste último são as cobranças fraudulentas da conta hospitalar, honorários dos profissionais da saúde, que na verdade, ou não ocorreu o procedimento ou ocorreu outro de menor porte, em termos de valor, ou se acrescenta à conta hospitalar, cobrando-se do paciente e da Previdência os mesmos serviços, duas vezes. 388

Tais condutas fraudulentas podem ocorrer em hospital, cuja natureza é de pessoa

jurídica. Para a defesa do Estado e das instituições democráticas, visando coibir condutas

criminosas que afrontam a seara previdenciária, presente está a Polícia Judiciária, com a sua

atuação repressiva e imparcial, a qual deverá ser respaldada na legalidade e moralidade, no

âmbito de interesses da União ou na seara estadual.

Por intermédio da Polícia Federal ou da Polícia Civil é que se visa à apuração da

infração penal e sua autoria, na busca de provas objetivas e subjetivas para instruir o

procedimento investigatório competente.

A Polícia Federal e a Polícia Civil Estadual, na apuração das infrações penais e de

suas autorias, têm suas competências disciplinadas na Constituição, como bem assinalou

Flávio Meirelles Medeiros389:

A Polícia Federal, nos termos do artigo 144, parágrafo 1º, e seus incisos, da Constituição Federal, destinam-se a apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme. Já as polícias estaduais, na dicção do parágrafo 4º do mesmo dispositivo constitucional, dirigidas por Delegados de Polícia, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais.

Segundo dispõe o inciso I do art. 109 da CF, aos juízes federais compete processar

e julgar as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem

partes. Entretanto, o § 3º do mesmo artigo prevê uma hipótese de delegação da Justiça Federal

à Justiça Estadual para processar e julgar ações previdenciárias, nos seguintes termos: “serão

388 TENÓRIO. Crime organizado, p. 88-95. 389 MEDEIROS. Do inquérito policial, p. 28.

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processadas e julgadas na justiça estadual, no foro do domicílio dos segurados ou

beneficiários, as causas em que for parte instituição de previdência social e segurado, sempre

que a comarca não seja sede de vara do juízo federal”.

Dúvidas não há de que a delegação de competência refere-se somente ao juízo

monocrático, porquanto o art. 109, § 4º, estabelece que o recurso cabível seja sempre para o

Tribunal Regional Federal da área de jurisdição do juiz de primeiro grau de jurisdição. Fica a

seguinte indagação: a Polícia Civil poderá atuar, em ação supletiva, na repressão dos crimes

previdenciários ou conexos aos mesmos quando ausente a Polícia Federal na circunscrição de

sua atuação (pois a Polícia Federal não se encontra presente em todos municípios)? Nada

impede que as investigações policiais sejam também realizadas pela Polícia Civil, em auxílio

ao Poder Judiciário.

O jurista Manoel Messias Barbosa390 assinalou:

Assentada a jurisprudência no sentido de que quaisquer falhas ou inobservâncias dos mandamentos legais em Inquérito Policial não têm o condão de erigir-se em nulidade, não indo além de simples irregularidade. Sendo as peças do Inquérito Policial meramente informativas e destinadas apenas a instruir eventual ação penal (na seara federal ou estadual),qualquer irregularidade havida na fase extrajudicial não contamina o feito subseqüente posto em juízo. Se, eventualmente, apresentar medida tendente a comprometer a liberdade do indiciado, de modo a configurar constrangimento ilegal, a correção será providenciada sem qualquer comprometimento para a ação penal, que poderá ser proposta ou prosseguir regularmente.

Dúvidas sempre ocorrerão, mas a atuação repressiva da Polícia Federal ou da

Polícia Civil no combate à criminalidade e às organizações criminosas, objetivando a

apuração dos ilícitos penais correlacionados com a natureza previdenciária, ou não, jamais

poderá deixar de ser coibida, sejam os crimes praticados pelos empresários ou utilizando-se

da pessoa jurídica.

Assim, fundada no princípio das esferas autônomas e independentes de

investigações a Polícia Civil, tem-se a incidência de atuação na circunscrição estadual.

Também poderá atuar em ação supletiva, diante da ausência da atuação repressiva da Polícia

Federal, ou, ainda, na seara previdenciária, envolvendo ilícitos criminais, tendo como prejuízo

interesses do erário estadual, como do Instituto de Previdência dos Servidores de Minas

Gerais (IPSEMG).

As condutas incriminadoras e suas práticas violadoras no ordenamento

previdenciário envolvem, também, prévias falsificações e defraudações de natureza diversa,

390 BARBOSA. Op. cit., p. 12.

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denominados: “crimes meios” ou “crimes independentes” (autônomos), que poderão ser

objeto de apuração, nas searas federal ou estadual pelas Delegacias Especializadas. Devem-se

apurar a fraude, o estelionato e as falsificações, circunstâncias motivadoras para a

consumação do delito-fim: previdenciário, que pode ocorrer na gestão de uma sociedade

limitada.

É necessário apurar a conduta do elemento subjetivo do tipo no crime de

apropriação indébita previdenciária, fator imprescindível à configuração do delito.

O gestor fraudulento, que devia repassar e não repassou à Receita Tributária em

favor da seguridade social, é passível de reprimenda nas searas administrativa e criminal. São

esferas independentes os juízos apuratórios; o primeiro, com a Notificação Fiscal de

Lançamento de Débito; o segundo, com a atuação da Polícia Judiciária na apuração das

infrações penais e no conseqüente indiciamento dos autores.

As condutas fraudentas que envolvem a retenção ilegal de encargos sociais,

motivando a sonegação de contribuição previdenciária, estão previstas nos arts. 168-A e 337-

A, do Código Penal, introduzidos pela Lei n. 9.983, de 14 de Julho de 2.000, em continuidade

normativo-típica ao art. 95, alínea d, da Lei n. 8.212/91, que prevêem como criminosa a

conduta do agente que deixar de repassar ou sonegar à previdência social as contribuições

recolhidas dos contribuintes no prazo e forma legal ou convencional.

Tais condutas incriminadoras estão previstas no ordenamento penal brasileiro, que

segundo o texto legal, visa tutelar os interesses da Previdência Social, em que a Lei n.

9.983/00 tipificou os novos “crimes previdenciários”. Atentando-se a algumas dessas

condutas em prejuízo dos interesses previdenciários, patente poderá ser a adequação da

conduta do autor na prática das infrações penais previstas nos arts. 168-A e 337-A do Código

Penal, que tratam da apropriação indébita previdenciária e da sonegação de contribuição

previdenciária, assim prescrito:

Da apropriação indébita previdenciária Art.168-A. Deixar de repassar à previdência social as contribuições recolhidas dos contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional: Pena: reclusão, de 2 (dois) a 5(cinco) anos, e multa. § 1º Nas mesmas penas incorre quem deixar de: I – recolher, no prazo legal, contribuição ou outra importância destinada à previdência social que tenha sido descontada de pagamento efetuado a segurados, a terceiros ou arrecadada do público; II – recolher contribuições devidas à previdência social que tenham integrado despesas contábeis ou custos relativos à venda de produtos ou à prestação de serviços; III – pagar benefício devido a segurado, quando as respectivas cotas ou valores já tiverem sido reembolsados à empresa pela previdência social.

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Sonegação de contribuição previdenciária Art. 337-A. Suprimir ou reduzir contribuição social previdenciária e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas: I – omitir de folha de pagamento da empresa ou de documento de informações previsto pela legislação previdenciária segurados empregado, empresário, trabalhador avulso ou trabalhador autônomo ou a este equiparado que lhe prestem serviços; II – deixar de lançar mensalmente nos títulos próprios da contabilidade da empresa as quantias descontadas dos segurados ou as devidas pelo empregador ou pelo tomador de serviços III – omitir, total ou parcialmente, receitas ou lucros auferidos, remunerações pagas ou creditadas e demais fatos geradores de contribuições sociais previdenciárias: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

Quanto à natureza da conduta do sujeito ativo no crime de apropriação indébita

previdenciária, Luiz Flávio Gomes391 entende que é um crime comissivo de conduta mista:

Na apropriação indébita previdenciária em primeiro lugar temos um comportamento ativo (comissivo), atípico (porque realizado sem dolo), que consiste em "recolher as contribuições dos contribuintes" ou "descontar a contribuição de pagamento efetuado" ou "inseri-la nas despesas contábeis ou receber o reembolso da previdência social". Depois advém um comportamento omissivo: deixar de repassar ou deixar de recolher ou deixar de pagar. Ação no princípio e omissão no momento sucessivo: tipos de conduta mista.

A capacidade de realizar a ação imposta pelo tipo omissivo, ainda que puro,

integra a conduta. Sobre o assunto, Cezar Roberto Bitencourt oferece uma lição precisa:

"Configura-se o crime omissivo quando o agente não faz o que pode e deve fazer, que lhe é

juridicamente ordenado. Portanto, o crime omissivo consiste sempre na omissão de uma

determinada ação que o sujeito tinha obrigação de realizar e podia fazê-lo". 392

Dúvidas poderão surgir na seara das investigações policiais em caso de conflito

aparente de normas incriminadoras quanto à competência exclusiva, ou não, da Polícia

Federal na apuração dos ilícitos previdenciários.

Poderá haver na investigação preliminar o concurso de outros ilícitos penais, em

conexão, envolvendo fraudes, estelionatos e falsidades, quanto à obtenção do benefício

previdenciário, com a utilização e participação da pessoa jurídica para encobrir o fato punível.

Nesse caso, há necessidade da persecução penal.

No estudo sobre o “estelionato previdenciário” (fraude na obtenção de benefício

dessa natureza), a lesão ao bem jurídico (patrimônio do INSS) não se prolonga continuamente

(sem interrupção) no tempo. Trata-se de lesão instantânea − logo, de delito instantâneo. 393

Nos tempos de crise e de recuperação da economia, abordando o assunto, Marta

Vieira retrata os contratos ilegais, quando demonstra:

391 GOMES. Op. cit.,, p. 33. 392 BITENCOURT. Op. cit., p. 93. 393 TRF 3ª Região, AC 1999.03.99.005044-5, rel. ANDRÉ NABARRETE, DJU de 10.10.00, Seção 2, p. 750.

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Há contratações de mão de obra terceirizada e os salários pagos aos trabalhadores subcontratados têm sido menores e os benefícios sociais inferiores, aos dos empregados com funções semelhantes nas empresas contratantes do serviço. O alvo dos sindicatos está nas terceirizações em atividades fins das empresas, que não poderiam ser delegadas a prestadores de serviço, conforme a lei trabalhista. 394

Evidenciado tais indícios de ilegalidade contratual, nada obsta motivar sua

responsabilização, via manifestação das partes prejudicadas, pois, por meio dessa falcatrua, ao

ludibriar a legislação, dúvidas não há de indícios do locupletamento indevido dos

empresários, em prejuízo do terceiro, explorado na sua condição de empregado.

A Polícia Judiciária, na repressão ao ilícito previdenciário, de forma preliminar,

poderá também elucidar outros ilícitos secundários envolvendo esquemas de formação de

quadrilha, estelionatos e falsificações generalizadas, que são utilizados ou praticados por

intermédio de uma sociedade limitada.

A obtenção de vantagens de natureza previdenciárias de forma ilícita pelos

gestores, em prejuízo dos benefícios, pode caracterizar violação aos seguintes benefícios:

- auxílio doença (art.59, da Lei 8.213/91), - aposentadoria por invalidez (arts. 42 a 47, da Lei 8.213/91), - auxílio acidente (art.86, da Lei 8.213/91), - acidente de trabalho (art.121, da Lei 8.213/91), - aposentadoria por idade (art. 39 e 143, da Lei 8.213/91), - por tempo de contribuição (art.98, da citada Lei), - aposentadoria especial (arts. 57 e 58, da Lei 8.213/91), - salário família (Medida Provisória nº. 182, de 29/04/2004), - salário maternidade (Lei 10.421/02), - pensão por morte (arts. 74 a 79, da Lei 8.213/91), - auxílio reclusão (art. 80,da Lei 8.213/91), - abono anual – décimo terceiro salário ou gratificação natalina - (Lei 8.114/90 e Lei 8.213/91) e serviços da previdência social. Portanto, nada obsta apurarem-se ilícitos criminais, quando obtido os benefícios mencionados, através de falcatruas, pois, necessário e resguardar invioláveis os interesses da União, Estados, Municípios e do dinheiro público.

As investigações policiais poderão, direta ou indiretamente, estar relacionadas aos

crimes previdenciários, em face do conflito aparente de normas incriminadora, pois envolvem

várias etapas para a execução e o seu exaurimento, com a obtenção, ou não, da vantagem

ilícita. Tais condutas poderão adequar-se também à conduta típica de apropriação e sonegação

das contribuições previdenciárias.

Logo, qualquer ato preparatório, de tentativa ou execução, com o conseqüente

exaurimento do crime, no intuito de conseguir benefícios previdenciários, por meio

fraudulento, por intermédio de estelionatos, fraudes e falsificações, deverá imediatamente, ser

394 VIEIRA. Nova onda de terceirização, p. 9.

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coibido pelas autoridades competentes. A inação dos órgãos e representantes da Seguridade

Social, da Polícia Judiciária e do Ministério Público não deve ser tolerada, nem mesmo a

sociedade, diante das quadrilhas que se instalam para a atuação nessa seara especializada

objetivando a obtenção vantagens ilícitas, em prejuízo do Estado e dos interesses dos

cidadãos.

O estudo do conflito aparente de normas incriminadoras ou de leis é objetivamente

esclarecido por Luiz Regis Prado395, por meio dos critérios da especialidade, em que “a lei

especial derroga lei geral; subsidiariedade, aplica-se a um tipo penal quando outro não puder

ser aplicado; consunção, um crime é fase de realização de outro, ou forma regular de transição

para este”.

A Lei n. 9.983/00 alterou profundamente o regramento dos crimes previdenciários

no nosso país, porém não cuidou do estelionato previdenciário (percepção de benefício

previdenciário mediante fraude), que continua sendo regido pelo art. 171 do Código Penal,

com a causa de aumento de pena do § 3º, conforme explica Luiz Flávio Gomes396:

O estelionato é crime instantâneo, consumando-se com a obtenção da vantagem ilícita em prejuízo alheio. Cuidando-se de vantagem parcelada, há um só delito, alcançando o agente à consumação com a obtenção da primeira parcela. Nesse sentido: DAMÁSIO E. DE JESUS, Código Penal Anotado, São Paulo, Editora Saraiva, 10.ª ed., 2000, p. 613; TRF 2.ª Reg., Apel. Crim. 9.172, DJU 13.9.94, p. 50413; TRF 3.ª Reg., Apel. Crim. 92.03.0511731, 5.ª Turma, voto vencido da Juíza Ramza Tartuce, RT, 733:718; Julgados do TACrimSP, 88:441. De modo que o recebimento das parcelas posteriores integra a fase de exaurimento de um crime instantâneo, nada tendo de permanente. “No sentido genérico do texto: CEZAR ROBERTO BITENCOURT, Manual de Direito Penal, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 182”. No que concerne, em conseqüência, à prescrição, o autor citado sublinhou: “considerado o fato questionado crime instantâneo e não permanente, incide o art. 111, I, do CP, começando o prazo da prescrição da pretensão punitiva na data do recebimento da primeira parcela indevida.

Polêmica que se tem levantado quanto ao estelionato previdenciário, conforme

assinala Luiz Flávio Gomes397: O crime é instantâneo ou permanente? Crime único,

continuado ou concurso formal? Nesse aspecto, o estelionato praticado contra o INSS (art.

171, § 3º, do CP) deve ser considerado crime continuado ou permanente, para os fins de

cômputo do início da prescrição? Fundamentou sobre o tema Camila Sant’Ana David de

Souza 398:

395 PRADO. Curso de direito penal brasileiro, p. 141. 396 GOMES. Crimes Previdenciários, p. 33. 397 Disponível na internet: www.ibccrim.org.br, 11.02.2001. 398 Disponível na internet: www.direitocriminal.com.br /Jurisprudência comentada, 28.11.00.

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Há três posições jurisprudenciais nitidamente divergentes acerca da matéria. Primeiramente, cumpre distinguir o que seja crime permanente, comparando-o com o crime continuado. O crime continuado é composto de ações descontínuas e autônomas, porém, reiteradas, que configuram crimes da mesma espécie; em contrapartida, a permanência delitiva é aquela em que uma única ação ou omissão cria um estado de dano ou perigo contínuo e permanente... Ademais, o estelionato é um crime material e instantâneo, pois a sua consumação é atingida no primeiro momento em que há a obtenção da vantagem indevida, em detrimento da entidade previdenciária; as parcelas subseqüentes são consideradas como mero exaurimento. 1) A maioria das decisões dos tribunais têm considerado o estelionato de rendas mensais, praticado contra entidade de direito público, crime continuado, pois “tratando-se de crime da mesma espécie e que se assemelham pelos elementos objetivos e subjetivos: configura-se a homogeneidade e o delito continuado.”(TACrim-SP, Ac. Rel. Galvão Coelho). No mesmo sentido: “crime praticado contra a Previdência Social. Percepção mensal de benefício obtido fraudulentamente. Caracterização de crime instantâneo, pois o tipo penal se consuma no ato do recebimento da primeira parcela.”(TRF-3ª Reg., RT 771/719; TRT-5ª Reg. RT 767/716; TACrim-SP, Ag.Ex. 760.149-9; TRF-2ª Reg.-Apel. 9.172 - DJU 13/09.94; TRF-3ª Reg.-RSE nº 9403039050-6; TJSP-Ac.Rel. Camargo Sampaio; TACrim-SP). Para os que entendem que o estelionato de rendas mensais praticados contra a Previdência Social é crime continuado, a prescrição começa a correr da prática do último ato integrante da continuidade delitiva, conforme entendimento firmado pelo STF (RT 720/560), e pela doutrina (Nélson Hungria). Contudo, em sentido contrário, Alberto Silva Franco considera que, para os crimes continuados, o prazo prescricional da pretensão punitiva deve ser considerado com relação a cada crime isolado, para fins de excluir o aumento de pena do crime continuado no cômputo do prazo prescricional; 2) Há, todavia, uma pequena parte que considera o estelionato de rendas mensais como crime permanente, em que seus efeitos protraem no tempo, de modo que a consumação do delito só ocorre com a cessação da última conduta, interferindo no início da contagem do prazo prescricional. Então, a prescrição da pretensão punitiva somente terá início quando cessada a permanência, ou seja, quando o agente deixar de realizar a fraude contra a Previdência Social: “Fraude na percepção de rendas mensais de benefício previdenciário. Delito cuja consumação se prolonga no tempo. Prescrição. Termo inicial que se conta da cessação da permanência. Inteligência do art. 111, III, CP.” (STJ - RT 706/399; RT 679/393; TRF-3ª Reg.- RT 733/715; TJSP-RT 727/485); “na verdade, nos crimes fiscais mencionados, a consumação protrai-se no tempo, detendo o agente o poder de fazer cessar o estado antijurídico por ele realizado, bastando para tanto que volte a recolher os tributos devidos, com ou sem o pagamento das parcelas vencidas” (Leonardo Coelho do Amaral, Boletim IBCCrim, São Paulo, ago. 1999);

3) Entendimento isolado há no sentido de desconfigurar o tipo do estelionato, previsto no art. 171, CP, quando o sujeito passivo é a Previdência Social, para enquadrar a conduta no crime previsto por lei especial, qual seja a Lei Orgânica da Previdência Social, arts. 155, IV, e 158, bem como do decreto-lei 66/66. Sustentam a tese de que a lei penal mais específica, que criou outra tipificação para a conduta qualificada pelo sujeito passivo, restou por derrogar a norma geral prevista no CP. (TACrim.-SP- Rec. Rel. Leite Cintra; TRF-Ac. 7.638, Rel Costa Lima).

Assim, na seara das investigações criminais, o entendimento jurisprudencial

majoritário faz-se necessário pela autoridade policial na persecução criminal e na

identificação das provas e da autoria, como também esclarece o criminalista Luiz Flávio

Gomes, que considera os crimes previdenciários como sendo crimes instantâneos e

continuados. No caso, o autor responde por concurso formal de crimes. Argumenta o autor:

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Isto se explica pelo fato que cada conduta praticada pelo agente é isolada, com consumação instantânea, não podendo se cogitar de permanência delitiva porque, cada vez que o agente deixa de recolher a contribuição previdenciária aos cofres, pratica um fato típico próprio, afastando então a hipótese de crime instantâneo de efeitos permanentes, em que só há um resultado danoso. Além disso, não se pode considerar tal crime como permanente, pois este envolve, no que tange ao elemento subjetivo, um ânimo único e contínuo que não atinge a consumação final, levando-se a considerar como certas as condutas infracionais eventuais e futuras (ou seja, o não recolhimento), que estará ao arbítrio do contribuinte realizar ou não, fugindo à esfera de previsibilidade normal. Ao contrário, conforme nosso entendimento, cada vez que o agente deixa de recolher as contribuições previdenciárias, seu ânimo delitivo se esgota naquele exato momento; seus efeitos ao erário não são permanentes, mas sim efetivos, pois cada não-recolhimento implica em um débito tributário distinto. Isto posto, o prazo prescricional da pretensão punitiva deve ser considerado com relação a cada crime isolado, computando-se a pena em abstrato e não aquela acrescida pela continuidade delitiva Portando, com uma só conduta fraudulenta, produz vários resultados jurídicos (lesões ao bem jurídico tutelado), responde por concurso formal de crimes. 399

Os crimes previdenciários consumam-se quando resulta prejuízo à “função

arrecadadora da Previdência Social”. Dá-se a apropriação daquilo que é devido à Previdência

ou daquilo que a Previdência reembolsou e não foi pago a quem de direito. O devedor

fraudulento tem a intenção de não restituir valores devidos ao erário público.

De qualquer modo, só responde pelo delito quem deixou de repassar ou recolher a

contribuição previdenciária ou, mesmo, quem não pagou ao segurado o benefício

reembolsado e, nas circunstâncias em que se encontrava, podia agir de modo diferente. Isto é,

só responde pelo crime quem, tendo real possibilidade de realizar o repasse, o recolhimento

ou o pagamento, não realizou, apropriando-se dele.

As investigações criminais devem ser iniciadas a pedido do servidor público que

tenha conhecimento imediato da notitia criminis ou por iniciativa de terceiros interessados

não se pode deixar-se de cogitar a atuação ex officio da Polícia Judiciária quando se verifica a

existência de indícios das infrações penais previdenciárias de natureza pública

incondicionada. Portando, para acelerar os trabalhos investigatórios, nada impede que os

representantes da estrutura organizacional que integra a Seguridade Social, tomando ciência

da infração penal, em tese, encaminhem todo expediente para a polícia investigatória, para

que inicie a persecução criminal.

A autonomia do Direito da Seguridade Social e também do Direito Previdenciário

é resultado da existência de princípios e institutos próprios, de normas específicas que tratam

das políticas de seguridade social, bem como de farta doutrina que estuda esse ramo do

direito. Além do mais, a Seguridade Social têm instituições próprias: Instituto Nacional de

399 GOMES. Crimes Previdenciários, p. 33.

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Seguridade Social, Ministério da Previdência Social, Ministério da Saúde e Ministério do

Desenvolvimento Social; no âmbito estadual, Instituto de Previdências dos Servidores

Públicos do Estado de Minas Gerais e outros ramos de serviços previdenciários. Como bem

assinala Dejair Vieira400, “são as prestações assistenciais, tais como médica, farmacêutica,

odontológica, hospitalar, social e de reeducação ou readaptação profissional”.

Logo, qualquer conduta de falcatrua objetivando fraudar os serviços

previdenciários é passível de investigação policial, de modo a se coibir a impunidade gerada

nessa seara, que podem ser perpetrados utilizando as sociedades empresariais. “Há sempre

artifícios que burlam a lei, conforme foi identificado, em que o empregador (sociedade

limitada) responsável pela assinatura da carteira de trabalho, entretanto deixa de pagar o

FGTS (Fundo de garantia por tempo de serviço) e não recolhe o INSS”. 401

A apuração de fraudes, penal e civil, à ordem social, em especial às

previdenciárias, na lição de Luiz Alberto Ferracini402:

Insta esclarecer-se de que não há fraude penal e fraude civil. Ela, a fraude, é uma só. Há quase sempre fraude penal quando, relativamente idôneo o meio iludente, se descobre, na investigação retrospectiva do fato, a idéia pré-concebida, o propósito “ab initio” da frustração do equivalente econômico.

É necessário, preliminarmente, que a autoridade policial proceda a um

levantamento da matéria a ser investigada quanto aos elementos subjetivos e objetivos do

empresário na fraude previdenciária, verificando a consecução, ou não, da vantagem ilícita.

A análise dos indícios do emprego de meio fraudulento e a busca das provas deste

liame fraudulento empregado, além de evidente nexo de causalidade entre o meio fraudulento

utilizado e a prestação da vantagem ilícita conseguida pelo agente ao dar causa à lesão ao

patrimônio público ou à iminência de ocorrer tal prejuízo, são os recursos indiciários para o

combate à falcatrua, à apropriação indébita ou à sonegação previdenciária.

A persecução penal deverá passar pelo crivo das investigações policiais, por meio

do inquérito policial e do relatório conclusivo do delegado de polícia que seja capaz de formar

a opinio delict policial, com a descrição pormenorizada da conduta da pessoa física e da

pessoa jurídica, se caso for. Com a conclusão das investigações, há o indiciamento dos

autores.

400 VIEIRA. Direito previdenciário: para concurso de juiz do trabalho, p. 22. 401 MINAS. Artifícios burlam a legislação. 20 maio 2005. p. 3. 402 FERRACINI. Do crime de estelionato e outras falcatruas, p. 35.

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Para Ayres F.L. da Silva403, “cabe assinalar, que as investigações são provas

técnicas, quando produzidas no inquérito policial, tem o mesmo valor probatório da prova

produzida, em juízo”.

Na seara estadual, há a Resolução n. 6.174, de 30 de maio de 1996, que dispõe

sobre a competência operacional e o funcionamento das Unidades Policiais da Polícia Civil do

Estado de Minas Gerais − em especial, no art. 33 da citada resolução, que define a

competência da Delegacia Especializada de Falsificações e Defraudações para apurar os

seguintes crimes:

Extorsão indireta (art. 160); apropriação indébita (art. 168 e 169); estelionato (art. 171); abuso de incapazes (art. 173); induzimento a especulação (art. 174); outras fraudes (art. 176); fraude e abusos na fundação ou administração de sociedade por ações (art. 177); emissão irregular de conhecimento de depósito ou “warrant” (art. 178); fraude à execução (art. 179); receptação (art. 180), desde que vinculados a ilícitos penais de sua competência; violação ao direito autoral (art. 184); usurpação de nome ou pseudônimo alheio (art. 185); falsificação de documento particular (art. 298); falsidade ideológica (art. 299); falso reconhecimento de firma ou letra (art. 300); certidão ou atestado ideologicamente falso (art. 301); falsidade de atestado médico (art. 302); reprodução ou adulteração de selo ou peça filatélica (art. 303, que não prejudique interesse ou serviço da União); uso de documento falso (art. 304); supressão de documento (art. 305); falsificação do sinal empregado ao contraste de metal precioso ou na fiscalização alfandegária, ou para outros fins (art. 306); falsa identidade (art. 307); fraude processual (art. 347); patrocínio infiel, patrocínio simultâneo ou tergiversação (art. 355); sonegação de papel ou objeto de valor probatório (art. 356); exploração de prestígio (art. 357); violência ou fraude em arrematação judicial (art. 358); desobediência à decisão judicial sobre perda ou suspensão de direito (art. 359).

A Delegacia Especializada de Falsificação e Defraudação e a Delegacia

Especializada de Crimes contra a Fazenda e a Administração Pública, na seara estadual, são

as unidades policiais representativas da Polícia Civil de Minas Gerais na apuração de ilícitos

penais.

A competência Delegacia Especializada de Repressão aos Crimes contra a

Fazenda e a Administração Pública está disciplinada no art. 34 da Resolução n. 6.174/96, no

qual pode citar a apuração de crimes contra a ordem tributária praticados por particulares (art.

1º, inciso I a V, e parágrafo; art. 2º, incisos I a V; e art. 3º, incisos I a III, da Lei n. 8.137/90),

de crimes previstos no Decreto Lei n. 201/67 e de outras infrações penais cujo objetivo é a

ofensa os interesses do estado e do município.

Ademais, poderá ocorrer a atuação repressiva supletiva da Polícia Civil, desde que

não prejudique os interesses e serviços da União − em situações excepcionais − na seara de

apuração de um ilícito criminal (federal), se, inicialmente, não for identificada a natureza 403 SILVA. Op. cit., p. 20.

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previdenciária ou não. Assim, nada obsta que a autoridade policial, diante do conflito aparente

de normas incriminadoras, possa valer-se do princípio da consunção para apurar o estelionato,

a falsificação ou a “fraude empresarial”, na fase preliminar das investigações inquisitoriais.

Já é consolidada a jurisprudência de que o pagamento (recolhimento) das

contribuições previdenciárias devidas antes do recebimento da denúncia implicava extinção

da punibilidade, por força do art. 34 da Lei n. 9.249/95.404 Contudo, em crimes autônomos de

natureza fraudulenta não há que se falar em extinção de punibilidade. Nesse momento, entra

na seara persecutória, envolvendo as atividades investigatórias de Polícia Judiciária.

Na lição do insigne professor Luiz Flávio Gomes405, "todos os delitos de

apropriação indébita previdenciária contemplados no art. 168-A e seu § 1º são delitos

comissivos de conduta mista. A doutrina refere-se, em geral, aos delitos comissivos de

conduta mista, onde há uma ação e omissão. A ação e a omissão, efetivamente, aparecem, de

vez em quando dentro da mesma estrutura típica". Citam-se algumas jurisprudências:

Penal – não recolhimento de contribuições previdenciárias - Lei 8.212, Art. 95 "d" - Lei n.º 9.983/2000 – materialidade - comprovação – dolo necessidade - real capacidade de agir - precedentes. TRF/2ª Região, Apelação Criminal n.º 2000.02.01.053709-7, Rel. Des. Federal Rogério Vieira de Carvalho, DJU de 19.06.2000. (...) 3 - Sob a ótica da nova Lei 9983/2000 que, revogando o dispositivo legal em análise, inseriram o tipo no Código Penal, no Capítulo da "Apropriação Indébita" no art. 168-A - "Apropriação indébita previdenciária - AC" temos que volta a ser o delito da modalidade de apropriação indébita, como indica o próprio texto legal e o nomen juris, pelo que, novamente passa a ser exigido o dolo específico referente ao animus rem sibi habendi (a vontade de apropriação da coisa, sem pretensão de restituí-la), de modo que não demonstrado tal elemento subjetivo pela acusação, exclui-se o tipo legal. 4 - Dessa forma, tem-se que para a configuração do crime agora tipificado no art. 168-A, do CP, por cuja prática responde a recorrida, é imprescindível a comprovação do dolo consistente na vontade de apropriar-se dos valores não recolhidos à Previdência, ou ainda, desviá-los para outros fins, sendo o animus rem sibi habendi de sua essencialidade. 5 - De toda sorte, quer se entenda o delito na modalidade de crime omissivo, nos termos do art. 95, "d", da Lei n.º 8.212/91, quer na modalidade de apropriação indébita previdenciária, previsto no art. 168-A, do CP, em cuja redação se inseriu por força da Lei nº. 9983/2000, não tendo produzido, in casu, o órgão acusatório qualquer prova a evidenciar que a recorrida não atuou conforme o resultado esperado pela norma penal (recolhimento do tributo) de forma livre e consciente, ou seja, não comprovou a real possibilidade de agir conforme previsão legal, tendo INSS, ou que tenha ela atuado de forma dolosa, seja o dolo de não recolher, o dolo específico de fraudar e o dolo específico de apropriar-se, cuja ação é exigida pelo "novo" tipo penal, não tendo restado comprovada nos autos a existência do elemento subjetivo do tipo, a absolvição se impõe. 6 - Recurso a que conhece e a que se nega provimento.”

404 TRF-2ª Região, RC 95.02.04992-6/ES, rel. Francisco Pizzolante, DJU 08.08.00, p. 52. 405 GOMES. Op. cit., p. 24.

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No afã de combater, especificamente, a sonegação fiscal (art. 337-A do CP),

criaram-se tipos penais que não só enquadram a conduta do fraudador, supressor ou omitente

de operações contábeis relevantes para o Direito Penal, como também incluem nesse leque de

condutas incriminadoras os inadimplentes fiscais (contribuintes que declararam todas as

informações e/ou operações necessárias para a ocorrência do fato gerador, porém não

recolheram o tributo ou contribuição, no prazo legal − art. 168-A, § 1º, inciso I, do CP e art.

2º, inciso II, da Lei 8.137/90).

Ressalta-se que, havendo prisão em flagrante delito, caso excepcional, deverá a

autoridade policial, além de apurar as provas subjetivas, instruir o auto de prisão com

documentos comprobatórios da fraude, supressão ou omissão do “quantum” previdenciário a

que deverá sujeitar-se o exame pericial. Nada obsta requerer posteriormente a quebra do sigilo

bancário e fiscal do investigado, com o objetivo de confrontar dados e de apurar o prejuízo ao

erário público e à ordem social.

Não estando presentes as provas indiciárias materiais e subjetivas do estado de

flagrante delito do crime previdenciário, o mais recomendável à autoridade policial é que

inicie as investigações instaurando o inquérito policial, via portaria inaugural, circunstância

em que o investigado ficará em liberdade enquanto se realizam as investigações, salvo

necessidade de sua prisão cautelar posterior.

Apresentam-se algumas investigações que apuraram falcatruas na Previdência

Social, tendo os empresários se utilizado de pessoas jurídicas para obter vantagens espúrias:

a) Em 2005, sob acusação de dar suporte a uma quadrilha que recebia propinas para livrar empresas de fiscalização, a presidente do Sindicato de Auditores Fiscais do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), M.A.V, foi presa, operação policial “Quati” depois de seu monitoramento telefônico, após identificação do esquema de corrupção. Outros 13 fiscais que integravam a quadrilha já estão presos e são acusados de causar um rombo de R$ 3 bilhões na Previdência. Na busca e apreensão realizado no sindicato foram apreendidos documentos relacionados às empresas e copiados arquivos de computadores. Segundo a Receita Federal somente em nove empresas, a auditoria e seus cúmplices deram um prejuízo de R$ 9 milhões aos cofres públicos, ao deixar de lançar débitos, em troca de propina. As investigações vão se concentrar nas 109 empresas envolvidas no esquema de fraude para terem seus débitos com o INSS cancelados. 406 b) A “Operação Caronte” da Polícia Federal efetuou a prisão de 18 pessoas, entre elas servidores, auditores do INSS, empresários e funcionários de empresas de engenharia, envolvidos em fraudes contra a administração pública. Servidores do INSS estariam adulterando informações e fraudando órgãos com a inserção de dados falsos nos sistemas da Previdência para simular regularidade fiscal de determinadas empresas. Essas empresas devem milhões ao governo em contribuições não recolhidas aos cofres públicos. de acordo com o que foi apurado, elas mantinham contato com auditores fiscais e servidores da área administrativa do INSS, que recebiam propina

406 ALMEIDA. Corrupção: Auditora do INSS é presa, p. 7.

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para expedir Certidão Negativa de Débito (CND).407 A simples mudança de sociedade, com o mesmo objeto social e os mesmos sócios da sociedade devedora, implica verdadeira transformação societária, remanescendo clarividente a tentativa de eximir-se das dívidas fiscais. Conceder certidão negativa na hipótese presente implica prestigiar a fraude contra os Fisco, em verdadeira quebra da isonomia em detrimento de milhões de contribuintes que com dificuldade operam suas empresas com regularidade, ressaltou o ministro Francisco Falcão. Processo: Resp 650852 (STJ). c) Dois funcionários do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e cinco contadores foram presos em Uberlândia, no Triângulo Mineiro, suspeitos de integrar uma quadrilha especializada em desvios de recursos do seguro-desemprego. Em cinco anos, o grupo teria causado um rombo de R$ 18 milhões aos cofres públicos. De acordo com os investigadores da Polícia Federal, contadores usavam empresas inativas para inserir empregados fictícios nos cadastros do Ministério do Trabalho. Servidores Públicos, por sua vez, recebiam propinas para gerar o pagamento de parcelas do seguro desemprego a funcionários fantasmas, que não tinham vínculo empregatício com as empresas. Os funcionários do MTE inseriam no sistema salários de contribuição mais altos do que os valores de recolhimento e, segundo a PF, ainda deixavam de fiscalizar a real existência dos vínculos declarados. Os servidores inseriam documentos fraudulentos no sistema, sem fazer conferência. Já os contadores usavam dados fiscais de empresas inativas que pertenciam a antigos clientes para fazer a fraude. As pessoas presas serão processadas por estelionato, formação de quadrilha, falsidade ideológica e falsificação de documentação. 408

A autoridade policial, representante da Polícia Judiciária, ao presidir as

investigações policiais, deve buscar a verdade real e analisar os crimes de natureza

previdenciária ou crimes autônomos, com muito critério, considerando todo o conjunto

probatório. Deverá, ainda, perquirir na busca de provas subjetivas ou objetivas, o que nada

obsta valer-se de subsídios apuratórios da seara administrativa fiscal e previdenciária. 409

É por meio de auto de infração administrativo ou notitia criminis, que se dá início

à competente investigação criminal pela Polícia Federal ou Polícia Civil na seara de

competência de suas atuações, buscando apurar os suspeitos, sejam “laranja” ou não, como

empresários, diretores, subordinados, funcionários públicos, despachantes, contadores e

outros agentes.

Portanto, deve o delegado de polícia não apenas fazer uma simples conferência e

confrontação dos dados contábeis e escriturais, a serem materializados em laudos periciais.

Mais do que isso, deve buscar a presença dos elementos subjetivos do fato típico em sua

plenitude.

Agora, só resta instalar-se a política criminal de repressão aos crimes

previdenciários, ou crimes autônomos conexos, que causam prejuízo à ordem social, para que

a Polícia Judiciária atue com imparcialidade na apuração dessas falcatruas, que podem ser

407 MINAS. Fraudes no INSS. PF prende 18 pessoas no Pará. Belo Horizonte/MG. 19 fev.2005. p. 10. 408 ______. Sete detidos: quadrilha fraudava seguro. Belo Horizonte/MG, 2 abr. 2008, p. 12. 409 FERREIRA NETO. Crimes previdenciários e a atuação da Polícia Judiciária, p. 4.

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verificadas por meio de sociedades limitadas, que envolvem a supressão e o desvio de

recursos previdenciários.

À vista de todo o exposto, constatada a omissão no recolhimento de tributo ou

contribuição previdenciária, bem como apurada alguma falcatrua (mediante fraude,

“estelionato empresarial” ou falsificação) praticada pelo empresário e co-autores que integram

a organização criminosa na gestão empresarial de uma sociedade limitada, tem-se o objetivo

de demonstrar a ofensa ao interesse tutelado pela norma penal incriminadora, com a obtenção

do benefício previdenciário ilícito, causando prejuízo à União, aos Estados, ao Distrito

Federal e aos Municípios. O delegado de polícia, iniciando as atividades investigatórias, tem o

objetivo de apurar as responsabilizações dos envolvidos, seja do gestor quotista, do gerente ou

do administrador da sociedade limitada, a fim de individualizar as condutas fraudulentas, com

posterior indiciamento e a conseqüente sanção penal, o que nada impede, também, de apurar

que o ente coletivo teve participação indireta no resultado lesivo, motivo que também deverá

ser sujeito a eventual sanção.

Passa-se a abordar os crimes de lavagem de dinheiro e as conseqüentes punições

aos infratores: pessoa física e pessoa jurídica.

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14. PERSECUÇÃO AOS CRIMES DE “LAVAGEM DE DINHEIRO”

As organizações criminosas especializadas em lavagem de dinheiro e evasão de

divisas movimentaram R$ 24,5 bilhões entre agosto de 2004 e novembro de 2007, o que

gerou 6.118 inquéritos policiais em todo País.410 A iniciativa de persecução aos crimes e

negócios suspeitos realizados por intermédio de uma sociedade empresária, fantasma ou não,

torna-se necessária, pois o dinheiro sujo revestido por uma atividade legal é capaz de

acobertar os gestores e não tem outra finalidade senão financiar organizações criminosas. A

principal vítima é a sociedade ordeira, que cumpre seus deveres de cidadãos.

A persecução criminal a tal delito não é tarefa fácil, por envolver transações

bancárias, informática, prova bancária e corrupção generalizada. Vários são os conceitos de

lavagem de dinheiro e bens. Diego Gomez Iniesta define como,

[...] a operação através da qual o dinheiro de origem sempre ilícita (procedente de delitos que se revestem de especial gravidade) é investido, ocultado, substituído ou transformado e restituído aos circuitos econômico-financeiros legais, incorporando-se a qualquer tipo de negócio como se fosse obtido de forma lícita.411

No Brasil, conforme assinala André Luís Callegari412, “não há uma definição

doutrinária específica sobre o tema, pois, normalmente segue um conceito baseado na

tipicidade penal, ou seja, que a lavagem é a ocultação de bens, direitos e valores que sejam

oriundos de determinados crimes de especial gravidade”.

A repressão aos crimes de “lavagem de dinheiro” quando perpetrados por

empresários que utilizam das sociedades empresariais torna-se verdadeiro objetivo estatal, por

violação aos interesses socioeconômicos, por ser o dinheiro de origem ilícita que se torna

“lavadas” quando é aplicado no mercado de consumo. Também se identificam empresas

“fantasmas” e “testas-de-ferro”, que integram o grupo de fraudadores, com a pretensão de

demonstrar a gestão empresarial organizada para falcatruas, o que motiva a responsabilização

criminal de seus autores, ora empresários, gestores ou administradores.

A punição dos criminosos “lavadores” e a recuperação do dinheiro ilícito são

difíceis e demoradas, mas não impossíveis. As investigações podem envolver trabalhos

periciais contábeis, análise de arquivos criptografados, documentos oriundos do sigilo

bancário, análise de discos rígidos de computadores (HD), recuperação de bancos de dados de

410 PRATES. Cerco à lavanderia do crime. p. 6. 411 GOMEZ INIESTA. Op. cit., p. 21. 412 CALLEGARI. Direito Penal Econômico e Lavagem de Dinheiro: aspectos criminológicos, p. 72.

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algum computador apagado e levantamentos em autorias internas ou externas nas sociedades

limitadas, por meio de investigações policiais, com inquirição de suspeitos, autores e

testemunhas, além de confrontação de dados com a Receita Federal, instituições financeiras e

Banco Central. Tudo isso poderá gerar responsabilizações aos gestores e à sociedade limitada,

com a identificação da gestão fraudulenta quanto à lavagem de capitais.

Também dificulta as investigações, em razão de o sistema bancário ser sofisticado,

determinar que se ocultem os recursos financeiros, em face da Lei n. 4.595/64, que instituiu

dispositivos sobre as instituições monetárias, bancárias e creditícias, que devem conservar o

sigilo em suas operações e serviços prestados. Tudo isto ocorre por questão de segurança

bancária aos investidores, que preservam seus investimentos, os quais não podem torna-se

públicos. A quebra do sigilo prevista em lei somente será justificável se precedida de

investigações que deverão subsidiar em decisão judicial, o que autoriza a pretensão legal de

ter acesso aos dados confidenciais dos suspeitos de lavagem de dinheiro.

A preocupação na persecução a este tipo de ilícito penal concentrou-se nas

atividades empresariais, conforme demonstram várias reportagens jornalísticas em que a

Polícia Federal identificou clientes brasileiros que ofereciam o registro de novas sociedades

limitadas no Brasil, os quais tinham como sócios majoritários off-shores criadas em nome de

“laranjas”, donos de ações ao portador. Dessa forma, faziam desaparecer dos registros os

verdadeiros donos dos grupos empresariais, golpe conhecido como “blindagem patrimonial”.

Por esse caminho, a organização criminosa é acusada de ocultar o patrimônio que era

transferido à off-shore, além de movimentar com mais facilidade o “caixa dois” das

sociedades empresárias e a repatriação de recursos remetidos a paraísos fiscais. Nessa

modalidade, as sociedades permitiam que o dinheiro ilegal chegasse ao país sob a fachada de

investimentos nas empresas brasileiras das quais eram sócias. As investigações policiais

conseguiram requerer na Justiça o bloqueio de três milhões de euros de um grupo

empresarial.413

Conforme assinalam os doutrinadores Raúl Cervini, Willian Terra e Luiz Flávio

Gomes414, “além de afetar as relações interpessoais e o patrimônio individual, a delinqüência

organizada e os processos de lavagem de dinheiro possuem objetivos e finalidades especiais,

distintos da criminalidade tradicional, desenvolvendo em grande escala e com espírito

empresarial uma série de macroatuações, algumas de caráter supranacional, que terminam por

influenciar de maneira o próprio sistema econômico.”

413 GOMES. Lei de lavagem de capitais p. 7 414 _______. Op. cit., p. 322.

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Os crimes de "lavagem" ou ocultação de bens, direitos e valores, previstos no art.

1º da Lei n. 9.613, de 3 de março de 1998, está assim tipificado:

Art. 1º Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de crime: I - de tráfico ilícito de substâncias entorpecentes ou drogas afins; II – de terrorismo e seu financiamento; (Redação dada pela Lei nº. 10.701, de 9.7.2003) III - de contrabando ou tráfico de armas, munições ou material destinado à sua produção; IV - de extorsão mediante seqüestro; V - contra a Administração Pública, inclusive a exigência, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, de qualquer vantagem, como condição ou preço para a prática ou omissão de atos administrativos; VI - contra o sistema financeiro nacional; VII - praticado por organização criminosa. VIII – praticado por particular contra a administração pública estrangeira (arts. 337-B, 337-C e 337-D do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal). (Inciso incluído pela Lei nº. 10.467, de 11.6.2002) Pena: reclusão de três a dez anos e multa. § 1º Incorre na mesma pena quem, para ocultar ou dissimular a utilização de bens, direitos ou valores provenientes de qualquer dos crimes antecedentes referidos neste artigo: I - os converte em ativos lícitos; II - os adquire, recebe, troca, negocia, dá ou recebe em garantia, guarda, tem em depósito, movimenta ou transfere; III - importa ou exporta bens com valores não correspondentes aos verdadeiros. § 2º Incorre, ainda, na mesma pena quem: I - utiliza, na atividade econômica ou financeira, bens, direitos ou valores que sabe serem provenientes de qualquer dos crimes antecedentes referidos neste artigo; II - participa de grupo, associação ou escritório tendo conhecimento de que sua atividade principal ou secundária é dirigida à prática de crimes previstos nesta Lei.

No Brasil, a lavagem de dinheiro é a ocultação de bens, direitos e valores que

sejam oriundos de determinados crimes de especial gravidade, tais como tráfico de drogas,

terrorismo, contrabando ou tráfico de armas, extorsão mediante seqüestro, contra a

Administração Pública, contra o Sistema Financeiro Nacional, praticado por organização

criminosa, ou, ainda, se praticado por particular contra a administração pública estrangeira. Só

há lavagem de dinheiro ilícito se há um crime anterior. O objetivo é identificar capitais ilícitos

oriundos de crimes antecedentes, no intuito de coibir o poder econômico que vise à

dominação do mercado, com lucros de origem ilícita.

A prova e a condenação no delito prévio não são necessárias para dar início

persecução penal estatal, com o oferecimento da denúncia e o regular devido processo penal e

julgamento do delito de lavagem. Logo, os indícios dos crimes anteriores são suficientes e

poderão motivar a ação penal pelo crime de lavagem de capital, ao teor do art. 2°, § 1°, da Lei

n. 9.613/98. Podem-se citar algumas diligências investigatórias

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a) Operação “Castelhana” da Polícia Federal, em novembro de 2006, desarticulou organização criminosa especializada em crimes financeiros, com a principal base em Belo Horizonte/MG. O alvo da operação eram escritórios de advocacia que ofereciam a blindagem patrimonial a empresas e pessoas físicas. O responsável pelo escritório foi acusado de criar sociedades anônimas off-shore no Uruguai e Espanha, em nome de laranjas, para ocultar valores e bens de empresários brasileiros. b) Operação “Monte Éden” da Polícia Federal, em junho de 2005, desarticulou um esquema de blindagem patrimonial, comandado por um grupo de São Paulo, que teria beneficiado pelo menos 40 empresas dos setores de combustível, têxtil, plástico, informática e avícola. A ação policial se estendeu aos estados do Espírito Santo, Rio de Janeiro, Mato Grosso do Sul, Ceará, Pernambuco e Pará. Na internet acesso, em 8/7/2005 no endereço http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult9lu97815.shtml Noticia-se que foram presos 24 pessoas suspeitas de lavar dinheiro. Aparentemente sem ligações diretas, mantinham por contratos de mais de R$ 100 mil um esquema que consistia na criação de empresas off-shores no Uruguai e de sociedades limitadas no Brasil, sob nomes de laranjas, para grandes empresários. Segundo a PF, as empresas criadas pertenciam, na realidade, aos clientes dos escritórios dos escritórios que tiravam ou traziam dinheiro ao país. Havia um esquema em que o cliente procura o escritório para criar um esquema de vender sua empresa para si próprio como forma de sonegar e abater despesas. A Receita Federal calcula que deixou de arrecadar R$ 150 milhões só no ano passado como os crimes. Tinha um laranja, por exemplo, que tinha participação em mais de cem empresas e que se declarava isento aqui no Brasil. Utiza-se na criação de empresas “fictícias” para “blindar” seu patrimônio. Apenas no ano de 2004, o escritório teria movimentado cerca de R$ 20 milhões em nome de empresas de “fachada” que, de fato, pertenceriam ao escritório de advocacia. c) Operação “Tigre” em agosto de 2006, identificou e prendeu um grupo de doleiros, donos de empresas de turismo, que operavam no mercado paralelo de câmbio, em São Paulo, Minas e Goiás. Ele usava uma rede de laranjas e empresas de fachada para movimentar valores dentro e fora do país, por meio de operações de triangulação envolvendo dólares. d) Operação “Ouro Verde” em março de 2007, identificou e prendeu doleiros que ofereciam serviços bancários a empresas que se beneficiavam do esquema para evasão de divisas e sonegação de impostos. Pelo menos 50 empresas foram autuadas pela Receita Federal pelo envolvimento com o grupo, que tinha braços financeiros no Uruguai e nos Estados Unidos. e) Operação “Kaspar I” e “Karpar II” remessa irregular para o exterior de valores de empresas do Brasil, sem declarar à Receita Federal. Em vez da remessa direta ao exterior, o cliente fazia um depósito em uma conta de um doleiro no Brasil. Ele, por sua vez, movimentava, por outra conta no exterior, uma quantia com o mesmo valor diretamente para a instituição financeira, operação conhecida como dólar-cabo. Os doleiros são geralmente donos em empresas de turismo. 415

A jurisprudência brasileira não exige a necessidade de uma sentença penal

condenatória que afirme a ocorrência do crime antecedente, mas é indispensável a prova de

sua ocorrência, com a verificação de bens aptos a serem lavados. Assim, os indícios, muito

embora possam dar início à persecução penal, não são suficientes para a condenação pelo

delito de lavagem. É necessário que o juiz demonstre a prova do delito prévio na sentença

415 PRATES. Op. cit., p. 6.

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condenatória do crime de lavagem de dinheiro, que é um processo autônomo, e que os capitais

a serem lavados sejam de origens ilícitas.

Nada obsta haver concurso de crimes, mas o crime posterior, o de lavagem de

dinheiro, necessariamente deve ser precedido de um dos tipos penais previstos no art. 1°,

incisos I a VIII, da Lei de Lavagem de Dinheiro. Podem-se registrar formas de condutas

fraudulentas perpetradas por empresários que se utilizam das sociedades limitadas com a

participação de “laranjas” que foram investigados e identificados como autores de crime de

lavagem de dinheiro, conforme demonstram várias matérias jornalísticas.

a) Investigações relacionadas à evasão de divisas e lavagem de dinheiro, entre 1996 e 2003, apontaram um total de US$ 78 bilhões em transações bancárias suspeitas no sistema financeiro norte americano [...] Foram investigadas 500 contras em nove bancos, o que resultou numa base de dados de 900 mil transferências eletrônicas. [...] Seis instituições financeiras autorizadas pelo Banco Central do Brasil remeteram US$ 24 bilhões para o exterior, entre 1996 e 2000, por intermédio das CC-5416 – contas de residentes no exterior. Os laranjas, num primeiro esquema de evasão de divisas, no entanto, utilizou “carros fortes” – no transporte de dinheiro através da fronteira do Brasil com o Paraguai. O segundo esquema utilizado pelos doleiros foi a abertura de contas laranja em instituições financeiras brasileiras. O sistema atualmente em uso para lavagem de dinheiro é a evasão de divisas é a “compensação”, também conhecido como “dólar-cabo” e “hawala”. A partir desse sistema, reais são disponibilizados para os doleiros no Brasil. A origem desse dinheiro é o “caixa-dois” de empresas, complementação do pagamento de importações subfaturadas e corrupção. Ao mesmo tempo, divisas são disponibilizadas no exterior em contas dos mesmos doleiros. A origem é semelhante: retorno de complementação de exportações subfaturadas, retorno de “caixa-dois” e recebimento de brasileiros residentes no exterior. [...] Há uma permanente troca de moedas. [...] Isso é possível pelo cruzamento de dados de transações financeiras com o cadastro de contribuintes, que indica a renda e o patrimônio das pessoas. Quando os valores são incompatíveis, fica claro que a remessa de dinheiro para o exterior é suspeita. Uma das conclusões da Polícia Federal e do Ministério Público é que o combate a evasão de divisas e lavagem de dinheiro passa pela extinção do mercado negro de dólares e, conseqüentemente, da figura do doleiro. Na visão da investigação, ele representa para o corrupto ou sonegador o mesmo que o traficante de drogas representa para o viciado. Não existe no Brasil, oficialmente, a figura do doleiro e das casas de câmbio. Eles se utilizam de agências de turismo que são autorizadas a operar câmbio para venda de moeda estrangeira. Essas operações deveriam atender exclusivamente gastos de clientes no exterior ou estrangeiros em trânsito no país. 417 A posse de moeda estrangeira, como dólar, sem origem justificada, é proibida por lei. Só é possível manter a moeda nos casos como operações comerciais legais com o exterior ou para fazer turismo em outros países. A posse de eventuais valores em

416 SANTANA. Op. cit, p. 12. (Outros instrumentos empregados para a circulação do dinheiro ilegal são as transferências financeiras por meio de contas bancárias de pessoas jurídicas domiciliadas ou sediadas no estrangeiro, as CC-5. Os seus titulares, normalmente, são instituições financeiras de fachadas situadas em paraísos fiscais, em diferentes pontos do mundo, muitas criadas de modo dissimulado por brasileiros. A abertura e a movimentação dessas contas correntes no Brasil são realizadas em geral por intermédio de procuradores, que se aproveitam das vulnerabilidades das regras previstas na Carta Circular n. 05/69, do Banco Central, assim como das normas cambiais vigentes.) 417 VAZ. Evasão de Divisas: Lavanderia de US$ 78 bilhões, p. 3.

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espécie, para as atividades legais, deve ser sempre declarada no Imposto de Renda. Para fazer operações previstas em lei, como importação, exportação ou viagem ao exterior, é preciso comprar ou vender a moeda sempre por meio de um agente autorizado pelo Banco Central, um banco ou uma agência de turismo, por exemplo. Na compra de moedas acima de US$ 3.000, ou o equivalente em outra moeda estrangeira, o pagamento deve ser feito através de cheque ou débito em conta corrente, devendo a instituição identificar a origem da moeda nacional e do cliente em questão.418 b) Ministro da Justiça afirma que caixa 2 deve ser deixado para os bandidos e promete adotar rigor na apuração das acusações de envio ilegal de dinheiro para fora do país. A Polícia Federal começou a remeter para a Justiça de seis estados, os 3,5 mil pedidos de abertura de inquérito envolvendo pessoas físicas e jurídicas que enviaram dinheiro para o exterior através da empresa offshore B.H, nos EUA, entre 1999 e 2002 descoberta com a operação Farol da Colina. De acordo com os EUA será facilitado o trabalho da Receita Federal para tentar repatriar o que saiu do país ilegalmente. 419 c) Um exemplo do funcionamento do esquema pôde ser constatado no caso do doleiro paranaense A.P. A, preso em fevereiro deste ano, ele utilizava, segundo investigações agências de turismo para lavar dinheiro. A.P.A teve duas contas bloqueadas nos EUA. Nelas, podem existir mais de US$ 8,6 milhões. 420 d) A Polícia Federal abriu inquérito policial para investigar a fonte dos recursos do maior projeto turístico do país. Orçado em US$ 15 bilhões, a cidade turística Nova Atlântida prevê a construção de 13 hotéis cinco estrelas, 14 resorts, seis condomínios residenciais e três campos de golfe, na Praia da Baleia, em Itapipoca, a 200 quilômetros de Fortaleza. O I.P ficará sob responsabilidade da Divisão de Repressão a Crimes Financeiros, de Brasília. O grupo espanhol N.A é investigado pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), órgão do Ministério da Fazenda, por suspeita de lavagem de dinheiro do crime organizado internacional. O documento que instrui as investigações cita uma investigação conjunta das polícias da Suíça, França e Itália, de 1991, na qual um agente suíço acusou o empresário J.R.M. pela suposta lavagem de dinheiro sujo do narcotráfico, da máfia italiana e do terrorismo. O Coaf analisou, de forma preliminar, a movimentação financeira do grupo N.A e concluiu que aparentemente não há recursos para bancar os custos do empreendimento. Por outro lado, descobriu que os sócios da empresa, o empresário espanhol, sua mulher, I. R e seu filho D.R, têm movimentações atípicas. O relatório afirma que, só uma conta no Banco do Brasil, o empresário movimentou R$ 30 milhões em 11 meses (novembro de 2005 a outubro de 2006). Parte do dinheiro foi enviada da Espanha. O valor elevado contrasta com as declarações de renda do empresário. Ao trocar informações com a Receita Federal, o Coaf descobriu que o empresário J.R.M declarou não ter tido rendimento entre 2002 a 2005, apesar de ter 26 empresas em seu nome. Sobre as acusações feitas por F.C, que se infiltrou na organização e descobriu as irregularidades, o diretor geral da empresa N.A, E.F.R, diz que até hoje o ex-policial responde a processo por causa de sua atuação como agente infiltrado, o que desqualificaria seu trabalho. 421 e) A Polícia Federal prendeu os ex-empresários R.P e A.M do jogador R., do Real Madri e da Seleção Brasileira, suspeitos de lavagem de dinheiro, evasão de divisas e sonegação fiscal. De acordo com a acusação, eles teriam aberto empresas em paraísos fiscais para movimentar dinheiro de jogadores e treinadores de futebol. A PF estima

418 http://noticias.uol.com.br/economia/ultnot/2005/07/08/ult82u5524.jhtm - Acesso em 8/7/2005. 419 MINAS. Lavagem de dinheiro condenada, 4 out 2005. p .6. 420_______. Lavagem de Dinheiro, 3 fev 05, p. 10. (Força Tarefa prende cinco empresários. [...] cinco empresários investigados por crime de lavagem de dinheiro pela Força Tarefa CC5 – Polícia Federal, Ministério Público Federal, com apoio do Departamento de Segurança Interna (DHS) americano e da Procuradoria de Nova Jersey, nos EUA - essas pessoas movimentaram, entre 1995 e 2002, R$ 4,838 bilhões, em cinco contas nos Estados Unidos). 421 FIGUEIREDO. PF abre inquérito, p. 15.

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que os empresários tenham movimentado US$ 24 milhões. Segundo o delegado de polícia Bruno Ribeiro Castro, da Delegacia de Repressão a Crimes Financeiros, os empresários depositavam o dinheiro que recebiam como comissão pela venda de jogadores de futebol no exterior em contas de doleiros, em paraísos fiscais. Esses mesmos doleiros, que também teriam contas bancárias no Brasil, transferiam o valor em reais correspondentes aos depósitos para contas de empresas nacionais. Dessa forma, o dinheiro entrava no país sem ser declarados a Receita Federal. Foram montadas pelo menos 10 empresa no nome dos filhos de R.P. Por causa do bloqueio, eles constituíram outras empresas para voltar a operar. Os “empresários” usavam outras empresas para viabilizar o retorno do capital que tinham no exterior. A polícia federal suspeita ainda que jogadores de futebol agenciados pelos empresários também tenham se beneficiado do esquema. “O esquema deles também propiciava que jogadores transferissem para o Brasil recursos que têm no exterior, sem passar pelo fisco” disse o delegado. 422 f) Polícia Federal investiga empresa com capital de R$ 8,1 milhões em Alfredo Vasconcelos/MG, cidade de 5 mil habitantes, na região Central de Minas que teve doleiro como sócio e é suspeita de remessas ilegais para o exterior seria montado pelo empresário M.V.F.S seria montado em um cômodo vazio e fechado. A PF suspeita que aquele cômodo empoeirado, de 3 metros por 3 metros, que oficialmente abriga a sede da R.S.E.P Ltda, seja a fachada da lavanderia usada pelo empresário. Vizinhos que não quiseram se identificar informam que nunca funcionou nenhuma empresa no local e de vez em quando alguém aparecia no local para pegar as correspondências. 423 g) Alguns mecanismos para combater a lavagem de dinheiro já existem no País, como a quebra de sigilo bancário, fiscal e telefônico e a lei que recomenda a comunicação ao Banco Central e ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) de todas as operações acima de R$ 100 mil. A principal dificuldade vivida hoje para combater o crime financeiro é um sistema de rastreamento e acompanhamento da circulação do dinheiro lavado. Para maior agilidade seria necessária maior cooperação entre os órgãos. A lavagem de dinheiro se dá com mecanismos que focam parecer que uma verba adquirida em operação ilícita seja legal. A atual legislação brasileira enumera entre os crimes antecedentes da lavagem, o tráfico de drogas e de armas, seqüestro, corrupção, crimes de organização criminosa e terrorismo. São US$ 500 bilhões de operações anuais em todo o mundo. US$ 400 bilhões de dinheiro vindo do narcotráfico. US$ 10 bilhões de prejuízo causado anualmente no Brasil. O promotor chefe da Unidade de Crimes Financeiros do MP de Utah, Estados Unidos, Neal Gunnarson, lembrou “que há resultados positivos na aliança entre os dois países, como no caso B., que envolveu gestão fraudulenta, operações financeiras sem autorização, evasão de divisas, formação de quadrilha e lavagem de mais de R$ 2 bilhões nos Estados Unidos, o que facilita ainda a repatriação do dinheiro lavado. 424

Assim, ao abordar a gestão empresarial fraudulenta, vislumbram-se indícios das

atividades ilícitas, que podem ser: contratos de abertura de conta correntes, movimentação

financeira e, até mesmo, a perda do objeto social que representa a sociedade empresária, que

tem seus fins desvirtuados para atuar na criminalidade e na “lavagem” de dinheiro (Lei n.

9.613/98 e Lei n. 10.701/03), via “caixa-dois”. A conduta dos sócios (ou administradores)

vem a motivar suas responsabilidades criminais ou, até mesmo, a eventual dissolução da

sociedade limitada, por ausência da prática das atividades fins para a qual fora registrada

422 MINAS. Empresários presos por lavar dinheiro, 9 dez 2005. p. 12. 423 FIGUEIREDO. Lavanderia no interior de MG, 27 jul 2005. p. 5. 424 SOUTO. Política: Cerco ao caixa 2 nas eleições, 4 ago 2005. p. 2.

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inicialmente em seu contrato social, agora, demonstra completo desvio da função para a qual

fora instituída.

Podem-se citar outros exemplos práticos de atividades de “lavagem de dinheiro”

que podem ser detectadas por meio de procedimentos de investigações inteligentes pelo qual o

criminoso, ora gestor da sociedade limitada, transforma recursos oriundos de atividades

ilegais em ativos com origem aparentemente legal:

Há dissimulação, pois a base de toda operação de lavagem envolve dinheiro proveniente de crime antecedente, que podem ser verificados nas estruturas empresariais, como transferência pessoal de ativo não justificável; grandes transações empresariais, sem comprovação dos negócios; faturamento empresarial irreal; riqueza incompatível com o perfil do cliente; grande volume de transações em espécie; reativação de conta inativa da empresa; abertura de contas bancárias “frias” por titulares, em nome de laranjas; empresas “fantasmas”, com uso de identidades ou documentos falsos e de ‘testas-de-ferro,’ com uso de identidades falsas ou roubadas; transações múltiplas com riqueza incompatível; dúvidas quanto à racionalidade do negócio; explicação estranha para justificar um negócio; comportamento comercial atípico das notas, com valores diversos, sem explicação; movimentação atípica ou não-econômica de recursos entre as contas; possível relação do cliente, empresa ou gestor, com crimes anteriores; identificação de documentação falsa; atividades suspeitas por parte dos parceiros do cliente. Transferência atípica de recursos para jurisdição estrangeira; transferência de ativos a preços bem abaixo (ou acima) do mercado; partes ou empresas aparentemente não relacionadas enviam recursos para uma conta única; ocultação deliberada do verdadeiro proprietário dos recursos; transferências de dinheiro para terceiros que são desconhecidos; uso de múltiplas contas, sem que haja uma justificativa; alto valor de depósitos em espécie, diferente do padrão esperado de uma empresa; aqui o criminoso que lava o dinheiro e tem que ocultar os movimentos de grandes somas de dinheiro que pode envolver transações internacionais, e utiliza-se indevidamente de empresas legítimas. 425

Adrienne Giannetti Nelson de Senna426, presidente do Conselho de Controle de

Atividades Financeiras (COAF) ensina:

A lavagem de dinheiro é um problema mundial que envolve transações internacionais, contrabando de dinheiro através de fronteiras e lavagem em um país do produto de crimes cometidos em outro. Dado o caráter transnacional das operações, o recente aumento da cooperação internacional das operações, o recente aumenta da cooperação internacional é auspicioso e o Brasil está presente nesse cenário de forma ativa, nos principais grupos internacionais que atuam no combate à lavagem de dinheiro. O Grupo de Egmont é um grupo internacional informal, criado para promover, em âmbito mundial, entre as Unidades de Inteligência Financeira (FIUs), a troca de informações, o recebimento e o tratamento de comunicações suspeitas relacionadas à lavagem de dinheiro.

425 BIATA. Prevenção e combate à lavagem de dinheiro, p. 3. 426 ________. Op. cit., p. 4.

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Outro exemplo seria o contrato da sociedade por cotas de responsabilidade

limitada em que o sócio gerente é dono de 99,2 % do capital, sendo os restantes 0,8% de sua

mãe e de um concunhado. Logo, há um controlador que, na “sociedade”, se vier causar

prejuízo a terceiros, deverá ser responsabilizado com a desconsideração da pessoa jurídica

(TJRS, RMD 63/83) e a conseqüente dissolução da empresa, se caso for. Ocorrendo assim,

resta confirmada a imoralidade que reveste o contrato, pois, demonstrado a gestão

fraudulenta, passível será a responsabilidade civil e criminal do administrador. Caso venha a

causar prejuízos a terceiros, os envolvidos devem ser investigados devido à forma como

conduzem os seus negócios, por meio de alterações contratuais de suas sociedades

empresárias, usando até procurações para a transferência de quotas, permanecendo no

controle. É, no mínimo, uma grande imoralidade. 427

Maria Clara Prates428, abordando outras organizações voltadas para o crime, relata:

A Procuradoria-Geral da República, em Brasília, confirmou a apresentação da denúncia, mas se recusou a fornecer detalhes, alegando que o caso está sendo apreciado em segredo de justiça. O processo reúne documentos referentes a inúmeras quebras de sigilos bancários e telefônicos de J.A e seus colaboradores. O procurador da República Rodrigo Leite Prado afirmou que, para a apuração completa do esquema montado pelo parlamentar, será necessário também contar com a cooperação internacional de países como Uruguai, Holanda, EUA, Espanha e Reino Unido, onde J.A montou contas em instituições bancárias para transações financeiras. Para conseguir fazer seus clientes escaparem do Fisco, J.A montou mas de 100 off-shores, sociedades anônimas, com ações ao portadores nos cinco países. Essas ações se tornaram sócias das empresas brasileiras, fazendo desaparecer os verdadeiros sócios e inviabilizando a cobrança de dívidas. É como se ele criasse duas bandas. Uma podre para responder pelas dívidas e outra rica, que ficava com o patrimônio e todos os valores movimentados. Algumas off-shores apareciam nos quadros societários de mais de uma empresa de setores diferentes, dificultando ainda mais o trabalho de fiscalização. Os empresários apesar de ficarem fora de denúncia vão responder a inquérito policial, em separado. Para a blindagem, a empresa brasileira firma contrato com J.A que, por meio de um escritório associado no Uruguai, cria uma sociedade anônima financeiras, as off-shores ou safis, que têm como donos os portadores de ações, o que dificulta a identificação dos sócios, que por sua vez, em sua grande maioria, são laranjas usados pelo escritório de J.A. São criadas em nomes de laranjas. As off-shores adquirem então a maior parte das ações da empresa interessada na blindagem e o laranja fica com menos de 0,01%. Elas são usadas para fraudar credores e ao fisco, porque dificultam a execução do patrimônio das empresas e seus proprietários, transferidos para as offshore. Representam ainda uma forma de transfererência livre de recursos para o exterior, a título de participação da empresa. A offshore recebe remessas de dinheiro ilegal da empresa brasileira, normalmente via doleiros, o que caracteriza evasão de divisas. A offshore compra 99,99% das ações de uma empresa brasileira de sociedade limitada. Um laranja, ligado aos escritórios de J.A se torna sócio, com 1% das ações. Dessa forma é feita a lavagem de dinheiro e essa nova empresa fica habilitada a fazer

427 CALMON. Variedades, p. 13. 428 PRATES. Operação Castelhana. Deputado preso, 24 nov. 2006, p. 6.

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investimentos e remessas de divisas para o exterior, mas, do ponto de vista fiscal, responde por apenas 0,01% do patrimônio da empresa original, pois contratou os escritórios advocatícios. 429 Dessa forma, desaparece da composição societária os verdadeiros sócios, dificultando a identificação dos donos da off-shore. Com essa sociedade, a nova empresa fica também habilitada a fazer investimentos e remessas de divisas ao exterior, além de responder pelos débitos fiscais com a porcentagem inferior a 0,1% do patrimônio original da empresa. 430 A Operação Castelhana tem como presidente do inquérito policial que apura os fatos o delegado federal Bruno Ribeiro Castro e sua equipe apuram a blindagem patrimonial e fiscal promovida pelo escritório de advocacia J.A.431 O prejuízo de R$ 1 bilhão em sonegação fiscal e evasão de divisas, de acordo com levantamento da Receita Federal nos últimos dois anos, além de outros crimes como estelionato qualificado, falsidade ideológica, formação de quadrilha, lavagem de dinheiro, com penas que podem chegar a 35 anos de prisão.

Pode-se citar ainda diligências investigatórias que lograram êxito na identificação

de empresários envolvidos com a lavagem de dinheiro:

a) Cinco empresários investigados pela Força Tarefa CC5 do Ministério Público Federal, sob o comando da operação da Superintendência da Polícia Federal do Paraná, que obteve apoio do Departamento e Segurança Interna (DHS) americano e da Procuradoria de Nova Jersey, nos EUA. Foram apurados os crimes de lavagem de dinheiro, gestão fraudulenta, operação de instituição financeira sem autorização e formação de quadrilha, com a movimentação somaram, entre 1995 e 2002, R$ 4,8 bilhões, em cinco contas nos EUA. 432 b) Uma operação conjunta da Polícia Federal, Receita Federal, Ministério Público Federal e autoridades uruguaias investigaram um esquema de lavagem de dinheiro, evasão de divisas e sonegação fiscal, sendo alvos membros de escritórios de advocacia, “laranjas” e grandes empresários. Após a criação de empresas no Uruguai, a suposta quadrilha, formada por advogados e contadores, recorria a elas e constituía sociedades limitadas no Brasil que se encontra em nome de “laranjas.” Segundo a PF, inicialmente eram celebrados contratos de prestação de serviços, com valores superiores a R$ 100 mil, entre a suposta quadrilha e falsos clientes, por meio do qual as empresas nacionais e estrangeiras eram usadas para “blindar” o patrimônio do “cliente”. Os policiais informam ainda que o escritório de advocacia criou e usou mais de uma dezena de empresas nacionais, sempre como sociedades anônimas uruguaias como donas. Só em 2004, teriam sido movimentados R$ 20 milhões em nome de empresas de fachada pertencentes de fato ao escritório. 433

As sociedades empresárias brasileiras, quando interessadas em esconder seu

patrimônio e em sonegar impostos, entraram em conluio com escritórios de contabilidade no

exterior, que ficavam responsáveis pela criação de empresas, conhecidas como “offshore”, e,

em nome de “laranjas”, que podem negociar ações ao portador, além de receber e fazer

remessas de divisas para o exterior, respondem por falsidade ideológica, porque emprestam

documentos e nomes para as falcatruas.

429 KREEFFT. Operação Castelhana. Fraude Fiscal: como funciona o esquema, p. 11. 430 PRATES. Crime organizado. Política, 19 dez. 2007. p. 6 431 PRATES.. Operação Castelhana. Prisão Renovada, 26 nov 2006. p.7. 432 MINAS. Lavagem de dinheiro. Força tarefa prende cinco empresários, 3 fev. 2005. p. 10. 433 _______. Lavagem de dinheiro, 1° jul. 2005. p. 16.

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As Offshore Companies são empresas que, situadas no exterior, estão sujeitas a um

regime legal diferente, “extraterritorial”, em relação ao país de domicílio de seus associados.

A expressão é aplicada a sociedades constituídas em “paraísos fiscais”, onde aproveitam de

privilégios tributários, como impostos reduzidos ou, até mesmo, isenção de impostos. Na

América Latina, o Uruguai é um exemplo típico dessa política, conforme sustenta Maria

Clara Prates. 434

Vários são os meios de fraudes na gestão empresarial. Carla Kreefft, identificando

a notitia criminis, relatou em reportagem jornalística que “as offshore se tornavam sócias

majoritárias (99,99% das ações) de uma empresa brasileira de sociedade limitada. O outro

sócio da nova empresa era ‘um laranja’ do esquema, que detinha apenas 0,01% das ações e,

portanto, somente era responsável do ponto de vista do fisco, por esse percentual do

patrimônio.”435 Em caso de golpes ou falcatruas, o patrimônio da sociedade limitada se

reportava como garantia na porcentagem de 0,01%, que seria utilizado para ressarcir terceiros

violados em seus direitos.

A persecução às fraudes empresariais e à responsabilização do gestor e da

sociedade limitada (multinacionais e nacionais) tornam-se imprescindíveis, a fim de imputar-

se responsabilizações a seus autores. É este contexto de persecução ao crime na gestão

empresarial que motiva a demonstrar que o ente coletivo tem papel fundamental no êxito do

resultado lesivo perpetrado pelos gestores (pessoas físicas). Passa-se a abordar os crimes

falimentares e as conseqüentes punições aos infratores.

434 PRATES. Esquema contava com a participação de offshores, 13 abr. 2008. p. 8. 435 KREEFFT. Operação Castelhana. Laranjas confirmam, 1° dez 2006. p. 6.

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256

15. PERSECUÇÃO AOS CRIMES FALIMENTARES

No Brasil, segundo dados divulgados pelo Serasa, só no ano de 2007, foram 2.721

empresas à falência, e acrescenta Dora Ramos436 que,

[...] associando esses dados à experiência de mais de duas décadas no mercado contábil, aproximadamente 60% desses casos se devem à mistura que os empreendedores fazem da vida financeira pessoal com a empresarial. Lucros da empresa não representam lucros pessoais do empresário. A dúvida que a maioria das pessoas tem é de como determinar, de maneira justa, o salário do próprio cargo que ocupa e conseguir separar os gastos pessoais com os gastos da empresa.

Para tratar do assunto, vige desde 9/2/2005 a Lei n. 11.101, que regula a

recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária.

Entretanto, somente após 120 (cento e vinte dias) de vacatio legis, período intercorrente entre

a publicação da lei e o momento de sua vigência, aplicaram-se na seara criminal os novos

tipos penais falimentares, previstos nos arts. 168 a 178, que tratam das infrações penais, em

espécie.

O universo de novos tipos penais falimentares vem motivar a abolição criminal,

conseqüência da extinção de punibilidade daqueles crimes falimentares previstos no Decreto-

lei n. 7.661, de 21/06/1945, ou, mesmo, a ocorrência de subsunção de elementares e

circunstâncias descritas na antiga Lei de Falências, mas que, em razão da identidade dos fatos

tidos como delitos, irão agora dar motivação a outra sanção penal, com pena de reclusão ou

detenção, passível ou não de fiança, a ser arbitrada, decorrente de prisões em flagrante

realizadas pelo delegado de polícia, conforme se verificará.

O estudo demonstra que a Polícia Judiciária, sob a chefia e administração do

delegado de polícia de carreira, desempenha papel fundamental para presidir investigações

policiais na busca de elementos indiciários de autoria e materialidade da prática delitual

decorrente da notícia dos indícios de crimes falimentares ou na iminência de efetivarem-se, ao

teor dos arts. 144, §1º e §4º, da CF, arts. 4º a 23 do CP e art. 187 e 188 da Lei Recuperação

Extrajudicial e Falências.

Agora, assumem a Polícia Federal e a Polícia Civil, por intermédio da autoridade

policial, papel importante nas investigações de crime de natureza falimentar, pois torna-se o

inquérito policial o instrumento pré-processual, na persecução penal, de natureza inquisitorial.

É também outro procedimento de Polícia Judiciária o TCO, sendo resultado de uma atuação

436 RAMOS. A empresa e o seu dono, p. 13.

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repressiva sumária para a apuração de delitos de menor potencial ofensivo, ao teor da Lei n.

9.099/95. Registra-se que na legislação anterior a competência para a apuração de ilícitos de

falência ocorria mediante inquérito judicial, sob a presidência da autoridade judiciária. Já no

que tange à ação penal, competirá ao juiz criminal da jurisdição onde tenha sido decretada a

falência, concedida à recuperação judicial ou homologado o plano de recuperação

extrajudicial, conhecer da ação penal pelos crimes previstos na Lei n. 11.101/05, conforme

preceitua o art. 183. Faz-se um paralelo do processo penal sob a égide do antigo decreto-lei e

a norma vigente, demonstrando que, recebidas a denúncia e a queixa, observar-se-á o rito

previsto nos arts. 531 a 540, do CPP.

A persecutio criminis in juditio não se desenvolve mais perante o juízo da falência,

porque foi deslocada para sua sede adequada, quer dizer, o juízo criminal, com bem assinalou

Waldo Fazzio Júnior.437 Assim, torna-se necessário verificar a conduta humana em que há

subsunção ao crime falimentar.

Maximillianus Cláudio Américo Führer 438 classifica crime falimentar como sendo

todo ato previsto na lei praticado antes ou depois da falência de que resulte ou possa resultar

prejuízo aos interesses que se estabelecem em torno da massa falida.

Portanto, é a persecução penal falimentar a motivação dos operadores da justiça

criminal, seja de advogados, promotores de justiça, juiz criminal e, agora, a autoridade

policial, todos assumindo papéis distintos fazendo operar a atividade estatal. Às vésperas da

falência ou ainda no curso do processo de recuperação da empresa, não apenas o devedor, mas

também seus credores, caso lancem mão de condutas ilícitas para a satisfação de seus

interesses, com o exercício arbitrário das próprias razões ingressarão facilmente na seara da

ilegalidade penal, o que vai redundar na aplicação de toda uma nova legislação no universo de

condutas penais falimentares.

15.1 Dos crimes falimentares

Os delitos falimentares são praticados nos processos de recuperação judicial ou

extrajudicial da sociedade empresária e na tramitação pré-processual, processual e pós-

falência que vem ofender o patrimônio em crise e agredir a administração da justiça, a

propriedade, a fé pública e o crédito. Os crimes são de perigo ou de dano concreto, como

437 FAZZIO JÚNIOR. Nova lei de falência e recuperação de empresas, p. 13. 438 FÜHRER. Crimes Falimentares, p. 49.

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ocorre com a fraude. Entretanto, falência não é crime. Sérgio Campinho439, ao conceituar

falência, afirma:

O vocábulo falência deriva do verbo falir, do latim fallere, que exprime a idéia de faltar com o prometido, identificando-se, outrossim, com o verbo enganar. Significa, pois, falha, omissão, traduzindo a falta do cumprimento daquilo que foi assumido. A palavra falência, sob o ponto de vista técnico-jurídico, passou a exprimir a impossibilidade de o devedor arcar com a satisfação de seus débitos, dado a impotência de seu patrimônio para a geração dos recursos e meios necessários aos pagamentos devidos.

Muito embora os crimes falimentares não tenham contemplado a nomenclatura

“estelionato falimentar”, o fato é que há diversas naturezas de fraudes, seja antes da

decretação da falência, no curso da falência ou praticados durante a fase de recuperação

judicial ou extrajudicial. O jurista Rubens Requião440, tratando da classificação do delito pela

sua objetividade jurídica, retrata:

Os penalistas ao estudarem o objeto jurídico da natureza do crime falimentar assim divergem de opiniões: uns os consideram contra a fé pública; outros sustentam que são crimes contra a economia pública; alguns afiançam serem crimes contra a administração da justiça. A muitos, entretanto, aparecem como delitos contra o patrimônio. Para outros pluriobjetivos, pela sua natureza complexa, ofendendo mais de um bem jurídico, o que parece pertinente.

A análise dos tipos penais, em especial aqueles que envolvem condutas

fraudulentas, torna-se importante para o operador do direito, no intuito de imporem-se

responsabilizações. No art. 168 da LRE tem-se como nome do crime “fraude a credores”,

compondo as seguintes elementares e pena: Art. 168. Praticar, antes ou depois da sentença que decretar a falência, conceder a recuperação judicial ou homologar a recuperação extrajudicial, ato fraudulento de que resulte ou possa resultar prejuízo aos credores, com o fim de obter ou assegurar vantagem indevida para si ou para outrem. Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.

São circunstâncias do crime determinados dados que, agregados à figura típica

fundamental, têm a função de aumentar ou diminuir suas conseqüências jurídicas, em especial

a pena.

Se inexistentes essas circunstâncias, o crime permanece, desaparecendo apenas a

agravação ou atenuação da pena. Neste aspecto, são circunstâncias que agravam o tipo penal

mencionado, com aumento de pena de 1/6 (um sexto) a 1/3 (um terço) se o agente elabora

escrituração contábil ou balanço com dados inexatos; omite na escrituração contábil ou no

balanço lançamento que deles deveria constar ou altera escrituração ou balanço verdadeiros;

439 CAMPINHO. Op. cit., p. 3. 440 REQUIÃO. Curso de direito falimentar, p. 157.

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ou destrói, apaga ou corrompe dados contábeis ou negociais armazenados em computador ou

sistema informatizado; simula a composição do capital social; destrói, oculta ou inutiliza, total

ou parcialmente, os documentos de escrituração contábil obrigatórios. A pena é aumentada de

1/3 (um terço) até metade se o devedor manteve ou movimentou recursos ou valores

paralelamente à contabilidade exigida pela legislação.

No concurso de pessoas, quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide

nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade. Neste aspecto, reporta-se ao

crime de fraude a credores, sendo sujeitos ativos impróprios: os contadores, técnicos

contábeis, auditores e outros profissionais, dentre os quais o próprio empresário. Nas mesmas

penas incidem contadores, técnicos contábeis, auditores e outros profissionais que, de

qualquer modo, concorrerem para as condutas criminosas descritas neste artigo, na medida de

sua culpabilidade.

Entretanto, no que tange à pluralidade de agentes na prática de outros crimes

falimentares, aos quais também podem concorrer os sujeitos próprios, incidem outros vários

agentes, conforme preceitua o art. 179 da LRE, diz que são sujeitos dos crimes falimentares

“os seus sócios, diretores, gerentes, administradores e conselheiros, de fato ou de direito, bem

como o administrador judicial, equiparam-se ao devedor ou falido para todos os efeitos penais

decorrentes desta Lei, na medida de sua culpabilidade”.

Sob a ótica da responsabilização do gestor, só o empresário ou seu representante

legal, em regra, poderá ser o sujeito ativo do crime falimentar, além daqueles envolvidos

antes, durante e após a falência, ou, ainda, em razão de crimes praticados durante a fase de

recuperação judicial ou extrajudicial. A legitimidade ativa para o crime falimentar será,

ordinariamente, do sócio gerente que efetivamente praticar atos de gerência ou dos co-autores

envolvidos no procedimento que envolve a recuperação da empresa ou procedimento

falimentar, quando evidente o “estelionato falimentar.”

Registra-se que o sujeito passivo, em princípio, é o credor, conforme relatou

Rubens Requião. 441 O falido pode ser sujeito passivo, desde que um terceiro pratique o ato

delituoso que fira seu interesse protegido. Maximilianus Führer esclarece que “sujeitos

passivos são todos os titulares dos interesses protegidos envolvidos na massa, inclusive o

falido, nos crimes pós-falimentares, quando não seja o autor, bem como, o Estado, em

especial nos aspectos da Administração da Justiça, da Fé Pública e da Economia Pública.” 442

441 REQUIÃO. Op.cit. p. 14. 442 REQUIÃO. Op.cit. p. 34.

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Outras são as infrações penais falimentares previstas na nova lei de recuperação de empresas

e suas conseqüentes penas, no qual são verificadas entre os arts. 169 “usque” 178.

Na busca de um conceito para os crimes falimentares o doutrinador Rubem

Ramalho relata:

Em verdade, não se pode negar que delitos praticados contra o comércio trazem, no seu bojo, uma mistura de atentados contra a fé pública e contra o patrimônio, sem, contudo, com essas espécies se confundirem. O comércio e a indústria, embora representem esforços privados, integram diretamente a estrutura econômica do Estado. Nessas condições, o seu alcance transcende a área puramente privada, para envolver também interesses públicos. Não há dúvidas, os crimes falimentares são praticados contra o comércio, porém a sua natureza está estampada na sua própria nomenclatura ou intitulação: crimes falimentares. 443

Sob o tema, lembra Waldemar Ferreira444 que “todo crime falimentar, destarte, será

crime doloso. Todo falido condenado será criminoso fraudulento. Em verdade, a lei de

falências não alude a crime culposo, como o fizeram as leis anteriores”.

Conforme noticiado, a lei 11.101, de 9/2/2005, que regula a recuperação judicial, a

extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, passou a viger em

9/6/2005, portanto, 120 (cento e vinte) dias após publicação. Constata-se que a incidência dos

tipos penais somente ocorrerá após período de vacatio legis, pois, sendo a conduta humana

verificada durante período mencionado, neste aspecto aplicam-se os tipos penais previstos no

Decreto-lei n. 7.661/45, em razão do tempus regit actum.

Com a vigência e aplicação imediata dos novos tipos penais falimentares, vários

foram as condutas típicas e ilícitas que deixaram de considerar crimes, ocorrendo a extinção

da punibilidade, em face da abolitio criminis. Os tipos penais previstos no Decreto-lei n.

7.661/45, já revogados, em face da Lei de Falência, constatam algumas elementares

descritivas de condutas incriminadoras, que vão compor a estrutura analítica do crime e

imigraram para a nova nomenclatura criminal, entretanto com penas mais severas. Também

foram criados outros tipos penais falimentares, como violação de sigilo empresarial e

divulgação de informações falsas, previstos nos arts. 169 e 170 da LRE.

O delito denominado “fraude a credores”, previsto no art. 168 da LRE, é o tipo

penal em que a pena mínima é de 3 (três) anos de reclusão e a máxima é de 6 (seis) anos,

podendo ainda ser aumentada em razão das circunstâncias qualificadoras descritas se

verificadas as seguintes condutas: elabora escrituração contábil ou balanço com dados

inexatos; omite na escrituração contábil ou no balanço lançamento que deles deveria constar

ou altera escrituração ou balanço verdadeiros; destrói, apaga ou corrompe dados contábeis ou

443 RAMALHO. Op. cit., p. 357-358. 444 FERREIRA. Op. cit., p. 415.

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negociais armazenados em computador ou sistema informatizado; simula a composição do

capital social; destrói, oculta ou inutiliza, total ou parcialmente, os documentos de

escrituração contábil obrigatórios.

Outro crime é a contabilidade paralela, tipificado no § 2° do art. 168, em que a

pena é aumentada de 1/3 (um terço) até metade se o devedor manteve ou movimentou

recursos ou valores paralelamente à contabilidade exigida pela legislação.

Enfim, verificaram-se correlações entre condutas humanas típicas e ilícitas de

crimes falimentares aos tipos penais descritos no Código Penal. Entretanto, por tratar-se a Lei

n. 11.101/05, de caráter especial, ali devem reportar-se os operadores do direito, a fim de dar

início à persecução estatal, no objetivo de punir o infrator, seja o empresário ou não.

Fazendo uma correlação entre os novos tipos penais falimentares e os crimes

comuns elencados na parte especial do Código Penal, constatou-se:

a) que o tipo penal de violação de sigilo empresarial (art.169, LRE), assemelha-se com o crime de divulgação de segredo (art. 153, CP); b) divulgação de informações falsas (art. 170 LRE), é correspondente ao tipo penal de difamação (art.139, CP), trata-se de delito perpetrado antes da decretação da falência, é um crime pré-falimentar; c) desvio, ocultação ou apropriação de bens (art.173 LRE) análogo à apropriação indébita (art.168, CP); d) aquisição, recebimento ou uso ilegal de bens (art.174 LRE) corresponde ao tipo penal de receptação (art.180, CP); e) habilitação ilegal de crédito (art. 175 LRE), com oferta de relação falsa de credores, tendo semelhança com a falsificação de documento particular (art.298, CP). f) exercício ilegal de atividade (art. 176 LRE), com pena de 1(um) a 4(quatro) anos, e multa, tem afinidade com a contravenção penal prevista no artigo 47, do decreto-lei 3.688/41, que tem o nome iuris “exercício ilegal de profissão ou atividade”, cuja pena é de prisão simples, de 15 (quinze) dias a 3 (três) meses, ou multa.

Os crimes falimentares são punidos com penas de reclusão e de detenção. Um

único delito foi apenado com detenção, o previsto no art. 178 da LRE, cuja pena é de 1 (um) a

2 (dois) anos e multa, que trata da omissão dos documentos contábeis obrigatórios, salvo se o

fato em investigação não constituir crime mais grave. Tal delito, por ser de menor potencial

ofensivo, é apurado por meio do termo circunstanciado de ocorrência (TCO), cujo rito

sumário será demonstrado no item 15.3, sendo a persecução penal investigatória verificada

com o registro da ocorrência e a lavratura do procedimento sumário.

Dúvidas não há de que esta infração penal de menor potencial ofensivo é passível

do arbitramento de fiança pelo delegado de polícia no caso de o autuado ser preso em

flagrante delito por não assumir o compromisso de comparecer em juízo para audiência

preliminar.

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262

Assim, ratifica-se o auto de prisão em flagrante delito e arbitra-se a fiança,

conforme preceitua o art. 322 do CPP, que diz: “a autoridade policial somente poderá

conceder fiança nos casos de infração punida com detenção ou prisão simples”. Contudo, caso

o infrator do delito de menor potencial ofensivo assuma o compromisso de comparecer ao

juizado especial criminal, não se imporá a lavratura do auto de prisão, mesmo que

preenchidos seus requisitos no art. 302 do CPP.

Os delitos falimentares, previstos nos arts. 169, 170, 171, 172, 173, 174, 175, 176

e 177, todos da LRE, são punidos com reclusão, em que a pena mínima cominada é igual ou

inferior a 2 (dois) anos, sendo possível o arbitramento de fiança, entretanto a ser arbitrado

pelo juiz de direito da área criminal, ao teor dos arts. 322, parágrafo único, e 323, inciso I,

todos do CPP.

O pagamento de fiança possibilita ao preso o direito de vir a responder as

investigações policiais ou o processo em liberdade provisória. Basta lembrar, que se priva a

liberdade do cidadão em seu direito de ir e vir se patente for o estado da prática em flagrante

delito do crime falimentar pelo autuado ou, no caso de cumprimento de ordem judicial de

mandados de prisões cautelares, seja a prisão preventiva (arts. 311 e 312 do CPP) ou prisão

temporária (Lei n. 7.960/89).

Assim, o delito previsto no art. 168 da LRE, que trata de fraude a credores, cuja

pena é de reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa, não é delito afiançável, em razão de a

pena mínima ser superior a 2 (dois) anos de reclusão.

Portanto, sendo preso em flagrante delito e conduzido pela autoridade policial,

somente poderá livrar-se da prisão cautelar o autuado caso postule sua liberdade provisória,

sem pagamento de fiança, ao teor do art. 310, parágrafo único, do Código de Processo Penal.

Conforme se verificará, os tipos penais previstos entre os arts. 168 a 177 da nova

Lei de Falências e Recuperação de Empresas são apurados por meio do inquérito policial,

cujo rito é complexo ou ordinário de colheita de provas objetivas e subjetivas.

Nesse aspecto, a autoridade policial dará início à investigação repressiva, por meio

de portaria inaugural, via inquérito policial, com o sujeito ativo em liberdade. Também, é

outro meio de iniciarem-se as investigações policiais com a instauração do inquérito policial,

por meio da lavratura do auto de prisão em flagrante delito do autuado, privando o agente da

liberdade, salvo posterior arbitramento de fiança, se afiançável por delito falimentar.

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15.2 Dos atos de polícia judiciária na repressão aos crimes falimentares

Os procedimentos inquisitoriais no sistema processual penal brasileiro poderão

motivar a instauração das investigações policiais, por meio da persecução penal inquisitorial

realizada pela Polícia Judiciária, de atribuição da Polícia Civil ou da Polícia Federal, em razão

da matéria ofendida, com a instauração do inquérito policial ou do termo circunstanciado de

ocorrência, em face do delito vislumbrado e da ofensa ao bem jurídico tutelado.

Alusivo ao TCO, a autoridade policial, ora delegado de polícia, tem atribuições

previstas no art. 69 e ss. da Lei n. 9.099/95 e arts. 1º e 2º, da Lei n. 11.313/06, que trata de

procedimento sumário de investigação que incide sobre as infrações penais de menor

potencial ofensivo, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não

superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa, que será analisado no item 15.3. Quanto

às infrações penais com a pena superior a 2 (dois) anos, as investigações realizam-se por meio

do inquérito policial, conforme será demonstrado neste capítulo, no item 15.4.

Acerca dos crimes falimentares e sua persecução, Waldo Fazzio Júnior445 relata:

Os crimes falimentares não são mais apurados em inquérito supervisionado pelo órgão do judiciário. Como nos demais delitos, observam na fase investigatória os ditames do inquérito policial, se e quando necessário. A apuração das infrações penais previstas na Lei nº. 11.101/05 não mais se desenvolve perante o juízo da falência, porque foi deslocada para a sede do juízo criminal. Sob a égide do Dec-Lei nº. 7.661/45, hoje revogada, os indícios de delitos falimentares eram apurados através do inquérito preliminar judicial feito pela autoridade judiciária, sendo a denúncia recebida pelo juízo cível da falência e posteriormente, se caso, encaminhado para a seara criminal.

Com a vigência da Lei n. 11.101/05, verificou-se que, ao teor do art. 192 da

LRE, não se aplica aos processos de falência ou de concordata ajuizados anteriormente ao

início de sua vigência, que serão concluídos nos termos do Decreto-lei n. 7.661, de 21 de

junho de 1945.

No estudo da matéria, o § 1o do citado art. 192 explicita: “Fica vedada a

concessão de concordata suspensiva nos processos de falência em curso, podendo ser

promovida a alienação dos bens da massa falida assim que concluída sua arrecadação,

independentemente da formação do quadro-geral de credores e da conclusão do inquérito

judicial”.

445 FAZZIO JÚNIOR. Op. cit., p. 35.

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O art. 200 da LRE prescreve: “Ressalvado o disposto no art. 192 desta lei, ficam

revogados o Decreto-Lei no 7.661, de 21 de junho de 1945, e os arts. 503 a 512 do Decreto-

Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941, Código de Processo Penal”. No caso em estudo, os

crimes falimentares previstos no decreto mencionado e o rito processual ordinário perpetram-

se sob a presidência da autoridade judiciária. Após, 9 de junho de 2005, a apuração de ilícitos

penais falimentares passou a ser de competência da Polícia Judiciária, por meio do termo

circunstanciado de ocorrência ou do inquérito policial, em razão da pena do crime falimentar

verificado.

15.3 Inquérito policial falimentar

O Título II do CPP dispõe sobre o inquérito policial, com observância ao devido

processo legal (CF, art. 5º, LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o

devido processo legal) e estabelece as regras de regência desse tipo de procedimento

investigatório criminal (arts. 4º usque 23, CPP), tudo em harmonia com os arts. 5º, LIII e LIV,

24, XI, e 144, §§ 1º, IV da Constituição da República.

Os tipos penais falimentares estão prescritos nos artss 168 a 178 da Lei n.

11.101/05, todos apenados com reclusão, a serem apurados por meio do inquérito policial,

salvo o art. 178, que trata de omissão dos documentos contábeis obrigatórios, em que a pena é

de detenção e a notitia criminis. Sugere-se a aplicação do rito investigatório sumário, a ser

realizado mediante termo circunstanciado de ocorrência, que trata de procedimento

investigatório, com os objetivos da celeridade, da informalidade e da economia procedimental

dos atos de Polícia Judiciária, na busca dos indícios do crime de menor potencial ofensivo,

muito embora a Lei n. 11.101/05 reporte-se exclusivamente ao inquérito policial.

Os demais tipos penais − fraudes a credores, contabilidade paralela, violação de

sigilo empresarial, divulgação de informações falsas, indução a erro, favorecimento de

credores, desvio, ocultação ou apropriação de bens, aquisição, recebimento ou uso ilegal de

bens, habilitação ilegal de crédito, exercício ilegal de atividade e violação de impedimento −

são apurados (autoria e materialidade), por meio de inquérito policial falimentar, sob a

presidência do delegado de polícia, conforme disciplina a lei falimentar.

Assim, com a instauração do inquérito policial falimentar, sob a presidência da

autoridade policial pode-se verificar como peça inicial a portaria inaugural, com o investigado

respondendo às investigações policiais em liberdade ou, no caso de lavrar-se o auto de prisão

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265

em flagrante delito falimentar, o sujeito ativo do crime permanece preso, salvo tratar-se de

delito afiançável.

O delegado de polícia, diante da notícia-crime, que aportar ao conhecimento da

Polícia Judiciária e em razão de os ilícitos penais falimentares serem de natureza pública

incondicionada, conforme o art. 184, parágrafo único, da Lei n. 11.101/05 adotará as

providências de sua atribuição. O artigo retromencionado define que os crimes previstos nesta

lei são de ação penal pública incondicionada. Entretanto, decorrido o prazo a que se refere o

art. 187, § 1o, sem que o representante do Ministério Público ofereça denúncia, qualquer

credor habilitado ou o administrador judicial poderá oferecer ação penal privada subsidiária

da pública, observado o prazo decadencial de 6 (seis) meses, circunstância que será abordada

no processo sumário falimentar.

A notícia do crime falimentar poderá aportar à autoridade policial representante do

Ministério Público ou a autoridade judiciária, mediante comunicação do administrador

judicial, ao teor do art. 22, inciso III, alínea “e”, da LRE, na qual esclarecerá as circunstâncias

que conduziram à situação de falência e os indícios de ilícitos penais.

É por meio das investigações policiais que a Polícia Judiciária concretiza seu ato

fim. Tal instrumentalização é documentada no inquérito policial, motivando instruí-lo com

provas indiciárias do crime falimentar, sejam elas de natureza subjetiva ou objetiva. O

inquérito policial falimentar poderá ser instaurado pela autoridade policial via portaria

inaugural, estando o agente da prática do crime falimentar em liberdade, ou por auto de prisão

em flagrante delito falimentar, presentes dos requisitos dos arts. 302 a 306 do CPP, motivando

a apuração do ilícito penal falimentar.

A apuração do ilícito falimentar poderá ser constatada antes da decretação da

falência, no curso da falência ou após; ou, ainda, durante a fase de recuperação judicial ou

extrajudicial, se constatado que a conduta do agente incide sobre os tipos penais

correspondentes às elementares e circunstâncias descritas.

Muito embora, o art. 180 da LRE definir: “A sentença que decreta a falência,

concede a recuperação judicial ou concede a recuperação extrajudicial de que trata o art. 163

desta Lei é condição objetiva de punibilidade das infrações penais descritas nesta Lei”, tal

dispositivo não é taxativo. Pois, constatam-se situações pré-falimentares previstas no tipo

penal de divulgação de informações falsas (art. 170, LRE), que demonstra a conduta de

divulgar ou de propalar, por qualquer meio, informação falsa sobre devedor ou empresário em

recuperação judicial, com o fim de levá-lo à falência ou de obter vantagem, não sendo

circunstância impeditiva constatar-se o ilícito penal antes da decretação da falência.

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266

Ademais, o art. 183 da LRE serve como parâmetro de condições objetivas de

indícios dos crimes falimentares, mas não pode ser regra imprescindível a dar motivação à

persecução criminal falimentar. O próprio tipo penal do art. 172 da LRE, que trata do crime

de favorecimento de credores, demonstra elementares do crime que se verificam antes da

sentença que decreta a falência ou que concede a recuperação judicial ou homologação da

recuperação extrajudicial.

Os crimes falimentares são de natureza pública incondicionada e a persecução

estatal, em face da notícia-crime, é de atuação obrigatória e indisponível, não sendo taxativas

as condições previstas no art. 183 da LRE para iniciar-se a repressão criminal, seja pela

autoridade policial, pelo representante do Ministério Público ou por terceiros, que podem

levar ao conhecimento da autoridade competente a prática do ilícito falimentar.

Numa análise restrita aos tipos penais falimentares, constata-se que a autoridade

judiciária, comunicada da prisão em flagrante delito do autor de crime falimentar, somente

poderá arbitrar fiança nos crimes previstos nos arts. 169, 170, 171, 172, 173, 174, 175, 176 e

177 da LRE, pois são crimes punidos com reclusão. A pena mínima cominada é inferior a 2

(dois) anos. Assim, não será concedido fiança, ao teor do art. 323, inciso I, do CPP, que

define: “nos crimes punidos com reclusão em que a pena mínima cominada for superior a dois

anos”.

É importante ressaltar que somente os crimes fraudes a credores e contabilidade

paralela, previstos no art. 168, caput, da LRE, cuja pena é de reclusão, de 3 (três) a 6 (seis)

anos, e multa, e os tipos penais previstos nos §1º e §2º detêm circunstâncias qualificadoras,

que aumentam a pena. Estes delitos não são passíveis de arbitramento de fiança caso o autor

do delito falimentar seja preso e autuado em flagrante delito.

Muito embora haja referência no aludido artigo de que o administrador judicial

tem o prazo de 40 (quarenta) dias, prorrogável por igual período, para apresentar em relatório

circunstanciado a notitia criminis, expirado tal prazo não há impedimento para, de forma

intempestiva, apresente-se posteriormente, salvo demonstrar-se a prescrição da pretensão

punitiva, circunstância em que deverá o administrador judicial ser responsabilizado

criminalmente pelo não desempenho a contendo de sua função, em desobediência a lei,

demonstrando seu interesse pessoal em ser concorrente com a impunidade e inação estatal na

persecução criminal de natureza pública.

Quanto à prescrição da pretensão punitiva, a Lei de Recuperação Judicial, a

extrajudicial e a falência do empresário estabelece, no art. 182, que “a prescrição dos crimes

previstos nesta Lei reger-se-á pelas disposições do Decreto-lei n. 2.848, de 7 de dezembro de

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267

1940 - Código Penal, começando a correr do dia da decretação da falência, da concessão da

recuperação judicial ou da homologação do plano de recuperação extrajudicial”. No seu

parágrafo único, prescreve que: “a decretação da falência do devedor interrompe a prescrição

cuja contagem tenha iniciado com a concessão da recuperação judicial ou com a homologação

do plano de recuperação extrajudicial”.

Quanto ao relatório do administrador judicial, o art. 186 da LRE define que

deverá ser apresentado ao juiz da falência. De forma esclarecedora, o administrador judicial,

individualizará a conduta do devedor e de outros responsáveis por atos que possam constituir,

em tese, crime relacionado com a recuperação judicial, com a falência ou com outros delitos

conexos. Assim, o aludido artigo descreve,

[...] no relatório previsto na alínea e do inciso III do caput do art. 22 desta Lei, o administrador judicial apresentará ao juiz da falência exposição circunstanciada, considerando as causas da falência, o procedimento do devedor, antes e depois da sentença, e outras informações detalhadas a respeito da conduta do devedor e de outros responsáveis, se houver, por atos que possam constituir crime relacionado com a recuperação judicial ou com a falência, ou outro delito conexo a estes. A exposição circunstanciada será instruída com laudo do contador encarregado do exame da escrituração do devedor.

Nesse contexto apuratório, é por meio do inquérito policial falimentar que se

buscam indícios de crime conexos, ou não, com as circunstâncias que envolvem a falência ou

a recuperação judicial extrajudicial da empresa. Pergunta-se, então: Quais são as possíveis

diligências periciais investigatórias que poderão ser realizadas na apuração dos ilícitos penais?

Sugerem-se algumas:

a) Perícia contábil que consiste na verificação de fatos ligados ao patrimônio da empresa ou do empresário; b) Perícia grafotécnica, visando a detectar se a assinatura na nota de empenho é de autoria daquele ordenador, ou de outros documentos; c) Perícia de engenharia legal, para constatação se a obra descrita no contrato e efetivamente quitada foi mesmo realizada e de acordo com cláusulas contratuais; d) A perícia se vale de um objetivo para traçar o rumo de um trabalho analítico, objetivo, preciso, claro e fiel, com a finalidade de atender a diligencia policial suscitada. As perícias requisitadas pela autoridade policial, na presidência das investigações policiais podem objetivar apurar outros ilícitos penais, como crimes de sonegação fiscal, crimes de apropriação indébita, crimes de fraude nos registros contábeis e demonstrações contábeis, perícia de constatação de compatibilidade entre o patrimônio e renda declarada e de falência fraudulenta. e) Na análise circunstancial torna-se necessário a fiscalização de livros contábeis e notas fiscais, além de outros documentos comprobatórios, tais como: declaração de imposto de renda e quebra de sigilo bancário, com investigação dos destinatários dos cheques emitidos pelo investigado. f) Também, outras perícias de áudio, vídeo e informática poderão instruir as investigações policiais falimentares, a fim de instruir o inquérito policial, tais como, transcrições de fitas de áudio e vídeo; vistoria em aparelhos de telefone celular e bina dos investigados, a fim de apurar a rede de relacionamentos e atividades mercantis. Nada obsta ocorrer perícia para constatar a autenticidade de fitas de vídeo, CDs e software ou ainda, vistoria em equipamentos de informática, no intuito de buscarem-se indícios de crimes falimentares ou conexos.

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Finalizada as investigações policiais, com a inquirição de suspeitos e testemunhas,

a realização de acareações, os reconhecimentos fotográficos e pessoais ou de coisas e a

juntada de outras provas indiciárias de natureza subjetiva ou objetiva, ao teor do art. 10, § 1º,

do CPP, o delegado de polícia fará minucioso relatório do que tiver sido apurado, seja crime

falimentar ou de outra natureza, ainda que conexos. Depois, enviará os autos ao juiz criminal

da jurisdição onde tenha sido decretada a falência, concedida a recuperação judicial ou

homologado o plano de recuperação extrajudicial, circunstância que dará início à ação penal

propriamente dita, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa.

O inquérito policial deverá terminar no prazo de 10 (dez) dias, se o indiciado tiver

sido preso em flagrante ou estiver preso preventivamente, contado o prazo, nesta hipótese, a

partir do dia em que se executar a ordem de prisão; ou no prazo de 30 (trinta) dias, quando

estiver solto mediante fiança ou sem ela, ao teor do art. 10 do CPP.

O processualista Júlio Fabbrini Mirabete446 relata:

[...] quanto ao momento da execução, os crimes são tradicionalmente distinguidos em antefalimentares, cometidos antes da decretação da quebra, e pós-falimentares, ocorridos após a sentença declaratória da falência. Diante do que dispõe a nova Lei de Falências, alguns crimes podem ser cometidos antes ou depois da sentença de falência, de concessão da recuperação judicial ou da que homologa o plano de recuperação judicial (arts. 168, 172, 178). Outras infrações, porém, por exigência dos tipos penais, devem ser praticadas em momentos determinados, após a sentença de falência (arts. 173, 174, 177), antes da decretação da quebra (art. 169), durante a recuperação judicial (art.170, 173, 177), no curso do processo (art. 171).

Logo, a ação penal pode ser ajuizada na ausência da sentença que decreta a quebra,

nos casos da sentença que concede a “recuperação judicial” e da que homologa o plano de

“recuperação extrajudicial”, institutos criados pelo novo diploma legal. Contudo o art. 180 da

nova Lei de Falências diz que é condição objetiva de punibilidade a sentença que decreta a

falência, concede recuperação judicial ou concede a recuperação judicial.

Nessa análise, torna-se importante aos operadores do direito estarem atentos à

persecução penal falimentar, na qual se demonstram os novos tipos penais previstos na Lei n.

11.101/2005 que são praticados nos processos de recuperação extrajudicial, judicial ou de

falência e vêm incidir sobre o patrimônio em crise também a administração da justiça, a fé

pública e o crédito, no que tange à escrituração.

Constata-se, assim, que outros tipos penais não impedem que o empresário ou o

administrador continue na gestão da empresa, o que ocorre nos crimes contra a fé pública, no

que tange a: falsidade material, falsidade ideológica, uso de documento falso, delitos de

446 MIRABETE. Ob.cit., p. 568.

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contrabando ou descaminho, crimes contra a administração pública, crimes de licitação

pública, crimes contra o patrimônio, crimes contra a economia popular ou a ordem

econômica, agiotagem (Lei n. 1.521/51), lavagem de dinheiro, crime contra o sistema

financeiro, crimes contra as relações de consumo, crimes previdenciários, crimes contra a

ordem tributária e outros ilícitos penais. O Direito Penal apresenta-se como alternativa à

imposição de sanções aos infratores.

Hans Welzel447, abordando a importância do Direito Penal, ensina:

Na verdade, o Direito Penal protege, dentro de sua função ético-social, o comportamento humano daquela maioria capaz de manter uma mínima vinculação ético-social, que participa da construção positiva da vida em sociedade por meio da família, escola e trabalho. O Direito Penal funciona, num primeiro plano, garantindo a segurança e a estabilidade do juízo ético-social da comunidade, e, em um segundo plano, reage, diante do caso concreto, contra a violação ao ordenamento jurídico-social com a imposição da pena correspondente.

Entretanto, sob o tópico de responsabilização civil, administrativa e criminal do

gestor e da sociedade limitada por condutas fraudulentas, dois criminalistas empresariais,

Marshall Clinard e Peter Yeage, explicam:

Crimes empresariais, todavia, não podem ser definidos e estudados de maneira tão limitada para as nossas leis criminais representam somente uma parte do escopo maior da lei; além disso, existem as leis civis e administrativas. Embora essas leis não se apliquem ao transgressor criminal comum, elas são na maior parte a maneira pela qual as violações empresariais são tratadas. As violações dessas leis civis e administrativas também estão sujeitas a punição pelo estado político. Do ponto de vista de pesquisa, portanto, o crime empresarial inclui qualquer ato punido pelo estado, independentemente de ser punido sob a lei administrativa, civil ou criminal.448

Segundo a classificação de Berdn Schunemann449, abordando a criminalidade que

envolve a gestão empresarial:

A criminalidade envolvendo a empresa poderia ser agrupada em criminalidade que se desenvolve à margem da empresa, criminalidade que germina dentro da empresa contra a própria empresa, criminalidade de pessoa da empresa contra outros membros da empresa e, finalmente, a criminalidade que se projeta a partir da empresa.

Cabem àqueles que detêm a responsabilidade de investigar, denunciar e julgar,

com aplicação de sanções aos infratores, a consciência de que unidos e com amparo legal

atuem representando o Estado no intuito de inibir ou acabar com o jargão de que o crime

compensa. Para isso, é necessário imputar responsabilização àqueles que praticam crimes em

prejuízo da sociedade, o que nada obsta a persecução investigatória para apurar a autoria

447 WELZEL. Derecho penal alemán, p. 11-2 448 CLINARD. Op. cit.,. p. 19. 449 SCHUNEMANN. Op. cit., p. 529-531.

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daquele gestor ou gestores, ou da própria pessoa jurídica, que, em unidades de resultados,

perpetram comportamentos diretos (imediatos) ou indiretos (mediatos), na seara empresarial,

para fins espúrios, o que deve resultar na aplicação de responsabilização de todos os

envolvidos.

15.4 Termo circunstanciado de ocorrência falimentar

O temo circunstanciado de ocorrência (TCO) é o procedimento inquisitorial

sumário que, sob a presidência do delegado de polícia, depois de autuado, instruído e

concluído, em razão do delito de menor potencial ofensivo falimentar, será encaminhado ao

juiz criminal da jurisdição onde tenha sido decretada a falência, concedida a recuperação

judicial ou homologado o plano de recuperação extrajudicial, tornando-se competente para

conhecer a ação penal. Trata-se o TCO de procedimento investigatório inquisitorial , atinente

as atividades de Polícia Judiciária, sob a presidência do delegado de polícia, muito embora a

Lei n. 11.101/05 não tenha se reportado ao mesmo, mas somente ao inquérito policial.

Com a vigência da Lei n. 11.313, de 28 de junho de 2006, que altera os arts. 60 e

61, da Lei n. 9.099, de 26 de setembro de 1995, e o art. 2º, da Lei n. 10.259, de 12 de julho de

2001, pertinentes à competência dos Juizados Especiais Criminais, no âmbito da Justiça

Estadual e da Justiça Federal, “consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo,

para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima

não superior a 2 (dois) anos ou não com multa”.

Por tratar-se de procedimento inquisitorial sumário, o termo circunstanciado de

ocorrência falimentar somente tem sua motivação e respaldo legal no art. 178 da LRE, que

trata do tipo penal “omissão dos documentos contábeis e obrigatórios”, geralmente imputando

aos empresários relapsos, diante de empresas irregulares, ou àquelas pessoas impedidas de

exercer atividades negociais. A pena prevista neste tipo penal é de 1 (um) a 2 (dois) anos e

multa, se o fato não constitui crime mais grave. Conforme assinalado, a lei falimentar não

cogitou a adoção pela Polícia Judiciária da adoção do TCO como instrumento inquisitorial

para apurar o delito de menor potencial, mas somente o inquérito policial. Nesta ótica, por

serem os atos de investigações policiais de atribuição do delegado de polícia, não há qualquer

irregularidade em ser instaurado o TCO alusivo ao delito de ofensa ínfima, pois a pretensão

imediata é substituir da pena de prisão e a eventual transação penal, por ser o tipo penal

previsto no art. 178 da LRE de natureza de menor ofensividade.

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Muito embora seja o delito mencionado apenado com detenção e ser passível de

arbitramento de fiança pelo delegado de polícia, o art. 322 do CPP estabelece que “a

autoridade policial somente poderá conceder fiança nos casos de infração punida com

detenção ou prisão simples”. Constata-se ser desnecessário o arbitramento da fiança, em

primeira análise, visto que o mero compromisso do autor de comparecer em juízo motivará a

possibilidade de ser investigado e processado em liberdade.

Nessa análise, diante da desnecessidade de arbitramento de fiança, caso seja o

sujeito ativo flagrado da prática de crime falimentar ao ser conduzido para a Delegacia de

Polícia, o agente assumirá o compromisso de comparecer em juízo para a audiência

preliminar, ao teor do art. 69 e parágrafo único da Lei n. 9.099/95, in verbis:

A autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência lavrará termo circunstanciado e o encaminhará imediatamente ao Juizado Especial Criminal, com o autor do fato e a vítima, providenciando-se as requisições dos exames periciais necessários. Ao autor do fato que, após a lavratura do termo, for imediatamente encaminhado ao juizado ou assumir o compromisso de a ele comparecer, não se imporá prisão em flagrante, nem se exigirá fiança.

É na fase policial que se realizam investigações de caráter sumário ou

investigações complexas em face do delito de maior gravidade a bem jurídico tutelado. Em

ambos os procedimentos inquisitoriais, o intuito é de levar a notitia criminis de natureza

falimentar ao juiz competente, por meio do caderno apuratório policial. O inquérito policial e

o termo circunstanciado de ocorrência são atos fins da Polícia Judiciária. Entretanto, o

delegado de polícia requisitará as perícias necessárias e encaminhará o procedimento

inquisitorial, sumário ou não, ao juizado criminal, com o autor da infração penal falimentar;

tratando-se de crime de menor potencial ofensivo, com o agendamento da audiência

preliminar ou conciliatória. Registra-se que se o crime for de natureza média ou grave as

investigações policiais serão por meio do inquérito policial, por serem mais complexas as

investigações e demandarem maiores formalidades, no intuito de apurar a autoria e

materialidade, com o conseqüente indiciamento do infrator, em face do crime falimentar.

Constata-se, assim, que ao teor da Lei n. 11.101/05, em análise aos tipos penais

falimentares, somente o crime de omissão dos documentos contábeis obrigatórios é passível,

em tese, da lavratura do termo de circunstanciado de ocorrência, por tratar-se de delito de

menor potencial ofensivo, se o fato não constitui crime mais grave. Registra-se que, muito

embora desnecessária seja a inquirição do sujeito ativo imediatamente após a prática do crime

mencionado, em razão da peculiaridade sumária da instrução procedimental inquisitorial, o

fato é que nada obsta a autoridade policial também inquirir o investigado, a fim de subsidiar

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ao juízo os indícios da infração penal, para que a autoridade judiciária possa decidir, sempre

atento ao devido processo penal.

A Polícia Judiciária, na sua função constitucional de apurar ilícitos penais − no

caso, falimentar −, tem fundamental papel na persecução criminal e na apuração de autoria e

materialidade desses crimes, que podem ser verificados não só por meio do inquérito policial,

mas também em razão da natureza da pena, por ser inferior a dois anos, utilizando-se do

termo circunstanciado de ocorrência.

O objetivo é demonstrar que não é só por meio do inquérito policial que subsidia-

se a denúncia do representante do Ministério Público, mas também do TCO, que é outro

procedimento inquisitorial ao qual a autoridade policial pode reportar-se muito embora não

seja tratado na lei falimentar, como atos de persecução da Policia Judiciária. O objetivo é

levantar discussões que envolvem o tema, em especial as investigações policiais, que são

concatenadas no TCO ou no I.P, com a apuração dos infratores, seja pessoa física ou pessoa

jurídica, tudo isso no intuito de resultar na aplicação de sanções como forma de coibir a

impunidade. Há, entretanto, posicionamento de que para todos os crimes falimentares deveria

ser instaurado o inquérito policial, em razão de a lei falimentar não se reportar ao TCO.

Vislumbra-se aqui ter havido um esquecimento do legislador, pois, por também ser o

procedimento inquisitorial sumário, o procedimento de persecução é justificável para levar ao

conhecimento do juízo competente dos delitos de menor potencial ofensivo.

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16. CONCLUSÃO

A evolução histórica das condutas fraudulentas, diante da necessidade das

persecuções civil, administrativa e criminal, é detectada por meio das investigações

pertinentes em diligências nas gestões empresariais ao serem administradas por interpostas

pessoas de forma irresponsável. A sociedade limitada e a gestão contemporânea devem

demonstrar lisura na administração, sob a conseqüência de os gestores que agem ou omitem,

em suas obrigações virem a ser responsabilizados.

A persecução à gestão empresarial fraudulenta faz-se necessária, pois a direção, a

administração e a gerência que direcionem manobras dolosas e dissimuladas para as práticas

ilícitas, com o emprego de fraudes, ardis ou enganos, na busca de obtenção de vantagens

ilícitas devem ser coibidas pelas autoridades competentes.

O estudo da sistematização da responsabilidade da pessoa física e da pessoa

jurídica vem demonstrar o anseio de coibir a impunidade que geralmente noticiam ocorrer por

interposta participação do ente coletivo. Se apuradas tais condutas lesivas, ilícitas ou espúrias,

com gestões fraudulentas, deverá haver a reparação desse prejuízo, com a aplicação de

sanções aos infratores, nos âmbito civil, administrativo ou criminal. Portanto, a persecução às

corrupções empresariais e às responsabilizações de seus autores, por violarem a função social

da empresa, faz-se necessária para coibir a corrupção.

Inicia-se o estudo, com a prévia investigação, por meio de auditorias externas ou

internas, com a participação do Conselho Fiscal, bem como por atos repressivos de Polícia

Judiciária, o que motiva imputarem-se sanções aos infratores de naturezas diversas.

A tarefa de imputar responsabilizações é árdua, em face do conflito aparente de

normas disciplinadoras. É necessário distinguir-se o ilícito civil do ilícito administrativo, bem

como do tipo penal incriminador, nas várias esferas de aplicação de sanções aos infratores. As

autoridades competentes, após apurada a gestão empresarial fraudulenta, devem instruir os

procedimentos investigatórios devidos capazes de motivar a aplicação de sanções aos

infratores, respeitanto-se o contraditório e a ampla defesa. Por fim, devem individualizar a

participação de cada um dos agentes − pessoa física e da pessoa jurídica −, no intuito de

impor punições, no objetivo de coibir a impunidade.

A análise da desconsideração da pessoa jurídica motivou identificar-se o gestor

(pessoa física) que atua com abuso de direito, fraude e confusão de ativos e passivos entre os

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sócios e a sociedade limitada, na gestão empresarial, o que torna capaz de responsabilizar os

autores de condutas violadoras com sanções de cunho civil, administrativo e criminal, de

forma concorrente.

Com a responsabilização dos gestores e da sociedade limitada, buscou-se a análise

das responsabilizações de ambos os infratores da norma. A pessoa jurídica aqui não há de

confundir-se com qualquer desconsideração. O objetivo é responsabilizar triplamente o gestor

e a sociedade limitada por contribuírem para o ilícito noticiado. Não deixando de referir-se à

nomeclatura despersonificação da pessoa jurídica, o entendimento é que há sua anulação, por

faltar-lhe condições de existência, como no caso de sociedades empresárias “fantasmas”,

como acontece em casos de invalidade de contrato social, instituído por “laranjas” ou de

“testa-de-ferro”, com sua dissolução, que não chega a existir na realidade. Portanto, não há de

confundir-se a desconsideração, a responsabilização e a despersonificação da pessoa jurídica.

A pessoa física por sua conduta punível e lesiva deverá ser responsabilizada com sanções

correspondentes, bem como o ente coletivo.

É necessário globalizar o Direito Penal e Direito Processual penal brasileiro, em

face da dogmática jurídica constitucional e da criminalidade moderna, que se verifica por

meio das atividades empresariais. Não pode o Brasil ser taxado de “país da impunidade”, em

razão da ausência de uma legislação eficaz, em face da criminalidade econômica empresarial.

A pessoa física e a pessoa jurídica possuem capacidade penal quando envolvidas em

atividades espúrias e ilícitas. A importância de identificar os ilícitos, seja por meio de

sindicâncias administrativas, auditorias e espionagens empresariais (interna ou externa) ou,

ainda, de investigações policiais das condutas típicas e antijurídicas, no âmbito empresarial,

torna-se uma missão para o gestor e as autoridades responsáveis pela segurança pública e

jurídica, com a finalidade de impor punições e por ser uma garantia aos investidores.

Amplia-se o enfoque desta análise para a denominada “tripla responsabilização”

da sociedade limitada enquanto pessoa jurídica e do gestor, ora pessoa física. Buscou-se

identificar a possibilidade de eventuais sanções de natureza civil, administrativa e criminal

por violação às normas de administração empresarial. Isso poderá ser verificado na órbita do

Direito do Consumidor, do Direito Fiscal, do Direito Ambiental ou dos interesses licitatórios

atinentes aos crimes de lavagem de capitais e outros ilícitos penais. As punições resumem-se a

aplicação de penas restritivas de direito e pecuniárias às sociedades empresariais infratoras

que têm caráter administrativo ou, ainda, as penas correspondentes aos gestores, que se

sujeitam também às penas privativas de liberdade.

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275

Na tripla persecução civil, administrativa e criminal aos gestores e à própria

sociedade limitada, quando atuem em concurso concorrente de pessoas infratoras (física e

jurídica), no âmbito da gestão empresarial, torna-se fundamental a participação das

autoridades competentes, por meio das investigações das condutas lesivas, no intuito de

apurar as transgressões e impor sanções aos transgressores.

O trabalho demonstrou, ainda, as peculiaridades que envolvem as investigações

policiais, com diversas operações de repressão da Polícia Judiciária (Polícia Federal e a

Polícia Civil). “Nesse contexto é que se observa o aparelhamento de órgãos

intergovernamentais especialmente criados para prevenir e reprimir os crimes internacionais,

a exemplo da Internacional Criminal Police Organization – Interpol”. 450

Os crimes societários ultrapassam os limites territoriais brasileiros, o que torna

necessário unir esforços para coibirem-se tais práticas delitivas.

Há necessidade de repressão às falcatruas e verificou-se no âmbito da gestão

empresarial, mas para maior êxito, motiva a criação de uma “força tarefa” para o combate à

criminalidade empresarial. Os esforços em diversos segmentos representativos, que se fazem

importantes na repressão aos crimes societários, como: Delegacias Especializadas da Polícia

Federal e da Polícia Civil na repressão aos crimes econômicos e contra a Administração

Pública, Ministério Público da União e Estadual, Tribunal de Constas da União e do Estado,

Controladorias Geral de União (SPCI - Secretarias de Prevenção da Corrupção e Informação

Estratégica), Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), Departamento de

Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI – Ministério da Fazenda),

Receita Federal e Estadual (Núcleo de Análise e Pesquisas), Agência Brasileira de

Inteligência (ABIN), Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI), Instituições Financeiras,

Federal Bureau of Investigation (FBI), International Criminal Police Organization

(INTERPOL), Departamento de Segurança Interna das Empresas, que objetiva a espionagem

econômica, e, ainda, a ajuda das autoridades estrangeiras ou outros órgãos representativos que

possam contribuir para a apuração de falcatruas empresariais, além de auditorias internas e

externas, na persecução às práticas ilícitas de diversas naturezas. O objetivo é desenvolver

articulações entre os órgãos que contribuem para as investigações das falcatruas empresariais,

ou, mesmo, do crime organizado transnacional, em atividades que envolvem corrupção

empresarial, no intuito de coibir a impunidade e impor sanções às infratores.

450 LUCHI DEMO. Op. cit. p. 506.

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Foram abordadas noções de persecução aos crimes por violação às relações de

consumo, crimes contra a ordem tributária e a econômica, crimes ambientais, crimes por

violação às normas licitatórias, persecução aos crimes previdenciários, crimes de “lavagem de

capitais” e crimes falimentares, além de outros ilícitos penais correlatos aos crimes

societários.

O estudo sobre a responsabilização concorrente na gestão empresarial é respaldado

pela teoria subjetiva, pela teoria objetiva e pela teoria do domínio, em que se buscam imputar

responsabilizações aos envolvidos nas ações fraudulentas e lesivas. Quanto à pessoa jurídica,

ou sociedade limitada, subsidia-se e fraciona-se sua participação na infração penal, como co-

autor (mediato e indireto). O ente coletivo não realiza as condutas descritas no verbo do

núcleo do tipo penal, mas colabora de qualquer modo, por meio de sua estrutura

organizacional, para que a pessoa física, ora gestor ou empresário, venha executar a prática

delitual, no intuito de justificar o fato de ser punível aos infratores. A pessoa física, ou gestor,

é autor direto ou imediato do ilícito penal.

Portanto, a sociedade limitada – pessoa jurídica − não participa da realização direta

do fato punível, mas contribui para a sua realização, por interposto gestor (pessoa física), que

realiza a conduta culpável. É necessário ficar demonstrado e provado o nexo de causalidade

do resultado produzido e lesivo, conforme estabelece a teoria do domínio do fato (Claus

Roxin), em que a participação mediata da sociedade limitada venha a ser justificável, no

intuito de encobrir o injusto penal. Aqui, demonstra-se a distinção entre o autor-imediato ou

direto (pessoa física), que detém o domínio do fato delitual, e a pessoa jurídica, como

partícipe-mediato ou indireto, que não domina a vontade na realização do fato punível. Logo,

perpetrada exclusivamente a ação ou omissão pelo gestor, sob o crivo da responsabilização

subjetiva, também é preciso verificar se, de qualquer modo, a sociedade limitada chegou a

contribuir também para que se realizasse a violação do interesse protegido, o que é bastante

para justificar a punição dos envolvidos.

O gestor, ou empresário (pessoa física), que constitui o autor direto e imediato do

fato típico, ilícito e culpável, tem sua responsabilização identificada, por participar da

realização da estrutura analítica do tipo penal. Entretanto, a sociedade limitada (pessoa

jurídica) subsume sua responsabilização. Não há de cogitar-se que a sociedade limitada venha

a ser isenta de sanção ou de pena. A teoria objetiva e a teoria do domínio do fato buscam

justificar e demonstrar a responsabilidade objetiva da pessoa jurídica, por ser instrumento ou

meio para concatenar o ilícito penal perpetrado em conjunto com a pessoa física. A pessoa

jurídica não realiza o núcleo do tipo penal ou tem vontade para a prática do ilícito, pois

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277

ausente está o potencial conhecimento da ilicitude. Logo, há exclusão de sua culpabilidade –

que não detém. Ademais, a pessoa jurídica não pratica a ação ou omissão, mas oferece à

pessoa física (gestor) toda a estrutura do ente coletivo para a prática do resultado lesivo, que

pode subsumir a uma infração penal, contribuindo para o fato punível. É necessário

responsabilizar com sanções penais-administrativas a sociedade limitada quando esta

contribuiu para o resultado lesivo e serve como meio ou instrumento para acobertar a prática

delitual pelo gestor.

A sociedade limitada não domina a realização do fato punível, mas contribui de

qualquer modo para a realização do fato típico, ilícito e culpável, a ser perpetrado somente

pelo autor (pessoa física) direto ou imediato. O estudo apresenta a responsabilização

concorrente de pessoas: do gestor e da sociedade limitada, que devem ser punidos

simultaneamente, com a aplicação das sanções correspondentes, sob o respaldo da legislação

vigente e com penas justificáveis, mas atento ao devido processo legal.

Ao abordar a tese que envolve a punição criminal das pessoas físicas e das pessoas

jurídicas de forma concorrente, verifica-se, inicialmente, a ausência de sanções penais

explicitas no Código Penal de 1940 a serem impostas à pessoa jurídica, pois todos os crimes

somente se reportam a penalidades de reclusão, detenção e/ou multa que podem ser aplicadas

às pessoas físicas. Há uma ressalva na legislação infraconstitucional, no art. 21 da Lei n.

9.605/98, que dispõe sobre as sanções penais a serem aplicadas de forma isolada, cumulativa

ou alternativamente também às pessoas jurídicas por violação aos bem jurídicos tutelados do

meio ambiente.

O art. 32, II e III, do C.P, todavia prevê que as penas restritivas de direito e de

multa são passíveis de ser estendidas às pessoas jurídicas, numa visão sistêmica, diante da

teoria da responsabilização concorrente da pessoa jurídica, por constituírem penas de caráter

administrativo. Tais sanções restritivas de direito e pecuniárias aplicadas às pessoas jurídicas

estão previstas no ordenamento vigente, entretanto, apenas na órbita administrativa, o que

vem a possibilitar a pretensão alternativa da via jurisdicional, agora na seara criminal. A

autoridade judiciária poderá vir a punir as sociedades empresariais, sob o respaldo do art. 5º,

inciso XXXV, da CF, que determina: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário

lesão ou ameaça a direito”. Mas torna-se necessário haver a devida persecução criminal aos

infratores.

A prestação jurisdicional que se verifica é por meio do processo criminal,

respeitados o contraditório e a ampla defesa, previstos no ordenamento constitucional e

processual, mediante o devido processo legal.

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As penas pecuniárias e restritivas de direito, ao serem aplicadas à pessoa jurídica

(sociedade limitada) e à pessoa física (gestor), visam atender ao objetivo estatal de prevenir e

de reprimir. Não têm outra finalidade senão punir todos os infratores que contribuíram para a

prática dos ilícitos, em prejuízo a terceiros.

Nada mais seguro para a garantia jurídica que as sanções sejam aplicadas também

por meio de uma sentença condenatória subscrita por uma autoridade judicial competente.

Assim, a responsabilização concorrente do gestor e da sociedade limitada não fere o preceito

constitucional, que já prevê a capacidade criminal da pessoa jurídica.

A jurisdição é, com a administração e a legislação, forma de exercício e uma das manifestações da soberania estatal, do Poder Público. O poder é indivisível, sendo suas funções divididas em jurisdicional, administrativa e legislativa. Historicamente, a função administrativa precede a jurisdicional que, a seu turno, precede à legislativa. 451

A função jurisdicional é de suma importância, e nada obsta, após regular processo

acusatório, o juiz de direito competente impor sanções aos autores de ilícitos penais. Se,

oferecida a denúncia-crime pelo promotor de justiça em desfavor da pessoa física e da pessoa

jurídica, respaldada na teoria da responsabilização concorrente do gestor e da sociedade

limitada, com a descrição da participação de cada um dos autores na prática delitiva e

respeitando-se o devido processo penal, esculpido no art. 5°, inciso LV, da Constituição

Federal, com a ampla defesa dos denunciados, isso motiva a autoridade judiciária a aplicar

sanções aos infratores, demonstrando a participação direta e indireta dos envolvidos.

Em face dos tipos penais perpetrados pela pessoa física e pela sociedade limitada,

a responsabilização concorrente destes agentes infratores motivará sanções correspondentes,

já previstas em lei.

Inicialmente, sanções são aplicadas ao ente coletivo pela seara administrativa,

agora, torna justificável a aplicação das penas-administrativas, por meio da atividade

jurisdicional, em sentença penal condenatória, via autoridade judiciária, permitindo-se

concluir as seguintes punições:

a) Penas de multa; apreensão ou inutilização do produto; cassação do registro do

produto perante o órgão competente; proibição de fabricação do produto; suspensão de

fornecimento de produto ou serviço; suspensão temporária de atividade; revogação de

concessão ou permissão de uso; cassação de licença do estabelecimento ou de atividade;

interdição, total ou parcial, de estabelecimento, de obra ou de atividade; intervenção

administrativa; imposição de contrapropaganda (art. 56 da Lei n. 8.078/90); 451 LUCHI DEMO. Op. cit., 497.

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b) Penas de advertência; multa, na forma prevista no instrumento convocatório ou

no contrato; suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar

com a Administração, por prazo não superior a 2 (dois) anos; declaração de inidoneidade para

licitar ou contratar com a Administração Pública enquanto perdurarem os motivos

determinantes da punição ou até que seja promovida a reabilitação perante a própria

autoridade que aplicou a penalidade, que será concedida sempre que o contratado ressarcir a

Administração pelos prejuízos resultantes e depois de decorrido o prazo da sanção aplicada

com base no inciso anterior (art. 87 da Lei n. 8.666/93);

c) Pena de advertência; multa simples; multa diária; apreensão dos animais,

produtos e subprodutos da fauna e flora, instrumentos, petrechos, equipamentos ou veículos

de qualquer natureza utilizados na infração; destruição ou inutilização do produto; suspensão

de venda e fabricação do produto; embargo de obra ou atividade; demolição de obra;

suspensão parcial ou total de atividades; restritiva de direitos, que são: suspensão de registro,

licença ou autorização; cancelamento de registro, licença ou autorização; perda ou restrição de

incentivos e benefícios fiscais; perda ou suspensão da participação em linhas de

financiamento em estabelecimentos oficiais de crédito; proibição de contratar com a

Administração Pública, pelo período de até três anos (art. 72 da Lei n. 9.605/98);

d) As penas aplicáveis isolada, cumulativa ou alternativamente às pessoas

jurídicas, de acordo com o disposto no art. 3º da Lei Ambiental serão de multa; restritivas de

direitos; e prestação de serviços à comunidade. As penas restritivas de direitos da pessoa

jurídica são: suspensão parcial ou total de atividades; interdição temporária de

estabelecimento, obra ou atividade; e proibição de contratar com o Poder Público, bem como

dele obter subsídios, subvenções ou doações. A suspensão de atividades será aplicada quando

estas não estiverem obedecendo às disposições legais ou regulamentares relativas à proteção

do meio ambiente. A interdição será aplicada quando o estabelecimento, obra ou atividade

estiver funcionando sem a devida autorização, ou em desacordo com a concedida, ou com

violação de disposição legal ou regulamentar. A proibição de contratar com o Poder Público e

dele obter subsídios, subvenções ou doações não poderá exceder o prazo de dez anos. A

prestação de serviços à comunidade pela pessoa jurídica consistirá em: custeio de programas e

de projetos ambientais; execução de obras de recuperação de áreas degradadas; manutenção

de espaços públicos; e contribuições a entidades ambientais ou culturais públicas (arts. 21, 22

e 23 da Lei n. 9.605/98);

e) Pena de advertência; multa pecuniária variável, de um por cento até o dobro do

valor da operação ou até duzentos por cento do lucro obtido ou que presumivelmente seria

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obtido pela realização da operação, ou, ainda, multa de até R$ 200.000,00 (duzentos mil

reais); inabilitação temporária, pelo prazo de até dez anos, para o exercício do cargo de

administrador das pessoas jurídicas referidas no art. 9º; e cassação da autorização para

operação ou funcionamento (art. 12 da Lei n. 9.613/98);

f) Ainda em discussão, o art. 3º do projeto de Lei n. 1.142/07 tipifica o crime de

corrupção das pessoas jurídicas, em face da Administração Pública, e não há como reportar as

mesmas e aplicá-las aos entes coletivos. Estas penas seriam opções aos operadores do direito,

caso seja sancionada a lei, sendo as seguintes: a pena de multa, no valor de 10 a 50 vezes o

montante da vantagem ofertada ou do proveito econômico almejado; restritivas de direitos;

prestação de serviços à comunidade; colocação sob vigilância judiciária; perda de bens; e

publicidade da decisão condenatória, que estão prescritas em matéria.

Há sanções administrativas de naturezas diversas que deverão ser aplicadas à

pessoa jurídica pela autoridade administrativa ou pela autoridade judiciária, em face da

natureza do processo instaurado, respeitado o crivo do contraditório e da ampla defesa. Neste

contexto, havendo correlação entre a peça acusatória e a sentença condenatória dos fatos

puníveis perpetrados pelos autores (gestor e sociedade limitada), devem ser responsabilizados

e punidos.

As investigações preliminares, sob a presidência do delegado de polícia, e a

conseqüente ação penal, com a denúncia oferecida pelo promotor de justiça em desfavor dos

agentes infratores, identificando-se às autorias do ilícito, com as conseqüentes condutas

diretas do gestor (imediatas) e ou indiretas (mediatas) da sociedade limitada, apurando-se que

contribuem para o resultado lesivo, motivam a responsabilização concorrente de todas as

pessoas. Ademais, cabe ao representante de Ministério Público oferecer a denúncia-crime

contra todos os envolvidos: a pessoa física e a pessoa jurídica, uma vez presentes os

elementos de convicção da prática dos ilícitos noticiados. É com a devida persecução

investigatória e do devido processo penal que se chegará aos autores dos crimes ocorridos via

atividade empresarial.

Exige-se, contudo, a individualização do comportamento do acusado na peça

acusatória, de forma a permitir a verificação da existência, ou não, do vínculo entre o autor e

o fato delituoso. 452

Assim, a autoridade judiciária, ao impor sanções ao gestor e à sociedade limitada,

subsidiando-se na legislação em vigor, e ao discorrer sobre a estrutura analítica do injusto

452 TRF 2° r. 2° T HC 2007.02.01.007806-1 rel. Liliane Roriz. J. 14.08.07. DJU 21.11.07.

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penal, com a descrição do resultado lesivo perpetrados pelos gestores (pessoa física) e pela

sociedade limitada (pessoa jurídica) não há de cogitar ser abusiva eventual sentença penal

condenatória, com responsabilização concorrente do gestor e da sociedade limitada, em face

das sanções correspondentes.

A pessoa física, ou gestor, se sujeitará a pena privativa de liberdade, restritiva de

direito e/ou de multa, o que nada impede haver prisões cautelares, como as prisões em

flagrante delito, prisões preventivas ou prisões temporárias, que poderão ocorrer na fase das

investigações policiais ou, ainda, na instrução da ação penal ou após a sentença penal

condenatória. Noutro giro, à pessoa jurídica não se impõe pena de prisão. Somente há penas

restritivas de direito ou pecuniárias, ou, ainda, as sanções de natureza penal-administrativa.

Portanto, sem a responsabilidade das pessoas jurídicas (sociedade limitada) e

daqueles que integram sua estrutura, os sócios e funcionários têm incentivos para criar um

clima direcionado a práticas de infrações generalizadas no âmbito de uma estrutura coletiva.

Ao representante do Ministério Público, com sua discricionariedade e verificando nas

investigações realizadas elementos descritivos das condutas ofensivas aos bens jurídicos

tutelados, mister se faz oferecer a denúncia-crime não só contra os gestores (pessoas física),

mas também contra as pessoas jurídicas, demonstrando a participação indireta e mediata do

ente coletivo, como contribuição do resultado lesivo para a realização do fato punível.

Havendo o concurso concorrente de agentes (empresários, funcionários e outros), estes, sim, é

que têm participação direta e imediata sobre o domínio do fato punível, se sujeitarão a pena de

prisão, restritivas de direito ou multa. Quanto à sociedade limitada, não tendo o conhecimento

do ilícito, a ação ou omissão na participação indireta para o resultado causado contribui para a

realização do injusto culpável, por interposta pessoa física − com a participação direta −,

então também deverá ser responsabilizada. Aqui, a sociedade limitada atua de forma indireta e

mediata para encobrir a transgressão do empresário. Com as condutas incriminadoras

verificadas, todos devem ser punidos.

Propõe-se aqui uma nova redação ao projeto de Lei n. 1.142/2007, com a inclusão

de um novo tipo penal pluriofensivo, a ser imputado à pessoa jurídica, por violação a outros

interesses tutelados, mas que reforça a reserva legal e as sanções a serem impostas, com a

seguinte tipificação do crime de corrupção das pessoas jurídicas:

Art. 2º. Constituem atos de corrupção das pessoas jurídicas, oferecer ou prometer, por decisão de representante legal ou contratual ou de seu órgão colegiado, diretor, gerente político ou interposta pessoa vantagem indevida a funcionário público, agente político de quaisquer dos três Poderes da República ou a particular para determiná-lo a praticar, omitir, retardar ou condicionar a prática de atos de ofício ou não, em seu

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nome, interesse ou benefício de sua entidade ou de outra pessoa jurídica; visando obter a pessoa jurídica, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém a erro, mediante artifício ardil, ou qualquer outro meio fraudulento em ofensa aos interesses tutelados na relação de consumo, ao meio ambiente, a ordem tributária, econômica e financeira, à saúde pública e aos interesses Administração Pública. (NR) §1º. A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato, conforme tipificado no Código Penal ou em Legislação Especial; entretanto há responsabilização concorrente da pessoa física e da pessoa jurídica, se demonstrado o concurso de pessoas. (NR) §2°. A responsabilidade penal da pessoa jurídica permanecerá independentemente das alterações contratuais, fusões ou cisões societárias havidas antes ou durante o processo criminal. §3°. A responsabilidade é excluída quando o agente tiver atuado contra ordens ou instruções expressas de quem de direito ou exclusivamente no seu próprio interesse. §4°. Salvo disposição expressa em lei, as sanções administrativas já previstas em legislações infraconstitucionais poderão ser também aplicadas às pessoas jurídicas pela autoridade judiciária competente, independentemente que se apure ou não autoria da pessoa física, desde que na ação penal, verifique ser utilizada o ente coletivo por interposta pessoa física para encobrir o fato punível. (NR)

A proposta sugerida tem o objetivo de ampliar as condutas típicas e antijurídicas

que implicam sanções à pessoa jurídica, que doravante passa a ser penalizada pelo juízo

criminal, por meio do devido processo penal, em razão de lesão ou ameaça ao direito, pois

não pode o Poder Judiciário esquivar-se de apreciar a pretensão punitiva. Verifica-se que há

sanções de natureza administrativa a serem imputadas à pessoa jurídica, que passarão a ser

aplicadas por autoridades judiciárias, uma vez que já estão previstas em lei ordinária.

A pessoa física e a pessoa jurídica que, em conluio de resultados, violarem

interesses tutelados, com a participação direta dos representantes legais ou dos empresários,

ao utilizarem-se dos entes coletivos para promover ofensas ao bem jurídico tutelado e causar

prejuízos a terceiros, nada mais justo que haja punição simultânea a ambas.

A repressão às infrações empresariais trata-se de medida de extrema importância, a

ser direcionada de forma inteligente, coibindo-se lesões às seara privada e pública, em

especial a própria sociedade. Entretanto, é necessário criar uma estrutura legal, seja nacional

e/ou internacional, com uma rede de representantes estatais para controlar, fiscalizar e punir

os crimes ocorridos na gestão empresarial fraudulenta, por se utilizar de um ente coletivo para

fins espúrios.

O criminoso se esconde em meio à estrutura burocrática sem rosto, sem pernas,

braços ou coração; não detém o domínio do fato punível; não possui potencial conhecimento

do ilícito. Seus autores diretos, ou gestores, praticam as infrações, sem testemunhas ocular,

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283

muita das vezes por intermédio de terceiros, utilizando “laranjas” ou sociedades “fantasmas”,

o que dificulta a identificação dos criminosos.

A “cabeça” e a estrutura da pessoa jurídica são geridas pelos gestores, e são estes

os que pensam e sabem agir por interposta pessoa jurídica, criada e formalizada por meio de

um “contrato”, com o fim exclusivo de praticar falcatruas. A polícia está acostumada a

identificar a vítima e o suspeito-criminoso, partindo-se de algo real e palpável (pessoa física).

O momento é oportuno para a pretensão de identificar a pessoa jurídica, que também contribui

para o ilícito penal.

Agora, buscar indícios de um crime corporativo (pessoa física e também a pessoa

jurídica) individualizando suas participações nos ilícitos praticados, seja pelo autor (direto-

imediato) ou co-autor (indireto-mediato), e descrever suas condutas lesivas torna-se

imprescindível. A pessoa física e a pessoa jurídica estão sujeitas a tripla responsabilização:

civil, administrativa e criminal.

Nesse contexto, a pessoa jurídica pode servir como instrumento ou palco de

múltiplos atores ou coadjuvantes. Mas no caso de todos os infratores, sejam gestores-

empresários, gerentes, diretores, contadores, funcionários públicos ou empregados, atuarem

conjuntamente e com unidades de propósitos para cometer ilícitos em atividades empresariais,

há responsabilização subjetiva da pessoa física e objetiva da sociedade limitada, que não tem

o domínio sobre o fato punível. Nos delitos verificados em negócios empresariais podemos

verificar a simultaneidade de aplicações das sanções (civil, administrativa e penal) por

práticas de condutas ilícitas. Gestores e sociedade limitada devem ser investigados,

denunciados, processados e condenados, com sanções por violação ao ordenamento jurídico

vigente. Ora, é pacífico que a pessoa jurídica exerce uma atividade, e é exatamente através

desta atividade que o ente coletivo poderá vir a ofender o bem jurídico penal incriminador. É

requisito para a responsabilização penal da pessoa jurídica, que o dano apurado tenha sido

praticado em prol do interesse ou beneficio da pessoa corporativa. O estudo de cada caso real

verificado demonstra que não poderá mais prevalecer a impunidade generalizada diante das

falcatruas na órbita empresarial.

O momento é oportuno para que os legisladores e os operadores do direito passem

a refletir sobre o tema: persecução às fraudes empresariais e à responsabilização civil,

administrativa e criminal do gestor e da sociedade limitada.

É com ousadia, sob o respaldo da lei, que seremos direcionados e motivados a

adotar posicionamentos capazes de coibir a impunidade generalizada dos crimes societários.

A persecução às fraudes empresariais e às responsabilizações dos autores (gestor e sociedade

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limitada) contribuirá para a redução de condutas ilícitas, motivando a aplicação de sanções

aos infratores, mas sempre atento ao crivo da ampla defesa e do contraditório processual.

A cada dia que passa, as organizações criminosas se instalam nos entes coletivos,

nos mais distantes rincões do planeta, com recursos e tecnologia que dificultam a repressão

criminal e a punição dos envolvidos. A aspiração de aplicar punições àqueles que

diuturnamente vêm agindo com comportamentos injustificáveis, seja a pessoa jurídica

(sociedade limitada) ou ao gestor (empresário ou gerente), é um ideal diante do “estelionato

empresarial” que é verificado com violação à norma legal. É necessário unirmos esforços para

assegurar uma garantia social que resulte em punição aos infratores. Devemos dar um basta às

falcatruas na seara empresarial, com a responsabilização civil, administrativa e criminal dos

autores.

A tripla responsabilização e as correspondentes sanções − civil, administrativa e

criminal − ao gestor e à pessoa jurídica ocorrerá com respaldo na teoria da responsabilização

concorrente dos agentes infratores, o que se faz necessário. O momento é oportuno, e com

uma visão sistêmica de combate à criminalidade, visando à persecução às condutas

fraudulentas numa gestão empresarial de falcatruas, é que poderemos apurar condutas ilícitas

e responsabilizar os seus autores, com as sanções correspondentes. Vamos refletir e buscar

alternativas legais para imputar sanções aos infratores.

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298 f. enc. Orientador: Prof. José Barcelos de Souza

Dissertação (Mestrado) – Dissertação para obtenção do título de Mestre, área de concentração Direito empresarial junto a Faculdade de Direito Milton Campos

Bibliografia: f. 286 - 298

1. Responsabilidade civil. 2. Responsabilidade administrativa 3. Responsabilidade criminal 4.

Gestor - Responsabilidade 5. Persecução às condutas fraudulentas I. Souza, José Barcelos de II. Faculdade de Direito Milton Campos III. Título

__________________________________________________________________ Ficha catalográfica elaborada por Emilce Maria Diniz – CRB – 6 / 1206

Revisão de texto elaborado por Afonso Celso Gomes – [email protected]