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FACULDADE DE DIREITO MILTON CAMPOS PEDRO DELGADO DE PAULA REVISÃO ADUANEIRA E O PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO DA CONFIANÇA BELO HORIZONTE 2012

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FACULDADE DE DIREITO MILTON CAMPOS

PEDRO DELGADO DE PAULA

REVISÃO ADUANEIRA E O PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO DA CONFIANÇA

BELO HORIZONTE 2012

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PEDRO DELGADO DE PAULA

REVISÃO ADUANEIRA E O PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO DA CONFIANÇA

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Direito Empresarial do Programa de Pós-graduação Stricto Sensu da Faculdade de Direito Milton Campos para a obtenção do título de mestre em Direito, dentro da linha de pesquisa A Empresa na Contemporaneidade: a Preservação da Empresa e Poder de Tributar.

Orientador: Prof. Dr. Sacha Calmon Navarro Coêlho

BELO HORIZONTE 2012

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PEDRO DELGADO DE PAULA

REVISÃO ADUANEIRA E O PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO DA CONFIANÇA

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Direito Empresarial do Programa de Pós-graduação Stricto Sensu da Faculdade de Direito Milton Campos para a obtenção do título de mestre em Direito, dentro da linha de pesquisa A Empresa na Contemporaneidade: a Preservação da Empresa e Poder de Tributar.

BANCA EXAMINADORA

_____________________________________________________ Prof. Dr. Sacha Calmon Navarro Coêlho (Orientador) _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ Conceito: _____________________________________________________ Belo Horizonte, ___ de __________________ de 2012.

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DEDICATÓRIA Dedico esta dissertação à todas as pessoas que trabalham duro para vencer e às almas daqueles que lutaram para nos dar essa oportunidade.

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AGRADECIMENTO Agradeço a Deus por tudo que sou e por ter me guiado por este caminho. Agradeço à minha esposa, Cláudia, pela paciência e companheirismo nesta jornada nem sempre agradável. Agradeço ao meu pai, Magno, pelo exemplo, valores e espírito crítico. Agradeço à minha mãe, D. Neuza, meu exemplo profissional e minha eterna "revisora". Agradeço ao meu orientador, Dr. Sacha Calmon, fonte de inspiração e conhecimento, e à sua gentil assistente, Eliana, pela grande ajuda nesta jornada. Agradeço aos meus sócios e funcionários na Atlas, com quem muito aprendi sobre comércio exterior. Agradeço à Milla, minha incansável companheirinha nas longas noites de digitação da dissertação.

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Quando você perceber que, para produzir, precisa obter a autorização de quem não produz nada; quando comprovar que o dinheiro flui para quem negocia não com bens, mas com favores; quando perceber que muitos ficam ricos pelo suborno e influência, mais do que pelo trabalho, e que as leis não nos protegem deles, mas, pelo contrário, são eles que estão protegidos de você; quando perceber que a corrupção é recompensada, e a honestidade se converte em auto-sacrifício; então poderá afirmar, sem temor de errar, que sua sociedade está condenada. Ayn Rand

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RESUMO

Este trabalho procura analisar a aplicação do princípio da proteção da confiança ao instituto da Revisão Aduaneira, procedimento específico da legislação brasileira de comércio exterior. Desta forma, apresentar-se-á inicialmente a sistemática do comércio exterior brasileiro, com especial destaque para os diferentes canais de parametrização de fiscalização das mercadorias, quais sejam, os canais verde, amarelo, vermelho e cinza. Assim, tomando como base as peculiaridades de cada canal de parametrização, estudaremos a ocorrência do lançamento tributário, a possibilidade de revisão de lançamento e a revisão aduaneira nas operações de importação. Logo em seguida, demonstrar-se-á a fundamentação principiológica e as características da proteção da confiança, fazendo-se breve análise dos princípios da boa-fé objetiva, do Estado de Direito e da segurança jurídica. Finalmente, questionaremos a possibilidade de revisão de lançamento por erro de direito, quando ocorre erro de classificação fiscal, e verificaremos a possibilidade de aplicação do princípio da proteção da confiança à Revisão Aduaneira e suas consequências.

Palavras-Chave: Revisão Aduaneira, princípio da proteção da confiança, lançamento tributário, revisão de lançamento.

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ABSTRACT

This work is aimed at analyzing the application of the principle of the protection of legitimate expectations to the doctrine of the Customs Review, which is a specific proceeding prescribed in the Brazilian Laws regarding foreign trade. This way, the Brazilian foreign trade system is introduced, with an emphasis on the different channels of parameterization for the inspection of the goods, that is, the green, yellow, red, and gray channels. Therefore, based on the peculiarities of each channel of parameterization, the occurrence of the tax assessment is studied, as well as the possibility of assessment review and customs review in the import transactions. Right afterwards, the principle-based reasoning and the characteristics of the protection of legitimate expectations are demonstrated, followed by a brief analysis of the principles of the objective good-faith, of the Rule of Law, and of legal certainty. Finally, the possibility of assessment review by mistake of law is questioned, in case of mistake of tax classification, and the possibility of application of the principle of the protection of legitimate expectations to the Customs Review and its consequences are verified. Keywords: Customs Review, principle of the protection of legitimate expectations, tax assessment, assessment review.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária

COFINS – Contribuição para o financiamento da Seguridade Social

CRFB – Constituição da República Federativa do Brasil

CTN – Código Tributário Nacional

DI – Declaração de Importação

DL – Decreto-Lei

IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis

II – Imposto de Importação

IN – Instrução Normativa

IN SRF – Instrução Normativa da Secretaria da Receita Federal

INFRAERO – Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária

INCOTERM – International Commercial Terms/ Termos Internacionais de Comércio

IPI – Imposto sobre Produtos Industrializados

PIS/PASEP – Programa de Integração Social/ Programa de Formação do Patrimônio

do Servidor Público

RA – Regulamento Aduaneiro, decreto 6759 de 2009

RFB – Receita Federal do Brasil

SECEX – Secretaria de Comércio Exterior

SISCOMEX - Sistema Integrado de Comércio Exterior

STF – Supremo Tribunal Federal

STJ – Superior Tribunal de Justiça

TRF – Tribunal Federal de Recursos

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 1 SISTEMÁTICA DO COMÉRCIO EXTERIOR 1.1 IMPORTAÇÃO DE MERCADORIAS 1.2 CANAIS DE PARAMETRIZAÇÃO 2 REVISÃO ADUANEIRA 2.1 O LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO NO DIREITO ADUANEIRO 2.2 REVISÃO ADUANEIRA E REVISÃO DE LANÇAMENTO 2.2.1 Revisão Aduaneira 2.2.2 Revisão do Lançamento 3 O PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO DA CONFIANÇA 3.1 O PRINCÍPIO DA BOA FÉ OBJETIVA 3.2 O PRINCÍPIO DO ESTADO DE DIREITO 3.3 O PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA 3.4 O PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO DA CONFIANÇA 3.4.1 Conceito 3.4.2 Fundamentação Constitucional 3.4.3 Conflitos com os Princípios da Legalidade e Segurança Jurídica 3.4.4 Requisitos para sua Aplicação 3.4.5 Aplicação do Princípio da Proteção da Confiança 4 – PROTEÇÃO DA CONFIANÇA, REVISÃO DO LANÇAMENTO E REVISÃO ADUANEIRA 4.1 REVISÃO DO LANÇAMENTO 4.1.1 Revisão do Lançamento e o Canal Verde de Parametrização 4.1.2 Revisão do Lançamento e o Canal Amarelo de Parametrização 4.1.3 Revisão do Lançamento e os Canais Vermelho e Cinza de Parametrização 4.2 REVISÃO ADUANEIRA E PROTEÇÃO DA CONFIANÇA 4.2.1 Revisão Aduaneira e o Canal Verde de Parametrização 4.2.2 Revisão Aduaneira e o Canal Amarelo de Parametrização 4.2.3 Revisão Aduaneira e os Canais Vermelho e Cinza de Parametrização 4.2.4 Efeitos Cruzados da Proteção da Confiança para os Importadores Frequentes nos Diferentes Canais de Parametrização CONCLUSÃO

12 18 20 22 29 29 46 46 51 57 59 63 68 74 74 77 79 82 92 101 102 107 109 113 117 119 122 135 150 154

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REFERÊNCIAS ANEXO A- Anexo único da IN SRF 680 de 02 de outubro de 2006

161 167

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INTRODUÇÃO

A abertura do mercado brasileiro ao comércio mundial, iniciada principalmente

a partir do início dos anos noventa, trouxe diversas consequências positivas para o

Estado Brasileiro e para a população brasileira que começou a ter acesso a produtos

e serviços que até então poucos brasileiros tinham acesso, ou mesmo sabiam que

existiam.

Além da instalação de grandes indústrias e empresas no território brasileiro,

gerando empregos, tributos e desenvolvimento, o acirramento da competição

interna, somado à competição decorrente da oferta de produtos importados, forçou a

indústria nacional a oferecer produtos cada vez melhores, serviços de melhor

qualidade e preços mais acessíveis e competitivos.

Por outro lado, as diferenças de legislação, tributação, normas sanitárias e de

segurança e até mesmo condições de trabalho ao redor do mundo, trouxe a

necessidade de se proteger a indústria nacional, criando e mantendo leis e normas

para barrar a entrada de diversas mercadorias, limitar a entrada de outras, equiparar

os custos tributários ou produtivos de outras e até mesmo incentivar a entrada de

determinadas matérias primas, insumos e produtos no território nacional.

Tendo em vista que a velocidade do mercado não espera o legislador, este,

com a finalidade de proteger a indústria e o comércio nacional, permitiu

expressamente que os tributos específicos relativos ao Comércio Exterior pudessem

ter suas alíquotas alteradas, dentro de limites e condições estabelecidos por lei, sem

a necessidade de lei específica.

Assim, a tributação relativa ao Comércio Exterior brasileiro, no que diz

respeito à alteração das alíquotas, acabou sendo excluída da proteção de algumas

limitações constitucionais ao poder de tributar, tais como as limitações relativas à

anterioridade e não-surpresa nonagesimal, conforme parágrafo primeiro do artigo

150 da CRFB de 1988.

Além disso, a legislação relativa ao Comércio Exterior nunca teve a devida

atenção do legislador, sendo certo que não acompanhou o crescimento e a

importância do comércio internacional, tanto é assim que os serviços aduaneiros e

as regras gerais do Comércio Exterior foram estabelecidas pelo Decreto-Lei 37 de

1966, época em que vigorava o principal regime de exceção democrática do Brasil.

Como consequência, o contribuinte nas relações de Comércio Exterior nunca

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gozou de premissas e proteções relativas a um Estado Democrático de Direito.

Como se não bastasse, as principais bases legais do Comércio Exterior não foram

revistas após a redemocratização do Estado brasileiro.

Assim, o Comércio Exterior brasileiro é fortemente regulamentado por

Decretos do Poder Executivo, Instruções Normativas da Receita Federal e Portarias

e Circulares de Ministérios e Agências Reguladoras envolvidos no todo ou em parte

deste tipo de comércio.

Estas peculiaridades transformam essa modalidade de comércio num

verdadeiro negócio de risco, sem qualquer garantia de proteção constitucional

específica contra abusos e arbitrariedades do Poder Executivo.

Por outro lado essa modalidade especial de comércio, ao longo dos últimos

anos, no Brasil e em todo o mundo ganhou e vem ganhando cada vez mais

relevância. Hoje a economia mundial é extremamente dependente destas relações

que movimentam enormes cifras e permitem o desenvolvimento, a troca de

tecnologias e o fornecimento e abastecimento dos mais diversos países em todas as

localidades possíveis.

Entretanto, para que o comércio internacional seja viável, faz-se necessário

que os custos das mercadorias importadas e exportadas seja previsível, de forma a

possibilitar às partes estimar o preço de custo de suas mercadorias, já incluído

desde o valor da mercadoria e da logística para sua importação, até o recolhimento

dos impostos e o pagamento dos agentes envolvidos.

É, portanto, de suma importância que as definições, regras e procedimentos

estejam bem claros para todas as partes envolvidas; que não sofram nenhuma

alteração durante a realização de qualquer desses procedimentos; e, principalmente,

que qualquer alteração ocorrida nestas definições, regras e procedimentos, após o

encerramento de uma dessas operações, não afete o procedimento devidamente

finalizado, ou se afetar, que pelo menos não traga nenhum dano às partes que

adotaram essas regras e procedimentos por confiar nos órgãos de fiscalização.

Dessa forma, o procedimento denominado Revisão Aduaneira, deve ser

pautado por limites objetivos, principalmente quando a irregularidade constatada

tenha sido induzida por conduta pretérita de entidade fiscalizadora, uma vez que

este procedimento, segundo o artigo 638 do Regulamento Aduaneiro, Decreto 6759

de 2009, conceitua a Revisão Aduaneira como:

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[...] o ato pelo qual é apurada, após o desembaraço aduaneiro, a regularidade do pagamento dos impostos e dos demais gravames devidos à Fazenda Nacional, da aplicação de benefício fiscal e da exatidão das informações prestadas pelo importador na declaração de importação, ou pelo exportador na declaração de exportação. (BRASIL, 2009a)

Consequentemente, na Revisão Aduaneira, a cobrança de multas, sejam

administrativas ou tributárias, e diferenças de impostos recolhidos em razão de

diferença de alíquotas tornam-se abusivas, principalmente se a mercadoria, objeto

da Revisão Aduaneira, já tiver sido devidamente analisada nos canais amarelo,

vermelho ou cinza de parametrização e tenha sido desembaraçada sem a

verificação de qualquer irregularidade pelo Auditor Fiscal da Receita Federal do

Brasil.

Neste sentido, tendo em vista que o comércio internacional no Brasil, como foi

mencionado, é um negócio de risco e ainda não mereceu, por parte do legislador, a

regulamentação e proteção que lhe deve ser atribuída, configura-se então a hipótese

que CANARIS entende como a situação em que se aplica a proteção da confiança,

conforme explica Misabel Abreu Machado Derzi:

[...] a responsabilidade pela confiança é, como expressamente já apontara CANARIS, um princípio ético-jurídico que permanece como pano de fundo, sempre aflorando naqueles casos em que a segurança-garantia, disponibilizada e regulada pela ordem jurídica, fracassa. (DERZI, 2009, p. 592)

Ou seja, se a própria Receita Federal do Brasil já atestou, através da análise

de seu Auditor Fiscal, que determinada mercadoria estava ou não corretamente

classificada e, a partir desse ato, criou no contribuinte uma “expectativa confiável,

que interfere diretamente na decisão tomada” (DERZI, 2009, p. 589) pelo importador

que confia e mantém a classificação da mercadoria em caso de acerto, ou troca a

classificação da mercadoria pela indicada pelo Auditor Fiscal, torna-se necessária a

tutela da confiança, em que o princípio da proteção da confiança se manifesta.

Nesse contexto, considerando que a conduta pretérita da Receita Federal do

Brasil levou o contribuinte ao erro, ela não pode, em momento posterior, penalizar o

contribuinte por ter confiado que não havia qualquer irregularidade na sua conduta.

O Princípio da proteção da confiança procura justamente proteger o particular

em situações nas quais ele confiou na Administração Pública e criou expectativas

legítimas de que o Estado iria honrar sua palavra. E mais, vedar comportamentos

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contraditórios por parte do Estado que causem frustração na legítima confiança

depositada por este particular na conservação de um comportamento inicial.

Além disso, há que se considerar que a Revisão Aduaneira muito se

assemelha à revisão de lançamento do Código Tributário Nacional, que somente é

autorizada por iniciativa de ofício no caso do inciso III do artigo 145, ou seja, nos

casos previstos no artigo 149 (BRASIL, 2011, p. 233-234)

Por sua vez, entre as hipóteses em que é possível a revisão de ofício, a

revisão de lançamento em razão de erro do contribuinte não pode ocorrer em razão

de erro de direito, mas apenas quando ocorre erro de fato.

Esse entendimento foi consolidado através da Súmula 227 do extinto Tribunal

Federal de Recursos, demonstrando a importância da proteção à confiança do

contribuinte, vedando que o Fisco agisse de forma contraditória: “Súmula 227 do

TFR: A mudança de critério jurídico adotado pelo Fisco não autoriza a revisão de

lançamento.” (BRASIL, 1986).

Diante disso, é de salutar importância preservar a confiança que decorre

desta relação entre o importador e o Fisco, como forma de se preservar a empresa,

que precisa poder confiar que seus atos praticados com boa-fé e ratificados pela

Receita Federal do Brasil não venham a ser revistos e a empresa penalizada, em

procedimento incoerente, contrário aos próprios atos praticados, violando as

expectativas do contribuinte.

A quebra da confiança criada em decorrência desta relação do contribuinte

importador e a fiscalização é desastrosa para a preservação de princípios tais como

a segurança jurídica, o Estado de Direito e a boa-fé objetiva.

Nessa mesma via, a quebra dessa confiança através da Revisão Aduaneira

por parte da Receita Federal do Brasil, sem qualquer observância aos seus próprios

atos já praticados e acolhidos pelo contribuinte, pelo fato de fazer tábua rasa do

princípio da segurança jurídica, prejudica a atração de empresas estrangeiras,

investimentos, novas tecnologias, novos empregos e mais dinheiro para o país,

através da cobrança de impostos.

Assim, levando-se em conta a importância do comércio internacional, a

necessidade de preservação da empresa e a necessidade de se tutelar a confiança,

a segurança jurídica e o próprio Estado de Direito, procurar-se-á analisar a

possibilidade de utilização do Princípio da proteção da confiança no procedimento

de Revisão Aduaneira, quando esta romper a confiança depositada pelo importador

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na conservação de um comportamento inicial aprovado pela Receita Federal do

Brasil.

Sendo assim, o primeiro capítulo terá como objeto uma breve análise geral da

sistemática do Comércio Exterior, abordando questões relevantes para este estudo,

como os diferentes canais de parametrização de mercadorias no desembaraço

aduaneiro de importação.

O capítulo dois fará uma abordagem sobre o momento do lançamento

tributário nos diferentes canais de parametrização, além de analisar as hipóteses de

revisão de lançamento e de Revisão Aduaneira.

Por sua vez, o terceiro capítulo será essencial para expor os princípios da

boa-fé objetiva, do Estado de Direito e da segurança jurídica, princípios esses

essenciais para fundamentar o princípio da proteção da confiança. Além disso,

nesse capítulo será analisado também o próprio princípio da proteção da confiança,

suas características, seus efeitos, os requisitos e as consequências de sua

aplicação.

O quarto capítulo será a análise da revisão de lançamento e da Revisão

Aduaneira sob a perspectiva de cada um dos canais de parametrização, a vedação

da revisão de lançamento por erro de direito e a aplicação do princípio da proteção

da confiança na Revisão Aduaneira de acordo com cada um dos canais de

parametrização de mercadorias na importação.

O último capítulo corresponderá à conclusão do estudo.

Espera-se, ao final do estudo, demonstrar que a observância do princípio da

proteção da confiança nas relações entre importadores e o Fisco constitui excelente

mecanismo de preservação da empresa contra os arbítrios e a fome arrecadadora

da Receita Federal do Brasil, assim como revela-se um dos possíveis mecanismos

garantidores do próprio Estado de Direito, no momento em que preserva a

segurança jurídica, a confiança e a boa-fé objetiva.

Finalmente, o objetivo deste trabalho não é negar e vedar a necessidade de

arrecadação de tributos para financiar o Estado e suas políticas públicas. Da mesma

forma, não se tem o objetivo de apresentar fundamentos para se desconstruir a

importância e a necessidade de fiscalização de mercadorias importadas e a punição

por procedimentos temerários e fraudulentos.

Busca-se, na verdade, que as relações entre o contribuinte e a fiscalização

sejam relações baseadas na confiança e no respeito, sob pena de a tributação

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provocar no contribuinte exatamente o sentimento que Luigi Elaudi, citado por

Becker, define como sendo a finalidade da tributação:

Por tudo isso, Luigi Elaudi (Professor de Finanças, Reitor de Universidade, Ministro da Fazenda, Senador e Presidente da República Italiana) declara: " A finalidade de um bom ordenamento tributário não é a de fazer pagar o imposto com o máximo rendimento para o Estado e com o mínimo incômodo para os contribuintes. Um imposto não é 'moderno', não participa dos tempos novos e nem da moda mundial, se não é engendrado de modo a fazer o contribuinte preencher grandes formulários; a fazê-lo correr, a cada momento, o risco de pagar alguma multa, tornando-lhe a vida infeliz com minuciosos aborrecimentos e com a privação da comodidade que não faz mal a ninguém e que ele procurou através de uma longa experiência". E conclui Luigi Emaudi: "A finalidade do imposto não é a de buscar fundos para o erário, mas a de provocar repugnância ao contribuinte". (ELAUDI apud BECKER, 2004, p.17)

Ademais, o objetivo principal da Aduana brasileira não é, nem deve ser, uma

arrecadação cada vez maior, mas sim um Comércio Exterior célere e eficaz.

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1 SISTEMÁTICA DO COMÉRCIO EXTERIOR

Inicialmente faz-se mister estabelecer a diferenciação conceitual entre

comércio internacional e comércio exterior.

A expressão comércio internacional tem caráter mais amplo e genérico e é

usualmente utilizada para definir “o conjunto de operações realizadas entre países

onde há intercâmbio de bens e serviços ou movimento de capitais” (CORTIÑA

LOPEZ e GAMA, 2007, p. 193) sendo ele regido por regras provenientes de acordos

internacionais adotados pelos governos dos países signatários.

Assim, o comércio internacional pressupõe a existência de dois ou mais

países; o intercâmbio de bens, serviços e/ou movimento de capitais; e a existência

de normas internacionais que disciplinam esse intercâmbio.

Por sua vez, a expressão Comércio Exterior,

representa a relação comercial de um país específico com os demais, expressa em termos, regras e normas internas (legislação), em função de interesses, prioridades, limitações e exigências, visando resguardar os interesses do país, preferencialmente sem colidir com as normas do comércio internacional. (CORTIÑA LOPEZ e GAMA, 2007, p. 193).

Portanto, a expressão Comércio Exterior possui caráter mais específico,

restringindo-se aos termos, regras e normas internas relativas à relação comercial

de um país específico com os demais.

Essas normas de Comércio Exterior, conforme conceito de Cortiña Lopez e

Gama, refletem os interesses, prioridades, limitações e exigências de determinado

país, segundo sua política econômica e de desenvolvimento.

O Comércio Exterior brasileiro, tendo em vista a complexidade de suas

normas e as diversas vertentes de controle governamental, além dos vários

Ministérios e órgãos intervenientes e respectivas multas administrativas, pode ser

encarado como um comércio bastante restritivo e protecionista, que realmente

dificulta a entrada de produtos estrangeiros e privilegia a exportação de produtos

nacionais.

Todavia não se pode desconsiderar a política de incentivo à aquisição de

bens de capital e tecnologia importados visando ao desenvolvimento da indústria

nacional e à capacitação tecnológica do mercado interno, através de alíquotas

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diferenciadas, isenções, possibilidade de se pleitear exceções tarifárias, entre

outros.

Assim, no Comércio Exterior brasileiro, o controle governamental, segundo

Rodrigo Luz (2010), é exercido em três vertentes: administrativa, aduaneira e

cambial.

A vertente administrativa é aquela que trata do controle exercido sobre o que

pode ou não pode entrar no país, assim como aquilo que pode ou não sair do país.

Esse controle é feito por meio do licenciamento das importações e é exercido por

diversos órgãos anuentes, tais como a SECEX – Secretaria de Comércio Exterior –

do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior; Ministério da

Saúde/ANVISA; IBAMA; e o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

dentre inúmeros outros.

Portanto, caso se queira importar ou exportar determinada mercadoria,

dependendo do tipo, material ou interesses comerciais do Brasil, o interessado

deverá pedir autorização para determinado órgão governamental para que este

defira uma licença de importação ou exportação para esta mercadoria.

A vertente aduaneira diz respeito ao controle exercido pela Secretaria da

Receita Federal do Brasil e consiste na verificação dos documentos, da mercadoria

e dos tributos incidentes no Comércio Exterior.

Finalmente, a vertente cambial consiste no controle exercido pelo Banco

Central sobre as remessas ou recebimentos dos valores decorrentes dos

pagamentos das transações internacionais. Esse controle é exercido através de

elaboração de diversas normas sobre o funcionamento do mercado cambial,

contratos de câmbio e fiscalização de seu cumprimento.

Poder-se-ia incluir ainda nestes controles, o controle exercido anteriormente à

realização das operações comerciais internacionais que se reflete na habilitação do

interessado no RADAR, também conhecida como habilitação para utilizar o

SISCOMEX, que é o Sistema Integrado de Comércio Exterior da Receita Federal.

Toda pessoa física ou jurídica que pretenda realizar operações de Comércio

Exterior deve requerer sua habilitação no Radar perante a Receita Federal do Brasil,

na qual deverá apresentar um conjunto de documentos e informações para que a

Receita Federal possa analisar sua capacidade operacional, econômica e financeira,

de forma a evitar que empresas inidôneas realizem operações de comércio

internacional.

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A realização deste estudo demandará inicialmente a análise da segunda

vertente, o controle aduaneiro, e será aprofundado com a Revisão Aduaneira que

tem como objetivo verificar, em momento posterior ao desembaraço aduaneiro, a

regularidade de todo o processo do desembaraço aduaneiro, aí incluída a

verificação da regularidade dos documentos, mercadoria e recolhimento dos tributos.

Entretanto, para um melhor entendimento do assunto, faz-se necessária a

análise do procedimento comum para a realização de uma importação.

2.1 IMPORTAÇÃO DE MERCADORIAS

O procedimento geral de uma importação, segundo Rodrigo Luz (2010, p. 1 a

5), inicia-se pela escolha da mercadoria e seu fornecedor, prazo e forma de

pagamento e prazo de entrega.

Escolhida a mercadoria, prazo e forma de pagamento, e prazo de entrega, o

exportador no exterior emite um documento denominado fatura pró-forma para o

importador no Brasil.

A fatura pró-forma é um documento que contém informações básicas sobre o

provável negócio a ser concluído, tais como: a) partes, dados completos do

exportador e importador; b) produto, especificação da mercadoria; c) preço, valores

e condições de venda.

A fatura pró-forma equivale a uma proposta comercial e o aceite do

importador brasileiro vincula o exportador ao cumprimento da proposta feita.

É certo que, a critério das partes, as relações comerciais poderão ser

formalizadas por contrato de compra e venda internacional, o que dará maior

segurança e transparência ao negócio. Entretanto, conforme informado, basta o

aceite do importador para vincular o exportador à proposta.

Assim, uma vez aceita a proposta por parte do importador, antes de embarcar

a mercadoria, deve ele verificar se existe exigência de licença ou de autorização de

importação e, havendo exigência ou autorização, deve providenciá-las para poder

então, dar seguimento à importação.

Se não houver as exigências, ou havendo, tão logo sejam deferidas pelo

órgão responsável, o importador comunica ao exportador estrangeiro que a

mercadoria pode ser embarcada para o Brasil.

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Dependendo da condição do INCOTERM negociado, o exportador contrata o

frete e embarca a mercadoria ou a disponibiliza para que o agente de carga

contratado pelo importador possa tomar as devidas providências para o seu

transporte até o Brasil.

O contrato de frete, conhecido como conhecimento de carga, é um título de

crédito que prova quem é o possuidor ou o proprietário da mercadoria e contém

todas as informações relativas às partes; ao local de origem e entrega da

mercadoria; ao transportador; às características da mercadoria e embalagens; ao

número de vias; e aos documentos entregues ao transportador para acompanhar a

mercadoria, em algumas modalidades de transporte.

Emitido o contrato de frete, a mercadoria poderá ser embarcada para o Brasil,

onde só poderá adentrar no território nacional nas chamadas Zonas Primárias, que

compreendem os portos, aeroportos e pontos de fronteira alfandegados, locais onde

é possível a fiscalização das mesmas.

Assim, uma vez que a mercadoria chega a um porto, aeroporto ou ponto de

fronteira alfandegado, ela é descarregada e custodiada pelo próprio Poder Público

ou por empresas permissionárias tais como INFRAERO, Terminais Portuários,

Estações Aduaneiras de Fronteira, entre outras.

A unidade de armazenamento manterá a mercadoria sob sua guarda até que

o importador apresente os documentos para a fiscalização da Receita Federal e de

outros órgãos intervenientes, para que estes possam exercer seus controles

aduaneiros e administrativos, fiscalizando a correição das informações e correição

dos valores recolhidos a título de tributos, que foram debitados automaticamente da

conta bancária do importador.

Como este trabalho pretende abordar essencialmente a parte tributária, ater-

se-á apenas às normas relativas à fiscalização por parte da Receita Federal. Assim,

os documentos a serem apresentados pelo importador à Receita Federal, como

regra, são aqueles expressos no artigo 18 da Instrução Normativa 680 de 2006, da

Secretaria da Receita Federal do Brasil:

Art. 18. A DI será instruída com os seguintes documentos: I - via original do conhecimento de carga ou documento equivalente; II - via original da fatura comercial, assinada pelo exportador; III - romaneio de carga (packing list), quando aplicável; e IV - outros, exigidos exclusivamente em decorrência de Acordos

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Internacionais ou de legislação específica. (BRASIL, 2006)

Desta forma, enquanto a mercadoria viaja para ser entregue no Brasil, a

documentação do artigo 18 da mencionada Instrução Normativa deverá chegar às

mãos do importador, para que ele possa apresentá-la no momento do desembaraço

aduaneiro.

Esses documentos poderão chegar às mãos do importador através do envio

direto por parte do exportador; através do envio dos documentos junto à mercadoria

pelo próprio transportador; ou através do envio dos documentos mediante rede

bancária, situação em que normalmente se vincula a entrega dos documentos pelo

banco ao pagamento das mercadorias importadas.

Finalmente, registrada a Declaração de Importação e apresentados os

documentos para a Receita Federal do Brasil, esta confere a regularidade da

importação e recolhimento dos tributos.

Se a Receita Federal do Brasil confirmar que as informações prestadas estão

corretas e que os tributos foram devidamente recolhidos, o despacho aduaneiro é

encerrado e as mercadorias são desembaraçadas ficando à disposição para a

retirada pelo importador, sem prejuízo da cobrança dos períodos de armazenagem

por parte da unidade de armazenamento.

Paralelamente, o pagamento da mercadoria ocorrerá da forma acordada entre

o importador e o exportador estrangeiro, podendo ser antecipado, à vista ou a prazo,

mediante interveniência da rede bancária autorizada pelo Banco Central, que fará as

conversões de moedas segundo contrato de câmbio.

Em linhas gerais o funcionamento de uma importação feita por uma empresa

brasileira ocorre como acima demonstrado. Entretanto, a análise da etapa da

fiscalização da mercadoria, dos documentos e do recolhimento de tributos por parte

da Receita Federal do Brasil, quando a mercadoria tiver chegado ao país, será

aprofundada tendo em vista os objetivos deste estudo.

1.2 CANAIS DE PARAMETRIZAÇÃO

Conforme descrito, a declaração de importação registrada no SISCOMEX

deve ser instruída com os documentos relacionados no artigo 18 da Instrução

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Normativa 680 da Secretaria da Receita Federal do Brasil e com outros possíveis

documentos que venham a ser exigidos.

Uma vez registrada a declaração de importação é procedida a sua seleção via

sistema para os canais de parametrização de conferência aduaneira. Esse seleção,

eventualmente, em algumas situações, poderá sofrer interveniência de agente do

fisco no sentido de direcionar para determinado canal.

O termo canais de parametrização reflete o grau de profundidade da

conferência das importações no Brasil em função de parâmetros traçados pela

Receita Federal, que estabelecem uma verificação mais rigorosa ou não das

mercadorias que entram no território brasileiro.

Assim, segundo Rodrigo Luz,

Várias situações podem direcionar a DI para uma conferência mais rigorosa: por exemplo, se a DI está sendo registrada por uma pessoa jurídica que tem um histórico de fraudes, se a mercadoria é muito suscetível ao uso de classificação fiscal errada, se o bem provém de um país que, costumeiramente, exporta mercadorias com subfaturamento, se o brinquedo está sendo declarado como originário de um país que não cumpre normas técnicas, se o importador não é habitual, enfim, inúmeras são as verificações que o SISCOMEX faz para decidir o canal de conferência. (LUZ, 2010, p. 78)

Percebe-se então que esses parâmetros levam em conta a proteção do

mercado interno e concorrência leal, a proteção da população contra a nocividade

de alguns produtos, a possibilidade de fraudes e a possibilidade de fraudes contra o

Fisco, tomando como base as características do importador, da mercadoria, o

tratamento tributário utilizado, os volumes e valores a serem importados.

Entretanto, obviamente, a Receita Federal não fornece todos os parâmetros e

verificações que serão observados para determinar o canal de parametrização a que

será destinada determinada mercadoria, sob pena de importadores de má-fé

utilizarem de falsas declarações para maquiar informações que poderiam ensejar

diferente canal de parametrização a que a mercadoria seria submetida.

Todavia a Receita Federal fornece algumas diretrizes que servem também

para fomentar as boas condutas das empresas que realizam regularmente

operações de Comércio Exterior, para que, após adquirirem a confiança da

fiscalização pela prática dessas condutas e transparência perante o Fisco, fiquem

sujeitas a controles menos rigorosos de suas mercadorias.

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Essas diretrizes estão expressas no § 1o do artigo 21 da Instrução Normativa

680 de 2006, da Secretaria da Receita Federal do Brasil:

Art. 21 - Após o registro, a DI será submetida a análise fiscal e selecionada para um dos seguintes canais de conferência aduaneira: [...] § 1o - A seleção de que trata este artigo será efetuada por intermédio do Siscomex, com base em análise fiscal que levará em consideração, entre outros, os seguintes elementos: I - regularidade fiscal do importador; II - habitualidade do importador; III - natureza, volume ou valor da importação; IV - valor dos impostos incidentes ou que incidiriam na importação; V - origem, procedência e destinação da mercadoria; VI - tratamento tributário; VII - características da mercadoria; VIII - capacidade operacional e econômico-financeira do importador; e IX - ocorrências verificadas em outras operações realizadas pelo importador. (BRASIL, 2006)

A análise destas diretrizes permite concluir que, quanto mais transparente e

segura a operação, menor rigor haverá na fiscalização.

Traçadas as diretrizes que determinam o canal a ser observado para a

conferência da mercadoria importada, cumpre esclarecer quais são e quais

procedimentos serão adotados em cada um dos canais de parametrização.

O mesmo artigo 21 da Instrução Normativa 680 de 2006, da Secretaria da

Receita Federal do Brasil, que em seu §1o estabeleceu as diretrizes de

parametrização, nos incisos de seu caput determina quais são os canais de

parametrização:

Art. 21. Após o registro, a DI será submetida a análise fiscal e selecionada para um dos seguintes canais de conferência aduaneira: I - verde, pelo qual o sistema registrará o desembaraço automático da mercadoria, dispensados o exame documental e a verificação da mercadoria; II - amarelo, pelo qual será realizado o exame documental, e, não sendo constatada irregularidade, efetuado o desembaraço aduaneiro, dispensada a verificação da mercadoria; III - vermelho, pelo qual a mercadoria somente será desembaraçada após a realização do exame documental e da verificação da mercadoria; e IV - cinza, pelo qual será realizado o exame documental, a verificação da mercadoria e a aplicação de procedimento especial de controle aduaneiro, para verificar elementos indiciários de fraude, inclusive no que se refere ao preço declarado da mercadoria, conforme estabelecido em norma específica. (BRASIL, 2006)

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A análise dos diversos canais de parametrização da fiscalização das

mercadorias permite o entendimento de que essa parametrização fez-se necessária

em razão do caos que uma fiscalização minuciosa de todas as mercadorias que

entram no país provocaria tanto nos órgãos de fiscalização quanto no próprio

Comércio Exterior.

A fiscalização nos moldes do canal vermelho de todas as mercadorias que

entram no país, ainda mais se considerada a grande expansão do Comércio Exterior

brasileiro a partir do início dos anos 90 do século passado, demandaria a

necessidade de dezenas, centenas ou até milhares de fiscais e mesmo assim, a

liberação das mercadorias seria um procedimento extremamente moroso, o que iria

inviabilizar o próprio Comércio Exterior brasileiro.

Desta forma, o Estado brasileiro, em nome da viabilidade do comércio

internacional entre o Brasil e o restante do mundo, absteve-se de fiscalizar

minuciosamente todas as mercadorias que entram no país, concentrando seus

esforços naquelas mercadorias e operações que considera mais importantes ou com

um grau maior de risco para o mercado nacional.

Assim, foi criado o canal verde, que é o canal por onde passa o maior volume

de mercadorias importadas, com a finalidade de facilitar os procedimentos de

desembaraço aduaneiro, pois nesse canal é dispensada qualquer conferência da

mercadoria ou da documentação, estando a mercadoria automaticamente

desembaraçada quando parametrizada nele.

A conferência aduaneira, de fato, ocorrerá nos canais de parametrização

amarelo, vermelho ou cinza, podendo-se daí extrair que ela possui três etapas,

conforme entendimento de Luz (2010, p. 79), sendo essas etapas a do exame

documental; verificação da mercadoria; e aplicação de procedimento especial de

controle aduaneiro.

Entretanto, para se entender exatamente no que consiste a conferência

aduaneira, leia-se seu conceito no artigo 564 do Regulamento Aduaneiro, positivado

através do Decreto 6759 de 2009:

Art. 564 - A conferência aduaneira na importação tem por finalidade identificar o importador, verificar a mercadoria e a correção das informações relativas a sua natureza, classificação fiscal, quantificação e valor, e confirmar o cumprimento de todas as obrigações, fiscais e outras, exigíveis em razão da importação. (BRASIL, 2009a)

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Assim, conforme afirmado, a conferência aduaneira ocorrerá de fato somente

nos canais amarelo, vermelho e cinza de parametrização, pois somente nesses

canais será possível verificar todas as informações descritas no artigo 564 do

Regulamento Aduaneiro.

O canal cinza é o canal de parametrização onde haverá a mais rigorosa

fiscalização da mercadoria em razão da declaração de importação apresentar

indícios de fraude.

Neste canal a Receita Federal fará, de forma minuciosa, o exame

documental, a verificação da mercadoria e a aplicação do procedimento especial de

controle aduaneiro, onde levantará diversos dados da empresa importadora, assim

como de importações pretéritas e relacionamento com o Fisco, podendo a

mercadoria ficar retida por até 180 dias para que o indício de fraude seja

esclarecido.

Desta forma, neste canal, a Receita Federal terá à sua disposição todas as

informações a respeito da mercadoria, assim como verificará pessoalmente através

de seus fiscais a mercadoria e todas as suas características.

O canal vermelho apresenta características semelhantes às do canal cinza,

porém sem a necessidade de procedimento especial de controle aduaneiro em

razão de não haver indícios de fraude, mas apenas a necessidade de conferência

física da mercadoria.

O canal vermelho demandará então, além do exame dos documentos de

importação, a verificação física da mercadoria. Neste canal não haverá necessidade

de uma investigação minuciosa sobre a empresa e as mercadorias importadas. O

fiscal da Receita Federal verificará a documentação apresentada e avaliará, além da

correição dos dados dos documentos, se as mercadorias correspondem ao que

consta da documentação, conforme artigo 29 da Instrução Normativa 680 de 2006

da Secretaria da Receita Federal do Brasil:

Art. 29 - A verificação física é o procedimento fiscal destinado a identificar e quantificar a mercadoria submetida a despacho aduaneiro, a obter elementos para confirmar sua classificação fiscal, origem e seu estado de novo ou usado, bem assim para verificar sua adequação às normas técnicas aplicáveis. § 1o - O importador prestará à fiscalização aduaneira as informações e a assistência necessárias à identificação da mercadoria. § 2o - A fiscalização aduaneira, caso entenda necessário, poderá solicitar a assistência de técnico credenciado para proceder à identificação da mercadoria. (BRASIL, 2006).

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A Receita Federal terá à sua disposição, também no canal vermelho de

parametrização, todas as informações a respeito da mercadoria, assim como

verificará pessoalmente através de seus fiscais ou de técnicos certificantes por ela

designados, a mercadoria e todas as suas características.

Por sua via, no canal amarelo de parametrização, será realizado o exame

documental da mercadoria, onde estarão descritas todas as suas características,

classificação fiscal, tributos recolhidos, dados do importador, exportador, fabricante,

local de origem, dentre outras, que permitirão ao fiscal da Receita Federal a perfeita

identificação da operação de importação, a correção dos procedimentos

administrativos e dos tributos recolhidos.

Art. 25 - O exame documental das declarações selecionadas para conferência nos termos do art. 21 consiste no procedimento fiscal destinado a verificar: I - a integridade dos documentos apresentados; II - a exatidão e correspondência das informações prestadas na declaração em relação àquelas constantes dos documentos que a instruem, inclusive no que se refere à origem e ao valor aduaneiro da mercadoria; III - o cumprimento dos requisitos de ordem legal ou regulamentar correspondentes aos regimes aduaneiros e de tributação solicitados; IV - o mérito de benefício fiscal pleiteado; e V - a descrição da mercadoria na declaração, com vistas a verificar se estão presentes os elementos necessários à confirmação de sua correta classificação fiscal. Parágrafo único. Na hipótese de descrição incompleta da mercadoria na DI, que exija verificação física para sua perfeita identificação, com vistas a confirmar a correção da classificação fiscal ou da origem declarada, o AFRF responsável pelo exame poderá condicionar a conclusão da etapa à verificação da mercadoria. (Brasil, 2006)

Se a documentação apresentada for suficiente para sanar todas as dúvidas

da fiscalização e não for constatada nenhuma irregularidade, será efetuado o

desembaraço aduaneiro sem a necessidade de verificação da mercadoria.

Por outro lado, se ainda restar alguma dúvida à respeito da mercadoria ou se

houver dúvida a respeito de algum dado informado nos documentos apresentados, é

facultado ao fiscal mudar o canal amarelo para vermelho com a finalidade de se

promover a sua verificação física.

Dessa forma, assim como nas modalidades anteriores de canais de

parametrização, a Receita Federal terá à sua disposição todas as informações a

respeito da operação de importação, sendo possível apurar qualquer irregularidade,

desde que a mercadoria tenha sido descrita de forma correta e satisfatória, ou, em

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caso contrário, sendo facultado ao fiscal converter o canal amarelo em vermelho

caso ainda restem dúvidas que demandem a verificação física da mercadoria.

Assim, ocorrendo a liberação da mercadoria após a sua verificação

documental, conclui-se que os dados constantes desses documentos foram

satisfatórios e suficientes para a verificação da regularidade da importação.

Finalmente, o canal verde de parametrização, é o canal dos sonhos do

importador, como explica Rodrigo Luz:

O canal verde é o canal dos sonhos de todo importador. Se a DI for direcionada para este canal, automaticamente a mercadoria está desembaraçada, sem haver, em princípio, nenhuma etapa de conferência aduaneira. No entanto, mesmo neste canal, se houver alguma desconfiança por parte da Receita Federal, a mercadoria pode ser submetida a conferência, como se depreende da leitura do § 2o do art. 21, antes transcrito. (LUZ, 2010, p. 80).

Observe-se que o canal verde demanda apenas a análise da Declaração de

Importação, via sistema, no qual não há, a princípio, qualquer conferência ou análise

humana.

Nesse canal o sistema cruza as informações fornecidas pelos diversos

agentes envolvidos na importação da mercadoria com os parâmetros por ele

definidos e, caso não ocorra nenhuma divergência ou informação suspeita, a

mercadoria será automaticamente desembaraçada.

Verificadas as peculiaridades dos diversos canais de parametrização,

constata-se que a qualidade da informação e a transparência da relação entre o

importador e o Fisco são determinantes para a maior facilidade de realização do

desembaraço aduaneiro.

Por outro lado, estando as informações apresentadas insuficientes para a

formação da convicção do Auditor Fiscal da Receita Federal ou indicativas de

fraudes contra o Comércio Exterior brasileiro, o mesmo deverá alterar o canal de

fiscalização para um canal cuja verificação seja mais minuciosa, de acordo com a

situação.

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2 REVISÃO ADUANEIRA

A Revisão Aduaneira é um instrumento concedido à autoridade fiscal que tem

a finalidade de permitir a verificação da regularidade do pagamento dos impostos, da

aplicação de benefício fiscal e da exatidão das informações prestadas pelo

importador ou exportador, após a realização do desembaraço aduaneiro.

Este instrumento destina-se a possibilitar à fiscalização em momento posterior

ao desembaraço aduaneiro poder suprir a impossibilidade de se fiscalizar

imediatamente, todas as mercadorias que entram ou saem do país.

A Revisão Aduaneira torna-se então importante ferramenta para legitimar a

seriedade do controle do Comércio Exterior por parte do Estado e seus diversos

órgãos relacionados a este tipo de comércio, uma vez que ajuda a inibir condutas

indesejadas diante da possibilidade de se punir rigorosamente operações

inadequadas que num primeiro momento tenham passado desapercebidas pela

fiscalização, principalmente se se considerar o canal verde de parametrização.

Entretanto, antes de se aprofundar na análise da Revisão Aduaneira, para o

presente estudo é necessário o devido entendimento da conceituação de

lançamento tributário e sua aplicação no direito aduaneiro nas operações de

importação.

2.1 O LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO NO DIREITO ADUANEIRO

O lançamento tributário é conceituado pelo Código Tributário Nacional

brasileiro, em seu artigo 142, como:

[...] procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível. (BRASIL, 2011, p. 233).

Note-se que não há referência alguma ao termo homologação, referindo-se o

ato do lançamento à atividades de verificação, determinação, cálculo, identificação e

aplicação de penalidades.

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Fábio Fanucchi trabalha o conceito de lançamento tributário buscando sua

origem no conceito de lançamento contábil, afirmando que o lançamento tem a

função de dar os contornos exatos da obrigação tributária:

O lançamento do direito tributário tem a mesma origem e o mesmo significado do lançamento contábil, isto é, representa um ato de escrever, de registrar por escrito uma determinada situação. Assim como a operação econômica da empresa é lançada em seus livros de contabilidade; o nome do culpado é lançado no rol de criminosos; a obrigação tributária nascida é qualitativa e quantitativamente acertada no lançamento, servindo este para dar os contornos exatos dentro dos quais a obrigação estará delimitada. Cremos que é esse o significado exato do termo e, de passagem nesta explicação, fomos obrigados a recorrer à expressão italiana com o mesmo significado, desde que ela é capaz de aclarar devidamente o pensamento que externamos. (FANUCCHI, 1983, p. 271).

Paulo de Barros Carvalho explica bem a diferença existente entre o ato de

lançamento e ato homologatório, facilmente confundida pelo intérprete mais

desatento:

A conhecida figura do lançamento por homologação é um ato jurídico administrativo de natureza confirmatória, em que o agente público, verificado o exato implemento das prestações tributárias de determinado contribuinte, declara, de modo expresso, que obrigações houve, mas que se encontram devidamente quitadas até aquela data, na estrita consonância dos termos da lei. Não é preciso despender muita energia mental para notar que a natureza do ato homologatório difere da do lançamento tributário. Enquanto aquele primeiro anuncia a extinção da obrigação, liberando o sujeito passivo, estoutro declara o nascimento do vínculo, em virtude da ocorrência do fato jurídico. Um certifica a quitação, outro certifica a dívida. Transportando a dualidade para outro setor, no bojo de uma analogia, poderíamos dizer que lançamento é a certidão de nascimento de uma obrigação tributária, ao passo que a homologação é a certidão de óbito. (CARVALHO, 1993, p. 282-283)

Assim sendo, o ato do lançamento e o ato da homologação não

correspondem ao mesmo ato e não ocorrem no mesmo momento.

É importante considerar que este conceito de lançamento é bem aceito na

doutrina nacional, tendo Baleeiro afirmado que:

Na doutrina, o lançamento tem sido definido como o ato, ou a série de atos, de competência vinculada, praticado por agente do Fisco, para verificar a realização do fato gerador em relação a determinado contribuinte, apurando qualitativa e quantitativamente o valor da matéria tributável; segundo a base de cálculo, e, em consequência, liquidando o quantum do tributo a ser cobrado. (BALEEIRO, 2006, p.782)

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Esse conceito pode ser melhor entendido nas palavras de Sacha Calmon

Navarro Coêlho ao explicar que:

O lançamento, como ato administrativo de aplicação da lei genérica e abstrata aos casos concretos, deve reportar-se à lei que vigia ao tempo do fato gerador, aplicando-a. Consequentemente, a sua função não é, absolutamente, criadora do crédito, senão que declaratória do seu prévio existir nos exatos termos da lei contemporânea ao seu nascimento. O fato gerador, ao acontecer, instaura a obrigação e o crédito tributário, como prescreve o CTN. (COÊLHO, 2010, p. 661)

Pode-se extrair então a importante conclusão de que o lançamento é ato

administrativo de aplicação da lei genérica e abstrata aos casos concretos,

instaurando a obrigação e o crédito tributário.

Diante disso, ocorrendo a verificação da realização do fato gerador em

relação a determinado contribuinte, apurando-se qualitativa e quantitativamente o

valor da matéria tributável e recolhendo-se o valor devido poder-se-ía concluir que

houve o lançamento tributário e a constituição do crédito tributário decorrente.

Porém, o lançamento somente será considerado ocorrido, daí resultando a

exigência do crédito tributário, se esse ato do lançamento for praticado por agente

do Fisco, conforme determinado pelo artigo 142 do Código Tributário Nacional.

Uma vez realizado o ato administrativo do lançamento, este terá, entre seus

efeitos relevantes, dois que se destacam:

Primus - O de traduzir a lei e especificar a existência concreta de obrigação tributária entre o sujeito ativo e o passivo, bem como o seu conteúdo, de conformidade com a legislação existente ao tempo em que ocorreu o fato jurígeno. Ato jurídico administrativo de efeitos declaratórios: o conceito calha muito bem ao lançamento fiscal. Secundus - O de conferir exigibilidade - quando a sua prática se faz necessária - ao crédito tributário, acrescentando densidade ao direito subjetivo da Fazenda Pública. Sabe-se que a ação de execução (processo de execução do direito, e não cognição), para ser aforada, requisita direito líquido, certo e exigível. O lançamento tem esta virtude, na medida em que certifica e torna líquido o quantum debeatur da obrigação tributária (certidões de dívida ativa). (COÊLHO, 210, p.667).

Entretanto, ressalte-se que esse segundo efeito, o de conferir exigibilidade,

quando se tratar de impostos sujeitos à homologação, é prescindível:

Tiremos conclusões: [...] D) o lançamento somente confere a exigibilidade necessária ao crédito tributário do sujeito ativo nos casos dos tributos que exigem lançamentos

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diretos (IPTU, IPVA) ou que pedem lançamentos após declaração do contribuinte (ITR, ITBI). Nos impostos sujeitos à homologação do pagamento, é ele prescindível. A própria lei torna obrigatório o recolhimento: o contribuinte paga sem que haja a mínima interferência do Estado-Administração. (COÊLHO, 2010, p.662).

Essa diferença relativa a questão da exigibilidade é de extrema importância

para se compreender o tipo de lançamento que ocorre com imposto de importação e

o momento em que se pode concluir pela ocorrência do lançamento, quando se

tomar como base os canais de parametrização.

Entretanto faz-se mister analisar primeiramente as modalidades de

lançamento para que seja possível entender o que ocorre com o lançamento nos

diversos canais de parametrização.

O artigo 147 do CTN estabelece a modalidade de lançamento denominada

Lançamento com Base em Declaração.

Art. 147. O lançamento é efetuado com base na declaração do sujeito passivo ou de terceiro quando um ou outro, na forma da legislação tributária, presta à autoridade administrativa informações sobre matéria de fato indispensáveis à sua efetivação. §1o A retificação da declaração por iniciativa do próprio declarante, quando vise a reduzir ou a excluir tributo, só é admissível mediante comprovação do erro em que se funde, e antes de notificado o lançamento. §2o Os erros contidos na declaração e apuráveis pelo seu exame serão retificados de ofício pela autoridade administrativa a que competir a revisão daquela. (BRASIL, 2011, p. 233)

Nessa modalidade de lançamento tem-se como característica essencial a

prestação de informações por parte do sujeito passivo ou de terceiro sobre a matéria

de fato indispensável ao lançamento.

Assim, o lançamento vai ocorrer quando a autoridade administrativa tomar

conhecimento da matéria de fato informada na declaração do sujeito passivo ou de

terceiro, conforme seja o caso.

Esse tipo de lançamento também é conhecido como lançamento misto por

parte da doutrina, pelo fato de contar com a colaboração do contribuinte, conforme

visto.

Entretanto, esclareça-se que o lançamento é um ato, singular, privativo da

autoridade administrativa. Por sua via, para que se efetive esse ato, são necessários

diversos procedimentos anteriores, preparatórios. Nesses procedimentos anteriores,

preparatórios, é que entra a contribuição do sujeito passivo, entregando a

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declaração e fornecendo informações, o que não se permite dizer que o ato do

lançamento é um ato misto, uma vez que ele é realizado exclusivamente pelo agente

público, em momento singular, após a análise da declaração e informações

fornecidas pelo contribuinte.

Misabel Derzi em nota de atualização na obra de Aliomar Baleeiro (2006, p.

817) faz uma advertência sobre a utilização dessa denominação de lançamento

misto, afirmando que o ato do lançamento é um ato privativo da autoridade

administrativa e as informações e declarações prestadas pelo contribuinte apenas

servem de suporte para a prática deste ato de lançamento. Afirma que as

informações e declarações "integram o procedimento para lançar, mas não o

lançamento em si, como ato."

Por sua vez, o Lançamento de Ofício está previsto no artigo 149 do CTN:

Art. 149. O lançamento é efetuado e revisto de ofício pela autoridade administrativa nos seguintes casos: I - quando a lei assim o determine; II - quando a declaração não seja prestada, por quem de direito, no prazo e na forma da legislação tributária; III - quando a pessoa legalmente obrigada, embora tenha prestado declaração nos termos do inciso anterior, deixe de atender, no prazo e na forma da legislação tributária, a pedido de esclarecimento formulado pela autoridade administrativa, recuse-se a prestá-lo ou não o preste satisfatoriamente, a juízo daquela autoridade; IV - quando se comprove falsidade, erro ou omissão quanto a qualquer elemento definido na legislação tributária como sendo de declaração obrigatória; V - quando se comprove omissão ou inexatidão, por parte da pessoa legalmente obrigada, no exercício da atividade a que se refere o artigo seguinte; VI - quando se comprove ação ou omissão do sujeito passivo, ou de terceiro legalmente obrigado, que dê lugar à aplicação de penalidade pecuniária; VII - quando se comprove que o sujeito passivo, ou terceiro em benefício daquele, agiu com dolo, fraude ou simulação; VIII - quando deva ser apreciado fato não conhecido ou não provado por ocasião do lançamento anterior; IX - quando se comprove que, no lançamento anterior, ocorreu fraude ou falta funcional da autoridade que o efetuou, ou omissão, pela mesma autoridade, de ato ou formalidade especial. Parágrafo único. A revisão do lançamento só pode ser iniciada enquanto não extinto o direito da Fazenda Pública. (BRASIL, 2011, p. 149)

Esses casos do artigo 149 do CTN são taxativos e estabelecem as

possibilidades de lançamento por iniciativa da autoridade pública, assim como

estabelecem as hipóteses de revisão de lançamento.

É importante observar que apenas nesses casos é possível o lançamento e a

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revisão de lançamento de ofício por parte do agente público, apesar do inciso I abrir

o leque de opções, desde que essas observem a limitação de ser exigíveis em razão

de lei.

Por outro lado esse artigo ganha fundamental importância com a delimitação

das hipóteses de revisão de lançamento, o que traz certa segurança jurídica e

confiança ao contribuinte que terá a garantia de que o ente Estatal não ficará

revendo seus lançamentos e recolhimentos ao bel prazer, conforme será abordado

no próximo item.

Ainda sobre o lançamento de ofício, vale citar importante lição de Sacha

Calmon Navarro Coêlho:

Em rigor, os tipos de lançamento configurados no CTN (lançamento de ofício, por declaração e por homologação) estão destituídos de fundamentação científica. Em verdade, são narrativas dos eventos preparatórios ao ato do lançamento. Questões relativas à correção de erros ou à verdade dos elementos informativos não dependem, de forma alguma, dos tipos de lançamento; são resolvidas noutras instâncias. Por definição, o lançamento tributário é ofício privativo da Administração. Ao contribuinte, ao juiz, ao legislador, é vedado lançar. Quem aplica a lei tributária, mediante atos de lançamento, é a Administração, privativamente. Todo lançamento é de ofício. Não há escapatória. (COÊLHO, 2010, p. 682)

Assim, literalmente, todo lançamento é de ofício em razão de ser ato privativo

do agente público. Desta afirmação fica claro que, para que se possa considerar que

houve o lançamento tributário, é essencial que um agente público realize um ato que

consista na aplicação da lei tributária.

Noutras palavras, poder-se-ía dizer que, ausente o ato da autoridade

administrativa, ausente o lançamento.

Essa afirmativa corrobora com as conclusões de Sacha Calmon Navarro

Coêlho, que diverge de Misabel Derzi e Estevão Horvath, ao afirmar que não existe

homologação tácita, e sim preclusão do prazo para fazê-la:

Retenham-se, de passagem, três lições. A) Inexiste direito de lançar; o que há é o dever de fazê-lo (ato administrativo simples, obrigatório, vinculado e sujeito a preclusão); B) O prazo para praticar o ato de lançamento preclui, não caduca; somente direitos caducam; C) A preclusão dos prazos para lançar tributo a ser pago ou homologar pagamento de tributo acarreta a caducidade do direito de crédito da Fazenda, que já nascera com a obrigação. Extinto o crédito, ipso facto, extingue-se a obrigação. Não há obrigação sem objeto. (COÊLHO, 2010, p. 683).

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Finalmente, na modalidade de Lançamento por Homologação, prevista no art.

150, temos:

Art. 150. O lançamento por homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, opera-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a homologa.

§ 1º O pagamento antecipado pelo obrigado nos termos deste artigo extingue o crédito, sob condição resolutória da ulterior homologação ao lançamento.

§ 2º Não influem sobre a obrigação tributária quaisquer atos anteriores à homologação, praticados pelo sujeito passivo ou por terceiro, visando à extinção total ou parcial do crédito.

§ 3º Os atos a que se refere o parágrafo anterior serão, porém, considerados na apuração do saldo porventura devido e, sendo o caso, na imposição de penalidade, ou sua graduação. § 4º Se a lei não fixar prazo a homologação, será ele de cinco anos, a contar da ocorrência do fato gerador; expirado esse prazo sem que a Fazenda Pública se tenha pronunciado, considera-se homologado o lançamento e definitivamente extinto o crédito, salvo se comprovada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação. (BRASIL, 2011, p. 234)

O lançamento por homologação é então aquele no qual o contribuinte calcula

e paga os valores dos tributos, sem uma análise prévia da autoridade administrativa.

Nesta modalidade de lançamento, conforme observado anteriormente, só

haverá de fato o lançamento se houver a homologação por parte do agente público,

conforme determina o artigo 142 do CTN e conforme observações já mencionadas

de Sacha Calmon Navarro Coêlho.

O lançamento por homologação, que é a modalidade de maior ocorrência no

Brasil, segundo Ruy Barbosa Nogueira é aplicado preferencialmente aos impostos

indiretos e instantâneos, "cujo fato gerador se realiza em cada ato, fato ou situação,

pois seria na prática impossível que, a cada momento, a repartição efetuasse

diretamente ou mesmo com base em declaração do contribuinte, um lançamento."

(NOGUEIRA, 1973, p. 51-52).

A partir desse conceito de impostos indiretos e instantâneos, os tributos

pagos por ocasião do registro da declaração de importação (imposto de importação,

imposto sobre produtos industrializados, ICMS e as contribuições PIS e COFINS na

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importação) poderiam ser considerados apropriados à essa modalidade de

lançamento.

Entretanto, o documento que registra o recolhimento desses tributos,

declaração de importação, poderia levar ao entendimento de que esses tributos se

enquadrariam na hipótese de lançamento com base em declaração.

Misabel Derzi, em nota explicativa no livro de Aliomar Baleeiro, distingue

essas duas modalidades de lançamento, evitando-se o equívoco comum na

classificação do lançamento destes tributos incidentes na importação:

Distinguem-se um do outro, o lançamento com base em declaração e o lançamento por homologação, pois:

• o lançamento com base em declaração não gera efeitos confirmatórios-extintivos, uma vez que o pagamento somente se dá após notificação regular do ato feita ao sujeito passivo, o qual poderá optar pelo pagamento ou não;

• não obstante, o lançamento por homologação desencadeia efeitos confirmatórios-extintivos, porque somente se aperfeiçoa com o pagamento seguido da confirmação-extinção do crédito por meio do ato homologatório, expresso ou tácito. (DERZI, 2006, P. 817)

Assim, desta distinção extrai-se como conclusão que o lançamento com base

em declaração pressupõe a notificação ao sujeito passivo para que este efetue

pagamento. Por outro lado, o lançamento por homologação pressupõe o prévio

pagamento dos tributos por parte do sujeito passivo, o qual deverá ter a confirmação

da regularidade feita pelo agente administrativo.

Essa observação também pode ser verificada em Fanucchi, quando este

afirma que,

no lançamento por homologação, que também se consuma por escrito, o sujeito ativo deve expressar a quitação do tributo pelo pagamento antecipado ou declarar que este último não foi suficiente para satisfazer o valor total da obrigação de dar, surgida com o fato gerador. (FANUCCHI, 1983, p. 273)

Neste contexto verifica-se que a forma como ocorre o lançamento dos tributos

na operação de importação é por homologação, exceto quando for verificado o não

recolhimento ou recolhimento incorreto dos tributos, hipótese em que o lançamento

por homologação se converterá em lançamento de ofício;

175. Formas de lançamento - Dois tipos de lançamento são adotados na legislação ordinária do tributo: direto e por homologação.

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O normalmente efetuado é o lançamento por homologação, calculando o sujeito passivo o tributo devido e recolhendo o seu montante por antecipação. Os agentes fiscais examinarão, posteriormente, a exatidão do procedimento e o homologarão, ou não. Verificado que o sujeito passivo não atuou no sentido de antecipar o pagamento do tributo, ou, tendo feito a antecipação, procedeu com insuficiência, o fisco procederá ao lançamento direto, de ofício. (FANUCCHI, 1980, p.28)

Ou quando se tratar de alguns regimes aduaneiros especiais:

Resta examinar o lançamento característico dos regimes aduaneiros especiais de natureza suspensiva. A apresentação da declaração relativa ao regime aduaneiro especial, com a sua natural complexidade, eis que, regra geral, são exigidas informações relativas a preço da mercadoria, valor do seguro e frete, identificação do país de origem e de procedência, individualização da mercadoria, especificando-se peso, medida, marca de fabricação, indicação do exportador e muitas outras, está a indicar que a modalidade de lançamento é por declaração, consoante a definição do art. 147 do CTN, pois, sem esses dados, é quase impossível a sua efetivação. (LOPES FILHO, 1983, p. 75-76).

Assim, como regra para a maioria das operações de importação, em que há a

nacionalização definitiva da mercadoria, a modalidade de lançamento dos tributos é

o lançamento por homologação, uma vez que o recolhimento dos tributos é feito

antes mesmo da ocorrência de seu fato gerador, o desembaraço aduaneiro,

conforme Faria, quando aborda o lançamento do IPI:

Em regra, há a antecipação do recolhimento do tributo por parte do sujeito passivo, no momento do registro da declaração da importação no Sistema Integrado de Comércio Exterior - Siscomex (art. 123, I, a, Regulamento do Imposto sobre Produtos Industrializados), sendo o pagamento processado através de débito eletrônico em conta corrente (darf-eletrônico), de modo que o lançamento é por homologação. A quitação é feita antes mesmo da ocorrência do seu fato gerador, que é o desembaraço aduaneiro. (FARIA, p.2007, 65-66)

Essa conclusão tem relevante importância quando se analisa a atuação do

agente público na fiscalização dos diversos canais de parametrização. Assim, na

hipótese de fiscalização do canal verde, tem-se que não é possível afirmar que a

fiscalização verificou a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente,

determinou a matéria tributável, calculou o montante do tributo devido, identificou o

sujeito passivo e propôs a aplicação da penalidade cabível se fosse o caso,

conforme determina o artigo 142 do CTN.

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Portanto, no canal verde de parametrização entende-se que não houve o

lançamento, pois não há como se falar que houve a realização dos atos de

verificação mencionados no artigo 142 do CTN que levariam ao ato do lançamento

caracterizado pela homologação dos atos praticados pelo contribuinte.

O canal verde caracteriza, portanto, a prestação das informações relativas à

operação de importação e o pagamento dos tributos por parte do contribuinte, que,

para serem consideradas lançadas, dependerão do ato de homologação das

informações e dos valores recolhidos antecipadamente a título de tributos, por parte

do agente público.

A hipótese comum de não ocorrer a homologação dentro dos cinco anos

posteriores ao desembaraço aduaneiro levará à caducidade do direito de crédito da

Fazenda, conforme entendimento de Sacha Calmon Navarro Coêlho, já

demonstrado anteriormente.

Observe também que os parágrafos do artigo 150 do CTN permitem a prática

de atos anteriores à homologação, que serão considerados na apuração do saldo

porventura devido:

Art. 150. O lançamento por homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, opera-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a homologa. [...] § 2º Não influem sobre a obrigação tributária quaisquer atos anteriores à homologação, praticados pelo sujeito passivo ou por terceiro, visando à extinção total ou parcial do crédito. § 3º Os atos a que se refere o parágrafo anterior serão, porém, considerados na apuração do saldo porventura devido e, sendo o caso, na imposição de penalidade, ou sua graduação. (BRASIL, 2011, p.234)

A prática destes atos antes da homologação, que é quando ocorre o

lançamento é possível justamente pelo fato de não ter ainda ocorrido o lançamento,

principalmente em relação aos atos que dizem respeito ao agente fiscal, pois, após a

homologação, o agente fiscal somente poderia alterar alguma coisa no lançamento,

através das hipóteses restritivas do artigo 149 do CTN, que preveem a possibilidade

de revisão do lançamento.

Outra não é a lição de Sacho Calmon Navarro Coêlho quando explica a

natureza jurídica do lançamento:

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O lançamento, para começar, não pode ser - por impossibilidade lógica - procedimento (sucessão encadeada de atos). É ato. Em segundo lugar, não existe lançamento inicial, este provisório, e lançamento final, este definitivo. O lançamento é ato singular que se faz preceder de procedimentos preparatórios e que se faz suceder de procedimentos revisionais, podendo ser declarado, ao cabo, subsistente ou insubsistente, no todo ou em parte, em decorrência do controle do ato administrativo pela própria Administração, o que não constitui nenhuma novidade, muito pelo contrário. Por lançamento definitivo se deve entender o ato do lançamento contra o qual não caiba recurso do contribuinte nem recurso ex officio (por faltar previsão, por ter faltado o seu exercício ou por consumação dos recursos cabíveis). (COÊLHO, 2010, p. 666)

Assim, a alteração das informações que levarão ao lançamento, após o

lançamento, somente poderá ser feita através de procedimentos revisionais. Até

mesmo porque não se estará mais modificando uma informação relevante para o

lançamento, mas sim, revisando aquela informação que já foi utilizada para a

efetivação do ato do lançamento, que fora realizado.

Essa singela diferença reafirma o entendimento dos diferentes momentos em

que ocorrerá o lançamento na operação de importação, levando em conta os canais

de parametrização e a modalidade lançamento por homologação.

A possibilidade de retificações dos atos que culminam no lançamento, antes

de efetuado o lançamento é reforçada também pelo parágrafo primeiro do artigo 147

do CTN, que trata do lançamento por declaração, quando afirma que é possível a

retificação por iniciativa do próprio declarante mediante a comprovação do erro em

que se funde, e antes de notificado o lançamento.

O sujeito passivo pode retificar a declaração, ou porque se engane ou omita de boa-fé algum elemento, ou porque se arrependa da sonegação premeditada (CTN, art. 138), ou ainda porque tenha cometido erro material em detrimento próprio. Ocorrendo essa última hipótese, só será admitido e acolhido se provar o erro, antes de notificado do lançamento. Nos casos de erro contra o Fisco ou tentativa de sonegação seguida de arrependimento oportuno, fica escusado das penalidades (CTN, art. 138), mediante confissão espontânea. O erro grosseiro do declarante, como o de operações aritméticas, engano na classificação de rendimento etc., pode ser considerado e corrigido ex officio pela autoridade, ainda que o sujeito passivo não se apresse a pedir-lhe isso. (BALEEIRO, 2006, p. 816)

Conclui-se então que, antes do lançamento, podem e ocorrem procedimentos

preparatórios. Por outro lado, após o lançamento, os procedimentos são revisionais.

Assim, retificações para alterações de dados e informações prestadas somente

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podem ocorrer antes de finalizado o ato do lançamento, pois possuem a finalidade

de corrigir, tornar exatas essas informações.

Por outro lado, os procedimentos que ocorrem após o lançamento, terão

caráter revisional, uma vez que consistirão em visar de novo, ter novamente sob os

olhos aquilo que, no caso específico, já foi visto, conferido, pela Receita Federal.

Sendo assim, a possibilidade de alteração dos dados e informações através

de retificações por parte do contribuinte, após o desembaraço efetuado no canal

verde de parametrização, mais uma vez confirma a hipótese de que ainda não

ocorreu o lançamento.

É importante a análise dos artigos 44 e 45 da Instrução Normativa 680 de

2006 da Secretaria da Receita Federal do Brasil, que tratam especificamente das

possibilidades de retificação na importação, uma vez que o artigo 45 contradiz o

entendimento exposto. Art. 44. A retificação de informações prestadas na declaração, ou a inclusão de outras, no curso do despacho aduaneiro, ainda que por exigência da fiscalização aduaneira, será feita, pelo importador, no Siscomex. § 1o A retificação da declaração somente será efetivada após a sua aceitação, no Siscomex, pela fiscalização aduaneira, exceto no que se refere aos dados relativos à operação cambial. § 2o Quando da retificação resultar importação sujeita a licenciamento, o despacho ficará interrompido até a sua obtenção, pelo importador. § 3o Em qualquer caso, a retificação da declaração não elide a aplicação das penalidades fiscais e sanções administrativas cabíveis. (BRASIL, 2006)

Esse primeiro caso demonstra que, no curso do desembaraço aduaneiro, ou

seja, enquanto ainda não houve o lançamento em qualquer das hipóteses de canal

de parametrização, é possível a retificação da declaração.

Por sua vez, o artigo 45 da mencionada instrução normativa prevê:

Art. 45. A retificação da declaração após o desembaraço aduaneiro, qualquer que tenha sido o canal de conferência aduaneira ou o regime tributário pleiteado, será realizada: I - de ofício, na unidade da SRF onde for apurada, em ato de procedimento fiscal, a incorreção; ou II - mediante solicitação do importador, formalizada em processo e instruída com provas de suas alegações e, se for o caso, do pagamento dos tributos, direitos comerciais, acréscimos moratórios e multas, inclusive as relativas a infrações administrativas ao controle das importações, devidos, e do atendimento de eventuais controles específicos sobre a mercadoria, de competência de outros órgãos ou agências da administração pública federal.

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[...] § 7o A retificação a que se refere o caput independe do procedimento de revisão aduaneira de toda a declaração de importação que, caso necessário, poderá ser proposta à unidade da SRF com jurisdição para fins de fiscalização dos tributos incidentes no comércio exterior, sobre o domicílio do importador. (BRASIL, 2006)

Entende-se que houve uma impropriedade na elaboração deste artigo desta

instrução normativa quando se utilizou a expressão qualquer que tenha sido o canal

de conferência aduaneira, uma vez que, considerar as hipóteses dos diversos canais

além do verde, consistiria num esvaziamento da função dos institutos da denúncia

espontânea e da Revisão Aduaneira, em que pese o parágrafo sétimo afirmar que a

retificação independe deste procedimento revisional.

Esclareça-se este posicionamento.

A ocorrência da retificação de ofício sob a ótica da situação do canal de

parametrização verde, na qual se considera que não houve o lançamento, mesmo

após o desembaraço, corrobora bem com o entendimento de que é possível

retificações nas informações prestadas, antes de efetivado o ato do lançamento.

Por sua vez, sob a ótica dos canais amarelo, vermelho e cinza de

parametrização, na qual se considera que houve o lançamento no momento em que

houve o desembaraço aduaneiro da mercadoria, considerar que é possível a

retificação esvaziaria o instituto da Revisão Aduaneira, pois Revisão Aduaneira,

prevista nos artigos 54 do DL 37/66 e 638 do Regulamento Aduaneiro (Decreto

6759/2009), consiste exatamente na mesma situação prevista no artigo 45 da IN 680

de 2006, quando realizada de ofício:

Art.54 - A apuração da regularidade do pagamento do imposto e demais gravames devidos à Fazenda Nacional ou do benefício fiscal aplicado, e da exatidão das informações prestadas pelo importador será realizada na forma que estabelecer o regulamento e processada no prazo de 5 (cinco) anos, contado do registro da declaração de que trata o art.44 deste Decreto-Lei. (BRASIL, 1966) Art. 638. Revisão aduaneira é o ato pelo qual é apurada, após o desembaraço aduaneiro, a regularidade do pagamento dos impostos e dos demais gravames devidos à Fazenda Nacional, da aplicação de benefício fiscal e da exatidão das informações prestadas pelo importador na declaração de importação, ou pelo exportador na declaração de exportação. (BRASIL, 2009a)

Assim, para que o inciso I do artigo 45 fosse compatível com a Revisão Aduaneira, o artigo 45 deveria especificar que essa retificação da declaração, após o desembaraço, somente poderia ocorrer quando este último tivesse sido realizado através do canal verde. Os demais canais de parametrização não seriam passíveis de retificação

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após o desembaraço, mas sim de Revisão Aduaneira, ou revisão do lançamento, quando por iniciativa da própria Receita Federal. Por outro lado, o inciso II, que é a retificação por iniciativa do próprio contribuinte, somente poderia ocorrer também na situação do canal verde de parametrização, conforme exposto. Nas demais hipóteses, assim como ocorreu no caso do inciso I, a retificação após o desembaraço e o consequente lançamento, entraria em conflito com o instituto da denúncia espontânea, prevista no CTN no artigo 138 e no DL 37/66, em seu artigo 102:

Art.102 - A denúncia espontânea da infração, acompanhada, se for o caso, do pagamento do imposto e dos acréscimos, excluirá a imposição da correspondente penalidade. (Redação dada pelo Decreto-Lei nº 2.472, de 01/09/1988) § 1º - Não se considera espontânea a denúncia apresentada: a) no curso do despacho aduaneiro, até o desembaraço da mercadoria; b) após o início de qualquer outro procedimento fiscal, mediante ato de ofício, escrito, praticado por servidor competente, tendente a apurar a infração. § 2º A denúncia espontânea exclui a aplicação de penalidades de natureza tributária ou administrativa, com exceção das penalidades aplicáveis na hipótese de mercadoria sujeita a pena de perdimento. (BRASIL, 1966)

Assim, entende-se que a Receita Federal equivocou-se ao redigir o artigo 45

de sua Instrução Normativa 680 de 2006, pois a retificação das informações

somente poderia ocorrer após o desembaraço nas importações que tivessem sido

desembaraçadas através do canal verde, em razão de não ter havido o lançamento

tributário.

Desta forma, para conviver em harmonia com o sistema normativo aduaneiro,

as hipóteses de retificação das informações e recolhimento de tributos após o

desembaraço, somente poderiam ocorrer nas situações de desembaraço pelo canal

verde.

Por outro lado, para os demais canais de parametrização, as alternativas para

a alteração dos dados se dariam entre a Revisão Aduaneira e/ou revisão do

lançamento; e denúncia espontânea.

Assim, uma vez analisada a questão do momento em que ocorre o

lançamento por homologação para o canal verde de parametrização, faz-se

necessária a análise do momento em que ocorre o lançamento por homologação

para os demais canais de parametrização.

No canal amarelo de parametrização, conforme exposto, será realizado o

exame documental da mercadoria, onde estarão descritas todas as características

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da mercadoria, classificação fiscal, tributos recolhidos, características do importador,

exportador, fabricante, local de origem, entre outras características, que permitirão

ao fiscal da Receita Federal a perfeita identificação do produto.

Se a documentação apresentada for suficiente para sanar todas as dúvidas

da fiscalização e não for constatada nenhuma irregularidade, será efetuado o

desembaraço aduaneiro sem a necessidade de verificação da mercadoria.

Constatada alguma irregularidade através da verificação documental, o fiscal

exigirá as retificações, assim como aplicará as penalidades cabíveis.

Por outro lado, havendo constatado ou não qualquer irregularidade, se ainda

restar alguma dúvida à respeito da mercadoria ou se houver dúvida a respeito de

algum dado informado nos documentos apresentados, é facultado ao fiscal mudar o

canal amarelo para vermelho com a finalidade de se promover a verificação física da

mercadoria e, da mesma forma, constatada alguma irregularidade, aplicar as

penalidades previstas.

Assim, ao analisar-se o conceito de lançamento do artigo 142 do CTN,

verifica-se que todos os atos preparatórios do lançamento foram realizados e o ato

do desembaraço aduaneiro caracteriza a realização do lançamento, ou, melhor

dizendo, a homologação do lançamento.

Se o lançamento é o ato que consiste em verificar a ocorrência do fato

gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o

montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo o caso, propor a

aplicação da penalidade cabível (CTN, artigo 142), quando o desembaraço

aduaneiro é realizado através do canal de parametrização amarelo, todos esses atos

ocorrem pois, no canal amarelo a conferência documental verifica:

Art. 25 - O exame documental das declarações selecionadas para

conferência nos termos do art. 21 consiste no procedimento fiscal destinado

a verificar:

I - a integridade dos documentos apresentados;

II - a exatidão e correspondência das informações prestadas na

declaração em relação àquelas constantes dos documentos que a instruem,

inclusive no que se refere à origem e ao valor aduaneiro da mercadoria;

III - o cumprimento dos requisitos de ordem legal ou regulamentar

correspondentes aos regimes aduaneiros e de tributação solicitados;

IV - o mérito de benefício fiscal pleiteado; e

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V - a descrição da mercadoria na declaração, com vistas a verificar se

estão presentes os elementos necessários à confirmação de sua correta

classificação fiscal.

Parágrafo único. Na hipótese de descrição incompleta da mercadoria

na DI, que exija verificação física para sua perfeita identificação, com vistas

a confirmar a correção da classificação fiscal ou da origem declarada, o

AFRF responsável pelo exame poderá condicionar a conclusão da etapa à

verificação da mercadoria. (BRASIL, 2006)

A declaração de importação, documento que será a base para a conferência

documental, tem como exigência o preenchimento das seguintes informações:

Art. 551. A declaração de importação é o documento base do despacho de importação. § 1o A declaração de importação deverá conter: I - a identificação do importador; e II - a identificação, a classificação, o valor aduaneiro e a origem da mercadoria. § 2o A Secretaria da Receita Federal do Brasil poderá: I - exigir, na declaração de importação, outras informações, inclusive as destinadas a estatísticas de comércio exterior; e II - estabelecer diferentes tipos de apresentação da declaração de importação, apropriados à natureza dos despachos, ou a situações específicas em relação à mercadoria ou a seu tratamento tributário. (BRASIL, 2009a)

Some-se a estas informações as outras informações que são prestadas com

os documentos que instruem a declaração de importação:

Art. 553. A declaração de importação será instruída com: I - a via original do conhecimento de carga ou documento de efeito equivalente; II - a via original da fatura comercial, assinada pelo exportador; III - o comprovante de pagamento dos tributos, se exigível; e IV - outros documentos exigidos em decorrência de acordos internacionais ou por força de lei, de regulamento ou de outro ato normativo.(BRASIL, 2009a)

Finalmente, as informações a serem prestadas na declaração de importação

estão relacionadas minuciosamente no anexo único da Instrução Normativa 680 de

2006 da Secretaria da Receita Federal do Brasil (anexo A).

Desta forma, a fiscalização realiza todos os atos previstos no artigo 142 do

CTN quando realiza a verificação documental no canal de parametrização amarelo.

Assim, o desembaraço aduaneiro de mercadoria através do canal de parametrização

amarelo caracteriza o ato do lançamento tributário, pois há a conferência e

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verificação das informações e recolhimento dos tributos, sendo o ato do

desembaraço, a homologação destas informações.

Hipótese ainda mais clara de ocorrência do lançamento na importação de

mercadorias ocorre quando o desembaraço aduaneiro ocorre pelo canal vermelho

de parametrização, pois, além do acesso à todas as informações prestadas

documentalmente como ocorre no canal de parametrização amarelo, o auditor fiscal

ainda realiza a conferência física da mercadoria.

Desta forma, ao fiscal serão oferecidas todas as informações e recursos para

fazer a perfeita verificação da ocorrência do fato gerador da obrigação

correspondente, permitindo-lhe determinar a matéria tributável, calcular o montante

do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo o caso, propor a aplicação da

penalidade cabível.

Assim, o desembaraço aduaneiro de mercadoria através do canal de

parametrização vermelho caracteriza o ato do lançamento tributário, pois há a

conferência e verificação das informações, a vistoria da mercadoria e o recolhimento

dos tributos, sendo o ato do desembaraço, a homologação destas informações.

Finalmente, na ocorrência do canal cinza de parametrização, além da

conferência documental e verificação física da mercadoria, é realizado rigoroso

procedimento especial, onde será verificado se existem elementos que indiquem

fraude.

Após esse procedimento especial, que pode durar até 180 dias, o contribuinte

terá efetivamente prestado todas as informações e muitas outras além daquelas

exigidas para que a ocorrência do lançamento seja verificada, sendo certo que o

desembaraço da mercadoria após esse procedimento, com ou sem as penalidades

cabíveis, caracterizará indubitavelmente o lançamento tributário.

É desnecessário dizer que a aplicação de penalidades em qualquer um

desses canais de parametrização; amarelo, vermelho ou cinza, apenas reforçará o

ato do lançamento, uma vez que a última das atividades relacionadas precedentes

ao ato do lançamento, também poderá ser verificada, apesar de sua ocorrência

depender de alguma irregularidade no lançamento dos dados, sendo assim requisito

dispensável no caso de correta prestação de informações.

Vale lembrar ainda, conforme exposto, que essa diferenciação da ocorrência

ou não do lançamento por ocasião do desembaraço aduaneiro, de acordo com o

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canal de parametrização, harmoniza-se com a questão da denúncia espontânea e

da Revisão Aduaneira e/ou revisão de lançamento.

2.2 REVISÃO ADUANEIRA E REVISÃO DE LANÇAMENTO

2.2.1 Revisão Aduaneira

A Revisão Aduaneira é instituto específico da legislação que disciplina as

relações aduaneiras e muito se assemelha à revisão de lançamento, instituto

característico do Direito Tributário.

A Revisão Aduaneira está prevista nos artigos 54 do DL 37/66 e 638 do

Regulamento Aduaneiro (Decreto 6759/2009) e possui a seguinte previsão no

Decreto Lei 37 de 1966:

Art.54 - A apuração da regularidade do pagamento do imposto e demais gravames devidos à Fazenda Nacional ou do benefício fiscal aplicado, e da exatidão das informações prestadas pelo importador será realizada na forma que estabelecer o regulamento e processada no prazo de 5 (cinco) anos, contado do registro da declaração de que trata o art.44 deste Decreto-Lei. (BRASIL, DL 37/66)

A partir da redação do artigo 54 do Decreto Lei 37 de 1966 é possível concluir

que a Revisão Aduaneira consiste na apuração da regularidade do pagamento do

imposto e demais gravames devidos à Fazenda Nacional, na apuração da

regularidade do benefício fiscal aplicado e na apuração da exatidão das informações

prestadas pelo importador no momento do registro da declaração de importação,

devendo ser realizada até cinco anos da data do registro desta declaração.

Desta forma, o primeiro objetivo da Revisão Aduaneira será verificar a

regularidade do pagamento do imposto e demais gravames devidos à Fazenda

Nacional.

O imposto a que se refere este artigo 54 do Decreto Lei 37 de 1966 é o

imposto de importação, conforme se extrai de sua ementa: “Dispõe sobre o imposto

de importação, reorganiza os serviços aduaneiros e dá outras providências”.

Pela atual redação do artigo 54, qualquer outro imposto incidente na

importação (IPI), não poderia ser objeto de Revisão Aduaneira, exceto se este

imposto, juntamente com as contribuições sociais PIS/PASEP e COFINS pudessem

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ser entendidos como demais gravames, o que iria de encontro com a própria forma

que o artigo foi redigido, pois não haveria razão para se redigir a palavra imposto no

singular, a não ser que se quisesse referir especificamente ao imposto que trata o

Decreto Lei 37 de 1966.

Essa informação pode ser confirmada quando é observada a redação antiga

deste artigo 54, anterior ao Decreto-Lei 2472 de 01 de setembro de 1988, a qual se

referia adequadamente a tributos escrito no plural e que assim abrangeria inclusive

as contribuições sociais.

Art 54. A revisão para apuração da regularidade do recolhimento de tributos e outros gravames devidos à Fazenda Nacional será realizada na forma que estabelecer o regulamento, cabendo ao funcionário revisor 5% (cinco por cento), das diferenças apuradas, revogado o art. 4º do Decreto-lei nº 8.663, de 14 de janeiro de 1946. (BRASIL, 1966)

Assim, considerando o princípio da legalidade, a Revisão Aduaneira somente

pode ter como objeto o IPI, a PIS/PASEP e a COFINS, se existir lei que preveja essa

possibilidade, ou alguma forma de revisão semelhante, uma vez que o Decreto Lei

37 de 1966 não prevê.

Desta forma, não basta o Decreto Lei 37 de 1966 para que sejam revisados o

IPI, a PIS/PASEP e a COFINS. A fiscalização, para verificar esses tributos, deverá

fundamentar a revisão com a legislação apropriada e específica.

Quando se leva em consideração ainda o artigo 54 do Decreto Lei 37 de

1966, conclui-se também que o segundo objetivo da Revisão Aduaneira é verificar a

regularidade do benefício fiscal aplicado.

No Comércio Exterior brasileiro e em especial na legislação aduaneira os

benefícios fiscais - suspensões, isenções, alíquotas diferenciadas - geralmente são

aplicáveis ao imposto de importação, com reflexos nos demais tributos, seja em

razão de estipulação legal para que se aplique os mesmos efeitos dos benefícios

concedidos ao imposto de importação para os outros tributos, seja em razão da

composição da base de cálculo destes, por considerar o imposto de importação para

sua determinação.

Assim, a partir da redação atual do mencionado artigo 54, entende-se que a

Revisão Aduaneira também tem a função de verificar a regularidade de benefício

fiscal aplicado em relação ao imposto de importação.

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Finalmente, o último objetivo da Revisão Aduaneira, de acordo com o artigo

54 é apurar a exatidão das informações prestadas pelo importador.

Inicialmente vale observar que quando o legislador optou por utilizar o termo

importador ele restringiu o campo de aplicação da Revisão Aduaneira às operações

de importação.

Por outro lado, o Decreto Lei 1.578, de 11 de outubro de 1977, que trata do

imposto de exportação, em seu artigo oitavo ampliou esse campo também para as

operações de exportação, ao estabelecer que "No que couber, aplicar-se-á,

subsidiariamente, ao imposto de exportação a legislação relativa ao imposto de

importação." (BRASIL, 1977)

Uma vez esclarecido que Revisão Aduaneira também se aplica para as

operações de exportação, o último objetivo trazido pelo artigo 54 também possui

relevante função, uma vez que as informações prestadas pelo importador são

essenciais para que o controle governamental do Comércio Exterior seja exercido

nas suas três vertentes: administrativa, aduaneira e cambial.

A vertente administrativa neste último objetivo ganha especial relevância pois

apenas com a verificação da exatidão das informações prestadas pelo importador é

que o governo poderá verificar se o Comércio Exterior brasileiro está atingindo seus

objetivos e não está prejudicando de forma nociva o mercado interno.

Finalmente, além destas informações, o artigo 54 do Decreto Lei 37 de 1966

traz ainda as previsões de que a Revisão Aduaneira deverá obedecer a forma como

for estipulada em regulamento e deverá ser realizada em até cinco anos contados

do registro da declaração de importação.

Estas duas últimas informações são importantes na medida em que o

regulamento que disciplina a Revisão Aduaneira, no artigo que trata deste instituto,

traz conceituação mais bem elaborada e ainda resolve aspectos relevantes do

marco inicial da contagem dos cinco anos para sua realização.

Sendo assim, o artigo 638 do Regulamento Aduaneiro, Decreto 6759 de 2009,

regulamenta a Revisão Aduaneira da seguinte forma:

Art. 638. Revisão aduaneira é o ato pelo qual é apurada, após o desembaraço aduaneiro, a regularidade do pagamento dos impostos e dos demais gravames devidos à Fazenda Nacional, da aplicação de benefício fiscal e da exatidão das informações prestadas pelo importador na declaração de importação, ou pelo exportador na declaração de exportação.

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§ 1o Para a constituição do crédito tributário, apurado na revisão, a autoridade aduaneira deverá observar os prazos referidos nos arts. 752 e 753. § 2o A revisão aduaneira deverá estar concluída no prazo de cinco anos, contados da data: I - do registro da declaração de importação correspondente (Decreto-Lei no 37, de 1966, art. 54, com a redação dada pelo Decreto-Lei no 2.472, de 1988, art. 2o); e II - do registro de exportação. § 3o Considera-se concluída a revisão aduaneira na data da ciência, ao interessado, da exigência do crédito tributário apurado. (BRASIL, 2009a).

A partir deste artigo pode-se extrair a conclusão de que a Revisão Aduaneira,

assim como o lançamento tributário é um ato composto de diversos procedimentos

preparatórios, como a apuração da regularidade do pagamento dos impostos e

demais gravames, a apuração da aplicação do benefício fiscal e a apuração da

exatidão das informações prestadas pelo importador ou exportador.

Além de a Revisão Aduaneira ser um ato da autoridade fiscal, esse ato ocorre

obrigatoriamente após o desembaraço aduaneiro.

Neste ponto, novamente, pode-se notar que a diferenciação entre o

desembaraço nos diferentes canais de parametrização é relevante.

Afinal, como é possível falar em revisão, ver novamente, se não houve

fiscalização humana da mercadoria no canal verde.

Tendo em vista que o artigo 21 da Instrução Normativa 680 de 2006, da

Secretaria da Receita Federal do Brasil, em seu inciso I dispõe que no canal verde é

o sistema que registrará o desembaraço automático da mercadoria, falar-se em

revisão é um verdadeiro equívoco.

Assim, foi o sistema que registrou o desembaraço automático da mercadoria.

A fiscalização não viu, nem checou as informações prestadas pelo importador. O

sistema apenas identificou discrepâncias e incongruências grosseiras na declaração

de importação, mas não verificou a regularidade do pagamento dos impostos, de

benefícios fiscais concedidos e exatidão de informações prestadas.

Desta forma, como ocorre com a revisão de lançamento, a Revisão Aduaneira

somente é possível caso tenha ocorrida a verificação de todos os aspectos

essenciais que atestam a regularidade da operação, o que ocorre apenas nos canais

amarelo, vermelho e cinza, conforme já foi exposto.

Uma vez esclarecido esse ponto, extrai-se também do conceito de Revisão

Aduaneira do artigo 638 do Regulamento Aduaneiro, que ela ocorre após o

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desembraço aduaneiro e, conforme dito, após o desembaraço aduaneiro pelos

canais amarelo, vermelho ou cinza de parametrização.

Além disso a Revisão Aduaneira verifica a regularidade do pagamento dos

impostos e demais gravames devidos à fazenda nacional.

Esse ponto apresenta uma melhor redação do que o artigo que institui a

Revisão Aduaneira no Decreto-lei 37 de 1966, uma vez que fala em impostos no

plural, podendo abranger, nesse caso, além do imposto de importação, o IPI e

qualquer outro imposto federal que faça ou venha a fazer parte da operação de

importação.

Entretanto, considerando que o Decreto é um tipo de norma oriunda do poder

executivo, que regulamenta determinada lei, o Decreto não tem o poder de inovar ou

trazer alguma matéria ou situação em que não haja previsão anterior em uma norma

oriunda do poder legislativo, sob pena de ferir o princípio da legalidade.

Esse aspecto é tratado por Américo Lourenço Masset Lacombe a partir de

lição de Alberto Pinheiro Xavier, ao analisar o princípio da legalidade:

Assim, se é certo que esse princípio surgiu ligado à idéia de que os impostos só podem ser criados através de assembléias representativas, e, portanto, à idéia de sacrifício coletivamente consentido, menos certo não é que, com o advento do Estado de Direito, o princípio da auto-imposição perdeu sua força inicial, desdobrando-se em dois corolários: 1) princípio de que os impostos só podem ser criados por lei formal - o que, em um sistema de separação de Poderes, significa competência do Poder Legislativo para a criação de impostos; 2) as intervenções do poder na esfera da liberdade e da propriedade dos cidadãos necessitam de lei formal que as autorize. (LACOMBE, 2000, p. 52)

Assim, entende-se que é imprescindível a previsão legal da hipótese de

revisão aduaneira, ou instituto semelhante em legislação específica, para ser

possível verificar o IPI, a PIS/PASEP e a CONFINS quando ocorrer a Revisão

Aduaneira.

Caso contrário, se for considerado apenas o artigo 54 do Decreto-Lei 37 de

1966 como fundamento para este artigo 638 do Regulamento Aduaneiro, somente

terá caráter de legalidade a Revisão Aduaneira em relação ao Imposto de

Importação e às Contribuições Pis/Pasep e Cofins na importação, caso possam

estas serem entendidas como demais gravames.

Prosseguindo na análise do artigo 638 do Regulamento Aduaneiro, verifica-se

também que o artigo ampliou as hipóteses de Revisão Aduaneira às operações de

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exportação, ampliação autorizada pelo artigo oitavo do Decreto Lei 1.578, de 11 de

outubro de 1977.

O parágrafo primeiro estabelece prazo para a constituição do crédito tributário

apurado na Revisão Aduaneira e prazo para a imposição de penalidade.

O parágrafo segundo, por sua vez, em nome da segurança jurídica,

estabelece um prazo máximo para a conclusão da Revisão Aduaneira e, em seus

incisos o marco inicial da contagem.

Rodrigo Luz (2010, p. 91) acertadamente critica o inciso I do parágrafo

segundo deste artigo 638, pois, segundo ele, o inciso considera unicamente o

registro da DI como a ocorrência do fato gerador, sendo que o fato gerador pode

ocorrer também na data do lançamento ou na data de vencimento do prazo de

permanência da mercadoria em recinto alfandegado.

Portanto, o início da contagem do prazo para a conclusão da Revisão

Aduaneira vai variar conforme a característica da importação realizada.

Finalmente, o parágrafo terceiro estabelece o marco final para efeitos de

conclusão da Revisão Aduaneira e apuração da regularidade do prazo estipulado no

parágrafo segundo.

A análise conjunta desses dois artigos que tratam da Revisão Aduaneira

permite a importante conclusão de que, além da nova verificação dos impostos e

gravames, a Revisão Aduaneira trata também da revisão dos benefícios fiscais e a

revisão das informações prestadas na ocasião da declaração de importação e da

declaração de exportação, que tratam, dentre outras informações, de informações

relativas à mercadoria, exportador e local de origem, importador e local de destino,

frete, tipo de carga. Enfim, a Revisão Aduaneira não cuida somente da revisão da

correição dos pagamentos dos tributos, cuida também das questões aduaneiras.

2.2.2 Revisão de Lançamento

Importante questão a ser levantada, num primeiro momento, é a questão de

qual será o objeto da revisão do lançamento.

A resposta a este questionamento vem do artigo 142 do CTN, que trata do

lançamento tributário.

Desta forma, poderá ser objeto da revisão de lançamento, a verificação da

ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, a determinação da matéria

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tributável, o cálculo do tributo devido, a identificação do sujeito passivo e a aplicação

da penalidade cabível.

Entretanto, para que exista a possibilidade de revisão do lançamento, é

necessário que o lançamento tenha de fato ocorrido, tenha ficado pronto, conforme

Sacha Calmon Navarro Coêlho.

Questão importante é saber quando o lançamento está pronto. Estará pronto desde o momento em que é praticado pelo agente administrativo competente e será eficaz uma vez comunicado ao contribuinte através de qualquer ato administrativo de intercâmbio procedimental, como, v.g., uma notificação fiscal de lançamento ou um auto de infração (esses nomes variam, o importante é o conteúdo do lançamento). (COÊLHO, 2010, p.671).

Assim, no desembaraço aduaneiro, quando o agente fiscal, após verificação

da mercadoria nos canais amarelo, vermelho ou cinza, com ou sem exigências e

autuações, entra no sistema da Receita Federal e a libera, o lançamento está pronto

e o contribuinte importador, notificado.

Tendo em vista que no canal verde de parametrização não ocorre essa

atuação ativa do agente fiscal, sendo a liberação feita automaticamente pelo próprio

sistema, é forçoso falar que o lançamento se completou, ficou pronto.

Assim, com o lançamento pronto, o procedimento de revisão do lançamento

somente poderá ocorrer de ofício por iniciativa da autoridade administrativa nas

hipóteses do artigo 149 do CTN, conforme determina o artigo 145, inciso III deste

mesmo documento.

Note-se que a regra é pela não revisibilidade dos lançamentos, sendo

exceção a possibilidade de revisão e, no caso de revisão de ofício, apenas nos

casos previstos no artigo 149 do CTN.

Vale ressaltar que o artigo 149 não trata apenas das hipóteses de revisão de

lançamento, mas também das hipóteses do próprio lançamento de ofício, institutos

bem distintos do direito tributário.

Art. 149. O lançamento é efetuado e revisto de ofício pela autoridade administrativa nos seguintes casos: I - quando a lei assim o determine; II - quando a declaração não seja prestada, por quem de direito, no prazo e na forma da legislação tributária; III - quando a pessoa legalmente obrigada, embora tenha prestado declaração nos termos do inciso anterior, deixe de atender, no prazo e na forma da legislação tributária, a pedido de esclarecimento formulado pela autoridade administrativa, recuse-se a prestá-lo ou não o preste

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satisfatoriamente, a juízo daquela autoridade; IV - quando se comprove falsidade, erro ou omissão quanto a qualquer elemento definido na legislação tributária como sendo de declaração obrigatória; V - quando se comprove omissão ou inexatidão, por parte da pessoa legalmente obrigada, no exercício da atividade a que se refere o artigo seguinte; VI - quando se comprove ação ou omissão do sujeito passivo, ou de terceiro legalmente obrigado, que dê lugar à aplicação de penalidade pecuniária; VII - quando se comprove que o sujeito passivo, ou terceiro em benefício daquele, agiu com dolo, fraude ou simulação; VIII - quando deva ser apreciado fato não conhecido ou não provado por ocasião do lançamento anterior; IX - quando se comprove que, no lançamento anterior, ocorreu fraude ou falta funcional da autoridade que o efetuou, ou omissão, pela mesma autoridade, de ato ou formalidade especial. Parágrafo único. A revisão do lançamento só pode ser iniciada enquanto não extinto o direito da Fazenda Pública. (BRASIL, 2011, p. 234)

O inciso I do artigo 149 estabelece uma limitação às possibilidades de

lançamento e revisão de lançamento de ofício, que é a necessidade da pré-

existência de uma lei que as possibilite.

Por outro lado, esse inciso I também abre novas possibilidades de revisão de

lançamento, uma vez que, qualquer outra possibilidade de revisão de lançamento

que não estiver prevista no artigo 149, poderá ser admitida, desde que prevista em

lei.

O inciso II não trata de hipótese de revisão de lançamento, mas tão somente

de lançamento de ofício, pois, se a declaração não foi prestada, é impossível se falar

em revisão de lançamento.

Por sua vez, o inciso III do artigo 149 trata de hipótese em que foi prestada

declaração, mas existe algum defeito ou omissão parcial que demanda do

contribuinte algum esclarecimento.

Nesse caso, conforme lição de Aliomar Baleeiro (2006, p. 823), a revisão do

lançamento ocorrerá como sanção ao descumprimento do pedido de

esclarecimentos, segundo as bases razoáveis de que dispuser a autoridade.

O inciso IV, que trata de hipótese de falsidade, erro ou omissão, será objeto

do capítulo quarto deste trabalho, tendo em vista que trata de hipótese relevante

para o desenvolvimento deste estudo.

Por sua vez, o inciso V trata especificamente do caso de lançamento por

homologação em que tenha havido omissão ou inexatidão na declaração do

contribuinte, devidamente comprovada.

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A hipótese do inciso VI, ação ou omissão punível, trata da hipótese em que o

sujeito passivo ou terceiro legalmente obrigado, em razão de ação ou omissão no

cumprimento de obrigação tributária, incorra em penalidade, o que ensejará a

revisão de ofício do lançamento.

O inciso VII, conforme José Souto Maior Borges, poderia estar contemplado

no inciso anterior, uma vez que esta conduta se enquadraria nos casos passíveis de

revisão de lançamento por se enquadrarem entre aqueles passíveis de aplicação de

penalidade pecuniária. Assim, a autonomia deste inciso não se justifica.

Rigorosamente, aliás, as hipóteses do inc. VII já estarão implicitamente contempladas no inc. VI do art. 149, que autoriza como visto a efetivação ou revisão do lançamento sempre que a ação ou omissão do sujeito passivo possam ensejar a aplicação de penalidade pecuniária. Ora, dolo, fraude ou simulação constituem, sempre, pressuposto para a aplicação de pecuniária. Logo, constituem ação ou omissão sob regência implícita, mas nem por isto menos vinculante - art. 149, VI. (BORGES, 1999, p.353)

Por sua vez o inciso VIII é um caso de revisão de lançamento por erro de fato.

Pressupõe o desconhecimento de algum fato ou a falta de prova de ocorrência de

determinado fato no lançamento anterior, que, por ser fato relevante, gera a

necessidade de revisão do lançamento.

Não se trata de qualquer fato, mas de fato relevante que deva ser apreciado, i.e., do fato que, se conhecido ou tempestivamente provado, teria alterado a base tributável pelo lançamento. É uma possibilidade de revisão de lançamento pela ocorrência do chamado "erro de fato". Pressupõe a existência de um lançamento anterior que contém erro decorrente do desconhecimento do fato ou da existência de fato incomprovado quando do lançamento sujeito a revisão. (NOGUEIRA, 2008, p. 1130)

Finalmente, o inciso IX trata de revisão de lançamento motivada por ato ilícito

praticado pela própria autoridade administrativa lançadora. A falta pode ter sido

cometida tanto em favor do contribuinte quanto do erário, valendo a observação de

Aliomar Baleeiro quando o ato do Fisco prejudicar o contribuinte:

O inc. IX é via de mão dupla: tanto em favor do Fisco, quanto em favor do contribuinte. A autoridade pode cometer o dolo ou a simples falta de exação no cumprimento do dever, tanto em detrimento do erário, quanto do contribuinte. O Erário não se pode locupletar indebitamente com jactura dos contribuintes, tanto mais quanto lhe incumbe escolher bem e vigiar, dentro da hierarquia funcional, seus agentes e prepostos. (BALEEIRO, 2006, p. 824)

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O parágrafo único deste artigo 149 do CTN trata do prazo para se iniciar a

revisão do lançamento, que deve ser visto em conjunto com os artigos 150, § 4o, 173

e 174 do CTN, que determinam as diversas hipóteses de ocorrência do início da

contagem, tendo como prazo máximo cinco anos a partir deste marco inicial.

Analisadas as hipóteses de lançamento, de Revisão Aduaneira e revisão do

lançamento e levando-se em conta os diferentes canais de parametrização, é

possível chegar a diversas conclusões.

A primeira conclusão é que o lançamento é ato administrativo de aplicação da

lei genérica e abstrata aos casos concretos, instaurando a obrigação e o crédito

tributário.

O fato de o lançamento ser ato administrativo e assim privativo de agente

público implica na conclusão de que todas as modalidades de lançamento, na

verdade, são de ofício. Desta forma, ausente o ato da autoridade administrativa,

ausente o lançamento.

Por outro lado, diante das modalidades de lançamento do CTN e de acordo

com as características de cada uma dessas modalidades, o lançamento nas

operações de Comércio Exterior ocorre, como regra geral, via lançamento por

homologação; exceto quando for verificado o não recolhimento ou recolhimento

incorreto dos tributos, hipótese em que o lançamento se converterá em lançamento

de ofício; ou quando se tratar de alguns regimes aduaneiros especiais, casos em

que ocorrerá o lançamento por declaração.

Além disso, pode-se concluir também que no desembaraço da mercadoria

através do canal verde de parametrização não é possível falar que houve o

lançamento, pois não houve ato administrativo de agente público com a finalidade de

verificar a regularidade dos procedimentos que compõem o lançamento.

Os canais de parametrização amarelo, vermelho e cinza, por sua via, ensejam

atividade ativa do agente fiscal no sentido de verificar a regularidade de todos os

procedimentos que ensejam o ato de lançamento, nos moldes do artigo 142 do CTN,

que se caracterizará pelo despacho aduaneiro liberando a mercadoria.

A Revisão Aduaneira, além de abranger a revisão de lançamento, é mais

ampla do que a revisão de lançamento, uma vez que, além de efetuar nova

verificação dos impostos e gravames, trata também da revisão dos benefícios fiscais

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e a revisão das informações prestadas na ocasião da declaração de importação e da

declaração de exportação.

Assim, além de rever a adequação do recolhimento dos tributos e o

preenchimento dos requisitos e utilização correta dos benefícios fiscais, verifica

também, dentre outras, informações relativas à mercadoria, exportador e local de

origem, importador e local de destino, frete e tipo de carga. Enfim, a Revisão

Aduaneira não cuida somente da revisão da correição dos pagamentos dos tributos,

cuida também das questões aduaneiras, administrativas e cambiais.

Finalmente, é importante observar que, de acordo com o princípio da

legalidade, a Revisão Aduaneira somente poderá ter como objeto outros tributos que

não o Imposto de Importação, caso exista lei que preveja essa possibilidade, uma

vez que o Decreto Lei 37 de 1966 trata apenas de imposto de importação e o

Regulamento Aduaneiro que poderia englobar esses outros tributos, é Decreto,

norma oriunda do Poder Executivo, com características apenas regulatórias.

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3 O PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO DA CONFIANÇA

Todas as relações sociais dependem da confiança para se tornarem viáveis.

A legítima relação em sociedade entre particulares, grupos, coletividades, Estado e

indivíduo só é possível através do elemento confiança.

A quebra da confiança nos níveis mais simples de relação gera a

necessidade de criação de mecanismos para se garantir o cumprimento da

obrigação e nos níveis mais complexos, como entre indivíduos e Estado, onde há

enorme desigualdade entre as partes, pode até ocasionar o descrédito no Estado e

retirar sua legitimidade, gerando revoluções, guerras civis, milícias e diferentes

formas de poder paralelo.

Valter Shuenquener de Araújo cita uma passagem de Confúcio mencionada

por Rudolf Schottlaender que ilustra bem a importância da confiança para as

relações com o Estado.

Um estudante havia perguntado a Confúcio o que tornaria uma organização estatal excelente. Após detidamente refletir sobre a indagação, o filósofo respondeu que a excelência adviria de um exército competente, das riquezas dos cidadãos e da confiança que o povo deposita no seu soberano. Irrequieto, o estudante novamente questionou a que seria possível renunciar caso nem tudo pudesse ser alcançado. Provocado, Confúcio respondeu que a confiança era a única coisa que não poderia ser abandonada. Comida e bebida, disse o sábio, são necessárias para a sobrevivência e sem elas o ser humano acaba perecendo. No entanto, a inexistência de confiança é algo impossível de se admitir, pois um Estado não viveria um dia sem ela. (SCHOTTLAENDER apud ARAÚJO, 2009, p.1)

Vale mencionar também a afirmação de Araújo de que a proteção da

confiança é assunto de interesse público, afirmação esta decorrente das ideias de

Miguel de Seabra Fagundes, Robert Alexy e Paul Craig:

Isso é uma prova, inclusive, de que a observância do princípio da proteção da confiança não interessa apenas ao particular. Consoante lição de SEABRA FAGUNDES, trata-se de um assunto de interesse público também. O cumprimento de uma promessa interessa não só à sociedade e aos seus integrantes, mas à própria Administração, que deve zelar pela sua reputação. O ordenamento imposto pela força é, consoante adverte ALEXY, caro e instável, e a legitimação pela confiança torna o ordenamento mais barato e mais seguro por um longo tempo. Não será, portanto, apenas em favor do particular que o princípio da proteção produzirá efeitos. A Administração que respeitar as expectativas legítimas dos cidadãos atuará, no dizer de CRAIG, com justeza (fairness), e isso facilitará a aceitação das suas deliberações e a estabilidade do Direito. (ARAÚJO, 2009, p. 65-66)

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Neste contexto, verifica-se que a proteção da confiança é essencial à

legitimidade do Estado e ao próprio ordenamento jurídico. A aceitação das

deliberações e a estabilidade do Direito dependem diretamente do respeito às

expectativas legítimas dos cidadãos que, por sua vez, precisam confiar que as

regras e normas impostas pelo Estado, gozarão de certa estabilidade e segurança,

não sofrendo alterações radicais e bruscas.

Misabel Abreu Machado Derzi faz importante observação sobre a questão

da confiança para o ordenamento jurídico, tomando como referência as ideias de

Niklas Luhmann:

Dentro da extrema mobilidade do mundo e da alta complexidade das sociedades de risco contemporâneas, o sistema jurídico se presta a fornecer estabilidade, se presta a acolher as expectativas legitimamente criadas e, portanto, a proteger a confiança. Se assim não for; a ordem jurídica confundir-se-á com os elementos do ambiente, sociais, econômicos, morais... enfim, fundir-se-á com os demais sistemas e desaparecerá como instrumento que possibilita a vida, o convívio e a tomada de decisões assentadas em um mínimo de confiança. Por isso mesmo, alguns filósofos contemporâneos realçam o fato de que, embora o sistema jurídico seja hermenêutica e cognitivamente aberto, ele somente opera fechado, e se reproduz a partir de si mesmo. O conhecimento jurídico somente é possível a partir desse fechamento e exatamente em razão dele, como quer LUHMANN. (DERZI, 2009, p.316)

Desta forma, verifica-se que a proteção da confiança é função importante do

sistema jurídico, pois este se presta, principalmente, a fornecer estabilidade e assim

proteger expectativas legitimamente criadas.

Entretanto, apesar da proteção da confiança ser importantíssima para a vida

em sociedade e em especial para as relações entre Estado e indivíduo e para a

própria legitimidade do Estado, o fundamento da proteção da confiança ora vem da

esfera privada, segundo a corrente civilista; ora vem da esfera pública, inserindo-se

no entendimento da corrente constitucionalista.

Segundo Valter Shuenquener de Araújo,

A primeira tenta situá-lo no Direito Privado, mais especificamente no princípio oriundo do Direito Civil da boa-fé objetiva. A segunda busca revelar as raízes do princípio da proteção da confiança em algum instituto específico do Direito Público (princípio do Estado Social de Direito, direitos fundamentais, Estado de Direito etc.). Embora haja divergências entre os adeptos deste última corrente quanto ao mais adequado fundamento do princípio da proteção da confiança no Direito Público, tem predominado a ideia de que ele seria derivado do princípio do Estado de Direito e da segurança jurídica. (ARAÚJO, 2009, p. 33).

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Entende-se ser mais apropriado esse segundo fundamento baseado no

Estado de Direito e na segurança jurídica. Entretanto, faz-se apropriado abordar

também o fundamento da proteção da confiança sob a perspectiva da boa-fé

objetiva com o objetivo de enriquecer o debate.

Por outro lado, independentemente de sua fundamentação, é mais

importante "reconhecer que esse princípio deve ter seu lugar de destaque no

ordenamento jurídico brasileiro para proteger as expectativas legítimas dos

administrados". (ARAÚJO, 2009, p. 239).

3.1 O PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA

O princípio da boa-fé objetiva apresenta diversos conceitos que variam de

acordo com as formas com que a "expressão 'boa fé' é empregada, bem como pelo

vínculo deste instituto à ordem moral e pela evolução histórica peculiar que ele

apresenta". (RUBINSTEIN, 2010, p. 32-33).

Contudo, em diversos aspectos, essa variedade de conceitos se aproxima,

sendo verificável alguns aspectos comuns, entre estes, a utilização de termos

subjetivos e abertos para permitir uma mutabilidade de acordo com a época e

valores prevalecentes nas convicções da consciência coletiva.

Assim é comum verificar nos conceitos de boa-fé objetiva expressões como

modelo de comportamento ou modelo de conduta; homem correto e homem

honesto; lealdade; ética; e moral; valendo mencionar acórdão do STJ relatado pela

Ministra Nancy Andrighi que até a data de conclusão deste estudo ainda é muito

utilizado como paradigma para ilustrar o conceito de boa-fé objetiva. Assim, segundo

esse acórdão do STJ, boa-fé objetiva,

se apresenta como uma exigência de lealdade, modelo objetivo de conduta, arquétipo social pelo qual impõe o poder-dever de que cada pessoa ajuste a própria conduta a esse modelo, agindo como agiria uma pessoa honesta, escorreita e leal. (BRASIL, 2007)

Nesse sentido, Elcio Fonseca Reis conceitua boa-fé objetiva como um

princípio implícito constitucional, que determina que as relações jurídicas de direito público devem ser praticadas com a observância do dever de lealdade e com a confiança de

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que a conduta de ambas as partes ocorrerá sempre em respeito aos princípios éticos e morais. (REIS, 2008, p. 99)

Misabel Derzi sintetiza essa maleabilidade conceitual da boa-fé objetiva ao

afirmar que:

Acima de todas as discussões teóricas, paira o fato inegável de que a eticização contemporânea do Direito corresponde à reintrodução da boa-fé como valor (honestidade, crença, fidelidade, lealdade, honra), como princípio, como conceito indeterminado e como cláusula geral. E mais, é movimento "universalizado" e dele não escapou o Código Civil brasileiro de 2002, que o erige como cláusula geral. (DERZI, 2009, p.361).

Entre essas características do princípio da boa-fé, a questão do dever de

conduta moral, ético, leal muitas vezes é utilizado para se tentar fundamentar o

princípio da proteção da confiança.

Flávio Rubinstein (2010, p. 53-59) defende que a boa-fé objetiva moderna

possui duas funções: a) limitação de Direitos Subjetivos e criação de deveres; e b)

hermenêutica.

A função de limitação de Direitos subjetivos e criação de deveres pode ser

sintetizada, segundo Rubinstein, como a exigência de que as partes devem agir com

retidão.

Esse dever das partes agirem com retidão sustenta a proximidade desta

exigência com o princípio da proibição do comportamento contraditório e explica:

De fato, esse princípio exige que os comportamentos dos sujeitos - públicos ou privados - sejam coerentes e merecedores de confiança, de modo que uma contradição da própria conduta pode ser considerada uma infração a este princípio. Nesse passo, a vedação ao venire contra factum proprium, uma máxima dotada de amplo valor para a justiça material, caracterizar-se-ia como uma das facetas da função da boa-fé objetiva voltada à limitação de direitos subjetivos. (RUBINSTEIN, 2010, p. 55).

Entretanto, entende-se que a boa-fé não é a melhor fundamentação do

Princípio da Confiança, pois apresenta alguns aspectos importantes, que afasta

esse último daquele, de forma insuperável, conforme discorre Misabel Derzi ao

afirmar que os princípios da boa-fé e da proteção da confiança:

[...] mesmo quando se superpõem, não coincidem, ambos transbordam em funções, extensão e situações, a saber: (a) a proteção da confiança somente se aplica às partes dependentes, que não tenham o domínio dos

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eventos/acontecimentos, mas desfrutem de situação mais frágil em face do outro. Exatamente nas situações de garantia fraca, a confiança emerge, por necessidade ético-jurídica. É o que veremos no Direito Tributário, em relação ao cidadão-contribuinte. Além disso, o princípio da proteção da confiança tem uma dimensão temporal importante, que não é essencial à boa-fé objetiva; (b) o princípio da boa-fé objetiva é fonte de deveres e de obrigações, o que não ocorre com a proteção da confiança. Mas esse ponto peculiar da boa-fé objetiva, no Direito Público, como veremos, ficará reduzido à legalidade, pois os deveres acessórios e laterais dos contribuintes deverão estar previstos em lei, como manda a Constituição. (DERZI, 2009, p. 373-374)

Misabel Derzi completa a diferenciação:

Ocorre, não obstante, que a proteção da confiança pode se manifestar ainda em relações jurídicas abstratas, quer no seio do Direito Privado, quer no seio do Direito Público. Ocorre ainda que também a boa-fé objetiva tem campo de aplicação e extensão que não coincide exatamente com a proteção da confiança. (DERZI, 2009, p. 374)

Neste contexto, a proteção da confiança pressupõe partes em relação de

dependência, cuja situação de garantia é fraca, cujo fator tempo é importante,

podendo se manifestar não só em situações concretas, mas também em relações

jurídicas abstratas.

Por sua vez, a boa-fé objetiva, é fonte de deveres e obrigações, o que não

ocorre com a proteção da confiança, e possui campo de aplicação e extensão que

pode ser diferente do campo da proteção da confiança.

A questão do campo de aplicação e extensão de cada um dos princípios é

desenvolvida por Valter Shuenquener de Araújo que, a partir de raciocínio de

Humberto Ávila, conclui que, diante do extenso campo de aplicação da proteção da

confiança, na verdade, seria mais lógico a proteção da confiança ser fundamento da

boa-fé objetiva do que o contrário:

Com base nesse raciocínio, ÁVILA conclui que um dos elementos necessários para a adoção do princípio da boa-fé objetiva seria a existência de uma relação jurídica concreta. Segundo o professor gaúcho, enquanto o princípio da proteção da confiança teria aplicação nos casos tanto de relações jurídicas concretas quanto de relações jurídicas abstratas, o princípio da boa-fé objetiva só teria emprego nas primeiras hipóteses. Esse raciocínio provoca efeitos relevantes no debate da fundamentação do princípio da proteção da confiança. Ele impede que o referido princípio tenha a boa-fé objetiva como o seu fundamento. O fato de o princípio da proteção da confiança abranger um maior leque de relações jurídicas (relações abstratas e concretas) que o da boa-fé objetiva (apenas relações concretas) impossibilita sua derivação do instituto da boa-fé. Talvez a boa-fé objetiva é que pudesse, ao contrário, ter como seu

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fundamento o princípio mais abrangente da proteção da confiança, e não o inverso. (ARAÚJO, 2009, p. 35)

Além dessa questão do campo de aplicação entre relações concretas e

abstratas, outro relevante argumento para não se considerar a boa-fé objetiva como

o fundamento do princípio da proteção da confiança é sua origem no Direito Privado,

pois, conforme Valter Shuenquener de Araújo (2009, p. 35-36), o fato de a boa-fé

objetiva não ter a dimensão de princípio constitucional que o princípio da proteção

da confiança tem, impediria, pela lógica da hierarquia normativa de Hans Kelsen,

que o princípio da proteção da confiança pudesse ser extraído do princípio da boa-

fé.

Outro ponto de diferenciação importante diz respeito ao fato de a boa-fé

objetiva estar relacionada a conceitos como modelos de comportamento ou modelos

de conduta; homem correto e homem honesto; lealdade; ética; e moral; que

implicam na relação concreta entre particulares, objetivando o acordo e

transparência entre vontades antagônicas, sem obtenção de vantagens indevidas.

Por sua vez, o princípio da proteção da confiança está mais relacionado com

relações entre particulares e agentes públicos, exigindo destes últimos condutas que

não frustrem expectativas legítimas daqueles.

Valter Shuenquener Araújo (2009, p. 36) aponta ainda a diferença entre o

sujeito ativo da utilização de cada um dos princípios, quando se trata das relações

entre particulares e Estado.

Enquanto o princípio da boa-fé objetiva pode ser invocado tanto pelo

particular, como pelo Estado; o princípio da proteção da confiança somente poderia

ser invocado em favor do particular contra ato do Estado.

Nesse sentido, Misabel Derzi explica que:

O princípio da proteção da confiança e da irretroatividade são princípios e direitos fundamentais individuais, que somente o privado pode reivindicar, em contraposição à Administração pública, ao Poder Legislativo e Poder Judiciário, quando os Poderes do Estado criam o fato gerador da confiança. (DERZI, 2009, p. 604) [...] (III) se a proteção fosse considerada em favor do Estado, poderia ficar vulnerado o Estado de Direito, já que, apoiado na sua confiança, o Estado não poderia alcançar uma posição jurídica melhor frente ao cidadão do que, de qualquer modo, já resulta da lei, ou seja, no Direito público, direitos e deveres dos cidadãos decorrem diretamente da lei; (DERZI, 2009, p. 606)

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Sendo assim, por todos esses motivos, conclui-se que, apesar de

guardarem muitas semelhanças e terem em comum valores como confiança e

lealdade, entende-se que o conceito de boa-fé não serve de fundamento para o

princípio da proteção da confiança. A relação entre os dois princípios aparenta muito

mais uma relação de complementariedade do que de derivação.

Por outro lado, o princípio da proteção da confiança possui enorme ligação

com os valores do Estado de Direito de onde absorve diversos aspectos suficientes

para sustentar sua fundamentação.

3.2 O PRINCÍPIO DO ESTADO DE DIREITO

O princípio do Estado de Direito tem grande importância na fundamentação

do princípio da proteção da confiança, pois só é possível um Estado de Direito se

existem relações de confiança, sejam entre particulares, seja, principalmente, entre

Estado e particulares.

Um Estado de Direito só se legitima se o particular puder abdicar de parte de

sua liberdade para que o Estado discipline as relações com os outros particulares. A

ação de abdicar de parte de sua liberdade em favor do Estado, envolve

necessariamente a confiança de que o Estado vai proteger o particular e as suas

relações com outros particulares e com o próprio Estado, em troca dessa sua parte

de liberdade.

As leis são a garantia de que a confiança depositada no Estado será

cumprida e que as relações e a convivência pacífica serão respeitadas, quando elas

são criadas democraticamente e refletindo os anseios da população.

A falta de legitimidade das leis e/ou a inobservância das leis por um dos

sujeitos envolvidos, principalmente o Estado, retira a legitimidade do Estado para

estabelecer deveres e direitos, uma vez que, se ele não respeita suas leis, não

possui legitimidade para exigir dos cidadãos a observância destas mesmas leis.

Nesse sentido, Paulo Braga Galvão cita Jacques Duverger que afirma que,

no Estado de Direito, o órgão soberano está submetido a regras de Direito estabelecidas previamente, as quais ele não pode modificar senão respeitando os procedimentos fixados para sua revisão. Mas esta estrutura do Direito não é separável de um certo conteúdo deste, daí ser o Estado de Direito necessariamente um Estado de direitos do homem. (DUVERGER apud GALVÃO, 2011, p. 461)

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O Estado de Direito, dentro da necessidade de proteger essa confiança que

também o legitima, tem como pressuposto importante a garantia de previsibilidade,

estabilidade e mensurabilidade (PORTO, 2009, p. 68); ou, nas palavras de Friedrich

Müller, citado por Paulo Braga Galvão (2011, p. 458), calculabilidade, transparência

e regularidade; ou ainda, nas palavras de Humberto Ávila:

...o princípio do Estado de Direito impõe a busca de um ideal de juridicidade, de responsabilidade e de previsibilidade da atuação estatal ao mesmo tempo que exige segurança, protetividade e estabilidade para os direitos individuais. (ÁVILA, 2010, p. 40)

O Estado de Direito tem como objetivo, portanto, garantir que suas ações

sejam previsíveis e estáveis e além disso, deverá gerar segurança, protetividade e

estabilidade para os direitos individuais.

Esses pressupostos e objetivos são facilmente extraídos dos elementos que

compõem esse tão importante princípio, elementos estes que, segundo Lucas

Verdu, também citado por Paulo Braga Galvão, seriam:

Os elementos do Estado de Direito seriam, para Lucas Verdu, os seguintes: 1) a primazia da lei em sentido formal; 2) um sistema hierárquico de normas que proporciona a segurança jurídica; 3) a legalidade da administração, com o estabelecimento de um sistema de recursos em favor dos possíveis atingidos por seus atos; 4) a separação de poderes (passível de diferentes formas de interpretação); 5) reconhecimento e garantia dos direitos fundamentais incorporados à ordem constitucional e 6) em alguns casos, controle da constitucionalidade das leis, como garantia face ao eventual despotismo do Legislativo, controle esse que pode ser exercido de maneiras distintas, de acordo com o sistema de cada país. (GALVÃO, 2011, p. 461).

Essa ótima síntese dos elementos que compõem o princípio do Estado de

Direito demonstra o forte elo do Estado de Direito com a confiança.

Os dois primeiros itens traduzem a necessidade do respeito à lei, a garantia

de que o que está previamente estabelecido vai ser respeitado, a segurança jurídica

que o cidadão possuirá se agir conforme o que está estabelecido pela lei.

O terceiro item estabelece que o atos da administração devem estar

vinculados à lei, e a falta de vinculação à lei poderá ser atacada por meio de

recursos para rever esses atos.

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O quarto item tem como finalidade garantir a imparcialidade e assegurar,

através da autonomia de cada um dos poderes, que a confiança depositada pelo

indivíduo no Estado para proteger seus interesses e garantir sua segurança e

estabilidade das relações será protegida mesmo que um dos outros poderes a

desrespeite.

O Estado de Direito nunca será democrático se as três grandes esferas de

poder estiverem subordinadas umas às outras, ou uma ou duas delas à outra, o que

comprometerá a separação de poderes, pois não estarão mais separados se

estiverem vinculados aos mesmos pensamentos e ideologias, afetando assim a

confiança do cidadão, que não terá mais nenhuma proteção contra qualquer abuso

por parte do Estado.

O reconhecimento e garantia dos direitos fundamentais incorporados à

ordem constitucional serve justamente para elevar ao grau máximo de proteção os

direitos dos indivíduos contra os abusos do Estado, principalmente se forem

considerados os elementos anteriores, em especial a primazia da lei e um sistema

hierárquico de normas que proporciona a segurança jurídica.

Assim, se a lei for observada e cumprida e se a Constituição for

hierarquicamente superior às demais normas legais; a incorporação dos direitos

fundamentais à Constituição proporcionará proteção máxima dentro do Estado de

Direito a esses direitos dos indivíduos contra qualquer abuso por parte do Estado ou

de outros indivíduos.

Entretanto, é importante observar que não basta a incorporação dos direitos

fundamentais à Constituição, pois estes direitos, muitas vezes relacionados à

princípios basilares da mesma, nas situações concretas, poderão e entrarão em

conflito com um ou mais princípios e com um ou mais direitos fundamentais.

Sendo assim, faz-se necessária a utilização de regras para a aplicação e

solução de conflitos entre princípios entre si e direitos fundamentais entre si. Nesse

sentido, Humberto Ávila:

Em primeiro lugar, como as regras têm a função de pré-decidir o meio de exercício do poder, elas afastam a incerteza que surgiria não tivesse sido feita essa escolha. É justamente para evitar o surgimento de um conflito moral e para afastar a incerteza decorrente da falta de resolução desse mesmo conflito que o Poder Legislativo opta pela edição de uma regra. Nesse sentido, Alexander e Sherwin: "A finalidade de se ter a lei promulgando regras para estabelecer questões sobre como os princípios morais se aplicam em casos concretos reside na eliminação da

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controvérsia e da incerteza, e dos custos morais a elas associados". Em segundo lugar, além de afastar a controvérsia e a incerteza, a opção pelas regras tem a finalidade de eliminar ou reduzir a arbitrariedade que pode potencialmente surgir no caso de aplicação direta de valores morais. Essa característica foi assim notada por Schauer, ao analisar a importância da qualidade resolutiva das regras para restringir a discricionariedade: "Em suma, é verdade notória que as regras se atravessam no caminho; mas isto não precisa ser sempre considerado algo ruim. Pode consistir em uma desvantagem quando surge no caminho de sábios julgadores que, ao perseguirem de forma precisa o bem, intuitivamente levam em consideração todos os fatores relevantes. Entretanto, também pode ser uma qualidade, quando surge para restringir julgadores desavisados, incompetentes, de má índole, ávidos por poder, ou simplesmente equivocados, cujo próprio senso de bem diverge daquele do sistema ao qual eles servem. Essas considerações demonstram, em suma, que as regras não devem ser obedecidas somente por serem regras e serem editadas por uma autoridade. Elas devem ser obedecidas, de um lado, porque sua obediência é moralmente boa e, de outro, porque produz efeitos relativos a valores prestigiados pelo próprio ordenamento jurídico, como segurança, paz e igualdade. Ao contrário do que a atual exaltação dos princípios poderia fazer pensar, as regras não são normas de segunda categoria. Bem ao contrário, elas desempenham uma função importantíssima de solução previsível, eficiente e geralmente equânime de solução de conflitos sociais. (ÁVILA, 2007, p.113-114).

Finalmente, o item sexto reforça a necessidade de separação de poderes de

modo que um poder possa fiscalizar o outro e coibir seus abusos. Assim, é essencial

que num Estado de Direito, existam instrumentos para controlar a

constitucionalidade das leis, assim como instrumentos para controlar os atos do

Poder Público, quando abusivos e eivados de vícios e arbítrios.

Vale mencionar também que, segundo Albert Bleckmann, citado por Valter

Araújo (2009, p. 43), ainda não é possível identificar com uniformidade na doutrina,

os elementos que compõe a estrutura do princípio do Estado de Direito.

Entretanto, apesar de Bleckmann citar mais de vinte preceitos, Valter Araújo

faz ótima síntese desses preceitos:

Além de identificar variados componentes do Estado de Direito, ele aponta três grandes grupos de valores a serem observados por esse tipo de Estado. Segundo o aludido jurista, um Estado de Direito deve: i) proteger a liberdade e propriedade do cidadão contra medidas de intervenção estatal, ii) observar a segurança jurídica e, por fim, iii) realizar a justiça material. Os demais aspectos seriam derivações desses três grandes grupos. BLECKMANN afirma, por exemplo, que a proteção da confiança depositada pelo cidadão na continuidade da atividade estatal seria uma derivação da segurança jurídica, instituto de observância obrigatória em um Estado de Direito. Esses três grandes grupos de BLECKMANN representam os contornos mínimos de todo e qualquer Estado de Direito, de um Estado que busca limitar o poder estatal em prol dos cidadãos, substituindo o reinado da política dos homens pelo primado do Direito. Eles simbolizam, ao menos, um ponto de partida. (ARAÚJO, 2009, p. 44)

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Sendo assim, verifica-se que a proteção da confiança está intimamente

ligada ao Estado de Direito e a pelo menos um de seus grandes grupos de valores,

que é a observância da segurança jurídica.

Misabel Derzi (2009, p. 377) demonstra essa forte relação entre Estado de

Direito e proteção da confiança, ressaltando inclusive as relações da proteção da

confiança com a segurança jurídica, também elemento do Estado de Direito.

Por outro lado, apesar de afirmar que "a proteção da confiança e a boa-fé

são componentes indivisíveis da legalidade, do Estado de Direito e da Justiça"

(DERZI, 2009, p. 377-378), citando Roland Kreibich demonstra que a proteção da

confiança e a Boa-Fé apresentam diversas divergências, o que permite concluir que

a proteção da confiança não deriva da boa-fé.

Pondera KREIBICH que, no plano abstrato e geral, existem aplicações inerentes ao princípio da proteção da confiança, que não têm relação direta com a boa-fé, a saber: (a) a irretroatividade das leis; (b) a obrigatoriedade do cumprimento de promessas e prestação de informações; (c) a proteção contra a quebra ou modificação de regras administrativas; (d) a proteção contra a modificação retroativa da jurisprudência; (e) a garantia da execução de planos governamentais. E acrescenta que, em geral, prevalece a concepção, aliás dominante nos tribunais superiores daquele País, de que o princípio da proteção da confiança deve ser considerado um princípio mãe, deduzido do Estado de Direito, através da segurança. (DERZI, 2009, p. 378).

Assim, Misabel Derzi conclui que:

Apesar das situações de superposição, entendemos que o princípio da proteção da confiança não se esgota com o da boa-fé objetiva, e a recíproca é também verdadeira. Existe um espaço de atuação da boa-fé objetiva, como fonte de deveres da Administração tributária, que a proteção da confiança não alcança. Assim, preferimos entender que ambos, proteção da confiança e boa-fé, sendo princípios constitucionais deduzidos da segurança jurídica, como valor e como princípio, se integram em muitas circunstâncias, como ocorre com a maioria dos princípios, mas não se anulam um no outro. (DERZI, 2009, p. 381).

Valter Shuenquener (2009, p.50) também entende que o fundamento do

Princípio da Confiança é o Princípio da segurança jurídica e esta decorre do Estado

de Direito.

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Esse ideia, conforme foi visto, decorre do fato de o Estado de Direito ter

como objetivo a preservação da segurança jurídica, a preservação da estabilidade, o

respeito ao ordenamento jurídico e, principalmente, ao texto constitucional.

Valter Shuenquener de Araújo vai mais longe ao discorrer que o Estado de

Direito, além do aspecto formal, que é a observância às leis, também possui um

aspecto material, que seria a aplicação das leis com justiça, o que implica na

proteção aos direitos fundamentais:

Em um primeiro momento, a expressão Estado de Direito é relacionada a aspectos meramente formais. Havia, na fase preliminar do conceito, uma mera vinculação formal do Estado às leis. Com o desenvolvimento do significado da expressão, especialmente ocorrido após as atrocidades da Segunda Guerra Mundial, o instituto passa a também ser considerado no seu aspecto material. Constata-se que a mera observância formal das leis não seria suficiente. O Estado de Direito também deveria ter como meta aplicar as leis com justiça e, para tanto, ele passa a ter de fielmente observar o texto constitucional, mormente na parte que concerne aos direitos fundamentais. Em razão da consagração do Estado de Direito como um conceito não apenas formal, mas, além disso, material, os direitos fundamentais também têm sido enxergados como uma parte integrante indispensável do seu conceito. Atualmente, portanto, qualquer compreensão em torno do conceito de Estado de Direito deve englobar tanto o seu aspecto formal quanto o material. (ARAÚJO, 2009, p.38-39)

Assim, fica claro que o Estado de Direito é um princípio baseado em

diversas relações de confiança e que, por proteger valores como o respeito às leis, à

constituição, aos direitos fundamentais e aos direitos do cidadão contra abusos por

parte do Estado, deve o Estado de Direito assegurar com todos os seus meios, a

proteção das relações jurídicas e a proteção das expectativas legítimas criadas pelo

indivíduo em decorrência destes valores.

O princípio da segurança jurídica e o princípio da proteção da confiança, que

decorre daquele, são preciosos instrumentos para a efetivação da proteção das

relações jurídicas e proteção de expectativas legítimas.

3.3 O PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA

A noção de segurança jurídica traz consigo a ideia de permanência,

estabilidade. Assim, a segurança jurídica procura garantir aos cidadãos que

determinadas condutas ou situações, uma vez realizadas, trarão sempre as mesmas

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consequências ou consequências semelhantes, de acordo com as variantes

possíveis.

Odete Medauar conceitua segurança a partir dessa ideia de estabilidade:

Em essência segurança jurídica diz respeito à estabilidade das situações jurídicas. Expressa a condição do indivíduo como sujeito ativo e passivo das relações sociais, quando podendo saber quais são as normas jurídicas vigentes, tem fundadas expectativas de que elas se cumpram. A sociedade necessita de uma dose de estabilidade, decorrente, sobretudo, do sistema jurídico. A segurança jurídica permite tornar previsível a atuação estatal e esta deve estar sujeita a regras fixas. Diz respeito, assim, à estabilidade da ordem jurídica e à previsão da ação estatal.(MEDAUAR, 2005, p. 115).

Deste conceito retira-se as ideias de estabilidade, fundadas expectativas a

partir de normas jurídicas vigentes, previsibilidade da atuação estatal e sujeição da

atuação estatal à regras fixas.

Assim, Odete Medauar (2005, p. 115) relaciona como decorrências básicas

do princípio da segurança jurídica, a exigência de leis claras e precisas; exigência de

grau de concreção suficiente na disciplina de certa matéria, pois o caráter vago

implicaria em competência ao Executivo e Judiciário e; a proteção da confiança.

Judith Martins-Costa destaca o importante aspecto da permanência ou

imutabilidade como valor imediatamente conotado à segurança jurídica.

Permanência, segundo ela,

constitui, com efeito, num valor a ser protegido, pois reflete a confiança das pessoas na ordem jurídica considerada como regra do jogo de antemão traçada para ser, no presente e no futuro, devidamente respeitada; sinaliza que essa ordem não permitirá modificações suscetíveis de afetar suas decisões importantes de maneira imprevisível (salvo por razões imperiosas). A permanência constitui, nesse sentido, uma das projeções da confiança legítima, garantindo o cidadão contra os efeitos danosos, ou ilegítimos, das modificações adotadas pelo Poder Público.(MARTINS-COSTA, 2005, p. 132)

Ou seja, o princípio da segurança jurídica, tendo como corolário o princípio

da proteção da confiança, em razão do valor permanência, garante ao cidadão

proteção contra os efeitos danosos, ou ilegítimos, das modificações adotadas pelo

Poder Público.

A permanência e a previsibilidade dos efeitos que decorrem de determinada

conduta do cidadão permitem que este, através das expectativas criadas a partir

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destes efeitos, possa planejar sua vida, seu futuro, seus investimentos e seus

negócios.

A segurança jurídica diz respeito à previsibilidade e a certeza de que a lei será aplicada pela Administração e pela jurisdição às situações da vida, tal e qual, vêm sendo aplicadas, como de conhecimento geral, a permitir que o jurisdicionado planeje e ordene os seus comportamentos com confiança na lei, supondo que numa comunidade jurídica deve imperar a boa-fé como regra de decisão de todos os seus partícipes. (COÊLHO, 2008, p. 465).

A vida traz riscos a toda e qualquer atividade humana e a possibilidade de

prever os efeitos desta atividade possibilita a administração e a redução destes

riscos.

É certo que muitos destes riscos são imprevisíveis e não podem ser

administrados ou reduzidos, como por exemplo catástrofes naturais, doenças e até

mesmo erros mecânicos e humanos. Todavia, o que é inaceitável, é uma conduta

prevista e inserida dentro do planejamento ser alterada ou substituída por outra

completamente diferente por uma das partes envolvidas ou, pior ainda, por aquela

parte que se espera ainda mais que tenha coerência com suas condutas pretéritas,

como é o caso do Estado.

Por outro lado, a mudança de condutas e interesses não pode ser proibida

de forma absoluta, pois o passar dos anos e as prioridades da sociedade vão

mudando conforme o contexto e as necessidades. Assim, as mudanças devem ser

permitidas, contanto que se façam de forma gradativa possibilitando que os

cidadãos modifiquem e façam as adaptações necessárias ao seu planejamento, de

forma a não ferir a sua confiança na relação com o Estado.

Judith Martins-Costa ressalta a importância da confiança dos cidadãos na

relação Estado-cidadão:

A confiança dos cidadãos é constituinte do Estado de Direito, que é, fundamentalmente, estado de confiança. Seria mesmo impensável uma ordem jurídica na qual não se confie ou que não viabilize, por seus órgãos estatais, o indispensável estado de confiança. A confiança é, pois, fator essencial à realização da justiça material, mister maior do Estado de Direito. (MARTINS-COSTA, 2005, p. 145)

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Por sua vez, Humberto Ávila procura abordar de forma mais profunda o

conceito de segurança jurídica, inserindo as preciosas noções de confiabilidade,

calculabilidade e cognoscibilidade e trazendo o conceito para o Direito tributário:

[...] o conceito de segurança jurídico-tributária pode ser definido como uma norma-princípio que exige dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário a adoção de comportamentos que contribuam mais para a existência, em benefício dos contribuintes e na sua perspectiva, de um elevado estado de confiabilidade e de calculabilidade jurídica, com base na sua elevada cognoscibilidade, por meio da controlabilidade jurídico-racional das estruturas argumentativas reconstrutivas de normas gerais e individuais, como instrumento garantidor do respeito à sua capacidade de, sem engano, frustração, surpresa ou arbitrariedade, plasmar digna e responsavelmente o seu presente e fazer um planejamento estratégico informado do seu futuro. (ÁVILA, 2011, p. 282-283)

Assim, a segurança jurídica vai exigir dos três poderes comportamentos que

tragam aos contribuintes um estado de confiança e calculabilidade dentro das

diversas possibilidades trazidas pelo conhecimento.

Esse estado de confiança e calculabilidade deve ser gerado através do

controle jurídico-racional das possibilidades argumentativas trazidas pela cognição

decorrente da análise das normas gerais e individuais, que, por fim, devem proteger

o indivíduo contra surpresas e arbitrariedades e permitir que suas condutas sejam

moldadas pela confiança e seu futuro planejado.

O melhor entendimento deste conceito demanda ainda transcrever os

conceitos de cognoscibilidade, confiabilidade e calculabilidade de Humberto Ávila.

Quanto à cognoscibilidade, Humberto Ávila (2011, p. 250) afirma que, de

acordo com a Constituição Federal de 1988, a palavra segurança denota um estado

de cognoscibilidade ao invés de determinação, por razões teóricas e normativas.

As razões teóricas, segundo ele, dizem respeito à

[...] indeterminação da linguagem: não há como sustentar que esta última possa apresentar significados totalmente prontos antes mesmo de se iniciar a atividade interpretativa. Desse modo, não há como defender uma concepção unívoca de interpretação. Isso, porém – e isto é fundamental -, não quer dizer que a linguagem normativa não contenha núcleos de significação já determinados paulatinamente pela atividade doutrinária e jurisprudencial. [...] Adota-se, pois, uma concepção determinável da interpretação, no sentido de que as regras contêm conceitos, contudo estes são, em virtude da linguagem, em alguma medida indeterminados, possuindo, entretanto, núcleos de sentido já fixados intersubjetivamente, quer pela doutrina, quer pela jurisprudência, ao longo de seu uso, dos quais o intérprete não pode se afastar. (ÁVILA, 2011, p. 250-251).

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Desta forma, apesar de se possuir normas e conceitos indeterminados,

permitindo o exercício da cognição, esses conceitos indeterminados possuem

núcleos de sentidos já fixados intersubjetivamente pela doutrina e/ou jurisprudência.

Assim, apesar de o conceito de segurança não apresentar a rigidez de ser

determinado, a cognicidade do conceito possui limitações que permitem a

confiabilidade e a calculabilidade das situações nos casos concretos.

Neste contexto, Humberto Ávila complementa suas razões teóricas com as

razões normativas da cognicidade do conceito de segurança, mostrando que a regra

da legalidade deve ser conjugada com outros princípios e que cada Poder deve

respeitar a competência do outro, no sentido de não se estabelecer um sentido

normativo único, mas permitindo-se a cognição, com alternativas interpretativas:

As razões normativas que conduzem à cognoscibilidade concernem a normas jurídicas que, de algum modo, se contrapõem à determinação: a regra de legalidade deve ser conjugada com vários princípios, como o democrático e os da separação dos Poderes, que pressupõem uma margem limitada de configuração ao Poder Executivo, exigindo que o Poder Legislativo estabeleça os padrões normativos sem adentrar em aspectos técnicos de competência dos órgãos administrativos. Deve-se adotar, portanto, o conceito de determinabilidade, como capacidade, material e intelectual, de compreensão das alternativas interpretativas e dos critérios indispensáveis à sua concretização, no lugar do de determinação, como a capacidade de conhecer um único sentido normativo prévio. (ÁVILA, 2011, p. 251)

Outro conceito importante é o da confiabilidade. Humberto Ávila afirma que a

segurança denota um estado de confiabilidade em detrimento da imutabilidade,

demonstrando que a necessidade de mudanças ao longo do tempo pode trazer

injustiças caso opte-se por manter o direito imutável diante da evolução das

situações da vida. Por outro lado, através da confiabilidade também é possível

assegurar estabilidade e continuidade normativas, possibilitando também o

desenvolvimento e as mudanças necessárias ao desenvolvimento do Direito.

De confiabilidade, no lugar de imutabilidade, porque a CF/88, a par de prever cláusulas pétreas, que tornam mais difícil a mudança, mas pressupõe a sua possibilidade, prevê o princípio do Estado Social de Direito, o qual exige que o Estado cumpra sua função planificadora e indutora da sociedade, realizando mudanças sociais, especialmente por meio da distribuição de riqueza. Tais modificações, todavia, devem assegurar estabilidade e continuidade normativas, visto que os direitos de propriedade e liberdade pressupõem um mínimo de permanência das regras válidas como condição para que o homem possa livremente plasmar

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a sua própria vida, e o direito à profissão carece de durabilidade das condições da vida. Sendo o ideal de confiabilidade do Direito aquele exigido pelo princípio da segurança jurídica, não cabe falar, como o faz Seiller, com apoio de Rivero, que a "segurança jurídica se encontra aqui necessariamente sacrificada em favor do progresso presumido do Direito". (ÁVILA, 2011, p. 251).

Finalmente, Humberto Ávila atribui ao conceito de segurança a ideia de

calculabilidade em detrimento da previsibilidade absoluta, entendendo a primeira

como a capacidade de prever o leque de consequências a que o cidadão estará

submetido no futuro e em que medida as normas poderão ser alteradas e como isso

afetará a vida deste cidadão.

Deve-se adotar, portanto, uma concepção alternativa de calculabilidade, verificável quando o previsor seja capaz de determinar os vários modos por meio dos quais os órgãos aplicadores poderão reconstruir a norma jurídica, de definir o número reduzido de qualificações jurídicas que podem ser atribuídas à situação fática existente e de calcular em grande medida as consequências jurídicas abstratas atribuíveis a quaisquer dessas qualificações. O contribuinte, enfim, deve poder reconstruir os fatos, as qualificações jurídicas abstratas e prever, com grande aproximação, não a futura consequência singular que será efetivamente atribuída aos seus atos, mas sim as reduzidas consequências alternativamente aplicáveis que podem ser efetivamente atribuídas aos seus atos e o espectro temporal dentro do qual a consequência definitiva será definida. (ÁVILA, 2011, p. 253).

O conceito de segurança jurídica, como se vê, está intimamente ligado à

confiança. Seja a confiança de que o passado será preservado, de que as condutas

do presente serão moldadas conforme as regras vigentes e de que o futuro poderá

ser planejado de acordo com as possíveis e previsíveis alternativas de

consequências já conhecidas.

Entretanto, conforme demonstrado, principalmente se observado o

entendimento de Odete Medauar (2005, p.115) o princípio da proteção da confiança

é uma decorrência do princípio da segurança jurídica. Desta forma, por ser uma

decorrência do princípio da segurança jurídica, apresenta semelhanças e diferenças,

podendo-se dizer que não se confundem, mas que se completam por protegerem o

valor confiança, em hipóteses diferentes.

Essas diferenças foram enumeradas por Sylvia Calmes e sintetizadas por

Humberto Ávila de acordo com os seguintes critérios:

O princípio da proteção da confiança (Vertraensschutzprinzip, principe de protection de la confiance légitime, principle of protection os

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legitimate expectations) é diferenciado do princípio da segurança jurídica pelos seguintes critérios: (a) âmbito normativo - enquanto o princípio da segurança jurídica diz respeito ao ordenamento jurídico como um todo, focando o âmbito macrojurídico, o princípio da confiança legítima relaciona-se com um aspecto normativo do ordenamento jurídico, enfatizando um âmbito microjurídico; (b) âmbito pessoal - enquanto o princípio da segurança jurídica representa uma norma objetiva, não necessariamente vinculada a um sujeito específico, o princípio da confiança legítima protege o interesse de uma pessoa específica; (c) nível de concretização - enquanto o princípio da segurança jurídica refere-se, primordialmente, ao plano abstrato, o princípio da confiança legítima pressupõe o nível concreto de aplicação; (d) amplitude subjetiva de proteção - enquanto o princípio da segurança jurídica serve de instrumento de proteção de interesses coletivos, o princípio da confiança legítima funciona como meio de proteção de interesse(s) individual(is); (e) protetividade individual - enquanto o princípio da proteção da segurança jurídica é neutro com relação ao interesse dos cidadãos, podendo tanto ser usado em seu favor quanto em seu desfavor, o princípio da proteção da confiança só é utilizado com a finalidade de proteger os interesses daqueles que se sentem prejudicados pelo exercício passado de liberdade juridicamente orientada. (ÁVILA, 2011, p.362 e 363).

A partir destas diferenças é possível notar que a segurança jurídica tem um

caráter mais objetivo, abstrato e genérico. Por outro lado, a proteção da confiança se

aplica de forma mais subjetiva, concreta, individualizada e sempre com a finalidade

de proteger os interesses daqueles que se sentem prejudicados pelo "exercício

passado de liberdade juridicamente orientada." (ÁVILA, 2011, p.363).

Sendo assim, conclui-se que o princípio da proteção da confiança decorre

do princípio do segurança jurídica, que decorre do princípio do Estado de Direito, ou,

conforme Humberto Ávila:

[...] o princípio da proteção da confiança representa uma aplicação reflexiva, subjetiva e concretamente orientada do princípio objetivo da segurança jurídica, sendo um veículo de proteção "de uma confiança". (ÁVILA, 2011, p. 363)

Analisar-se-á a seguir o princípio da proteção da confiança.

3.4 O PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO DA CONFIANÇA

3.4.1 - Conceito

O princípio da proteção da confiança, conforme visto, origina-se do princípio

maior, segurança jurídica. É, segundo Humberto Ávila, uma aplicação reflexiva,

subjetiva e concretamente orientada deste princípio.

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Diversos autores apresentaram seus conceitos deste relevante princípio,

sendo comum nestes conceitos, quando relativos ao Direito Público, os elementos

tempo, atividade ou ato estatal, aplicação subjetiva, expectativas legítimas,

frustração e a própria confiança.

Assim, Valter Shuenquener de Araújo conceitua o princípio da proteção da

confiança como:

[...] uma norma com pretensão de complementaridade e com alcance determinável pelo caso concreto e impeditiva ou atenuadora dos possíveis efeitos negativos decorrentes da frustração, pelo Estado, de uma expectativa legítima do administrado ou jurisdicionado. É um instituto extraído, essencialmente, do princípio da segurança jurídica e do Estado de Direito, e que tem como meta precípua defender, em caráter complementar aos direitos fundamentais, as expectativas legítimas dos administrados contra atos ou omissões estatais. (ARAÚJO, 2009, p. 239)

A pretensão de complementaridade adviria exatamente de complementar a

proteção decorrente da segurança jurídica, para as esferas onde ela não alcança

objetivamente, ou seja, a proteção subjetiva voltada para as expectativas legítimas

dos indivíduos.

Por outro lado, apesar de considerar a proteção da confiança como a

aplicação da segurança jurídica de forma subjetiva, Almiro do Couto e Silva entende

que a proteção da confiança não se caracteriza como outro princípio, mas sim como

uma ramificação de natureza objetiva do princípio da segurança jurídica. Entretanto,

faz referência explícita à outra posição:

A segurança jurídica é entendida como sendo um conceito ou um princípio jurídico que se ramifica em duas partes, uma de natureza objetiva e outra de natureza subjetiva. A primeira, de natureza objetiva, é aquela que envolve a questão dos limites à retroatividade dos atos do Estado até mesmo quando estes se qualifiquem como atos legislativos. Diz respeito, portanto, à proteção ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada. Diferentemente do que acontece em outros países cujos ordenamentos jurídicos frequentemente têm servido de inspiração ao direito brasileiro, tal proteção está há muito incorporada à nossa tradição constitucional e dela expressamente cogita a Constituição de 1988, no art. 5o, inciso XXXVI. A outra, de natureza subjetiva, concerne à proteção à confiança das pessoas no pertinente aos atos, procedimentos e condutas do Estado, nos mais diferentes aspectos de sua atuação. Modernamente, no direito comparado, a doutrina prefere admitir a existência de dois princípios distintos, apesar das estreitas correlações existentes entre eles. Falam os autores, assim, em princípio da segurança jurídica quando designam o que prestigia o aspecto objetivo da estabilidade das relações jurídicas, e em princípio da proteção à confiança, quando aludem ao que atenta para o aspecto subjetivo. Este último princípio (a)

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impõe ao Estado limitações na liberdade de alterar sua conduta e de modificar atos que produziram vantagens para os destinatários, mesmo quando ilegais, ou (b) atribui-lhe consequências patrimoniais por essas alterações, sempre em virtude da crença gerada nos beneficiários, nos administrados ou na sociedade em geral de que aqueles atos eram legítimos, tudo fazendo razoavelmente supor que seriam mantidos. (COUTO E SILVA, 2004b, p. 36-37)

Assim, novamente, a proteção da confiança está relacionada a uma situação

concreta, subjetiva, resultante da frustração de uma expectativa legítima do

indivíduo por parte do Estado, impondo-lhe limitações na liberdade de alterar ou

modificar seus atos ou condutas, ou atribuindo-lhe consequências patrimoniais por

essas alterações.

Finalmente, transcreve-se o conceito de proteção da confiança de Humberto

Ávila:

O chamado princípio da proteção da confiança serve de instrumento de defesa de interesses individuais nos casos em que o particular, não sendo protegido pelo direito adquirido ou pelo ato jurídico perfeito, em qualquer âmbito, inclusive no tributário, exerce a sua liberdade, em maior ou menor medida, confiando na validade (ou na aparência de validade) de um conhecido ato normativo geral ou individual e, posteriormente, tem a sua confiança frustrada pela descontinuidade da sua vigência ou de seus efeitos, quer por simples mudança, quer por revogação ou anulação, quer, ainda, por declaração da sua invalidade. Por isso, o princípio da proteção da confiança envolve, para a sua configuração, a existência de (a) uma base de confiança, de (b) uma confiança nessa base, do (c) exercício da referida confiança na base que a gerou e da (d) sua frustração por ato posterior e contraditório do Poder Público. (ÁVILA, 2011, p. 360).

Além dos elementos já destacados anteriormente, no conceito de Humberto

Ávila fica ainda mais clara a aplicação da proteção da confiança como instrumento

de defesa dos direitos individuais e nas hipóteses em que o particular não estiver

protegido objetivamente pelo direito adquirido ou pelo ato jurídico perfeito.

Além disso, Humberto Ávila enumera os elementos necessários para a

aplicação do princípio da proteção da confiança, que seriam uma base de confiança;

uma confiança nessa base; o exercício da confiança na base que a gerou; e a

frustração por ato posterior e contraditório do Poder Público.

Resumidamente, poder-se-ía dizer que o princípio da proteção da confiança

decorre da segurança jurídica, porém se aplica de forma subjetiva e em situações

concretas, quando, a partir de uma situação de confiança gerada pelo Estado, seja

em razão de alguma norma jurídica, seja em razão de atos próprios, o indivíduo cria

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expectativas e age conforme estas expectativas, que posteriormente são frustradas

pelo Estado em razão da alteração das normas, ou mudança de seus atos.

3.4.2 - Fundamentação Constitucional

Apesar de não haver previsão explícita do princípio da proteção da

confiança na Constituição Federal brasileira, a confiança é um valor que irradia da

própria essência da Constituição e das relações previstas nela, sendo claras as

diversas manifestações desse princípio de forma implícita, ao longo de seus mais de

duzentos artigos.

A confiança é valor essencial ao próprio ordenamento jurídico, sendo

equivocada a alegação da possibilidade de um sistema jurídico sem a proteção da

confiança:

Dentro da extrema mobilidade do mundo e da alta complexidade das sociedades de risco contemporâneas, o sistema jurídico se presta a fornecer estabilidade, se presta a acolher as expectativas legitimamente criadas e, portanto, a proteger a confiança. Se assim não for; a ordem jurídica confundir-se-á com os elementos do ambiente, sociais, econômicos, morais... enfim, fundir-se-á com os demais sistemas e desaparecerá como instrumento que possibilita a vida, o convívio e a tomada de decisões assentadas em um mínimo de confiança. Por isso mesmo, alguns filósofos contemporâneos realçam o fato de que, embora o sistema jurídico seja hermenêutica e cognitivamente aberto, ele somente opera fechado, e se reproduz a partir de si mesmo. O conhecimento jurídico somente é possível a partir desse fechamento e exatamente em razão dele, como quer LUHMANN. (DERZI, 2009, p. 316)

Assim, a Constituição por ser a base de todo o ordenamento jurídico

assimila a proteção da confiança na sua própria essência, caso contrário, a

Constituição confundir-se-ia com os demais sistemas sociais, econômicos, morais,

sendo incapaz de possibilitar as relações que disciplina, como a possibilidade da

vida, convívio e tomada de decisões.

Por outro lado, tendo em vista que o princípio da proteção da confiança

decorre do princípio explícito do Estado de Direito e do também princípio implícito da

segurança jurídica, conforme demonstrado, o princípio da proteção da confiança tem

sua fundamentação na própria Constituição Federal brasileira.

Humberto Ávila discorre sobre o equívoco comum de que a proteção da

confiança, por não ser positivada por regra constitucional expressa, como ocorre

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com o direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada, para alguns, poder-se-ía

levar ao entendimento de que a Constituição Federal vigente teria negado proteção

à confiança:

Ao contrário do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada, porém, que são protegidos por uma regra constitucional expressa, a confiança legítima, concernente a atos iniciados (mas do ponto de vista da regra imediatamente aplicável, ainda não concluídos), não é amparada por qualquer regra constitucional expressa. Isso poderia levar ao entendimento de que, protegendo apenas algumas situações envolvendo o exercício passado da liberdade juridicamente orientada, e não outras, a CF/88 teria negado proteção às expectativas de direito. Tal entendimento, todavia, não merece prosperar. (ÁVILA, 2011, p. 362).

Humberto Ávila demonstra então a fundamentação constitucional da

proteção da confiança que advém do princípio da segurança jurídica e também dos

direitos fundamentais:

Isso porque o catálogo dos direitos e garantias individuais expressamente consigna que "os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte" (art. 5o, § 2o). Essa ressalva final, portanto, é expressa ao incorporar outros direitos e garantias decorrentes dos princípios adotados pela Constituição - como é o caso, precisamente, dos direitos e das garantias decorrentes do princípio da segurança jurídica e dos direitos fundamentais expressamente consagrados. Sendo assim, e porque a proteção da confiança é uma eficácia reflexa do princípio da segurança jurídica, em conjunto com os direitos fundamentais de liberdade e de propriedade, e com os princípios definidores da atuação estatal, não há razão para preexcluir a proteção da confiança do rol de direitos e garantias previstos pela CF/88. A sua falta de previsão expressa possui apenas o efeito de a sua proteção depender de uma ponderação concreta com outros princípios eventualmente colidentes e da sua relação com os direitos fundamentais de liberdade, de propriedade e de igualdade; ao contrário do que ocorre com as regras que protegem o direito adquirido, o ato jurídico perfeito, a coisa julgada e o fato gerador ocorrido do ponto de vista legal. (ÁVILA, 2011, p. 362).

Assim, o princípio da proteção da confiança é um princípio constitucional

implícito e deve ser aplicado com essa relevância constitucional. Entretanto,

conforme suscitado por Humberto Ávila, sua aplicação depende de uma ponderação

com eventuais princípios colidentes, numa situação concreta, uma vez que, em

determinados casos, a uma primeira vista, o princípio da proteção da confiança

poderia entrar em conflito com os princípios da legalidade e também da própria

segurança jurídica, conforme será analisado no próximo item.

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Por outro lado, vale mencionar também, que a proteção da confiança

também é assegurada pelo Código Tributário Nacional, em seu artigo cem,

parágrafo único:

Art. 100. São normas complementares das leis, dos tratados e das convenções internacionais e dos decretos: I - os atos normativos expedidos pelas autoridades administrativas; II - as decisões dos órgãos singulares ou coletivos de jurisdição administrativa, a que a lei atribua eficácia normativa; III - as práticas reiteradamente observadas pelas autoridades administrativas; IV - os convênios que entre si celebrem a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. Parágrafo único. A observância das normas referidas neste artigo exclui a imposição de penalidades, a cobrança de juros de mora e a atualização do valor monetário da base de cálculo do tributo. (BRASIL, 2011, p. 227).

Assim, conforme Sacha Calmon:

Noutras palavras, se o contribuinte age de conformidade com a orientação do Fisco, acatando os atos administrativos normativos mencionados no art. 100, pouco importando a nomenclatura oficial, fica totalmente livre de multas, juros e correção monetária. Pagará unicamente, se for o caso, o tributo que deixou de recolher por força da orientação equivocada que a Administração lhe passou através das pré-faladas normas complementares. (COÊLHO, 2010, p.544)

Nesse sentido também se expressa Aliomar Baleeiro:

Considera-se como boa interpretação aquela que resulta de antiga, iterativa e pacífica aplicação da lei sob determinada diretriz por parte do próprio Fisco. Se as autoridades deram sentido uniforme a uma disposição, entende-se tal inteligência como a mais compatível com o texto. (BALEEIRO, 2006, p.648-649)

Conclui-se então que a proteção da confiança é de grande relevância para

todo o ordenamento jurídico, sendo inclusive valor essencial deste, e é protegida, no

que diz respeito a este trabalho, tanto pela Constituição Federal brasileira, como

pelo CTN.

3.4.3 - Conflitos com os Princípio da Legalidade e da Segurança Jurídica

O princípio da proteção da confiança em alguns casos pode entrar em

conflito com os princípios da Legalidade e da segurança jurídica.

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Esse conflito decorre principalmente da situação em que o contribuinte

confiou e criou expectativas legítimas em determinado ato administrativo, em razão

da presunção ou aparência de sua legalidade e, por motivo de algum vício, esse ato

foi posteriormente considerado ilegal.

Essa situação traz forte conflito com o princípio da proteção da confiança

uma vez que, em razão da ilegalidade ou nulidade do ato, a administração pública,

pelo princípio da legalidade teria que aplicar a lei e consequentemente anular esses

seus atos e os efeitos e consequências deles decorrentes.

Entretanto, tendo em vista que foi a própria administração pública que levou

o contribuinte ao erro, seria injusta e arbitrária qualquer atitude do Poder Público no

intuito de penalizar o indivíduo que confiou no ato estatal.

Em diversas ocasiões, a solução oferecida pelo princípio da proteção da confiança afronta diretamente uma previsão legal ou mesmo constitucional. Isso é comum quando um ato inválido dá origem a uma expectativa legítima favorável ao cidadão. [...] A solução dada pelo princípio da legalidade é a imediata anulação, com efeitos ex tunc, do ato benéfico ao administrado. O pensamento em torno do princípio da proteção da confiança é que vai oferecer subsídios para a preservação da situação do particular em dissonância com a previsão legal. Ao fazer isso, o referido instituto retira da autoridade pública um dever, inconteste, de expulsar todo e qualquer ato inválido do ordenamento. O princípio da proteção da confiança acaba criando obstáculos para o desfazimento de um ato administrativo ilegal, se o seu beneficiário tiver nele confiado. Ele reforça a ideia de que não existe um cego dever para o Administrador de anular todos os atos estatais que contenham vícios, pois inúmeros outros fatores podem aconselhar sua manutenção. (ARAÚJO, 2009, p.129)

Desta forma, o princípio da proteção da confiança vedaria a anulação do ato

ilegal ou nulo, relativizando a aplicação mecânica ou automática do princípio da

legalidade, sendo necessária a avaliação do caso concreto para apurar a melhor

forma de sua aplicação.

A invariável aplicação do princípio da legalidade da Administração Pública deixaria os administrados, em numerosíssimas situações, atônitos, intranquilos e até mesmo indignados pela conduta do Estado, se a este fosse dado, sempre, invalidar seus próprios atos - qual Penélope, fazendo e desmanchando sua teia, para tornar a fazê-la e tornar a desmanchá-la - sob o argumento de ter adotado uma nova interpretação e de haver finalmente percebido, após o transcurso de certo lapso de tempo, que eles eram ilegais, não podendo, portanto, como atos nulos, dar causa a qualquer consequência jurídica para os destinatários. (COUTO E SILVA, 2004, Princípios da legalidade..., p. 14)

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Vale mencionar importante observação feita por Weida Zancaner em relação

ao princípio da legalidade, transcrita na obra de Araújo:

Segundo WEIDA ZANCANER, “O princípio da legalidade visa a que a ordem jurídica seja restaurada, mas não estabelece que a ordem jurídica deva ser restaurada pela extinção do ato inválido. (...) Assim, o princípio da legalidade não predica necessariamente a invalidação, como se poderia supor, mas a invalidação ou a convalidação, uma vez que ambas são formas de recomposição da ordem jurídica violada”. (ZANCANER apud ARAÚJO, 2009, p. 129-130).

O princípio da legalidade visa que a ordem jurídica seja restaurada, mesmo

que isso implique na não invalidação do ato, pois a correção rígida e irrestrita do ato

equivocado, nulo ou ilegal, pode e causa, muitas vezes prejuízos muito maiores ao

próprio ordenamento jurídico do que a sua manutenção.

Esse entendimento poderia levar à conclusão de que, se é possível a

validação de um ato ilegal ou nulo, então não se é possível falar em segurança

jurídica e Estado de Direito. Desta forma, o princípio da proteção da confiança

geraria insegurança jurídica.

Entretanto é da essência do próprio Estado de Direito a confiança dos

cidadãos nos atos do Estado. O Estado pratica os atos de sua competência a partir

de sua legitimação reconhecida pelos indivíduos para a prática destes atos. Essa

legitimação decorre da confiança que os cidadãos possuem no Estado para praticar

esses atos.

Assim, a prática de qualquer ato por parte do Estado induz uma aparência

de legalidade do ato para o particular. Se o Estado cria essa confiança e leva os

indivíduos a praticarem atos, a planejarem ações e a acreditarem nos possíveis

resultados para suas ações, a quebra dessa confiança depositada, implicando na

invalidação de um ato irregular praticado pelo Estado, causará segurança jurídica

maior para aquele ou aqueles cidadãos diretamente afetados pela invalidação do ato

do que a validação deste ato irregular para o restante da sociedade.

Os atos do Estado, sejam eles de origem do Poder Legislativo, Executivo ou

Judiciário deverão ser sempre voltados para aplicação no futuro, sendo certo que

não é possível exigir do particular que ele modifique atos seus realizados no

passado, principalmente se decorrentes de expectativas criadas pelo próprio Estado.

Neste contexto, deve prevalecer o princípio da proteção da confiança em

relação ao princípio da legalidade, pois princípios tais como o do Estado de Direito,

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ou mesmo o princípio da Justiça impedem que o particular sofra todas as

consequências danosas de um ato ilegal ou irregular praticado pelo Estado:

O Estado não deve, conforme pontifica HARMUT MAURER, deslocar para os particulares todas as consequências danosas advindas da produção de um ato ilegal. Ao longo da História, o processo de secularização e a transformação do Estado em um Estado de Direito impede que o Poder Público se exima dos danos que venha a causar aos cidadãos. É por isso, inclusive, que o desfazimento de um ato administrativo ilegal deve levar em consideração a confiança nele depositada pelo seu beneficiário. (ARAÚJO, 2009, p 135-136)

Além disso, conforme exposto no item sobre segurança jurídica, o princípio

da segurança jurídica não deve ser visto apenas como a observância rígida e restrita

ao cumprimento da lei, mas sim como a segurança de todo o ordenamento jurídico,

baseada na adoção de comportamentos, por parte dos três Poderes, que contribuam

mais para um estado elevado de confiabilidade e de calculabilidade jurídica (ÁVILA,

2011, p. 282-283).

Desta forma, a aplicação do princípio da legalidade em detrimento do

princípio da proteção da confiança ou vice-versa dependerá da análise do caso

concreto e, principalmente, do grau de confiança depositada pelo particular no ato

do Estado que justificará a manutenção do ato irregular em nome da segurança do

próprio ordenamento e do Estado de Direito.

3.4.4 - Requisitos para sua Aplicação

As diversas posições doutrinarias a respeito dos requisitos para a aplicação

do princípio da proteção da confiança apresentam como características semelhantes

a) alguma atividade Estatal que tenha gerado uma base para a confiança ou

expectativas legítimas; b) a confiança gerada que orientou alguma atividade do

particular; c) a quebra desta confiança através de um comportamento contraditório

por parte do Estado.

Valter Shuenquener de Araújo (2009, p.82) relaciona como requisitos para a

aplicação do princípio da proteção da confiança a a) base da confiança; b) a

existência subjetiva da confiança; c) o exercício da confiança através de atos

concretos; e d) o comportamento estatal que frustre a confiança.

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A base da confiança é o “comportamento, omissão ou ato normativo estatal

(lei, decreto, portaria, decisão judicial, práticas da Administração etc.) que origina a

confiança. É o que vai servir para introduzir a confiança na mente dos particulares.”

(ARAÚJO, 2009, p. 83).

Valter Araújo destaca que a informação incorreta fornecida pelo Estado

também se caracteriza como base da confiança:

Sob outro prisma, o princípio da proteção da confiança também pode ser empregado quando um particular recebe uma informação estatal incorreta. A base da confiança pode, portanto, se estabelecer mediante um comunicado equivocado. O princípio ganha lugar nessa situação, porque há uma presunção de legitimidade dos atos administrativos. Ainda que contenham dados incorretos, os atos podem ser capazes de levar o particular a crer no seu conteúdo e a agir de uma determinada maneira que mereça ser tutelada. A atuação do particular com base na orientação recebida dá origem a expectativas que podem ser frustradas, caso o Estado decida reverter sua orientação equivocada para adequá-la ao que seria correto. (ARAÚJO, 2009, p. 84).

A existência da confiança no plano subjetivo implica na necessidade de que

o sujeito tenha de fato confiado na continuidade do ato estatal. Se o indivíduo

desconhece o ato estatal, ou não acredita em sua validade ou continuidade, o

princípio não se aplica.

Por sua vez, o exercício da confiança através de atos concretos significa que

a confiança deve sair do plano subjetivo, psíquico para o plano concreto. Valter

Araújo transcreve trecho da tese de doutorado de Patrícia Ferreira Baptista, em que

deixa claro que,

o particular deve de algum modo ter posto em prática a sua confiança, traduzindo-a em determinados comportamentos, comissivos ou omissivos, em prova de sua boa-fé (...) se o beneficiário não tiver expressado de algum modo a sua confiança, nada haverá a se proteger, admitindo-se a retirada do ato e o restabelecimento da situação anterior, uma vez que isso não provocará um prejuízo maior para o destinatário. (BAPTISTA apud ARAÚJO, 2009, p. 97).

O comportamento estatal que frustre a confiança é aquele ato praticado em

momento posterior e em sentido contrário ao ato ou omissão que serviu de base à

confiança.

Vale destacar que somente frustrará a confiança e as expectativas legítimas

do particular aquele ato estatal que for desfavorável ao indivíduo. O ato estatal que

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lhe trouxer benefícios não lhe trará frustração. Neste último caso não caberá o

princípio da proteção da confiança.

Misabel Derzi relaciona os requisitos de aplicação do princípio da proteção

da confiança:

De modo geral, pode-se realçar que são necessários (I) o pressuposto fático (o Tabestand) da confiança, atribuível àquele que a gera e mais, exige-se certa tipicidade da confiança, pois ela não se dá às cegas; (II) a boa fé daquele que confia; (III) a confiança protegida não pode ser “interior”, fruto singelo da consciência subjetiva ou subconsciência da pessoa que confia, mas ela deverá ter sido objetivada “em certa medida”, por meio de disposições tomadas ou por meio de investimentos de confiança; (IV) a imputabilidade, ou seja, a responsabilidade pela confiança deve ser imputável ao responsável, se houver relação direta, causal, entre o fato e as disposições ou os investimentos feitos por aquele que confiou. (DERZI, 2009, p. 343).

Note-se que o pressuposto fático corresponde à base da confiança. A

existência subjetiva da confiança é exatamente a boa-fé daquele que confia. Por sua

vez, a confiança objetivada por meio de disposições tomadas ou por meio de

investimentos de confiança caracteriza-se como o exercício da confiança através de

atos concretos. Finalmente, os requisitos trazidos por Misabel Derzi vão um pouco

além dos requisitos de Valter Araújo, pois, além de demonstrar o comportamento

estatal que frustre a confiança, existe também a necessidade da imputação da

quebra da confiança ao responsável, a partir da relação direta, causal, entre o fato e

a confiança quebrada.

Finalmente, apesar de as análises anteriores dos requisitos serem

suficientes e úteis à aplicação do princípio da proteção da confiança em casos

concretos, entende-se que a análise minuciosa de Humberto Ávila desses requisitos

trouxe alguns elementos importantes que não devem ser deixados de fora, para a

ideal aplicação do princípio da proteção da confiança.

Assim Humberto Ávila, além de defender os requisitos base da confiança;

confiança; exercício da confiança; e frustração da confiança, elaborou sete regras

que devem ser observadas para a aplicação do princípio da proteção da confiança,:

1a regra – O grau de proteção da confiança será tanto maior quanto maior for o grau da presença dos elementos normativos, pertinentes à situação de fato, abaixo indicados: - vinculatividade – quanto maior for o grau de vinculação normativa do ato, maior deve ser a proteção da confiança nele depositada;

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- aparência de legitimidade do ato – quanto maior for o grau de aparência de legitimidade do ato, maior deve ser a proteção da confiança nele posta; - modificabilidade – quanto maior for o grau de permanência do ato, maior deve ser a proteção da confiança a ele atribuída; - efetividade – quanto maior o grau de realização da finalidade subjacente à regra supostamente violada, tanto maior deve ser a proteção dos efeitos do ato inquinado de ilegal; - indução – quanto maior o grau de indução decorrente do ato, maior deve ser a proteção merecida pela confiança com base nele exercida; - individualidade – quanto maior for o grau de proximidade do ato, maior deve ser a proteção da confiança nele depositada; - onerosidade – quanto maior for o grau de onerosidade do ato, maior deve ser a proteção da confiança nele recaída; - durabilidade – quanto mais duradoura no tempo for a eficácia temporal do ato, maior proteção merece a confiança nele depositada. 2a regra – Quanto maior for a presença do elemento durabilidade, isto é, quanto maior o tempo transcorrido entre a prática do ato e a decisão a respeito da sua anulação ou da sua revogação, tanto menos poderá ser a presença dos outros elementos. 3a regra – O baixo grau de presença de um elemento deve ser compensado pelo alto grau da presença dos outros. 4a regra – No caso de norma tributária com finalidade extrafiscal, deve-se afastar o efeito retroativo sempre que o objetivo puder ser atingido deixando os referidos atos passados de fora do âmbito normativo da nova lei e o efeito comportamental da mudança não atingir o comportamento dos contribuintes relativamente aos atos já praticados. 5a regra – Se o objetivo só puder ser atingido com a eficácia retrospectiva da nova lei, ele deverá ser tanto mais importante quanto mais intensamente forem restringidos os direitos de liberdade e de propriedade do cidadão. 6a regra – Os direitos de liberdade e de propriedade do cidadão são tanto mais restringidos quanto mais brusca e drástica for a modificação normativa, mais difícil a reversão das disposições, maior a dependência do ato e mais extensos os prejuízos causados. 7a regra – Ainda que o efeito retrospectivo seja necessário e a sua importância justifique a restrição da dimensão passada do princípio da segurança jurídica, ele deve ser afastado se a restrição da dimensão futura desse princípio for ainda mais restringida. (ÁVILA, 2011, p. 408-409).

A primeira regra se refere especificamente aos elementos que ajudam a

constituir a base da confiança.

Desta forma, a base da confiança vai adquirir caráter mais concreto de

acordo com a prevalência da maior quantidade destes critérios enumerados nesta

regra. Neste contexto, a pouco predominância ou até mesmo a inexistência de um

dos critérios não impede nem diminui a necessidade da proteção da confiança se a

incidência dos outros critérios for relevante, devendo-se destacar ainda que, dentre

todos os critérios, o temporal é o de maior importância, segundo Humberto Ávila:

A indicação dos critérios anteriores de verificação dos elementos da base da confiança demonstra que a sua configuração depende de vários elementos, e não um só. Cada critério, como visto, depende de uma

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verificação gradual: a base da confiança será tanto maior quanto mais intensamente estiver presente o elemento considerado. Vale dizer: o grau de intangibilidade do ato será tanto maior quanto maior for a presença dos elementos anteriormente mencionados. Dentre todos os elementos, o tempo é aquele que apresenta uma importância inversamente proporcional à de todos os outros: quanto maior o tempo transcorrido, tanto menores serão as exigências com relação aos outros elementos, até o ponto que, tendo transcorrido longuíssimo período, até um ato manifestamente nulo fica convalidado. (ÁVILA, 2011, p. 393-394)

O critério vinculatividade parte do pressuposto de que os atos estatais não

tem o mesmo grau de vinculação. Alguns decorrem de leis e normas do executivo,

outros de decisões judiciais, outros de atos ou decisões administrativas e outros de

atos administrativos reiterados não necessariamente formais.

O importante para a apuração do critério da vinculatividade é que, quanto

maior a vinculatividade, maior é a obrigação do estado e do indivíduo de cumprirem

a norma, principalmente em razão da menor capacidade de escolha que o cidadão

possuirá.

Em suma, admitindo o ato algum grau de disposição por parte do particular, quanto maior a sua vinculatividade, maior a expectativa que o cidadão deve ter com relação ao seu futuro cumprimento, pela menor capacidade de escolha da decisão a tomar e pela menor presença de circunstância justificadora da repartição do risco na tomada de decisão. (ÁVILA, 2011, p. 375)

O critério aparência de legitimidade do ato parte da premissa de que o ato,

praticado pelo agente público competente, goza de uma presunção de legitimidade.

O indivíduo deverá confiar minimamente na validade daquele ato estatal para que

ele seja passível da proteção da confiança.

Desta forma, atos visivelmente inconstitucionais, ou atos em que haja a

participação do cidadão na produção do vício podem possuir apenas uma limitada

proteção da confiança, devendo ser analisado no caso concreto e em conjunto com

os outros critérios.

Por outro lado, aquele que confiou no ato estatal, que presumidamente era

legítimo, tomando decisões e agindo conforme a orientação do Estado, deve ser

protegido contra o comportamento contraditório daquele, mesmo que o ato seja

ilícito.

Por sua vez, o critério da modificabilidade diz respeito à pretensão de

continuidade do ato que gerou a confiança. A partir dessa premissa, todos aqueles

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atos claramente transitórios, como por exemplo uma decisão de liminar, uma medida

provisória, ou até mesmo uma sentença não são beneficiados com o mesmo grau de

proteção da confiança de atos mais permanentes como decisões com efeitos de

coisa julgada material, leis, e súmulas vinculantes.

O critério da efetividade pode ser compreendido como o atendimento ao

objetivo do ato estatal, mesmo que através de ato irregular. Assim, se objetivo do ato

irregular era desenvolver determinada região, ou desonerar determinado setor,

quanto mais o resultado das ações decorrentes deste ato se aproximarem e

realizarem esses objetivos, maior proteção à confiança do particular ocorrerá.

No campo do Direito Tributário esse raciocínio é de extrema relevância, porquanto existem atos que, embora praticados em desacordo com as regras formais, atingem indiretamente a sua finalidade. É o caso dos benefícios fiscais setoriais concedidos onerosamente a determinados contribuintes, em troca de investimentos de caráter publicamente relevante. Nessa situação, ainda que tenha havido a concessão de benefício fiscal sem lei (ou sem convênio interestadual), não há prejuízo para o Estado, devido à realização de finalidades públicas; o eventual desequilíbrio de concorrência (em razão da onerosidade do benefício) pode ser atenuado, não se descartando, ipso facto, a proteção da confiança. (ÁVILA, 2011, p. 386-387)

O critério da indução é aquele que protege a confiança do particular que foi

levado a agir em decorrência de ato do Estado. Desta forma, caso o Estado por

meio de determinada ação, ato administrativo, ato legal, atividade, ou procedimento,

leve o particular a praticar um ato que não praticaria se não fosse induzido por esse

comportamento do Estado, esse particular merece ter sua proteção da confiança

ainda mais efetiva do que aquele particular que observou uma regra que não tivesse

essa finalidade indutora.

Não se pode, portanto, igualar o exercício permitido da liberdade com o seu exercício induzido; a lei que permite uma atuação com aquela que a induz. De fato, uma coisa é a imprevisão concernente à liberdade livremente concebida dentro dos limites do permitido; outra, a surpresa relativa à liberdade induzidamente exercida dentro dos limites do que passou a ser obrigatório. Lá, há mera surpresa do contribuinte, decorrente da prerrogativa legislativa ou administrativa de mudar; aqui, mais que surpresa, há engano do contribuinte, decorrente de deslealdade do Poder Público, que um dia incentiva, e em outro desconsidera. (ÁVILA, 2011, p. 387)

A violação deste critério ganha fervorosa crítica de Humberto Ávila (2011, p.

375) na questão relativa as normas de natureza extrafiscal, uma vez que estas têm

como finalidade atingir objetivos econômicos e fiscais por meio de indução

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comportamental. Desta forma, sua crítica se faz no sentido de que somente se é

possível induzir um comportamento com uma norma que tem efeitos para frente, do

presente para o futuro. Falar em eficácia retroativa de norma indutora, segundo ele,

é uma arbitrariedade e um embuste:

Por definição, uma norma jurídica não pode influir em um comportamento passado, só em uma ação futura. O homem não pode ser guiado por uma norma que não existia na época da sua ação. Uma vontade já manifestada no passado não pode sofrer influência de uma norma ainda não existente. Na perspectiva dos direitos fundamentais e dos princípios que delimitam a atividade estatal, mais que uma contradição em termos, a eficácia retroativa das normas indutoras significa, respectivamente, uma arbitrariedade e um embuste: uma arbitrariedade, porque a sua aplicação relativamente a comportamentos já adotados, pouco importando a conclusividade das consequências normativas do ponto de vista legal, carece de justificação, pela impossibilidade de realização da finalidade legal consistente em alcançar objetivos econômicos ou sociais por meio de indução comportamental; e um embuste, porque revela uma atuação estatal totalmente desleal de, em um primeiro momento, estimular determinado comportamento e, em segundo, desconsiderar juridicamente a sua adoção, ainda fazendo com que o suposto objetivo de induzir se transforme em mero desejo de arrecadar. (ÁVILA, 2011, p. 390)

O critério da individualidade reforça a ideia de que, quanto mais específico o

ato, quanto mais individualizada for a destinação do ato, maior confiança vai gerar

no particular que está sujeito aos efeitos daquele ato. Tem-se a ideia de um direito

próprio daquele contribuinte específico e essa situação gera uma relação de

lealdade maior que merece assim uma proteção da confiança proporcional à

lealdade criada.

O critério da onerosidade parte da premissa de que muitos atos do Poder

Público criam ônus aos particulares. O fato de determinado ato do Estado ter criado

uma obrigação onerosa ao particular cria nele uma expectativa maior de que o

Estado preserve essa expectativa criada, ou, nas palavras de Humberto Ávila (2011,

p. 393), "se o contribuinte faz a sua parte, ele possui legítima expectativa de esperar

que o Estado também o faça".

É importante fazer uma ressalva, apesar de já ter sido esclarecido

anteriormente, que a falta de onerosidade não impede a proteção da confiança.

Existem diversas situações em que o indivíduo vai ter suas expectativas legítimas

frustradas pelo Poder Público, sem qualquer ônus patrimonial, mas totalmente

passíveis de serem protegidas pelo princípio da proteção da confiança, em razão da

forte manifestação dos outros critérios da base da confiança.

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Finalmente, o critério da durabilidade reforça a ideia de que a confiança vai

aumentando em razão de as dúvidas da aparência da legitimidade do ato irem

diminuindo com o passar do tempo dos efeitos do ato estatal. Ou seja, quanto maior

for o tempo em que o ato administrativo permanecer válido, maior a aparência de

que ele é legítimo.

Assim, a prática reiterada de determinado ato do Poder Público ao longo do

tempo, ou a demora excessiva em se revogar ou anular o ato leva o particular a

confiar cada vez mais na legitimidade do ato.

Dessa forma, o fator tempo amplia ainda mais a base da confiança, o que

leva à necessidade de uma proteção ainda mais efetiva contra a quebra dessa

confiança.

A análise das regras de aplicação da proteção da confiança sugeridas por

Humberto Ávila segue através da segunda regra que realça, exatamente, a

importância do critério da durabilidade, inclusive estabelecendo certa hierarquia

desse critério em relação aos demais critérios.

De acordo com a segunda regra, todos os outros critérios de

estabelecimento da base da confiança terão menos importância se o tempo

transcorrido entre a prática do ato e a decisão de anulá-lo ou revogá-lo for longo.

Isso porque, conforme afirmado, o longo curso do tempo fortalece o sentimento da

confiança de que o ato estatal ou a preservação da situação dele decorrente será

mantida.

A terceira regra apenas confirma que o importante para a verificação da

base da confiança não é a presença de todos os critérios, mas a análise do conjunto

dos critérios a partir da intensidade em que cada um deles se manifesta no caso em

análise.

Ou seja, a baixa presença de um dos critérios pode ser compensada pela

forte presença de outro, ou ainda, se for levado em conta a segunda regra, o baixo

grau de presença de todos os critérios pode ser compensado pelo alto grau de

presença do tempo, ou durabilidade do ato.

A quarta regra trata dos casos de norma tributária com finalidade extrafiscal.

Tendo em vista que este tipo de norma possui objetivos econômicos e sociais e

procura realizá-los através de normas indutoras de comportamento, a proteção da

confiança se faz proibindo efeitos retroativos de atos contraditórios àqueles que

geraram a confiança do particular.

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A aplicação de efeitos retroativos certamente não fará com que a norma

alcance seus objetivos extrafiscais nem poderá alterar o comportamento já praticado

pelo particular. A utilização de efeitos retroativos nesta situação apenas alcançará

objetivos arrecadatórios com sérios prejuízos à segurança jurídica e ao Estado de

Direito.

A quinta regra trata de uma única possibilidade de exceção à quarta regra,

em que se admite aplicar efeitos retroativos à norma extrafiscal, que é quando

finalidade legal da norma for mais importante que assegurar os direitos

fundamentais de liberdade e propriedade do cidadão.

Configurada a hipótese de protetividade da confiança, será preciso examinar se a finalidade da atribuição de efeitos também aos atos praticados no passado é essencial para a realização da finalidade. Caso essa eficácia seja necessária, e somente nesse caso, far-se-á uma ponderação entre o princípio da segurança jurídica e a finalidade pública a ser perseguida, cabendo ao Estado justificar, com redobrado ônus argumentativo, a maior importância da realização da finalidade pública. Somente nesse caso, portanto, é que a modificação normativa poderá atingir situações ocorridas, mas não consumadas, no passado. Em todos os outros casos a modificação normativa deverá ter eficácia pro futuro. Isso demonstra que não se pode conceder um mero afastamento do princípio da proteção da confiança por "razões superiores de Estado", como sustenta a doutrina estrangeira. (ÁVILA, 2011, p. 405-406)

A sexta regra estabelece os requisitos para se apreciar o grau de restrição

aos direitos fundamentais de liberdade e propriedade do cidadão que o ato do Poder

Público gera, de forma a permitir a ponderação entra a finalidade da norma e a

proteção da confiança do particular.

Desta forma, quanto mais drástica for a modificação normativa, quanto mais

difícil for a reversão das disposições dela decorrentes, quanto maior for a

dependência do ato e quanto mais extensos forem os prejuízos causados, maior a

restrição dos direitos de liberdade e propriedade e maior será a necessidade de o

Estado fundamentar e justificar a importância da realização da finalidade pública.

Finalmente, a sétima regra trata da restrição do princípio da segurança

jurídica quando se utiliza do efeito retrospectivo de determinada norma, em razão de

uma importante finalidade pública justificada.

Esta regra dispõe que o efeito retrospectivo deve ser afastado se a restrição

da dimensão futura da segurança jurídica for afetada de forma ainda mais relevante

do que em sua dimensão passada.

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Com efeito, o cidadão que tem uma frustração intensa relativamente ao exercício passado de sua liberdade, ainda que essa frustração tenha sido justificada por uma finalidade pública relevante, levará em consideração, nas suas ações futuras, a possibilidade de ter o exercício da liberdade novamente frustrado, eventualmente deixando até mesmo de agir. Sendo assim, mesmo ultrapassada, com sucesso, a ponderação inicial entre o princípio da proteção da confiança e a finalidade pública, ainda assim será preciso verificar se a finalidade pública justifica as outras restrições provocadas no princípio da segurança jurídica como um todo. Em outras palavras, quer-se dizer que a importância da eficácia retrospectiva da modificação normativa para a realização da finalidade pública deve justificar todas as restrições ao princípio da segurança jurídica, e não somente a restrição do princípio da proteção da confiança legítima. Mais uma vez: ou a segurança jurídica é inteira, ou não é segurança jurídica. (ÁVILA, 2011, p. 407)

Além dessas regras, que permitem apurar com certo rigor científico a base

da confiança que justifica a aplicação da proteção da confiança, Humberto Ávila,

assim como os outros juristas citados anteriormente, também estabelece como

requisitos para a aplicação do princípio da proteção da confiança, a própria

confiança, o exercício da confiança e a frustração da confiança.

Assim, segundo Humberto Ávila (2011, p. 397), para que haja a confiança, é

necessário que o cidadão tenha confiado na base da confiança e, para isso, é

necessário que ele tenha tomado conhecimento deste elemento.

A confiança surge então da publicação da lei, intimação do ato

administrativo ou decisão administrativa.

O exercício da confiança se caracteriza pelo fato de o indivíduo ter

materializado, colocado em prática o exercício da confiança que depositou no ato

estatal.

E mais, conforme Humberto Ávila, quando se trata da proteção do interesse

individual de alguém, esse alguém deve provar seu exercício da confiança:

No entanto - e nessa perspectiva o eixo de fundamentação se altera -, se a questão diz respeito à proteção do interesse individual de alguém, então, deve ser comprovado que a mudança normativa provocou efeitos que comprometeram, injustificadamente, o exercício passado de uma liberdade juridicamente orientada. Nessa hipótese são indispensáveis, sim, provas a respeito do exercício da liberdade, desta ou daquela forma, com esta ou aquela intensidade. É imprescindível a demonstração individual, baseada nos direitos fundamentais e na dimensão subjetiva do princípio da segurança jurídica, de que a aceitação da validade da mudança restringirá injustificadamente os direitos de liberdade, de propriedade ou de igualdade de alguém. (ÁVILA, 2011, p. 399-400)

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Finalmente, a frustração da confiança pressupõe a confiança de um cidadão

em um ato estatal anterior que foi frustrada por uma nova manifestação estatal

posterior em sentido contrário. Entretanto isso não pressupõe um engessamento do

ordenamento jurídico e da atuação estatal, pois não é qualquer frustração que faz

surgir a proteção da confiança.

Apenas comportamentos contraditórios estatais que afetem diretamente

direitos fundamentais, tais como os direitos fundamentais de liberdade e propriedade

é que são dignos de proteção, uma vez que esses direitos devem estar em harmonia

com os interesses da maioria.

3.4.5 - Aplicação do Princípio da Proteção da Confiança

A aplicação do principio da proteção da confiança pode ser materializada de

diversas formas, conforme o caso concreto. Entretanto, antes de se relacionar essas

formas e o efeitos que elas vão trazer, é importante trazer observação de Misabel

Derzi sobre o sujeito ativo da proteção da confiança.

Segundo Misabel Derzi, o sujeito merecedor da proteção da confiança, ou

seja, o destinatário de ter sua confiança protegida é sempre o particular, quando a

relação se der entre Estado e particular:

(II) é notável a relação de dependência do cidadão em face do Estado, em seus atos de intervenção e de regulação, de modo que o Ente estatal tem mais recursos, e muito mais abrangentes, para se prevenir de uma decepção (a criação de novos tributos é apenas um exemplo entre outros). Nessas hipóteses, aplica-se a regra "quanto mais, tanto mais". Segundo BLANKE e também MUCKEL, para a estruturação da proteção da confiança, deve ser ainda considerada como determinante a fórmula "quanto mais tanto mais" (je-desto-Formel), que O. BACHOF desenvolveu no Seminário de Ensino sobre o Estado de Direito" de 1973, que diz o seguinte: "quanto maior for a pressão da obrigatoriedade exercida pelo poder público, vinculando respectivamente o comportamento do indivíduo, e quanto mais o indivíduo ficar dependente de uma decisão do poder público, mais fortemente ele dependerá da possibilidade de poder confiar nessa decisão." Na verdade, as lições acima repetidas e registradas nos tópicos anteriores apenas confirmam as afirmações de NIKLAS LUHMANN, no sentido de que todo aquele que tem posição soberana em relação aos acontecimentos/eventos não tem confiança a proteger. O Estado é que tem domínio sobre os atos praticados por seus três Poderes; (III) se a proteção fosse considerada em favor do Estado, poderia ficar vulnerado o Estado de Direito, já que, apoiado na sua confiança, o Estado não poderia alcançar uma posição jurídica melhor frente ao cidadão que, de qualquer modo, já resulta da lei, ou seja, no Direito público, direitos e deveres dos cidadãos decorrem diretamente da lei;

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(IV) os atos, ações e omissões do cidadão em face do Estado, abusivos ou fraudulentos, delituosos e de má-fé, todos já são previstos e sancionados nos termos da lei, mas é significativo, como explica WEBER-DÜRLER, "que, nesse contexto, sempre se fale do abuso de direito do cidadão, e não da proteção da confiança do Estado". (DERZI, 2009, p. 605-606)

Assim, com muita propriedade, fica claro que quando existente, a proteção

da confiança deve ser sempre a favor do contribuinte contra o Estado, em razão da

fórmula tanto mais quanto mais que demonstra a relação de dependência e sujeição

do particular à confiança nos atos e normas estatais e em razão do Estado ter a

posição soberana em relação aos acontecimentos e eventos sobre os quais é

gerada a confiança.

Desta forma, a proteção da confiança sempre alcançará o particular em

detrimento do Poder Público, quando preenchidos os requisitos que permitem sua

aplicação.

Segundo Valter Shuenquener de Araújo (2009, p. 207), a proteção da

confiança pode se materializar de forma procedimental ou substancial.

A proteção procedimental ocorre quando é realizado um procedimento, com

a participação do contribuinte, que evite a decisão estatal capaz de frustrar a

expectativa legítima daquele. Ocorre, portanto, antes da realização do ato estatal.

Valter Shuenquener de Araújo (2009, p. 213) esclarece que essa proteção

da confiança é difundida amplamente no Direito anglo-saxônico e se caracteriza pela

conexão com o direito do particular de ser ouvido previamente à mudança do

comportamento estatal e, além disso, essas manifestações do particular devem ser

de fato apreciadas e analisadas antes da realização do ato por parte do Estado.

Esse tipo de proteção da confiança é extremamente vantajoso e pode evitar

de fato a frustração das expectativas legítimas.

A proteção procedimental permite maior participação democrática na formação da vontade estatal e viabiliza que os particulares afetados pela violação da confiança sejam ouvidos e considerados na avaliação do Estado quando da edição de seus atos. Além de esse procedimento reduzir o risco de frustração das expectativas dos administrados, ele contribui, sobremaneira, para a diminuição do sentimento de injustiça que pode surgir, caso a frustração da expectativa realmente se confirme. (ARAÚJO, 2009, p. 216).

Além disso, para que se realize essa modalidade de confiança, é

fundamental que a intenção de modificação de ato ou decisão estatal sejam

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amplamente publicados para que os interessados tenham garantido seu direito de se

manifestar e que a autoridade estatal que for ouvir esses interessados seja

imparcial.

A proteção substancial da confiança, por sua vez, materializa-se pela a)

preservação do ato; b) proteção por meio da criação de regras de transição; e c)

proteção compensatória. (ARAÚJO, 2009, p.220).

A proteção através da preservação do ato implica, segundo Araújo (2009, p.

221), na obrigação do Estado em fazer subsistir o ato que originou a expectativa do

particular.

Desta forma, o Poder Público não pode revogar ou tomar atitude contrária

àquele seu ato pretérito que gerou expectativas legítimas e levou o particular a

realizar atos e planejamentos com base na expectativa de manutenção do ato

administrativo e de seus efeitos. O Poder Público não pode se opor a fato que ele

mesmo deu causa.

Esta proibição de comportamento contraditório ganha especial conotação

quando o indivíduo já praticou atos que já não podem mais ser desfeitos, baseados

na confiança em ato estatal, e o Estado muda seu posicionamento, querendo impor

a mudança de conduta, o que não é mais possível, ou o recolhimento da diferença

de tributos, acrescidos de altas multas e correção monetária.

A atitude estatal nesse caso revela extrema deslealdade e é proibida pela

aplicação dos princípios da Confiança, segurança jurídica e Estado de Direito.

Pode-se dizer, portanto, que a sanção primordial à conduta contraditória é a inadmissão ou impedimento do exercício da situação jurídica subjetiva em violação à boa-fé e à legítima confiança. (SCHREIBER, 2007, p. 164)

Nesse sentido, Humberto Ávila demonstra que a modificação de um ato

administrativo só pode ter eficácia para o futuro, devendo-se preservar o ato

administrativo pretérito e seus efeitos, protegendo os atos do particular no passado,

contra os efeitos do comportamento contraditório do Estado.

É precisamente nessa direção que o art. 146 do Código Tributário Nacional estabelece que a mudança de orientação da Administração só tem eficácia com relação aos casos futuros, não alcançando, portanto, os casos passados. Embora esse dispositivo pressuponha a validade do ato normativo modificado, a eficácia reflexa do princípio da segurança jurídica

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protege aqueles contribuintes que atuaram com base na presunção da validade antes de sua modificação. (ÁVILA, 2011, P. 451)

Misabel Derzi (2010a, p. 254) traz em nota de atualização à Baleeiro a

questão da irretroatividade do direito, conceito mais amplo do que irretroatividade

das leis, que demonstra essa vedação ao comportamento contraditório e a

manutenção do ato para todos os Poderes.

Assim, a proibição de comportamento contraditório, além de ser uma

prescrição proibitiva decorrente da aplicação do princípio da confiança, também é

corolário de princípios como os do Estado de Direito e da própria irretroatividade das

leis.

Segundo Misabel Derzi,

Os atos normativos regulamentares do Poder Executivo jamais retroagem, como vimos, já que as leis, em que se baseiam, não podem retroagir, por expressa proibição da Constituição da República. É assim, de fato, consequência lógica. Nesse passo, não seria necessário declará-lo a Constituição. A dedução a que se chega não configura nem mesmo dedução analógica, mas se trata de mero corolário do princípio da legalidade. Se o Decreto regulamentar somente extrai seus fundamentos de validade da própria lei - esse sim, um princípio consagrado na Constituição - a irretroatividade que acaso perpetrasse, contra legem, além de lesar a lógica da irretroatividade, vulneraria, primária e basicamente, o princípio da legalidade. [...] A questão se apresenta de forma diferente, relativamente ao efeito dos erros, advindos nessas regulamentações se eles eram favoráveis aos cidadãos-contribuintes. Evidentemente, tais erros podem e devem ser retificados, mas as consequências de tais correções serão diferentes. Se a Administração tributária, com base na mesma lei, após ter publicado normas regulamentares, mais favoráveis ao contribuinte, altera seu entendimento, considerando o primeiro, viciado. Ou mesmo, sem ter havido vício, poderá a Administração mudar as normas baixadas, para aperfeiçoar a legislação, adotando outra interpretação admissível dentro do espaço compreensivo da lei? Aqui, sim, afloram os princípios da irretroatividade, da proteção da confiança e da boa-fé objetiva, em plena força. Enfim tais princípios ressurgem, naqueles pontos em que as garantias se fragilizam, pois os atos modificativos representam um agravamento da situação do cidadão-contribuinte. Se ele confiou na legislação vigente e se comportou exatamente de acordo com ela, obedecendo os comandos de seu credor, em razão de atos indutores da confiança, praticados pelo próprio Poder Executivo, seria ético que fossem punidos retroativamente, ou, mesmo, em certas circunstâncias, não se mantivessem aqueles atos para o passado? Será exatamente nas mudanças das normas editadas, para onerar mais intensamente o contribuinte, o administrado, embora se tivessem mantido iguais as mesmas leis que as fundamentam, é que emergem os princípios da irretroatividade, da proteção da confiança e da boa-fé. (DERZI, 2010b, p.292-293)

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Ou seja, a proibição do comportamento contraditório e a manutenção do ato

que beneficiou o contribuinte podem ser fundamentadas não só pela proteção da

confiança, mas pelos princípios da irretroatividade e boa-fé.

Entretanto, tendo em vista a mutabilidade das relações, da sociedade e do

próprio direito, essa preservação do ato, seja do ato legítimo, seja do ato portador de

alguma irregularidade terá seus efeitos para o futuro, mais cedo ou mais tarde,

modificados.

É inconcebível que sob a égide da proteção da confiança, o Direito fique

engessado eternamente. Deve-se proteger primordialmente os atos praticados no

passado, atos estes impossíveis de serem modificados. Além disso, também devem

ser protegidos atos iniciados no passado e que se completarão ou gerarão efeitos no

presente e no futuro, pois já criaram a base da confiança. Entretanto, atos que ainda

serão iniciados no futuro e que ainda não geraram expectativas ou a confiança do

particular carecem da proteção da confiança.

Desta forma, a preservação do ato não pode ser indefinida. Assim, além

desse aspecto da proibição de comportamento contraditório decorrente da proteção

substancial da confiança, a proteção da confiança através da preservação do ato

também pode se concretizar através da modulação dos efeitos da invalidação. Então

o ato será preservado no passado, mas poderá ser revogado ou anulado gerando

efeitos apenas a partir de certo momento no futuro.

Neste contexto, a proteção da confiança vai assegurar ao particular a

permanência daquela situação pretérita em que depositou sua confiança

modificando seus efeitos decorrentes de sua anulação ou revisão apenas para certa

data presente ou futura. É a invalidação de ato administrativo com a modulação de

seus efeitos.

Este aspecto da modulação dos efeitos aproxima-se de outra forma de

materialização da proteção da confiança substancial que é a proteção por meio da

criação de regras de transição.

A criação de regras de transição, muitas vezes, vai possibilitar uma melhor

harmonia entre os interesses do particular e da Administração Pública, pois vai

permitir que esta última alcance as finalidades pretendidas possibilitando que aquele

possa se planejar e se adaptar às modificações trazidas. Essa modalidade tornará a

mudança menos traumática.

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Segundo Valter Shuenquener de Araújo, o princípio da proteção da

confiança, nesta modalidade de materialização, vai exigir que o Estado crie regras

de transição para diminuir o impacto das alterações na ordem jurídica.

Existem as mais variadas formas de soluções transitórias: previsão de uma diminuição gradual dos direitos assegurados pela regra antiga, manutenção da regra antiga para algumas situações, particularização de casos específicos etc. Previsões normativas que garantam um período de transição podem tornar-se medidas apropriadas para evitar a frustração de expectativas. Elas servem de instrumento para uma transição do Direito dentro dos parâmetros exigidos pelo critério da proporcionalidade. A criação de regras com esse perfil é medida relevante, especialmente se considerarmos, conforme destaca PEZZER, que uma brusca mudança pode produzir efeitos práticos drásticos equivalentes aos de uma retroatividade autêntica. (ARAÚJO, 2009, p. 224-225).

Observa-se então que a criação de regras de transição é uma ótima

alternativa para a alteração de atos e normas do Poder Público sem causar grandes

traumas ao particular, harmonizando-se o interesse de ambas as partes.

Entretanto, vale observar que essa regra terá efeito principalmente para os

atos que possuam caráter normativo e procedimental.

Não se vislumbra a possibilidade de aplicação dessa regra para situações

de revisão de atos passados, ou para conter os efeitos de revogação ou anulação de

atos irregulares. Aparentemente essa regra funcionará bem somente quando seus

efeitos se derem a partir de uma situação presente para o futuro, pois, mesmo

criando-se regras de transição, é impossível se exigir do particular que adote no

passado condutas de transição para a situação futura que a nova regra criou.

Finalmente, a terceira hipótese de materialização do princípio da proteção

substancial da confiança, a proteção compensatória é a mais simples, mas também

a que menos trará satisfação para o particular.

Entende-se que nesse caso, na verdade, a proteção da confiança não estará

de fato ocorrendo, pois a frustração da expectativa vai envolver, na maioria das

vezes, muito mais do que a recomposição do prejuízo material sofrido.

Entretanto, essa hipótese deve ser considerada, principalmente porque

existem situações em que seria inviável a manutenção do ato estatal que deu origem

à confiança. Aliás, essa hipótese deveria ocorrer apenas e tão somente se fosse

impossível a manutenção do ato estatal que deu origem à confiança.

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Entende-se que essa seria uma alternativa fácil para o Poder Público

quebrar a confiança do particular e até mesmo induziria condutas irresponsáveis e

desleais dos agentes públicos, pois seus erros, má-fé e deslealdades seriam pagos

pela própria sociedade. O agente público poderia mudar suas orientações, atos,

normas e procedimentos ao seu livre arbítrio e sociedade contribuinte pagaria a

conta.

Soma-se a este entendimento a confortável posição do Estado que somente

pagaria essas indenizações muito tempo depois, em razão da notória demora do

Estado para acertar suas contas, quando está no papel de devedor.

Assim, a proteção compensatória somente poderia ser considerada de fato

como uma materialização do princípio da proteção da confiança se for entendida no

sentido de que, se o contribuinte tiver prejuízo, ele tem a certeza de que vai ser

indenizado e quando não for possível ou não interessar ao particular a manutenção

do ato que gerou a confiança.

Analisados os princípios da boa-fé, Estado de Direito, segurança jurídica e

proteção da confiança, é possível chegar a diversas conclusões.

A proteção da confiança encontra seu fundamento tanto na esfera privada,

como corolário do princípio da boa-fé; e possui fundamento na esfera pública, sendo

a proteção da confiança um princípio decorrente dos princípios do Estado de Direito

e da segurança jurídica.

Entretanto, apesar de o princípio da boa-fé guardar muitas semelhanças e

ter muitos valores em comum com o princípio da confiança, a relação entre os dois

assemelha-se mais a uma relação de complementariedade do que de derivação.

Por sua vez, a confiança é um valor que legitima o próprio Estado de Direito.

O Estado de Direito possui, entre seus elementos, elementos fortemente

ligados a confiança, pois só é possível a primazia da lei; uma hierarquia de normas;

a legalidade da administração; a separação de poderes; o reconhecimento e

garantia dos direitos fundamentais; e o controle da constitucionalidade das leis, se

houver o elemento confiança disciplinando todos esses elementos.

Além disso, os grandes grupos de valores do Estado de Direito relacionados

por Bleckmann e citados por Valter Araújo (2009, p.44), ou seja; a) proteger a

liberdade e propriedade do cidadão contra medidas de intervenção estatal; b)

observar a segurança jurídica; e c) realizar a justiça material; somente serão

realizados se forem protegidos pela confiança.

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A segurança jurídica, que está sempre relacionada à ideia de permanência ou

estabilidade, procura garantir aos cidadãos que determinadas condutas ou

situações, uma vez realizadas, trarão sempre as mesmas consequências ou

consequências semelhantes, de acordo com as variantes possíveis.

A segurança jurídica vai exigir dos três Poderes confiabilidade e

calculabilidade, conforme conceito de Humberto Ávila (2011, p.282-283).

Neste contexto, conclui-se também que a segurança jurídica está intimamente

ligada à confiança. Seja a confiança de que o passado será preservado, de que as

condutas do presente serão moldadas conforme as regras vigentes e de que o futuro

poderá ser planejado de acordo com as possíveis e previsíveis possibilidades de

resultados.

O princípio da proteção da confiança diferencia-se do princípio da segurança

jurídica, principalmente, pelo fato de sua aplicação ser mais subjetiva, concreta,

individualizada e sempre com a finalidade de proteger os interesses daqueles que se

sentem prejudicados em suas expectativas legítimas e não gozam da proteção dada

ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada.

O princípio da proteção da confiança revela então um caráter complementar

ao princípio da segurança jurídica, pois dá segurança e protege esferas em que ela

objetivamente não alcança: as expectativas legítimas dos indivíduos.

A proteção da confiança somente se configura se estiverem presentes os

elementos a) base da confiança; b) a confiança nessa base; c) o exercício da

referida confiança na base que a gerou; e d) a frustração dessa confiança por ato

posterior e contraditório do Poder Público.

A proteção da confiança é um princípio constitucional implícito decorrente do

Estado de Direito e da segurança jurídica e, além disso, também é reverenciada pelo

parágrafo único do artigo 100 do Código Tributário Nacional.

O princípio da proteção da confiança poderá ser aplicado mesmo que para

convalidar um ato irregular do Poder Público, superando o princípio da legalidade e

até mesmo o princípio da segurança jurídica, quando estiverem envolvidos valores

como a confiança, a justiça e os direitos fundamentais.

Humberto Ávila (2011, p. 408-409) relaciona diversas regras a serem

observadas para a aplicação do princípio da proteção da confiança, dando especial

atenção aos diversos critérios que permitem avaliar se houve uma base de

confiança e como esses critérios se relacionam entre si.

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Misabel Derzi (2009, p. 605-606) defende com muita propriedade que a

proteção da confiança só se destina ao particular, nas relações entre particulares e

Poder Público, sendo defeso ao Estado invocar esse princípio, em razão da relação

de dependência e sujeição do cidadão à confiança nos atos e normas estatais e em

razão do Estado ter a posição soberana em relação aos acontecimentos e eventos

sobre os quais é gerada a confiança.

A aplicação da proteção da confiança pode ser realizada através da proteção

procedimental e da proteção substancial, segundo Valter Shuenquener de Aráujo

(2009, p.207).

A proteção procedimental ocorre antes da realização do ato estatal, mediante

oitiva dos destinatários das alterações, antes que elas ocorram.

O Poder Público convoca os interessados, ouve e analisa suas manifestações

e somente realiza o ato se entender que ele é realmente necessário e que não pode

ter sua finalidade atingida por outros meios. Essa modalidade é muito comum no

Direito anglo-saxônico.

A proteção substancial da confiança se materializa pela a) preservação do

ato; pela b) criação de regras de transição; e pela c) proteção compensatória.

A proteção pela preservação do ato procura assegurar a manutenção do ato,

vedando o comportamento contraditório por parte do Poder Público, ou tentando

modular os efeitos desse comportamento contraditório, de forma a não acarretar

prejuízos além do necessário ao cidadão.

A proteção pela criação de regras de transição procura conciliar os interesses

do particular e da Administração Pública de forma a possibilitar ao primeiro um

planejamento e adaptação às mudanças e ao segundo, alcançar as finalidades

públicas desejadas.

Finalmente, a proteção compensatória, na maioria dos casos é a que vai

trazer menos satisfação ao particular, uma vez que a expectativa frustrada vai

envolver, em grande parte das vezes, muito mais do que a recomposição do prejuízo

material sofrido.

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4 PROTEÇÃO DA CONFIANÇA, REVISÃO DO LANÇAMENTO E REVISÃO

ADUANEIRA

Anteriormente concluiu-se que a revisão do lançamento e a Revisão

Aduaneira, apesar de possuírem algumas características que aproximam os dois

institutos, apresentam também diversas diferenças.

A Revisão Aduaneira, além de abranger a revisão de lançamento, é mais

ampla do que a revisão de lançamento, uma vez que, além de efetuar nova

verificação dos impostos e gravames, trata também da revisão dos benefícios fiscais

e a revisão das informações prestadas na ocasião da declaração de importação e da

declaração de exportação.

Assim, além de rever a adequação do recolhimento dos tributos e o

preenchimento dos requisitos e utilização correta dos benefícios fiscais, verifica

também, dentre outras informações, informações relativas à mercadoria, exportador

e local de origem, importador e local de destino, frete, tipo de carga, condições de

pagamento e sua efetivação. Enfim, a Revisão Aduaneira não cuida somente da

revisão da correição dos pagamentos dos tributos, cuida também das questões

aduaneiras e cambiais.

Some-se a isso o entendimento de que a revisão de lançamento vai ocorrer

caso a caso, de maneira individualizada, até mesmo porque o termo lançamento

pressupõe apenas um ato, de forma singular. Por outro lado, a Revisão Aduaneira

vai apurar todas as situações de desembaraço aduaneiro ocorrido nos cinco anos

anteriores e, apesar de também ocorrer a verificação caso a caso, transmite-se uma

ideia de procedimento e pluralidade, ou seja, serão avaliados todos os casos, um a

um, em que determinada empresa importou ou exportou certa mercadoria.

Essas diferenças e os diferentes canais de parametrização para o

desembaraço de mercadorias vão determinar o grau de abrangência e aplicação do

princípio da proteção da confiança em cada um dos institutos.

Por outro lado, a análise das situações de aplicação desses dois institutos

no âmbito do Comércio Exterior vão revelar também o ótimo instrumento de

proteção às empresas que é esse princípio, pois pode ser bastante eficaz contra os

exageros do poder de tributar do Estado, ou pelo menos contra seus arbítrios

essencialmente arrecadatórios.

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A análise da aplicação da proteção da confiança nas hipóteses de

ocorrência destes institutos levará em conta algumas conclusões dos capítulos

anteriores conforme será relembrado nos próximos tópicos.

4.1 REVISÃO DO LANÇAMENTO

O presente estudo tem como objetivo principal a proteção da confiança do

contribuinte em relação ao Estado. Desta forma, será relevante a análise das

situações em que, de uma forma ou de outra, houve a quebra da confiança por parte

do Poder Público na relação entre particular e Estado.

Sendo assim, vale lembrar inicialmente que, conforme artigo 145 do CTN, o

lançamento somente pode ser alterado de ofício nos casos previstos no artigo 149

do CTN.

Além disso, ressalte-se que a regra é pela não revisibilidade dos

lançamentos, sendo exceção a possibilidade de revisão.

Finalmente, nem todas as hipóteses do artigo 149 do CTN tratam da revisão

do lançamento, algumas tratam do lançamento de ofício.

Dentre as hipóteses do artigo 149 do CTN, os incisos que estão diretamente

relacionados à revisão do lançamento são aquelas dos incisos III a IX.

Art. 149. O lançamento é efetuado e revisto de ofício pela autoridade administrativa nos seguintes casos:

I - quando a lei assim o determine;

II - quando a declaração não seja prestada, por quem de direito, no prazo e na forma da legislação tributária; III - quando a pessoa legalmente obrigada, embora tenha prestado declaração nos termos do inciso anterior, deixe de atender, no prazo e na forma da legislação tributária, a pedido de esclarecimento formulado pela autoridade administrativa, recuse-se a prestá-lo ou não o preste satisfatoriamente, a juízo daquela autoridade;

IV - quando se comprove falsidade, erro ou omissão quanto a qualquer elemento definido na legislação tributária como sendo de declaração obrigatória; V - quando se comprove omissão ou inexatidão, por parte da pessoa legalmente obrigada, no exercício da atividade a que se refere o artigo seguinte;

VI - quando se comprove ação ou omissão do sujeito passivo, ou de terceiro legalmente obrigado, que dê lugar à aplicação de penalidade pecuniária; VII - quando se comprove que o sujeito passivo, ou terceiro em benefício daquele, agiu com dolo, fraude ou simulação;

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VIII - quando deva ser apreciado fato não conhecido ou não provado por ocasião do lançamento anterior;

IX - quando se comprove que, no lançamento anterior, ocorreu fraude ou falta funcional da autoridade que o efetuou, ou omissão, pela mesma autoridade, de ato ou formalidade especial.

Parágrafo único. A revisão do lançamento só pode ser iniciada enquanto não extinto o direito da Fazenda Pública. (BRASIL, 2011, p. 234)

Entretanto, entre essas hipóteses dos incisos III a IX, a grande maioria não

gera uma situação de quebra da confiança entre o Estado e o contribuinte, pois,

nessa maioria foi o contribuinte que prestou informações ou relatou fatos de forma

equivocada, dolosa ou culposamente, informações estas que levaram a

Administração Pública a erro.

Ou seja, a ausência de alguma informação prestada pelo contribuinte que

levou a Receita Federal a apurar equivocadamente a regularidade do lançamento é

que autoriza essa revisão do lançamento por parte dela.

Todavia, a hipótese do inciso IV, no que diz respeito ao erro, tem sido

restringida tanto pela doutrina quanto pelos tribunais superiores brasileiros aos

casos em que tenha havido erro de fato, mas não nos casos em que tenha havido

erro de direito.

Assim, as hipóteses em que tenham havido erro de fato por parte do

contribuinte podem ser objeto de revisão de lançamento, porém, as hipóteses em

que tenham havido erro de direito não são passíveis de revisão de lançamento.

Isso se justifica porque o contribuinte teria fornecido todas as informações

fatuais ao Estado e, neste caso, o erro seria deste último, pois deveria ele ter

analisado corretamente as informações prestadas pelo cidadão e ter corrigido o

lançamento no momento em que este se concretizou.

Entretanto, como não cumpriu seu dever de verificar corretamente o

lançamento, criou a expectativa legítima de que o lançamento foi efetuado de forma

correta, gerando a confiança do contribuinte.

Esse entendimento da impossibilidade de revisão de lançamento em razão de

erro de direito ganha ainda mais força quando analisado em conjunto com o artigo

146 do CTN, pois determina exatamente a impossibilidade de retroatividade quando

o Poder Público tenha se equivocado na sua interpretação da lei ou normas

administrativas.

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Art. 146. A modificação introduzida, de ofício ou em consequência de decisão judicial, nos critérios jurídicos adotados pela autoridade administrativa no exercício do lançamento somente pode ser efetivada, em relação a um mesmo sujeito passivo, quanto a fato gerador ocorrido posteriormente à sua introdução. (BRASIL, 2011, p. 233)

Neste sentido, Sacha Calmon Navarro Coêlho:

O lançamento tributário já definitivamente constituído é irrevisível pela Administração em caso de erro de direito ou de valoração jurídica dos fatos. Entre nós ganhou foros de cidade a irrevisibilidade por erro na interpretação da lei ou por alteração nos critérios de sua aplicação quando com erronia agiu a própria Administração. O CTN diz que tais critérios jurídicos podem ser alterados pela Administração ao produzir lançamentos, mas relativamente a fatos gerados posteriormente à alteração. E agrega: no concernente a um mesmo contribuinte. Restringiu o alcance a tão-somente os lançamentos já expedidos contra dado e especificado contribuinte? Estamos com a Professora Misabel Derzi quando predica a irretroatividade do Direito todo: da lei, da jurisprudência, das decisões administrativas com fundamentação jurídica constante (reiteração) adotadas pelo Estado (o conteúdo normativo dessas decisões é evidente, tanto que são consideradas normas pelo art. 100 do CTN. O parágrafo único desse artigo libera o contribuinte quando erra obedecendo-as). (COÊLHO, 2010, p. 672-673).

Neste sentido também Misabel Derzi, em nota de atualização de obra de

Aliomar Baleeiro:

A solução dessas questões deve partir de três pressupostos, distintos, a nortear as diferentes atuações desses princípios, a saber: [...] b.2. atos retificadores e modificativos de outros atos administrativos individuais, de lançamento e cobrança dos tributos, cujas consequências estão disciplinadas no art. 146 do Código Tributário Nacional; [...] Para as situações, descritas na letra (b.2): as soluções estão previstas no art. 146. É que se o ato é individual (não normativo), estando o grau de certeza e liquidez determinado a certo contribuinte, a irretroatividade é plenamente garantida. Será ele definitivo se aplicar a norma de forma mais favorável aos interesses do sujeito passivo. Embora o ato administrativo não seja dotado de definitividade, mesmo se resultante de decisão em conflito instalado, uma vez emanado e cientificado ao sujeito passivo, não poderá ser revisto pela própria Administração, em prejuízo do contribuinte. (DERZI, 2010b, p. 295-298)

O que se observa é que, criada a confiança do sujeito passivo, o ato

administrativo será definitivo no passado se tiver gerado situação mais favorável

para o contribuinte. Assim, a retroatividade é vedada e qualquer modificação do ato

somente produzirá efeitos no futuro.

Entretanto, importante questão é levantada por Sacha Calmon em relação à

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essa questão de erro de fato e erro de direito: é muito difícil dizer quando há erro de

direito e erro de fato.

Todavia, Sacha Calmon (2010, p. 674) faz essa distinção trazendo a ideia de

que o erro de fato ocorre quando se tem que verificar a ocorrência dos fatos,

confirmar dada situação; por outro lado, o erro de direito implica no erro da

compreensão da norma jurídica:

O erro de fato ou erro sobre o fato dar-se-ia no plano dos acontecimentos: dar por ocorrido o que não ocorreu. Valorar fato diverso daquele implicado na controvérsia ou no tema sob inspeção. O erro de direito seria, à sua vez, decorrente da escolha equivocada de um módulo normativo insersível ou não mais aplicável à regência da questão que estivesse sendo juridicamente considerada. Entre nós, os critérios jurídicos (art. 146, CTN) reiteradamente aplicados pela Administração na feitura de lançamentos têm conteúdo de precedente obrigatório. Significa que tais critérios podem ser alterados em razão de decisão judicial ou administrativa, mas a aplicação dos novos critérios somente pode dar-se em relação aos fatos geradores posteriores à alteração. (COÊLHO, 2010, p. 675).

Por sua vez, Misabel Derzi em nota de atualização de obra de Aliomar

Baleeiro explica que é vedada à Administração Pública adotar comportamento

contraditório à ato adotado anteriormente em prejuízo do contribuinte:

Segundo essa corrente dominante, erro de fato resulta da inexatidão ou incorreção dos dados fáticos, situações, atos ou negócios que dão origem à obrigação. Erro de direito é concernente à incorreção dos critérios e conceitos jurídicos que fundamentaram a prática do ato administrativo. Não pode a Administração alegar a ignorância da lei, nem venire contra factum proprium e, após notificado o sujeito passivo do lançamento, onerá-lo com novo lançamento. (DERZI, 2010b, p. 298)

Assim, a escolha equivocada de determinada interpretação ou de

determinado critério jurídico por parte da Administração Pública não autoriza a

revisão do lançamento.

Essa vedação à revisão do lançamento caracteriza-se como uma forma de

proteção da confiança assegurando que o contribuinte não vá ser prejudicado em

razão de um erro de interpretação, equívoco ou mudança de critério adotado pela

fiscalização, ou seja, o lançamento será imutável para o Poder Público, exceto

quando se tratar de erro de fato.

Isto se justifica em razão da aparência de legitimidade dos atos

administrativos, estes atos devem então parecer corretos e assim, ser dignos da

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confiança do cidadão. Neste sentido, Misabel Derzi em nota à Aliomar Baleeiro

afirma que o mencionado artigo 146 do CTN é o melhor exemplo de aplicação da

teoria da aparência no Direito Tributário.

O art. 146 citado é o melhor exemplo da aplicação da teoria da aparência no Direito Tributário. Sabe-se que a teoria da aparência é fundada e justificada na responsabilidade pela confiança gerada. O contribuinte deve poder confiar nos atos administrativos individuais praticados pela Administração tributária. Se houve erro porque se baseava em lei benéfica, que se revelou inconstitucional ou em jurisprudência se alterou, a chancela da Fazenda Pública cria a responsabilidade pela aparência, em favor do contribuinte. (DERZI, 2010b, p. 301)

Vale transcrever duas citações feitas por Sacha Calmon, uma de autoria de

Gilberto de Ulhôa Canto e a segunda de Antônio Roberto Sampaio Dória:

"A lei não se pode admitir ignorada dos funcionários fiscais encarregados de proceder ao lançamento, e, assim, o erro de direito que estes cometem no exercício de suas atribuições não justifica a alteração da situação individual criada pelo lançamento em favor do contribuinte, pois é presumido que os agentes do fisco tivessem tido presentes todos os elementos jurídicos em vigor ao tempo em que o efetuaram." (CANTO apud COÊLHO, 2010, p. 676). "A orientação fiscal poderá variar com relação a outros contribuintes, mas nunca quanto àquele que já adquiriu, por ato administrativo regular, Direito Público subjetivo de não recolher determinado tributo. Entender o contrário seria implantar o regime do arbítrio e da insegurança nas relações entre o fisco e o contribuinte, em manifesta contradição com a índole de nosso sistema jurídico." (DÓRIA apud COÊLHO, 2010, p. 676-677).

Esse entendimento de vedação à revisão do lançamento quando se trata de

erro de direito, assim como a necessidade de proteção à confiança que daí resulta, é

tão relevante que o antigo Tribunal Federal de Recursos (TRF), hoje Superior

Tribunal de Justiça, havia consolidado-o na súmula 227:

Súmula 227 do TRF: "A mudança de critério jurídico adotado pelo fisco não autoriza a revisão de lançamento". (BRASIL, 1986)

Há que se ressaltar que a Lei 9.784/99 que disciplina o processo

administrativo no âmbito da Administração Pública Federal também veda a aplicação

retroativa de nova interpretação.

Mais recentemente, a Lei n. 9784/99, que disciplina o processo administrativo, além de estabelecer o prazo decadencial de cinco anos,

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contados da data em que forem praticados, para que a Administração anule os atos administrativos "de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários" (art. 54), vedou ainda a aplicação de nova interpretação de norma jurídica a fatos pretéritos (art. 2o, inciso XIII, parágrafo único). A lei citada, efetivamente, em todos os casos omissos do Código Tributário Nacional, terá aplicação integral. Afinal, a Administração tributária é mero conjunto de atos administrativos, de fundo fiscal. (DERZI, 2010b, p. 303-304)

Por todos esses motivos entende-se que é vedada a revisão do lançamento

por erro de direito e em razão de mudança de critério jurídico.

Feitas essas considerações, passa-se a análise da possibilidade de revisão

de lançamento em cada um dos canais de parametrização.

Entretanto, tendo em vista os diversos motivos que podem levar à revisão de

lançamento no Comércio Exterior, procurar-se-á excluir as hipóteses em que o

contribuinte tenha agido de má-fé, dolosamente ou de forma fraudulenta, optando-

se assim por adotar como paradigma para a análise das situações seguintes, o erro

de classificação fiscal.

O erro de classificação fiscal, além de ser o mais comum no Comércio

Exterior, pode levar à alteração da alíquota adotada, o que ensejaria multas de ofício

e de mora para o contribuinte. Além deste efeito tributário, o erro de classificação

fiscal também gera uma multa, de natureza administrativa-aduaneira, no montante

de 1% do valor aduaneiro da mercadoria, conforme artigo 711 do Decreto 6759 de

2009, o Regulamento Aduaneiro.

Além disso, neste momento optar-se-á apenas pela análise dos efeitos em

relação à revisão do lançamento na operação de importação, que é a operação em

que se adotam critérios mais rigorosos de fiscalização em razão dos interesses

econômicos envolvidos.

A análise dos efeitos em relação à Revisão Aduaneira, que abrangem além

das multas de natureza tributária as de natureza administrativa-aduaneira, será feita

em momento posterior.

4.1.1 Revisão do Lançamento e o Canal Verde de Parametrização

O canal verde é o canal de parametrização em que haverá o desembaraço

automático da mercadoria, dispensados o exame documental e a verificação da

mercadoria.

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A partir dessa definição do canal verde, para a análise da revisão do

lançamento após determinada mercadoria ser liberada por este canal, é importante

relembrar algumas conclusões de capítulos anteriores.

Constatou-se anteriormente que o fato de o lançamento ser ato administrativo

e assim privativo de agente público implica na conclusão de que todas as

modalidades de lançamento, na verdade, são de ofício. Desta forma, ausente o ato

da autoridade administrativa, ausente o lançamento.

Além disso, diante das modalidades de lançamento do CTN e de acordo com

as características de cada uma dessas modalidades, o lançamento nas operações

de Comércio Exterior ocorre, como regra geral, via lançamento por homologação;

exceto quando for verificado o não recolhimento ou recolhimento a menor dos

tributos, hipótese em que o lançamento se converterá em lançamento de ofício; ou

quando se tratar de alguns regimes aduaneiros especiais, casos em que ocorrerá o

lançamento por declaração.

Finalmente concluiu-se que no desembaraço da mercadoria através do canal

verde de parametrização não se pode falar que houve o lançamento, pois não houve

ato administrativo de agente público com a finalidade de verificar a regularidade dos

procedimentos que compõem o lançamento.

Assim, tendo em vista que no canal verde de parametrização não houve

lançamento, a revisão do lançamento após a liberação da mercadoria por este canal,

pelo fato de o lançamento ainda estar em discussão, é possível. Entretanto, na

verdade, o que ocorrerá de fato é a fiscalização dos atos que levam ao ato do

lançamento, uma vez que o ato do lançamento ainda não terá ocorrido.

Tecnicamente não seria nem correto falar em revisão do lançamento, pois

não houve lançamento, trata-se de retificações e alterações com o objetivo de

corrigir as informações prestadas pelo contribuinte no momento do desembaraço

aduaneiro, mas que ainda não constituíram o lançamento, pela ausência do ato

administrativo de homologação do lançamento.

Neste contexto é possível que o agente fiscal efetue em momento posterior à

liberação da mercadoria no canal verde, a verificação da correição das informações

relativas ao recolhimento do tributo e proposição de aplicação de penalidades, o que

caracterizará de fato o lançamento, conforme descrito no artigo 142 do CTN e não a

revisão do lançamento, pois não houve lançamento anterior que será revisto.

Desta forma, tendo o importador classificado suas mercadorias de forma

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equivocada e sua importação tendo sido desembaraçada pelo canal verde, em uma

situação de fiscalização posterior por parte da Administração aduaneira ocorrerá o

lançamento com seus devidos efeitos e não a revisão do lançamento.

Sendo assim, entende-se que, de forma alguma ocorrerá a revisão do

lançamento em procedimento posterior à liberação da mercadoria pelo canal verde

de parametrização. A não ser que ocorresse uma revisão da revisão do lançamento

ou que houvesse a homologação formal do lançamento e posterior revisão de

lançamento.

Por outro lado, isso não significa que o agente fiscal não poderá verificar os

dados declarados e propor as penalidades que entender cabíveis. Nesta situação

ele terá ampla liberdade para realizar tais procedimentos, uma vez que estará

realizando o ato de lançamento.

Ademais, falar em quebra da confiança na situação descrita é extremamente

forçoso, pois não houve qualquer base de confiança gerada pela Administração

Pública. Se houve alguma confiança, foi do próprio contribuinte nele mesmo, em

acreditar que estaria classificando a mercadoria de forma correta.

A análise dos dados relativos ao lançamento tributário e a proposição das

penalidades cabíveis por parte da Fiscalização, neste caso, não são dignas de

vedação pela proteção decorrente da confiança.

4.1.2 Revisão do Lançamento e o Canal Amarelo de Parametrização

O canal amarelo de parametrização é aquele onde será feita a análise

documental completa das mercadorias que estão sendo importadas, incluídos a

fatura comercial, o conhecimento de carga e outros documentos, além da própria

declaração de importação, que permitem a perfeita identificação da mercadoria e

sua classificação fiscal, além da a análise dos valores a serem tributados e o

cumprimento das obrigações fiscais.

Nesse procedimento de fiscalização, apenas não ocorrerá a verificação física

da mercadoria. Entretanto, caso a documentação apresentada não seja suficiente

para clarear todas as dúvidas dos auditores fiscais, ou se houver alguma

inconsistência ou omissão que prejudique a perfeita análise do fiscal, este ainda

poderá solicitar a conversão do canal amarelo para o vermelho, conforme preceitua

o parágrafo único do artigo 25 da IN SRF 680 de 2006:

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Art. 25 - O exame documental das declarações selecionadas para conferência nos termos do art. 21 consiste no procedimento fiscal destinado a verificar: I - a integridade dos documentos apresentados; II - a exatidão e correspondência das informações prestadas na declaração em relação àquelas constantes dos documentos que a instruem, inclusive no que se refere à origem e ao valor aduaneiro da mercadoria; III - o cumprimento dos requisitos de ordem legal ou regulamentar correspondentes aos regimes aduaneiros e de tributação solicitados; IV - o mérito de benefício fiscal pleiteado; e V - a descrição da mercadoria na declaração, com vistas a verificar se estão presentes os elementos necessários à confirmação de sua correta classificação fiscal. Parágrafo único. Na hipótese de descrição incompleta da mercadoria na DI, que exija verificação física para sua perfeita identificação, com vistas a confirmar a correção da classificação fiscal ou da origem declarada, o AFRF responsável pelo exame poderá condicionar a conclusão da etapa à verificação da mercadoria. (Brasil, 2006)

Dessa forma, no canal amarelo de parametrização, a Receita Federal terá à

sua disposição todas as informações a respeito da mercadoria, sendo possível

apurar qualquer irregularidade desde que a mercadoria tenha sido descrita de forma

correta e satisfatória, ou, em caso contrário, será facultado ao fiscal converter o

canal amarelo em vermelho caso ainda restem dúvidas que demandem a verificação

física da mercadoria.

Assim, ocorrendo a liberação da mercadoria após a sua verificação

documental, conclui-se que os dados constantes desses documentos foram

satisfatórios e suficientes para a verificação da regularidade da importação.

Outra conclusão importante à qual se pode chegar pela análise deste artigo

25 da IN SRF 680 de 2006 em conjunto com o conceito de lançamento do artigo 142

do CTN é que é possível se verificar a ocorrência de todos os atos preparatórios do

lançamento, sendo o desembaraço aduaneiro no canal amarelo de parametrização a

própria realização do lançamento, ou, melhor dizendo, a própria homologação do

lançamento.

Ao final da análise da documentação relativa ao despacho aduaneiro da

mercadoria parametrizada no canal amarelo, ao fiscal terá sido possível verificar a

ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria

tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, no

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caso de alguma irregularidade, propor a aplicação da penalidade cabível, ou seja,

terá praticado todos os atos de lançamento conforme o artigo 142 do CTN.

Note-se que a comunicação do desembaraço quando regular a

documentação ou a comunicação do desembaraço após o cumprimento de alguma

exigência em razão de irregularidade ou erro na documentação completará a

formalidade do lançamento, consistente na notificação ou comunicação ao

contribuinte.

A partir destas considerações, tendo em vista que terá ocorrido o lançamento

juntamente com o desembaraço aduaneiro da mercadoria que tenha sido

parametrizada no canal amarelo, é possível a revisão do lançamento.

Entretanto, essa revisão de lançamento quando se trata da análise em que o

contribuinte ou a fiscalização não tenha agido de má-fé, somente poderia ocorrer na

hipótese do inciso IV do artigo 149 do CTN, ou seja, quando tivesse havido erro de

fato.

Ocorre que na hipótese levantada, de erro de classificação fiscal, o erro

cometido pelo contribuinte, não é erro de fato, mas sim erro de direito, pois foi

decorrente da escolha equivocada de uma das possibilidades insersíveis à

classificação da mercadoria.

A classificação fiscal de mercadorias é processo norteado por diversas regras

e, somadas à velocidade das mudanças e criação de novas tecnologias, muitas

vezes torna o procedimento de classificação complexo e cheio de incertezas até

mesmo para o mais experiente fiscal ou classificador de mercadorias.

Ressalte-se que os fatos estavam todos presentes no momento em que o

fiscal analisou a documentação da mercadoria, porém, se o fiscal concordou com a

classificação apresentada pelo contribuinte ou se exigiu alguma retificação nessa

classificação e o importador assim procedeu, após o desembaraço da mercadoria

não pode a Aduana novamente analisar o lançamento, alterando a classificação

fiscal já utilizada e aplicar penalidades e multas.

O erro ocorrido foi de valoração do direito, de valoração jurídica de

determinado fato, não foi erro de fato pois todos os fatos já estavam disponíveis no

momento da análise documental, assim, não há que se falar em revisão do

lançamento.

O erro de direito ocorrido em relação à classificação fiscal não autoriza o

Fisco a efetuar a revisão do lançamento (CTN, Art. 149, IV), assim como sua

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mudança de critérios jurídicos na classificação da mercadoria também não é

autorizada, seja pelo artigo 146 do CTN, seja pela súmula 227 do TFR.

Esse entendimento também ganha suporte em algumas decisões de

Tribunais Superiores brasileiros:

TRIBUTÁRIO - IMPORTAÇÃO - REVISÃO DE LANÇAMENTO POR ERRO DE DIREITO - SÚMULA 227/TRF. 1. Em havendo na declaração do contribuinte erro de direito não detectado pelo Fisco, que a aceita integralmente, a mudança de entendimento constitui-se em alteração de critério vedada pelo CTN. 2. Só a falsidade, o erro ou a omissão são capazes de provocar a revisão do lançamento com a consequente autuação do contribuinte. 3. Recurso especial improvido. (BRASIL, 2001). TRIBUTÁRIO. IMPORTAÇÃO DE MERCADORIA. DESEMBARAÇO ADUANEIRO. AUTUAÇÃO POSTERIOR. REVISÃO DE AUTO FISCAL QUESTÃO DE DIREITO. "A MUDANÇA DE CRITÉRIO JURÍDICO ADOTADO PELO FISCO NÃO AUTORIZA A REVISÃO DE LANÇAMENTO" (SÚMULA 227-TFR). RECURSO IMPROVIDO. (BRASIL, 1996) Lançamento fiscal. Mudança de critérios do Fisco. Revisão. A mudança de critérios classificatórios, por parte do Fisco, no lançamento do imposto de importação e do IPI, não autoriza sua revisão, depois de recolhidos os tributos pelo importador. Recurso extraordinário conhecido e provido. (BRASIL, 1985).

A revisão do lançamento por erro de classificação fiscal (erro de direito) após

o desembaraço aduaneiro em que a mercadoria foi parametrizada no canal amarelo

é portanto vedada.

Isso significa que o agente fiscal não poderá propor qualquer penalidade em

razão de diferenças de alíquotas, multas e correções monetárias que poderiam ser

apuradas pela utilização da classificação fiscal correta ou do novo critério jurídico

adotado pelo Fisco.

Ademais, há claramente uma quebra da confiança neste caso, pois o

desembaraço da mercadoria após toda a verificação documental levou o importador

a confiar que os procedimentos adotados por ele estavam corretos em razão da

anuência da fiscalização.

Desta forma, a revisão por iniciativa do Fisco não pode ser autorizada quando

tiver sido o próprio Fisco o responsável pelo erro do contribuinte, pois este deve

poder crer que Fisco conhece as normas e dispositivos legais e os aplica

corretamente.

Situação ainda mais sólida é a da impossibilidade de revisão de lançamento

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por erro de direito ou mudança de critérios jurídicos nos casos em que a mercadoria

tenha sido desembaraçada nos canais vermelho ou cinza de parametrização.

4.1.3 Revisão do Lançamento e os Canais Vermelho e Cinza de Parametrização

Os canais de parametrização vermelho e cinza são os canais onde ocorre a

fiscalização mais completa das mercadorias importadas, sendo o canal cinza o canal

onde a fiscalização será mais minuciosa e rigorosa, em razão da importação

apresentar indícios de fraude.

No canal cinza a Receita Federal, de forma minuciosa, examinará toda a

documentação, verificará a mercadoria e a aplicará o procedimento especial de

controle aduaneiro, onde levantará diversos dados da empresa importadora e suas

operações de Comércio Exterior anteriores, além de seu relacionamento com o

Fisco. Neste procedimento, a mercadoria poderá ficar retida por até 180 dias para

que o indício de fraude seja esclarecido.

Desta forma, no canal cinza, a Receita Federal terá à sua disposição todas as

informações a respeito da mercadoria, assim como verificará pessoalmente através

de seus fiscais a mercadoria e todas as suas características.

Por sua vez, o canal vermelho apresenta características semelhantes às do

canal cinza, porém não apresenta o procedimento especial de controle aduaneiro,

por não haver indícios de fraude. Por outro lado, também é um canal de

parametrização bastante minucioso, uma vez que além do exame documental, como

ocorre no canal amarelo, também há necessariamente a verificação física da

mercadoria.

Assim, o fiscal da Receita Federal verificará a documentação apresentada e

avaliará, além da correição dos dados dos documentos, se as mercadorias

correspondem ao que consta na documentação.

A Receita Federal terá à sua disposição, também no canal vermelho de

parametrização, todas as informações a respeito da mercadoria, assim como

verificará pessoalmente através de seus fiscais a mercadoria e todas as suas

características, além de poder requisitar peritos para solucionar dúvidas e

questionamentos que ainda possam surgir.

Neste contexto, de forma ainda mais robusta do que ocorre no caso de

liberação da mercadoria pelo canal amarelo, no canal vermelho e cinza, ocorrendo a

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liberação da mercadoria, não restarão dúvidas de que foram verificados todos os

detalhes e requisitos de regularidade da importação.

Desta forma, impossível se falar em erro de fato no caso destes dois canais.

Além disso, ocorrendo o desembaraço da mercadoria por esses dois canais,

ainda mais claro fica caracterizado o lançamento e sua homologação, pois a

verificação da ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente,

determinação da matéria tributável, cálculo do montante do tributo devido,

identificação do sujeito passivo e, no caso de alguma irregularidade, a proposição de

aplicação da penalidade cabível, terão sido muito mais minuciosas do que no canal

amarelo .

Nestas hipóteses o Fisco terá tido o mais amplo poder fiscalizatório e o mais

amplo conhecimento da mercadoria importada e suas características.

Ocorrendo então a comunicação do desembaraço quando regulares a

documentação e a vistoria da mercadoria (e do procedimento especial no caso do

canal cinza) ou a comunicação do desembaraço após o cumprimento de alguma

exigência em razão de irregularidade, erro no documentação ou inconsistência entre

mercadoria e documentação, completa estará a formalidade do lançamento,

consistente na notificação ou comunicação ao contribuinte.

A partir destas considerações, tendo em vista que terá ocorrido o lançamento

juntamente com o desembaraço aduaneiro da mercadoria que tenha sido

parametrizada no canal vermelho e cinza, a revisão de lançamento somente poderá

ocorrer na hipótese de ter havido erro de fato e, ainda assim, no caso de algum erro

muito robusto, pois, conforme ressaltado, a fiscalização teve amplo poder

fiscalizatório e amplo conhecimento da mercadoria importada e suas características.

Na hipótese de erro de classificação fiscal, o erro cometido será erro de

direito, pois os fatos estavam todos presentes no momento em que o fiscal analisou

a documentação, verificou a mercadoria e ainda realizou o procedimento especial de

controle aduaneiro (na hipótese de canal cinza).

Estando ciente de todos os fatos e documentos e ainda tendo vistoriado a

mercadoria, se o fiscal concordou com a classificação apresentada pelo contribuinte

ou se exigiu alguma retificação nessa classificação e o importador assim procedeu,

após o desembaraço da mercadoria não pode a Aduana novamente analisar o

lançamento, alterando a classificação fiscal já utilizada e aplicar penalidades e

multas.

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O erro ocorrido foi pura e exclusivamente de valoração do direito, de

valoração jurídica de determinado fato, assim, não há que se falar em revisão do

lançamento.

Assim como ocorre no caso de desembaraço aduaneiro através do canal

amarelo, também nos canais vermelho e cinza, mas de forma ainda mais

incontestável, o erro de direito ocorrido em relação à classificação fiscal não autoriza

o Fisco a efetuar a revisão do lançamento (CTN, Art. 149, IV), assim como sua

mudança de critérios jurídicos na classificação da mercadoria também não é

autorizada, seja pelo artigo 146 do CTN, seja pela súmula 227 do TFR.

Esse entendimento ganha especial acolhida pelo voto do Ministro Luiz Fux, à

época ainda Ministro do STJ, cuja ementa e partes do voto cita-se a seguir:

TRIBUTÁRIO. II E IPI. AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO FISCAL. DESEMBARAÇO ADUANEIRO. CLASSIFICAÇÃO TARIFÁRIA. AUTUAÇÃO POSTERIOR. REVISÃO DE LANÇAMENTO. ERRO DE DIREITO. SÚMULA 227/TRF. PRECEDENTES. OMISSÃO - ART. 535, CPC. NÃO CONFIGURADA. 1. A revisão de lançamento do imposto, diante de erro de classificação operada pelo Fisco aceitando as declarações do importador, quando do desembaraço aduaneiro, constitui-se em mudança de critério jurídico, vedada pelo CTN. 2. Esta é ratio essendi da antiga Súmula 227 do TRF, in verbis: "A mudança de critério jurídico adotado pelo fisco não autoriza a revisão do lançamento". 3. O lançamento suplementar resta, portanto, incabível quando motivado por erro de direito. (Precedentes: Ag 918.833/DF, Rel. Min. JOSÉ DELGADO, DJ 11.03.2008; AgRg no REsp 478.389/PR, Min. HUMBERTO MARTINS, DJ. 05.10.2007, p. 245; REsp 741.314/MG, Rela. Min. ELIANA CALMON, DJ. 19.05.2005; REsp 202958/RJ, Rel. Ministro FRANCIULLI NETTO, DJ 22.03.2004; REsp 412904/SC, Rel. Min. LUIZ FUX, DJ 27/05/2002, p. 142; Resp no 171.119/SP, Rela. Min. ELIANA CALMON, DJ em 24.09.2001). 4. O acórdão recorrido, em sede de embargos de declaração, que enfrenta explicitamente a questão embargada não enseja recurso especial pela violação do artigo 535, II, do CPC. 5. Ademais, o magistrado não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos trazidos pela parte, desde que os fundamentos utilizados tenham sido suficientes para embasar a decisão. 6. Recurso Especial provido. [...] Com efeito, consoante se observa houve erro quanto à classificação tarifária da mercadoria desembaraçada cujas características constavam da Declaração de Importação. A mercadoria restou conferida pelo Agente Fiscal, com suas características específicas (ex., papel termossensível), que a identificava para fins da classificação tarifária, e aquela autoridade, ratificou a identificação física contida na Declaração de Importação. Concluída, a conferência aduaneira, sem impugnação de qualquer espécie, foi o produto desembaraçado e entregue ao importador, após pagos os tributos correspondentes. Consequentemente, deve se presumir que a classificação tarifária indicada na Declaração de Importação estava consoante o enquadramento da mercadoria na tarifa legal. [...] Ora, não tendo havido erro quanto à matéria de fato constante de

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declaração de importação, isto é, no que concerne a identificação física da mercadoria, não há que se admitir a revisão do lançamento. No caso sub judice o que a autoridade fiscal alega é, simplesmente, erro quanto à classificação tarifária da mercadoria importada, portanto erro de direito, irrelevante para autorizar a revisão do lançamento. (BRASIL, 2009b).

Ressalte-se o entendimento de que o erro de fato constante da declaração de

importação seria o erro na identificação física da mercadoria.

Tendo em vista que no canal vermelho ou cinza, a mercadoria, sua descrição

e todas as documentações necessárias para sua correta identificação são

amplamente analisadas, se a mercadoria for liberada após fiscalização nestes dois

canais, tem-se que não há que se admitir a revisão do lançamento.

A revisão do lançamento por erro de classificação fiscal após o desembaraço

aduaneiro em que a mercadoria foi parametrizada no canal vermelho ou cinza é

portanto vedada.

Isso significa que o agente fiscal não poderá propor qualquer penalidade em

razão de diferenças de alíquotas, multas e correções monetárias que poderiam ser

apuradas pela utilização da classificação fiscal correta ou do novo critério jurídico

adotado pelo Fisco.

Por outro lado entende-se que a proibição à revisão do lançamento para as

mercadorias que tenham sido desembaraçadas nos canais amarelo, vermelho ou

cinza protege o contribuinte apenas na análise individual de caso a caso, uma vez

que, conforme dito, no caso de liberação de mercadorias pelo canal verde é possível

se rever os dados fornecidos e os tributos recolhidos pelo importador.

Assim, na hipótese de o importador vir realizando diversas operações ao

longo do tempo, ocorrendo nestas operações hipóteses de desembaraço nos canais

verde, amarelo, vermelho e até cinza; nos casos em que uma sua mercadoria for

desembaraçada pelo canal verde, numa hipótese de verificação dos dados por parte

do Fisco, poderá ele ter que recolher as diferenças de alíquotas e multas e

correções.

Por outro lado, nos casos em que essas mesmas mercadorias tenham sido

desembaraçadas nos canais amarelo, vermelho e cinza, a revisão do lançamento

estará vedada.

Além disso entende-se que essa vedação à revisão do lançamento terá efeito

apenas para proibir os efeitos relativos aos tributos, tais como mudança de

alíquotas, multas e correções monetárias daí decorrentes. As multas de natureza

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administrativa-aduaneira não serão alcançadas pois a Revisão Aduaneira é mais

ampla do que a revisão de lançamento e o CTN, em seus artigos 145, 146 e 149

vedam apenas a revisão de lançamento.

Desta forma, para ter alcance mais abrangente e se proteger o cidadão

nestas situações, faz-se mister aplicar o princípio da proteção da confiança no

instituto da Revisão Aduaneira.

4.2 - REVISÃO ADUANEIRA E PROTEÇÃO DA CONFIANÇA

A Revisão Aduaneira é o procedimento previsto na legislação que trata dos

procedimentos relacionados ao Comércio Exterior brasileiro e consiste na apuração

da regularidade do pagamento dos impostos e demais gravames devidos à Fazenda

Nacional, na apuração da regularidade do benefício fiscal aplicado, na apuração da

exatidão das informações prestadas pelo importador na declaração de importação

ou pelo exportador na declaração de exportação, e mais recentemente, na

verificação dos aspectos cambiais.

Além disso, é um ato que ocorre em até cinco anos após o desembaraço

aduaneiro.

É importante distinguir que a Revisão Aduaneira, além de rever o

lançamento dos tributos, como ocorre na revisão de lançamento, também verifica, se

for o caso, a regularidade do benefício fiscal aduaneiro aplicado e a exatidão das

informações prestadas pelo importador na declaração de importação ou pelo

exportador na declaração de exportação.

Essas informações dizem respeito à diversos aspectos tanto da operação de

comércio internacional que está se realizando, como do preenchimento de requisitos

de regimes aduaneiros especiais, tributos devidos e recolhidos, assim como

informações relativas à descrição e características das mercadorias, do exportador e

importador, informações estas essenciais para a proteção do mercado e indústria

nacionais contra abusos e concorrências internacionais desleais.

A exatidão e transparência da transação internacional que está ocorrendo é

tão importante que a falta de informações completas e claras ensejam a aplicação

de pesadas multas como a do artigo 711 do Regulamento Aduaneiro (Decreto

6759/2009):

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Art. 711. Aplica-se a multa de um por cento sobre o valor aduaneiro da mercadoria: I - classificada incorretamente na Nomenclatura Comum do Mercosul, nas nomenclaturas complementares ou em outros detalhamentos instituídos para identificação da mercadoria; II - quantificada incorretamente na unidade de medida estatística estabelecida pela Secretaria da Receita Federal do Brasil; ou III - quando o importador ou beneficiário de regime aduaneiro omitir ou prestar de forma inexata ou incompleta informação de natureza administrativo-tributária, cambial ou comercial necessária à determinação do procedimento de controle aduaneiro apropriado. § 1o As informações referidas no inciso III do caput, sem prejuízo de outras que venham a ser estabelecidas em ato normativo da Secretaria da Receita Federal do Brasil, compreendem a descrição detalhada da operação, incluindo: I - identificação completa e endereço das pessoas envolvidas na transação: importador ou exportador; adquirente (comprador) ou fornecedor (vendedor), fabricante, agente de compra ou de venda e representante comercial; II - destinação da mercadoria importada: industrialização ou consumo, incorporação ao ativo, revenda ou outra finalidade; III - descrição completa da mercadoria: todas as características necessárias à classificação fiscal, espécie, marca comercial, modelo, nome comercial ou científico e outros atributos estabelecidos pela Secretaria da Receita Federal do Brasil que confiram sua identidade comercial; IV - países de origem, de procedência e de aquisição; e V - portos de embarque e de desembarque. (BRASIL, 2009a)

A melhor compreensão deste artigo demanda o esclarecimento do termo

valor aduaneiro. Valor aduaneiro, segundo o art. 77 do Regulamento Aduaneiro

corresponde:

Art. 77. Integram o valor aduaneiro, independentemente do método de valoração utilizado: I - o custo de transporte da mercadoria importada até o porto ou o aeroporto alfandegado de descarga ou o ponto de fronteira alfandegado onde devam ser cumpridas as formalidades de entrada no território aduaneiro; II - os gastos relativos à carga, à descarga e ao manuseio, associados ao transporte da mercadoria importada, até a chegada aos locais referidos no inciso I; e III - o custo do seguro da mercadoria durante as operações referidas nos incisos I e II. (BRASIL, 2009a).

Sendo assim, valor aduaneiro abrange o valor da mercadoria, o custo do

frete, os gastos de manuseio da mercadoria e o custo do seguro da mercadoria.

O descumprimento do dever de clareza e exatidão das informações na

declaração de importação e exportação enseja, assim, sanção bastante onerosa

para o importador e o exportador.

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Desta forma, a Revisão Aduaneira, além de cuidar da revisão de lançamento

dos tributos relacionados ao Comércio Exterior, revê também a correição das

informações de natureza aduaneira, impondo além das sanções tributárias, pesadas

sanções de natureza administrativa-aduaneira.

Entretanto, se o importador ou exportador prestou todas as informações

necessárias para se verificar a correição de sua operação de Comércio Exterior e a

Administração Pública atestou a correição destas informações, gerando a confiança

do contribuinte na regularidade de seus procedimentos, ao Fisco é vedado rever

essas operações adotando comportamento contraditório e punindo o importador ou

exportador, em razão do princípio da proteção da confiança.

4.2.1 - Proteção da Confiança e o Canal Verde de Parametrização.

O artigo 21 da Instrução Normativa 680 de 2006, da Secretaria da Receita

Federal do Brasil, em seu inciso I dispõe que no canal verde é o sistema que

registrará o desembaraço automático da mercadoria.

Uma vez que é o sistema que registrará o desembaraço automático da

mercadoria, a fiscalização não terá analisado as informações prestadas pelo

importador. Assim, o fiscal não terá verificado a correição da classificação da

Nomenclatura Comum do Mercosul utilizada, os detalhes da descrição da

mercadoria, o preenchimento de requisitos de regimes aduaneiros especiais entre

outros. O sistema, por ser informatizado, apenas identificará discrepâncias e

incongruências grosseiras na declaração de importação.

Desta forma, caso a mercadoria seja desembaraçada pelo canal verde e

posteriormente venha a ser fiscalizada, tecnicamente, o procedimento que estará

ocorrendo é pura e simplesmente a fiscalização da operação de Comércio Exterior

realizada, não se tratando de Revisão Aduaneira, pois não se estará revendo, ou

vendo de novo, mas sim vendo pela primeira vez.

De qualquer forma, a partir do adotado paradigma erro de classificação

fiscal, pode a mercadoria desembaraçada mediante o canal de parametrização

verde, que esteja eivada com um erro de classificação fiscal, ter sua Revisão

Aduaneira vedada em razão do princípio da proteção da confiança?

Essa pergunta pode ser respondida através da verificação da base da

confiança, da confiança, do exercício da confiança e da frustração da confiança e

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também pela aplicação das sete regras elaboradas por Humberto Ávila (2011, p.

408-409).

Assim, a verificação da base da confiança demanda a análise do grau de

confiança gerada pelo desembaraço da mercadoria mediante o canal verde de

parametrização de acordo com os elementos vinculatividade, aparência de

legitimidade do ato, modificabilidade, efetividade, indução, individualidade,

onerosidade, durabilidade.

Considerando que o desembaraço foi efetuado via sistema informatizado,

não houve nenhum ato específico da Administração que pudesse gerar confiança. O

desembaraço, quando efetuado por pessoa física é vinculado à leis e normas que

impõe que, se todas as informações e requisitos tiverem sido preenchidos, deve o

fiscal efetuar o despacho aduaneiro, liberando a mercadoria, que será então

desembaraçada.

Entretanto, apesar de o ato estar vinculado à lei através do artigo 44 do DL

37/66, e normas como o artigo 542 do Regulamento Aduaneiro e artigo 1o da IN SRF

680/2006, tendo em vista que não houve nenhum ato específico por parte da

Administração, nenhuma conferência, fiscalização, não há que se falar em confiança

gerada, uma vez que a mercadoria parametrizada no canal verde tem desembaraço

automático.

A aparência de legalidade do ato também não está presente, uma vez que

não houve ato praticado por agente público competente. Se não houve ato de

agente público competente, mas tão somente um desembaraço automático efetuado

mediante sistema, o desembaraço mediante canal verde não goza de presunção de

legitimidade, assim como não cria nenhuma base de confiança.

O critério modificabilidade também não gera confiança. Partindo-se do

pressuposto que não houve de fato uma fiscalização da mercadoria desembaraçada,

o importador tem em mente que poderá ser fiscalizado a qualquer instante. Desta

forma, não há que se falar em continuidade do ato que gerou a confiança, até

mesmo porque esse ato não ocorreu de fato.

A efetividade pode ser entendida como presente apenas sob o prisma do

atendimento do objetivo estatal de possibilitar e fomentar o Comércio Exterior

brasileiro. Entretanto, essa efetividade não é decorrente de nenhum ato que tenha

ocorrido no momento e pelo desembaraço no canal verde, uma vez que não houve

nenhum ato.

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De uma forma ou de outra, esse objetivo do Estado de fomentar o Comércio

Exterior poderia ser entendido como gerador de base de confiança, mas de forma

bastante frágil, pois a finalidade pretendida pelo Estado certamente não passa pela

total e irresponsável liberação de toda a mercadoria que entra no território nacional.

O critério da indução também não encontra guarida no caso de canal verde.

A ausência de ato estatal específico e o fato de que o canal verde somente será

determinado após o registro da Declaração de Importação não permite o

entendimento de que o importador tenha sido induzido a praticar um ato que não

praticaria se não fosse certo comportamento anterior do Estado.

Numa situação normal o importador não tem como saber com antecedência

que sua mercadoria será desembaraçada mediante canal verde de parametrização.

O requisito individualidade também não gera a confiança suficiente para ser

protegida no caso deste canal. O desembaraço mediante canal verde, em que não

houve ato específico da fiscalização através de pessoa física, somado à falta de

perspectiva de que o canal verde somente ocorreria para aquele determinado

importador, não é passível de ser entendido como ato individualizado, o que não

geraria um sentimento de lealdade maior entre o Estado e este particular.

O critério da onerosidade também não é facilmente extraído da situação em

que a mercadoria tenha sido liberada mediante canal verde. O importador, até o

momento em que tiver sua mercadoria efetivamente fiscalizada, que ocorrerá por

ocasião da Revisão Aduaneira, não terá gastado nenhum valor a mais do que

acreditava estar correto dentro do que apresentou com sua declaração. Não houve

ato que até este momento o tenha feito elevar seus custos, ou até mesmo diminuí-

los. Assim, a única certeza ou confiança que o importador possuía era em seus

próprios atos, não podendo se falar em confiança gerada pelo Estado.

Finalmente, em relação à durabilidade, esse critério vai depender do tempo

que demorar para a Receita Federal efetuar a Revisão Aduaneira. Entretanto, até

mesmo esse critério será frágil, pois não houve ato anterior da Fiscalização que

pudesse ter gerado uma aparência de legitimidade que com o tempo se fortalecesse

e ganhasse caráter cada vez mais confiável.

Por todos esses motivos entende-se que o primeiro requisito, base da

confiança, não foi verificado no caso de desembaraço de mercadoria mediante canal

verde de parametrização.

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Assim, diante da ausência de quase todos os elementos apontados como

ensejadores da base da confiança, entende-se que as demais regras enumeradas

por Humberto Ávila não se aplicam ao caso de Revisão Aduaneira de mercadoria

desembaraçada por meio do canal verde.

Por outro lado, além de ausente o requisito base da confiança, também fica

clara a ausência do requisito confiança, pois, para que haja confiança, é necessário

que o cidadão tenha confiado na base da confiança e tenha tomado conhecimento

deste elemento.

Se não houve base da confiança, o particular não confiou nessa base e

também não tomou conhecimento dela. Assim, também não houve confiança.

Além disso, também não houve qualquer exercício da confiança, uma vez

que não houve base da confiança nem confiança. Se não houve esses dois

elementos, é impossível que o importador tenha colocado em prática a confiança

que depositou em ato estatal.

Finalmente, a frustração da confiança pressupõe a existência dos três

elementos anteriores. Diante da inexistência destes, o particular não pode alegar

que sua confiança foi frustrada. Não houve ato anterior Estatal que tivesse gerado

confiança e em momento posterior tivesse sido ignorado ou revogado pelo Estado.

Considerando os argumentos demonstrados, entende-se que a situação em

que haja Revisão Aduaneira que analise classificação fiscal de mercadoria

desembaraçada mediante canal verde de parametrização não goza da proteção da

confiança.

Essa situação, pelas suas características peculiares, não enseja qualquer

base de confiança, confiança, exercício da confiança e frustração da confiança.

4.2.2 - Proteção da Confiança e o Canal Amarelo de Parametrização.

O inciso II do artigo 21 da Instrução Normativa 680 de 2006, da Secretaria

da Receita Federal estabeleceu que no canal amarelo de parametrização é realizado

o exame documental da mercadoria que está sendo importada.

Ficou estabelecido ainda que no canal amarelo, se não for constatada

nenhuma irregularidade na análise documental, a mercadoria é desembaraçada.

A análise documental é disciplinada pelo artigo 25 da IN SRF 680/2006:

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Art. 25 - O exame documental das declarações selecionadas para conferência nos termos do art. 21 consiste no procedimento fiscal destinado a verificar: I - a integridade dos documentos apresentados; II - a exatidão e correspondência das informações prestadas na declaração em relação àquelas constantes dos documentos que a instruem, inclusive no que se refere à origem e ao valor aduaneiro da mercadoria; III - o cumprimento dos requisitos de ordem legal ou regulamentar correspondentes aos regimes aduaneiros e de tributação solicitados; IV - o mérito de benefício fiscal pleiteado; e V - a descrição da mercadoria na declaração, com vistas a verificar se estão presentes os elementos necessários à confirmação de sua correta classificação fiscal. Parágrafo único. Na hipótese de descrição incompleta da mercadoria na DI, que exija verificação física para sua perfeita identificação, com vistas a confirmar a correção da classificação fiscal ou da origem declarada, o AFRF responsável pelo exame poderá condicionar a conclusão da etapa à verificação da mercadoria. (BRASIL, 2006)

Finalmente, os documentos que instruem a declaração, conforme o inciso II,

são aqueles do artigo 553 do Regulamento Aduaneiro:

Art. 553. A declaração de importação será instruída com: I - a via original do conhecimento de carga ou documento de efeito equivalente; II - a via original da fatura comercial, assinada pelo exportador; III - o comprovante de pagamento dos tributos, se exigível; e IV - outros documentos exigidos em decorrência de acordos internacionais ou por força de lei, de regulamento ou de outro ato normativo.(BRASIL, 2009a)

Assim, pelo exame documental da mercadoria que está sendo importada é

possível ter acesso a todas informações necessárias e suficientes para conferir,

dentre outras, a classificação fiscal da mercadoria.

Desta forma, o fiscal poderá verificar exatamente se a mercadoria foi

devidamente classificada. Por outro lado, caso ele entenda que as informações ou

descrição estão incompletas, de forma que não permita a perfeita identificação da

mercadoria, o auditor fiscal poderá exigir a verificação física da mercadoria,

convertendo o canal amarelo em vermelho, conforme preconiza o parágrafo único do

já mencionado artigo 25 da IN SRF 680 de 2006.

Neste contexto resta claro que, se o fiscal não exigiu a conferência física da

mercadoria, quando esta houver sido parametrizada no canal amarelo, significa que

foi possível realizar a perfeita identificação da mercadoria com a documentação

apresentada e assim foi verificada a correição de sua classificação fiscal.

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A partir deste entendimento é possível extrair duas situações a serem

analisadas para a verificação da possibilidade de proteção da confiança quando

determinada mercadoria importada que tenha sido parametrizada pelo canal

amarelo for alvo de Revisão Aduaneira.

A primeira situação é aquela em que o auditor fiscal examina a

documentação, confere a classificação fiscal e desembaraça a mercadoria,

entendendo que a declaração foi prestada de forma correta.

A segunda situação é aquela em que o fiscal examina a documentação,

confere a classificação fiscal e em alguns casos, a seu critério, realiza a conferência

física, constata erro e faz exigência para que o importador retifique sua declaração.

O importador cumpre a exigência e o fiscal então entende que o erro foi sanado e

desembaraça a mercadoria.

A partir destas duas situações, passa-se à análise das regras de Humberto

Ávila (2011, p. 408-409) para a verificação da possibilidade de aplicação do princípio

da proteção da confiança.

A verificação da formação de uma base da confiança demanda a

observância do grau de presença dos elementos vinculatividade, aparência de

legitimidade do ato, modificabilidade, efetividade, indução, individualidade,

onerosidade, durabilidade.

O fiscal apenas permite o desembaraço aduaneiro da mercadoria que tenha

sido parametrizada no canal amarelo quando verifica que todas as informações

prestadas pelo importador estão corretas. Assim, o fiscal tem o dever de verificar a

correição das informações para poder liberar a mercadoria.

Diante disto, o fiscal está vinculado à Instrução Normativa da SRF 680 de

2006, que por sua vez está vinculada ao Decreto 6759/2009 - Regulamento

Aduaneiro -, que regulamenta o Decreto Lei 37 de 1966.

Sendo assim, diante do alto grau de vinculação do ato do fiscal, que deve

por lei verificar a classificação fiscal da mercadoria para promover o seu

desembaraço, tanto na hipótese de o fiscal entender que a mercadoria foi

classificada corretamente, quanto na hipótese de o fiscal exigir que o importador

retifique a declaração para corrigir a classificação fiscal da mercadoria, a confiança

do importador é grande é deve ser protegida.

A partir do momento da liberação de sua mercadoria, o importador cria uma

expectativa e uma confiança grande de que sua mercadoria foi classificada

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corretamente, confiança ainda maior quando o fiscal tiver exigido retificação para

correção da classificação fiscal.

Desta forma, o grau de vinculatividade é grande e a confiança dele

decorrente também.

O alto grau de vinculatividade desta situação dá ensejo a uma incontestável

aparência de legitimidade do ato do fiscal. Se o auditor fiscal somente deve liberar a

mercadoria que foi parametrizada em canal amarelo após a verificação da

regularidade da operação e das informações prestadas, o fato de o fiscal ter

desembaraçado a mercadoria importada dá grande aparência de legitimidade ao seu

ato.

Sendo o ato da liberação da mercadoria o resultado da análise da

regularidade da documentação apresentada, a confiança do importador de que a

mercadoria foi classificada corretamente é muito elevada e a confiança na aparência

da legitimidade do ato da fiscalização também.

Assim a liberação direta e mais ainda a liberação após a exigência de

retificação trazem grande base de confiança pela aparência de legitimidade do ato.

Ao contrário do que ocorre com o canal verde, onde não há uma conferência

da documentação, gerando incerteza sobre o grau de permanência do ato, a

liberação da mercadoria após sua análise em canal amarelo traz um alto grau de

confiança na permanência do ato do fiscal que entendeu que a importação realizada

e a classificação fiscal estavam corretas.

Tendo em vista que a Revisão Aduaneira não é regra, mas sim exceção,

pois não são todos os importadores e exportadores que sofrem esse procedimento,

o importador que teve sua mercadoria desembaraçada no canal amarelo acredita

apenas remotamente que sofrerá Revisão Aduaneira, uma vez que toda a

documentação da mercadoria foi devidamente conferida e não restaram dúvidas

para o fiscal de que a operação estava toda regular.

Hipótese ainda mais elevada de credibilidade na permanência do ato é

aquela em que a mercadoria foi desembaraçada após alguma exigência do fiscal.

Neste caso, por ter já ocorrido uma retificação da sua declaração de importação, a

confiança na permanência do ato por parte do importador é quase que absoluta.

Sendo assim, o elevado grau de permanência do ato da administração

pública que desembaraçou a mercadoria atestando a regularidade da importação

gera base sustentável de confiança.

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A regra violada no caso de uma classificação incorreta da mercadoria pode

ter diversos efeitos, desde uma diferença de alíquotas, até a entrada de uma

mercadoria proibida no território nacional.

Entretanto, quando se tem toda a documentação necessária para a

conferência da classificação fiscal e perfeita identificação da mercadoria, é

extremamente incomum não ser verificada as características de uma mercadoria

cuja entrada seja proibida no Brasil.

Desta forma, os casos mais comuns de erro de classificação fiscal são os

casos de mercadorias complexas ou muito tecnológicas que apresentam

características semelhantes à de outra mercadoria com classificação diferente.

Neste contexto, o critério da efetividade, que diz respeito ao grau de

realização da finalidade subjacente à regra supostamente violada, deve ser

analisado tendo em vista a finalidade da adoção de canais de parametrização no

Comércio Exterior: permitir um Comércio Exterior rápido e eficiente; e as finalidades

gerais do Comércio Exterior brasileiro: a) promover o comércio internacional; b)

suprir as deficiências de produtos do mercado brasileiro; c) evitar a entrada de bens

e produtos nocivos à população; d) evitar a concorrência desleal.

A liberação da mercadoria com a classificação fiscal incorreta atende, a

grosso modo, à finalidade subjacente à adoção de canais de parametrização no

Comércio Exterior; pois a promove o comércio internacional (mesmo que de forma

inadequada) e também ajuda a suprir as deficiências de produtos do mercado

brasileiro.

Por outro lado, pode ensejar a entrada de bens e produtos nocivos à

população, mas de forma relativa, por ser bem incomum a ocorrência de erro de

classificação fiscal para mercadoria proibida, conforme fundamentado.

Finalmente, o erro de classificação fiscal nesse caso pode ensejar sim a

entrada de bens de forma a gerar concorrência desleal. Se o bem entrar com uma

alíquota inferior a que seria a alíquota real, certamente estará prejudicando a

concorrência no mercado interno.

Diante destas considerações e dando maior peso principalmente à finalidade

de adoção dos canais de parametrização, entende-se que o fator efetividade como

gerador de base da confiança para este caso é baixo, não sendo suficiente para

gerar base da confiança que mereça grande proteção.

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Por sua vez o critério da indução quando analisado sob a perspectiva de

Revisão Aduaneira de uma única mercadoria que tenha sido desembaraçada

mediante canal amarelo, também é frágil, pois o importador não conhecia de

antemão o canal em que sua mercadoria seria parametrizada. Assim, não há que se

falar que o importador tenha agido induzido por ato do Estado.

Por outro lado, esse critério torna-se robusto na hipótese em que a

mercadoria tenha sido desembaraçada no canal amarelo após exigência fiscal que

tenha ordenado ao importador retificar a classificação fiscal de sua mercadoria.

Neste caso, o ato do fiscal claramente induziu o importador ao erro. Assim,

caso a Revisão Aduaneira constate o erro de classificação fiscal, a confiança gerada

pela incorreta indução estatal deve ser fortemente protegida.

O critério da individualidade tem elevada presença no desembaraço

aduaneiro efetuado no canal amarelo. Tendo em vista que toda a documentação de

uma mercadoria de um importador específico foi analisada pelo fiscal, o grau de

proximidade do ato estatal com o particular é enorme.

Ou seja, o fiscal, ao desembaraçar a mercadoria, realizou esse ato

especificamente para aquele importador e para aquela mercadoria. Desta forma, por

ser altamente individualizado o ato, a base de confiança gerada no importador é

bastante alta.

A análise da onerosidade aproxima-se da análise do critério da indução,

sendo certo que, quando a Revisão Aduaneira se refere a uma única mercadoria

que tenha sido desembaraçada mediante canal amarelo, o critério da onerosidade é

frágil para gerar confiança, pois o importador não conhecia de antemão o canal em

que sua mercadoria seria parametrizada. Assim, não há que se falar que o

importador tenha realizado gastos ou tenha sido mais onerado por algum ato do

Estado.

Por outro lado, assim como ocorre no critério da indução, esse critério da

onerosidade torna-se robusto na hipótese em que a mercadoria tenha sido

desembaraçada no canal amarelo após exigência fiscal que tenha ordenado ao

importador retificar a classificação fiscal de sua mercadoria.

Nesta situação, por já ter havido exigência fiscal de alteração de

classificação fiscal, se houver diferença para mais de alíquota, o importador já terá

arcado com a diferença, as multas e correções, além da multa administrativa-

aduaneira por classificação incorreta de mercadoria.

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Desta forma, neste caso, o critério da onerosidade gerará base de confiança

suficiente para proteger o importador contra nova alteração na classificação fiscal da

mercadoria.

Finalmente, o critério da durabilidade dependerá da análise concreta da

situação, pois a maior distância entre a data do desembaraço e a data da Revisão

Aduaneira ensejará uma maior base de confiança do importador de que o ato tenha

sido eficaz.

A primeira regra de Humberto Ávila (2011, p. 408-409) que consiste na

verificação de maior grau de presença destes elementos analisados como

ensejadores de um maior grau de proteção da confiança deve ser vista em conjunto

com as outras regras.

Assim, pela segunda regra, a maior presença do elemento durabilidade

ameniza a necessidade de forte presença dos outros elementos.

Porém, conforme afirmado, o critério da durabilidade dependerá da análise

concreta da situação, pois a maior distância entre a data do desembaraço e a data

da Revisão Aduaneira é que permitirá amenizar a necessidade de forte presença

dos outros elementos.

Entretanto, conforme pôde ser constatado, o desembaraço aduaneiro

mediante o canal amarelo de parametrização apresenta grande presença de

praticamente todos os elementos formadores da base da confiança. Assim, uma

maior durabilidade apenas irá confirmar e fortalecer o grau de proteção da

confiança.

A terceira regra que dispõe que o alto grau de presença da maioria dos

elementos compensa o baixo grau de presença de um elemento serve para

compensar o baixo grau de efetividade nas duas hipóteses de desembaraço da

mercadoria, direto e após exigência, e os baixos graus de indução e onerosidade no

caso de desembaraço da mercadoria em que não tenha havido nenhuma exigência.

Considerando que são oito os critérios e que apenas na hipótese de

desembaraço da mercadoria sem exigência é que se terá a baixa presença de três

critérios, ainda assim, caso se efetue a compensação do alto grau de presença dos

demais critérios, a parametrização pelo canal amarelo terá grande base de

confiança.

A quarta regra trata exatamente da situação que é defendida neste trabalho,

ou seja, deve-se afastar o efeito retroativo de norma tributária com finalidade

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extrafiscal sempre que o objetivo puder ser atingido do momento presente para o

futuro.

Sendo assim, se o objetivo é que o importador classifique corretamente suas

mercadorias e passe a realizar corretamente suas importações, esse objetivo pode

ser alcançado sem se retroagir para as operações já realizadas pelo importador.

Da mesma forma, se o objetivo é controlar as importações, esse objetivo

pode ser alcançado sem se retroagir, pois a retroação neste caso não terá nenhum

outro efeito senão arrecadatório, pois a mercadoria já entrou no país, foi

nacionalizada e já está cumprindo sua finalidade, seja consumo próprio,

incorporação ao ativo permanente ou revenda.

Desta forma, quando a fiscalização for realizar nova conferência de

mercadoria do mesmo importador, deverá avisá-lo da mudança de critérios ou da

utilização de classificação fiscal diversa da já utilizada, para que ele possa fazer

suas correções e adaptações necessárias para as importações futuras.

A quinta regra propõe que, caso o objetivo só possa ser atendido com a

eficácia normativa da nova lei, a proteção da confiança deverá ser maior quanto

mais intensamente forem restringidos os direitos de liberdade e de propriedade do

cidadão.

Defende-se aqui justamente a impossibilidade de retroação no caso de

desembaraço aduaneiro mediante canal amarelo, retroação esta que, caso ocorra,

ocorrerá através da Revisão Aduaneira.

De qualquer forma, de acordo com essa regra, quanto mais os direitos de

liberdade e propriedade do cidadão forem restringidos, maior a necessidade de

proteção da confiança.

Pois bem, a Revisão Aduaneira após o desembaraço no canal amarelo

restringirá claramente a liberdade de planejamento das operações comerciais do

importador; sua liberdade econômica, pois ensejará elevadas multas; além de sua

liberdade fiscal e administrativa, pois poderá ensejar execuções fiscais, certidões

positivas de débitos fiscais, que também poderão bloquear benefícios fiscais e

aduaneiros-fiscais, além de participação em licitações.

Ademais, a retroatividade representada pela Revisão Aduaneira, caso ocorra

em diversas operações do importador ao longo de cinco anos, que é o prazo

máximo para realizar a Revisão Aduaneira, poderá afetar de forma desastrosa o

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patrimônio do importador, caso este seja importador regular e de mercadorias de

alto valor.

Vale observar que, em algumas situações, a Revisão Aduaneira poderá ter

prazo ainda maior, podendo chegar a dez ou onze anos nos casos de aplicação do

benefício de isenção de tributos para bens sujeitos à comprovação de aplicação em

finalidades específicas. Nesta situação, os efeitos sobre o patrimônio do importador

poderão ser ainda mais arrasadores.

A sexta regra trata da forma de apuração da intensidade de restrição dos

direitos de liberdade e de propriedade do cidadão. Essa regra será adotada em

consonância com a regra anterior, ou seja, apenas se o objetivo da norma tributária

com finalidade extrafiscal só puder ser atingido com a eficácia retrospectiva da nova

lei.

Entretanto, este não é o caso, pois, conforme foi visto, os objetivos da norma

não serão alcançados com a eficácia retrospectiva dos novos critérios, apenas

poderão ser alcançados nas importações seguintes ao momento da adoção dos

novos critérios.

Finalmente, a sétima regra dispõe que o efeito retroativo deve ser afastado

se a restrição da dimensão futura da segurança for afetada de forma ainda mais

relevante do que em sua dimensão passada.

Esse é justamente o efeito que gera a utilização da Revisão Aduaneira após

a mercadoria ser desembaraçada mediante o canal amarelo.

Isto ocorre porque a insegurança jurídica gerada pela Revisão Aduaneira,

mesmo depois que toda a documentação da mercadoria tiver sido verificada,

somada às multas e sanções decorrentes desse procedimento fiscal, levará o

importador a considerar em suas ações futuras a possibilidade de ter sua confiança

novamente frustrada, podendo até mesmo levá-lo a deixar de importar ou realizar

operações de comércio internacional.

O prejuízo para a sociedade, para a economia e para a política da não

realização de operações comerciais internacionais poderá e será muito superior à

finalidade que justificou a Revisão Aduaneira.

Sendo assim, a sétima regra é mais um fundamento para a aplicação da

proteção da confiança.

Além dessas regras, que proporcionam a verificação da formação da base

da confiança, deve-se analisar também se houve, com o desembaraço por meio do

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canal amarelo, a confiança decorrente desta base, o exercício desta confiança e a

frustração da confiança.

Segundo Humberto Ávila (2011, p. 397), para que haja a confiança, é

necessário que o cidadão tenha confiado na base da confiança e, para isso, é

necessário que ele tenha tomado conhecimento deste elemento.

Conforme analisado, os elementos formadores da base da confiança

restaram bem caracterizados e com alto grau de presença de pelo menos cinco dos

oito critérios no caso de desembaraço direto da mercadoria e presença de sete dos

oito critérios no caso de desembaraço da mercadoria após exigência do fiscal para

retificar determinada classificação fiscal.

Desta forma, o desembaraço da mercadoria que tenha sido parametrizada

no canal amarelo faz com que o importador tome conhecimento da base da

confiança. Ou seja, liberada a mercadoria após a análise documental pela

fiscalização, o importador terá certeza de que todos aqueles critérios que o levaram

a acreditar que sua classificação foi feita de forma correta, estavam corretos,

passando então a confiar na regularidade de sua operação de importação.

No mesmo sentido, de forma ainda mais intensa, é a situação em que o

fiscal tenha feito exigência de retificação da classificação fiscal. Se houve essa

exigência e se após o cumprimento desta exigência a mercadoria foi liberada, o

importador terá plena confiança de que a partir daquele momento, tendo em vista a

fiscalização e a exigência de correção da classificação fiscal, os elementos

formadores da base da confiança passaram a estar definitivamente corretos. A

confiança de que o Estado agiu de forma a tornar correta a classificação fiscal neste

momento é absoluta.

O requisito exercício da confiança também pode ser demonstrado na

situação em que as mercadorias tenham sido desembaraçadas pelo canal amarelo,

quando, após o desembaraço, o importador não efetue uma denúncia espontânea

ou uma retificação após o desembaraço.

Se a denúncia espontânea exclui a aplicação de penalidades de natureza

tributária ou administrativa, conforme artigo 102 do DL 37 de 1966, caso o

importador não tivesse plena confiança na correição da classificação fiscal utilizada,

efetuaria a denúncia espontânea para evitar a aplicação das penalidades.

Art.102 - A denúncia espontânea da infração, acompanhada, se for o

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caso, do pagamento do imposto e dos acréscimos, excluirá a imposição da correspondente penalidade. (Redação dada pelo Decreto-Lei nº 2.472, de 01/09/1988) § 1º - Não se considera espontânea a denúncia apresentada: a) no curso do despacho aduaneiro, até o desembaraço da mercadoria; b) após o início de qualquer outro procedimento fiscal, mediante ato de ofício, escrito, praticado por servidor competente, tendente a apurar a infração. § 2º A denúncia espontânea exclui a aplicação de penalidades de natureza tributária ou administrativa, com exceção das penalidades aplicáveis na hipótese de mercadoria sujeita a pena de perdimento. (BRASIL, 1966)

Neste caso, o exercício da confiança restará caracterizado pela não

utilização da denúncia espontânea, uma vez que os prejuízos em se manter a

classificação utilizada no momento do desembaraço aduaneiro serão bem maiores

do que no caso de o importador não confiar na classificação fiscal utilizada, efetuar a

denúncia espontânea e sua importação for objeto de Revisão Aduaneira posterior.

Finalmente, a frustração da confiança ocorrerá após o desembaraço

aduaneiro pelo canal amarelo exatamente no momento em que houver uma Revisão

Aduaneira que aponte que a classificação fiscal utilizada estava errada e aplique as

penalidades de natureza administrativa e tributária ao importador.

Essa frustração será ainda maior no caso em que tenha havido exigência

para se mudar a classificação fiscal para que ocorresse o desembaraço aduaneiro.

Afinal, o importador confiou tanto no fiscal que cumpriu sua exigência e mudou a

classificação fiscal mesmo que isso implicasse na alteração da classificação fiscal

que entendia como correta.

Neste contexto, o ato estatal chega a ser tão imoral que a frustração do

importador além de elevada, é evidente.

Diante de toda essa análise, chega-se a conclusão que o desembaraço

aduaneiro realizado através do canal amarelo de parametrização cria,

indubitavelmente, base de uma confiança, que leva o importador a confiar no ato

estatal que atestou que a classificação fiscal da mercadoria estava correta no

momento do desembaraço.

Assim, caso o importador não efetue uma denúncia espontânea e altere a

classificação fiscal desta mercadoria desembaraçada pelo canal amarelo, estará

demonstrado o exercício desta confiança.

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Desta forma, caso a Receita Federal pretenda promover ou promova a

Revisão Aduaneira, corrigindo a classificação fiscal utilizada e aplicando penalidades

ao importador, ela estará frustrando essa confiança.

Tendo em vista o perfeito preenchimento dos requisitos que possibilitam a

proteção da confiança, o importador gozará plenamente da proteção da confiança

contra ato de Revisão Aduaneira que pretenda alterar a classificação fiscal de

mercadoria que tenha sido desembaraçada pelo canal amarelo de parametrização,

estando assim vedada a aplicação de penalidades administrativas e tributárias ao

importador.

Por outro lado, uma situação merece especial destaque e ainda maior

proteção da confiança quando se tratar de desembaraço via canal amarelo: é o caso

do importador frequente, não eventual, que importou a mesma mercadoria diversas

vezes e a mesma foi desembaraçada diversas vezes pelo canal amarelo.

Nesta situação, além do grau de presença dos elementos que ajudam a

configurar a base da confiança ficarem ainda mais elevados, os critérios que

possuíam baixo grau de presença, em especial a indução e a onerosidade ganham

outra leitura e passam a apresentar alto grau de incidência.

Tendo em vista que a mercadoria foi desembaraçada mais de uma vez pelo

canal amarelo, após ampla análise documental, o ato do desembaraço induzirá o

importador a acreditar ainda mais que a classificação fiscal estava correta, o que o

levará a manter e utilizar essa classificação nas importações futuras da mesma

mercadoria.

Essa confiança induzida pelo desembaraço anterior ganhará cada vez mais

relevância de acordo com o maior número de desembaraços que forem ocorrendo

pelo canal amarelo em que a mesma classificação for utilizada.

Além disso, tendo em vista a confiança gerada pelo primeiro desembaraço

que tenha ocorrido via canal amarelo, esta situação será um aval para que o

importador realize mais operações e faça planejamentos financeiros e tributários,

fazendo com que o ato do desembaraço se torne oneroso para o importador. Afinal

haverá mais gastos baseados na confiança de que a classificação fiscal estava

correta. Assim, o critério onerosidade ganhará também especial relevância.

Finalmente, pelo fato de o importador ser não eventual, quando houver uma

Revisão Aduaneira, certamente serão analisadas também importações antigas que

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terão servido de base para a utilização de determinada classificação fiscal para

importações mais recentes.

Este fato fortalecerá o critério durabilidade para as importações mais

recentes, uma vez que terão como base a mercadoria liberada mediante canal

amarelo em um momento mais distante.

Também o critério confiança ganhará mais relevância pela prática reiterada

dos atos da administração pública que desembaraçaram a mesma mercadoria,

aceitando a mesma classificação fiscal, diversas vezes. Essa prática reiterada dos

atos de desembaraço via canal amarelo permitirá o perfeito conhecimento destes

atos pelo importador e a certeza ainda maior de que pode confiar na correição

daquela classificação fiscal.

A respeito disso, pode-se afirmar, de um lado, que a prática reiterada de aplicação de um ato tem uma espécie de eficácia concludente com relação à sua validade, podendo fazer com que o particular aja causalmente orientado por essa prática; de outro, essa prática faz gerar no administrado a concepção de que a Administração não irá revogar o ato. (ÁVILA, 2011, p. 384)

A situação do importador frequente também reforçará o exercício da

confiança, pois, além da situação da não realização da denúncia espontânea, a

utilização da mesma classificação fiscal para todas as importações posteriores

àquela que foi desembaraçada pelo canal amarelo demonstra sem sombra de

dúvida o exercício da confiança.

Por fim, a frustração da confiança, na situação do importador não eventual,

será ainda maior porque seu prejuízo será muito maior no caso da Revisão

Aduaneira, pois aplicará penalidades tributárias e administrativas não somente à

uma mercadoria, mas à diversas mercadorias que ele tenha importado utilizando a

classificação fiscal que o Estado levou-o a acreditar como correta.

Sendo assim, levando em consideração que o preenchimento dos requisitos

que possibilitam a proteção da confiança será ainda mais robusto, o importador

frequente terá ampla proteção do princípio da proteção da confiança contra ato de

Revisão Aduaneira que pretenda alterar a classificação fiscal de suas mercadorias

que tenham sido desembaraçadas pelo canal amarelo de parametrização, estando

assim vedada a aplicação de penalidades administrativas e tributárias ao importador.

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O Fisco não poderá adotar comportamento contraditório modificando

classificação fiscal que em momento pretérito aceitou como correta.

4.2.3 - Proteção da Confiança e os Canais Vermelho e Cinza de

Parametrização.

O inciso III e IV do artigo 21 da Instrução Normativa 680 de 2006, da

Secretaria da Receita Federal disciplina, respectivamente, os canais vermelho e

cinza de parametrização.

Conforme o inciso III, o canal vermelho de parametrização é aquele em que,

além da análise dos documentos relativos à mercadoria importada, a fiscalização

efetua também a verificação física da mercadoria.

Por sua vez, o canal cinza é aquele em que, além da análise da

documentação e da verificação física da mercadoria, o auditor fiscal realiza também

o procedimento especial de controle aduaneiro. Esse procedimento que tem como

finalidade investigar indícios de fraude na operação de importação é bastante

minucioso e pode implicar na retenção da mercadoria por até 180 dias.

Assim, neste dois procedimentos, a quantidade de informações e a

possibilidade de perfeita identificação e classificação fiscal da mercadoria é

praticamente irrestrita. O fiscal, além da verificação de toda a documentação da

mercadoria, que por si só é suficiente para classificar a mercadoria, poderá ainda

verificar pessoalmente a mercadoria e, no caso do canal cinza, ainda levantar todos

os dados a respeito da empresa que está importando, até mesmo a relação de todas

as importações realizadas anteriormente.

Desta forma, falar-se em erro de fato nestas duas situações beira as

margens da má-fé por parte do Estado.

A verificação física da mercadoria permite inclusive a solicitação de

assistência de técnico credenciado caso ainda reste alguma dúvida por parte do

fiscal:

Art. 29 - A verificação física é o procedimento fiscal destinado a identificar e quantificar a mercadoria submetida a despacho aduaneiro, a obter elementos para confirmar sua classificação fiscal, origem e seu estado de novo ou usado, bem assim para verificar sua adequação às normas técnicas aplicáveis.

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§ 1o - O importador prestará à fiscalização aduaneira as informações e a assistência necessárias à identificação da mercadoria. § 2o - A fiscalização aduaneira, caso entenda necessário, poderá solicitar a assistência de técnico credenciado para proceder à identificação da mercadoria. (BRASIL, 2006).

Desta forma, o fiscal poderá verificar exatamente se a mercadoria foi

devidamente classificada. Por outro lado, caso ele não consiga verificar

corretamente a mercadoria, ou não tenha conhecimento técnico suficiente para

conferir se a mercadoria se enquadra na descrição fornecida, o auditor fiscal poderá

solicitar assistente técnico credenciado que emitirá laudo respondendo aos seus

questionamentos.

Neste contexto resta claro que nos canais vermelho e cinza é incontestável

a possibilidade de o auditor fiscal realizar a perfeita identificação da mercadoria e

verificar a correição de sua classificação fiscal.

A partir deste entendimento, assim como explicitado no item anterior sobre o

canal amarelo, é possível extrair duas situações a serem analisadas para a

verificação da possibilidade de proteção da confiança quando determinada

mercadoria importada tenha sido parametrizada pelo canal vermelho ou pelo canal

cinza e for alvo de Revisão Aduaneira.

A primeira situação é aquela em que o auditor fiscal, após os procedimentos

do canal vermelho ou do canal cinza desembaraça a mercadoria, entendendo que a

declaração foi prestada de forma correta e entendendo também não ter havido

fraude, caso a mercadoria seja desembaraçada pelo canal cinza.

A segunda situação é aquela em que o fiscal constata erro ou erros e faz

exigência para que o importador retifique sua declaração. O importador cumpre a

exigência e o fiscal então entende que o erro foi sanado e desembaraça a

mercadoria.

Nessa segunda hipótese, no caso de canal cinza, para efeitos deste estudo,

deve-se considerar que houve a constatação de erro, mas não houve a constatação

de fraude. Desta forma, deve-se considerar que foi feita a exigência de retificação,

esta foi realizada e após, a mercadoria foi desembaraçada. A constatação de fraude

por parte do importador retira qualquer possibilidade de proteção da confiança em

razão da má-fé e do próprio crime cometido.

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A partir destas duas situações, passa-se à análise das regras de Humberto

Ávila (2011, p. 408-409) para a verificação da possibilidade de aplicação do princípio

da proteção da confiança.

A verificação da formação de uma base da confiança demanda a

observância do grau de presença dos elementos vinculatividade, aparência de

legitimidade do ato, modificabilidade, efetividade, indução, individualidade,

onerosidade, durabilidade.

A mercadoria que tenha sido parametrizada no canal vermelho ou cinza

somente será desembaraçada após a sua análise documental, verificação física e,

no caso do canal cinza, também após o procedimento especial de controle

aduaneiro. Assim, o fiscal tem o dever de realizar todos esses procedimentos de

análise e verificação da mercadoria e da importação para poder liberar a mercadoria.

Diante disto, o fiscal está vinculado à Instrução Normativa da SRF 680 de

2006, que por sua vez está vinculada ao Decreto 6759/2009 - Regulamento

Aduaneiro -, que regulamenta o Decreto Lei 37 de 1966, além de sua vinculação à

legislação que trata de suas funções (Lei 10.593/2002, artigo 6o, inciso I, alínea c):

Art. 6º São atribuições dos ocupantes do cargo de Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil: I - no exercício da competência da Secretaria da Receita Federal do Brasil e em caráter privativo: a) constituir, mediante lançamento, o crédito tributário e de contribuições; b) elaborar e proferir decisões ou delas participar em processo administrativo-fiscal, bem como em processos de consulta, restituição ou compensação de tributos e contribuições e de reconhecimento de benefícios fiscais; c) executar procedimentos de fiscalização, praticando os atos definidos na legislação específica, inclusive os relacionados com o controle aduaneiro, apreensão de mercadorias, livros, documentos, materiais, equipamentos e assemelhados; d) examinar a contabilidade de sociedades empresariais, empresários, órgãos, entidades, fundos e demais contribuintes, não se lhes aplicando as restrições previstas nos arts. 1.190 a 1.192 do Código Civil e observado o disposto no art. 1.193 do mesmo diploma legal; e) proceder à orientação do sujeito passivo no tocante à interpretação da legislação tributária; f) supervisionar as demais atividades de orientação ao contribuinte; II - em caráter geral, exercer as demais atividades inerentes à competência da Secretaria da Receita Federal do Brasil. (BRASIL, 2002)

Sendo assim, o alto grau de vinculação do ato do fiscal fica ainda mais

intenso do que no canal amarelo, pois terá que realizar ainda a verificação física da

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mercadoria no canal vermelho e cinza; e o procedimento especial no canal cinza

para promover o seu desembaraço.

Essa situação ocorrerá tanto na hipótese de o fiscal entender que a

mercadoria foi classificada corretamente, quanto na hipótese de o fiscal exigir que o

importador retifique a declaração para corrigir a classificação fiscal da mercadoria.

Em ambos os casos a intensidade da confiança do importador é mais do que

suficiente para merecer ser protegida.

A partir do momento da liberação de sua mercadoria, o importador cria uma

expectativa e uma confiança grande de que sua mercadoria foi classificada

corretamente, confiança ainda maior quando o fiscal tiver exigido retificação para

correção da classificação fiscal.

Desta forma, o grau de vinculatividade é grande e a confiança dele

decorrente também.

Além disso, a vinculatividade do ato do fiscal também dará ensejo a uma

incontestável aparência de legitimidade de seu ato, ainda mais levando-se em conta

o nível de fiscalização realizada nos canais vermelho e cinza.

Se o auditor fiscal somente deve liberar a mercadoria que foi parametrizada

em canal vermelho ou em canal cinza após a verificação da regularidade da

operação, das mercadorias, das informações prestadas e após o procedimento

especial de fiscalização, este último no caso de canal cinza, o fato de o fiscal ter

desembaraçado a mercadoria importada não só dá grande aparência de legitimidade

ao seu ato, mas também torna-o praticamente incontestável.

Se o fiscal teve acesso a todos os meios que o próprio importador teve para

classificar sua mercadoria e confirmou ou mandou retificar determinada

classificação, sua confiança de que a mercadoria foi classificada corretamente é

extremamente robusta e a confiança na aparência da legitimidade do ato da

fiscalização também.

Assim a liberação direta e mais ainda a liberação após a exigência de

retificação trazem grande base de confiança pela aparência de legitimidade do ato.

O importador que teve sua mercadoria desembaraçada após ter sido

parametrizada pelo canal vermelho ou pelo canal cinza tem certeza, quase que

absoluta, de que não terá sua classificação fiscal alterada em momento posterior,

pois tem certeza de que a Receita Federal classificou sua mercadoria de forma

correta.

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Desta forma, a liberação da mercadoria após sua análise em canal vermelho

ou cinza traz um alto grau de confiança na permanência do ato do fiscal que

entendeu que a importação realizada e a classificação fiscal estavam corretas.

Hipótese ainda mais elevada de credibilidade na permanência do ato é

aquela em que a mercadoria foi desembaraçada após alguma exigência do fiscal.

Neste caso, por ter já ocorrido uma retificação da sua declaração de importação, a

confiança na permanência do ato por parte do importador é absoluta.

Sendo assim, o elevado grau de permanência do ato da administração

pública que desembaraçou a mercadoria atestando a regularidade da importação

gera forte base sustentável de confiança.

Conforme explicado, os casos mais comuns de erro de classificação fiscal

são os casos de mercadorias complexas ou muito tecnológicas que apresentam

características semelhantes à de outra mercadoria com classificação diferente.

Considerando que nos canais em que ocorre a verificação física da

mercadoria é facultada à fiscalização solicitar a assistência de técnico credenciado

para proceder à identificação da mercadoria, o critério da efetividade ganhará

conotação diferente da verificada no canal amarelo.

O critério da efetividade, que diz respeito ao grau de realização da finalidade

subjacente à regra supostamente violada, deve ser analisado tendo em vista a

finalidade da adoção de canais de parametrização no Comércio Exterior: permitir um

Comércio Exterior rápido e eficiente; e as finalidades gerais do Comércio Exterior

brasileiro: a) promover o comércio internacional; b) suprir as deficiências de produtos

do mercado brasileiro; c) evitar a entrada de bens e produtos nocivos à população;

d) evitar a concorrência desleal.

A liberação da mercadoria após a fiscalização com os procedimentos do

canal vermelho é muito mais lenta do que nos canais verde e amarelo. No caso de

fiscalização através do canal cinza, o procedimento chega a ser extremamente

moroso, uma vez que a mercadoria pode ser retida por até 180 dias.

Assim, a finalidade de se permitir um Comércio Exterior rápido e eficiente,

nestes canais, não é atendida, é até suprimida pois são adotados os procedimentos

que deveriam ser adotados para todas as mercadorias e não o são justamente para

permitir a celeridade do Comércio Exterior.

Neste contexto são sacrificadas essas finalidades em razão de uma maior

certeza de que a importação fiscalizada está regular.

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Ou melhor dizendo, a parametrização pelos canais vermelho e cinza não

atende de forma eficiente nenhuma das finalidades do Comércio Exterior, exceto,

talvez, a finalidade de se evitar a entrada de bens e produtos nocivos à população; e

evitar a concorrência desleal.

Diante destas considerações, aqueles efeitos negativos mais sérios que

impediriam o atendimento das finalidades da norma, quais sejam, evitar a entrada de

bens e produtos nocivos à população; e evitar a concorrência desleal, se ocorrem,

ocorrem tão apenas em consequência do singular erro da fiscalização.

Além disso, é difícil de acreditar que uma mercadoria proibida ou que cuja a

liberação causasse concorrência desleal não pudesse ser verificada pela sua análise

nos canais vermelho e cinza de parametrização.

As outras finalidades da norma, que seriam permitir um Comércio Exterior

rápido e eficiente; promover o comércio internacional; e suprir as deficiências de

produtos do mercado brasileiro; não carregam consequências mais sérias quando as

mercadorias são parametrizadas pelos canais vermelho ou cinza. Nestes casos

estes canais apenas geram atraso e morosidade, mas não trazem maiores prejuízos

no contexto geral do Comércio Exterior.

Sendo assim, esse critério da efetividade ganha um dimensionamento mais

relevante ao permitir o surgimento de um maior grau de confiança do importador,

uma vez que, mesmo tendo ocorrido um erro de classificação fiscal, sabe que

dificilmente esse erro terá implicado na entrada de mercadoria proibida no país ou

que terá gerado efetiva concorrência desleal. Desta forma, a finalidade da norma

terá sido alcançada, mesmo com o erro, criando a necessidade da proteção dessa

confiança.

Por sua vez, assim como ocorre com o critério da indução quando analisado

sob a perspectiva de Revisão Aduaneira de uma única mercadoria que tenha sido

desembaraçada mediante canal amarelo, nos canais vermelho ou cinza o critério

também é frágil, pois o importador não conhecia de antemão o canal em que sua

mercadoria seria parametrizada. Assim, não há que se falar que o importador tenha

agido induzido por ato do Estado.

Por outro lado, também como ocorre no caso de mercadoria desembaraçada

via canal amarelo, esse critério torna-se robusto na hipótese em que a mercadoria

tenha sido desembaraçada no canal vermelho ou no canal cinza, após exigência

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fiscal que tenha ordenado ao importador retificar a classificação fiscal de sua

mercadoria.

Da mesma forma, o critério será mais robusto se houver solicitação, por

parte da fiscalização aduaneira, de assistente técnico credenciado para proceder à

identificação da mercadoria.

Nestes casos, o ato do fiscal claramente induziu o importador ao erro.

Assim, caso a Revisão Aduaneira constate o erro de classificação fiscal, a confiança

gerada pela incorreta indução estatal deve ser fortemente protegida.

O critério da individualidade ganha mais intensidade quando analisado sob a

perspectiva dos canais vermelho e cinza. Tendo em vista que foi feita a análise

documental da mercadoria, sua vistoria física e, no caso de canal cinza, o

procedimento especial de controle aduaneiro, o grau de proximidade do ato estatal

com o particular é enorme.

Assim, o fiscal, ao desembaraçar a mercadoria, realizou esse ato

especificamente para aquele importador e para aquela mercadoria. Desta forma, por

ser especialmente individualizado o ato, a base de confiança gerada no importador é

bastante alta.

A análise da onerosidade não apresenta distinções relevantes se a

mercadoria tiver sido parametrizada pelos canais amarelo, vermelho ou cinza. A

análise deste critério aproxima-se da análise do critério da indução, sendo certo que,

quando a Revisão Aduaneira se refere a uma única mercadoria que tenha sido

desembaraçada mediante os canais amarelo, vermelho ou cinza, o critério da

onerosidade é frágil para gerar confiança, pois o importador não conhecia de

antemão o canal em que sua mercadoria seria parametrizada. Assim, não há que se

falar que o importador tenha realizado gastos ou tenha sido mais onerado por algum

ato do Estado.

Exceções à esta hipótese que tornam a onerosidade geradora de confiança

ocorrem na hipótese em que a mercadoria tenha sido desembaraçada no canal

vermelho ou cinza após exigência fiscal que tenha ordenado ao importador retificar a

classificação fiscal de sua mercadoria, ou na hipótese de ser solicitada assistência

técnica credenciada para proceder à identificação da mercadoria.

Em ambos os casos haverá grau de onerosidade que dará ensejo a um

certo grau de confiança.

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Na primeira situação, por já ter havido exigência fiscal de alteração de

classificação fiscal, se houver diferença para mais de alíquota, o importador já terá

arcado com a diferença, as multas e correções, além da multa administrativa-

aduaneira por classificação incorreta de mercadoria.

Na segunda hipótese, a solicitação de assistência técnica ensejará gastos

do importador com o pagamento do laudo elaborado, que trará certeza ainda maior

da correição da classificação fiscal que tiver sido constatada.

Desta forma, nestes casos, o critério da onerosidade gerará base de

confiança suficiente para proteger o importador contra nova alteração na

classificação fiscal da mercadoria.

Finalmente, o critério da durabilidade, assim como ocorre no canal amarelo,

dependerá da análise concreta da situação, pois a maior distância entre a data do

desembaraço e a data da Revisão Aduaneira ensejará uma maior base de confiança

do importador de que o ato tenha sido eficaz.

Essa primeira regra de Humberto Ávila (2011, p. 408-409) que consiste na

verificação de maior grau de presença destes elementos analisados como

ensejadores de um maior grau de proteção da confiança deve ser vista em conjunto

com as outras regras, também nos canais vermelho e cinza.

Assim, pela segunda regra, a maior presença do elemento durabilidade

ameniza a necessidade de forte presença dos outros elementos.

Porém, o critério da durabilidade dependerá da análise concreta da situação,

pois a maior distância entre a data do desembaraço e a data da Revisão Aduaneira

é que permitirá amenizar a necessidade de forte presença dos outros elementos.

Entretanto, conforme pôde ser constatado, o desembaraço aduaneiro

mediante os canais vermelho e cinza de parametrização apresenta grande presença

dos elementos formadores da base da confiança, presença ainda maior do que a

constatada no canal amarelo. Assim, uma maior durabilidade apenas irá confirmar e

fortalecer o grau de proteção da confiança.

A terceira regra que dispõe que o alto grau de presença da maioria dos

elementos compensa o baixo grau de presença de um elemento serve para

compensar o baixo grau de indução e onerosidade nas hipóteses em que não tenha

havido solicitação de assistência de técnico credenciado ou que não tenha havido

nenhuma exigência de retificação de classificação fiscal.

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Considerando que são oito os critérios e que apenas nas hipóteses de

desembaraço da mercadoria sem exigência por parte da fiscalização, ou

desembaraço da mercadoria sem solicitação de assistência de técnico credenciado,

é que se terá a baixa presença de dois critérios. Ainda assim, caso se efetue a

compensação do alto grau de presença dos demais critérios, a parametrização pelos

canais vermelho ou cinza terá grande base de confiança.

Para a quarta regra que trata exatamente da situação que é defendida neste

trabalho, ou seja, que deve-se afastar o efeito retroativo de norma tributária com

finalidade extrafiscal sempre que o objetivo puder ser atingido do momento presente

para o futuro, utiliza-se os mesmo fundamentos analisados no item relativo ao canal

amarelo.

Sendo assim, se o objetivo é que o importador classifique corretamente suas

mercadorias e passe a realizar corretamente suas importações, esse objetivo pode

ser alcançado sem se retroagir para as operações já realizadas pelo importador.

Da mesma forma, se o objetivo é controlar as importações, esse objetivo

pode ser alcançado sem se retroagir, pois a retroação neste caso não terá nenhum

outro efeito senão arrecadatório, pois a mercadoria já entrou no país, foi

nacionalizada e já está cumprindo sua finalidade, seja consumo próprio,

incorporação ao ativo permanente ou revenda.

Desta forma, quando a fiscalização for realizar nova conferência de

mercadoria do mesmo importador, deverá avisá-lo da mudança de critérios ou da

utilização de classificação fiscal diversa da já utilizada, para que ele possa fazer

suas correções e adaptações necessárias para as importações futuras.

Essa situação abrange a Receita Federal brasileira como um todo. A Receita

Federal deve ser entendida como um órgão uno. Assim, entendimentos diferentes

de diferentes fiscais que tenham verificado a mercadoria ou alterações de

entendimentos por agentes de repartições diferentes não poderão retroagir para

prejudicar o importador que tenha confiado em entendimento anterior da

fiscalização.

A quinta regra propõe que, caso o objetivo só possa ser atendido com a

eficácia normativa da nova lei, a proteção da confiança deverá ser maior quanto

mais intensamente forem restringidos os direitos de liberdade e de propriedade do

cidadão.

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Neste caso, assim como ocorre no canal amarelo, defende-se justamente a

impossibilidade de retroação quando o desembaraço da mercadoria ocorre via

canais vermelho ou cinza, retroação esta que, caso ocorra, ocorrerá através da

Revisão Aduaneira.

De qualquer forma, de acordo com essa regra, quanto mais os direitos de

liberdade e propriedade do cidadão forem restringidos, maior a proteção da

confiança.

Pois bem, a Revisão Aduaneira após o desembaraço nos canais vermelho

ou cinza restringirá claramente a liberdade de planejamento das operações

comerciais do importador; sua liberdade econômica, pois ensejará elevadas multas;

além de sua liberdade fiscal e administrativa, pois poderá ensejar execuções fiscais,

certidões positivas de débitos fiscais, que também poderão bloquear benefícios

fiscais e aduaneiros-fiscais, além de participação em licitações.

Ademais, a retroatividade representada pela Revisão Aduaneira, caso ocorra

em diversas operações do importador ao longo de cinco anos, que é o prazo

máximo para realizar a Revisão Aduaneira, poderá afetar de forma desastrosa o

patrimônio do importador, caso este seja importador regular e utilize as mercadorias

em seu processo produtivo ou as revenda considerando o seu custo de aquisição,

ou quando importe mercadorias de alto valor.

A sexta regra trata da forma de apuração da intensidade de restrição dos

direitos de liberdade e de propriedade do cidadão. Essa regra será adotada em

consonância com a regra anterior, ou seja, apenas se o objetivo da norma tributária

com finalidade extrafiscal só puder ser atingido com a eficácia retrospectiva da nova

lei.

Entretanto, este não é o caso, pois, conforme foi visto, os objetivos da norma

não serão alcançados com a eficácia retrospectiva dos novos critérios, apenas

poderão ser alcançados nas importações seguintes ao momento da adoção dos

novos critérios.

Finalmente, a sétima regra dispõe que o efeito retroativo deve ser afastado

se a restrição da dimensão futura da segurança for afetada de forma ainda mais

relevante do que em sua dimensão passada.

Esse é justamente o efeito resultante da utilização da Revisão Aduaneira

após a mercadoria ser desembaraçada mediante os canais vermelho ou cinza.

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Isto ocorre porque a insegurança jurídica gerada pela Revisão Aduaneira,

mesmo depois dos procedimentos de análise documental, verificação física da

mercadoria e procedimento especial de controle aduaneiro, no caso do canal cinza,

somada às multas e sanções decorrentes desses procedimentos fiscais, levará o

importador a considerar em suas ações futuras a possibilidade de ter sua confiança

novamente frustrada, podendo até mesmo levá-lo a deixar de importar ou realizar

operações de comércio internacional.

A insegurança criada nestes dois casos de Revisão Aduaneira após o

desembaraço por meio dos canais vermelho ou cinza é tão grande que poderá até

mesmo interromper todas as operações de Comércio Exterior do importador.

Assim, o prejuízo para a sociedade, para a economia e para a política da

não realização de operações comerciais internacionais poderá e será muito superior

à finalidade que justificou a Revisão Aduaneira.

Sendo assim, a sétima regra é mais um fundamento para a aplicação da

proteção da confiança.

Além dessas regras, que proporcionam a verificação da formação da base

da confiança, deve-se analisar também se houve, com o desembaraço por meio dos

canais vermelho e cinza, a confiança decorrente desta base, o exercício desta

confiança e a frustração da confiança.

A confiança depende de o cidadão ter tomado conhecimento da base desta

confiança e de ter confiado nela, conforme Humberto Ávila (2011, p. 397).

Os elementos formadores da base da confiança restaram bem

caracterizados e com alto grau de presença de pelo menos seis dos oito critérios no

caso de desembaraço direto da mercadoria e presença de todos os oito critérios no

caso de desembaraço da mercadoria após exigência do fiscal para retificar

determinada classificação fiscal, ou de solicitação de assistência de técnico

credenciado para proceder à identificação da mercadoria.

Desta forma, o desembaraço da mercadoria que tenha sido parametrizada

nos canais vermelho ou cinza faz com que o importador tome pleno conhecimento

da base da confiança.

Assim, liberada a mercadoria após a análise documental, verificação física

da mercadoria e procedimento especial de controle aduaneiro, se for o caso, pela

fiscalização, o importador terá certeza de que todos aqueles critérios e elementos

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que o levaram a acreditar que sua classificação foi feita de forma correta, estavam

corretos, passando então a confiar na regularidade de sua operação de importação.

No mesmo sentido, de forma ainda mais intensa, são as situações em que o

fiscal tenha feito exigência de retificação da classificação fiscal ou tenha solicitado a

assistência de técnico credenciado para proceder à identificação da mercadoria.

No primeiro caso, se houve exigência de retificação da classificação fiscal e

se após o cumprimento desta exigência a mercadoria foi liberada, o importador terá

plena confiança de que a partir daquele momento os elementos formadores da base

da confiança passaram a estar definitivamente corretos. A confiança de que o

Estado agiu de forma a tornar correta a classificação fiscal neste momento é

absoluta.

No mesmo sentido, mas de forma ainda mais intensa será a certeza do

importador de que classificou corretamente suas mercadorias se for solicitada a

assistência de um técnico credenciado que assegure, por meio de laudo, que a

classificação apresentada estava correta.

O terceiro requisito, exercício da confiança, também pode ser demonstrado

na situação em que as mercadorias tenham sido desembaraçadas pelo canal

vermelho ou cinza, quando, após o desembaraço o importador não efetue uma

denúncia espontânea ou uma retificação após o desembaraço.

Como a denúncia espontânea exclui a aplicação de penalidades de natureza

tributária ou administrativa, conforme artigo 102 do DL 37 de 1966, caso o

importador não tenha plena confiança na correição da classificação fiscal utilizada,

para evitar maiores prejuízos e penalidades, tão logo possa fazer a denúncia

espontânea, ele não abrirá mão de utilizar esse recurso.

O exercício da confiança neste caso se dará de forma omissiva. A confiança

faz com que o importador não efetue a retificação espontânea de sua declaração de

importação.

Finalmente, a frustração da confiança ocorrerá após o desembaraço

aduaneiro pelo canais vermelho ou cinza exatamente no momento em que houver

uma Revisão Aduaneira que aponte que a classificação fiscal utilizada estava errada

e aplique as penalidades de natureza administrativa e tributária ao importador.

Essa frustração será ainda maior no caso em que tenha havido exigência

para se mudar a classificação fiscal para que ocorra o desembaraço aduaneiro ou

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no caso de ser solicitado laudo de assistente para confirmar a classificação da

mercadoria.

Afinal, o importador confiou tanto no fiscal que cumpriu sua exigência e

mudou a classificação fiscal mesmo que isso implicasse na alteração da

classificação fiscal que entendia como correta.

Da mesma forma, o laudo de um assistente técnico credenciado traz maior

credibilidade à classificação fiscal utilizada, uma vez que o assistente técnico será

um profissional ou entidade profissional especializada na mercadoria importada.

Neste contexto, o ato estatal é ainda mais imoral do que quando essa

frustração ocorre no canal amarelo de parametrização. Afinal, o fiscal teve

absolutamente todos os meios de verificar a classificação da mercadoria de forma

correta antes de sua liberação.

Diante de toda essa análise, chega-se a conclusão que o desembaraço

aduaneiro realizado através dos canais vermelho ou cinza de parametrização cria,

indubitavelmente, base de uma confiança forte, que leva o importador a confiar no

ato estatal que atestou que a classificação fiscal da mercadoria estava correta no

momento do desembaraço.

Assim, caso o importador não efetue uma denúncia espontânea e altere a

classificação fiscal desta mercadoria desembaraçada pelos canais vermelho ou

cinza, estará evidentemente demonstrado o exercício desta confiança.

Desta forma, caso a Receita Federal pretenda promover ou promova a

Revisão Aduaneira, corrigindo a classificação fiscal utilizada e aplicando penalidades

ao importador, ela estará frustrando essa confiança.

Tendo em vista o perfeito preenchimento dos requisitos que possibilitam a

proteção da confiança, o importador gozará plenamente da proteção da confiança

contra ato de Revisão Aduaneira que pretenda alterar a classificação fiscal de

mercadoria que tenha sido desembaraçada pelos canais vermelho ou cinza de

parametrização, estando assim vedada a aplicação de penalidades administrativas e

tributárias ao importador.

Finalmente, assim como também foi analisada no canal amarelo, a situação

do importador que realiza frequentes operações de importação merece ainda maior

proteção de sua confiança, principalmente quando tem suas mesmas mercadorias

desembaraçadas diversas vezes pelos canais vermelho ou cinza.

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É importante ressaltar que não é muito comum e deve ser provavelmente

muito rara a situação em que determinado importador sofre mais de uma vez a

parametrização de uma mesma mercadoria pelo canal cinza. Isto porque, entre

outras providências do procedimento especial de controle aduaneiro, serão

analisadas as diversas outras importações realizadas por este importador, conforme

artigo 6o, VI da IN SRF 1169 de 2011.

Art. 6º O Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil responsável pelo procedimento especial de que trata esta Instrução Normativa poderá adotar as seguintes providências, dentre outras que considerar indispensáveis, nos termos da legislação em vigor: I - realizar diligência ou fiscalização no estabelecimento do interveniente, ou solicitar a sua realização, em caráter prioritário, à unidade de jurisdição aduaneira de zona secundária; II - encaminhar à Coordenação-Geral de Relações Internacionais (Corin) pedido de requisição de informações à administração aduaneira do país do fornecedor ou ao adido aduaneiro e tributário nele localizado; III - solicitar laudo técnico para identificar a mercadoria, inclusive suas matérias-primas constitutivas e obter cotações de preços no mercado internacional; IV - iniciar procedimento para apurar a veracidade da declaração e autenticidade do certificado de origem das mercadorias, inclusive intimando o importador ou o exportador a apresentar documentação comprobatória sobre a localização, capacidade operacional e processo de fabricação para a produção dos bens importados; V - solicitar a movimentação financeira do importador, exportador, ou outro interveniente da operação e, se necessário, emitir a correspondente Requisição de Informação sobre a Movimentação Financeira (RMF); e VI - intimar o importador, exportador, ou outro interveniente na operação, a apresentar informações e documentos adicionais que se mostrem necessários ao andamento dos trabalhos, inclusive os relativos a outras operações de comércio exterior que tenha realizado, observado o disposto na legislação específica e o prazo decadencial. (BRASIL, 2011)

Por outro lado, a ocorrência de diversas parametrizações no canal vermelho

de mercadoria de um mesmo importador é muito comum.

Nesta situação, além do grau de presença dos elementos que ajudam a

configurar a base da confiança ficarem ainda mais elevados, a indução e a

onerosidade ganham ainda mais relevância, sendo por si sós suficientes para a

formação da base da confiança.

Como a mercadoria foi desembaraçada mais de uma vez pelo canal

vermelho, ou cinza (se ocorrer), após ampla análise documental e verificação física

da mercadoria e laudo de técnico se for o caso, o ato do desembaraço induzirá o

importador a acreditar ainda mais que a classificação fiscal estava correta, o que o

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levará a manter e utilizar essa classificação nas importações futuras da mesma

mercadoria.

Essa confiança fortemente induzida pelo desembaraço anterior ganhará

cada vez mais relevância de acordo com o maior número de desembaraços que

forem ocorrendo pelo canal vermelho em que a mesma classificação for utilizada.

Além disso, tendo em vista a confiança gerada pelo primeiro desembaraço

que tenha ocorrido via canal vermelho, o importador terá subsídios para que realize

mais operações com elevado grau de certeza e estabilidade e assim possa fazer

planejamentos financeiros e tributários, fazendo com que o ato do desembaraço se

torne bastante oneroso para o importador.

Afinal haverá mais gastos baseados na confiança de que a classificação

fiscal estava correta. Assim, o critério onerosidade encontrar-se-á especialmente

elevado.

Finalmente, pelo fato de o importador ser não eventual, quando houver uma

Revisão Aduaneira, certamente serão analisadas todas as importações que tenham

utilizado a mesma classificação fiscal num espaço de tempo anterior a cinco anos da

data do início da Revisão Aduaneira.

As importações mais antigas parametrizadas pelo canal vermelho

certamente terão servido de base para a utilização de determinada classificação

fiscal para importações mais recentes.

Este fato fortalecerá o critério durabilidade para as importações mais

recentes, uma vez que terão como base a mercadoria liberada mediante canal

vermelho em um momento anterior mais distante.

Também o critério confiança ganhará mais relevância pela prática reiterada

dos atos da administração pública que desembaraçaram a mesma mercadoria,

aceitando a mesma classificação fiscal, diversas vezes. Essa prática reiterada dos

atos de desembaraço via canal vermelho permitirão o perfeito conhecimento destes

atos pelo importador e a certeza ainda maior de que pode confiar na correição

daquela classificação fiscal.

A situação do importador frequente também reforçará o exercício da

confiança, pois, além da situação da não realização da denúncia espontânea, a

utilização da mesma classificação fiscal para todas as importações posteriores

àquela que foi desembaraçada pelo canal vermelho demonstra sem sombra de

dúvida o exercício da confiança.

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Por fim, a frustração da confiança, na situação do importador não eventual

que tenha suas mercadorias sido desembaraçadas via canal vermelho, será ainda

maior porque seu prejuízo será muito maior no caso da Revisão Aduaneira, pois

aplicará penalidades tributárias e administrativas não somente à uma mercadoria,

mas à diversas mercadorias que ele tenha importado utilizando a classificação fiscal

que o Estado levou-o a acreditar como correta.

Sendo assim, levando em consideração que o preenchimento dos requisitos

que possibilitam a proteção da confiança será ainda mais robusto nessa situação do

importador frequente, e ainda mais intenso no caso de mercadorias desembraçadas

por meio dos canais vermelho e cinza de parametrização, o importador frequente

terá a mais ampla proteção do princípio da proteção da confiança contra ato de

Revisão Aduaneira que pretenda alterar a classificação fiscal de suas mercadorias,

estando assim vedada a aplicação de penalidades administrativas e tributárias ao

importador.

O Fisco por fundamentos ainda mais relevantes do que no caso de liberação

das mercadorias via canal amarelo, também nos canais vermelho e cinza de

parametrização não poderá adotar comportamento contraditório modificando

classificação fiscal que em momento pretérito aceitou como correta.

4.2.4 - Efeitos Cruzados da Proteção da Confiança para os Importadores

Frequentes nos Diferentes Canais de Parametrização

O canal verde de parametrização, conforme exposto, não goza de

fundamentação suficiente para proporcionar a proteção da confiança do importador

que tenha tido suas mercadorias desembaraçadas por este canal.

Por outro lado, quando o canal de parametrização é amarelo, vermelho ou

cinza, o importador será sujeito ativo do princípio da proteção da confiança, sendo-

lhe assegurado que não sofra punições ou multas de natureza tributária ou de

natureza administrativa-aduaneira.

Esta proteção ganhará mais intensidade quando se tratar de importador

frequente, uma vez que as expectativas geradas serão muito maiores.

Todavia, tendo em vista os efeitos cruzados da proteção da confiança para

os importadores frequentes nos diferentes canais de parametrização, será possível

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se proteger as importações dos importadores frequentes que também tenham sido

objeto de desembaraço via canal verde de parametrização.

Apesar de não ter havido fiscalização efetiva das mercadorias que tenham

sido desembaraçadas pelo canal verde, se o importador frequente já tiver efetuado

uma importação anterior em que tenha utilizado a mesma classificação fiscal para

mercadoria idêntica que tenha caído no canal amarelo, vermelho ou cinza de

parametrização, a utilização dessa classificação fiscal para essa mercadoria

desembaraçada pelo canal verde não poderá ser penalizada na Revisão Aduaneira.

Isso justifica-se justamente pelo fato de já ter ocorrido o devido

desembaraço de uma mercadoria nos canais amarelo, vermelho ou cinza, criando a

confiança necessária para induzir o importador a utilizar a mesma classificação nas

operações seguintes.

Se antes não havia a base da confiança para o desembaraço pelo canal

verde, a ocorrência anterior de um desembaraço de mercadoria idêntica nos canais

amarelo, vermelho ou cinza que tenha preenchido esses requisitos gerará a base da

confiança necessária para proteger esse desembaraço via canal verde.

Além disso, a confiança que já foi criada pelo desembaraço nos canais

amarelo, vermelho ou cinza também servirá de suporte para criar a confiança no

canal verde que tenha ocorrido posteriormente.

O exercício da confiança está patente no fato do importador ter utilizado a

mesma classificação fiscal e a mesma descrição da mercadoria para a importação

da mesma mercadoria novamente, que no entanto foi parametrizada pelo canal

verde.

Finalmente, a quebra da confiança basear-se-á exatamente no fato de que

aquela mesma mercadoria já foi devidamente fiscalizada em momento anterior e, em

momento posterior, a fiscalização ter decidido alterar o critério utilizado e punido o

importador.

Assim, o efeito cruzado da proteção da confiança nos diferentes canais de

parametrização decorrerá da repetição da importação de mercadorias idênticas pelo

mesmo importador e da utilização de situação ou situações anteriores em que

tenham ocorrido os canais de parametrização amarelo, vermelho ou cinza, como

paradigmas para emprestar às importações posteriores liberadas pelo canal verde, a

solidez da confiança gerada pela fiscalização e consequente desembaraço nestes

canais onde ocorreram de fato a fiscalização da mercadoria.

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Desta forma, se ao longo de todo o histórico de importação de uma

mercadoria o importador tiver utilizado uma determinada classificação fiscal que em

algum momento tiver sofrido uma única fiscalização pelos canais amarelo, vermelho

ou cinza de parametrização, esse desembaraço será suficiente para proteger a

confiança deste importador em todos os desembaraços subsequentes em que a

mercadoria tenha sido desembaraçada pelo canal verde.

Assim, em todos esses casos de desembaraço pelo canal verde que tenham

se baseado nos dados e classificação fiscal fornecidos para a mercadoria no

desembaraço paradigma, a Revisão Aduaneira não poderá penalizar o importador

sob pena de quebrar o princípio da proteção da confiança em razão de seu

comportamento contraditório.

Pelo exposto neste capítulo, chega-se às seguintes conclusões.

A revisão do lançamento na hipótese de erro quanto a qualquer elemento

definido na legislação tributária como sendo de declaração obrigatória somente pode

ocorrer na hipótese de erro de fato, nunca na hipótese de erro de direito.

Neste mesmo sentido, também é vedada a revisão de lançamento em razão

de mudança de critério jurídico.

Tendo em vista que no canal verde de parametrização não ocorre o

lançamento, tecnicamente não é possível se afirmar que ocorra a revisão de

lançamento quando a mercadoria é desembaraçada por este canal.

Desta forma, quando o agente fiscal realiza a verificação da correição das

informações relativas ao recolhimento do tributo e propõe a aplicação de

penalidades em momento posterior ao desembaraço da mercadoria que tenha sido

parametrizada no canal verde, estar-se-á caracterizando o lançamento tributário e

não a revisão de lançamento.

Neste contexto, a análise da operação de importação e aplicação de

penalidades em caso de erros é perfeitamente possível.

Por outro lado, tendo em vista que nos canais de parametrização amarelo,

vermelho e cinza ocorreu o lançamento tributário, a princípio é possível a revisão do

lançamento.

Entretanto essa revisão de lançamento, no caso de erro de classificação

fiscal, por se tratar de erro de direito, não é permitida, sendo então vedada à

fiscalização qualquer aplicação de sanções ou multas de natureza tributária ao

importador.

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O canal verde de parametrização, isoladamente considerado, não é passível

de proteção da confiança em razão de não oferecer subsídios suficientes ao

preenchimentos dos requisitos base da confiança, confiança, exercício da confiança

e frustração da confiança.

Entretanto esses requisitos são suficientemente preenchidos quando a

mercadoria é desembaraçada pelo canal amarelo de parametrização e fortemente

preenchidos quando a mercadoria é desembaraçada pelos canais vermelho ou cinza

de parametrização.

Desta forma, em razão do princípio da proteção da confiança, é vedado que a

Revisão Aduaneira de mercadorias desembaraçadas nesses canais puna o

importador por erro de classificação fiscal, tendo em vista que o erro foi causado

pela própria fiscalização.

Razão ainda maior para a proteção da confiança nestes três canais ocorre

quando o importador é importador frequente, não eventual. Neste caso, o grau de

confiança gerado pela repetição dos atos administrativos é bem maior e as condutas

induzidas por estes atos no importador demandam grande respeito por parte do

Estado e efetiva proteção.

Finalmente, o efeito cruzado da proteção da confiança nos diferentes canais

de parametrização garantirá a proteção da confiança para a mercadoria que tenha

sido desembaraçada pelo canal verde, quando tiver havido desembaraço anterior

dessa mesma mercadoria por meio dos canais amarelo, vermelho ou cinza.

Assim, no caso de utilização da mesma classificação fiscal e mesma

descrição da mercadoria, ocorrendo Revisão Aduaneira, esta não poderá punir nem

aplicar sanções ao importador, mesmo nos desembaraços ocorridos por meio do

canal verde de parametrização.

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CONCLUSÃO

Por tudo que foi analisado e verificado, foi possível constatar que o princípio

da proteção da confiança tem um papel fundamental nas relações entre

administração pública e o particular.

A necessidade de se proteger a confiança nessas relações entre o particular

e a administração pública é tão relevante que envolve institutos como o da

segurança jurídica e o próprio Estado de Direito.

No âmbito das relações aduaneiras, esse papel da proteção da confiança

evita que o particular sofra frustração na confiança que foi depositada no Fisco no

momento do desembaraço aduaneiro nos diferentes canais de parametrização.

Os canais de parametrização verde, amarelo, vermelho e cinza, possuem

diferentes níveis de fiscalização que vão desde o desembaraço automático da

mercadoria; passando pela análise documental; pela análise documental e a

verificação da mercadoria; e pela análise documental, verificação da mercadoria e

procedimento especial de controle aduaneiro.

A análise das peculiaridades dos diferentes canais de parametrização

permitiu concluir que o desembaraço aduaneiro marca a ocorrência do lançamento

tributário nos canais amarelo, vermelho e cinza.

O lançamento tributário nos procedimentos de desembaraço aduaneiro

rotineiros caracteriza-se como lançamento por homologação, diferenciando-se do

lançamento com base em declaração em razão do fato de que somente ocorrerá o

desembaraço da mercadoria após o pagamento dos tributos e demais gravames.

Desta forma, por ser lançamento por homologação, o lançamento somente

ocorrerá após a efetiva análise da correição do procedimento de importação e/ou

exportação, verificação do sujeito passivo, recolhimento dos tributos e aplicação de

penalidades, se for o caso.

A mercadoria desembaraçada pelo canal verde, por não ter sido submetida

à ato administrativo de agente público com a finalidade de verificar a regularidade

dos procedimentos que compõem o lançamento, não se enquadrará nos requisitos

necessários à ocorrência deste.

Sendo assim, somente ocorrerá o lançamento em relação a esta mercadoria

quando o Fisco verificar em momento posterior, os documentos de seu

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desembaraço, seja homologando o lançamento, seja efetuando a Revisão

Aduaneira, que nesse caso seria propriamente caracterizada como o lançamento.

A Revisão Aduaneira é um procedimento mais amplo que a revisão de

lançamento porque abrange, além da verificação do correto recolhimento dos

impostos e gravames, a revisão dos benefícios fiscais e a revisão das informações

prestadas na ocasião da declaração de importação e da declaração de exportação.

Assim, além de rever na importação a adequação do recolhimento dos

tributos e o preenchimento dos requisitos e utilização correta dos benefícios fiscais,

verifica também, dentre outras informações relativas à mercadoria, exportador e

local de origem, importador e local de destino, câmbio, frete e tipo de carga. Enfim, a

Revisão Aduaneira não cuida somente da revisão da correição dos pagamentos dos

tributos, cuida também das questões aduaneiras, administrativas e cambiais

pertinentes.

A Revisão Aduaneira não deve ser aplicada de forma irrestrita, devendo ter

sua aplicação limitada por valores e princípios relacionados à necessidade de

proteção da confiança das relações entre o particular e o Estado, relações estas que

garantem a legitimidade do próprio Estado.

Portanto, a análise desses valores e princípios leva à conclusão de que a

proteção da confiança encontra seu fundamento tanto na esfera privada, como

corolário do princípio da boa-fé; como na esfera pública, sendo a proteção da

confiança um princípio decorrente dos princípios do Estado de Direito e da

segurança jurídica.

Entretanto, apesar de o princípio da boa-fé guardar muitas semelhanças e

ter muitos valores em comum com o princípio da confiança, a relação entre os dois

assemelha-se mais a uma relação de complementariedade do que de derivação.

Por sua vez, a confiança é um valor que legitima o próprio Estado de Direito,

pois a primazia da lei, o respeito à uma hierarquia de normas, a separação de

poderes, o reconhecimento e garantia dos direitos fundamentais e a possibilidade de

controle da constitucionalidade das leis só é possível se houver uma ligação direta

destes institutos ao valor confiança.

Além disso, os grandes grupos de valores do Estado de Direito relacionados

por BLECKMANN e citados por Valter Araújo (2009, p.44), ou seja; a) proteger a

liberdade e propriedade do cidadão contra medidas de intervenção estatal; b)

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observar a segurança jurídica; e c) realizar a justiça material; somente serão

realizados se forem protegidos pela confiança.

Além do princípio do Estado de Direito, na análise do princípio da proteção da

confiança também deve ser levado em conta o princípio da segurança jurídica, uma

vez que este é o próprio fundamento direto da proteção da confiança.

A segurança jurídica está relacionada à ideia de permanência ou estabilidade,

procurando garantir aos cidadãos que determinadas condutas ou situações, uma vez

realizadas, trarão sempre as mesmas consequências ou consequências

semelhantes, de acordo com as variantes possíveis.

Assim, a segurança jurídica deve garantir que o passado será preservado,

que as condutas do presente serão moldadas conforme as regras vigentes e que o

futuro poderá ser planejado de acordo com as possíveis e previsíveis possibilidades

de resultados.

O princípio da proteção da confiança diferencia-se do princípio da segurança

jurídica, principalmente, pelo fato de sua aplicação ser mais subjetiva, concreta,

individualizada e sempre com a finalidade de proteger os interesses daqueles que se

sentem prejudicados em suas expectativas legítimas e não gozam da proteção dada

ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada.

O princípio da proteção da confiança revela então um caráter complementar

ao princípio da segurança jurídica, pois dá segurança e protege esferas em que ela

objetivamente não alcança: as expectativas legítimas dos indivíduos.

A aplicação do princípio da proteção da confiança depende da presença dos

elementos a) base da confiança; b) a confiança nessa base; c) o exercício da

referida confiança na base que a gerou; e d) a frustração dessa confiança por ato

posterior e contraditório do Poder Público.

A verificação da base da confiança depende da análise das sete regras

relacionadas por Humberto Ávila sendo que a primeira regra designa diversos

critérios para a verificação da presença ou não de uma base de confiança e as

demais regras dispõem sobre a relação destes critérios entre si e sua incidência.

Por ser um princípio constitucional implícito decorrente do Estado de Direito e

da segurança jurídica, o princípio da proteção da confiança poderá ser aplicado

mesmo que para convalidar um ato irregular do Poder Público, superando o princípio

da legalidade e até mesmo o princípio da segurança jurídica sob a perspectiva da

segurança das consequências das normas inconstitucionais, quando estiverem

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envolvidos valores como a confiança, a justiça e os direitos fundamentais.

A proteção da confiança só se destina ao particular nas relações entre

particulares e Poder Público, sendo defeso ao Estado invocar esse princípio, em

razão da relação de dependência e sujeição do cidadão à confiança nos atos e

normas estatais e em razão do Estado ter a posição soberana em relação aos

acontecimentos e eventos sobre os quais é gerada a confiança, conforme defende

Misabel Derzi (2009, p. 605-606) e se entende perfeitamente correto.

A aplicação da proteção da confiança pode ser realizada através da proteção

procedimental e da proteção substancial, segundo Valter Shuenquener de Aráujo

(2009, p.207).

A proteção procedimental ocorre antes da realização do ato estatal, mediante

oitiva dos destinatários das alterações, antes que elas ocorram.

O Poder Público convoca os interessados, ouve e analisa suas manifestações

e somente realiza o ato se entender que ele é realmente necessário e que não pode

ter sua finalidade atingida por outros meios. Essa modalidade é muito comum no

Direito anglo-saxônico.

Entretanto, essa modalidade depende da efetiva divulgação da realização das

audiências e também do grau de liberdade que o país oferece para a manifestação

de seus cidadãos, sob pena de ser mera formalidade para legitimação do ato estatal.

A proteção substancial da confiança, por sua vez, se materializa pela a)

preservação do ato; pela b) criação de regras de transição; e pela c) proteção

compensatória.

A proteção pela preservação do ato procura assegurar a manutenção do ato,

vedando o comportamento contraditório por parte do Poder Público, ou tentando

modular os efeitos desse comportamento contraditório, de forma a não acarretar

prejuízos além do necessário ao cidadão.

A proteção pela criação de regras de transição procura conciliar os interesses

do particular e da Administração Pública de forma a possibilitar ao primeiro um

planejamento e adaptação às mudanças e ao segundo, alcançar as finalidades

públicas desejadas.

Por sua vez, a proteção compensatória, na maioria dos casos é a que vai

trazer menos satisfação ao particular, uma vez que a expectativa frustrada vai

envolver, em grande parte das vezes, muito mais do que a recomposição do prejuízo

material sofrido.

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Após o estudo dos princípios que fundamentam o princípio da proteção da

confiança; do princípio da confiança, seus requisitos e forma de aplicação; analisou-

se a revisão do lançamento de acordo com os diferentes canais de parametrização

e, em seguida, a aplicação do princípio da proteção da confiança, também sob a

perspectiva dos canais de parametrização, chegando-se às seguintes conclusões.

A revisão do lançamento na hipótese de erro quanto a qualquer elemento

definido na legislação tributária como sendo de declaração obrigatória somente pode

ocorrer na hipótese de erro de fato, nunca na hipótese de erro de direito.

Neste mesmo sentido, também é vedada a revisão de lançamento em razão

de mudança de critério jurídico.

Desta forma, considerando-se os aspectos e consequências tributárias da

legislação aduaneira, concluiu-se que no canal verde de parametrização, em razão

da ausência do lançamento no momento do desembaraço, tecnicamente não é

possível se afirmar que ocorra a revisão de lançamento quando a mercadoria é

desembaraçada por este canal.

Isto decorre da constatação de que, quando o agente fiscal realiza a

verificação da correição das informações relativas ao recolhimento do tributo e

propõe a aplicação de penalidades em momento posterior ao desembaraço da

mercadoria que tenha sido parametrizada no canal verde, estar-se-á caracterizado o

lançamento tributário e não a revisão de lançamento.

Assim, por não se tratar de uma revisão de lançamento propriamente dita,

que, conforme foi visto, para erro na classificação fiscal de mercadoria ela só seria

possível na hipótese de erro de fato, a análise da operação de importação e

aplicação de penalidades em caso de erros é perfeitamente possível.

Por outro lado, tendo em vista que nos canais de parametrização amarelo,

vermelho e cinza ocorreu o lançamento tributário, revisão de lançamento será

possível, desde que se trate de erro de fato na classificação fiscal da mercadoria.

Entretanto ocorre que a revisão de lançamento por erro de classificação fiscal,

quando são fornecidas todas as características da mercadoria, inclusive com a

possibilidade de verificação física, por se tratar de erro de direito, não é permitida,

sendo então vedada à fiscalização qualquer aplicação de sanções ou multas de

natureza tributária ao importador.

Por outro lado, quando se passa a analisar também as questões aduaneiras e

aplica-se o princípio da proteção da confiança às relações entre importador e

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Receita Federal do Brasil, mais especificamente na Revisão Aduaneira, chega-se a

interessantes conclusões sobre a proteção que é dada ao importador de acordo com

cada um dos canais de parametrização.

Assim, entende-se que o canal verde de parametrização, isoladamente

considerado, não é passível de proteção da confiança em razão de não oferecer

subsídios suficientes ao preenchimento dos requisitos relativos à base da confiança,

confiança, exercício da confiança e frustração da confiança.

Entretanto esses requisitos são suficientemente preenchidos quando a

mercadoria é desembaraçada pelo canal amarelo de parametrização e fortemente

preenchidos quando a mercadoria é desembaraçada pelos canais vermelho ou cinza

de parametrização.

Desta forma, em razão do princípio da proteção da confiança, é vedado que a

Revisão Aduaneira de mercadorias desembaraçadas nesses canais puna o

importador por erro de classificação fiscal, tendo em vista que o erro legitimado por

atos da própria fiscalização.

As situações em que o importador realiza operações frequentes de

importação devem ter a confiança ainda mais protegida por este princípio.

Isto ocorre porque, nestes casos, o grau de confiança gerado pela repetição

dos atos administrativos é bem maior e as condutas induzidas por estes atos no

importador implicam em maiores consequências e prejuízos em razão da quebra

dessa confiança.

Além disso, ainda nas situações em que o importador realiza operações de

modo frequente, o efeito cruzado da proteção da confiança nos diferentes canais de

parametrização garantirá a proteção da confiança para a mercadoria que tenha sido

desembaraçada pelo canal verde, quando tiver havido desembaraço anterior dessa

mesma mercadoria por meio dos canais amarelo, vermelho ou cinza.

Isso ocorre porque a confiança gerada neste momento pretérito em que a

mercadoria foi desembaraçada por um desses canais efetivou o exercício da

confiança do importador que manteve a mesma descrição e mesma classificação da

mercadoria nas importações seguintes que foram liberadas pelo canal verde.

Assim, no caso de utilização da mesma classificação fiscal e mesma

descrição da mercadoria, ocorrendo Revisão Aduaneira, esta não poderá punir nem

aplicar sanções ao importador, mesmo nos desembaraços ocorridos por meio do

canal verde de parametrização.

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Enfim, as relações entre o particular e o Estado devem ser pautadas pela

respeito à confiança.

As operações de Comércio Exterior trazem diversos benefícios não só para o

particular, como também para a sociedade e o próprio Estado.

Através das operações de Comércio Exterior é possível melhorar o acesso da

sociedade à diversos produtos, tecnologias e conhecimento. É possível baratear

custos e preços de produtos, trazendo maior justiça social.

Além disso, é possível desenvolver a indústria interna através do aprendizado

mediante o estudo de mercadorias tecnológicas importadas, ou até mesmo pela

concorrência com produtos importados.

Também é importante relembrar que as operações comerciais internacionais

ajudam a atrair investimentos e recursos estrangeiros, o que ajuda a controlar o

câmbio e também direcionar mais recursos para desenvolver a infraestrutura do

país.

Finalmente, não se pode deixar de mencionar a importação de produtos

médicos e hospitalares, remédios e vacinas, essenciais para a saúde da população.

Diante de todos estes fatos e muitos outros nota-se que a proteção da

confiança do importador perante o Estado deve ser fortemente assegurada em razão

de sua importância para a sociedade.

As operações de Comércio Exterior são operações extremamente complexas

e burocráticas. O particular que decide se aventurar neste comércio corre enormes

riscos pela própria natureza da operação.

Um bom planejamento por parte do importador pode reduzir os riscos, mas

não eliminá-los. Entretanto, para que o planejamento possa ser bem executado, o

importador precisa poder confiar nos atos e decisões do Estado. Ele precisa confiar

que o Estado não vá adotar comportamentos contraditórios à seus próprios

comportamentos do passado.

Sendo assim, o princípio da proteção da confiança mostra-se excelente

instrumento para proteger e preservar os particulares e as empresas contra o Poder

de Tributar do Estado e, mais ainda, contra o arbítrio no poder de punir do Estado.

Essa proteção garantirá uma maior eficácia às operações de comércio

internacional, em especial às operações de importação, trazendo vários ganhos para

o importador, para a sociedade e para o Estado.

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ANEXO A - Anexo único da IN SRF 680 de 02 de outubro de 2006

INFORMAÇÕES A SEREM PRESTADAS PELO IMPORTADOR

1 - Tipo de Declaração

Conjunto de informações que caracterizam a declaração a ser elaborada, de

acordo com o tratamento aduaneiro a ser dado à mercadoria objeto do despacho,

conforme a tabela "Tipos de Declaração", administrada pela SRF.

2 - Tipo de Importador

Identificação do tipo de importador: pessoa jurídica, pessoa física ou missão

diplomática ou representação de organismo internacional.

3 - Importador

Identificação da pessoa que promova a entrada de mercadoria estrangeira no

território aduaneiro.

4 - Caracterização da Operação

Indica se a importação é própria ou por conta e ordem de terceiros.

5 - Adquirente da Mercadoria

Identificação do adquirente da mercadoria no caso de importação por conta e

ordem de terceiros.

6 - Operação FUNDAP

Indicativo de operação de importação efetuada por empresa integrante do

sistema FUNDAP - Fundo para Desenvolvimento das Atividades Portuárias.

7 - Representante Legal

Número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas do Ministério da

Fazenda, da pessoa habilitada a representar o importador nas atividades

relacionadas ao despacho aduaneiro.

8 - Processo

Tipo e identificação do processo formalizado na esfera administrativa ou

judicial que trate de pendência, consulta ou autorização relacionada à importação

objeto do despacho.

9 - Modalidade do Despacho

Modalidade de despacho aduaneiro da mercadoria.

Fl. 2 do Anexo Único à Instrução Normativa SRF nº 680, de 2 de outubro de

2006

10 - URF de Despacho

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Unidade da Receita Federal responsável pela execução dos procedimentos

necessários ao desembaraço aduaneiro da mercadoria importada, de acordo com a

tabela "Órgãos da SRF", administrada pela SRF.

11 - URF de Entrada no País

Unidade da Receita Federal que jurisdiciona o local de entrada da mercadoria

no País, de acordo com a tabela "Órgãos da SRF" administrada pela SRF.

12 - Outros Documentos de Instrução do Despacho Documentos necessários

para o despacho aduaneiro, além daqueles informados em campo próprio da

declaração.

13 - País de Procedência

País onde a mercadoria se encontrava no momento de sua aquisição e de

onde saiu para o Brasil, independentemente do país de origem ou do ponto de

embarque final, de acordo com a tabela "Países" administrada pelo BACEN.

14 - Via de Transporte

Via utilizada no transporte internacional da carga.

14.1 - Indicativo de Multimodal

Indicativo da utilização de mais de uma via, de acordo com o conhecimento

de transporte internacional.

15 - Veículo Transportador

Identificação do veículo que realizou o transporte internacional da carga.

16 - Transportador

Razão Social da pessoa jurídica, nacional ou estrangeira, que realizou o

transporte internacional e emitiu o conhecimento de transporte (único ou master).

16.1 - Bandeira

Identificação da nacionalidade do transportador, utilizando o código do país

do transportador, conforme a tabela "Países", administrada pelo BACEN.

Fl. 3 do Anexo Único à Instrução Normativa SRF n] 680, de 2 de outubro de

2006

16.2 - Agente do Transportador

Número de inscrição no CNPJ/MF, da pessoa jurídica nacional

que representa o transportador da carga.

17 - Documento da Chegada da Carga

Documento que comprova a chegada da carga no recintoalfandegado sob a

jurisdição da URF de despacho, de acordo com a via de transporte internacional

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utilizada.

18 - Conhecimento de Transporte

Documento emitido pelo transportador ou consolidador, constitutivo do

contrato de transporte internacional e prova de propriedade da mercadoria para o

importador.

18.1 - Identificação

Indicação do tipo e número de documento, conforme a via de transporte

internacional.

18.2 - Indicativo de Utilização do Conhecimento Indicativo de utilização do

conhecimento no despacho aduaneiro.

18.3 - Identificação do Conhecimento de Transporte Máster Identificação do

documento de transporte da carga consolidada (master), que inclua conhecimento

house informado.

19 - Embarque

Local e data do embarque da carga.

19.1 - Local de Embarque

Denominação da localidade onde a carga foi embarcada, de acordo com o

conhecimento de transporte. Local de postagem ou de partida da carga, nos demais

casos.

19.2 - Data de Embarque

Data de emissão do conhecimento de transporte, da postagem da mercadoria

ou da partida da mercadoria do local de embarque.

20 - Volumes

Características dos volumes objeto do despacho.

Fl. 4 do Anexo Único à Instrução Normativa SRF nº 680, de 2 de outubro de

2006

20.1 - Tipo de Embalagem

Espécie ou tipo de embalagem utilizada no transporte da mercadoria

submetida a despacho, conforme a tabela "Embalagens", administrada pela SRF.

20.1.1 - Quantidade

Número de volumes objeto do despacho, exceto para mercadoria a granel.

21 - Peso Bruto

Somatório dos pesos brutos dos volumes objeto do despacho, expresso em

Kg (quilograma) e fração de cinco (5) casas decimais.

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22 - Peso Líquido

Somatório dos pesos líquidos das mercadorias objeto do despacho, expresso

em Kg (quilograma) e fração de cinco (5) casas decimais.

23 - Data da Chegada

Data da formalização da entrada do veículo transportador no porto, no

aeroporto ou na Unidade da SRF que jurisdicione o ponto de fronteira alfandegado.

24 - Local de Armazenamento

Local alfandegado, em zona primária ou secundária, onde se encontre a

mercadoria, ou, no caso de despacho antecipado, onde a mesma deverá ficar à

disposição da fiscalização aduaneira para verificação.

24.1 - Recinto Alfandegado

Código do recinto alfandegado conforme a tabela "Recintos Alfandegados",

administrada pela SRF.

24.2 - Setor

Código do setor que controla o local de armazenagem da mercadoria,

conforme tabela administrada pela URF de despacho.

24.3 - Identificação do Armazém

Código do armazém, quando a informação constar de tabela administrada

pela URF de despacho.

Fl. 5 do Anexo Único à Instrução Normativa SRF nº 680, de 2 de outubro de

2006

25 - Custo do Transporte Internacional

Custo do transporte internacional das mercadorias objeto do despacho, na

moeda negociada, de acordo com a tabela "Moedas", administrada pelo BACEN. As

despesas de carga, descarga e manuseio associadas a esse trecho devem ser

incluídas no valor do frete.

25.1 - Valor Prepaid na Moeda Negociada

Valor do frete constante do conhecimento de transporte, pago no exterior

antecipadamente ao embarque, inclusive "valor em território nacional", se for o caso.

25.2 - Valor Collect na Moeda Negociada

Valor do frete constante do conhecimento de transporte, a ser pago no Brasil,

inclusive "valor em território nacional", se for o caso.

25.3 - Valor em Território Nacional na Moeda Negociada

Valor da parcela do frete destacada no conhecimento, correspondente ao

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transporte dentro do território nacional.

26 - Seguro Internacional

Valor do prêmio de seguro internacional relativo às mercadorias objeto do

despacho, na moeda negociada, de acordo com a tabela "Moedas", administrada

pelo BACEN.

27 - Valor Total da Mercadoria no Local de Embarque (VTMLE)

Valor total das mercadorias objeto do despacho no local de embarque, na

moeda negociada, conforme a tabela "Moedas", administrada pelo BACEN. Quando

as mercadorias objeto da declaração tiverem sido negociadas em moedas diversas,

esse valor deve ser informado em real. Somatório das adições.

28 - Compensação de Tributos

Valor reconhecido a título de crédito, correspondente a tributo recolhido a

maior ou indevidamente, utilizado pelo importador para reduzir os tributos a recolher

apurados na declaração. Preenchimento completo do quadro quando houver

compensação de tributo na declaração.

28.1 - Código de Receita

Código da receita tributária conforme a "Tabela Orçamentária", administrada

pela SRF.

Fl. 6 do Anexo Único à Instrução Normativa SRF nº 680, de 2 de outubro de

2006

28.2 - Valor a compensar

Valor do crédito a compensar.

28.3 - Referência

Tipo e número do documento comprobatório do crédito a ser considerado

para compensação.

29 - DARF

Transcrição dos dados constantes do DARF - Documento de Arrecadação de

Receitas Federais. Informação obrigatória nas declarações que apuraram impostos

a recolher.

29.1 - Código de Receita

Código de receita tributária conforme a "Tabela Orçamentária", administrada

pela SRF.

29.2 - Código do Banco, da Agência e da Conta Corrente

Código do banco, da agência e da conta corrente arrecadadora do tributo

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constantes da autenticação mecânica.

29.3 - Valor do Pagamento

Valor do tributo pago constante da autenticação mecânica.

29.4 - Data do Pagamento

Data do pagamento do tributo constante da autenticação mecânica.

30 - Informações Complementares

Informações adicionais e esclarecimentos sobre a declaração ou sobre o

despacho aduaneiro.

31 - Documento Vinculado

Identificação do tipo e número do documento de despacho aduaneiro anterior

(DI ou RE), que justifica o tratamento requerido no despacho atual.

32 - Licenciamento de Importação

Número de identificação da Licença de Importação (LI).

Fl. 7 do Anexo Único à Instrução Normativa SRF nº 680, de 2 de outubro de

2006

33 - Exportador

Identificação da pessoa que promoveu a venda da mercadoria e emitente da

fatura comercial.

34 - Fabricante ou Produtor

Identificação da pessoa que fabricou ou produziu a mercadoria e sua relação

com o exportador.

35 - Classificação Fiscal da Mercadoria

Classificação da mercadoria, segundo a Nomenclatura Comum do

MERCOSUL (NCM) e Nomenclatura Brasileira de Mercadorias (NBM), conforme

tabelas administradas pela SRF.

35.1 - Destaque para Anuência

Destaque da mercadoria dentro do código NCM para fins de licenciamento da

importação, conforme tabela "Destaque para Anuência", administrada pela SECEX.

Informação obrigatória quando NCM sujeita a anuência.

35.2 - "Ex" para o Imposto de Importação

Destaque da mercadoria dentro do código NCM, para o Imposto de

Importação.

35.2.1 - Ato Legal

Ato legal que instituiu o "ex" na NCM.

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35.3 - "Ex" para o Imposto sobre Produtos Industrializados

Destaque da mercadoria dentro do código NBM, para o Imposto sobre

Produtos Industrializados.

35.3.1 - Ato Legal

Ato legal que instituiu o "ex" na NBM.

36 - Classificação da Mercadoria na NALADI/SH ou NALADI/ NCCA

Classificação da mercadoria, segundo a Nomenclatura da Associação Latino-

Americana de Integração (NALADI) com base no Sistema Harmonizado de

Codificação e Designação de Mercadorias (SH) ou na Nomenclatura do Conselho de

Cooperação Aduaneira (NCCA). Informação obrigatória quando o país de

procedência for membro da ALADI.

Fl. 8 do Anexo Único à Instrução Normativa SRF nº 680, de 2 de outubro de

2006

37 - Peso Líquido das Mercadorias da Adição

Peso líquido das mercadorias constantes da adição, expresso em quilograma

e fração de cinco casas decimais.

38 - Destaque NCM Anuência/CIDE

Destaque NCM Anuência/CIDE.

39 - Aplicação da Mercadoria

Destino da mercadoria: consumo ou revenda.

40 - Indicativos da Condição da Mercadoria

Assinalar o(s) indicativo(s) abaixo, se adequado(s) à condição da mercadoria

objeto da adição:

1 - Material usado

2 - Bem sob encomenda

41 - Condição de Negócio da Mercadoria

Cláusula contratual que define as obrigações e direitos do comprador e do

vendedor, em um contrato internacional de compra e venda de mercadoria, de

acordo com a tabela INCOTERMS, administrada pela SECEX.

41.1 - Local da Condição

Ponto ou local até onde o vendedor é responsável pelos custos dos

elementos próprios da condição.

42 - Descrição Detalhada da Mercadoria

Descrição completa da mercadoria de modo a permitir sua perfeita

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identificação e caracterização.

42.1 - Nomenclatura de Valor e Estatística (NVE)

Nomenclatura de classificação da mercadoria, para fins de valoração

aduaneira e estatística, por marca comercial e código, conforme a tabela "NVE",

administrada pela SRF.

Fl. 9 do Anexo Único à Instrução Normativa SRF nº 680, de 2 de outubro de

2006

42.2 - Especificação

Espécie, tipo, marca, número, série, referência, medida, nome científico e/ou

comercial, etc. da mercadoria.

42.3 - Unidade Comercializada

Unidade de medida utilizada na comercialização da mercadoria, conforme

fatura comercial.

42.4 - Quantidade na Unidade Comercializada

Número de unidades da mercadoria, na unidade de medida comercializada.

42.5 - Valor Unitário da Mercadoria na Condição de Venda

Valor da mercadoria por unidade comercializada, na condição de venda

(INCOTERMS) e na moeda negociada, de acordo com a fatura comercial.

43 - Informações Estatísticas

Informações para fins estatísticos.

43.1 - Quantidade

Quantidade da mercadoria expressa na unidade estatística, exceto quando

esta for quilograma.

43.2 - Valor Unitário da Mercadoria na Condição de Venda Valor da

mercadoria por unidade estatística, na condição de venda e na moeda negociada.

44 - Valoração Aduaneira

Método, acréscimos, deduções e informações complementares para

composição do valor aduaneiro, base de cálculo do imposto de importação.

44.1 - Método de Valoração

Método utilizado para valoração da mercadoria, conforme a tabela "Método de

Valoração", administrada pela SRF, e indicativo de vinculação entre o comprador e o

vendedor.

Fl. 10 do Anexo Único à Instrução Normativa SRF nº 680, de 2 de outubro de

2006

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44.2 - Acréscimos

Valores a serem adicionados ao preço efetivamente pago ou a pagar, para

composição do valor aduaneiro, conforme a tabela "Acréscimos", administrada pela

SRF.

44.3 - Deduções

Valores a serem excluídos do preço efetivamente pago ou a pagar, para

composição do valor aduaneiro, conforme a tabela "Acréscimos", administrada pela

SRF.

44.4 - Complemento

Informações complementares que justifiquem a composição do valor

aduaneiro.

45 - Acordo Tarifário

Tipo de Acordo que concede preferência tarifária para a mercadoria.

45.1 - Acordo ALADI

Preenchimento obrigatório do código do Acordo ALADI, conforme a tabela

"Acordos ALADI", administrada pela SRF, quando a mercadoria for procedente de

país membro da ALADI, mesmo quando não negociada.

45.1.1 - Ato Legal

Ato do Executivo que deu vigência ao Acordo no País.

No caso de vigência administrativa, indicar o número do Protocolo.

45.1.2 - "Ex" ou "Observação"

Destaque da mercadoria negociada no Acordo, na NALADI (SH ou NCCA).

45.1.3 - Alíquota do Acordo

Alíquota estabelecida no Acordo para a mercadoria. No caso de margem de

preferência, deverá ser informada alíquota residual.

45.2 - Acordo OMC/GATT

45.2.1 - Ato Legal

Ato que promulga o Acordo no País.

No caso de vigência administrativa, indicar o número do Protocolo.

Fl. 11 do Anexo Único à Instrução Normativa SRF nº 680, de 2 de outubro de

2006

45.2.2 - "Ex" OMC/GATT

Destaque de mercadoria negociada no Acordo.

45.2.3 - Alíquota do Acordo OMC

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Alíquota estabelecida no Acordo para a mercadoria. No caso de margem de

preferência, deverá ser informada alíquota residual.

45.3 - Acordo SGPC

45.3.1 - Ato Legal

Ato que promulga o Acordo no País.

No caso de vigência administrativa, indicar o número do Protocolo.

45.3.2 - "Ex"

Destaque de mercadoria negociada no Acordo.

45.3.3 - Alíquota do Acordo

Alíquota estabelecida no Acordo para a mercadoria. No caso de margem de

preferência, deverá ser informada alíquota residual.

46 - Regime de Tributação para o Imposto de Importação

Regime de tributação pretendido, conforme a tabela "Regimes de Tributação

do I.I.", administrada pela SRF.

46.1 - Enquadramento Legal

Enquadramento legal que ampara o regime de tributação pretendido para o

I.I., conforme a tabela "Fundamentação Legal", administrada pela SRF.

46.2 - Redução

Benefício aplicável ao I.I. quando o regime de tributação for "redução". Pode

ser uma alíquota reduzida ou um percentual de redução do imposto, conforme

previsto no texto legal. A aplicação de um tipo de redução exclui o outro.

46.2.1 - Alíquota Reduzida

Alíquota ad valorem reduzida incidente sobre a base de cálculo do imposto.

Fl. 12 do Anexo Único à Instrução Normativa SRF nº 680, de 2 de outubro de

2006

46.2.2 - Percentual de Redução do Imposto

Percentual de redução aplicável sobre o valor do imposto devido.

47 - Regime de Tributação para o Imposto sobre Produtos Industrializados.

Regime de tributação pretendido, conforme a tabela "Regimes de Tributação

do I.P.I.", administrada pela SRF.

47.1 - Fundamento Legal

Fundamento legal que ampara o regime de tributação pretendido para o I.P.I.,

conforme a tabela "Fundamentação Legal", administrada pela SRF.

47.2 - Redução

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Benefício aplicável ao I.P.I. quando o regime de tributação for "redução".

Pode ser uma alíquota reduzida ou um percentual de redução do imposto, conforme

previsto no texto legal. A aplicação de um tipo de redução exclui o outro.

47.2.1 - Alíquota Reduzida

Alíquota ad valorem reduzida incidente sobre a base de cálculo do imposto.

47.2.2 - Percentual de Redução do Imposto

Percentual de redução aplicável sobre o valor do imposto devido.

48 - Imposto de Importação

Cálculo do imposto de importação em real.

48.1 - Tipo de Alíquota

Tipo de alíquota aplicável: ad valorem ou unitária.

48.2 - Base de Cálculo para Alíquota Unitária

Quantidade de mercadoria expressa na unidade de medida estabelecida em

ato legal.

48.3 - Unidade de Medida para Alíquota Unitária

Unidade de medida estabelecida em ato legal para a mercadoria.

48.4 - Alíquota ad valorem

Alíquota vigente, conforme a Tarifa Externa Comum (TEC).

Fl. 13 do Anexo Único à Instrução Normativa SRF nº 680, de 2 de outubro de

2006

48.5 - Alíquota Unitária

Valor por unidade de medida a ser aplicado sobre a base de cálculo, expresso

em real.

49 - Pis/Cofins

49.1 - Alíquota do ICMS

Valor da alíquota do ICMS.

49.2 - Redução da Base de Cálculo

49.2.1 - Fundamento Legal

Fundamento legal que ampara o regime de tributação pretendido para o

Pis/Cofins.

49.2.2 - Percentual de Redução

Percentual de redução aplicável sobre o valor do imposto devido.

50 - Regime de Tributação

Código do regime de tributação pretendido e fundamento legal que ampara o

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regime de tributação pretendido.

51 - Alíquota Pis/Pasep

51.1 - Alíquota Pis/Pasep ad valorem

Tipo de alíquota aplicável ad valorem.

51.1.1 - Alíquota ad valorem

Alíquota ad valorem vigente, conforme a Tarifa Externa Comum (TEC).

51.1.2 - Alíquota Reduzida

Alíquota ad valorem reduzida incidente sobre a base de cálculo do imposto.

51.2 - Alíquota Pis/Pasep Unitária

Tipo de alíquota aplicável específica.

51.2.1 - Alíquota Unitária

Valor por unidade de medida a ser aplicado sobre a base de cálculo, expresso

em real.

Fl. 14 do Anexo Único à Instrução Normativa SRF nº 680, de 2 de outubro de

2006

51.3 - Unidade de Medida para Alíquota Unitária

Unidade de medida estabelecida em ato legal para a mercadoria.

51.4 - Base de Cálculo para Alíquota Unitária

Quantidade de mercadoria expressa na unidade de medida estabelecida em

ato legal.

52 - Alíquota Cofins

52.1 - Alíquota Cofins ad valorem

Tipo de alíquota aplicável ad valorem.

52.1.1 - Alíquota ad valorem

Alíquota ad valorem vigente, conforme a Tarifa Externa Comum (TEC).

52.1.2 - Alíquota Reduzida

Alíquota ad valorem reduzida incidente sobre a base de cálculo do imposto.

52.2 - Alíquota Cofins Unitária

Tipo de alíquota aplicável específica.

52.2.1 - Alíquota Unitária

Valor por unidade de medida a ser aplicado sobre a base de cálculo, expresso

em real.

52.3 - Unidade de Medida para Alíquota Unitária

Unidade de medida estabelecida em ato legal para a mercadoria.

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52.4 - Base de Cálculo para Alíquota Unitária

Quantidade de mercadoria expressa na unidade de medida estabelecida em

ato legal.

53 - Direitos Antidumping e Compensatórios

Cálculo do direito Antidumping ou do direito compensatório, em real.

53.1 - "Ex"

Destaque da mercadoria dentro do código NCM, se houver.

Fl. 15 do Anexo Único à Instrução Normativa SRF nº 680, de 2 de outubro de

2006

53.2 - Ato legal

Instrumento jurídico que ampara o direito exigível, conforme a tabela "Atos

Legais", administrada pela SRF.

53.3 - Tipo de Alíquota

Tipo de alíquota aplicável.

53.4 - Base de Cálculo para Aplicação da Alíquota

Valor tributável ou quantidade da mercadoria na unidade de medida,

conforme estabelecido em ato legal.

53.5 - Unidade de Medida para Aplicação da Alíquota

Unidade de medida estabelecida no ato legal para a mercadoria.

53.6 - Alíquota Aplicável

Alíquota aplicável sobre a base de cálculo.

54 - Imposto sobre Produtos Industrializados

Cálculo do IPI vinculado à importação, em real.

54.1 - Tipo de Alíquota

Tipo de alíquota aplicável: ad valorem ou unitária.

54.2 - Nota Complementar TIPI

Número da Nota Complementar (NC) prevista na Tabela de Incidência do

Imposto sobre Produtos Industrializados (TIPI) relativa à alíquota ad valorem do IPI,

quando houver.

54.3 - Base de Cálculo para Alíquota Unitária

Quantidade de mercadoria expressa na unidade de medida estabelecida em

ato legal.

54.4 - Unidade de Medida para Aplicação da Alíquota Unitária

Unidade de medida estabelecida em ato legal para a mercadoria.

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54.5 - Alíquota ad valorem

Alíquota do imposto vigente, conforme previsto na TIPI.

Fl. 16 do Anexo Único à Instrução Normativa SRF nº 680, de 2 de outubro de

2006

54.6 - Alíquota Unitária

Valor, em real, por unidade de medida a ser aplicado sobre a base de cálculo.

55 - Internação de ZFM-PI

Cálculo do imposto de importação relativo aos insumos/componentes

importados para a ZFM e utilizados na industrialização de mercadoria destinada à

internação no restante do País, conforme Demonstrativo do Coeficiente de Redução

- Eletrônico (DCR-E).

55.1 - Identificação do Demonstrativo do Coeficiente de Redução - Eletrônico

(DCR-E)

Número identificador constante do Demonstrativo do Coeficiente de Redução.

55.2 - Coeficiente de Redução

Percentual de redução incidente sobre a alíquota ad valorem, conforme DCR-

E.

55.3 - Imposto de Importação Calculado em Dólar

Valor do imposto unitário devido na aquisição de insumos/ componentes

importados, conforme DCR-E, expresso em dólar dos EUA.