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FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA CURSO DE BACHAREL EM DIREITO AIMÉE MALZAC O TELETRABALHO SOB UMA PERSPECTIVA CONTEMPORÂNEA JOÃO PESSOA 2012

FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA CURSO … FINAL FESP... · central, um ou mais dias por semana, seja em casa ou em um centro de telesserviço” 6. Um dos objetivos do teletrabalho

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FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA

CURSO DE BACHAREL EM DIREITO

AIMÉE MALZAC

O TELETRABALHO SOB UMA PERSPECTIVA

CONTEMPORÂNEA

JOÃO PESSOA

2012

AIMÉE MALZAC

O TELETRABALHO SOB UMA PERSPECTIVA

CONTEMPORÂNEA

Artigo Científico apresentado à

Coordenação do Curso de Direito da

Faculdade de Ensino Superior da Paraíba

– FESP como exigência parcial para

obtenção do grau de Bacharel em

Direito.

Orientador(a): Ms. Catarina Mota de

Figueiredo Porto

JOÃO PESSOA

2012

AIMÉE MALZAC

O TELETRABALHO SOB UMA PERSPECTIVA

CONTEMPORÂNEA

Artigo Científico apresentado à Banca

Examinadora de Artigos Científicos da

Faculdade de Ensino Superior da Paraíba

como exigência parcial para obtenção do

grau de Bacharel em Direito.

Aprovado em ___/___/___.

Profa. Orientadora Catarina Mota de Figueiredo Porto

Prof. ...

Prof. ...

JOÃO PESSOA

2012

O TELETRABALHO SOB UMA PERSPECTIVA CONTEMPORÂNEA

Aimée Malzac1

Resumo: O presente artigo objetiva analisar o surgimento e o desenvolvimento de uma

nova forma de trabalho que vem ganhando força nas últimas décadas devido às

mudanças da sociedade e aos avanços tecnológicos. Através do método de

procedimento histórico e interpretativo, serão investigadas as origens e a evolução do

teletrabalho em outros ordenamentos jurídicos. Seguindo a nova tendência mundial para

o trabalho, baseada na inovação, na produtividade e na competitividade, o teletrabalho

insere-se no mercado capitalista, agregando valores éticos de respeito ao meio ambiente

e à dignidade da pessoa humana. Para conseguir atender às novas exigências do

mercado, o teletrabalho torna o trabalhador um agente flexível que pode estar em várias

partes do mundo e prestar serviços a diferentes nações; tal fato gera consequências que

extrapolam o âmbito nacional, e necessita da cooperação dos Estados para não

prejudicar os direitos humanos e trabalhistas do teletrabalhador. Essa nova realidade

tem alertado vários países no sentido de se unirem e criarem condições atrativas para o

intercâmbio do trabalho, através de acordos e tratados que uniformizem os critérios de

admissão, estabeleçam as garantias e os direitos, e definam as competências para dirimir

as eventuais lides trabalhistas. No Brasil, por ser uma modalidade de trabalho recente,

as mudanças tardaram a chegar, ocorrendo apenas no final de 2011. Apesar das críticas

a esse novo modelo de trabalho, alguns países já vêm adotando o teletrabalho como

alternativa para garantir a sustentabilidade, pois esta modalidade de laborar adapta-se,

com facilidade, às expectativas contemporâneas do mercado de trabalho.

Palavras-chave: Trabalho; Teletrabalho; Direitos Humanos; Legislação Trabalhista.

1 Graduanda em Direito pela FESP. E mail: [email protected]

INTRODUÇÃO

O trabalho, atividade essencial para a vida humana contemporânea, vem

sofrendo constantes mudanças ao longo da história. Tais mudanças contribuíram para

que diversas modalidades de trabalho fossem surgindo conforme as necessidades do

mercado. Uma das novas formas de trabalho é o trabalho a distância, também conhecido

como teletrabalho.

As relações de trabalho se adaptam às necessidades da economia, por isso é

importante investigar os efeitos da revolução tecnológica sob as formas de trabalho. A

nossa sociedade, intitulada Sociedade da Informação, termo utilizado para descrever um

estágio após as sociedades industrializadas, é marcada pelo uso das Tecnologias de

Informação e Comunicação (TICs). A sociedade de informação não é um estágio

passageiro, pois representa uma profunda alteração na organização da sociedade e da

economia. É um fenômeno global, com elevado potencial transformador das atividades

sociais e econômicas.

Com a mudança estrutural da economia, modificam-se também o mercado e

o perfil do trabalhador. As novas exigências requerem transformações de todos os atores

da dinâmica social. O trabalhador precisa ser flexível e ter o domínio das tecnologias de

informação para conseguir um espaço no mundo do trabalho. Já as empresas precisam

adequar-se ao novo modelo de trabalho, que exige criatividade, produtividade e

qualidade de vida para os agentes do processo. Estamos vivendo uma grande mudança

social, em que o teletrabalho surge como alternativa para solução de problemas

advindos dessas novas características econômicas.

O teletrabalho apresenta características diferenciais que geram conflitos

entre os juristas, como a possibilidade de redução da subordinação entre o empregado e

o empregador, por exemplo. O distanciamento geográfico do trabalhador do ambiente

de trabalho traz implicações jurídicas, sociais, econômicas e ambientais, que serão o

objeto de estudo desse trabalho.

Para a realização deste estudo empregou-se uma pesquisa essencialmente

bibliográfica, haja vista a abordagem geral do trabalho baseado nos entendimentos

doutrinários com relação ao tema, pois acredita-se que esta divergência de pensamentos

e ideias é que leva ao aprimoramento dos institutos jurídicos. Na coleta destes dados

foram utilizados como instrumentos: uma vasta gama da doutrina sobre o tema, a

jurisprudência relacionada, ou seja, como os tribunais têm encarado a questão, além da

legislação, que prevê as ocasiões para sua aplicação. Para a seleção destas fontes

aplicou-se um tipo de leitura analítica e seletiva e, em seguida, reflexiva e crítica.

Ademais, fez-se uso de outros recursos, como a internet, para realização da pesquisa.

Não se pretende, nesse trabalho, esgotar a matéria, alcançando-se a

unanimidade e encerrando as discussões acerca do tema, mas tão somente contribuir

para o referido debate, servindo-se dos pontos de vista de renomados estudiosos do

Direito, para propor questões polêmicas e trazer a uma reflexão crítica.

1 TELETRABALHO

O teletrabalho é uma modalidade de trabalho em que o trabalhador realiza

suas tarefas fora do ambiente empresarial, geralmente em seu domicílio ou em locais

mais próximos de sua residência. O termo “tele” refere-se à distância e não aos meios

utilizados para a realização do trabalho, ou seja, não são os meios telemáticos ou de

telecomunicação que caracterizam o teletrabalho, e sim o distanciamento geográfico do

empregado em relação ao ambiente físico da empresa.

O teletrabalho é um gênero do qual se ramificam várias espécies de trabalho

à distância, como o trabalho remoto, o trabalho em casa e o tele-emprego. É comum

relacionarmos o teletrabalho com a globalização e com o desenvolvimento tecnológico,

porém seu surgimento se deu bem antes da era industrial, no séc. XVII. A característica

diferencial do teletrabalho de hoje e dos primórdios do trabalho à distância é o produto

dessa relação trabalhista. Hoje, a marca forte do teletrabalho é a prestação de serviços;

enquanto que, no séc. XVII, os trabalhadores produziam manufaturas em seus lares.

Outra peculiaridade do teletrabalho é a possibilidade de estabelecer relações

transnacionais, ou seja, que extrapolam os limites de um Estado. Há duas formas de

teletrabalho entre países distintos: transfronteiriço e offshore. O primeiro é aquele em

que os pólos da relação trabalhista estão em países que fazem fronteira, por exemplo,

empregado brasileiro e empregador argentino; o segundo caracteriza-se pelas vantagens

que um país oferece a outro, como uma legislação mais flexível e mão de obra mais

barata, independentemente do distanciamento entre o empregado e o empregador.

De um modo geral, o teletrabalho vem ganhando espaço e alertando o

legislador sobre a necessidade de regulamentação dessa nova forma de relação

trabalhista. Segundo Alice Monteiro de Barros, “A inovação tecnológica subverte a

relação de trabalho clássica, sendo responsável por novos tipos de atividades

descentralizadas, que reúnem inovação e comunicação.” 2.

Mais adiante, ao tratarmos da legislação, veremos com mais profundidade,

que, em 15 de dezembro de 2011, o legislador brasileiro, atentando para a evolução das

relações teletrabalhistas que surgem em nosso território e tentando minimizar os

prejuízos para aqueles que optam por uma relação de trabalho a distância, reformulou o

dispositivo da Consolidação das Leis do Trabalho, equiparando o trabalho realizado no

estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a

distância3.

1.1 Conceito

Segundo Abeilar dos Santos Soares Junior4, especialista em Direito do

Trabalho pela UFBA e Professor de Direito do Trabalho e Processo do Trabalho da

UFBA e CEJUS, a história do teletrabalho inicia-se com Jack Nilles, intitulado “o pai”

do teletrabalho. Nilles trabalhava para a NASA e a para a Aerospace Corporation,

desenvolvendo naves espaciais. Certo dia, Nilles foi designado para atuar no setor civil,

fazendo visitas a planejadores urbanos. Em sua atuação regional, foi desafiado com as

seguintes questões:

Se vocês podem colocar um homem na Lua, porque não ajudam a resolver

este maldito problema do trânsito nas cidades? Por que não arranjam alguma

forma do pessoal trabalhar em casa em vez de se meter nesses

engarrafamentos para chegar ao emprego? .5.

Esse questionamento, sobre a redução das viagens diárias ao trabalho, fez

surgir uma grande ideia na mente de Nilles; porém de difícil concretização, não por falta

de tecnologia, mas por falta de apoio de seus superiores, que, a princípio,

2 BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 5 ed. São Paulo: LTR, 2009. p. 326.

3 Lei 12551/2011, disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-

2014/2011/Lei/L12551.htm#art1>. Acesso em: 28 fev. 2012. 4SOARES JUNIOR, Abeilar dos Santos. Configurações Jurídicas do Tele-emprego. Disponível em: <

http://jus.com.br/revista/texto/5836/configuracoes-juridicas-do-tele-emprego>. Acesso em: 06 mar. 2012. 5FRAGATA, Abel; MARQUES, Cleber Faria; NASCIMENTO, Darcy do. Teletrabalho e o Profissional

do Futuro. Disponível em: < www.abelfragata.com.br/tecnologia/teletrabalho.doc>. Acesso em: 06 mar.

2012.

desacreditaram na aplicabilidade da ideia. Um ano depois, Nilles entrou em contato com

um amigo da Universidade do Sul da Califórnia e formou uma equipe composta de

pessoas da área de Engenharia, Gestão e Comunicação e expôs a seguinte proposta:

“Desenvolvimento de Políticas Relativas à Substituição do Transporte pelas

Telecomunicações”. Através de um projeto de aplicação prática em uma empresa

Seguradora, Nilles conseguiu 90 (noventa) mil dólares com a National Science

Foudation. Com o sucesso da aplicação, Jack Nilles exibiu o livro fruto desse trabalho:

The Telecommunications-Transportation Tradeoff: Options for Tomorrow. Esse foi o

primeiro passo para a expansão do teletrabalho, que aos poucos foi se globalizando e

substituindo as tradicionais formas de trabalho.

Para Jack Nilles, o teletrabalho nada mais é do que “levar o trabalho aos

trabalhadores, em vez de levar estes ao trabalho; atividade periódica fora do escritório

central, um ou mais dias por semana, seja em casa ou em um centro de telesserviço” 6.

Um dos objetivos do teletrabalho é diminuir o tempo perdido no percurso

diário que o trabalhador faz de sua casa à empresa. Para alcançar essa meta, faz-se

necessário o uso do telesserviço que significa “qualquer alternativa para substituir as

viagens ao trabalho por tecnologias de informação (como telecomunicações e

computadores)” 7.

Na concepção da Organização Internacional do Trabalho, teletrabalho é

“qualquer trabalho realizado num lugar onde, longe dos escritórios ou oficinas centrais,

o trabalhador não mantém um contato pessoal com seus colegas, mas pode comunicar-

se com eles por meio das novas tecnologias” 8.

No mesmo caminho, explicando as origens etimológicas do termo, Alice

Monteiro de Barros expõe:

De origem etimológica grega, tele significa a distância. O teletrabalho é uma

modalidade especial de trabalho a distância; nos EUA utiliza-se o termo

networking, telecommuting, remote working; nos países de língua portuguesa

emprega-se o termo teletrabalho; nos países de idioma francês, télétravail;

6 NILLES, Jack M. Fazendo do teletrabalho uma realidade. Tradução de Eduardo Pereira Ferreira. São

Paulo: Futura, 1997, p.15. 7 Idem. Ibidem. p. 15.

8 PINEL, Maria de Fátima Lima. O Teletrabalho na era digital. Disponível em:

http://www.teletrabalhador.com/conceituacao.htm. Acesso em: 29 fev. 2012.

nos países de idioma espanhol teletrabajo e nos de idioma italiano telelavoro. 9.

O Código de Trabalho Português, em seu art. 233, define o teletrabalho

como “a prestação laboral realizada com subordinação jurídica, habitualmente fora da

empresa do empregador, e através do recurso a tecnologias de informação e de

comunicação.” 10

.

Segundo Pinho Pedreira, “teletrabalho é a atividade do trabalhador

desenvolvida total ou parcialmente em locais distantes da sede da empresa, de forma

telemática. Total ou parcialmente, porque há teletrabalho exercido em parte na sede da

empresa e em parte em locais distantes dela”.11

.

Podemos perceber que a base das definições jurídicas dos doutrinadores gira

em torno de três pilares: tecnologia, lugar e organização, ou seja, é imprescindível que

haja meios de comunicação ou controle entre o empregado e a empresa, e que o

funcionário consiga executar suas atividades remotamente utilizando-se de aparelhos

tecnológicos, disponibilizados pela empresa. Além disso, é necessário o distanciamento

geográfico entre o empregado e a empresa, característica responsável pelo conforto da

execução dos compromissos laborais em casa ou em centros mais próximos das

residências dos operários. Assim, para que a empresa alcance o sucesso empresarial, é

importante que haja organização e liderança apta a lidar com pessoas sem o contato

físico.

A evolução da tecnologia tem propiciado o crescimento do número de

teletrabalhadores, pois a nova tendência para o setor produtivo é a descentralização e a

horizontalização empresarial. Assim, como a informação consegue expandir-se de

forma rápida e eficaz, não há mais necessidade de concentrar os trabalhadores em

ambientes fechados, com alto grau de estresse. A informação chega à casa do

trabalhador, permite que ele se comunique com o mundo e produza serviços em maior

segurança e comodidade.

9 BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. 5 ed. São Paulo: LTR, 2009. p. 326.

10 Código de Trabalho Português disponível em: <

http://intranet.uminho.pt/Arquivo/Legislacao/RelacaoJuridicaEmprego/L99-2003.PDF>. Acesso em: 29

fev. 2012. 11

PEDREIRA, Pinho apud HERNANDEZ, Márcia Regina Pozelli. Novas Perspectivas da Relação de

Trabalho: O Teletrabalho. São Paulo: LTR, 2011. p. 53.

1.2 Histórico e evolução do Teletrabalho

A história do teletrabalho remonta ao séc. XVI, na Europa, época na qual

era comum, entre as atividades domésticas, produzir roupas para os membros da família

e comercializar o excedente. Mais na frente, com o aumento da produção, o trabalho

artesanal foi sendo desenvolvido em pequenas oficinas, onde as famílias trabalhavam na

fabricação de peças de algodão e lã para os comerciantes.

Com o início da Revolução Industrial e a dificuldade para encontrar mão de

obra, parte do trabalho das fábricas era deslocado para o campo, onde ainda viviam as

famílias que trabalhavam nos seus lares, no sistema de produção por peça. Mas, esse

panorama logo se modificou. As cidades cresceram, atraindo pessoas para trabalhar em

ambientes fabris. O fenômeno da centralização era crucial para o sucesso industrial, que

se baseava em fábricas, indústrias, matéria-prima, operários e transporte. A integração

de todos esses elementos era o fator essencial para que a economia funcionasse

devidamente.

O primeiro sistema de produção do capitalismo, o fordismo, colocava o

trabalhador com uma peça a mais na indústria, adestrando-o para fazer uma única tarefa.

Essa especialização gerou uma alienação em relação ao produto final, visto que o

operário não tinha mais conhecimento de todas as etapas do processo produtivo. Outra

característica desse sistema era a produção em estoques, o que, muitas vezes, não se

adequava a demanda da economia, gerando perdas.

Esse sistema foi substituído pelo toyotismo, que é caracterizado pela

flexibilidade da produção, ou seja, só se produz o necessário para o mercado, e prima-se

pela qualidade das mercadorias. Além disso, o trabalhador torna-se um agente flexível e

responsável por todos os processos da empresa.

Com o decorrer dos anos, o conhecimento (Know How) passa a ser mais

valorizado. O capital humano começa, então, a ganhar destaque nas empresas, sendo o

conhecimento tecnológico mais valorizado do que a força física. A indústria passa a

precisar de poucas pessoas com muito conhecimento para realizar grandes operações

com um simples clique na tela.

A era da informática e a mundialização da economia está mudando o perfil

do trabalhador, que, agora, com a utilização de telefones e internet, os trabalhadores

estão fazendo com que o trabalho chegue até eles.

A revolução tecnológica está proporcionando uma descentralização das

atividades produtivas das empresas. As regras capitalistas de produtividade,

racionalidade, economicidade e lucratividade estão despertando o interesse das

empresas em reduzir ao máximo os gastos para execução das atividades laborais de seus

colaboradores, como o aluguel de um estabelecimento, pagamento de transporte e a

pesada carga tributária.

Com essa atitude, uma empresa conseguirá oferecer o seu produto final por

um preço mais competitivo, visto que estará mais focada na elaboração de seus produtos

em detrimento de atividades não produtivas.

A ordem econômica influencia as ordens trabalhistas. Assim como as

pessoas do séc. XVIII saíram do campo e foram para as cidades trabalhar nas indústrias,

os nossos trabalhadores estão se adequando ao novo perfil da empresa descentralizada,

preocupada com o meio ambiente e que vem oferecendo tratamento diferenciado aos

clientes e aos empregados que possuem o poder científico nas mãos.

O mundo virtual está reestruturando a forma de vida e de trabalho da

sociedade. Com a internet, a economia de uma estrutura empresarial pode se

desenvolver de forma mais rápida, pois grupos simultâneos podem celebrar acordos em

vários países, realizar reuniões com pessoas em diferentes partes do mundo, solucionar

problemas remotamente, sem perda de tempo e dinheiro.

A flexibilidade é uma das principais marcas do teletrabalho, pois consegue

inserir no mercado pessoas que estariam “inaptas” para o mercado tradicional. Um

exemplo disso é a realocação de pessoas com idade avançada e com grandes potenciais,

mas que sofrem discriminação pela sua faixa etária. Outro relevante exemplo, que pode

ser citado, são as pessoas com necessidades especiais, que encontram barreiras físicas

para alcançarem seu lugar no mercado de trabalho.

2 Caracterização do Teletrabalho

O teletrabalho é um gênero de uma nova forma de trabalho que está em

expansão no mundo. Quando conseguirmos enxergar todas as características de uma

relação de emprego, efetuadas entre o empregado e o empregador, utilizando-se dos

novos meios virtuais e com o distanciamento físico entre eles, estará caracterizado o

tele-emprego.

O tele-emprego é uma relação empregatícia nos novos moldes ditados pela

economia, ou seja, é o teletrabalho caracterizado pelo vínculo empregatício. O principal

problema do surgimento de novas formas de trabalho é o devido reconhecimento que a

sociedade deve dar a esses trabalhadores, garantindo todos os direitos que são atribuídos

aos trabalhadores tradicionais.

Sabemos que os nossos legisladores tardam em adequar as leis às mudanças

sociais, por isso é necessário que haja uma flexibilização no tratamento dos novos perfis

trabalhistas do nosso século, para impedir fraudes dos empregadores e assegurar o

cumprimento das disposições constitucionais relativas às mudanças tecnológicas, como

a proteção do trabalhador em face da automação.

Para Cassio Mesquita Barros citado por Márcia Regina Pozelli Hernandez:

A flexibilidade do direito do trabalho consiste nas medidas ou procedimentos

de natureza jurídica que têm a finalidade social e econômica de conferir às

empresas a possibilidade de ajustar a sua produção, emprego e condições de

trabalho às contingências rápidas ou contínuas do sistema econômico. 12

.

A adaptação das normas jurídicas às novas regras econômicas que

modificam as relações trabalhistas é o primeiro passo para que o teletrabalho e suas

variantes possam se estabelecer de forma digna e atrair mais trabalhadores a essa

alternativa de vida e de trabalho, que muito beneficia ambos os lados da relação.

Vale ressaltar que flexibilização não é sinônimo de diminuição dos direitos

trabalhistas, como vem sendo pregado por alguns doutrinadores. Para flexibilizar é

preciso que haja consenso entre os trabalhadores e empregadores. Esse processo advém

das negociações e dos acordos coletivos, que conjugam interesses múltiplos e

conseguem chegar a um denominador comum, estabelecendo condições de trabalho e

12

BARROS JR, Cassio Mesquita. apud HERNANDEZ, Márcia Regina Pozelli. Novas Perspectivas da

Relação de Trabalho: O Teletrabalho. São Paulo: LTR, 2011. p. 29.

regulando as relações entre as partes, conforme dispõe a Convenção n. 145 da

Organização Internacional do Trabalho.

No Brasil, é claro o descompasso entre a Consolidação das Leis Trabalhistas

e a realidade social. Grupos de juristas têm se mobilizado na intenção de modificar esse

panorama, como a formação da Comissão de Modernização da Legislação Brasileira.

Todavia, ainda são grandes os questionamentos em relação aos princípios de proteção,

irrenunciabilidade dos direitos e aplicação da norma mais benéfica, que trataremos mais

no capítulo mais a frente.

2.1 Contrato de Teletrabalho

Na contratação do tele-empregado encontramos algumas previsões

semelhantes aos requisitos necessários para a configuração da relação de emprego: a

prestação de serviço por uma pessoa natural, ou seja, a figura do empregado, pessoa

física, a quem o direito do trabalho direciona as normas jurídicas de proteção e respeito;

a pessoalidade, que é o trabalho executado pelo próprio trabalhador, pois o empregador

deseja que as tarefas sejam prestadas por aquela pessoa específica. Todavia, Gustavo

Filipe Barbosa Garcia explica:

“O contrato de trabalho, portanto, é intuitu personae. Mesmo assim, a

substituição, em uma ou outra ocasião, do empregado, com a anuência do

empregador, não é apta a descaracterizar um longo vínculo de emprego” 13.

Para garantir a pessoalidade nos meios telemáticos, o empregador utiliza-se

de senhas e códigos para acesso ao sistema. Com a evolução tecnológica, os sistemas

estão ficando cada vez mais seguros, pois estão sendo utilizados métodos de

identificação pessoal, como a biometria, que consegue captar detalhes bastante

peculiares e únicos dos indivíduos, como a impressão digital, a íris, o timbre de voz e a

face, entre outros.

Todavia, apesar da forte segurança que os sistemas atuais possuem, existem

pessoas experientes em quebrar essa segurança; indivíduos que, a todo tempo, também

estão se aprimorando nas invasões aos sistemas informáticos. Por isso, como nenhum

13

GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Manual de Direito do Trabalho. São Paulo: Ed. Método. 2010. p.

63.

sistema é totalemente seguro, a responsabilidade dos atos praticados pelo empregado

tem presunção relativa.

O empregado é responsável pelo sigilo de sua senha e de sua identificação

no sistema. Se por descuido seu, algum terceiro invade o ambiente virtual de trabalho e

comete ilícitos em seu nome, a responsabilidade será do empregado, conforme dispõe o

art. 186 do Código Civil:

“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou

imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente

moral, comete ato ilícito.”

Assim como, se o empregado, diante de uma dificuldade ou incapacidade

para executar uma tarefa da empresa, repassa o seu serviço para outra pessoa; ele estará

quebrando a cláusula contratual da pessoalidade e poderá ser demitido por justa causa.

Para a empresa, a regra geral é a responsabilidade objetiva, ou seja, o

empregador responde objetivamente contra os atos cometidos por seu empregado, como

em uma relação trabalhista normal. Podendo haver a ação de regresso, nos termos da lei

civil.

Outro requisito é a continuidade, também chamada por alguns autores de

não eventualidade, que significa a prestação com habitualidade, ou seja, a prestação de

serviços permanentes necessários ao desenvolvimento da atividade empresarial do

empregador. É importante observar essa constância para que o vínculo seja

estabelecido, por exemplo, um teletrabalhador que faz serviços de digitação eventual

para uma empresa pode não configurar uma relação tele-empregatícia, diferentemente

de um empregado que toda semana recebe uma quantidade x de textos para processar,

gerando a habitualidade da atividade e estabelecendo o critério da continuidade

necessário para configurar o vínculo tele-empregatício.

Uma questão controversa gira em torno da subordinação, que para alguns

doutrinadores teria deixado de existir na configuração do teletrabalho. Para esse grupo,

a subordinação está ligada à fiscalização rígida e centralizada na mão do superior

hierárquico, ideia que vem do sistema fordista.

Mas a nova realidade das empresas nos mostra que o empregado não está

mais sujeito ao julgo dos superiores. Os empregados são seres que, assim como os

chefes, agregam valores aos conceitos do trabalho, participam das decisões e são

responsáveis pelo processo produtivo como um todo.

A horizontalização das empresas e a flexibilidade de sua estrutura geram

alterações nos requisitos dos contratos trabalhistas. Hoje, os empregados não ficam mais

totalmente dependentes das orientações dos seus superiores. Há uma tendência a

liberdade operacional, pois o funcionário necessita desse espaço para criar e contribuir

de uma maneira mais inovadora para o sucesso da empresa.

A própria tecnologia tem proporcionado essa atenuação da subordinação. A

internet e a conexão entre os operários fazem com que eles troquem ideias, modifiquem

parâmetros e desenvolvam suas tarefas no momento mais oportuno do seu dia, visto que

não há mais controle do tempo e do espaço do empregado. As empresas atuais estão

mais preocupadas com produtividade do que com tempo de serviço prestado pelo

empregado, chamamos esse atributo empresarial de gestão por objetivos ou por

resultados.

O empregado que se destaca no mundo virtual, possui o domínio de recursos

que, na maioria das vezes, seus superiores não detêm. Esse conhecimento, que é o

diferencial no mercado de trabalho, também dificulta a subordinação hierárquica, uma

vez que o desconhecimento científico e tecnológico impede o controle e a cobrança.

Diante desse novo quadro social de trabalhadores, surge uma indagação: Os

teletrabalhadores são autônomos ou subordinados?

Segundo Amauri Mascaro, citado na obra de Gustavo Filipe Barbosa Garcia

“Trabalhadores autônomos é aquele que não transfere para terceiro o poder de

organização de sua atividade.” 14

.

A primeira constatação que podemos fazer dessa definição é que o

teletrabalho não pode se configurar como trabalhado autônomo, uma vez que, mesmo

tendo toda liberdade para produzir, o poder de organização vem do empregador.

14

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho apud GARCIA, Gustavo Filipe

Barbosa. Manual de Direito do Trabalho. São Paulo: Ed. Método. 2010. p. 142.

Além disso, vimos nos parágrafos acima que a evolução tecnológica tem

atenuado a subordinação. Por isso, surge um requisito intermediário para a configuração

das relações teletrabalhistas que é a parasubordinação.

Esse critério ainda é bastante criticado por falta de regulamentação jurídica.

Alguns doutrinadores acreditam que para haver a parasubordinação é necessário que

não haja controle dos horários de trabalho, o que acarretaria a fragilidade dos contratos

trabalhistas.

Na verdade, o que temos visto não é o desaparecimento da subordinação,

mas sim sua virtualização, também chamada de telessubordinação ou subordinação

virtual. Os meios de interação entre o empregado e a empresa permitem o controle das

horas trabalhadas e do conteúdo produzido, pois na maioria das vezes a empresa

disponibiliza softwares conectados a rede e sistemas on-line para facilitar a troca de

informações.

Outro requisito da relação contratual é a onerosidade ou contra prestação,

que nada mais é do que a remuneração dada ao trabalhador pelo serviço prestado. Esse

valor pode ser ajustado por serviço prestado, por tarefa ou mensalmente, semanalmente,

dependendo do que ficar acordado entre as partes.

No teletrabalho, esse requisito é semelhante à relação de trabalho

tradicional, inclusive em relação aos contracheques, que têm sido emitidos via digital

em ambas as formas de relação trabalhista, devido a conscientização das empresas

quanto a preservação do meio ambiente.

Um ponto interessante, em relação ao salário, é a comprovação de horas

extras prestadas pelo tele-empregado. Assim como em uma relação de trabalho na

empresa, as horas extraordinárias do teletrabalhador devem obedecer ao limite previsto

na legislação, ou seja, 10 (dez) horas diárias e 44 (quarenta e quatro) horas semanas; e,

só em caso de força maior, o limite passa a ser 12 (doze) horas, devendo o empregador

cumprir os preceitos da lei.

Não é porque o teletrabalhador está em casa que ele pode trabalhar além do

limite legal. A regra estabelece os parâmetros para o bem estar social do trabalhador e

de sua família, devendo ser respeitado.

Quanto ao controle das horas trabalhadas extraordinariamente, a contagem

fica a cargo do empregador, através do próprio sistema, que permite o intercâmbio entre

a empresa e o empregado.

Os Tribunais têm apreciado vários pedidos de horas extras feitos pelos

teletrabalhadores alegando terem feito serviço ou estarem à disposição da empresa além

do horário comercial, embora seja difícil provar essa situação. Os teletrabalhadores

tentam provar os serviços prestados através de cópias de mensagens eletrônicas, acesso

ao sistema da empresa, chamadas de celular, etc.

Vejamos como os Tribunais Regionais têm decidido a respeito do pedido de

horas extras dos teletrabalhadores:

"(...) A sobrejornada, extraordinária que é, deve ser robustamente provada

pelo reclamante. A prova oral não autoriza dizer que o autor desincumbiu-se

a contento de demonstrar o sobrelabor. Assim, diante da liberdade do obreiro

em agendar seus compromissos, aliada ao fato da fiscalização do reclamado

ser feita apenas em relação ao serviço e não aos horários, impõe-se o não

acolhimento das horas extras pleiteadas na exordial. (...) Com relação aos

documentos de fls. 49/53 e 63/72, a despeito de registrarem em alguns casos

horário após às 18:00 horas, não se prestam à comprovação da sobrejornada

do autor, seja porque detinha o reclamante acesso ao Correio Eletrônico,

independente do horário, seja porque, não estando sujeito a controle de

jornada, poderia organizar a prestação de serviços no horário que melhor

atendesse a suas necessidades. (...)" (Recurso Ordinário nº 0724/2000 - Goiás

- Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região - Juiz Relator Heiler Alves da

Rocha - julgado em 21.06.2000)15

.

"TRABALHO A DOMICÍLIO. HORAS EXTRAS. Admitindo a reclamante

a prestação de serviços em sua residência, no horário que lhe fosse mais

conveniente, assim como o auxílio prestado por terceiros (filhos, genro e

noras), impossível avaliar o período de tempo despendido. Assim incabível o

pedido de horas extras. (TRT 3ª R. - 2ª T. - RO/21773/99 - Relª. Juíza Taísa

Maria Macena de Lima - DJMG 14.06.2000 - p. 15)" 16

.

O entendimento do tribunal é de que se a empresa não controla o horário do

empregado, por ser uma previsão benéfica para ele, ou seja, o empregado tem a

liberdade de escolher os melhores horários do dia para trabalhar; portanto, não há

porque haver a cobrança de horas extras, de forma geral.

15

Recurso Ordinário nº 0724/2000 do Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região. Disponível em: <

http://www.alfa-redi.org/node/8901>. Acesso em: 16 jun 2012. 16

Recurso Ordinário 21733/99 do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região. Disponível em : <

http://www.conjur.com.br/2011-set-01/aplicar-leis-trabalhistas-relacao-teletrabalho> . Acesso em: 16 jun

2012.

Todavia, cada caso deve ser analisado individualmente, pois pode acontecer

de a empresa sobrecarregar o empregado e exigir entrega de serviços em tempo

insuficiente, gerando o direito as horas extras respectivas.

O fato é que os polos da relação teletrabalhista devem ficar atentos e

prevenidos quanto às futuras lides envolvendo questões de difícil comprovação. Assim,

é comum que algumas empresas acabem cortando a tão defendida liberdade dos

trabalhadores de laboram nos horários mais convenientes, através da negação do acesso

à rede da empresa fora do horário comercial, para evitar os pedidos indevidos de horas

extras.

O último requisito presente apenas nos contratos teletrabalhistas é a

virtualidade, ou seja, a prestação do serviço em ambiente geograficamente distante do

núcleo da empresa. Essa característica é a primeira a aparecer, pois ainda na celebração

do contrato, o empregado e o empregador utilizam-se da tecnologia e do ambiente

virtual para combinar os direitos e deveres que irão viger na relação.

Através e-mail, fax, videoconferência ou chat, o contrato eletrônico de

trabalho é celebrado e, muitas vezes, assinado digitalmente, utilizando-se dos recursos

de criptografia e assinatura digital. A forma tácita de celebração contratual dificilmente

será utilizada nos meios digitais, pois falta de segurança pode ocasionar sérios riscos

para ambos os contratantes.

2.2 Natureza Jurídica

A maioria dos doutrinadores não se arrisca a definir a natureza jurídica do

teletrabalho, por entenderem ser uma nova relação trabalhista ainda em transição. Eles

culpam os legisladores pela inércia legislativa e esperam uma definição legal para se

posicionarem.

Alguns países estão na frente no processo de reconhecimento do

teletrabalho, pois esta é uma tendência que já está se popularizando em lugares mais

desenvolvidos.

O teletrabalho apresenta uma configuração diferenciada em relação a alguns

requisitos do trabalho tradicional, como a subordinação. Por isso, os doutrinadores

preferem situá-lo em uma zona de transição, estabelecendo sua natureza jurídica de

acordo com a peculiaridade de cada relação trabalhista estabelecida.

Todavia, uma recente alteração no texto da Consolidação das Leis

Trabalhistas consegue nos mostrar que o teletrabalho tem natureza jurídica contratual,

assim como as relações de trabalho tradicionais, senão vejamos:

Art. 6º da CLT. Não se distingue entre o trabalho realizado no

estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o

realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da

relação de emprego. (Redação dada pela Lei nº 12.551, de 2011)

Parágrafo único. Os meios telemáticos e informatizados de comando,

controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos

meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho

alheio. (Incluído pela Lei nº 12.551, de 2011).

Essa equiparação entre o trabalho tradicional e o teletrabalho requer a

configuração dos pressupostos de uma relação empregatícia, ou seja, só poderemos

confirmar a natureza jurídica contratual uma relação teletrabalhistas após a confirmação

da presença das características empregatícias.

Caso não haja essa confirmação, continuaremos utilizando o critério dos

doutrinadores, ou seja, a análise das peculiaridades de cada nova relação de trabalho que

surge é que dirá qual a sua natureza jurídica.

3 Competência territorial e aplicação do Direito Material para os

Teletrabalhadores

A globalização e a expansão virtual das empresas pelo mundo têm

proporcionado o estabelecimento de relações trabalhistas entre pessoas de diferentes

nações. O conhecimento é capaz de fazer um trabalhador se destacar mundialmente, e

conseguir um lugar no mercado de trabalho independente de sua nacionalidade.

Essa relativização geográfica na determinação dos polos da relação

trabalhista traz grandes implicações para direito internacional. Por exemplo: se um

empregado brasileiro é contratado por uma empresa estrangeira para laborar no Brasil, e

as regras contratuais trabalhista são ditadas pelo empregador, utilizando-se do

ordenamento jurídico de seu país para estabelecer o direito material, o juiz brasileiro

será obrigado reconhecer os direitos e deveres previstos no contrato?

Um empregado brasileiro, contratado por empregador estrangeiro para

laborar fora do Brasil, poderá invocar a jurisdição brasileira para solucionar um possível

conflito trabalhista?

A regra geral do nosso ordenamento jurídico estabelece que a jurisdição

para a solução de conflitos trabalhistas é estabelecida de acordo com o local da

prestação dos serviços, ainda que outro tenha sido o local de contratação. (art. 651,

caput, CLT).

Para alguns trabalhadores em especial (agente ou viajante comercial) a regra

muda, ou seja, em uma relação exclusivamente brasileira, será competente o local onde

a empresa tenha agência ou filial, e a esta o empregado esteja subordinado, e, na falta, o

local do domicílio do empregado ou localidade mais próxima.

Se a relação não é exclusivamente brasileira, uma vez que a empresa só tem

agência ou filial no estrangeiro; ainda assim poderemos aplicar a regra anterior, se o

empregado for brasileiro e não houver convenção internacional dispondo em contrário.

Essa previsão responde o nosso segundo questionamento, porém com uma difícil

aplicação, pois envolve autoridades distintas com plena soberania, como veremos a

seguir.

O problema das relações trabalhistas envolvendo polos com diferentes

nacionalidades é a questão da aplicabilidade de uma decisão no território alheio, pois,

após uma decisão da jurisdição brasileira, o juiz terá que enviar uma carta rogatória para

a jurisdição estrangeira, comunicando a empresa de seus deveres. Nesse momento, a

autonomia da jurisdição estrangeira prevalecerá e dificilmente um julgado brasileiro

será aplicado fora de nossa jurisdição.

Quando o empregador executa suas atividades fora do lugar do contrato de

trabalho, o empregado pode ajuizar reclamação no local da celebração do contrato ou no

local da prestação do serviço, conforme dispõe o § 3º do art. 651 da CLT.

Quanto aos direitos materiais, a Lei 7.064 de 1982 alterada, em 2009, pela

Lei 11.962, passou a regular a situação de todos os empregados contratos no Brasil e

transferidos, a partir da publicação da nova redação, para laborar no exterior. Essa Lei

autoriza a aplicação do direito material brasileiro, em matéria de proteção ao trabalho,

quando for mais favorável do que a legislação territorial17

.

De acordo com essa previsão legal, conseguimos responder ao primeiro

questionamento acima: um contrato, em que os direitos e os deveres são estabelecidos

pelo empregador estrangeiro baseando-se em sua lei local, poderá ser alterado pelo

magistrado brasileiro com respaldo no art.3º, II da Lei 7064/82, se a proteção jurídica

dada pela lei brasileira for mais favorável ao trabalhador.

Segundo Alice Monteiro de Barros, “a aferição da norma mais benéfica é

feita com base na teoria da acumulação ou atomização, com amparo na teoria do

conglobamento, ou, ainda, do conglobamento parcial, orgânico ou por instituto” 18

.

Aplicando a teoria da acumulação, teríamos a retirada de normas esparsas

de fontes distintas formando uma nova regra mais favorável ao empregado. Não é esse o

intuito do legislador, ao estabelecer que se deve buscar a norma mais benéfica, pois,

dessa forma, estaríamos criando uma nova regra a partir de cortes do ordenamento.

Segundo a teoria do conglobamento, não haveria esse recorte, mas sim a

visão do conjunto mais favorável, analisado subjetivamente pelo jurista; que deveria

comparar todas as normas de cada ordenamento e averiguar qual o conjunto de normas

teria uma aplicação mais benéfica para o empregado. Essa teoria é de difícil aplicação,

uma vez que, a análise do todo prejudica a aferição da regra mais proveitosa em

particular para cada instituto específico.

A teoria do conglobamento mitigado ou por instituto vem sendo aplicada em

nosso ordenamento pátrio. Parte-se de cada instituto em particular, por exemplo: férias,

e analisa-se quais as regras mais benéficas sobre o respectivo instituto poderíamos

aplicar ao caso concreto.

Segundo Alice Monteiro de Barros:

“A lei brasileira n. 7064, de 1982, no art. 3º, II, adotou a teoria do

conglobamento por instituto, ao dispor sobre “a aplicação da legislação

brasileira de proteção ao trabalho, naquilo que não for incompatível com o

17

Lei 7064/82. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L7064.htm>. Acesso em: 06

mar. 2012. 18

BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 5 ed. São Paulo: LTR, 2009. p. 130.

disposto nesta Lei, quando mais favorável do que a legislação territorial, no

conjunto de normas e em relação a cada matéria” 19

.

Até 23 de abril de 2012, havia uma grande controvérsia na nossa legislação

em relação à aplicabilidade das normas mais favoráveis, uma vez que a Consolidação

das Leis do Trabalho e o dispositivo sumular n. 207 do Tribunal Superior do Trabalho

regulavam a aplicação pela lei da prestação do serviço, enquanto a Lei 7064/82

desconsidera essa regra e autoriza a utilização da norma mais favorável.

Essa aparente antinomia estava gerando um grande impasse nos Tribunais,

pois, quando o juiz aplicava a norma mais favorável nos casos de trabalhadores que

laboravam no exterior, as grandes empresas recorriam alegando violação da Súmula 207

do TST que adotava o princípio lex loci executionis, conforme exposto abaixo:

Súmula nº 207 do TST

CONFLITOS DE LEIS TRABALHISTAS NO ESPAÇO. PRINCÍPIO DA

"LEX LOCI EXECUTIONIS" (cancelada) - Res. 181/2012, DEJT divulgado

em 19, 20 e 23.04.2012.

A relação jurídica trabalhista é regida pelas leis vigentes no país da prestação

de serviço e não por aquelas do local da contratação 20

.

Diante dessa divergência, o Tribunal Superior do Trabalho decidiu cancelar

a súmula 207 e, assim, reafirmar o entendimento que deve ser adota pelos Tribunais

Regionais e juízes do trabalho, no sentido de sempre aplicar a norma mais favorável nos

conflitos de leis trabalhistas no espaço.

Conclusão

O teletrabalho é a concretização das mudanças que nossa sociedade vem

passando. Ele representa uma nova maneira de trabalhar, que segue a tendência da

sustentabilidade e da inovação, agregado aos avanços que a tecnologia tem

proporcionado. Teletrabalhar já é uma realidade para a maioria dos países de primeiro

mundo, e, no Brasil, vem ganhando espaço, seguindo essa tendência mundial; tanto

através de incentivos governamentais como pela modificação da legislação trabalhista

que busca assegurar igualdade de direitos para os teletrabalhadores.

19

BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 5 ed. São Paulo: LTR, 2009. p. 131. 20

Súmula 207 do Tribunal Superior do Trabalho. Disponível em:<

http://www3.tst.jus.br/jurisprudencia/Sumulas_com_indice/Sumulas_Ind_201_250.html#SUM-207>

Acesso: 16 jun. 2012.

A caracterização do teletrabalho e do seu respectivo contrato se dá de

maneira semelhante às relações trabalhistas convencionais, ou seja, é necessária a

verificação de todos os elementos previstos na legislação atual para configurar o vínculo

de teletrabalho. Há, todavia, uma divergência doutrinária acerca da subordinação

jurídica na relação teletrabalhistas. Conforme a explicação no decorrer do artigo,

adotamos uma posição que defende a virtualização da subordinação e até um possível

abrandamento, em relação ao controle de horas, mas não o desaparecimento desse

elemento configurador da relação, também chamado de telessubordinação.

A nossa legislação trabalhista vem se aperfeiçoando em busca da melhor

solução para os conflitos teletrabalhistas, no sentido de sempre aplicar a norma mais

favorável nos conflitos de leis trabalhistas no espaço.

A current analysis of Telework

Abstract: The goals of this article are to analyze the emergence and development of a

new labor form, which is becoming more popular along the last decades due to changes

in the society and technological improvements. The origins and evolution of

teleworking in other jurisdictions were investigated in this paper, making use of the

historical procedures and interpretation methods. Following the global trend for the new

labor forms, based on innovation, productivity and competitiveness, teleworking is a

part of the capitalist market, combining ethical values of respect for the environment

and human dignity. To be able to meet work market requirements, teleworking

transforms the worker into an agent that can be flexibly in various parts of the world

and provide services to different nations; this fact generates consequences that go

beyond the national level, and requires cooperation between countries not to harm the

human and labor rights of the teleworker. This new reality has prompted several

countries to unite and create attractive conditions for the exchange of labor, through

agreements that standardize admission criteria, set out the rights and guarantees, and

define the skills to solve any labor conflict. In Brazil, as teleworking is a relatively

recent labor form, the changes in the laws came slower than in other countries,

occurring only in late 2011. Despite the criticism of this new labor form, some countries

already have adopted telework as an alternative to ensure sustainability, as it easily

adapts the expectations of the contemporary labor market.

Keywords: Work, Telework, Human Rights, Labor Legislation.

Referências Bibliográficas

BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 5 ed. São Paulo: LTR,

2009.

FRAGATA, Abel; MARQUES, Cleber Faria; NASCIMENTO, Darcy do. Teletrabalho

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www.abelfragata.com.br/tecnologia/teletrabalho.doc>. Acesso em: 06 mar. 2012.

GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Manual de Direito do Trabalho. São Paulo: Ed.

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Súmula 207 do Tribunal Superior do Trabalho. Disponível em:<

http://www3.tst.jus.br/jurisprudencia/Sumulas_com_indice/Sumulas_Ind_201_250.html

#SUM-207> Acesso: 16 jun. 2012

RECURSO ORDINÁRIO nº 0724/2000 do Tribunal Regional do Trabalho da 18ª

Região. Disponível em: < http://www.alfa-redi.org/node/8901>. Acesso em: 16 jun

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Recurso Ordinário 21733/99 do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região.

Disponível em : < http://www.conjur.com.br/2011-set-01/aplicar-leis-trabalhistas-

relacao-teletrabalho> . Acesso em: 16 jun 2012.