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FACULDADE MERIDIONAL - IMED CURSO DE DIREITO TAINÁ REGINA DOS SANTOS DA SILVA A ATUAÇÃO DO SISTEMA PENAL SOBRE AS DROGAS EM PASSO FUNDO: UM ESTUDO CRIMINOLÓGICO COM BASE NOS INQUÉRITOS POLICIAIS NOS ANOS DE 2016 2017 Passo Fundo 2017

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FACULDADE MERIDIONAL - IMED

CURSO DE DIREITO

TAINÁ REGINA DOS SANTOS DA SILVA

A ATUAÇÃO DO SISTEMA PENAL SOBRE AS DROGAS EM PASSO FUNDO:

UM ESTUDO CRIMINOLÓGICO COM BASE NOS INQUÉRITOS POLICIAIS NOS

ANOS DE 2016 – 2017

Passo Fundo

2017

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TAINÁ REGINA DOS SANTOS DA SILVA

A ATUAÇÃO DO SISTEMA PENAL SOBRE AS DROGAS EM PASSO FUNDO:

UM ESTUDO CRIMINOLÓGICO COM BASE NOS INQUÉRITOS POLICIAIS NOS

ANOS DE 2016 – 2017

Trabalho de Conclusão de Curso de

Direito, da Faculdade Meridional – IMED,

como requisito à obtenção de grau de

bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais,

sob a orientação do Doutor Felipe da

Veiga Dias.

Passo Fundo

2017

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TAINÁ REGINA DOS SANTOS DA SILVA

A ATUAÇÃO DO SISTEMA PENAL SOBRE AS DROGAS EM PASSO FUNDO:

UM ESTUDO CRIMINOLÓGICO COM BASE NOS INQUÉRITOS POLICIAIS NOS

ANOS DE 2016 – 2017.

Trabalho de Conclusão de Curso de

Direito, da Faculdade Meridional – IMED,

como requisito à obtenção de grau de

bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais,

sob a orientação do Doutor Felipe da

Veiga Dias.

Aprovada em 28 de novembro de 2017.

BANCA EXAMINADORA

___________________________________ Prof. Dr. Felipe da Veiga Dias

Faculdade Meridional - IMED – Orientador

___________________________________ Prof. Alexandre Marques

Mestrando

___________________________________ Prof. Me. Raquel Tomé Soveral

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AGRADECIMENTOS

Antes de tudo, agradeço a Deus por ter me dado a vida e por ter me mantido

com sua mão poderosa, concedendo-me a oportunidade de ter alcançado esse

importantíssimo objetivo, meu sonho.

Agradecer a minha mãe Rita, por todo o amor, dedicação, incentivo, apoio e

que mesmo nos momentos mais difíceis da minha vida, sempre me incentivou a

seguir em frente e nunca, mas nunca olhar para trás.

A minha irmã Vitória pelo apoio, pelas generosas palavras de incentivo, pelo

amor de irmã que é único e insubstituível.

Agradeço ao meu grande amigo Nelson, pessoa fundamental para a

realização desse trabalho, aquele que acreditou em mim, que me fez enxergar o

lado bom dos acontecimentos e o responsável pela minha paixão pelo direito penal.

Agradeço ao meu companheiro Robson, por ter me apoiado e me ajudado até

aqui, por ter sido meu porto seguro.

Ao meu orientador Felipe, por ter confiado na minha capacidade, por ter

iluminado o meu horizonte acadêmico e me incentivado a continuar.

Por fim, a todos que torceram para que meu sonho pudesse se concretizar.

Muito obrigada!

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"O seu Deus o ensina, e o instrui acerca do que há de fazer." (Isaías 28 : 26)

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RESUMO

O trabalho foi desenvolvido por meio de uma análise sobre os discursos contidos nos relatórios de instauração de inquéritos policiais feitos pelos delegados de polícia de Passo Fundo/RS, exclusivamente, no que diz respeito ao crime de tráfico ilícito de entorpecentes. Preliminarmente, é realizado uma pesquisa bibliográfica, sob o olhar da criminologia crítica, demonstrando as intenções declaradas, não declaradas e a seletividade do direito penal. Essa pesquisa tem como ponto central a atual política brasileira de combate as drogas e como ela vem sendo aplicada pelos delegados de polícia. Para isso, primeiramente, faz-se uma abordagem sobre a seletividade existente e as formas de controle social. Após, inicia-se a pesquisa empírica para a realização do segundo capítulo deste trabalho. Para tanto, foram coletados todos os inquéritos de flagrante de delito de tráfico ilícito de entorpecentes finalizados, disponibilizados pela 1º Delegacia de Polícia de Passo Fundo. O recorte temporal se deu nos meses de outubro a dezembro de 2016 e de janeiro a março de 2017, totalizando 35 inquéritos. Durante a análise, buscou-se responder quais são os critérios utilizados pelos delegados de polícia para distinguir traficantes e usuários de drogas. Assim, são extraídas as informações formadoras das confrontações policiais, quanto a realidade dos fatos e as condições que são relevantes para a instauração do inquérito. Através da pesquisa empírica foi possível perceber que a atuação do sistema penal é seletiva, principalmente no que diz respeito à Lei 11.343/2006, a qual deixa nas mãos da polícia fazer a seleção, num primeiro momento, de quem se enquadra como traficante.

Palavras-chave: Política De Drogas. Seletividade Penal. Tráfico De Drogas. Inquérito Policial.

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ABSTRACT

The work was developed, through an analysis of the discourses restrained in the

police investigation reports made by the Passo Fundo / RS police delegates,

exclusively with regard to the crime of illicit drug trafficking in narcotics. Preliminarily,

a bibliographical research is carried out, under the guise of critical criminology,

demonstrating declared and undeclared intentions and the selectivity of criminal law.

This research focuses on the current Brazilian drug policy and how it has been

applied by police delegates. For this, first, an approach is made on the existing

selectivity and the forms of social control. Afterwards, the empirical research for the

second chapter of this work is started. Therefore, all the investigations of flagrante

delicto of illicit trafficking of finished drugs, collected by the 1st Police Station of

Passo Fundo were collected. The time cut was from October to December 2016 and

from January to March 2017, totaling 35 surveys.During the analysis, we tried to

answer the criteria used by the police to distinguish between drug traffickers and

drug users. Therefore, the information that makes up the police confrontations is

extracted, as to the reality of the facts and the conditions that are relevant to the

initiation of the investigation. Through the empirical research, it was possible to

perceive that the criminal system is selective, especially with regard to Law 11.343/

2006, which leaves it to the police to select, in the first instance, who is a trafficker.

Keywords: Drugs of Policy. Criminal Selectivity. Drug Trafficking. Police

Investigation

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 9

2 A SELETIVIDADE DO SISTEMA PENAL NA ATUAÇÃO SOBRE AS DROGAS

NO BRASIL: UMA ABORDAGEM CRIMINOLÓGICA ............................................. 11

2.1 Teoria do Labeling Approach e os pressupostos de uma análise crítica do

sistema penal ...................................................................................................... 12

2.1.1 O mito da igualdade ................................................................................. 15

2.1.2 A cifra oculta e a cifra dourada da criminalidade ................................. 19

2.1.3 A (des)legitimidade do sistema penal .................................................... 20

2.2 o surgimento da política de drogas brasileira e a Lei 11.343/2006 ............... 23

3 ENTRE TRAFICANTE E USUÁRIO: DEFINIÇÕES NO TRATAMENTO DAS

DROGAS A PARTIR DA ANÁLISE EMPÍRICA DOS INQUÉRITOS POLICIAIS NA

CIDADE DE PASSO FUNDO ................................................................................... 32

3.1 METODOLOGIA DA PESQUISA EMPÍRICA COM BASE EM INQUÉRITOS

POLICIAIS SOBRE DROGAS EM PASSO FUNDO ........................................... 32

3.2 A REPRESSÃO PENAL E O TRÁFICO DE DROGAS: CATEGORIAS E

ABORDAGENS CONTIDAS NOS INQUÉRITOS POLICIAIS ............................. 36

3.2.1 Da manutenção da ordem pública .......................................................... 37

3.2.2 Quem são os traficantes de drogas de Passo Fundo ........................... 45

3.2.3 As características do tráfico de drogas ................................................. 49

4 CONCLUSÃO ........................................................................................................ 53

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 55

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1 INTRODUÇÃO

Este trabalho tem como objetivo realizar uma pesquisa empírica acerca dos

discursos adotados pelos delegados de polícia da cidade de Passo Fundo, no que

diz respeito a instauração dos Inquéritos Policiais referentes aos crimes de tráfico

ilícito de entorpecentes, previsto no artigo 33 da Lei 11.343/2006.

Diante da repressão da atual política de drogas brasileira, é necessário

discutir o tema, principalmente pelo fato de que a Lei 11.343/06 não trouxe nenhum

critério conciso a fim de distinguir traficante e usuário de drogas, deixando nas mãos

das autoridades policiais, em primeiro lugar, realizar tal distinção. Portanto, buscou-

se reunir informações com a finalidade de responder a seguinte problemática: quais

são os critérios utilizados pelos delegados para a instauração de inquéritos policiais

na cidade de Passo Fundo para distinguir traficantes e usuários de drogas na

aplicação da Lei 11.343/06?

Através da pesquisa qualitativa, na abordagem das informações analisadas,

será possível identificar como a norma penal é aplicada pelos delegados de polícia

de Passo Fundo. A técnica utilizada nessa etapa será a exploratória, pois essa

pesquisa realizar-se-á descrições precisas da situação e faz-se descobrir as

relações existentes entre os elementos componentes da mesma.

Primeiramente abordar-se-á através de estudos realizados em materiais

bibliográficos, com base na criminologia crítica, sobre as finalidades e a seletividade

do direito penal. Busca-se saber se tais implicações são presentes a uma certa

parcela da população, a qual trata-se das mais vulneráveis da sociedade, tendo em

vista que nas periferias das cidades, as famílias com baixa escolaridade e/ou

semianalfabetas e de baixa renda são consideradas delinquentes.

Após, realizar-se-á um breve estudo do histórico sobre a origem da política de

proibição as drogas, assim como, uma crítica no que tange ao atual sistema. Além

disso, outro ponto a ser estudado, diz respeito a uma análise da Lei 11.343/06,

principalmente nos artigos 28 e 33 sobre quais são as hipóteses que ela traz em

relação aos traficantes e usuários, tendo em vista que os dispostos em ambos os

artigos operam de maneira seletiva e dependem muito da discricionariedade da

autoridade policial.

E, por último, a parte mais importante do presente trabalho, onde se realizará

a pesquisa acerca dos discursos realizados pelos delegados sobre quem são os

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traficantes de drogas na cidade de Passo Fundo, através da pesquisa

predominantemente qualitativa será possível compreender como a atual lei de

drogas é aplicada.

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2 A SELETIVIDADE DO SISTEMA PENAL NA ATUAÇÃO SOBRE AS DROGAS

NO BRASIL: UMA ABORDAGEM CRIMINOLÓGICA

Não há outro tema que cause tanta polêmica, seja na política, seja nas

mídias, como as drogas. No entanto, não existe, pelo menos por hora, um assunto

que cause maior consenso, do que discurso geral (ilusório) de lei e ordem, o qual faz

com que se acredite que a guerra às drogas, através de um sistema penal

repressivo, é a solução para o combate ao tráfico ilícito de entorpecentes.

Entretanto, o tratamento das drogas como caso de polícia não ajuda, na realidade

acaba auxiliando o grande traficante, figura de quem os usuários ou “varejistas”

dependem.

A principal questão relacionada as drogas é a seletividade penal. O que se vê

é que a “guerra as drogas”, com a influência da mídia, não são contra as

substâncias como nos é apresentado, mas sim o controle social de certos espaços e

seguimentos sociais.

No primeiro item, abordar-se-á, através de um estudo crítico conciso no que

diz respeito a seletividade do sistema penal e do direito penal. Posteriormente, são

destacadas as intenções do direito penal, assim como, a operacionalização real do

sistema penal. Serão abordados os principais conceitos da criminologia crítica, como

a seletividade do sistema penal, o mito da igualdade, a cifra oculta e a cifra dourada

da criminalidade, criminalização primária e secundária e a teoria do etiquetamento,

para que possa ser compreendido como são os processos de criminalização sob o

viés da criminologia.

No segundo item será realizado um breve resgate histórico da política de

drogas brasileira e como este modelo foi implementado no país, para que seja

compreendido o motivo pelo qual o legislador trata com tanta severidade o tráfico e

consente um tratamento mais brando ao usuário de drogas, outrossim, será

demonstrado a diferença de tratamento entre traficante e usuário, baseando-se na

Lei 11.343/06.

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2.1 Teoria do Labeling Approach e os pressupostos de uma análise crítica

do sistema penal

A fim de determinar a seletividade penal, torna-se relevante a abordagem da

teoria do etiquetamento, a qual parte da perspectiva da formação de estereótipos

que delimitam quem seriam os “criminosos” que “combinam com a imagem que

corresponde à descrição fabricada, deixando de fora outros tipos de delinquentes

(delinquência de colarinho branco, dourada, de trânsito” (ZAFFARONI, 2001, p.130).

No entanto, percebe-se que grupos sociais constituem regras

comportamentais selecionando ações como “certas e proibindo outras como

erradas’”. Quando uma pessoa infringe uma regra ela pode ser vista como um “tipo

especial”, um cidadão que não se espera que se encaixe dentro das regras

estipuladas pela sociedade. “Essa pessoa é encarada como um outsider”, ou seja,

indivíduo que não pertence a um grupo determinado (BECKER, 2008, p.15).

Baratta esclarece a teoria do etiquetamento como:

[...] Esta direção de pesquisa parte da consideração de que não se pode compreender a criminalidade se não se estuda a ação do sistema penal, que a define e reage contra ela, começando pelas normas abstratas até a ação das instâncias oficiais (polícia, juízes, instituições penitenciárias que as aplicam), e que, por isso, o status social de delinquente pressupõe, necessariamente, o efeito da atividade das instâncias oficiais de controle social da delinquência, enquanto não adquire esse status aquele que, apesar de ter realizado o mesmo comportamento punível, não é alcançado, todavia, pela ação daquelas instâncias. Portanto, este não é considerado e tratado pela sociedade como “delinquente”. Nesse sentido, labeling approach tem se ocupado principalmente com as reações das instâncias oficiais de controle social, consideradas na sua função constitutiva em face da criminalidade. Sob esse ponto de vista tem estudado o efeito estigmatizante da atividade da polícia, dos órgãos de acusação pública e dos juízes (BARATTA, 2011, p. 86).

Baseando-se na obra de Becker, Shecaira afirma que quem violar qualquer

norma vigente poderá ser considerado uma pessoa que não merece confiança

perante a sociedade e que “pode alcançar um traficante de drogas ou alguém que

bebeu em excesso em uma festa e que se porta de maneira inconveniente,

concluindo que: surgindo a intolerância, haverá uma espécie de estigmatização

desse agente” (SHECAIRA, 2014, p.257).

Segundo Baratta, Lemert estabelece uma distinção entre a “delinquência

primária” e a “delinquência secundária”, a qual procura demonstrar de que maneira a

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ação social a sanção de uma primeira conduta desviante, por meio de uma mudança

de identidade, cria-se um “indivíduo estigmatizado, uma tendência a permanecer no

papel social no qual a estigmatização o introduziu” (BARATTA, 2011. p.90).

Assim, quando se trata sobre a teoria do etiquetamento, aponta-se que a

sociedade decide que alguém é perigoso ou não confiável, medidas são tomadas

para que seja demonstrado que aquele sujeito está sendo rejeitado e trazem a

pessoa condenada para um domínio que restringirá sua liberdade. “É ainda

estigmatizador, porque acaba por desencadear a chamada desviação secundária e

as carreiras criminais” (SHECAIRA, 2014, p. 257).

Conforme Zaffaroni, “o sistema penal é uma complexa manifestação do poder

social” (2001 p. 16). O que origina a conduta do desviante é a sociedade. Portanto,

a sociedade cria normas, no entanto se alguém não as cumprir estará desviado e

“por aplicação dessas regras pessoas específicas é que são rotuladas como

outsiders (estranhos)”. Pode-se dizer, então, que a desviação não é uma

característica do ato que o sujeito comete, mas o resultado da aplicação das regras

dada pelos outros e as sanções para o ofensor. “O desviante é alguém cujo o rótulo

social de criminoso foi aplicado com sucesso”; as condutas que tornam alguém

desviante são aquelas que a sociedade aplica como um “rótulo” naquele que comete

um ato que não esteja dentro das regras por ela estabelecidas (BECKER, 2008, p.

22).

Essas etiquetas negativas são classificadas como “corredores que induzem e

iniciam uma carreira desviante e como prisões que constrangem a uma pessoa

dentro do papel desviante”, desse modo, “a rotulação tornar-se-ia o processo pelo

qual um papel desviante se cria e se mantém através da imposição dos rótulos

delitivos” (ANIYAR, 1983, p.103).

O que se necessita para que um sujeito seja rotulado como criminoso é o

cometimento de um único delito, e esta será a única referência condenatória do

sujeito (SHECAIRA, 2014, p. 258).

Imagine-se, por exemplo, um crime de furto praticado em uma residência. A polícia (especialmente), assim como outras agencias de controle, sempre partirá de uma premissa segundo a qual é aquele agente um “ladrão”, o que ganhará um rótulo com o qual o desviante será identificado. As rotinas diárias farão com que ele busque a aproximação com os iguais, o que gera início a uma carreira criminal. A pessoa que chega a corte criminal sendo tachado de “ladrão” ou “drogado” pode ter gasto não mais de que um momento nessas atividades. Mas a sociedade destaca alguns detalhes do

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comportamento de tal pessoa e declara que eles refletem o tipo de pessoa realmente é. “Ele é um ladrão” ou “ele é um drogado” parece indicar imediatamente uma descrição de sua posição na sociedade e o perfil de seu caráter (SHECAIRA, 2014, p. 260).

No entanto, uma conduta em si não é criminal nem seu autor criminoso. “O

caráter criminal de uma conduta e a atribuição de criminoso a seu autor depende de

processos sociais de definição que atribuem a mesma um tal caráter, e de seleção,

que etiquetam o autor como delinquente” (ANDRADE, 2003, p. 204). A atuação do

sistema penal, especialmente no que diz respeito as penas privativas de liberdade,

ao invés de serem medidas reeducativas sobre o delinquente, determinam uma

concretização da “identidade de desviante do condenado e seu ingresso em uma

verdadeira e própria carreira criminosa” (BARATTA, 2011, p. 90).

O apenamento age como um produtor de desigualdades. Ele acaba criando

uma reação nos meios familiares, de amizades, que gera uma marginalização no

âmbito do mercado de trabalho e escolar. A função reprodutora do sistema penal é

levar uma conduta desviada para o ambiente da reprovação estigmatizante.

Geralmente o que é considerado uma conduta social desviada, na maioria das vezes

é cometida por um sujeito primário, pela repercussão dada pela sociedade em face

da pena transforma-se em um caminho delitivo imediato e irreversível (ZAFFARONI,

2001, p.121).

Posto isso, a punibilidade, principalmente a prisão, funciona como um meio de

criminalização que dá início a um processo circular para os clientes do sistema

penal. A rotulação inicia com a criminalização primária, que produz criminalizações

secundárias, como a reincidência. A etiqueta criminal (estampada nas folhas de

antecedentes criminais, ou manifestando-se através da exposição do

sensacionalismo da mídia) identifica as características das pessoas etiquetadas a

geração de expectativas sociais de condutas correspondentes ao seu significado, a

perpetuação do comportamento criminoso e a aproximação reciproca de indivíduos

estigmatizados (SHECAIRA, 2014, p. 263).

Andrade aduz que a clientela do sistema penal é composta por pessoas de

classes sociais inferiores, o que indica que “há um processo de seleção de pessoas

às quais são qualificadas como delinquentes”. O sistema penal se direciona , na

maioria das vezes, contra certas pessoas, muito mais do que contra as ações

denominadas como ilícitas e, sendo assim, guia os seus instintos sobre o passado

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para julgar no futuro o fato crime presente, priorizando a especulação de "quem" em

detrimento do "que" (ANDRADE, 2003, p. 52).

Quando se acredita que crime é algo que está definido em lei penal, não se

pode mais “investigar a criminalidade como fenômeno social”. “Ao identificar os

criminosos como autores das condutas legalmente definidas”, sendo assim,

“identifica-se a população criminal com a clientela do sistema penal”. Compreende-

se que o sistema penal é extremamente seletivo (ANDRADE, 2003, p. 219-220).

2.1.1 O mito da igualdade

Existe um mito de igualdade no sistema penal, o qual conduz a crença da

intenção do direito penal em proteger os bens jurídicos essenciais da sociedade,

tendo em vista que trata-se de interesse coletivo e tornando-se igual para todos,

protegendo a sociedade de maneira igualitária, assim, ocorre também com aquele

cidadão que violar as normas, ou seja, todo o sujeito que praticar um delito teria o

mesmo tratamento penal, sendo submetido ao processo de criminalização e após,

se condenado, teria que cumprir as sanções penais a ele aplicadas (BARATTA,

2011, p.162).

Todavia, superando-se o entendimento majoritário de que a função social do

direito penal é a defesa de bens jurídicos, pode-se entender as razões pelas quais

as sanções penais são aplicadas a uma classe social definida, não sendo esta uma

aplicação igualitária.

É incontroverso que existe uma estrutura de poder e seguimentos mais

próximos na sociedade e outros mais excluídos/marginalizados do poder. É notório

que esta estrutura se mantém através do controle social e de sua punição, com

denominação de sistema penal, em harmonia com a demonstração dos resultados

que este produz sobre os sujeitos que sofrem seus efeitos e sobre aquelas que

participam nas suas partes estáveis. Em certa parte, o sistema penal desempenha

esta função e a faz através da criminalização seletiva dos marginalizados, para

reprimir a maioria.

Outrossim, os demais meios de controle social falham, o que faz com que o

sistema não hesite em punir sujeitos dos próprios setores homogêneos, para que

estes fiquem firmados no seu rol e para que não cometam ações prejudiciais a

supremacia dos grupos que fazem parte, mesmo que tal fato seja excepcional

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(criminalização de pessoas ou de grupos contestadores pertencentes às classes

média e alta). Ademais, há a probabilidade de chegar a casos em que os

delinquentes não possuam qualquer função no que diz respeito aos grupos a que

pertencem, mas somente valham para levar um sentimento de tranquilidade aos

mesmos setores dominantes, que por alguma razão podem se sentir ameaçados, o

que normalmente ocorre, devido a influencia na mídia através dos meios de

comunicação (ZAFARONI;PIERANGELI, 2004, p.76).

O sistema penal existe para definir o poder de punir e garantir direitos aos

indivíduos, para averiguar o efetivo cumprimento das promessas contidas nesse

discurso: a igualdade, a justiça e a segurança jurídica. A partir daí, ratificar-se que o

sistema penal não cumpre as suas funções declaradas, na prática realiza funções

contrárias ao que lhe é atribuído. De fato, o sistema penal não só não protege o

indivíduo (porque não respeita seus direitos nem diminui a criminalidade), mas

mostra-se, em sua realidade concreta, com as características da desigualdade, da

injustiça e da insegurança jurídica. (ANDRADE, 2003, p. 169).

Ao fazer uma crítica ao mito da igualdade, Baratta aduz que o direito penal

não protege a todos, do mesmo modo que não é empregado somente para

proteger os bens essenciais da sociedade, pelo contrário, quando pune, o faz de

modo desigual e de maneira fracionada. Relata ainda, que a lei penal é desigual,

tendo em vista que o “status de criminoso é distribuído de modo desigual entre os

indivíduos” e finaliza dizendo que “o direito penal não é menos desigual do que os

outros ramos do direito burguês e que, contrariamente, a toda aparência, é o direito

desigual por excelência” (BARATTA, 2011, p.162). Com base nos estudos da

criminologia crítica compreende-se que o sistema penal atua de modo desigual,

diferenciando os que experimentarão a maior aplicação do poder punitivo estatal.

O procedimento de criminalização se manifesta em dois momentos distintos,

ou seja, criminalização primária e criminalização secundária. Em relação ao

processo de criminalização primária, este ocorre quando o Estado define quais são

as condutas que devem ser proibidas, então, o Estado de modo teórico relata as

condutas suscetíveis a sanção.

No que tange a seletividade de criminalização primária, pode-se dizer que:

As malhas dos tipos, são em geral, mais sutis no caso dos delitos próprios das classes sociais mais baixas do que no caso dos delitos de “colarinho branco”. Estes delitos, também do ponto de vista da previsão abstrata, têm

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maior possibilidade de permanecerem imunes. Quando aos “não conteúdos”, começasse, finalmente, a procurar a raiz do assim chamado “caráter fragmentário” do direito penal (que os juristas frequentemente assumem como um dado da natureza), não só na pretensa idoneidade técnica de certas matérias ao controle mediante o direito penal (ou na tautológica assunção da relevância penal de certas matérias, e não de outras), mas, antes, em uma lei de tendência, que a leva a preservar da criminalização primária as ações antissociais realizadas por integrantes das classes sociais homogênicas, o que são mais funcionais às exigências do processo de acumulação do capital. Criam-se, assim, zonas de imunização para comportamentos cuja danosidade se volta particularmente contra classes subalternas (BARATTA, 2011, p. 176).

O processo de criminalização primária diz respeito a criação das normas

penais onde definem-se quais serão os bens jurídicos protegidos, quais serão as

condutas criminalizadas, as características e a valorização das penas. No entanto,

além de não se limitarem a análise das definições legais, é levado em conta as

definições dadas pela sociedade no geral (“definições do senso comum”)

(ANDRADE, 2002, p. 208).

De outro modo, conseguir-se-ia assegurar que a lei penal relacionaria todas

as pessoas, pois, ao colocar de forma abstrata a ilicitude de tal conduta, todo aquele

que violasse a lei seria punido por ela. Todavia, esse tratamento igualitário não se

observa na aplicação do sistema penal, sabe-se que não é bem isso que ocorre

(SANCHES, 2002, p.16).

A lei penal é uma lei cínica, pois proíbe as pessoas de furtar ou roubar,

mesmo sendo sabedora de que essa proibição é destinada aos sujeitos fáceis de

serem presos ou até mesmo “abduzidos pelas normais penais”. Ao afirmar que a

igualdade é um argumento fundamental do direito, busca assegurar que haverá um

pouco de neutralidade nos comandos legais. Tudo o que o ordenamento jurídico não

é e não será (GLOECKNER, 2014, p.94).

Outrossim, pela razão de criminalizar de maneira igual, “os comandos legais

tão somente mascaram, servindo como um aparato ideológico para que a violência

possa ser justificada”(GLOECKNER, 2014, p.95). Portanto, compete ao Estado

definir quais são os bens que serão protegidos pelo direito penal.

A criminalização secundária, ação ou omissão dos agentes, ocorre quando a

lei passa a ser aplicada, incumbindo a polícia fazer a seleção de quais sujeitos serão

indiciados e, após em um processo penal, ao juiz exercer a sua seletividade.

[...] a criminalização secundária é a ação punitiva exercida sobre as pessoas concretas, que acontece quando as agências policiais detectam

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uma pessoa que supõe-se tenha praticado certo ato criminalizado primariamente, a investigam, em alguns casos privam-na de sua liberdade de ir e vir, submetem-na à agência judicial, que legitima tais iniciativas e admite um processo (ou seja, o avanço de uma série de atos em princípio públicos, para assegurar se, na realidade, o acusado praticou aquela ação); no processo, discute-se publicamente se esse acusado praticou aquela ação e, em caso afirmativo, autoriza-se a imposição de uma pena de certa magnitude que, no caso de privação da liberdade de ir e vir da pessoa, será executada por uma agência penitenciária (prisonização)(ZAFFARONI ;BATISTA, 2011, p.43).

O processo de criminalização secundária se refere a aplicabilidade das

normas penais pela polícia e pela justiça. É o tão esperado momento da “atribuição

da etiqueta de desviante (etiquetamento ou rotulação)” que pode ser desde a

“simples rejeição social até a reclusão do indivíduo em uma prisão ou internação em

um manicômio” (ANDRADE, 2003, p. 208).

No que diz respeito às normas penais incriminadoras, cumpre observar que “o

direito penal vem ao mundo, ou seja, é legislado para cumprir funções

concretas dentro de e para uma sociedade que claramente se organizou

de determinada maneira” (BATISTA, 2007, p.19).

No processo de criminalização secundária, sobrevirá a seletividade

quantitativa e/ou qualitativa (ZAFFARONI, 2006, p.43), “diz respeito ao número de

condutas rotuladas como criminosas e ao de autores em relação aos quais são

atribuídas a condição de criminoso”, já a seletividade qualitativa associa-se com a

exclusão de algumas condutas prejudiciais como criminosas, as quais deixam de

abranger todas as atitudes e pessoas criminosas (BISSOLI FILHO, 2002, p.78-79).

Ultrapassado o estudo dos tipos penais que seguem a maior parte das

reprovações criminais brasileiras, cumpre averiguar quais são os sujeitos que estão

encancerados atualmente no Brasil, o que tranquilamente chegará a dedução de

que a seletividade através da criminalização secundária é verídica.

Segundo Andrade “a clientela do sistema penal é composta, ‘regularmente’,

em todos os lugares do mundo, por pessoas pertencentes aos mais baixos estratos

sociais” e, termina, aduzindo que isso “é resultado de um processo de criminalização

altamente seletivo e desigual de ‘pessoas’ dentro da população total, às quais se

qualificam como criminosos” (ANDRADE, 2003, p.52).

Enfim, considerando-se a seletividade do sistema penal acabará escolhendo

os crimes mais fáceis de investigar, diante da simplicidade jurídica (tendo como

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exemplo o crime de furto); ou escolherá a criminalização dos grupos sociais mais

fragilizados.

2.1.2 A cifra oculta e a cifra dourada da criminalidade

A seletividade do sistema penal se completa quando cria as cifras negras ou

ocultas e as cifras douradas da criminalidade. No que diz respeito a cifra oculta,

pode-se dizer que vários crimes não são investigados ou vários autores não são

processados, já, tratando-se de cifra dourada, esta faz com que determinadas

classes sociais não sejam incluídas no processo de criminalização, o que incidirá

sobre as classes sociais mais frágeis. (BATISTA, 2003, p. 261-263).

A normatização relevante de uma política criminal opcional se fundamenta na

distinção da criminalidade pela camada social do autor: condutas delituosas dos

níveis sociais subordinadas, como crimes patrimoniais, por exemplo, exteriorizariam

paradoxos das ligações da produtividade e divisão, como reações pessoais

incômodas de indivíduos em circunstâncias sociais contrárias; ações infratoras das

camadas distintas, como transgressão módica, dos possuidores do arbítrio, ou crime

organizado, exporiam o vínculo prático entre procedimentos diretivos e dispositivos

lícitos e ilícitos de concentração de patrimônio. Essa distinção respaldaria indicações

discordantes: de um lado, diminuição do conjunto corretivo através da

despenalização do ato criminoso habitual e permutação das medidas punitivas

penais pelo domínio coletivo não condenador; de outro lado, o aumento do conjunto

corretivo para escudar conveniência específica e público nas áreas de saúde, meio

ambiente e segurança do trabalho, fortalecendo a coibição da criminalidade

econômica, do poderio político e do crime organizado (BARATTA, 2002, p.19).

Tem-se conhecimento de que a seletividade do sistema penal é desigual, no

entanto, Rusche e Kirchheimer, asseguram que nos séculos XIV e XV, são criadas

leis penais mais severas, direcionadas às classes inferiores, ademais, a “burguesia

urbana emergente”, possuía a ansiedade de criar uma lei exclusiva para legitimar os

crimes cometidos contra o patrimônio (RUSCHE E KIRCHHEIMER, 2004, p. 31-33).

Compreende-se que o sistema penal, desde os séculos passados, sempre foi

mais severo com as classes mais pobres, ademais, a proteção dos crimes contra o

patrimônio demonstrava proveito a burguesia em proteger sua propriedade.

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2.1.3 A (des)legitimidade do sistema penal

Considerando que o sistema penal é uma “complexa manifestação do poder

social”, torna-se necessário compreender por “legitimidade do sistema penal como

uma característica outorgada por sua racionalidade” normativa no nosso

ordenamento jurídico nacional (ZAFFARONI, 2001, p.16).

O sistema penal brasileiro, manifesta-se como “um exercício de poder

planejado racionalmente”, sendo por meio do “discurso jurídico penal” ou “ciência

penal” que se busca explicar esse planejamento estatal. Entretanto, se essa ciência

penal fosse racional e se o sistema penal operasse de acordo com o planejamento

legal, tão somente existiria efetiva legitimidade (ZAFFARONI, 2001, p.16).

No sistema penal o poder de punir é marcado por dois argumentos

legitimadores: o da legalidade sendo que seu funcionamento está enquadrado

dentro da previsão normativa; e o utilitarista, o qual o sistema penal busca uma

conexão com a finalidade declarada da defesa da sociedade. Nesse sentido, “o

Estado moderno se faz e se apresenta como Estado de direito, e o seu poder de

punir de afirmar com direito de punir” (ANDRADE, 2003, p. 177).

No que diz respeito a “produção de uma ideologia legitimadora do poder

penal, baseada no princípio da legalidade, acompanha desde o começo a história do

direito penal” (ANDRADE, 2003, p. 178), à vista disso, a racionalidade do Direito não

pode se basear somente sobre seus “caracteres formais”, mas demanda

principalmente a operacionalidade no que diz respeito a finalidade social útil, ou

seja, a legalidade, “representando um limite negativo e formal do poder de punir, não

esgota seu discurso legitimador” (ANDRADE, 2003, p. 179).

“O saber oficial, além de atribuir ao direito penal a função de ‘proteção de

bens jurídicos’, o que hoje é praticamente pacífico, trata-se de atribuir também à

pena funções socialmente uteis”, como ressocialização de pessoas que cometem

crime (ANDRADE, 2003, p. 179).

O sistema penal requer legitimidade, dessa forma, há um nexo em relação a

sua operacionalidade e a sua “dimensão programadora em nome da qual pretende-

se justificá-lo”, ou seja, além da sua operacionalização no “exercício racionalizado

de poder”, requer a “programação teológica,”, a qual diz respeito ao desempenho da

finalidade social útil atribuída ao direito penal e a pena (ANDRADE, 2003, p 181).

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Nesse sentido, o objetivo do garantismo penal é criar um sistema cuja

finalidade é a segurança dos direitos sociais o qual seria atribuído pelo Estado, ou

seja, mesmo que o Estado possua plenos poderes para criar direito, também passa

por uma “limitação garantista de seu poder. Assim, mesmo com sua “potestade

punitiva”, o Estado deve respeitar um elenco sistêmico de garantias que devem por

ele ser efetivados” (COSTA, 2007, s/p.).

No entanto, com o passar dos tempos compreende-se que o garantismo

penal vem se defasando no que diz respeito à prática do sistema penal:

Ocorre que, na atualidade, vários estudiosos vêm observando a completa

defasagem do discurso garantista em relação à prática do sistema penal.

Nesse sentido, a promessa de igualdade perante a lei e de segurança

jurídica vem invertida na prática, sendo que a regra é a seletividade

decisória, assim como as demais garantias penais são frequentemente

violadas. O déficit de proteção aos direitos humanos e o excesso de arbítrio

punitivo são as características principais do que se transformou o sistema

penal na atualidade. Em função disso, surgem estudiosos que pregam o

abandono do sistema penal, o chamado abolicionismo penal, e aqueles que

buscam a sua minimização. As duas correntes têm em comum, portanto, a

percepção de um sistema penal já deslegitimado, em função do

descumprimento de suas promessas iniciais (BUDÓ, 2006, p.02).

Atualmente, há uma grande diferença entre o que o sistema penal

efetivamente faz e o que ele pretende fazer. Ocorre que, ultimamente, a execução

real dos sistemas penais não tem conexão com o modo que “os discursos jurídicos

penais supõem que eles atuem”. Ou seja, a “programação normativa” fundamenta-

se em uma “realidade que não existe” e os órgãos que deveriam segui-los, operam

de forma completamente distinta (ZAFFARONI, 2001, p. 12).

A dor e a morte que nossos sistemas penais semeiam estão tão perdidas que o discurso jurídico penal não pode ocultar seu desbaratamento valendo-se de seu antiquado arsenal de racionalizações reiterativas: achamo-nos, em verdade, frente a um discurso que se desarma ao mais leve toque com a realidade (ZAFFARONI, 2001, p. 12-13).

Existem muitas “promessas vitais descumpridas, excessivas desigualdades e

mortes não prometidas”. Isso vai muito além da ineficácia, tendo em vista tratar-se

de “eficácia invertida”, na qual mostra a frustração do projeto penal revelado, o “êxito

do não projetado; do projeto penal latente da modernidade” (ANDRADE, 2003, p.

293). “Se todos os furtos, todos os abortos, todas as defraudações, todas as

falsidades, [...] fossem concretamente criminalizados, praticamente não haveria

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habitante que não fosse, por diversas vezes, criminalizado” (ZAFFARONI, 2001, p.

26).

Com o passar dos anos, percebe-se que o sistema penal vem perdendo sua

legitimidade, no entanto, simultaneamente, busca-se intensificá-lo, por meio da

aplicação de intervenções que intensificam sua potencialidade criminalizadora e

assim minimizam a segurança penal individual (BUDÓ, 2006, p.02).

A busca da recuperação da legitimidade do sistema penal tem relação com

seu crescimento; se a reinvindicação vem acompanhada de garantias inexistentes,

sua expansão indica o “abandono de seu reconhecimento formal.” Ao mesmo tempo

que resta evidenciada a fragilidade dos “potentes garantidores do direito penal”,

continua se criando expectativas (ANDRADE, 2003, p. 296).

Um ponto importante a ser discutido, refere-se ao entendimento de que o

“sistema penal encontra-se deslegitimado” no que diz respeito a verificação de que

este atua dentro da seletividade, contrariando a “promessa de igualdade perante a

lei”, o que percebe-se é o reflexo das desigualdades sociais no sistema penal

(BUDÓ, 2006, p.02).

A potencialidade deste desenvolvimento contraditório está, todavia, inscrito nas bases fundacionais do próprio sistema, expressando a tensão entre um projeto jurídico-penal tendencialmente igualitário e um sistema social fundado na desigualdade real de acesso à riqueza e ao poder; entre a igualdade formal e a desigualdade substancial. O limite do sistema é, nesse sentido, o limite da própria sociedade (ANDRADE, 2003, p. 311).

Carvalho refere que, atualmente, o rompimento da estrutura do direito penal

com o processo penal se deu pela desregulamentação penal e a deformação

inquisitiva do processo. O desvio do conceito ilustrado do direito e a ratificação do

irracionalismo, “potencializado pelas teses neoliberais de Estado mínimo na esfera

social e máximo na esfera penal”, é consequência da concretização de “verdadeiro

Estado Penal” (CARVALHO, 2003, p. 78-79).

Resta evidenciado que, “enquanto o discurso jurídico penal racionaliza cada

vez menos – por esgotamento de seu arsenal de ficções gastas –, os órgãos do

sistema penal exercem seu poder para controlar um marco social cujo signo é a

morte em massa” (ZAFFARONI, 2001, p. 13).

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2.2 O surgimento da política de drogas brasileira e a Lei 11.343/2006

Para Del Olmo, a palavra droga não pode ser definida corretamente, tendo

em vista que é utilizada de maneira comum para incluir uma série de substâncias

muito distintas entre si, as quais têm capacidade de alterar as condições psíquicas

e/ou físicas do ser humano, que tem em comum exclusivamente o fato de haver sido

proibidas (OLMO, 1990, p.22). “Os burocratas que constroem as políticas de drogas

têm usado a proibição como uma cortina de fumaça para evitar encarar os fatores

sociais e econômicos que levam as pessoas a usar drogas” (GRIEVE, 2009, s/p).

As drogas sempre foram utilizadas pela humanidade, seja para fins mágicos,

religiosos, afrodisíacos ou medicinais. O que mudou, com o passar dos anos, foi o

modo de seu funcionamento e o modo como são usadas (OLMO, 2002, p. 65).

No princípio as lutas envolvendo a questão das drogas foram disputadas com

o interesse das relações comerciais. A guerra do ópio era a principal marca da

disputa pelo lucro. No entanto, após anos de comercialização do produto, houve a

proibição das drogas que surgiu, principalmente, com a Revolução Industrial, tendo

em vista que os trabalhadores deveriam estar dispostos para laborar por mais de

doze horas diárias, entretanto, algumas substâncias entorpecentes, como o ópio e

seus derivados tornaram-se indesejadas, considerando-se que um de seus efeitos

era a letargia, e, sendo assim, prejudicava a carga horária exigida, diante disso, a

Organização das Nações Unidas realiza uma reunião para a criação da comissão de

Xangai, em 1909, para tratar da questão do ópio (ZACCONE, 2007, p. 78).

O proibicionismo foi adotado para proteger a economia, tendo em vista que os

obreiros necessitavam trabalhar por mais de doze horas diárias, e o ópio era

prejudicial à disposição física e mental dos trabalhadores. Nesse sentido, o

proibicionismo nunca teve como impulso a saúde ou a segurança.

Dessa forma, a postura proibicionista também transformou conflitos

econômicos em conflitos sociais, principalmente nos Estados Unidos. A primeira lei

federal a ser criada foi contra a maconha, mas na verdade esta era destinada a punir

os imigrantes, haja vista que estes “ameaçavam” a mão de obra estadunidense. Os

negros que trabalhavam no plantio de algodão foram associados a cocaína,

exatamente no instante em que buscavam sua liberdade. Quando os chineses

migraram para a Califórnia houve o mesmo conflito social, sendo este relacionado

ao ópio. “Esses três grupos étnicos disputavam o mercado de trabalho nos Estados

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Unidos, dispostos a trabalhar por salários muito inferiores aos dos brancos”

(BATISTA, 2003, p. 81).

Na década de sessenta ocorreram grandes mudanças na política

internacional de drogas, especialmente no que tange “ideologia da diferenciação”

fundamentado no modelo médico jurídico, que tem como principal característica

distinguir o “traficante, definido como criminoso dá-se um carcereiro e para o

usuário, tratado como doente um médico ou um psicólogo” (ZACCONE, 2007, p. 88-

89).

Na mesma década foi declarada a “guerra as drogas” por Nixon, presidente

dos Estados Unidos na época. A partir desse momento o traficante é visto como o

"inimigo", enquanto ao usuário são oferecidas alternativas descriminalizantes, que

vão da multa ao tratamento médico compulsório (ZACCONE, 2007, p. 87).

Nos anos setenta, a guerra do Vietnã evidencia uso de heroína por soldados

estadunidenses, o que serviu de impulso para dar início aos discursos políticos

sobre drogas. Então, os Estados Unidos passaram a tratar as drogas como um

problema nacional, iniciando, assim, a substituição do “inimigo interno” pelo “inimigo

externo”. Através deste novo discurso, o uso de drogas no "Mundo Livre" é

associado a um país "inimigo", discurso este que se difundiria em outros países

naquela época (ZACCONE, 2007, p. 91).

Através do modelo médico-jurídico surge o modelo jurídico-político que

culminou com a declaração de guerra as drogas e a explosão dos movimentos Lei e

Ordem. Havendo a distinção do traficante que é visto como o "inimigo", enquanto ao

usuário são oferecidas alternativas descriminalizantes (ZACCONE, 2007, p. 88).

No início os anos setenta aparecem as primeiras campanhas de “lei e ordem” tratando a droga como inimigo interno. Permitia-se assim a formação de um discurso político para que a droga fosse transformada em ameaça a ordem. As ações governamentais e a grande mídia trabalham o estereotipo político criminal. Na medida em que se anuncia a transição democrática, este novo inimigo interno justifica maiores investimentos do controle social (BATISTA, 2003, p. 84).

Estes Movimentos de Lei e Ordem possuem o papel de intensificar o combate

à criminalidade. Tais campanhas são criadas como movimentos de resistência a

contracultura e proteção dos princípios éticos, morais e cristãos da sociedade

ocidental. Os Movimentos de Lei e Ordem entendem a “criminalidade como uma

doença infecciosa e o criminoso como um ser daninho”, sendo assim maximizaram o

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pânico moral e utilizaram o direito penal como o único meio capaz de solucionar o

problema da criminalidade (CARVALHO, 2016, p. 85-86).

Nota-se que a proibição das drogas foi causada por negócios relativos a

economia, seguidamente, foram criados os estereótipos médicos e morais,

distinguindo o traficante (inimigo) do usuário. Como as drogas eram vistas como

algo ameaçador, foi muito fácil provocar um discurso contra o tráfico ilícito de

entorpecentes.

A proibição das drogas tinha um alvo seleto uma parte da população, tendo

em vista o fato de tratar de pessoas pobres, pois já eram vigiadas e controladas pelo

Estado. Deste modo, a população pobre foi a primeira a ser identificada como

grupos de traficantes de drogas, que foram controlados com o argumento de ser

imprescindível o combate ao tráfico (ZACCONE, 2007, p. 82).

Não é o caso de vendar os olhos para a realidade da criminalidade, nem a

insuficiência de uma resposta, até mesmo se essa resposta for penal, quando esta

for adequada. Refere-se que a compreensão mais clara de sua concepção, sua

aparência transformada e suas ramificações, reintegrando-a no sistema completo

das relações sociais de força e de sentido do qual ela é expressão, e que auxilia a

compreender seu formato, bem como sua produção de efeitos quanto as reações

“histéricas” que se iniciam no final do século. Para tanto, é necessário interromper a

ilusão de argumentos obscuros e se iniciar uma discussão racional e fundamentada

sobre os “ilícitos”, seus impactos e seus frutos. Essa discussão deve explicar,

primeiramente, o porquê que do foco incidir sobre este ou aquele discurso da

delinquência, porque mais nos conjuntos habitacionais do que nos corredores das

prefeituras, mais nos roubos de bolsas e celulares do que negociatas na bolsa de

valores e nas infrações das leis trabalhistas (WACQUANT, 2007, p. 464-465).

A legislação brasileira, por anos, não distinguiu traficantes e usuários, sendo

que o crime relacionado as drogas estava previsto no Art. 281 do Código Penal de

1940. Todavia, a interpretação do Supremo Tribunal Federal era de que o consumo

de drogas não era penalizado, somente o tráfico era ato criminoso. Diante disso, em

10 de fevereiro de 1967, através do Decreto Lei 385/68 houve a modificação do

dispositivo do artigo 281 do Código Penal, criminalizando o usuário e, ainda,

aplicando a este a pena idêntica àquela imposta ao traficante (CARVALHO, 2016, p.

56).

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Antes do decreto, o Brasil somente criminalizava o tráfico de drogas, porém a

criminalização do uso se deu durante a ditadura, foi então que o consumo tonou-se

crime equivalente ao tráfico.

No ano de 1971, com a publicação da Lei 5.726/71, o Brasil acolhe as

orientações internacionais, passando a diferenciar traficante delinquente (estereótipo

criminoso) e do dependente (estereótipo da dependência). Essa distinção, restou-se

evidenciada com a promulgação da Lei 6.368/76 e atingirá o ápice com a Lei

11.343/2006 (CARVALHO, 2016, p. 57).

A adversidade da droga se mostrava como uma “batalha entre o bem e o

mal”, progredindo com a ideia de preconceito moral, assumindo um papel de

“demônio”, mas a sua biologia diferencial se tornaria mais propagada e assustadora,

originando amedrontamento devido aos “vampiros” que acometiam tantos “filhos de

boa família”. Os transgressores deveriam estar fora de concordância e serem

considerados “corruptores”, evidenciando a manifestação jurídica, demonstrando na

época, a preconcepção criminosa, para estabelecer responsabilidades.

Especialmente o nível final, o pequeno intermediário distribuidor, seria olhado como

o estimulador ao consumo, conhecido como “Pusher ou revendedor de rua”. Este

indivíduo vinha de grupos segregados, propiciando classificá-lo de “delinquente”. O

consumidor (usuário), de diferenciada condição social, era qualificado de “doente”

face a disseminação do modelo da dependência, em conformidade com a

manifestação médica que mostrava o consistente formato médico-sanitário (OLMO,

1990, p. 34).

“Existem duas características nesse processo específico de criminalização: a

designação do papel de consumidor para o jovem de classe média e de traficante

para o jovem das favelas e bairros pobres” (BATISTA, 2003, p. 17).

Nesse interim, cumpre destacar o texto de Zaccone:

Lembro-me da passagem em que um delegado do meu concurso, lotado na 14º DP(Leblon), autuou, em flagrante, dois jovens residentes da zona sul pela conduta descrita para o usuário, porte de droga para uso próprio, por estarem transportando, em um veículo importado, 280 gramas de maconha. Para se ter uma ideia do que isso representa em termos quantitativos, um bom cigarro de maconha tem um grama, segundo Boby Marley, o que equivaleria a 280 “baseados” do estilo jamaicano. O meu amigo se convenceu que a quantidade não era determinante para prende-los no tráfico, uma vez que a forma com que a droga estava condicionada, dois volumes prensados, bem como, o fato de os rapazes serem estudantes universitários e terem emprego fixo, além da folha de antecedentes criminais limpa, era indiciário de que o depoimento deles,

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segundo o qual traziam a droga para uso próprio, era pertinente. O delegado lavrou o flagrante e, em quatro páginas, fundamentou sua decisão, que autorizou a concessão da fiança e a liberdade provisória dos detidos, conforme a lei em vigor naquele momento (ZACCONE, 2007, p. 19-20).

O olhar seletivo do sistema penal para jovens violadores e a distinção no

tratamento dado aos adolescentes de classe média e os adolescentes pobres,

juntamente com a anuência da sociedade em relação ao uso de drogas, pode-se

assegurar que a dificuldade do sistema não é a droga em si, mas o domínio

exclusivo daquela parte da juventude vista como perigosa (BATISTA, 2003, p. 135).

A Lei 11.343/2006 altera o disposto na Lei 6.368/76, dentre as mais

significativas, está a modificação no tratamento de usuários e traficantes, sendo que

em relação ao primeiro este não pode ser preso, todavia, o segundo conta com

severidade penal árdua. Neste interim cumpre relembrar que o crime de tráfico de

drogas é inafiançável e insuscetível de graça ou anistia segundo artigo 5º, XLIII, da

Constituição Federal e, ainda a Lei 8072/90, que trata dos crimes hediondos,

equiparou o tráfico no rol de delitos por ela elencados (CARVALHO, 2016, p. 298-

299). “Como se sabe, o status hediondo impõe um regime jurídico diferenciado no

processo de instrução (prisão preventiva, fiança) e no de execução (regime inicial de

cumprimento de pena, progressão de regime, livramento condicional, indulto)”

(CARVALHO, 2013, p.48).

Embora, haja uma diferenciação em relação ao usuário e traficante, sendo

que o primeiro é tratado de forma mais moderada, o tráfico ilícito de entorpecentes é

apenado com mais rigidez, tendo em vista o artigo 33, caput, aumenta a pena

mínima para cinco anos de reclusão, considerando-se que na Lei 6.368/76 a pena

mínima, conforme artigo 12, era de 3 anos de reclusão.

Realizadas tais considerações, demostrar-se-á a distinção entre usuário e

traficante de drogas, em relação a Lei nº 11.343/2006. No que diz respeito ao

usuário de drogas, este encontra-se previsto no Art. 28 da referida base normativa:

Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas: I - advertência sobre os efeitos das drogas; II - prestação de serviços à comunidade; III - medida educativa de comparecimento à programa ou curso educativo.§ 1o Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena

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quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica.§ 2o Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente. § 3o As penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 5 (cinco) meses.§ 4o Em caso de reincidência, as penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 10 (dez) meses.§ 5o A prestação de serviços à comunidade será cumprida em programas comunitários, entidades educacionais ou assistenciais, hospitais, estabelecimentos congêneres, públicos ou privados sem fins lucrativos, que se ocupem, preferencialmente, da prevenção do consumo ou da recuperação de usuários e dependentes de drogas. § 6o Para garantia do cumprimento das medidas educativas a que se refere o caput, nos incisos I, II e III, a que injustificadamente se recuse o agente, poderá o juiz submetê-lo, sucessivamente a:I - admoestação verbal;I - multa. § 7o O juiz determinará ao Poder Público que coloque à disposição do infrator, gratuitamente, estabelecimento de saúde, preferencialmente ambulatorial, para tratamento especializado (BRASIL, 2006).

Em análise do referido artigo, o qual impõe critérios para distinguir o usuário

do traficante, cumpre destacar que um dos requisitos a ser considerado pelo juiz é o

local onde a droga foi apreendida, e as condições pessoais e sociais do agente

deparado com entorpecentes. Nesta ocasião a seletividade primária é incontestável.

A previsão legal que determina que as condições sociais definirão a diferença

entre usuário e traficante, demonstra-se de forma evidente que as populações de

classes subalternas serão as culpadas pelo tráfico ilícito de entorpecentes.

Pode-se pensar que a Lei 11.343/06 oferece condições benéficas aos

usuários, pois os consumidores não podem ser presos. No entanto, quando se faz

uma análise crítica do artigo 28 da referida lei, percebe-se que serão poucos os

considerados usuários de drogas.

No que diz respeito ao disposto no § 2º do art. 28, Carvalho afirma:

É que definições desta natureza acabam por desentoar da própria lógica do sistema dogmático da teoria constitucional do delito, substancialmente porque intentam absolutizar critérios objetivos de forma a induzir a esfera subjetiva do tipo. A partir de conjunturas fáticas que caracterizaram os elementos objetivos (circunstancias de tempo, local e forma de agir) ou de características pessoais do fato (antecedentes e circunstancias pessoais e sociais), são projetados dados de imputação referentes à integralidade da tipicidade, olvidando seu aspecto mais importante, o elemento subjetivo. (CARVALHO, 2016, p. 274).

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Diante disso, pode-se dizer que por mais que a lei determine que cumpre ao

juiz distinguir traficante e usuário, na realidade quem realiza a prisão é a polícia e o

delegado é o responsável pelo inquérito, logo, a distinção já se inicia quando o

indivíduo é abordado portando drogas e quando é conduzido à delegacia.

No que diz respeito ao tráfico ilícito de entorpecentes é caracterizado pelas

seguintes condutas:

Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa. § 1o Nas mesmas penas incorre quem: I - importa, exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à venda, oferece, fornece, tem em depósito, transporta, traz consigo ou guarda, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas; II - semeia, cultiva ou faz a colheita, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, de plantas que se constituam em matéria-prima para a preparação de drogas; III - utiliza local ou bem de qualquer natureza de que tem a propriedade, posse, administração, guarda ou vigilância, ou consente que outrem dele se utilize, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, para o tráfico ilícito de drogas.§ 2o Induzir, instigar ou auxiliar alguém ao uso indevido de droga: (Vide ADI nº 4.274) Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa de 100 (cem) a 300 (trezentos) dias-multa. § 3o Oferecer droga, eventualmente e sem objetivo de lucro, a pessoa de seu relacionamento, para juntos a consumirem: Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, e pagamento de 700 (setecentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa, sem prejuízo das penas previstas no art. 28 (BRASIL, 2006).

A lei 11.343/2006 possui alguns “vazios de legalidade”, o mais intrigante

refere-se a criação de parâmetros para identificar quais são as condutas que serão

destinadas ao uso pessoal. Mesmo que o artigo 28, § 2º relata que é o juiz que fará

a distinção, sabe-se que quem faz a primeira seleção é a autoridade policial. Desse

modo o primeiro filtro sempre será da polícia, pois é ela quem irá identificar o sujeito.

(CARVALHO, 2013, p.47).

Em uma análise comparativa do artigo 28 com o artigo 33 da referida lei,

pode-se observar que em ambos artigos não há menção sobre o fim que incorrerá o

crime de tráfico, ou seja, para ser tipificado como usuário, o que não sujeita a prisão

é preciso que o sujeito porte drogas para consumo, contudo, no artigo 33 estão

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previstos os mesmo verbos nucleares que no artigo 28, sem mencionar qual seria o

destino da droga, presume-se, então, que preliminarmente quem possuir drogas

será enquadrado no artigo 33, o qual possui uma sanção muito mais grave. Diante

disso, afirma-se que o sujeito para ser enquadrado como usuário de drogas deve

comprovar que a portava apenas para uso próprio. Nesse sentido, o ônus da prova é

transmitido para o acusado, tendo ele que demonstrar ser usuário, sendo que, o

correto seria que a acusação comprovasse que o sujeito teria incidido na conduta

mais grave, ou seja, o tráfico. Tendo em vista as penas serem absolutamente

diferentes, observa-se um flagrante atentado ao princípio da presunção de

inocência, havendo assim, uma inconstitucional inversão do ônus da prova (DIETER,

2011, p.115).

Vislumbra-se que em ambos os artigos há cinco verbos nucleares idênticos

(adquirir, guardar, ter em deposito, transportar e trazer consigo) os quais determinam

consequências jurídicas totalmente distintas: o enquadramento do sujeito como

usuário de drogas sujeita o infrator a penas restritivas de direito; já o enquadramento

como traficante sujeita o traficante a pena privativa de liberdade que varia entre

cinco e quinze anos (CARVALHO, 2013, p.48).

A Lei 11.343/2006 não foi objetiva quanto aos critérios utilizados para

distinguir quem são usuários e quem são os traficantes de drogas, ela cria regras

que se moldam em certas imagens e representações sociais quem são, onde vivem,

onde circulam os traficantes e os consumidores de drogas (CARVALHO, 2013,

p.49).

Nesse norte, impende destacar o estudo de sentenças feito por Batista em

sua obra, “Difíceis Ganhos Fáceis Drogas e Juventude Pobre no Rio de Janeiro”,

que relata a realidade do Rio de Janeiro em relação ao tráfico de drogas:

Ouçamos A.B 17 anos, pardo, morador do Morro Dos Telégrafos: que a erva era para eu próprio uso, porém também vende maconha lá no Morro; que assim procede na modalidade de comissão, ganhando Cr$5,00 por cada baseado que vende; que não estuda nem trabalha, só vende maconha.[...]Percebemos nesses depoimentos não só uma explicitação sem culpa do trabalho no tráfico com estratégia de sobrevivência, mas os indícios de um mercado de drogas já estruturado, altamente lucrativo, com clientela fixa (BATISTA, 2003, p. 92).

O sistema penal deixa clara a miserabilidade dos vendedores, conhecidos

como “mulas”, “esticas” ou “aviões”, de drogas ilícitas, ou seja, são as pessoas

pobres que residem nas favelas, os quais vendem a droga no varejo e que são alvos

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fáceis da repressão policial, pois não mostram nenhum tipo de resistência aos

comandos de prisão (ZACCONE, 2007, p. 12).

O domínio que o sistema penal possui vai além da aplicação da justiça, pois a

seletividade do sistema penal passa desapercebida pela população, principalmente

quando trata-se de vigilância militarizada-disciplinar desse controle e, ainda, tal

seletividade ocorre à margem da legalidade. Destarte, o sistema penal, como

modelo de domínio social, vai além de sua “função repressora”, ele reproduz

desigualdade social, arbitrária e seletiva.

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3 ENTRE TRAFICANTE E USUÁRIO: DEFINIÇÕES NO TRATAMENTO DAS

DROGAS A PARTIR DA ANÁLISE EMPÍRICA DOS INQUÉRITOS POLICIAIS NA

CIDADE DE PASSO FUNDO

No primeiro capítulo abordou-se um breve estudo sobre as teorias que

compõem o contexto da criminologia crítica e necessária a apreciação do sistema

penal, dentre os marcos teóricos aprofundou-se: a seletividade do sistema penal, o

mito da igualdade, a cifra negra e a cifra oculta da criminalidade, a (des) legitimidade

do sistema penal. No segundo item realizou-se um breve relato histórico da política

criminal de drogas no Brasil, bem como das discussões sobre a Lei 11.343/2006.

Essa abordagem busca compreender como a atual política de drogas é utilizada

pela polícia e para tanto adota-se, um estudo empírico acerca de como é aplicada a

atual lei de drogas na cidade de Passo Fundo.

No segundo capítulo, aborda-se o assunto com base nos dados coletados na

pesquisa documental realizada, relacionando-os com as teorias criminológicas

críticas expostas até agora.

3.1 METODOLOGIA DA PESQUISA EMPÍRICA COM BASE EM INQUÉRITOS

POLICIAIS SOBRE DROGAS EM PASSO FUNDO 1

Em relação à pesquisa empírica realizada, é importante explicar sua

estrutura, métodos de abordagem e os métodos de desenvolvimento.

A técnica utilizada nessa etapa foi a exploratória, pois essa pesquisa elabora

explicações marcantes da circunstância e procura investigar as relações que existem

nos elementos que a compõe. Tal pesquisa exige uma organização muito flexível

para possibilitar a consideração dos mais diversos aspectos de um problema ou de

uma situação. Sugere-se o estudo exploratório quando não existem conhecimentos

sobre o tema estudado (CERVO E BERVIAN, 2002, p. 69).

“Pesquisas exploratórias buscam uma aproximação com o fenômeno, pelo

levantamento de informações que poderão levar o pesquisador a conhecer mais a

seu respeito” (DOXSEY, 2009, p. 44).

1 Métodos de pesquisa baseados na monografia: Distinção entre usuário e traficante na aplicação da Lei 11.343/2006 na comarca de Passo Fundo: Técnica ou arbítrio judicial? (FREIRAS, 2015).

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Preliminarmente, buscou-se uma breve análise quantitativa, para que se

obtivessem dados precisos, sobre determinado número de inquéritos policiais

analisados. Outrossim, num segundo momento, porém o mais importante, almejou-

se um alcance qualitativo, com o objetivo de extrair as informações em que os

delegados de polícia se baseiam para a decretação da prisão preventiva e

instauração do inquérito policial.

A presente pesquisa tem como objeto os inquéritos policiais de flagrante de

delito em crimes enquadrados como tráfico ilícito de entorpecentes na cidade de

Passo Fundo. Assim, a realização da pesquisa se deu na 1ª Delegacia de Polícia

Civil de Passo Fundo, com a autorização do delegado Gilberto Mutti Dumke, onde se

pode coletar os inquéritos de flagrante de delitos feitos por vários delegados dessa

cidade, tendo em vista que essa variedade foi necessária para ter uma visão mais

ampla sobre as condutas imputadas.

O estudo se concentra no tráfico de drogas, sem qualquer análise profunda

no dispositivo legal imputado (analise não dogmática). Desse modo, foram

arrecadados 35 inquéritos policiais de fragrante de delito de tráfico de drogas

instaurados na Primeira Delegacia de Polícia de Passo Fundo.

O recorte temporal se deu nos meses de outubro a dezembro de 2016 e de

janeiro a março de 2017, tendo em vista que eram os inquéritos finalizados e mais

recentes ao mês antecedente ao início da pesquisa. A análise iniciou-se no mês de

julho de 2017, sendo assim, utilizou-se o total dos inquéritos de flagrante de delito

disponibilizados pelo delegado Gilberto Mutti Dumke na respectiva delegacia de

polícia. A análise dos inquéritos foi realizada diretamente na delegacia, com a

autorização do delegado que permitiu o acesso aos documentos de flagrante de

tráfico de drogas.

Essa apreciação dos inquéritos se deu através da leitura, balizamento e

classificação, sendo assim, foi possível selecionar as peças mais importantes do

inquérito policial, facilitando a extração das partes relevantes e a desconsideração

de peças inúteis.

Como peças importantes do Inquérito foram consideradas:

a) Auto de apreensão, onde se pode verificar a quantidade e tipo de

drogas apreendidas, objetos que poderiam estar relacionados ao tráfico e a quantia

em dinheiro;

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b) O auto de prisão em flagrante, peça onde é relatado o fato em

detalhes, tendo em vista que possui o depoimento do condutor, testemunhas e do

acusado;

c) Despacho do delegado onde ele relata os motivos pelo qual decidiu

autuar o acusado;

d) Informações sobre a vida pregressa do acusado, peça onde está

descrito todos os detalhes da vida do sujeito, como: cor, idade, nacionalidade, grau

de instrução, profissão, classe social, estado civil e etc.;

e) Folha de antecedentes criminais;

f) Relatório de instauração do inquérito policial;

Cumpre esclarecer que as informações contidas no relatório de pesquisa

foram retiradas unicamente dos inquéritos policiais analisados, não havendo

nenhuma consulta aos autos dos processos. Diante da seleção das peças, foram

extraídas o máximo de informações possíveis para a obtenção de uma análise

quantitativa e qualitativa, sendo divididas através de categorias e após serem

comparadas com o descrito no primeiro capítulo.

No que diz respeito a análise a fundo, através da leitura foram se retirando

informações importantes e fracionando o conteúdo por meio de categorias para

simplificar a comparação e o emprego das informações. Essa divisão de categorias

foi feita com a leitura dos inquéritos.

As categorias são:

a) As características do fato propriamente dito: essa categoria foi dividida

em três sub categorias as quais são modo de abordagem, o local onde houve o

flagrante e o estado de ânimo do acusado. Através dessa divisão buscou-se

identificar qual foi o local a apreensão, para que se possa determinar em quais

locais/bairros ocorrem o controle de entorpecentes em Passo fundo, assim como se

buscou saber se o local da apreensão é nas proximidades da residência do acusado

e se é periferia ou local nobre.

No que diz respeito ao estado de ânimo do acusado, baseou-se no relatório

da vida pregressa e no depoimento dos policiais, principalmente no depoimento do

condutor, tendo em vista que os depoimentos dos outros policiais seguem o

condutor, essa informação é importante, pois é necessário saber a reação do

acusado no momento do flagrante, identificando se houve confronto, tentativa de

fuga, resistência à prisão e se o indiciado alegou algo em sua defesa.

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b) Drogas apreendidas: nesse item identificou-se quais são os tipos de

drogas e a quantidade apreendida, ademais, norteou-se como elas estavam guardas

no local. No que diz respeito às drogas aprendidas no momento do flagrante, a

quantidade e o tipo da droga foram analisados para que se possa compreender se

existe alguma relevância para balizar se a droga é dirigida ao uso ou ao tráfico.

c) Objetos apreendidos em posse do acusado: nesse item, se buscou

compreender quais são os objetos, segundo os policiais, que são considerados para

imputar a alguém a tipificação de tráfico de drogas. Aqui a apreciação centrou-se na

apreensão de alguma quantia em dinheiro no momento do flagrante e nos objetos

apreendidos. Esses itens foram averiguados para que se possa entender se eles

possuem alguma relevância na tipificação do crime.

d) O momento do flagrante: nessa categoria, observou-se a circunstância

do flagrante, o modo como os policiais realizaram a abordagem e qual foi a

motivação que levou a abordagem de determinados sujeitos. Durante a leitura dos

inquéritos identificou-se três hipóteses que levaram os policiais a flagrância, o

patrulhamento de rotina, a atitude suspeita e a denúncia anônima. Tais elementos

são importantes para que se compreenda quais são as características ou atitudes

que possuem relevância para os policiais. Os elementos do fragrante foram

extraídos dos depoimentos dos policiais no inquérito policial.

e) A vida pregressa do indiciado: gênero, idade, estado civil, cor/raça,

situação econômica, grau de instrução, primário ou reincidente, se é usuário. Essas

informações foram coletadas para poder caracterizar o indivíduo para uma análise

mais ampla dos casos. Tais elementos são importantes para que se possa

compreender, de maneira mais abrangente, quem são os elementos relacionados

com o tráfico e as suas realidades sociais. Todas essas informações foram extraídas

da peça “vida pregressa do indiciado”, onde se pode analisar calmamente cada um

dos indivíduos e a sua realidade.

f) Circunstâncias de fato do inquérito policial: categoria foi dividida em

duas subcategorias: os depoimentos dos policiais e os depoimentos dos indiciados.

Essas informações são imprescindíveis para verificar se há contradições entre os

depoimentos dos policiais e do indiciado, quando este não exerceu o direito de

permanecer em silêncio. Um fator importante analisado foi se os indiciados tiveram

acompanhamento de advogado em seu depoimento.

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g) Relatório de instauração do inquérito policial: um ponto muito relevante

nessa categoria é que o inquérito é instaurado com base nos depoimentos dos

condutores e das testemunhas e, sendo assim, acreditam que possuem elementos

de prova e indícios suficientes de autoria para indiciar o acusado.

h) Outros pontos relevantes: nessa categoria foram prenotados alguns

fatos excepcionais, os quais tratou-se de argumentos, ou trechos que constam em

alguns dos inquéritos, mas que merecem citação.

Cumpre esclarecer que essas categorias não serão analisadas

separadamente, será realizado um cruzamento de informações, tendo em vista que

todas elas possuem algum tipo de ligação. A categorização serviu para uma análise

mais prática de cada caso, bem como para delimitar e organizar.

Igualmente, realizou-se um método para que seja identificado de qual

documento foram retiradas as informações, tendo em vista que jamais haverá a

exposição de informações pessoais, profissionais e/ou inquisitorial das pessoas

indiciadas. Os inquéritos policiais foram enumerados de 01 a 35, os delegados

responsáveis foram D1, D2, D3, D4 e assim sucessivamente, quanto aos nomes dos

indiciados serão utilizados somente as iniciais. Quanto aos policiais serão

denominados como P1, P2, P3 e assim sucessivamente, nem todos os inquéritos

serão citados, mas para que haja uma organização do trabalho, entende-se

importante realizar tal divisão de nomenclaturas.

Diante disso, após a explicação de como se deu a pesquisa, como

metodologia, esclarecimentos e organização, abordar-se-á os resultados obtidos

durante a análise.

3.2 A REPRESSÃO PENAL E O TRÁFICO DE DROGAS: CATEGORIAS E

ABORDAGENS CONTIDAS NOS INQUÉRITOS POLICIAIS

Após uma apreciação detalhada dos inquéritos policiais analisados, pode-se

perceber que a fundamentação do relatório, tanto para representação da prisão

preventiva como o indiciamento, em nenhum caso, excedeu duas páginas, sendo

assim, constatou-se que há uma certa uniformização para cada delegado. Relatou-

se sobre a quantidade de páginas do relatório apenas como meio informativo e para

demonstrar a insuficiência de fundamentação, tendo em vista que a pesquisa não

incidiu somente nos relatórios.

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Foram analisados trinta e cinco inquéritos policiais de flagrante de delito de

tráfico ilícito de entorpecentes em Passo Fundo, onde no flagrante imputava-se a

conduta prevista nos artigos 33, 34, 35 e 40 e dois termos circunstanciados

enquadrados no artigo 28, todos da lei 11.343/2006.

No que diz respeito aos casos de arremesso para dentro do presídio regional

de Passo Fundo, onde a lei não prevê tal conduta, a esses casos foram utilizados os

verbos nucleares “trazer” e “fornecimento” a terceiros, tendo em vista que a droga se

se destinava a apenados. Outro ponto relevante a se destacar é que nos casos de

arremesso para o presídio, segundo o artigo 40, inciso III da lei 11.343/2006 a pena

é aumentada de um sexto a dois terços se o crime for cometido nas dependências

ou imediações de estabelecimentos prisionais.

Nos demais casos, os verbos nucleares utilizados pelos policiais sempre

foram aplicados associados a outros e nunca isolados, tendo em vista que todos os

casos foram definidos com mais de um tipo. Os verbos nucleares mais utilizados

pelos policiais são: “ter em depósito”, “guardar”, “vender” “transportar”, “trazer

consigo” e “fornecimento”.

3.2.1 Da manutenção da ordem pública

A Segurança Pública é tema constante no horizonte político brasileiro.

Atualmente, vem conquistando espaço no universo acadêmico. Verdadeiramente, a

segurança pública é o equipamento estatal voltado a atenuar, preventiva ou

repressivamente as atividades criminais.

Estruturada por entidades, tais como a Polícia Militar, a Polícia Civil, os

Institutos Gerais de Perícias, a Superintendência dos Serviços Penitenciários, o

tópico envolvendo a segurança pública, em tempo algum pode esquecer dos

aspectos relacionados aos Direitos Humanos.

Os órgãos de segurança pública impactam, diretamente, o direito de liberdade

da pessoa humana, não se podendo esquecer, nesse terreno, de todas aquelas

regras criadas e tornadas expressivas por meio do princípio pertinente à segurança

pública (AZEVEDO, 2009, s/p).

Polícia e repressão são duas palavras que entranham uma semântica

notadamente ultrajante no Brasil pós-Ditadura Militar. Repressão era um

entendimento relacionado apenas com o funcionamento subterrâneo dos órgãos de

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segurança pública, profundamente ligada com a tortura e o sumiço de antagonistas

ao regime do governo ditatorial. (AZEVEDO, 2009, s/p).

A Polícia não era órgão de preservação e salvaguarda da paz e da quietude

públicas, todavia órgão de repressão, nesta oportunidade compreendida no aspecto

depreciativo ( AZEVEDO, 2009, s/p).

Absorvida a Ditadura e instalado o Estado Democrático de Direito,

mencionadas expressões - repressão e polícia – continuaram trazendo aquela

essência negativa, já que as feridas abertas na coletividade muitas vezes

necessitam de décadas para as suas cicatrizações. Aliás, estão submetidas ao

comportamento lúcido dos homens para transmutar um sistema compactamente

instalado. (AZEVEDO, 2009, s/p)

No que diz respeito à repressão, é uma das inúmeras formas de

comportamento dos órgãos de polícia. Em todos os casos objetivam ao estrito

acatamento da lei. Reprimir, é puramente, servir-se da força estatal para impor ou

garantir a execução da lei. Entenda-se que a repressão não atua sobre todos, sem

predileção, mas apenas sobre aqueles que (em tese) desviam dos limites, os limites

delineados pela lei.

A Polícia Judiciária tem a responsabilidade originária de esclarecer as

infrações penais e a sua autoria, através do inquérito policial, mecanismo

administrativo com característica inquisitiva, servindo, em regra, de sustentação ao

desejo punitivo do Estado instituído pelo Ministério Público, soberano da ação penal

pública (BRASIL, 1941).

O tempo transcorre, mas a história modifica apenas aparentemente, mediante

sucintas sutilezas. Nos dias de hoje, é consenso que a Polícia Judiciária, não

obstante de seu papel incontestavelmente originário na esfera social, está

distanciada de ser tratada com merecido cuidado pelos seus governantes.

Sugestionada de forma incisiva pela realidade político-partidária da situação,

a Polícia submete-se a oscilação da compreensão política momentânea, criado pela

troca de poder que aparece a cada processo eleitoral.

Por imposição legal, o Delegado de Polícia tem formação jurídica, sendo o

profissional da segurança pública que primeiro analisa a ocorrência do fato

delituoso, desencadeando a persecução penal.

Dessa forma, cumprindo o papel de proteção da sociedade, promovendo,

incontinente após o fato, o pedido de prisão do acusado ou a instauração dos

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métodos para apurar o fato delituoso respectivo. Podemos imaginar o quanto este

profissional é pressionado durante os atos de investigação, e até após a conclusão

do inquérito policial.

O Delegado de Polícia, sendo o primeiro a analisar o fato delituoso é impelido,

pelo ordenamento jurídico, exercer sem ponderação e sensatez, frente a

aproximação existente, entre as suas incumbências e o direito fundamental da

liberdade da pessoa humana.

Pertence ao Delegado de Polícia, com efeito, a todo o momento decidir,

prudentemente, ante o direito à liberdade do indivíduo. A atividade policial,

essencialmente, em tese, possui a prerrogativa de dificultar o direito à liberdade do

indivíduo. Esse direito fundamental é básico em um Estado de Direito, concebendo,

tal direito, uma das chaves de todo o nosso sistema normativo.

As autoridades policiais, ao que parece, são agentes públicos com trabalho

diretamente frente à liberdade do indivíduo. São do fundamento das suas decisões,

em razão disso, a sua discricionariedade, a qual pode fazer com que cometam os

maiores abusos possíveis, baseados no texto frio da lei, sem qualquer análise mais

rigorosa, distintas da racionalidade e do equilíbrio.

A justificação admissível deve ser ingrediente sempre consolidado ao ato

discricionário da Autoridade Policial. Referido ato será em todo o tempo verdadeiro,

se adequadamente embasado com lógica e bom senso, alicerçado no princípio do

livre convencimento procedente.

Adentrando especificamente na análise de inquéritos, cumpre demostrar o

descrito no Art. 52, inciso I, da Lei 11.343/2006, após findar os prazos de 30 dias, se

o réu estiver preso, ou de 90 dias, se o réu estiver solto, a autoridade policial deverá

relatar as circunstâncias de fato, justificando as razões que o levaram ao

convencimento de que se tratava de tráfico de drogas, indicar a quantidade e a

natureza da substância, o local e as condições em que se desenvolveu a ação

criminosa, as circunstâncias da prisão, a conduta, a qualificação e os antecedentes

do agente (BRASIL, 2006).

No entanto, em uma análise aprofundada no conteúdo dos relatórios de

representação pela decretação da prisão preventiva e despacho de instauração do

inquérito policial, percebe-se que não há o cumprimento do dispositivo legal

supramencionado e que todos os relatórios de representação pela prisão preventiva

do acusado não possuem mais que duas páginas, entre fundamentação e

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qualificação das partes. Em raros casos a autoridade policial expõe as

circunstâncias de fato e justifica as razões que o convenceram que se tratava de

delito de tráfico de drogas. Muitas vezes vê-se como convencimento apenas os

depoimentos do condutor e das testemunhas, que na maioria das vezes, essas

testemunhas são os próprios policias e seus depoimentos são uma réplica exata do

depoimento do condutor. Veja-se então, a fundamentação sobre as circunstâncias

que levaram o convencimento do delegado D10 de que trata-se de crime de tráfico

de drogas:

Verificadas as circunstâncias de fato e de direito relativas a situação de flagrância, especialmente os depoimentos do condutor e das demais testemunhas, entendo presentes os requisitos legais para indiciar o acusado, conforme a comunicação de ocorrência correlatada, pelo delito mencionado. Dessa forma, presentes indícios suficientes de autoria e de materialidade do fato, conforme os depoimentos colhidos, razão pela qual o autuo como incursos no artigo 33 da lei 11.343/2006 (DOC 18, 2016).

Corroborando com a mesma linha de convencimentos o delegado D7 aduz

que “mormente o depoimento do condutor e das testemunhas há indícios suficientes

de autoria e de materialidade do fato” (DOC 32, 2016). Percebe-se, nesses casos,

que apenas o depoimento do condutor é o suficiente para a instauração do inquérito

policial. No relatório do Documento 32 não foi exposta a quantidade, tipo de drogas

e local, entendendo que o depoimento dos policiais bastava para caracterizar o

crime de tráfico de drogas.

O crime de tráfico de drogas tem como vítima o Estado e o que legitima o

indiciamento ou a representação pela prisão preventiva é a manutenção da ordem

pública (DOC 11, 2017). Esse posicionamento se funda em um senso comum que

possui uma ilusão de que a sociedade estará segura se houver a prisão e/ou o

indiciamento do acusado. Importante demonstrar um trecho que explicita

exatamente que a prisão é legitimada pela garantia da ordem pública:

É importante mencionar que, sob o fundamento da garantia da ordem pública a prisão do conduzido mostra-se necessária. Tendo-se o receio concreto de que, se solto, o conduzido volte a praticar crimes, ofertando risco ao equilíbrio social, bem assim comprometendo a efetividade das investigações policiais subsequentes (DOC 11,2017).

Há percepção de que a sociedade e o Estado procuram se eximir da

responsabilidade do envolvimento do indivíduo com o tráfico, nesse caso ocorre a

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inversão do papel de vítima para o Estado e para a sociedade e, a verdadeira vítima

torna o “inimigo interno”, aquele sujeito que sempre foi o foco da repressão penal.

Diante da análise, pode-se perceber que a polícia não consegue visualizar o

“suspeito” como um cidadão, como uma pessoa possuidora de direitos, ela o

visualiza como um inimigo (JAKOBS; MELIÁ, 2010) que deve ser combatido e o

mais rápido possível, para que a sociedade não sofra as consequências, como

mostra o trecho que segue: “há indícios suficientes de autoria e de materialidade do

fato, sendo que a internação do adolescente servirá para garantir a ordem pública,

em razão do fato ocorrido, além, permanecer em liberdade continuará a delinquir”

(DOC 17, 2016).

Outro discurso legitimador para a prisão é que as drogas influenciam a

criminalidade, tendo em vista que a polícia declara que “o tráfico de drogas é delito

estimulador de muitos outros, desde furtos, roubos e até homicídios” e com o

fundamento da manutenção da ordem pública V.M é representado pela decretação

da prisão preventiva (DOC 17, 2016).

“Os casos revelam que tendência por detrás da política criminal de combate

ao tráfico de drogas, ou seja, a guerra as drogas se estrutura com fulcro na atuação

contra o inimigo do Estado, e não contra um cidadão que cometeu um crime” (DIAS,

2017, p. 6). O delegado D2 ratifica com veemência que o tráfico é a causa dos

demais crimes, confirmando que o que ocasiona a criminalidade é o tráfico de

drogas, retirando, assim, a responsabilidade do Estado:

Considerando a gravidade do delito praticado pelos investigados, o qual merece intensa reprimenda penal, pois o tráfico de drogas ocasiona uma série de outros delitos ao fomentar a violência doméstica, os furtos, os roubos e até mesmo a violência sexual (DOC 12, 2017).

Destaca-se a relevância (segundo a polícia) que o crack tem para a

configuração de tráfico de drogas, diante do seu alto risco para a sociedade, vê-se

que, em alguns casos, a quantidade da substância apreendia é ínfima, mas os

policiais, em seus depoimentos, fazem parecer que mesmo uma quantidade

pequena é prejudicial à saúde pública. Nesse sentido, o caso do adolescente I.O.G,

flagrado com 7,5 gramas de crack. Em seus depoimentos, os policiais afirmaram que

essa quantidade, insignificante, equivaleria a sessenta pedras de crack (DOC 33,

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42

2016), sendo assim o crack é capaz de legitimar qualquer prisão. Observa-se a

fundamentação do Delegado D10:

Desimporta, assim, ao efeito de se ter por adequada conformação típica

dada ao fato, tenha- ou não- sido o agente flagrado efetivando a venda,

mostrando-se suficiente, para tanto, que os elementos informativos apontem

para tal intento. E tanto, como visto, ocorre no caso vertente, onde o réu,

abordado, à noite em local conhecido como ponto de tráfico, dispunha de

expressiva quantidade de droga (crack-talvez a mais nociva delas) (DOC

33, 2016).

O delegado D2 justifica a representação pela prisão preventiva aduzindo que

12 gramas de crack é uma quantidade significativa e que demonstra grande

potencial de prejuízo a saúde pública, tendo em vista que essa quantidade renderia

cerca de trinta porções para a comercialização (DOC 2,2017).

Em uma comparação com a fundamentação do delegado D10 com o

delegado D2, pode-se ver, claramente, que o crack em si legitima a prisão e não a

quantidade ou a forma que foi apreendido, tendo em vista que no documento 33

eram 7,5 gramas, segundo a autoridade policial, equivaleria a sessenta pedras de

crack e no documento 2 tratava-se de 12 gramas o que equivaleria a trinta pedras.

Percebe-se, então, de que há uma maximização do que a droga realmente

representa.

Assim, o discurso da luta contra as drogas permanece, a guerra contra o

inimigo interno da sociedade, confirmando o crack como a demonização dos últimos

tempos: “a quantidade de drogas não deve ser tida como pouco significativa, tendo

em vista que o crack trata-se de uma espécie altamente lesiva a saúde pública”

(DOC 23, 2016).

Outro ponto relevante a se destacar é a fundada suspeita utilizada pelo

delegado D3 em todos os despachos:

O caso é de flagrância própria, nos termos do artigo 302, inciso I, do código de processo penal, porquanto, encontrada em plena prática criminal, ou seja, mantendo em depósito droga com indicação evidente que se destinava ao comercio, pesando fundada suspeita contra o indigitado (DOC 10, 2016).

E, por fim, utiliza a definição de Hélio Tornagui sobre fundada suspeita:

[...] haverá fundada suspeita contra o conduzido quando os fatores apontados pelas pessoas que dispuserem perante a autoridade autorizam a

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ter como provável que ele, conduzido, seja autor da infração. Não basta a suspeita, a suposição, a conjectura, a dúvida, é necessário a suspeita fundada em fatos, em realidade (DOC 10, 2016).

Outrossim, importante descartar o grau comparativo de gravidade de delitos

que o delegado D3 utiliza para legitimar o indiciamento do acusado. Observa-se no

caso de D.P.P que foi flagrado pelos policiais militares em frente as dependências

do Presídio Regional de Passo Fundo, portando dentro de sua mochila: maconha,

sete garrafas de aguardente e três telefones celulares.

Nessa situação o suspeito estava passando pela rua, portando tais objetos,

tendo sido indiciado pelo crime de tráfico de drogas com incurso no artigo 33 da lei

11.343/2006. No entanto, no que diz respeito aos telefones celulares, o suspeito não

é indiciado pela seguinte justificativa: “registro que a conduta de portar os telefones

celulares, não obstante a intenção de que se prestaria a ingressar no Presídio, se

trata de mera preparação impunível do crime do Artigo 349-A do código penal” (DOC

16, 2016). Percebe-se que o crime de tráfico, aos olhos da polícia, deve sempre ser

punido com o maior rigor, quanto que os demais crimes, poderá haver certo

abrandamento.

Adentrando, especificamente no que diz respeito a “fundada suspeita”,

cumpre destacar a valorização da denúncia anônima, legitimando assim, a condução

dos polícias até o local da apreensão e as circunstâncias de abordagem dos

indivíduos. Em vinte casos se deu em razão de patrulhamento de rotina ou denúncia

anônima. Em nove casos os indivíduos foram supostamente flagrados

arremessando ou puxando drogas para dentro do Presídio Regional De Passo

Fundo. Em dois casos a detenção se deu através de cumprimento de mandado de

busca e apreensão e em quatro casos foram com base no setor de inteligência

policial.

O poder de polícia, por si só, autoriza a busca dentro das residências, tendo

em vista, na maioria das vezes, tratar-se de “atitude suspeita”.

Consta que, em tendo o prévio conhecimento que no local era realizado o comércio de drogas ilícitas, os policiais resolveram realizar abordagem a um homem que batia na porta da habitação, exato momento em que um indivíduo abriu a janela e de imediato fechou. Evidenciada a atitude suspeita houve o ingresso na casa e encontrada drogas e duas espécies de balança de precisão (DOC 10, 2016).

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O que se percebe é que baseados em uma denúncia anônima, ou uma

suposta atitude suspeita legitima a abordagem do acusado, ingressando assim, em

suas residências sem mandado: “a abordagem policial ocorreu a partir da

informação de que a residência do indiciado seria um ponto conhecido de tráfico de

drogas” (DOC 17, 2016).

Dos vinte casos de atitude suspeita ou denúncia, apenas dois não foram

realizados em local conhecido como ponto de tráfico de drogas. Nos dezoito casos

conhecidos como ponto de tráfico houve o ingresso ao domicílio sem mandado e

quando um “usuário” é encontrado nas mediações de um local conhecido como

ponto de tráfico de drogas a polícia o faz admitir que foi desse suposto ponto que ele

adquiriu a droga, mas essas testemunhas nunca prestam depoimento formalmente:

“embora tivesse falado informalmente a autoridade policial que a droga apreendida

adquiriu do preso. Ao prestar depoimento formalmente, preferiu nada dizer” (DOC

19,2016).

Além de tudo, vê-se uma padronização policial no sentido de eles serem

qualificados o suficiente para saber diferenciar quem são os usuários e quem são os

traficantes e, na maioria das vezes, o local da apreensão é legitimadora para a

prisão.

Preliminarmente, o local onde as drogas foram localizadas era o dormitório do adolescente. A residência é utilizada de forma reiterada para a traficância, sendo que quando há a prisão ou apreensão do traficante, outro assume o local e o tráfico de drogas prossegue no local. Já ocorreram dezenas de prisões nesse local (DOC 15, 2017).

Através da análise, pode-se perceber que os locais que possuem mais

patrulhamentos de rotina são conhecidos como pontos de tráfico de drogas, os quais

tratam-se dos bairros: Bairro Donária (4 casos), Entre Rios (2 casos), Parque

Farroupilha (1 caso), Bairro Petrópolis (1 caso), Santa Marta (1 caso), Vila Cruzeiro

(4 casos) e Vila Luiza (1 caso).

Um dos pontos mais marcantes da análise foi em relação ao direito de

silêncio, pois se tornou algo a ser considerado para o indiciamento: “considerando

que durante o seu interrogatório o conduzido optou por permanecer em silêncio, não

apresentando nenhuma versão diversa a ser considerada” (DOC 7, 2016), a

autoridade policial está extinguindo o princípio da presunção de inocência, deixando

claro que quem deve comprovar se é inocente ou não é o acusado, eximindo do

Estado seu dever de comprovar a veracidade dos fatos.

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“Os órgãos do executivo têm espaço legal para exercer o poder repressivo

sobre qualquer habitante, mas operam quando e contra quem decidem”

(ZAFFARONI, 2004, p. 27).Diante disso, percebe-se que o fato de o acusado portar

a droga é o suficiente para comprovar a traficância, raramente há outras buscas de

objetos que possam afirmar a tese policial. Em uma análise aprofundada dos

discursos policiais, percebeu-se que a manutenção da ordem pública justifica a

repressão penal e a violação dos direitos.

3.2.2 Quem são os traficantes de drogas de Passo Fundo

Nesse item aborda-se a identidade dos traficantes de drogas em Passo

Fundo, para isso buscou-se como base a classe social, a ocupação, em qual bairro

residem, antecedentes criminais, enfim, baseou-se em um contexto geral na vida

pregressa do acusado.

Primeiramente, faz-se necessário tratar sobre o arremesso de drogas para

dentro do Presídio Regional De Passo Fundo. Nesses casos, percebe-se que há

uma necessidade de sobrevivência para o acusado, pois, na maioria dos casos,

receberam dinheiro de alguém para arremessar a droga. “Ao ser questionado

admitiu que iria receber dinheiro de desconhecido para arremessar o material para o

interior do estabelecimento prisional” (DOC 16,2016).

Demonstração disso é o caso de A.D.O em que os Policiais Militares P1, P2 e

P3 estavam realizando “patrulhamento de rotina” quando avistaram o conduzido

parado na esquina, em “atitude suspeita”. Então a abordagem foi realizada e durante

a revista pessoal foi localizada, no bolso direito do indiciado, a droga apreendida. O

investigado aduz que havia pego a droga com um sujeito de nome M. recebendo R$

50,00(cinquenta reais) pelo serviço prestado (DOC 31, 2016).

O trabalho no tráfico de drogas é uma estratégia de sobrevivência, mas não

só pela falta de explicitação de culpa, mas pelos “indícios de um mercado de drogas

altamente lucrativo e com clientela fixa” (BATISTA, 2003, p. 92).

Percebe-se, então, que muitas vezes o tráfico é o único meio de

sobrevivência que resta ao acusado, pois, talvez, para muitos, R$ 50,00 (cinquenta

reais) é um valor insignificante, mas para aquele sujeito que está passando

necessidade, é o que irá sustentá-lo por alguns dias.

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Faz-se necessário demonstrar a valoração dos antecedentes, pois pode-se

perceber que a existência de antecedentes criminais legitima a prisão, podemos ver

claramente, que o indivíduo que possui antecedentes é considerado um inimigo.

Diante disso, cumpre demonstrar a repulsa do Juiz J1, em seu despacho que

converteu a prisão em flagrante em prisão preventiva. Primeiro ele alega que é pelos

antecedentes e após, deixa claro que a conversão da prisão se deu, principalmente,

pelo local da apreensão, ou seja à cinquenta metros do fórum, o seu local de

trabalho:

Possui antecedentes de roubo em três oportunidades, além de um furto qualificado, tem-se a indicação do grau de periculosidade. O local em que ele foi flagrado vendendo drogas ilícitas fica aproximadamente 50 metros do fórum, o que é bem representativo da situação em que vivemos neste país: os cidadãos refugiados em casa, com trancas e grades nas portas e janelas, e os criminosos agindo sem qualquer preocupação, mesmo porque, se presos, o que é raro, logo estará em liberdade, voltado a agir. Estamos vivendo tempos de aumento exponencial do grau de insegurança, com bandidos assaltando para sustentar seu vício, com viciado fora do controle dos pais e da sociedade organizada, tendo como resposta do Estado o esvaziamento dos poucos e precários presídios existentes. Este magistrado não entende que os criminosos são vítimas da sociedade e sim ao contrário. Daí porque, converto a prisão em flagrante em prisão preventiva, nos termos do artigo 310, inciso II, c/c Artigos 312 e 313, inciso II, ambos do código de processo penal, como garantia da ordem pública (DOC 5, 2017).

“As prisões não diminuem a taxa de criminalidade, provocam a reincidência e

fabricam delinquentes” (BATISTA, 2003, p. 51). Nesse aspecto cumpre mencionar o

caso de G.S.C, flagrado com 19 pedras de crack, R$ 133,00 (cento e trinta e três

reais) em moeda corrente de diversos valores e duas passagens de ônibus. Porém

no despacho o Delegado D10 aduz que com o fundamento da garantia da ordem

pública, a prisão do suspeito mostra-se necessária, tendo em vista que ele possui

antecedentes criminais, pois não se contém aos impulsos criminosos:

Assim, resta claro que o retorno ao convívio em sociedade não se adapta as escolhas de vida do autuado, que, insistentemente, volta as práticas ilícitas. Enfim, tem-se o receio concreto de que, se solto novamente, o conduzido volte a praticar crimes, ofertando risco ao equilíbrio social (DOC 21,2016).

Em ambos os casos pode-se perceber uma espécie de discurso de ódio em

relação aos que possuem antecedentes criminais, tanto pela autoridade judiciária

como pela autoridade policial, sendo assim, resta nítida a concepção deles de que a

culpa pela prática de delitos é do delinquente e não do Estado ou da sociedade.

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Todavia, “não foram os criminosos que produziram a violência, mas, sobretudo, os

poderosos que criaram a criminalidade” (BATISTA, 2003, p. 32).

Resta claro que o sistema penal está organizado para que a legalidade

processual penal não atue e, sim, para que desempenhe seu poder em elevadíssimo

grau de arbitrariedade seletiva, apontada, espontaneamente aos setores vulneráveis

(ZAFARONI, 2003, p. 27).

Sendo assim, nasce um questionamento: mas quem são os traficantes de

drogas? Será um homem ou uma mulher sem qualquer limite moral, que ganha a

vida nas custas da desgraça alheia, uma pessoa incivilizada que não merece estar

no meio social, ao qual a “prisão é destinada como metáfora da jaula” (ZACONNE,

2007, p.118).

Nesse ínterim, cumpre demonstrar a vida pregressa dos acusados,

primeiramente, será realizada uma abordagem sobre o sexo, ocupação, cor, grau de

instrução, se possui antecedentes criminais e classe social. Tal abordagem faz-se

necessário para que se compreenda quem são considerados os traficantes de

drogas em Passo Fundo. Esses dados foram encontrados nos 35 inquéritos

analisados pela pesquisadora.

Um ponto importante é que num total de quarenta e seis indiciados quarenta e

cinco são pobres e um é morador de rua. Igualmente, cumpre destacar que a

maioria são reincidentes, contudo os dois que não eram, estavam acompanhados de

sujeitos que possuem antecedentes criminais e por isso foram indiciados.

Além disso, foram feitos dois termos circunstanciados de apenas dois

sujeitos, mas o mais intrigante foi a justificativa para o não indiciamento,

primeiramente não possuíam reincidência, o que é um ponto significativo para ser

indiciado. Vejamos o quadro abaixo:

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GRÁFICO I: Vida pregressa dos indiciados

Fonte: Dados organizados pela pesquisadora através da análise de inquéritos policiais.

Veja-se o primeiro caso de J.R.B.S que foi encontrado na rua portando droga

e os policiais fazendo o patrulhamento de rotina o abordaram para que ele dissesse

onde teria adquirido aquela droga. Segundo o relatório policial o depoimento foi

informal, mas como ele levou os policiais militares até o “ponto de drogas”, “em

apartado elabore-se o termo circunstanciado no que toca a conduta de J.R.B.S-

Posse de drogas (Art. 28 da Lei 11343/2006)” (DOC 19, 2016).

No mesmo sentido, a companheira de um dos acusados não foi indiciada pelo

crime de tráfico de drogas: “elabore-se o termo circunstanciado de M.V.S, tendo em

vista que possui ocupação licita” (DOC 18, 2016), ou seja, quem não têm

antecedentes e trabalha não é considerado traficante de drogas.

A Lei 11.343/2006 impõe tratamento diferenciado diante da variedade de

modos de tráfico (Artigo 33, §4º), no entanto não foi clara quanto a diferenciação

entre traficante e usuário. Na maior parte, todos acabam sendo classificados como

traficantes. Diante disso, resta claro que é deixado, exclusivamente, para a

autoridade policial, no momento do flagrante, a escolha de quem será encaminhado

ao poder judiciário como traficante (MENDES, 2015, s/p).

39

52

11

28

2 3 2

44

2

45

1

42

4

44

2

0

11,5

23

34,5

46

Resultado da Pesquisa

Total de 46 Indiciados por Trafico de Drogas

Dados Quantitativos

Ensino Fundamental 39 Ensino Medio 5 Semi Alfabetizado 2 Parda 11

Branca 28 Amarela 2 Preta 3 Mulato 2

Reincidente 44 Primario 2 Pobre 45 Morador de Rua 1

Desempregados 42 Empregados 4 Sexo Masculino 44 Sexo Feminino 2

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Assim, fica claro que ao invés de definir com exatidão os critérios de

imputação, a Lei cria regras que se moldam na imagem e nas classes sociais de

quem são, onde vivem e onde circulam os traficantes e os consumidores. Nos

patrulhamentos de rotina da polícia, são criminalizados os grupos sociais

vulneráveis, tendo em vista que a eles é aplicado o estereótipo de “atitude suspeita”,

que em sua maioria são pobres e vivem nas periferias (CARVALHO, 2013, p. 4).

3.2.3 As características do tráfico de drogas

Resta claro que existe uma seletividade penal em relação as condutas que

serão consideradas ilícitas e as pessoas que serão consideradas como

delinquentes. Durante a análise realizada nos inquéritos percebe-se que somente

em alguns casos a quantidade de drogas ultrapassou 150 gramas. Constata-se que

a maconha é a droga mais apreendida, porém existe muita variedade nos casos

estudados. Em várias situações a quantidade apreendida era muito pequena, porém

na concepção das autoridades policiais os indivíduos que a portavam eram

merecedores da repressão.

Um exemplo de quantidade ínfima apreendida é o caso de J.P.L.T, que

estava caminhando pela rua quando foi flagrado pela polícia militar “transportando 9

gramas de cocaína. Diante disso foi dada a voz de prisão em flagrante ao indiciado”

(DOC, 6, 2016).

No que diz respeito a pesagem e a quantidade de drogas apreendias, as

teses dos policiais são muito contraditórias, em alguns casos alegam sete gramas

de crack equivalem a sessenta pedras (DOC, 35, 2016), no entanto, no caso de

C.D.C e C.P.G, os policiais aduzem que duas pedras de crack equivalem a sessenta

e seis gramas (DOC, 23, 2016).

Um ponto importante a ser destacado é o modo como os policiais adentram

nas residências, alegando atitude suspeita, realizam patrulhamento de rotina em

locais conhecidos como ponto de comércio de drogas e invadem as casas sem

qualquer prova material, apenas baseando-se em fundada suspeita.

[...] Enquanto isso o Policial Militar P5 seguiu o conduzido C.P.G para abordá-lo, mas o mesmo entrou na residência e tentou trancar a porta, sendo necessário forçar a mesma para entrar no local. A droga foi localizada em posse do conduzido, o qual trazia em mãos e tentava dispensar no sofá da residência. Com a investigada C. foi localizado

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dinheiro, motivo pelo qual também foi autuada, e os demais objetos foram apreendidos na residência por serem suspeitos de serem recebidos no comercio de drogas. Indagados sobre o entorpecente, C. confessou que seria destinado para a venda, tendo pagado R$1.200,00 (um mil e duzentos reais), mas podendo conseguir R$ 3.000,00 (três mil reais) com o comércio (DOC 23, 2016).

No relatório policial para a instauração do inquérito policial, está descrito que

o acusado confessou que a droga seria destinada ao comércio, porém em seu

depoimento o acusado alega que a droga foi enxertada pelos Policiais Militares

(DOC 23, 2016).

Diante dessas circunstâncias faz-se um questionamento: a droga foi

enxertada para justificar a atitude dos Policiais Militares em adentrar na residência

dos acusados?

Adentrando, especificamente nos objetos, supostamente, apreendidos em

posse dos acusados, buscou-se compreender o que é relevante para a polícia para

configuração do tráfico de drogas. Em alguns casos foram apreendidos objetos que

são comuns de todos os cidadãos, como: telefone celular, televisão, computadores e

dinheiro, mas o mais intrigante é que, segundo os dados extraídos da pesquisa, se o

suspeito é encontrado com drogas (pode até ser em pequena quantidade) e com

dinheiro, a este é imputado a conduta de traficante, o que leva a compreensão de

que pobre não poderia ter dinheiro consigo, pois como demonstrado no item

anterior, em quase todos os casos, a classe social dos traficantes é baixa.

No caso de J.A.M.O.S, dentre outros objetos, “foi apreendido uma máquina

fotográfica, uma chave de veículo, um molho de chaves com controle e uma placa

escrita neguinho vida loka” (DOC 22, 2016).

Existem alguns objetos que levam os policiais a crer que foram trocados por

drogas, como no caso de D.J.O, que foram apreendidas 4 gramas de crack, R$

250,00 (duzentos e cinquenta reais), uma bicicleta, uma cerra circular com etiqueta

com patrimônio da Prefeitura de Passo Fundo, um telefone celular, um relógio

feminino, um relógio masculino e uma máquina de cortar cabelo (DOC 2, 2017).

Nota-se que a maioria dos objetos apreendidos são de uso comum, mas no que diz

respeito à cerra circular com etiqueta de patrimônio da Prefeitura de Passo Fundo, a

autoridade policial relata que nunca houve boletim de ocorrência de furto ou roubo

deste patrimônio.

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Um dos casos mais intrigantes é o de J.S.P. Ocorre que a polícia estava

realizando patrulhamento de rotina, em “locais conhecidos como ponto de drogas”,

quando viram dois indivíduos parados em frente à residência, tendo em vista que

estavam em atitude suspeita e, então os policiais, resolveram adentrar na

residência, a qual pertence a A.S.B. Com J.S.P, foi apreendido, apenas, uma

furadeira, em seu depoimento relatou que estava trabalhando como encanador e o

proprietário da residência, em seu depoimento, confirma a versão, aduzindo que

havia o contratado para realizar serviços de encanamento. Porém, com fundamento

na manutenção da ordem pública J.S.P é indiciado por tráfico de drogas, tendo em

vista que possui antecedentes criminais (DOC, 01, 2017).

É importante mencionar a violência policial, considerando que a dedução de

que o indivíduo está armado, já é um motivo para atirar conta o acusado:

[...] pulou uma cerca e continuou a fuga, até que se deparou com o PM7, que lhe deu voz de abordagem e ele fez menção de que iria sacar uma arma de fogo que possuía na cintura, ocasião em que o policial militar efetuou um disparo, atingindo-o na altura da perna esquerda, sendo, logo após, socorrido e encaminhado para o Hospital São Vicente de Paulo, onde recebeu atendimento médico e fora liberado (DOC 01, 2017).

Ocorre que a arma mencionada pelos policiais nunca foi encontrada, não

obstante a determinação de uma suposta arma de fogo em posse do acusado

corrobora a tentativa dos policiais em atribuir a vítima as ações, que de algum modo,

justificam as suas condutas, ou até mesmo, utilizam o senso comum de que as suas

vidas estavam em risco e que tal atitude fora necessária para sua defesa (DIAS,

2017, p.03). Ademais, inúmeros casos desta espécie contam com a alusão de que

os acusados “poderiam estar portando drogas”, o que remete que seriam sujeitos

matáveis na atuação penal.

O que se percebe é que a natureza e a quantidade das drogas apreendidas

foram utilizadas para a fundamentação do relatório de instauração do Inquérito

Policial, outra questão que chama a atenção é que quando os investigados exercem

o direito ao silêncio, este torna-se automaticamente a confissão do acusado. Tendo

em vista que com base nos depoimentos do condutor e das demais testemunhas, é

instaurado o inquérito, considerando que o local da apreensão é conhecido pelos

policiais como ponto de drogas. Outrossim, a maioria dos indiciados, em seus

depoimentos, relataram que são usuários de drogas.

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Sendo assim, resta claro que existe uma atuação seletiva de determinados

delinquentes, os quais possuem as mesmas características e se enquadram

usualmente no perfil estipulado e, portanto, se encaixam na visão de descartáveis no

contexto social (DIAS, 2017, p.06).

Algumas pessoas dizem que não entendem como a escravidão era aceita,

como isso era permitido. Muitas vezes se questionam como podiam ir a um

linchamento e participar? Como toleravam a segregação? Ainda afirmam: se eu

vivesse naquela época, jamais aceitaria isso. Mas, a verdade é que se está vivendo

nessa época e não se está fazendo nada (13ª EMENDA, 2016, s/p). Em síntese o

processo discriminatório toma novos contornos através do sistema penal, e a

atuação do tocante as drogas faz parte desse processo.

Conforme observado, o que define quem será considerado traficante de

drogas têm relação com as características do acusado, tendo em vista que o que é

levado em consideração para a imputação do tipo penal é a reincidência, a classe

social, se possui ocupação lícita e por último a quantidade e a natureza da

substância. Resta claro que o sistema penal atua de forma seletiva, pois ele está

voltado a punir as classes subalternas, o que demonstra a teoria do etiquetamento,

pois ele atinge somente os sujeitos mais fragilizados em relação ao meio social.

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4 CONCLUSÃO

Com o desenvolvimento dessa pesquisa, buscou-se demonstrar a existência

da seletividade penal no ordenamento jurídico brasileiro, principalmente na cidade

de Passo Fundo-RS, quando é estabelecido, através da Lei 11.343/06, os critérios a

serem utilizados para distinguir traficantes e usuários de drogas.

Para tanto, realizou-se um estudo no que diz respeito aos objetivos e a

seletividade do sistema penal, ocasião em que se percebe que o direito penal atua

de forma desigual, e ainda, privilegia os interesses dos grupos dominantes e acaba

criminalizando, de modo rigoroso, as classes subalternas.

A criminalização de algumas substâncias somente iniciou com a Revolução

Industrial, quando o uso do ópio foi proibido, haja vista que causava letargia nos

trabalhadores, enquanto eles precisavam de pessoas que trabalhassem por mais de

doze horas diárias com um bom rendimento.

Antes da proibição do ópio, o que havia era um comercio de drogas altamente

lucrativo, o qual foi disputado por muitos países.

As drogas começaram a ser um problema a partir da década de sessenta, o

qual deveria ser combatido de maneira mais severa possível. Como visto, não faz

muito tempo que as drogas foram proibidas no mundo.

A questão relacionada ao tráfico de drogas ganhou dimensão internacional,

pela necessidade de controlar determinados grupos sociais. A partir disso, inicia-se a

guerra mundial de combate as drogas.

Com a criminalização das drogas, as classes subalternas e grupos étnicos,

passaram a ser caracterizados como criminosos, motivo pelo qual justifica a atuação

repressiva estatal, contra quem sempre foi alvo do controle do Estado.

A criminalização do tráfico de drogas no Brasil estava expresso no artigo 281

do Código Penal, não criminalizando o uso, porém, com a influência estadunidense,

através do Decreto Lei 385/68, houve a modificação do dispositivo do artigo 281 do

Código Penal, criminalizando o usuário e, ainda, aplicando a este a pena idêntica

àquela imposta ao traficante.

A diferenciação entre traficante e usuário/dependente veio com a publicação

da Lei 5.726/71, onde o Brasil acolhe o discurso médico jurídico. Tal diferenciação

tornou-se clara com o advento da Lei 6368/76. No ano de 1988, a Constituição

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Federal equipara o crime de tráfico de drogas aos crimes hediondos. Atualmente

está em vigor a Lei 11.343/06.

A atual lei traz a diferenciação entre traficante e usuário de drogas, tendo em

vista que o usuário não pode ser preso e ao traficante o rigor da pena é intenso.

Imagina-se um traficante como um sujeito que domina o local em que está,

portador de grandes quantidades de drogas, destemido e violento. A Lei 11.343/06

como modo de diferenciar traficantes e usuários, em seu artigo 28, § 2º o qual aduz

que o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e

às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais,

bem como à conduta e aos antecedentes do agente, a lei fala que é o juiz, mas

sabe-se que quem faz a primeira abordagem é a autoridade policial.

Quando a lei prevê que o que irá determinar a diferença entre traficante e

usuário é o local e as condições sociais do agente, não restam dúvidas de que quem

serão os traficantes são aqueles que residem nas classes subalternas, o que deixa

claro que se trata da seletividade primária.

Aquela etiqueta de traficante perigoso, que é o chefe do crime organizado,

que é inabalável pelo sistema penal, e quem sem dó destrói famílias, na realidade,

conforme os dados obtidos na pesquisa realizada nos 35 inquéritos policiais da

cidade de Passo Fundo, na verdade não passam de réus com antecedentes

criminais de crimes contra o patrimônio, flagrados com pouca quantidade de drogas

e que sequer possuem alguma ligação com o crime organizado.

Durante a análise pode-se perceber que a própria lei permite que a autoridade

policial atue de forma arbitrária, permitindo que a polícia selecione, incialmente,

quem será enquadrado como traficante ou como usuário, pode-se perceber que é

levado em consideração as características pessoais do indivíduo, a sua vida

pregressa.

A Lei 11.343/06, estudada juntamente com a pesquisa empírica realizada,

demonstra que o sistema penal é muito seletivo e que está muito longe de proteger

a todos de maneira igual e quando exerce o seu poder repressor, atua de maneira

desigual com aqueles que serão reprimidos pelo sistema penal.

Existe uma contribuição da pesquisa, tendo em vista que esta permite

confirmar como a proibição das drogas é tratada pelos delegados de polícia da

cidade de Passo Fundo.

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