Upload
others
View
0
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
1
Faculdade Meridional – IMED
Escola de Saúde
Curso de Psicologia
Relatório de Pesquisa
Trabalho de Conclusão de Curso
COMUNICAÇÃO ACERCA DO DINHEIRO EM CASAIS DE NAMORADOS
Mayara Quevedo Ribeiro
Passo Fundo
2016
2
MAYARA QUEVEDO RIBEIRO
COMUNICAÇÃO ACERCA DO DINHEIRO EM CASAIS DE NAMORADOS
Relatório de Pesquisa apresentado pela
Acadêmica de Psicologia Mayara Quevedo
Ribeiro, da Faculdade Meridional – IMED, como
requisito para desenvolver o Trabalho de
Conclusão de Curso, indispensável para a
obtenção de grau de Bacharel em Psicologia.
Orientadora: Prof.ª Dra. Cláudia Mara Bosetto Cenci
Passo Fundo
2016
3
MAYARA QUEVEDO RIBEIRO
COMUNICAÇÃO ACERCA DO DINHEIRO EM CASAIS DE NAMORADOS
Relatório de Pesquisa apresentado pela
Acadêmica de Psicologia Mayara Quevedo
Ribeiro, da Faculdade Meridional – IMED, como
requisito para desenvolver o Trabalho de
Conclusão de Curso, indispensável para a
obtenção de grau de Bacharel em Psicologia.
Aprovado em: _____ de ____________________ de _____.
BANCA EXAMINADORA
______________________________________________________
Prof.a. Mestre Susana Konig Luz
Faculdade Meridional – IMED, Brasil
______________________________________________________
Prof. Doutor Jandir Pauli
Faculdade Meridional – IMED, Brasil
______________________________________________________
Prof.ª Doutora Cláudia Mara Bosetto Cenci
Faculdade Meridional – IMED, Brasil
Passo Fundo
2016
4
Resumo
O período do namoro configura-se em um espaço de liberdade relacional, seja entre os
namorados, com suas famílias de origem ou em ambientes sociais. Impõem-se aos namorados
tarefas complexas, outrora presentes só após a conjugalidade. A intimidade presente na
relação exige paciência, flexibilidade, respeito e diálogo sobre diferentes aspectos do
relacionamento, incluindo questões financeiras. Dessa forma, objetivou-se investigar
como ocorre a comunicação acerca do dinheiro durante o namoro a partir de um estudo de
delineamento qualitativo com a utilização de vinhetas clínicas. Para tanto, participaram
da pesquisa cinco casais de namorados, heterossexuais, com idades entre dezoito e vinte e
cinco anos, que trabalhavam e possuíam um relacionamento afetivo com duração de um a
cinco anos. Após a coleta, procedeu-se com a análise de conteúdo. Os resultados encontrados
sugerem que os namorados manejam o dinheiro de forma a evitar a comunicação. Quando o
diálogo ocorre, é disfuncional e não resolutivo.
Palavras-chave: comunicação, dinheiro, namoro
5
Abstract
The dating period sets in a relational freedom space is between the lovers with their families
of origin or in social settings. Impose up to Valentine complex, once present only after
conjugality. This intimacy in the relationship requires patience, flexibility, respect and
dialogue on different aspects of the relationship, including financial matters. Thus, this study
aimed to investigate how communication occurs about money during courtship from a
qualitative design study with the use of clinical vignettes. Therefore, in the survey five dating
couples, heterosexual, aged six twenty-five p.m., who worked and had a loving relationship
with duration of one to five years. After collection, it proceeded with the content analysis.
The results suggest that Valentine handle money in order to avoid communication. When the
dialogue takes place, it is dysfunctional and not resolving.
Keywords: communication, money, dating
6
Sumário
INTRODUÇÃO .......................................................................................................................... 7
MÉTODO ................................................................................................................................. 12
Delineamento ............................................................................................................................ 12
Participantes .............................................................................................................................. 13
Instrumentos .............................................................................................................................. 13
Procedimentos ........................................................................................................................... 15
Análise de dados ....................................................................................................................... 16
RESULTADOS E DISCUSSÃO .............................................................................................. 16
Dinheiro: sempre separado. Conversar pra que?......................................................................16
Planejar é maçante: o imediatismo comanda as atitudes..........................................................19
Conversar sério sobre dinheiro? Agora não, só depois do casamento.....................................23
CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................................... 26
REFERÊNCIAS ........................................................................................................................ 27
APÊNDICES............................................................................................................................. 30
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido .......................................................................... 30
ANEXOS .................................................................................................................................. 31
Parecer consubstanciado de aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa ................................ 31
7
Introdução
Evidenciam-se atualmente mudanças em relação às configurações familiares,
inclusive no período do namoro. Antigamente as relações de namoro eram cautelosas. O
contato íntimo como beijos e abraços demorava em acontecer e demandava da
aprovação familiar. Atualmente, isso ocorre mais rápido e intensamente, sendo que os
namorados vivenciam maior liberdade. É permitido que os mesmos façam viagens e passem
finais de semanas sozinhos. A relação sexual é autorizada pelos pais de forma explicita ou
velada, mas consentida (Xavier, 2015).
Além disso, os namoros atuais tendem a ter uma duração maior, pois não têm como
único fim o casamento e sim o lazer e a busca de companhia. Nesta perspectiva, surgem
namoros marcados pela convivência pública, contínua e duradoura (Xavier, 2015), que
poderá se configurar em união estável (Jales & Lima, 2015).
O dinheiro permeia as relações sociais, familiares, conjugais e o período do namoro.
Está relacionado ao afeto, poder e autonomia, embora possua significados diversos
dependendo do contexto social e do momento de ciclo de vida (Boing, 2012). Zelizer (2009)
refere que os gerenciamentos entre sexo, dinheiro e poder apresentam problemas para as
relações. Isso porque as interações tornam-se mais extensas e ramificadas, exigindo que os
pares negociem economia e intimidade sexual, procurando arranjos que confirmem seu
próprio entendimento do que define a relação e do que a sustenta. Questiona-se o seguinte:
“Quando um casal de namorados se envolve sexualmente um com o outro, como eles devem
gerenciar seus gastos com lazer?” (Zelizer, 2009). Fonseca e Duarte (2014) reforçam a
necessidade de, ainda durante o namoro, dialogar sobre as expectativas que possuem um do
outro com o intuito de aprender a lidar com os conflitos e exercitar a comunicação e o
posicionamento sobre as situações emergentes na relação.
8
É essencial reconhecer as configurações da comunicação, uma vez que ela é marcada
por ações retroativas e circularidade repetitiva. Apenas então, se torna possível modificá-las
(Borelli, 2005). Silva e Vandenberghe (2009) afirmam que a conscientização do próprio
comportamento verbal é suficiente para que os casais eliminem comportamentos destrutivos.
Marcondes (2006) enfatiza que o modo de comunicação está mais no cerne das disputas do
que os temas e as opiniões. O que está em jogo é a metacomunicação sobre as relações, isto é,
o poder que, mascarado de discussões sobre pontos de vista diferentes, situa-se no centro dos
conflitos conjugais. Por mais que o dinheiro seja um fator de conflito entre casais, é a forma
como estes se comunicam sobre o dinheiro que irá determinar a existência de um conflito.
Assim sendo, o objetivo desta pesquisa é investigar como ocorre o processo de comunicação
acerca do dinheiro durante o namoro.
Watzlawick, Beavin e Jackson (1967), desenvolveram a Pragmática da Comunicação
Humana. Este construto encontra-se na base do modelo teórico sistêmico, sendo essencial
para a compreensão da comunicação familiar e conjugal (Portugal & Alberto, 2010).
Definiram cinco axiomas da comunicação: (a) a impossibilidade de não comunicar; (b) o
conteúdo e níveis de relação da comunicação; (c) a pontuação da sequência de eventos; (d)
comunicação digital e analógica e (e) interação simétrica e complementar. Cada axioma
apresenta possíveis patologias (Watzlawick, Beavin & Jackson, 1967).
No primeiro axioma, a impossibilidade de não comunicar, destaca-se que as pessoas
não podem não se comportar. Tendo em vista que todo o comportamento é acompanhado de
uma mensagem, uma vez que não é possível não se comportar, tampouco se pode não
comunicar. Inatividade ou silêncio também possuem uma mensagem, e quem adota esses
comportamentos está comunicando algo. Dessa maneira, estaremos lidando também com os
comportamentos não-verbais (Watzlawick, Beavin & Jackson, 1967). As expressões
9
corporais e faciais, a entonação da voz, o olhar, o sorriso e os demais comportamentos não-
verbais traem as pessoas, pois denunciam o que se passa no inconsciente (Marcondes, 2006).
Se uma pessoa não deseja se comunicar, ela possui poucas possibilidades de reação à
tentativa de comunicação. São elas: (a) Rejeição de Comunicação: o sujeito pode verbalizar
que não deseja conversar; (b) Aceitação de Comunicação: o indivíduo aceita conversar, sendo
que ficará cada vez mais difícil interromper o diálogo; (c) Desqualificação da Comunicação:
o indivíduo estabelece uma forma de diálogo que invalida sua própria comunicação ou a do
outro. São exemplos declarações contraditórias, mudanças bruscas de assunto, interpretações
errôneas e frases incompletas; e (e) O Sintoma como Comunicação: a pessoa simula um
sintoma como sono, embriaguez, surdez, ignorância do idioma e demais incapacidades que
impossibilitem a comunicação. O sintoma transmite a mensagem de que o sujeito queria
conversar, mas há algo que ele não controla impedindo-o de fazê-lo. A patologia surge
quando o indivíduo nega que está comunicando, mesmo que sua tentativa de não se
comunicar tenha valor de mensagem (Watzlawick, Beavin & Jackson, 1967).
O segundo axioma referente ao conteúdo e níveis de relação da comunicação
pressupõe que em uma comunicação é transmitido mais que informações, pois é imposto um
comportamento (Watzlawick, Beavin & Jackson, 1967). Borelli (2005) salienta que é linear
pensar que em um processo de comunicação se transmitisse apenas informações. O aspecto
da informação denomina-se relato e transmite um conteúdo, enquanto o aspecto de
comportamento é intitulado ordem e refere-se a como a mensagem deve ser entendida. É uma
comunicação sobre a comunicação (metacomunicação) e é necessária para que o diálogo seja
bem-sucedido. O aspecto de ordem não precisa ser verbalizado, pois pode ser interpretado
por um grito, um sorriso ou outros meios não verbais (Watzlawick, Beavin & Jackson, 1967).
Os desvios surgem quando ocorrem desacordos quanto à informação ou ambiguidades
de interpretação. O desacordo refere-se à ordem quando discordam da interpretação, e ao
10
relato quando discordam da informação. As formas de resolução são diferentes, se o
desacordo ocorre no nível de relato, as partes podem conversar sobre o conteúdo. Já, se
ocorre no nível de ordem, os sujeitos devem conversar sobre sua relação (Watzlawick,
Beavin & Jackson, 1967).
A capacidade dos seres humanos para interpretar as mensagens e para meta comunicar
é indispensável à saúde psíquica (Serra, 2007). É necessário associar a coerência da
mensagem à determinada situação, à forma como é dita e às intenções do locutor para que
seja possível posicionar-se adequadamente (Marcondes, 2006). A interação adequada se dá
quando cada parte consegue registrar o ponto de vista da outra (Watzlawick, Beavin &
Jackson, 1967).
O terceiro axioma descrito por Watzlawick, Beavin e Jackson (1967), pontuação da
sequência de eventos, explora a interação entre os comunicantes, sendo possível observar
uma série de trocas entre eles, consideradas como uma sequência de estímulo-resposta-
reforço, onde:
Um dado item do comportamento de A é um estímulo na medida em que é
seguido de um item fornecido por B e esse por um outro item fornecido por A.
Mas na medida em que A está comprimido entre os dois itens que foram a
contribuição de B, ele é uma resposta. [...] o item de A é um reforço na medida
em que se segue a um item fornecido por B (Watzlawick, Beavin & Jackson,
1967, p. 50).
A comunicação ocorre em um jogo relacional, estando em permanente construção os
vínculos e estratégias mantidos pelos comunicantes (Borelli, 2005). As pessoas poderão
pontuar a sequência de eventos, deixando claro quem tema iniciativa, o domínio e a
dependência. Porém, nem sempre estarão de acordo quanto à pontuação. O desacordo tem
como consequência o conflito, podendo se perpetuar uma vez que os comunicantes entram
em uma disputa. É de difícil resolução, pois os conceitos de causa (quem começou) e efeito
(quem apenas reagiu) não se aplicam, tendo em vista que a interação é circular. O que está
em jogo são as definições das posições de poder (Marcondes, 2006). O problema será
11
resolvido quando os envolvidos investigarem o que ocorreu com a comunicação
(Watzlawick, Beavin & Jackson, 1967).
No quarto axioma referente à comunicação digital e analógica, Watzlawick, Beavin e
Jackson (1967) esclarecem que é possível se referir aos objetos por semelhança, como um
desenho, ou pelo seu nome. Quando se usa a semelhança, a comunicação é analógica e
quando se usa o nome, a comunicação torna-se digital.
A comunicação analógica refere-se a toda a comunicação não-verbal. É importante,
pois através dos atos não-verbais o ser humano define a natureza de suas relações. Tem um
caráter ambíguo, podendo ser interpretada de maneiras diferentes. Lágrimas, por exemplo,
podem significar dor ou felicidade. Porém, essa modalidade de comunicação não possui
indicadores que diferenciem quais das duas formas de interpretação deve ser entendida. A
comunicação digital é verbal, e tem como principal função transmitir informações. Ela tem os
indicadores para distinguir ambiguidades, mas falta-lhe um vocabulário adequado para se
referir às relações (Watzlawick, Beavin & Jackson, 1967).
As duas modalidades de comunicação complementam-se, restando ao homem traduzir
as informações de uma para a outra. Aqui surgem as dificuldades, pois além de ser difícil
traduzir, pode haver diferenças de interpretação. Quando há discordância sobre o significado
de um item da comunicação analógica, cada sujeito traduzirá para o digital a sua
interpretação da natureza das relações (Watzlawick, Beavin & Jackson, 1967). Os erros
resultam da combinação da interpretação pessoal com o conteúdo da mensagem comunicada
(Portugal & Alberto, 2010). Por exemplo, o comportamento de um dos comunicantes pode
sugerir amor ou ódio, mas é o outro que irá atribuir valor positivo ou negativo, configurando
a origem de conflitos (Watzlawick, Beavin & Jackson, 1967). É preciso saber não apenas que
algo foi dito, mas de que forma foi dito (com ironia, advertência, informação, gozação e etc.)
(Marcondes, 2006).
12
No quinto axioma, interação simétrica e complementar, são abordados dois modos de
interação. Na interação complementar o comportamento de um complementa o do outro.
Exemplificando: o comportamento apropriado para um indivíduo (A) é o de submissão,
enquanto que o apropriado para o outro (B) é o de autoritarismo. A submissão de A irá
encorajar a afirmação de B. Essa afirmação de B exigirá ainda mais submissão de A. Assim,
os indivíduos ficam presos nesta interação até que um fator externo os detenha (Watzlawick,
Beavin & Jackson, 1967). Na complementariedade ocorrem brigas e reconciliações
contraditórias e não se extrai aprendizagem destas, pois após a reconciliação o ciclo recomeça
(Marcondes, 2006).
Na interação simétrica ocorre o oposto. Tomando o mesmo exemplo: Os dois
membros (A e B) teriam o mesmo comportamento. Se ambos fossem autoritários, B
responderia ao autoritarismo de A com mais autoritarismo, ao qual A responderia com ainda
mais autoritarismo, estabelecendo uma relação competitiva. Se um casal fixa-se na interação
simétrica, ocorre a competitividade e a escalada simétrica, gerando disputas e brigas
(Watzlawick, Beavin & Jackson, 1967). Os conjugues podem adotar tréguas periódicas, mas
duram até que se refaçam para iniciar novamente a escalada (Marcondes, 2006).
Em uma relação saudável as duas modalidades de interação estão presentes,
alternando-se, pois o padrão de interação simétrica estabiliza o padrão de interação
complementar e vice-versa. Os conflitos surgem quando o equilíbrio é desfeito (Watzlawick,
Beavin & Jackson, 1967).
Método
Delineamento
Este trabalho trata-se de uma pesquisa qualitativa e exploratória. É um método onde o
próprio pesquisador torna-se um instrumento, pois observa ações e contextos, utilizando sua
experiência para interpretar os fatos observados (Stake, 2011).
13
Participantes
Conforme a Tabela 1, os participantes da pesquisa consistiram de cinco casais de
namorados, heterossexuais, com idade entre 18 e 25 anos. Todos trabalhavam, residiam com
suas famílias de origem e não possuíam filhos. O tempo de relacionamento foi de 2 a 4 anos.
Tabela 1:
Descrição dos dados da amostra
Nota. Os participantes da pesquisa foram codificados e são apresentados, ao longo do estudo,
apenas pelos seus respectivos códigos.
Instrumentos
Foram utilizados os seguintes instrumentos para a realização da pesquisa:
(a) Questionário de dados sócio demográficos: coletou-se informações como idade,
escolaridade, profissão, estado civil, renda, dentre outras.
(b) Vinhetas Clínicas: Foram criadas três vinhetas, expondo situações relacionadas à
comunicação sobre dinheiro que se impunham aos casais de namorados. As mesmas
avaliavam: (1) custeio de despesas com comemorações, (2) endividamento e conflito de
interesses e (3) gastos com viagem de férias e lazer. Os enunciados foram submetidos a dois
avaliadores com experiência em pesquisa familiar, para possíveis ajustes. Os dilemas finais
foram:
Casais Sujeitos Sexo IdadeTempo de
Relacionamento
Definição da
RelaçãoFilhos Com quem residem Trabalho/Função
M1 Feminino 21 anos 3 anos Heterossexual Não Pais e irmãos Sim / Estagiária
H1 Masculino 25 anos 3 anos Heterossexual Não Pai, madrasta e irmãos Sim / Vendedor Externo
M2 Feminino 18 anos 4 anos Heterossexual Não Pais e irmãos Sim / Jovem Aprendiz
H2 Masculino 18 anos 4 anos Heterossexual Não Pais Sim / Preparador Automotivo
M3 Feminino 18 anos 2 anos Heterossexual Não Pais e irmãos Sim / Estagiária
H3 Masculino 19 anos 2 anos Heterossexual Não Pais e irmãos Sim / Vendedor
M4 Feminino 21 anos 4 anos Heterossexual Não Pais e irmãos Sim / Assistente de Secretaria
H4 Masculino 23 anos 4 anos Heterossexual Não Pais Sim / Gestor Pecuarista
M5 Feminino 20 anos 3 anos Heterossexual Não Pais e irmãos Sim / Estagiária
H5 Masculino 20 anos 3 anos Heterossexual Não Mãe e Avós Sim / Estagiário
Mínimo - - 18 2 - - - -
Média - - 20,3 3,2 - - - -
Máximo - - 25 4 - - - -
C1
C2
C3
C4
C5
14
(1) Custeio de despesas com comemorações: “Luana e Fabrício estão namorando há
um ano e onze meses. Ambos possuem renda própria e residem com suas respectivas famílias
de origem. No próximo mês eles completam dois anos de namoro e gostariam de comemorar
tal data de uma forma diferente: pretendem se hospedar por uma noite em um hotel bem
conceituado de sua cidade, o qual também possui um restaurante reconhecido, a fim de que
possam ter um jantar romântico e alguns momentos de intimidade, já que tal comemoração
não seria possível na casa de suas famílias. Também possuem o hábito de trocar presentes
nessas datas. Logo, a comemoração do casal envolverá um investimento financeiro
significativo. Luana e Fabrício, entretanto, ainda não conversaram sobre essa questão.
Nesta situação, como vocês conduziriam o diálogo para viabilizar a comemoração?”.
(2) Endividamento e conflito de interesses: “Adriana e Carlos namoram há três anos.
Os dois trabalham, mas ainda moram na casa de seus pais. Carlos possui algumas dívidas e
encontra-se com seu nome cadastrado no Serviço de Proteção ao Crédito (SPC). O casal
pensa em noivar até o final do ano e possuem planos de poupar para adquirir um
apartamento em construção, onde irão residir após o casamento. Para quitar suas dívidas e
poder comprar o apartamento, Carlos pretende fazer um empréstimo. No entanto, após este
empréstimo, ele ainda deseja trocar de carro. Adriana, não concorda com a compra do
carro, pois quer poupar dinheiro para a aquisição do apartamento. Nesta situação, como
vocês conduziriam o diálogo?”.
(3) Gastos com viagem de férias e lazer: “Luíza e Marcelo namoram há algum tempo.
Ambos possuem uma renda advinda de seu trabalho e residem com suas famílias de origem.
O casal já passou algumas férias juntos. Porém, todas as viagens que fizeram aconteceram
junto de suas famílias, sendo que as despesas com alimentação e lazer foram custeadas pelas
mesmas. Nas férias de verão desse ano, entretanto, ambas as famílias decidiram não viajar.
Luíza e Marcelo resolveram viajar sozinhos enquanto namorados, mas ainda não fizeram as
15
combinações necessárias para a viajem. Nesta situação, como vocês conduziriam o
diálogo?”.
Procedimentos
Após autorização do Curso de Psicologia e parecer favorável do Comitê de Ética em
Pesquisa (CEP) da IMED, a pesquisadora procurou casais de namorados que obedeciam aos
critérios de inclusão. Tal procura foi realizada em uma Instituição de Ensino Superior.
Posteriormente, os casais de namorados foram contatados via telefone para agendamento de
um horário para a coleta dos dados. Esses casais indicaram outros que se encaixavam nos
critérios de inclusão, obedecendo à amostragem por acessibilidade e indicação pelo critério
“bola-de-neve”. As coletas de dados foram realizadas na residência dos participantes, no local
de trabalho ou no Serviço de Atendimento Integrado (SINAPSI) da IMED.
No dia do encontro, a pesquisadora se apresentou e explicou os objetivos da pesquisa.
Os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), em duas
vias. Uma via permaneceu com a pesquisadora e a outra foi entregue aos sujeitos. Foi
ressaltado o sigilo quanto à identidade, e a liberdade para abandonar a participação, se caso
desejassem. Esses direitos foram assegurados através do TCLE, redigido de acordo com a as
Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisas Envolvendo Seres Humanos (Resolução
n.º 510/2016).
Posteriormente, foi aplicado o questionário de dados sócio demográficos e
apresentadas as vinhetas. Essas últimas foram lidas pela pesquisadora e cada membro do
casal se posicionou sobre como se comunicavam ou se comunicariam diante das situações
expostas. As verbalizações foram gravadas e transcritas para melhor aproveitamento das
informações. Após a transcrição, o arquivo foi deletado. Por fim, foi realizada a análise dos
resultados.
16
Análise de dados
O método utilizado para interpretação dos resultados foi a análise de conteúdo
proposta por Bauer (2002). A primeira etapa consistiu da leitura detalhada e repetida do
material transcrito com o objetivo de conhecer integralmente o texto. Posterior a isso,
procedeu-se com a identificação das unidades de sentido contidas em cada uma das frases.
Isto é, conteúdos sobre a comunicação, manejo do dinheiro, negociações entre o casal,
aprendizagens com a família de origem, entre outras. O próximo passo consistiu da
codificação temática das unidades de sentido através da comparação entre as mesmas e da
quantificação dos conteúdos que mais apareceram. Posteriormente, os códigos foram
agrupados em categorias mais amplas que se referem a eixos temáticos definidos a partir do
objetivo da pesquisa. Os conteúdos manifestos sobre as vinhetas clínicas foram interpretados
com base na teoria sistêmica.
Resultados e Discussão
Os resultados são apresentados em três categorias definidas a partir da análise
detalhada de cada vinheta. Após quantificação e agrupamento dos conteúdos mais
emergentes, as categorias finais foram as seguintes: 1) Dinheiro: sempre separado. Conversar
pra que?; 2) Planejar é maçante: o imediatismo comanda as atitudes; e 3) Conversar sério
sobre dinheiro? Agora não, só depois do casamento. Estas são apresentadas na sequência.
Dinheiro: sempre separado. Conversar pra que?
O manejo separado do dinheiro apareceu nos cinco casais de namorados. Este
resultado condiz com a literatura uma vez que a gestão independente do dinheiro ocorre
principalmente em casais jovens. É caracterizada pelo manejo separado dos rendimentos,
sendo que cada um detém o controle sobre o seu dinheiro (Coelho, 2013) e responsabilidade
pelas suas contas, sem acesso à conta do parceiro e sem conta-conjunta (Guimarães, 2007).
17
Dentro do padrão de manejo separado do dinheiro, existe uma variedade de
configurações estabelecidas pelos casais. Se um membro do casal possui uma renda menor,
as divisões podem ser adequadas ao ganho. Alguns fazem cálculos exatos, enquanto outros
dividem sem um controle rígido (Guimarães, 2007). A divisão exata foi encontrada apenas no
casal de namorados C3: "H3: Tipo, dá R$20,00, R$10,00 pra cada um.".
Nos casais de namorados C1 e C5 a distribuição é mais flexível, sendo que cada um
contribui com a quantia que pode. Os namorados C2 e C4 também não realizam uma divisão
exata dos gastos. Entretanto, isso ocorre por seguirem o modelo patriarcal de homem
provedor. As namoradas só auxiliam quando a situação financeira dos namorados não
comporta o pagamento completo: "H2: [...]Normalmente é o homem, né. Daí, tipo, fica isso
aí na cabeça. [...] Agora se eu dissesse “Ah, eu não estou muito em condições” e ela tivesse
mais vontade, daí sim. Daí seria uma situação diferente de ter que dividir.".
Quando é necessário o auxílio das namoradas, se impõe o sentimento de
constrangimento aos namorados. O papel de homem como provedor é um modelo imposto e
aceito pelos grupos sociais. Quando as situações do cotidiano entram em conflito com o
modelo de homem a ser seguido, transgredindo os padrões, surge um conflito entre o que é
entendido como certo e o que realmente acontece (Nogueira, 2007). O não desempenho da
obrigação de prover o sustento impõe sentimentos de constrangimento e humilhação
(D’Ávila, 2011). Apesar das mudanças que vêm ocorrendo, esses padrões de funcionamento
ainda possuem força de subjetivação (Nogueira, 2007). Desse modo, os resultados
encontrados condizem com a literatura, pois mesmo que se tenha pesquisado casais jovens,
ainda evidencia-se a influência do modelo patriarcal sobre a conduta das pessoas com relação
ao dinheiro.
As namoradas contribuem para a manutenção desse padrão de funcionamento, pois
aceitam que os namorados arquem com as despesas. M2 usa de estratégias para mascarar
18
quando H2 não possui dinheiro e para recompensá-lo quando o namorado não permite que ela
auxilie no pagamento:"M2: [...] eu primeiro já dou o dinheiro pra ele e daí ele chega no
restaurante e paga. Tipo, ele paga entendeu? Ele faz a ação de pagar. [...] às vezes eu coloco
o dinheiro também na mochila dele, às vezes, assim, tipo no final do dia que ele não vai
ver.”. M4 assume uma posição de falta de dinheiro e usa isso como justificativa para permitir
que o namorado pague a maior parte sozinho. Sua situação financeira está no discurso, pois
não condiz com a realidade.
Portanto, evidencia-se a complementariedade entre o casal, tendo em vista que as
namoradas usam estratégias para fazer parecer que os namorados são os detentores do poder
aquisitivo, podendo permanecer com eles. Caso não aceitassem essa posição, os namorados
não conseguiriam se relacionar com mulheres financeiramente independentes, não
submetidas ao modelo patriarcal. Segundo Minuchin, Nichols e Lee (2009) a
complementariedade é caracterizada pelo comportamento de uma pessoa que se vincula ao da
outra, tornando as ações co-determinadas por atos que as reforçam. Uma ação é metade da
interação, sendo que existe uma outra metade que a complementa. A complementariedade
rígida torna as relações inflexíveis, impossibilitando o casal de sair desse modo de interação e
realizar as mudanças necessárias para resolver os conflitos.
Observou-se ainda que os casais de namorados C1 e C2 realizam advertências quando
o companheiro pretende realizar alguma aquisição indevida, mas cada um faz o que quer com
sua renda, independentemente da opinião do outro. Esse comportamento também é
característico do manejo separado das finanças, pois os casais não solicitam permissão para
realizar gastos e não sentem que devem algo para o outro. Não questionam um ao outro sobre
isso, evitando o diálogo sobre o dinheiro (Guimarães, 2007).
Em situações de dívida, os casais C4 e C5 referem que auxiliam um ao outro.
Entretanto, H4 não se sente bem em vista da cultura de homem provedor, desejando
19
reembolsar M4. No casal C5, M5 não aceita o auxílio, pois entende que a dívida é sua. Tais
constatações se enquadram na literatura, pois quando necessário os casais auxiliam um ao
outro, mas isso é tratado como um empréstimo e aquele que recebeu o dinheiro sente que está
devendo ao companheiro (Guimarães, 2007).
Independentemente das particularidades adotadas pelos casais de namorados que
manejam o dinheiro separadamente, esta é uma forma de gestão financeira individualista
dentro da parceria, cujo intuito é manter a independência. Esse comportamento ocorre pelos
questionamentos que possuem em relação à durabilidade do relacionamento, ao
comprometimento e as convicções sobre a relação, justificando o manejo individualizado
para evitar perda de investimento financeiro, caso a relação termine (Guimarães, 2007).
Apesar dessa forma de manejar as finanças ser adequada para a fase do namoro, ela impede a
comunicação objetiva sobre o dinheiro. Consequentemente, ela também impede que se
explore as expectativas dos parceiros como prevenção dos conflitos e da insatisfação na
conjugalidade (Fonseca & Duarte, 2014).
Planejar é maçante: o imediatismo comanda as atitudes
Sobre a organização frente às situações de comemoração e lazer, evidenciou-se que os
namorados C1, C4 e C5 não possuem planejamento financeiro, sendo que o mesmo é
realizado poucos dias antes dos programas e estes acabam tendo que ser adiados ou
adequados à renda que sobrou no mês. Não sabem quanto dinheiro precisam ter, assumindo o
risco de gastar mais do que podem e adquirirem uma dívida. Também não conversam sobre
quanto estão dispostos a gastar, surgindo conflitos quando um quer gastar mais e o(a)
parceiro(a) não possui condições.
Conforme Oliveira (2014), o planejamento financeiro envolve controle de despesas,
definição e revisão de metas conjugais e individuais e investimentos. É através do
planejamento que se acumula o patrimônio do indivíduo e de sua futura família. Os casais
20
devem realiza-lo a curto, médio e longo prazo, pois apenas assim conseguirão atingir seus
objetivos no decorrer do ciclo vital. Essas combinações devem ser flexíveis e revistas
constantemente, conforme as expectativas e objetivos de cada um.
O planejamento financeiro não é comum nos casais jovens, em vista de sua
imaturidade e da falta de educação financeira. Estes ainda possuem rendas baixas e o desejo
de sair e viajar enquanto não possuem filhos, sendo que o valor a ser investido em lazer é
maior que o salário. Quando não há programação financeira, as pessoas gastam mais do
ganham, resultando em dívidas. A falta de organização também inviabiliza o diálogo sobre
gastos, gerando conflitos. Impõe-se ainda a dependência financeira dos pais, pois os casais
sentem dificuldade em arcar com as despesas sozinhos, impossibilitando a independência e o
aprendizado necessário ao início da vida conjugal (Oliveira, 2014).
O casal de namorados C2 realiza um planejamento baseado no modelo de homem
provedor, pois H2 custeia a maior parte dos gastos. Em situações de conflito de interesses
fica muito bravo e evita a comunicação, caso não consiga controlar a namorada. Entretanto,
não admite ser controlado por ela, adquirindo o que deseja independentemente da opinião de
sua companheira: “H2: [...] na hora de cabeça quente assim eu ia, sei lá... sair e não ia
esperar muito pela opinião [...] eu compraria e daí esperaria pela reação dela qual que seria
também.”.
Tal resultado é corroborado pela literatura, pois, conforme Hart, Mosmann e Falcke
(2016), apesar da mulher estar se tornando independente financeiramente, o homem ainda é o
principal provedor. Ser o provedor o leva a ter maior influência sobre o manejo do dinheiro
do casal sem ser questionado sobre seus gastos, mantendo os tradicionais papéis de gênero.
Isso ocorre porque o dinheiro está associado ao poder e quem o possui acredita ocupar uma
posição superior. As regras do planejamento baseado no modelo patriarcal são rígidas. Regras
rígidas mantêm a homeostase, pois não há possibilidade de flexibilização e diálogo sobre as
21
mesmas, nem conflitos decorrentes. Enquanto o casal se cala, se mantém juntos (Wagner,
Tronco & Armani, 2011). Caso dialogassem sobre o modelo seguido, os conflitos camuflados
apareceriam e os namorados poderiam romper a relação.
O casal de namorados C3 foi o único que apresentou planejamento financeiro, pois
guardam a quantia que sobra a cada mês na poupança para viabilizar a compra de um
apartamento. Consequentemente, os gastos com comemorações e lazer são adaptados à
situação financeira, uma vez que já combinaram que a maior parte dos investimentos é
dirigida a poupança. Apesar de manejarem o dinheiro separadamente, consultam um ao outro
quando querem adquirir algo, pois entendem que a aquisição vai ocasionar menos dinheiro
dirigido ao objetivo comum. Encontram-se em um processo de co-construção de uma
conjugalidade flexível e saudável: “M3: Principalmente a partir do momento que a gente
decidiu [...] juntar dinheiro junto, a gente começou a fazer isso. [...] Eu acho melhor assim
[...] porque tem muitos casais que né... escondem.”.
Os objetivos compartilhados pelo casal sobre dinheiro podem promover maior
qualidade conjugal (Hart, Mosmann & Falcke, 2016). O manejo conjunto das finanças
possibilita o diálogo para decidir o que será feito com os recursos, permite a busca conjunta
de soluções para conflitos, proporciona maior satisfação conjugal, coesão e expressão de
afeto (Razera, Cenci & Falcke, 2015). Portanto, o casal C3 já está dando alguns passos em
direção ao manejo conjunto do dinheiro, não protelando essa organização.
Os demais casais de namorados postergam o planejamento financeiro conjunto e os
contratos sobre como manejar o dinheiro para depois do casamento. Falam de forma
hipotética: se a situação ocorresse, tomariam determinada atitude. Não falam sobre como
agem no presente ou como combinaram em agir no futuro, evidenciando a falta de diálogo
sobre o planejamento.
22
Em nenhum dos casais estudados é permitido endividar-se. Como apenas os
namorados C3 possuem planejamento financeiro, apenas esses estão organizados sobre como
evitar dívidas e como quitá-las, caso ocorram. O restante, por postergam o planejamento, não
se organizam para evitar dívidas e não sabem como agir quando endividados.
Conforme Vanderlinde e Godoy (2013) o planejamento financeiro é necessário para
um consumo realista. Deve-se estabelecer prioridades e controlar o que se ganha e o que se
gasta. A falta de controle pode levar a situações de endividamento. Muitas vezes, a única
solução encontrada são empréstimos e financiamentos, ocasionando uma problemática maior
em vista das altas taxas de juros. É essencial organizar os gastos antes de uma crise
financeira. Muitas pessoas só percebem a importância do planejamento após já estarem
endividadas. Tal conduta contribui para os conflitos conjugais. Portanto, os casais não
deveriam protelar o planejamento e sim realiza-lo antecipadamente a fim de evitar
endividamentos.
A falta de planejamento e a postergação da organização evita a comunicação sobre o
dinheiro, gerando desarmonias e conflitos (Oliveira, 2014). É importante estabelecer um
diálogo que envolva investimentos, crenças financeiras passadas pela família, os mitos e os
ensinamentos a respeito do amor e do dinheiro (Guimarães, 2007). Zelizer (2009) destaca que
nem todas as combinações funcionam, mas devem ser realizadas a fim de encontrar arranjos
econômicos que corroborem o entendimento de cada parceiro sobre o que define a relação e o
que a sustenta. Também a atualização dos contratos conjugais é importante para se evitar
sobrecarga física, emocional ou financeira que possa gerar sentimentos negativos e
comprometam a qualidade da relação (Tavora, 2009).
23
Conversar sério sobre dinheiro? Agora não, só depois do casamento
Sobre a comunicação verificou-se que quando conversam sobre dinheiro, o diálogo
não é adequado e resolutivo. É uma comunicação que impede de fazer as combinações
necessárias sobre como manejar as finanças no presente e no futuro.
Nos casais de namorados C1, C2, C4 e C5 a comunicação é implícita, sendo que vão
falando sobre outras coisas que denotem o que se quer dizer. Os namorados C1 não falam
sobre as dificuldades em organizar suas finanças, apenas comunicam quando estão sem
dinheiro. O casal C2 não dialoga sobre o modelo patriarcal seguido, sobre os sentimentos da
namorada em ser submissa financeiramente e sobre os sentimentos do namorado quando não
consegue ser o provedor. Os namorados C4 e C5 verbalizaram que nunca conversaram sobre
dinheiro, sempre funcionaram automaticamente, sem realizar combinações. “H1: A gente não
tem uma conversa à princípio sobre isso. A gente sabe mais ou menos como o outro está de
dinheiro”.
Conforme Marcondes (2006) a comunicação é implícita quando há uma incapacidade
em aliar a linguagem conotativa à denotativa. A linguagem denotativa é a verbal, refere-se a
algo que foi dito. A linguagem conotativa refere-se a como a informação foi dita, usando a
linguagem não-verbal. As pessoas encontram dificuldade em associar uma frase dita às
intenções claras e escondidas de quem comunicou, sendo que o mais recorrente é uma
comunicação nebulosa, pois as mensagens não são diretas. Portanto, evidencia-se que os
namorados estão mantendo uma comunicação difusa e de difícil interpretação, podendo
ocasionar diversos conflitos.
Também foi possível aferir que a conversação é incongruente em todos os casais de
namorados. A incongruência aparece tanto na condição financeira, pois possuem um discurso
de falta de dinheiro que não corresponde ao valor que recebem, quanto na contradição entre
os membros do casal. Isso ocorre porque estão ambivalentes com relação às finanças, crenças
24
e valores. A contradição significa que não dialogam sobre planos para o presente ou futuro.
“M2: Ah, eu acho que a gente ia dividir né?”, “H2: Acho que não”.
Conforme Féres-Carneiro (1997), a comunicação é considerada incongruente quando
um contraria o outro ou quando um comunicante emite diversas mensagens contraditórias
sobre o mesmo tema. A forma como as pessoas se comunicam determina a saúde emocional
dos grupos em que elas estão inseridas, sendo que uma comunicação incongruente é
indicativa de disfuncionalidade. A incongruência também aparece nos namorados C1 e C2
quando um membro realiza uma advertência sobre gastos impulsivos, mas essa advertência
não é respeitada pelo companheiro e o gasto é realizado da mesma forma.
Segundo Watzlawick, Beavin e Jackson (1967), em uma comunicação se transmitem
informações e se impõe um comportamento. A informação transmitida denomina-se relato,
enquanto o comportamento é reconhecido como ordem e refere-se a como a mensagem deve
ser interpretada. As frases podem ser interpretadas de formas ambíguas. Quando o receptor
interpreta a mensagem de uma forma diferente da intenção do comunicador, significa que os
níveis de relato e ordem não estão se reforçando mutuamente (Mello & Burd, 2007).
Portanto, pode-se afirmar que nos casais de namorados C1 e C2 os níveis de relato e ordem
não se reforçam mutuamente uma vez que chamam a atenção um do outro, mas o
companheiro continua realizando gastos, não interpretando como a informação foi dita (como
advertência). O conteúdo da comunicação é “não gaste”, mas a mensagem relacional
transmitida é “tudo bem se você gastar”.
Outro item avaliado diz respeito à sequência de eventos que, segundo Watzlawick,
Beavin e Jackson (1967), representa a série de trocas entre os sujeitos, sendo possível
observar quem tem a iniciativa, o domínio e a dependência. Os conflitos surgem quando os
indivíduos discordam na pontuação da sequência, iniciando uma relação de disputa.
Observou-se que nos casais de namorados C1 e C2 a sequência de eventos é rígida, pois a
25
interação é iniciada predominantemente pelas namoradas, ao passo que nos casais C3, C4 e
C5 a sequência é flexível, sendo permitido que os dois membros iniciem a interação
alternadamente. Nenhum dos casais de namorados participantes apresentou discordância na
pontuação da sequência de eventos.
Evidenciou-se, ainda, que o diálogo é claro nos namorados C1, C3, C4 e C5, sendo
possível compreender as mensagens por eles transmitidas. Apenas os namorados C2 possuem
uma comunicação confusa, pois utilizam de muitas frases incompletas, dificultando o
entendimento das verbalizações: “H2: Porque se não... É que eu... Que daí eu controlo,
porque se não, se eu falo que eu não tenho, eu também não...”.
Para Féres-Carneiro (1997), uma comunicação confusa ocorre quando os
interlocutores fazem uso de frases incompletas, mudanças bruscas de assunto e linguagem
pouco explícita, dificultando a compreensão. Tais comportamentos podem indicar tanto uma
dificuldade de se comunicar, quanto o desejo de não se comunicar, pois, conforme
Watzlawick, Beavin e Jackson (1967), quando uma pessoa deseja evitar o diálogo, uma das
alternativas que ela possui é desqualificar a comunicação, estabelecendo uma forma de se
comunicar que invalide a sua própria comunicação ou a do outro. Um dos exemplos de
desqualificação é o uso de frases incompletas.
Constatou-se também que os namorados C1, C2 e C4 possuem uma interação
complementar. No casal C1 a namorada assume uma posição de porta-voz e o namorado de
introvertido. No casal C2 a namorada assume uma posição de submissão, enquanto H2
assume o papel de provedor. No casal C4 a namorada assume uma posição de miserabilidade
econômica e o namorado de detentor de poder aquisitivo. Dessa forma, o comportamento de
um reforça o do outro, mantendo-os nesse modo de funcionamento. Os casais C3 e C5
interagem ora complementando-se, ora de forma simétrica. A flutuação entre interação
simétrica e complementar é atributo de uma comunicação adequada.
26
Na interação complementar o comportamento de um complementa o do outro. Já no
modo de interação simétrica, os dois membros têm o mesmo comportamento, estabelecendo
uma relação competitiva (Watzlawick, Beavin & Jackson, 1967). Conforme (Mello & Burd,
2007) a patologia comunicacional se dá quando os casais ficam estagnados em uma das duas
formas de interação, fazendo surgir a escalada simétrica ou a rigidez complementar. Portanto,
pode-se aferir que os casais C1, C2 e C4 mantém uma forma de interação disfuncional.
Silva e Vandenberghe (2009) destacam que durante o diálogo conjugal os parceiros
interrompem mais um ao outro, ferem mais e são mais rudes. As disfuncionalidades da
comunicação conjugal incluem desviar de um assunto para outro nas discussões, tentar
adivinhar a intenção do parceiro por acreditar que o conhece bem e repetir a mesma briga,
pelos mesmos temas, sem realizar progressos ou solucionar os conflitos. Logo, a dificuldade
não reside no fato de ter conflitos, mas na incapacidade de se comunicar funcionalmente para
resolvê-los.
Considerações Finais
Os resultados encontrados giram em torno da divisão dos rendimentos e manejo
separado do dinheiro pelos casais de namorados. Tal forma de gerenciamento é adequada
para o período do namoro, mas impossibilita a comunicação e a realização de combinações
sobre como desejam manejar o dinheiro no presente e no futuro.
Também se pôde aferir que a maioria dos casais não possui um planejamento
financeiro e não demonstram o desejo de realizá-lo, postergando a sistematização para após o
casamento. Entretanto, esse comportamento pode conduzir a situações de dívida e conflitos,
tendo em vista que evita o diálogo sobre expectativas, definição de prioridades, objetivos
comuns e individuais. Portanto, os casais de namorados manejam o dinheiro de uma forma
que evita o diálogo e favorece o conflito, sendo essa atitude inconsciente, pois não percebem
o padrão de funcionamento que estão mantendo.
27
Quando conversam sobre dinheiro, o diálogo é ineficaz, implícito e incongruente.
Ocorrem ambiguidades de interpretação e contradições que dificultam estabelecer uma
comunicação funcional. Assim, os casais de namorados não conseguem se preparar para a
conjugalidade.
A cerca das limitações do estudo, pode-se destacar a dificuldade em encontrar casais
de namorados dispostos a dialogar sobre dinheiro em conjunto. Acredita-se que se a
entrevista fosse realizada separadamente, surgiriam mais conteúdos acerca de conflitos
envolvendo dinheiro, pois se teve a impressão de que os casais tentavam mascarar
desentendimentos. Em vista disso, tem-se como sugestão para estudos futuros entrevistar os
membros do casal separadamente. Também se sugere realizar uma pesquisa com casais
homossexuais a fim de verificar se existe alguma diferença na forma como se comunicam
sobre dinheiro.
Referências
Bauer, M. W., Gaskell, G. (2002). Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um manual
prático (2a ed.). Petrópolis, RJ: Vozes.
Boing, C. L. (2012). Significado do dinheiro nas relações familiares. Trabalho de
especialização, Familiare Instituto Sistêmico, Florianópolis, SC, Brasil.
Borelli, V. (2005). “É impossível não comunicar”: reflexões sobre os fundamentos de uma
nova comunicação. Diálogos possíveis, 4(2), 71-84.
Coelho, L. (2013). O meu, o teu, o nosso dinheiro: Contributos para o estudo da gestão das
finanças conjugais em Portugal. Revista Crítica de Ciências Sociais, 101(1), 89-110.
D’Ávila, S. M. G. (2011). O lugar do homem em famílias de mulheres provedoras. Anais II
Simpósio Gênero e Políticas Públicas, Londrina, PR, Brasil.
Fonseca, S. R. A., Duarte, C. M. N. (2014). Do Namoro ao Casamento: Significados,
Expectativas, Conflito e Amor. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 30(2), 135-143.
28
Féres-Carneiro, T. (1997). Entrevista familiar estruturada - EFE: um método de avaliação das
relações familiares. Temas em Psicologia, 5(3), 63-94.
Guimarães, C. M. B. (2007). O meu, o seu e o nosso: o processo de construção conjunta do
“compromisso financeiro” do casal de dupla carreira na fase de aquisição do ciclo
vital. Dissertação de mestrado, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São
Paulo, SP, Brasil.
Hart, J., Mosmann, C. P., Falcke, D. (2016). Manejo do dinheiro pelo casal e infidelidade
financeira. Estudos e pesquisas em psicologia, 16(1), 260-276.
Jales, W. P. S., Lima, A. R. M. de. (2015). Namoro qualificado e união estável na atual
perspectiva do direito de família. Revista Cogitatem, 1(1), 1-13.
Marcondes, C. Filho. (2006). O silêncio na sala: sobre o declínio da comunicação na vivência
conjugal. Comunicação, mídia e consumo, 3(8), 95-127.
Mello, J. de. Filho, Burd, M. (2007). Doença e família. São Paulo, SP: Casa do Psicólogo.
Minuchin, S., Nichols, M. P., Lee, W.Y. (2009). Famílias e casais: do sintoma ao sistema.
Porto Alegre, RS: Artmed.
Nogueira, C. G. de. M. (2007). A família em questão: Discutindo continuidades e diferenças
entre gerações masculinas. Anais da VII Reunião de Antropologia do MERCOSUL -
UFRGS, Porto Alegre, RS, Brasil.
Oliveira, V. S. de. (2014). Finanças pessoais para casais. Monografia de especialização,
Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil.
Portugal, A. M., Alberto, I. M. (2010). O Papel da Comunicação no Exercício da
Parentalidade: desafios e especificidades. Psychologica, 2(52), 387-400.
Razera, J., Cenci, C. M., Falcke, D. (2015). Manejo de dinheiro: possíveis relações com o
ajustamento e a violência em casais. Perspectivas em Psicologia, 19(2), 3-17.
Serra, J. P. (2007). Manual de Teoria da Comunicação. Covilhã: Livros Labcom.
29
Silva, L. P., Vandenberghe, L. (2009). Comunicação versus resolução de problemas numa
sessão única de terapia comportamental de casal. Revista Brasileira de Terapia
Comportamental e Cognitiva, 11(1), 43-60.
Stake, R. E. (2011). Pesquisa qualitativa: estudando como as coisas funcionam. Porto
Alegre, RS: Artmed.
Tavora, M. T. (2009). Contrato emocional e código de ética: pilares da reconstrução conjugal.
Psico, 40(1), 50-57.
Vanderlinde, A., Godoy, N. N. de. (2013). Planejamento financeiro e seus Benefícios.
Maiêutica - Ciências Contábeis, 1(1), 11-15.
Wagner, A., Tronco, C., Armani, A. (2011). Os desafios da família contemporânea:
Revisando conceitos. Porto Alegre, RS: Artmed.
Watzlawick, P., Beavin, J. H., Jackson, D. D. (1967). Pragmática da comunicação humana.
São Paulo, SP: Cultrix.
Xavier, M. P. (2015). Contrato de namoro: Amor líquido e direito de família mínimo (1a ed.).
Paraná, PR: Clássica Editora.
Zelizer, V. A. (2009). Dinheiro, poder e sexo. Cadernos pagu, 1(32), 135-157.
30
Apêndices
31
Anexos
Parecer consubstanciado de aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa
32