Fasciculo 1 - Cidadania Justiça e Participação

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  • 7/22/2019 Fasciculo 1 - Cidadania Justia e Participao

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    Rafael Barreto Souza

    CIDADANIA, JUSTIA E PARTICIPAO

    Estapubli

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    comercializada.

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    UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE - ensino a distncia

    EstefascculoparteintegrantedoCu

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    Cidadania

    Judiciria

    -FundaoDemcritoRochaIU

    niversidadeAbertadoNordesteIISBN9

    78-85-7529-612-7

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    2 Fundao Demcrito Rocha | Universidade Aberta do Nordeste

    Copyright 2014 by Fundao Demcrito Rocha

    C486 Cidadania judiciria / coordenao, Gustavo Feitosa; ilustrao,

    Karlson Gracie. Fortaleza: Fundao Demcrito Rocha /

    Universidade Aberta do Nordeste, 2014.

    192p il Color (curso em 12 fascculos)

    ISBN 978-85-7529-612-7

    1.Cidadania. 2. Direito. I. Gracie, Karlson. II. Ttulo

    CDU 342.71

    FUNDAO DEMCRITO ROCHA

    PresidenteJoo Dummar Neto

    Direo GeralMarcos Tardin

    UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE

    Coordenao Pedaggica-AdministrativaAna Paula Costa Salmin

    CURSO CIDADANIA JURDICAConcepo e Coordenao GeralCliff Villar

    Coordenao TcnicaGustavo Feitosa

    Coordenao de EdioRaymundo Netto

    Gerncia de ProduoSrgio Falco

    Edio de DesignAmaurcio Cortez

    Editorao EletrnicaCristiane FrotaDhara Sena

    Reviso de TextoCharles Ribeiro Pinheiro

    IlustraesKarlson Gracie

    Catalogao na FonteKelly Pereira

    Todos os direitos desta edio reservados a:

    Fundao Demcrito RochaAv. Aguanambi, 282/A - Joaquim TvoraCep 60.055-402 - Fortaleza-CearTel.: (85) 3255.6037 - 3255.6148 - Fax (85) [email protected]

    Este fascculo parte integrante do Curso Cidadania Jurdica oferecido pela

    Universidade Aberta do Nordeste (Uane), em decorrncia do Contrato celebradoentre o Tribunal de Justia do Estado do Cear e a Fundao Demcrito Rocha(FDR), sob o n 30/2013.

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    Curso Cidadania Judiciria3

    SUMRIO1. Introduo..........................................................................................................................4

    2. Origens da cidadania .....................................................................................................4

    3. Cidadania: alguns olhares ............................................................................................ 5

    3.1Cidadania: um conjunto de direitos civis, polticos e sociais ................. ........... 5

    3.2Cidadania e direitos humanos .......................................................................................6 3.3 Cidadania excludente .......................................................................................................7

    4. Cidadania, democracia e participao....................................................................8

    5. Cidadania no Brasil .......................................................................................................10

    5.1Inverso do modelo de T. H. Marshall .......................................................................10

    5.2Mais casa do que rua .................................................................................................11

    5.3Representatividade deciria ......................................................................................12

    6. Cidadania e justia ........................................................................................................13

    7. Desaos para o fortalecimento e proteo da cidadania .............................14

    Sntese do fascculo ............................................................................................................15

    Referncias .............................................................................................................................15

    Sobre o autor ........................................................................................................................16

    OBJETIVOS Apresentar diferentes olhares sobre o conceito de cidadania,

    problematizando-os. Discutir a relao entre a cidadania e democracia, entendida como

    participao nas instncias polticas do Estado.

    Destacar a realidade brasileira no que diz respeito cidadania, aos seuslimites e s suas potencialidades. Proporcionar uma reexo crtica sobre as relaes entre a Justia e o

    exerccio da cidadania.

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    1.INTRODUOO que a cidadania? Qual a sua rela-o com a Justia, com os direitos ecom a participao democrtica. Estefascculo aborda estudos sobre a Ci-dadania e suas relaes com diversas

    reas. Inicia-se este estudo a partir deuma viso panormica do conceito decidadania nos tempos atuais. Ao longodas prximas pginas, sero discutidasas origens da cidadania desde a Anti-guidade. Em seguida se analisaro trsperspectivas conceituais sobre o tema.Depois, sero vistas as relaes entre acidadania, participao e democracia.Aprofundar-se- o olhar sobre o estu-

    do da cidadania brasileira e, por fim, aJustia tambm ser examinada pelatica da cidadania.

    2.ORIGENSDA CIDADANIAAs primeiras noes de cidadania sur-gem nas plis gregas durante a Anti-guidade. Em Atenas, mais importante

    plis1

    da regio, consideravam-se ci-dados aqueles homens livres que vo-tavam e que assumiam cargos de auto-ridade dentro do sistema poltico, masque no trabalhavam nos setores tradi-cionais da economia, segundo MichaelScott (1500). Os cidados debatiam asquestes relevantes na gora2e toma-vam decises por maioria de votos. Osistema grego era garantido por meio

    do trabalho de escravos, da exclusodas mulheres e de estrangeiros.Contudo, a experincia se encerra no

    sculo IV a. C., quando um governo auto-ritrio assume o poder, deixando as ideiasde democracia e cidadania dormentesat os sculos XVIII e XIX d. C. Neste l-timo perodo, h uma releitura dos tex-tos gregos antigos, a qual propiciou arenovao e adaptao destas ideias

    realidade e aos conflitos sociais da po-ca, caracterizadas pelos resqucios de umsistema feudal, no qual, virtualmente, nose permitia a mobilidade social. Uma veznascido servo, morria-se servo. Nascidonobre morria-se nobre. No havia possi-bilidade de um servo torna-se nobre. Adesigualdade era inflexvel.

    Foi, principalmente, na Frana e naInglaterra, que os princpios da cidada-

    nia ecoaram com maior vitalidade. Ocapitalismo ainda insipiente avanava. Aburguesia comercial enriquecia e deman-dava mais poder e representatividade nosistema poltico. Paralelamente, a maiorparcela do povo estava submetida a umregime servil, elevada cobrana de tri-butos e pobreza. Eles tambm almeja-

    1 Plisforam comunidades polticas,de mbito urbano e rural, governadasdiretamente por seus cidados, e no

    por um rei ou lder supremo, e queexistiram at o sculo III a.C. na regio

    que hoje corresponde Grcia.

    2 gora:termo grego que signicaassembleia ou local de reunio,

    onde ocorriam os debates e tomadade decises das plis gregas.

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    CURSO CIDADANIA JUDICIRIA5

    vam alterar o sistema vigente. Neste con-

    texto, o movimento que ficou conhecidocom Iluminismo3promoveu os ideais deigualdade, fraternidade e solidariedade,e impulsionou a cidadania e a participa-o poltica independentemente de clas-se social. O movimento culminou com aRevoluo Francesa e com as reformascivis inglesas; veio a transformar profun-damente a estrutura do Estado moderno,o sistema de justia e a democracia.

    3 Iluminismo:movimentointelectual do sculo XVIII,caracterizado pela centralidadeda cincia e da racionalidadeno questionamento losco,recusando todas as formas de

    dogmatismo.

    3.CIDADANIA:

    ALGUNS OLHARESA cidadania pode ser compreendida apartir de vrias perspectivas. No h umadefinio legal ou muito menos um con-senso a seu respeito. A Declarao dosDireitos do Homem e do Cidado, de1789, principal instrumento jurdico fran-cs da poca, cita a palavra cidadonove vezes em seus enxutos 17 artigos,

    alm de cit-la no prprio ttulo. A partirda Revoluo Francesa, a noo de cida-dania se impregna na retrica dos polti-cos, dos juristas, socilogos e populaoem geral. Ser cidado passa a ser umaaspirao quase universal de indivduosnos mais diversos cantos do globo.

    Neste tpico, coloca-se reflexoda cidadania a partir das ideias de: (i)T. H. Marshall, que apresenta a cidada-

    nia como conjunto de direitos civis, po-lticos e sociais; (ii) Boaventura de SousaSantos, que problematiza a cidadaniaem contraposio aos direitos huma-nos; e (iii) Hanna Arendt, que discute acidadania a partir da excluso social.

    3.1. CIDADANIA: UMCONJUNTO DE DIREITOSCIVIS, POLTICOS E SOCIAISUm dos principais estudiosos a desen-volver uma teoria sobre a cidadania foiT. H. Marshall, em 1950, com a obra Ci-dadania e Classe Social e outros ensaios.Ele props que a cidadania se subdivideem trs espcies de direitos: direitos ci-vis, polticos e sociais. A diviso tem umfundamento lgico e cronolgico. umcidado completo aquele que goza ple-namente de todos esses direitos.

    Direitos civis so os direitos vida, liberdade, propriedade e igualdadeperante a lei, como no ser preso semo devido processo judicial. Esses direi-tos centram-se na ideia de liberdade in-dividual. Busca-se restringir o poder doEstado frente aos indivduos, preservan-do-lhes direitos fundamentais. Dizemrespeito ao direito de ser respeitado peloEstado, o qual deve se omitir de viol-los.O status de cidado incorporaria aindaoutros direitos a partir desses.

    Surgiu assim a demanda na socie-dade por direitos polticos, por podervotar e ser votado, pela permisso paracriar partidos polticos e por um gover-

    no escolhido pelo povo. A partir destasduas dimenses de direitos, apareceramoutras demandas mais complexas comoa redistribuio das riquezas nacionaise a reduo das desigualdades sociais.So, por exemplo, direitos trabalhistas,direito educao pblica, sade, aposentadoria e assistncia social. Osdireitos sociais evidenciaram a ideia dejustia sociale de enfretamento desi-

    gualdade material entre os indivduos.Esses direitos nasceram desse contextode direitos civis e polticos j vigentes.

    Em sua anlise, Marshall (1950, p. 66)toma como referncia a histria da Ingla-terra, onde residia. Nesse pas, era pos-svel atribuir o perodo de formao decada grupo de direitos a um sculo es-pecfico. Os direitos civis surgiram no s-

    culo XVIII, os polticos no sculo XIX e ossociais no XX. Prope-se que haveria nosomente uma sequncia cronolgica,mas tambm uma sequncia lgica.

    Entende o autor que os direitos liberdade, liberdade de expresso, manifestao proporcionaram a difusode ideias e a capacidade de organizaopoltica, as quais acabaram impulsionan-do a sociedade a exigir uma participaoefetiva no Estado. Assim, a partir destamaior participao, passaram a exigirdireitos sociais. No obstante, o autorreconhece uma exceo a esta lgica:a educao. Os ingleses antes mesmoda aquisio de direitos civis, possuamnveis significativos de instruo bsica.Assim, a educao pode considerar-secomo alicerce para as demais lutas pordireitos e para a cidadania.

    A sequncia lgica, todavia, no cor-responde realidade histrica de muitospases. Jos Murilo de Carvalho (2008, p. 9)afirma que possvel visualizar direitos ci-vis sem direitos polticos, mas a recprocano verdadeira. Por exemplo, na Chinah direito propriedade e igualdade pe-rante a lei, mas no h eleies para o Po-der Executivo ou liberdade para se criarpartidos polticos. De modo anlogo,afirma Carvalho que podem existir direi-tos sociais mesmo sem direitos polticosou direitos civis. Assim, a cidadania plenano poderia ser auferida simplesmente

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    pela existncia de direitos sociais, comoos direitos trabalhistas. Mesmo sendo altima etapa na sequncia proposta porMarshall, ela pode camuflar uma realida-de de muitas outras violaes de direitos,em que governos autoritrios reprimamopositores e tenham leis que privilegiemuma pequena elite.

    3.2. CIDADANIA EDIREITOS HUMANOSSem dvida a cidadania tem ntima rela-o com os direitos humanos. Os direi-tos discutidos por Marshall so direitoshumanos tambm conquistados histo-ricamente por meio de reivindicaesde movimentos sociais. Mas qual seriasua relao com a cidadania? Todos

    que possuem direitos humanos so ci-dados? Ser cidado ser titular dedireitos humanos? De maneira similarao que prope Marshall, Karel Vak4(1982) defende que os direitos humanostambm evoluram atravs de geraesdiferentes. Argumenta que os direitos ci-vis e polticos seriam direitos de primeiragerao e que, portanto, deveriam sergarantidos prioritariamente em detri-

    mento dos direitos sociais ou direitos deigualdade, de segunda gerao, e dosdireitos de solidariedade, de terceira ge-rao, que seriam aqueles direitos difu-sos como o direito a um meio ambientesadio, direito preservao do patrim-nio histrico, entre outros. O quadro 1esquematiza a proposta de Karel Vak.

    QUADRO 1 RELAO ENTRE CIDADANIA E

    DIREITOS HUMANOS, SEGUNDO KAREL VA K

    Cidadania Direitos Civis Direitos Polticos Direitos Sociais Direitos deSolidariedade

    DireitosHumanos 1 Gerao 2 Gerao 3 Gerao4 KarelVak um jurista tcheco-

    francs, fundador da teoria dasgeraes dos direitos humanos,

    corredator da Declarao dos DireitosHumanos da ONU(1948).

    Em adio uma suposta ordemcronolgica, alega-se tambm que osdireitos civis e polticos teriam umaaplicao imediataenquanto que os di-

    reitos sociaisteriam aplicao progres-siva, ou seja, haveria um lapso de tempoe uma obrigatoriedade diferentes paratais direitos. O fundamento para tal ale-gao estaria na distinta necessidade derecursos pblicos para a sua efetivao.Em teoria, os direitos civis e polticos nodemandariam gastos governamentais,uma vez que bastaria o Estado se absterde proibir ou simplesmente no intervir

    na vida das pessoas. J os direitos so-ciais exigiriam polticas pblicas custosaspara garantir sade, educao etc.

    Esse argumento falha ao ignorarque todo e qualquer direito pressupea alocao de recursos pblicos, isto ,todo direito tem um custo, como indi-cam Holmes e Sunstein (2000). Criar umfrum de justia, remunerar juzes, pro-motores e policiais demanda um custo

    para garantir o direito igualdade pe-rante a lei. Assegurar direitos polticostambm requer a criao de um rgoindependente para gerenciar as elei-es como a Justia Eleitoral , exi-ge mesrios e servidores pblicos parachecar que votos no sejam fraudadose para fazer a contagem dos votos.Todo direito envolve o engajamentodo Estado, formulao de polticas p-

    blicas e, naturalmente, o emprego derecursos pblicos. No se pode, por-tanto, condicionar prioridade a certosdireitos em prejuzo aos demais.

    Hoje se entende que todos os di-reitos humanos so universais, indivis-veis interdependentes e inter-relaciona-dos, conforme determina a Declarao

    e Programa de Ao de Viena das Na-es Unidas, de 1993. Desse modo, osdireitos humanos parecem se asseme-lhar cidadania. No h ordem crono-

    lgica, nem uma lgica prescrita. Todosos direitos so importantes e demandamefetivao imediata.

    Ademais, tomando um olhar dosfatos, a viso de um passo a passo evo-lutivo pr-definido no condiz com boaparte dos processos histricos no mun-do. Em muitos pases, h direitos traba-lhistas sem liberdade de expresso oudireito aposentadoria, sem direito ao

    voto. Por exemplo, o direito integri-dade fsica das mulheres, mesmo pre-visto em lei, no garantido da mesmamaneira em todos os pases. Enquantono Japo, apenas 15% das mulheres re-latam ter sofrido alguma violncia fsicaou sexual, no Peru, o nmero supera50% das mulheres (OMS, 2013). As de-sigualdades e as diferentes realidadesde opresso e excluso social desauto-

    rizam a padronizao dos processos ouexplicaes simplistas. Tentar constran-ger a realidade social a modelos fecha-dos tem se mostrado uma empreitadamuito difcil. Atualmente, h posiciona-mentos que tendem flexibilizao e adoo de critrios menos amarrados.

    As desigualdades, opresso e ex-cluso social se fundam em relaes depoder. Rico e pobre, branco e negro, ho-

    mem e mulher, centro e periferia. Estasdiferenas so essenciais para compre-ender o fenmeno da cidadania e dosdireitos humanos e seus limites. JrgenHabermas5(1997, p. 114) considera quese deve levar em conta as condiesprecrias de integrao e incluso socialem relao cidadania. No se trata,

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    portanto, apenas de ter boas leis ou de

    ter uma legislao que garanta direitoscivis, polticos e sociais, mas a existnciade mecanismos efetivos de incluso.

    Assim tambm entende Boaventurade Sousa Santos (2012), o qual introduzum conceito de cidadania baseado naideia de pertena. O sentimento de per-tena social ou de fazer parte do meiosocial central na noo de cidadania.So cidados aqueles que pertencem ao

    corpo social, que nele esto efetivamen-te includos e dentro do qual gozam demobilidade. Entretanto, ressalta que algica de pertencer ao meio social pode,ainda assim, se mostrar excludente. Afir-ma Santos (2012): Todos so humanos,mas s alguns so cidados.

    Como explicar a cidadania, que,em tese, um meio de garantir direitosatravs de uma tica de excluso?

    3.3. CIDADANIAEXCLUDENTEH cidados e h no cidados, h os quegozam de direitos e aqueles que no go-zam. Hannah Arendt6discute que a cida-dania pode ser compreendida no a par-tir de quem efetivamente cidado, masa partir de quem no . Muitas vezes, a

    melhor maneira de entender um concei-to atravs de uma lgica de oposio,do que no . Arendt, em sua obra-pri-ma As origens do Totalitarismo, analisacomo certos grupos sociais foram siste-maticamente excludos do rol de cida-dos na primeira metade do sculo pas-sado, principalmente pelo Nazismo7, naAlemanha, e pelo Stalinismo8, na Rssiae Europa Oriental.

    Os judeus, ciganos, opositores eoutros grupos tiveram seus direitos sub-trados pelo Estado, deixando de possuiro status de cidados. A perda da cida-dania privou essas pessoas no somen-te da proteo estatal, mas tambm detoda forma de identidade. At mesmo aconcesso de certides de nascimento

    era negada aos filhos daqueles que ha-

    viam perdido a nacionalidade. Assim queaqueles indivduos deixaram de comporo conjunto de cidados, eles se tornaramalgo distinto, algum que no demanda-va a mesma ateno, algum inferior.

    Arendt (1973, p. 287) relata que osno-cidados no possuam tratamento

    jurdico especfico, de maneira que to-das as questes envolvendo-os, crimesou no, ficavam a cargo da polcia. A au-

    toridade policial ganhou assim poderesinditos na Europa, podendo agir comobem entendesse, impondo irrestrita-mente sua vontade e autoridade sobreessas pessoas. A lei j no se aplicava.No se concebiam direitos. Era o poderdo Estado em toda sua magnitude, semlimite. Essa ausncia de limites seria aessncia mesma da noo de Totalita-rismo, isto , o poder total do Estado.

    A criao do Estado moderno surgejuntamente com a delimitao de quemseria seus cidados. Isso pode parecerbanal nos dias atuais, mas, anteriormen-te, os movimentos populacionais ocor-riam de maneira fluda e a incorporaode povos migrantes em outros territ-rios era comumente feita sem maiorespercalos. A entrada na nova sociedadeacontecia com facilidade e todos direitos

    eram igualmente adquiridos sem muitaburocracia. Bons exemplos disso podemser encontrados no comeo da imigraoeuropeia para as Amricas, ou mesmodentro da Europa, antes do sculo XIX.Sem um Estado definido e sem clarezade critrios para aquisio de cidadania,a incluso social era simplificada9.

    Contudo, o Estado, apesar de cria-do concomitantemente aos direitos hu-

    manos, logo vem a exclu-los de seu m-bito de incidncia. Os Estados passam adeterminar que s iro proteger direitosde seus cidados, ningum mais. Seriamprotegidos os cidados e no os sereshumanos de modo abrangente. Enten-de-se que todos os serem humanos se-riam cidados de alguma comunidade

    5Jrgen Habermas um lsofo e

    jurista alemo que elaborou teoriasinovadoras sobre comunicao,esfera pblica e democracia,e considerado um dos maisimportantes intelectuais vivos.

    Para Reetir

    1. Como voc avalia a situao brasi-

    leira quanto s diversas geraes dedireitos humanos?

    2.Voc acha que pode haver situa-es em que os direitos sociais entramem conflito com os valores culturais deuma determinada sociedade? Nessescasos, como resolver o impasse?

    6 Hannah Arendt foi uma lsofapoltica alem de origem judaica. Seupensamento inuenciou bastanteo estudo do poder, democracia e

    autoridade. Em 2013, Margarethe VonTrotta dirigiu o lme Hannah Arendt,que relata parte de sua vida e obra.

    7 Nazismo:doutrina e partido domovimento nacional-socialista alemofundado e liderado por Adolph Hitler(1889-1945); hitlerismo, nacional-socialismo.

    8 Stalinismo:conjunto dos mtodose prticas de governo do chefe deEstado sovitico Isif VissarinovitchDjugatchvli, dito Stalin (1879-1953).

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    poltica, de algum Estado, de maneira

    que se as leis do pas do qual se cida-do no correspondesse s expectativasde seus cidados, caberia a esses mudartais leis. Assim, o fardo de garantir direi-tos recairia exclusivamente no Estado doqual se cidado. Em pases democr-ticos, deve-se buscar a via das eleiese do processo legislativo para tais mu-danas. Em pases autocrticos, que sebusque a revoluo e derrubada do go-

    verno desptico (ARENDT, 1973, p. 293).Portanto, segundo Arendt (1973,

    p. 279) a noo de cidadania perpassanecessariamente pela excluso de sereshumanos de direitos, em benefcios dealguns cidados. Ela promove a ideiade que a cidadania seria ter direito ater direitos. Logo no seria a condiohumana ou a efetiva insero no meiosocial que atribuiria direitos s pessoas,

    seno algo distinto e artificial. Cidada-nia seria algo essencialmente excluden-te e fundado em regras jurdicas quegarantem statussociais diferenciados.

    Esta relao de cidadania por ex-cluso torna-se ainda mais problemticano contexto atual, em que o pensamen-to econmico hegemnico se orienta

    pelos preceitos do neoliberalismo10. O

    Estado-nao sofre um processo de en-fraquecimento de sua habilidade de im-plementar direitos, com corte nos gas-tos pblicos e perda de poder nacionalem favor de instncias econmicas in-ternacionais, o que impacta os direitospolticos e sociais, principalmente. Noobstante, Boaventura de Sousa Santos(2012) bem relembra que hoje a cidada-nia apesar de ser cada vez mais pre-

    cria para quem a tem, cada vez maispreciosa para quem no a tem.

    4.CIDADANIA,DEMOCRACIA EPARTICIPAOO vis da participao e da democraciaesto presentes na cidadania desde suagnese, na Grcia Antiga. Aristtelesdefinia o cidado como aquela pessoaque tem o direito de participar dos es-paos deliberativos ou judiciais (MILLER,

    2012). Isso revela uma afeio precoceda cidadania aos direitos polticos. Naplis, ser cidado e no participar signifi-cava, na prtica, no ser cidado. Assim,a participao aparenta ser componenteindispensvel da cidadania.

    Ainda que possa haver divergnciasobre quais direitos so necessrios paraque algum seja cidado, no se discor-da de que ser cidado se relaciona com

    ter direitos. Trata-se de um excelenteponto de partida. Mas no se trata so-mente de possuir direitos, mas tambmde participar na vida poltica. Esse era ocritrio de diferenciao entre cidadose no-cidados nas cidades-estado gre-gas. Os avanos dos tempos no exclu-ram este atributo da cidadania.

    9 Incluso social simplicada:

    no sculo XIX, o governo imperial, almde no dicultar, estimulava a vinda de

    imigrantes europeus ao Brasil, pagando-lhes a passagem e facilitando o emprego.

    Em 1889, por exemplo, realizou aGrande Naturalizao, em que todos

    os estrangeiros residentes no Brasil, casono declarassem diante a inteno de

    conservar a nacionalidade de origem, setornariam cidados brasileiros por fora

    decreto, e assim aconteceu.(RI, 2010, p. 1819)

    10 Neoliberalismo uma corrente depensamento econmico e politico

    que valoriza a liberdade comercial, acompetividade e o mrito individual.

    Prope a reduo do aparelho do Estado,o encolhimento de polticas sociais

    que facilitem a redistribuio de rendae, portanto, apoia a privatizao deservios pblicos e a mnima interveno

    do Estado na sociedade, exceto quantoa funes como a Justia, Polcia e as

    Foras Armadas.

    SAIBA MAISInteressante notar a diferena entre os dois principais instrumentos precursoresde direitos humanos. A Declarao dos Direitos do Homem e do Cidado(1789)prev, em seu art. 1, a possibilidade de diferenciao.

    Art.1. Os homens nascem e so livres e iguais em direitos.As distines sociaiss podem fundamentar-se na utilidade comum.

    J a Declarao Universal de Direitos Humanos(1948), elaborada aps as atro-cidades cometidas por regimes totalitrios europeus, como o nazismo alemo,salienta o princpio da no discriminao, o qual visa mediar a excluso social.

    Note o uso dos termos toda pessoa e sem distino qualquer.

    Art. 1 Todas as pessoasnascem livres e iguais em dignidade e direitos. So do-tadas de razo e conscincia e devem agir em relao umas s outras com espritode fraternidade.

    Art. 2 Toda pessoatem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabele-cidos nesta Declarao, sem distino de qualquer espcie, seja de raa, cor, sexo,lngua, religio, opinio poltica ou de outra natureza, origem nacional ou social,riqueza, nascimento, ou qualquer outra condio.

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    A participao, por sua vez, se ba-

    seia na ideia de legitimidade e sobera-nia popular. Ingeborg Maus11 (2009, p.5152) explica que h uma diferena im-portante entre o que chama de pactumsubjectionise pactum unionis. O primei-ro seria uma relao de poder autoritriae ditatorial entre o Estado e os indivdu-os, nas quais haveria sujeio ao podergovernante. J o pactum unionisenvol-veria uma relao de cooperao, parti-

    cipao e de unio entre os indivduos eo Estado, fundando-se sobre uma verda-deira socializao do poder. Em ambosos pactos h leis e Estado, a diferenaestaria na legitimidade desse poder go-vernante. A fonte da legitimidade certa-mente no estaria nas leis em si, mas seencontraria no princpio da soberania dopovo (HABERMAS, 1997, p. 122).

    Esta soberania popular forneceria

    alicerces, por sua vez, democracia.Sem o valor democrtico, a harmoniasocial poderia at ser alcanada e umsistema jurdico at formalmente estabe-lecido. Maus (2009, p. 17) explica que possvel instituir grande ordem epaz na opresso geral, contudo, issoaconteceria provavelmente revelia daestabilidade e da justia social.

    Mas, ento, qual seria a relao en-

    tre a democracia e a cidadania?O modelo democrtico seria o ins-

    trumento, talvez o mais adequado en-contrado at o momento, para viabilizarum poder estatal de maneira legtima,pois os cidados participavam do poder,seja por meio de representantes eleitos,seja diretamente atravs de plebiscitose de leis de iniciativa popular. Assim, por meio desta legitimidade que haveria

    melhores condies de se garantir direi-tos. Logo, esse seria o modelo que per-mitiria ser cidado em plenitude, gozan-do de direitos civis, polticos e sociais.

    Mas para que realmente haja le-gitimidade, importante que hajaparticipao. Com pouca participaoh tambm pouca legitimidade. Isso

    11 IngeborgMaus uma

    cientista poltica alem e umadas mais importantes tericascontemporneas da democracia e dasoberania popular.

    novamente pode ser problemtico

    para a estabilidade poltica e social.Exemplifica-se isso com as chamadasMedidas Provisrias brasileiras. Essasmedidas, espcies de normas editadaspelo presidente da repblica, tm for-a de lei automaticamente. Entretanto,isso ocorre sem prvia discusso noCongresso Nacional entre represen-tantes eleitos, tornando o poder deci-srio extremamente concentrado no

    presidente. H, portanto, pouqussimaparticipao, da as repetidas crticaspor parte de deputados, senadorese da populao em geral, ao seu usobanalizado e a consequente desesta-bilizao do cenrio poltico. Ultima-mente, porm, pressiona-se para que ademocracia no se resuma ao modelorepresentao eleitoral. A participaocidad por meios diretos12 tem sido

    pauta dos movimentos sociais e temmotivado protestos massivos em todoo mundo e, particularmente, no Brasil.

    Assim, segundo defende JosMurilo de Carvalho (2008, p. 227): Seh algo importante a fazer em termosde consolidao democrtica, refor-ar a organizao da sociedade paradar embasamento social ao poltico,isto , democratizar o poder.

    Participar no apenas exercermais a cidadania, , de fato, se tornarmais cidado.

    12 Meiosdiretos:A democracia diretaocorre por meio de plebiscitos,referendos, iniciativas populares delei, aprovao popular de grandes

    obras, oramentos participativos,alm de conselhos de bairro eaudincias pblicas deliberativas.

    Para Reetir

    1.Como voc avalia a definio de

    cidadania brasileira na Constuio de

    1988? Nesses 25 anos, houve avanos naconquista dos direitos civis e polcos?

    2.Em que medida as aes compensa-

    trias, como o Programa Bolsa Famlia,

    podem ser consideradas direitos sociais

    ou medidas de assistncia social, com

    finalidade polca?

    9

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    10FUNDAO DEMCRITO ROCHA | UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE

    FIGURA 1 EVOLUO DA

    CIDADANIA E AQUISIO DEDIREITOS

    No Brasil, os eventos no aconte-ceram nesta ordem cronolgica. Naprtica, houve uma inverso do mo-delo, partindo de direitos sociais, aospolticos e, por fim, aos civis. O resul-tado desta receita inusitada compea sociedade e o Estado brasileiros dehoje, os quais no so livres de dificul-dades e entraves estruturais.

    FIGURA 1I EVOLUO DACIDADANIA E AQUISIO DEDIREITOS, NO BRASIL

    Os colonizadores portugueses dei-xaram como seu legado no Brasil umapopulao analfabeta, uma sociedadeescravocrata, uma economia monoculto-ra e latifundiria, um Estado absolutista(de CARVALHO, 2008, p. 18). Nestaafirmao, podem-se identificar vriascondicionantes problemticas para odesenvolvimento da cidadania, segun-

    do a teoria de Marshall. O pressupostobsico elencado pelo autor ingls parase comear a luta por direitos a educa-o bsica no estava presente. A es-cravido renegava milhes de brasileirosao statusde objetos comercializveis. Aeconomia e a populao rural dificulta-vam a organizao de movimentos so-

    5.CIDADANIANO BRASILA cidadania no Brasil se apresenta deforma muito peculiar, desde a chegadados portugueses. O pas no seguiu o

    mesmo processo histrico que paseseuropeus e muitas noes importadasno se enquadraram bem realidadebrasileira. Ser cidado no Brasil no o mesmo que ser cidado na Inglaterraou na Alemanha. Aqui, sem dvida, nose goza de todos os direitos exigidospara uma cidadania em plenitude, mas,ao mesmo tempo, seria leviano dizerque no h cidadania.

    O Brasil precisa ser analisado atra-vs de uma lente que lhe seja prpria,para poder entender que tipo cidadosh aqui, quais limitaes desta cidada-nia e o que poderia ser feito para trans-formar esta situao. Pode-se caracteri-zar o sistema brasileiro de cidadania emtrs vertentes: (i) a inverso do mode-lo de T. H. Marshall; (ii) a influncia dacasa e da rua, segundo Roberto

    DaMatta; (iii) o dficit da representativi-dade tradicional.

    5.1. INVERSO DOMODELO DET.H. MARSHALLMarshall prope que a sequncia maislgica para se realizar a cidadania seria,primeiro o asseguramento de direitos ci-

    vis, em seguida dos direitos polticos, epor fim, dos direitos sociais.

    ciais em ncleos urbanos, enfraquecen-

    do a fora de reivindicaes populares.O Estado totalitrio se impunha a todos:sem legitimidade, sem participao esem apreo pelos anseios do povo.

    A proclamao da Repblica, em1889, e a convocao de eleies paraos cargos governamentais, no alteroumuito essa realidade. As elites tradicio-nais se revezavam no poder por meio dapoltica do caf com leite, em que as

    aristocracias de Minas Gerais e So Paulose alternavam no Poder Executivo nacio-nal. Apesar da Abolio da escravaturaem 1888 ter possibilitado a incorporaoformal da populao negra aos frgeisdireitos civis existentes, a guinada efe-tiva de tais direitos somente vai se dardcadas depois. Os primeiros anos daRepblica brasileira viram eleies frau-dulentas e violentas e o agravamento da

    excluso social, deixando a garantia dedireitos deriva da poltica brasileira.

    Diante desse contexto, Jos Murilode Carvalho (2008, p. 219220) explicaque apenas a partir da dcada de 1930 que se pode falar em direitos assegu-rados pelo Estado brasileiro. Carvalhoaponta que primeiro vieram os direitossociais, os quais foram efetivados em pe-rodo de supresso dos direitos polticos

    e de direitos civis limitados no governode Getlio Vargas13. Esse gacho assu-miu a Presidncia atravs de um golpede Estado, em 1930, e governou sobera-namente at 1945.

    Os 15 anos de governo varguista fo-ram caracterizados pela consagrao demuitos direitos sociais como regulamen-tao do trabalho, o salrio mnimo, a

    jornada de trabalho de oito horas, frias

    anuais remuneradas, amparo aos pobres,amparo maternidade e infncia, assimcomo o direito educao primria inte-gral e gratuita (SOUZA, 2005, p. 2).

    Esses direitos foram asseguradosem um contexto ditatorial, de repressoa qualquer oposio ao governo. Noobstante o perodo recheado de con-

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    CURSO CIDADANIA JUDICIRIA11

    tradies. O governo autocrtico avana

    tambm no campo dos direitos polticos;em 1932 cria o primeiro Cdigo Eleitoraldo pas, disciplinando as eleies e es-tabelecendo o voto secreto, obrigatrio,o voto feminino e a Justia Eleitoral. En-tretanto, a realizao de eleies se fazde modo inconstante, visto que o per-odo se distingue por rupturas na ordemconstitucional e pela dissoluo do Po-der Legislativo. Aps a ditadura varguis-

    ta, teve-se um breve perodo democr-tico, entre 1945 e 1964, seguido de umanova ditadura, desta vez sob o comandodos militares, at o final dos anos 1980.

    Os direitos civis foram igualmente in-termitentes. Entre tantos golpes de Esta-dos, ditaduras e tantas constituies (seteao total at agora), praticar a liberdade deexpresso ou obter o tratamento igualit-rio perante o Poder Judicirio, eram direi-

    tos difcil e raramente respeitados. Comefeito, considera-se que os direitos civiss foram verdadeiramente garantidos apartir de 1988, com a chamada Consti-tuio Cidad. Jos Murilo de Carvalho(2008, p. 220) coloca a questo com clare-za: a pirmide dos direitos [de Marshall]foi colocada de cabea para baixo.

    5.2. MAIS CASADO QUE RUAO foco brasileiro foi e tem sido primor-dialmente colocado sobre os direitos so-ciais em detrimento dos direitos civis epolticos. Isso no acontece sem razo.A oferta de benefcios sociais e serviospblicos populao surge, muitas ve-zes, a partir de iniciativa da elite polticagovernante. Esta prtica se desenvolve

    no Brasil desde seus primrdios, nocomo uma garantia de isonomia de di-reitos a todos os cidados, mas comouma benesse estatal, um favor.

    Roberto DaMatta14(1986, p. 2134,95) diferencia dois aspectos centrais darealidade brasileira: a rua, que envol-veria tudo aquilo vinculado ao espao

    pblico, s leis, s relaes impessoais

    com os outros, com a massa, sendo re-ferido com um espao de luta diria; ea casa, a qual se relaciona ao espaoprivado, famlia, s relaes personali-zadas e ao favoritismo. Portanto, o Brasiltem um sistema social dividido entre osujeito, ao qual se aplicam as leis, atra-vs do que se garante a igualdade entretodos, e o sujeito das relaes pessoais,o qual nunca teria a aplicao das leis a

    si mesmo, porque sempre mereceriauma exceo regra posta.

    O conflito entre a rua e a casaproporciona uma inveno genuina-mente nacional: o jeitinho brasilei-ro. Esta figura indica uma tendncia aprivilegiar a casa em detrimento darua. As normas devem se aplicamaos outros, mas nunca a si mesmo.As relaes com o Estado, com repar-

    ties pblicas, com o fisco ou comuma fila de banco se baseiam semprena ideia do favorecimento, do desres-peito regra em benefcio prprio edo ser mais esperto. Entre o podee no pode h sempre um jeiti-nho que visa conciliar os interesses,ainda que em contradio normaestabelecida. Assim, Maria Luiza Mes-triner (2011, p. 15) indica que o favor

    se tornou uma forma consolidada derelao social no Brasil, dando-se deforma verticalizada entre o senhor eo apadrinhado, entre a autoridade e ocompadre, entre familiares e amigos.

    Como a cultura brasileira profun-damente enraizada nessa concepo, ogozo de direitos acaba passando pelorecurso s relaes pessoais para podergaranti-los. Viver conforme as regras e

    leis existentes dificulta o acesso a di-reitos, porque no se tem privilgios,de maneira que assim se acaba sendomenos cidado. Trata-se de uma gran-de contradio vivenciada pelo povobrasileiro. Cumprimento da igualdadeperante a lei acaba impedindo uma ci-dadania plena, e no o inverso.

    13 GetlioDornelles Vargas(1882 - 1954)

    foi um poltico brasileiro que liderou aala civil da Revoluo de 1930, que psm Revoluo Velha, depondo seu13 e ltimo presidente WashingtonLuis e impedindo a posse do presidenteeleito, em 1 de maro de 1930, JlioPrestes. Foi presidente do pas emdois perodos. O primeiro de 15 anosininterruptos, de 1930 at 1945, e quedividiu-se em 3 fases: de 1930 a 1934,como chefe do Governo Provisrio;de 1934 at 1937, como presidente darepblica do Governo Constitucional,tendo sido eleito presidente da repblicapela Assembleia Nacional Constituintede 1934; e de 1937 a 1945, comopresidente-ditador, enquanto durou oEstado Novo implantado aps umgolpe de Estado.

    14 RobertoDaMatta umantroplogo brasileiro queestuda a diversidade dos dilemase contradies da sociedadebrasileira. referncia nacional nocampo das Cincias Sociais.

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    12FUNDAO DEMCRITO ROCHA | UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE

    No Brasil, portanto, apesar de leis

    avanadas e de um aparato estatal ro-busto, os direitos no se efetivam comodeveriam. Vende-se uma imagem delegal que no se concretiza: trata-se,de acordo com Mestriner (2011, p. 33) deuma pseudocidadania. Deste modo,h profundas diferenas no gozo dedireitos por parte de ricos e pobres,brancos e negros, homens e mulheres.Pesquisa recente da Fundao Getlio

    Vargas (1999a) , evidenciou essas dife-renas conforme compreendidas pelaprpria populao brasileira.

    Se uma pessoa negra e uma brancapraticarem o mesmo crime, a justia (%)

    Trata a negra com maior rigor 66,4

    Trata a branca com maior rigor 1,1

    Trata as duas igualmente 28,8

    NS/NR 3,7

    Total 100(N=1.578)Fonte: CPDOC-FGV/Iser, Lei, Justia e cidadania

    Se uma pessoa rica e uma pobrepraticarem o mesmo crime, a justia (%)

    Trata a pobre com maior rigor 95,7

    Trata a rica com maior rigor 1,2

    Trata as duas igualmente 2,5

    NS/NR 0,6Total 100(N=1.578)

    Fonte: CPDOC-FGV/Iser, Lei, Justia e cidadania

    Para alm do gozo de direitos, h

    ainda outras consequncias negativasdesta prtica, sobretudo no campo po-ltico e da participao. Dulce ChavesPandolfi (1999b, p. 58) ressalta: Aqui,como o espao pblico o mais dis-tante, a tendncia para resoluo dosproblemas pessoalizar as relaes,desprezando, assim, os canais tradicio-nais de participao poltica e social.A falta de conexo ou at de confiana

    na coisa pblica, no governo e nas ins-tituies acaba afastando os cidados,o que deixa tais espaos livres para aocupao daqueles que buscam a satis-fao de interesses pessoais e a repro-duo da lgica de favoritismo, apadri-nhamento, pessoalidade e excluso.

    5.3. REPRESENTATIVIDADE

    DEFICITRIAOs cidados percebem as instituiespblicas, o governo e os parlamentarescom acentuada descrena. As pessoasnormalmente no se veem ou no sesentem representadas por suas autorida-des eleitas. Uma consequncia desta re-presentatividade deficitria a excessivavalorizao do Poder Executivo. Os bra-sileiros enxergam o presidente, o gover-

    nador, o prefeito como espcies de sal-vadores da ptria, de figuras centrais napoltica, que seriam os nicos capazes asolucionarem os seus problemas.

    Assim, o Poder Legislativo tem pres-

    tgio renegado pelos cidados. Histori-camente, h um recorrente menosprezoao Congresso Nacional, tendo o mesmosido fechado e seus parlamentares cassa-dos numerosas vezes. De modo que sed pouca importncia ao seu papel polti-co. No Brasil, nunca se exigiu, em protes-tos, eleies parlamentares, assim comonunca houve um levante popular contra ofechamento do Congresso (CARVALHO,

    2008, p. 222). O Legislativo, instncia maisparticipativa por possuir mais represen-tantes eleitos aparenta ser menos rele-vante ou situar-se em um segundo plano.

    O processo eleitoral no Brasil ain-da evidencia, de forma recorrente, aprtica de fraude, compra de votos ede contabilidade paralela para gastoscom campanhas. Em pesquisa de 2010,o Ibope revelou que 41% dos brasilei-

    ros conhecem algum que j votou emtroca de algum benefcio, e destes,54% afirmaram que no denunciariamtentativa de compra de votos (AGN-CIA BRASIL, 2010). Portanto, alm deuma participao vinculada a favores,percebe-se que h descrdito em re-lao aos rgos que poderiam coibirtais condutas ilegais.

    O espao pblico parece no atrair

    muito interesse dos cidados. Jogarlixo nas ruas, depredar bens pblicos esujar as praias, pode parecer aceitvele, de certo modo, aparenta ser enca-rado como no sendo um problemados cidados. Enquanto na esfera pri-vada e familiar h solidariedade, ajudae cooperao, na esfera pblica issoraramente ocorre. Os brasileiros se en-gajam pouqussimo em causas coleti-

    vas que se sobressaiam aos interessesestritamente pessoais. Tem-se no pastaxas de associativismo muito baixas.Poucos parecem se interessar em com-por associaes comunitrias, sindi-catos, ONGs, entidades beneficentes,partidos polticos e grupos artsticos,esportivos e culturais.

    SAIBA MAIS

    O tema do jeitinho brasileiro e do conluio de favores entre autoridades e cida-dos to antigo quanto o prprio pas. J em 1500, Pero Vaz de Caminha, nofinal de sua carta ao rei d. Manuel I de Portugal, relatando a primeira viagem sterras brasileiras, pleiteia um favor para seu genro.

    [...] Vossa Alteza h de ser de mim muito bem servida, a Ela peo que, por me fa-zer singular merc, mande vir da ilha de So Tom a Jorge de Osrio, meu genro o que dEla receberei em muita merc.

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    CURSO CIDADANIA JUDICIRIA13

    Grau de confiana em lideranas (%)

    LideranasMdia das notasCPDOC-

    -FGV/Iser VP/Veja

    Lderes de sua religio 8,1 6,4

    Parentes 7,9 6,8

    Amigos 6,6 5,7

    Vizinhos 6,0 4,7

    Patro/Empregado 5,4 4,4

    Presidente do Brasil 5,1 4,7

    Lderes sindicais e deassociaes 4,2 4,0

    Prefeito de sua cidade 4,1 3,9

    Deputado em quemvotou 4,0 3,1

    Fonte: VP/Veja e CPDOC-FGV/Iser. Lei, justia e cidadania.Nota: As duas pesquisas pediram que as lideranas fos-sem avaliadas de 1 a 10 segundo o grau de confiana quedespertam. A tabela fornece as mdias das notas.

    Filiao a associaes (%)

    Partido poltico 2,1Sindicato 13,6

    Associao de moradores 5,5

    Associao de pases e estudantes 1,7

    Entidade de defesa do meioambiente 0,6

    Associao filantrpica 5,8

    (N=1.578)Fonte: CPDOC-FGV/Iser, pesquisa Lei, justia e cidadania.

    Algumas mudanas na legislaovm tentando modificar este cenrio.A Constituio de 1988 trouxe aberturapara uma maior participao dos cida-dos nos processos de deciso de pol-ticas pblicas. Assim, em 1990, aprova--se a Lei n 8.142 que dispe sobre aparticipao da comunidade na gestodo Sistema nico de Sade (SUS). Em

    2001, a Lei n 10.257, Estatuto das Ci-dades, passa a exigir a participao dapopulao e de associaes represen-tativas no planejamento e desenvolvi-mento urbano das cidades brasileiras.Como a Lei n 8.069 de 1990, cria-se aexigncia de eleio entre membrosda comunidade para os Conselhos Tu-telares em nvel municipal.

    Igualmente, aps 1988, surgem v-

    rios Conselhos de Defesa de Direitosem nvel federal, estadual e municipal,como rgos colegiados, permanen-tes, consultivos ou deliberativos, coma competncia de formular, supervisio-nar e avaliar polticas pblicas. Hoje,esses rgos envolvem as mais diver-sas reas como direitos de mulheres,direitos humanos, desenvolvimento ur-bano, sade, assistncia social, criana

    e adolescente, pessoas com deficin-cia, juventude, entre outros. No entan-to, estes espaos, apesar de importan-tes e de abrirem o Estado sociedade,ainda sofrem bastante com a ineficciados rgos executivos de tornar efe-tivas suas regulaes (MESTRINER,2011, p. 33).

    Por fim, Pandolfi (1999b, p. 57) res-salta que este desapego ou desinteres-

    se dos cidados com a participao emespaos democrticos acaba tornandoo relacionamento entre a populao eo sistema poltico limitada. O povo bra-sileiro se vincula mais percepo dosprodutos de decises poltico-adminis-trativas, do que percepo do proces-so decisrio da poltica em si.

    Um exemplo desse pensamentopode ser notado na expresso rouba,

    mas faz, surgida no Brasil nas eleiesmunicipais de So Paulo em 1957 e uti-lizada comumente at hoje (COTTA,2008). A expresso possui uma cono-tao positiva, indicando que, aindaque o poltico roube e seja corrupto, omesmo perdoado desde que reali-ze algo em proveito da populao. Emoutras palavras, pouco importam o pro-cesso poltico, a participao, a honesti-

    dade ou a tica. Importam os resultadosfinais, os produtos e o que eu ganhocom isso. Assim, brasileiros parecemmais com clientes de uma empresa pri-vada, do que efetivamente cidados.

    6.CIDADANIAE JUSTIAA Justia e a cidadania esto intimamen-te ligadas. Primeiro, porque um dos prin-cipais elementos do Estado Democr-tico de Direito15perpassa o Judicirio:direito igualdade perante a lei. No so-frer discriminao, de qualquer naturezaperante a lei, um fator fundante do Es-tado moderno e princpio bsico da no-

    o de justia social. O princpio da nodiscriminao est previsto em todas asconvenes e pactos internacionais dedireitos humanos e, no Brasil, consta ex-pressamente no art. 5 da Constituio.

    No entanto, a igualdade perante alei no basta, trata-se somente de umaigualdade formal, na lei. A igualdadeformalno pode desconsiderar as di-ferenas reais entre os indivduos. Para

    se garantir uma igualdade material,devem-se tratar os iguais igualmente eos desiguais na medida de sua diferen-a. O Poder Judicirio tem um papelfundamental em reconhecer e assegu-rar que tal igualdade ocorra nos casosconcretos. Sendo a instncia para so-luo de conflitos e exigncia de direi-

    Para ReetirVoc consegue descrever pelo menosuma situao em que pessoas do seucrculo de relacionamento se utilizoudo famoso jeitinho brasileiro pararesolver um problema envolvendo r-gos pblicos? E j presenciou algumasituao em que a pessoa se dirige aum funcionrio publico com o famosovoc sabe com quem esta falando?Como se sentiu diante dos dois casos?

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    14FUNDAO DEMCRITO ROCHA | UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE

    tos, cabe aos juzes garantir direitos e,portanto, assegurar a cidadania.

    Outros atores institucionais tambmso importantes para uma salvaguarda

    mnima da cidadania, como o MinistrioPblico e a Defensoria Pblica. Estes r-gos detm autonomia funcional e ad-ministrativa e so essenciais ao funciona-mento da Justia. O Ministrio Pblicozela pelo cumprimento das leis e pelosinteresses coletivos e difusos da popu-lao. A Defensoria Pblica, por outrolado, atua na orientao jurdica e na de-fesa dos cidados necessitados. Juntos

    eles garantem que haja o devido proces-so legal e o efetivo acesso justia.Embora os cargos estejam previstos

    na Constituio, a realidade no corres-ponde lei, sobretudo no que tange Defensoria. O IPEA (2013) em recenteestudo evidenciou que faltam defensorespblicos em 72% das comarcas brasilei-ras e apenas 59,5% dos cargos j criadospara defensores esto providos. Ademais,

    quatro estados brasileiros Paran, SantaCatarina, Gois e Amap ainda no tmo rgo efetivamente implantado. Destafeita, milhes de brasileiros, em especialos mais pobres, ainda tm negado o di-reito de acesso justia.

    modelo de Ouvidoria Externa surge no

    estado de So Paulo e, hoje, o rgo jexiste em oito outros estados brasileiros.A Justia brasileira vivenciou na l-

    tima dcada um acelerado processo demudana em que suas decises e proce-dimentos internos apresentam crescen-te visibilidade e sujeitam-se a uma maiorcrtica pblica. A ideia de um Judiciriode linguagem complicada, procedimen-tos enigmticos e autoridades distantes

    da populao vm sofrendo uma grandepresso por transformao. E essas alte-raes no dizem respeito apenas aoJudicirio. Todos os integrantes destegrande sistema que compem a Justiabrasileira caminham lentamente no seuprocesso de reformulao.

    A Democratizao da Justia serevela essencial para assegurar a cida-dania tambm quanto ao Sistema de

    Justia. Experincias como as da Ou-vidoria Externa da Defensoria Pblicapodem servir modelo para mecanismosimilares no Ministrio Pblico e no Ju-dicirio, e assim aumentar o controlesocial sobre estas instituies.

    7.DESAFIOS PARAO FORTALECIMENTOE PROTEO DACIDADANIAA cidadania um processo social e

    como tal no se adqua a modelos res-tritos e sempre ir de encontro ao ideal, utopia. O que importante compre-ender so seus elementos fundamen-tais: a noo de garantia de direitos ede participao democrtica. Da mes-

    A via judicial tambm pode ser utili-

    zada como meio para se exercer a cida-dania. Garante-se aos cidados brasilei-ros o direito de ajuizar a chamada AoPopular contra leses ao patrimniopblico, moralidade administrativa, aomeio ambiente e ao patrimnio hist-rico e cultural. Igualmente, se asseguraa gratuidade para quaisquer pedidosadministrativos e judiciais necessriosao exerccio da cidadania. Pode-se citar

    tambm o direito ao habeas corpus, quepode ser exercido por qualquer cidadoem caso de restrio ilegal ou abusiva desua liberdade de ir e vir. O habeas corpuspode ser impetrado no Poder Judiciriopor qualquer cidado, no sendo neces-srio o uso de advogado.

    Ademais, a discusso sobre Judi-cirio e cidadania no pode deixar deabordar a participao dos cidados

    dentro das diversas instituies do Sis-tema de Justia. Trata-se da chamadaDemocratizao do Poder Judicirio, aqual pode ocorrer por intermdio deinstituies como o Conselho Nacionalde Justia com participao da socie-dade civil, das diversas ouvidorias quefuncionam nos tribunais em todo o ter-ritrio nacional, de consultas e audin-cias pblicas, ou mesmo atravs da in-

    corporao de mecanismos de controleexterno. Exemplo de tais mecanismos a Ouvidoria Externa das DefensoriasPblicas Estaduais, as quais participamda gesto e da fiscalizao dos defen-sores e servidores.

    A Ouvidoria Externa encarregadade receber denncias, reclamaes ousugestes sobre a Defensoria e tomarmedidas a partir delas. A diferena est

    na composio do cargo de Ouvidor-ge-ral, que no feita entre os defensorese sim entre os cidados por meio de umprocesso eletivo com participao diretade entidades da sociedade civil e movi-mentos sociais (DPESP, 2014). O primeiro

    15 Estado Democrtico de Direitobusca

    superar o conceito de simples Estadode Direito, fundado em leis abstratas e

    sem legitimidade popular. Assenta-seo conceito: no princpio da dignidade

    da pessoa humana, nos direitosfundamentais, e na democracia.

    Para Reetir

    Seria a democratizao daJustia uma forma de exercerdireitos polticos?

  • 7/22/2019 Fasciculo 1 - Cidadania Justia e Participao

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    CURSO CIDADANIA JUDICIRIA15

    ma maneira, no h um caminho traa-

    do para se atingir a cidadania plena. Oque existem so ideias, experincias epropostas. a isso que se destina estaunidade, propiciar ao leitor a constru-o de novas ideias a partir de um olharcrtico do que foi discutido.

    Quanto ao contexto do Brasil, oque ainda falta ser implementado?O que precisa melhorar? A Constitui-o Cidad de 1988 , sem dvida,

    a norma mais progressista que o pasj teve, no que diz respeito garantiade direitos tanto civis, polticos, quan-to sociais. Mas nem s de leis vive ohomem. Faz-se necessrio promovera participao nos nveis mais bsicosda sociedade, na escola, no ambientetrabalho, no bairro e nas comunidades.

    A participao em espaos do Exe-cutivo caminha bem com Conselhos de

    Defesa de Direitos e outros mecanismode participao direta. Os Parlamentostambm se abrem ao povo por meiode audincias pblicas e iniciativas po-pulares de lei. O poder que se encontradiante dos maiores desafios na aberturapara a participao social talvez seja oJudicirio, mas as tendncias apontamnesta direo.

    Atualmente, com o avano tecno-

    lgico, as redes sociais e a ampliaodo acesso informao, o potencialpara participao aumenta e muitasmudanas podem surgir a partir destecenrio. No h um estgio prelimi-nar ideal para se comear a participare ou a ser democrtico. Cidadania seaprende fazendo.

    SNTESE DOFASCCULOA noo de cidadania nasce na GrciaAntiga e ressurge nos sculos XVIII e XIX,impondo-se como marco no processode formao do Estado moderno. Hvrias maneiras de se compreender a ci-dadania. Pode-se perceb-la como umasequncia de direitos civis, polticos e

    social. possvel entend-la como umavertente dos direitos humanos, ou aindacomo uma noo excludente e centradano Estado. Entretanto, alm de uma vi-so de cidadania como garantia de direi-tos, o conceito tambm est caracteriza-do pela participao e pela democracia.

    No Brasil, o tema possui acentuadarelevncia devido peculiar histria bra-sileira, influncia da lgica de favoreci-

    mento e jeitinho, bem como ao dficitde legitimidade no seu sistema represen-tativo. A cidadania brasileira tem, portan-to, caractersticas prprias. Ademais, acidadania tem ntima relao com a Jus-tia, a qual tanto garante direitos comotambm deve proporcionar espao paraparticipao cidad. O exerccio pleno dacidadania algo ainda em construo,mas se encontra alicerado nos princpios

    de garantia de direitos e de participao.

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    SOBRE O AUTORRafael Barreto SouzaAdvogado e Profes-sor, graduado pela Universidade Federaldo Cear. Mestre em Direito Constitucio-nal pela Universidade Federal do Cear.Mestre em Estudos do Desenvolvimentopelo Institut de Hautes tudes Interna-tionales et du Dveloppement (IHEID),

    na Sua. Assessor jurdico do Centrode Defesa da Criana e do Adolescente(CEDECA/Cear) e professor do curso deDireito do Centro Universitrio Christus(UniChristus) em Fortaleza, Cear.