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FATORES DE GOVERNANÇA DO APL DA CASTANHA-DA- AMAZÔNIA NA ASSOCIAÇÃO EXTRATIVISTA DE PORONGABA NO ESTADO DO ACRE Área temática: Gestão Ambiental & Sustentabilidade Gelciomar Simão Justen [email protected] Mariluce Paes de Souza [email protected] Theophilo Alves de Souza Filho [email protected] Resumo: O desenvolvimento de arranjos produtivos locais (APLs) compreende diversos atores e agentes envolvidos em determinadas atividades econômicas, com vistas ao desenvolvimento de um território em particular. No do APL da Castanha-da-Amazônia no Estado do Acre, encontra-se a Associação Porongaba, onde seus membros interagem e se relacionam, a partir de uma coordenação particular, com fatores específicos da sua realidade. O objetivo desta pesquisa é identificar os fatores de governança do APL da Castanha-da-Amazônia no Estado do Acre que favorecem a coordenação diferenciada da Associação Porongaba, a partir do reconhecimento de seus membros e parceiros de forma a descrever os seus relacionamentos. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, de caráter descritivo e explicativo, com estudo de campo embasado em matriz teórica de sustentação. A coleta de dados ocorreu através de entrevistas com os extrativistas vinculados à associação. Os resultados demonstram que a Associação Porongaba se relaciona com diversos atores, considerando os associados, gestores e técnicos da COOPERACRE e agentes como as instituições públicas federais, estaduais, municipais e outras organizações, como o ICMBio, SENAR, SEBRAE, AMOPREBE, Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Brasiléia, Reserva Extrativista Chico Mendes, UFAC e UNIR. Conclui-se que os relacionamentos são regidos por fatores de governança que fortalecem a coordenação, no sentido da responsabilidade mútua, cooperação e confiança, sendo pautados tanto em aspectos formais, representados por contratos, leis e normas, quanto em aspectos informais, convencionados a partir da cultura e valores. Palavras-chaves: Gestão ISSN 1984-9354

FATORES DE GOVERNANÇA DO APL DA CASTANHA-DA- … · 2008). Tais preceitos favorecem o entendimento e o olhar para o contexto Amazônico com o intuito de ... Ao se analisar o contexto

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FATORES DE GOVERNANÇA DO APL DA CASTANHA-DA-

AMAZÔNIA NA ASSOCIAÇÃO EXTRATIVISTA DE PORONGABA NO ESTADO DO ACRE

Área temática: Gestão Ambiental & Sustentabilidade

Gelciomar Simão Justen

[email protected]

Mariluce Paes de Souza

[email protected]

Theophilo Alves de Souza Filho

[email protected]

Resumo: O desenvolvimento de arranjos produtivos locais (APLs) compreende diversos atores e agentes envolvidos

em determinadas atividades econômicas, com vistas ao desenvolvimento de um território em particular. No do APL da

Castanha-da-Amazônia no Estado do Acre, encontra-se a Associação Porongaba, onde seus membros interagem e se

relacionam, a partir de uma coordenação particular, com fatores específicos da sua realidade. O objetivo desta

pesquisa é identificar os fatores de governança do APL da Castanha-da-Amazônia no Estado do Acre que favorecem a

coordenação diferenciada da Associação Porongaba, a partir do reconhecimento de seus membros e parceiros de

forma a descrever os seus relacionamentos. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, de caráter descritivo e explicativo,

com estudo de campo embasado em matriz teórica de sustentação. A coleta de dados ocorreu através de entrevistas

com os extrativistas vinculados à associação. Os resultados demonstram que a Associação Porongaba se relaciona

com diversos atores, considerando os associados, gestores e técnicos da COOPERACRE e agentes como as instituições

públicas federais, estaduais, municipais e outras organizações, como o ICMBio, SENAR, SEBRAE, AMOPREBE,

Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Brasiléia, Reserva Extrativista Chico Mendes, UFAC e UNIR. Conclui-se que

os relacionamentos são regidos por fatores de governança que fortalecem a coordenação, no sentido da

responsabilidade mútua, cooperação e confiança, sendo pautados tanto em aspectos formais, representados por

contratos, leis e normas, quanto em aspectos informais, convencionados a partir da cultura e valores.

Palavras-chaves: Gestão

ISSN 1984-9354

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1. INTRODUÇÃO

A região Norte do Brasil possui um diferenciado potencial produtivo, sendo detentora de riquezas e

recursos naturais já escassos em muitas regiões do país e do mundo.

Mesmo concentrando polos industriais consolidados, como a Zona Franca de Manaus/AM e a indústria

de cimento em Porto Velho/RO, devido às suas especificidades geográficas e as carências de políticas

públicas, algumas localidades apresentam baixos índices de desenvolvimento, o que requer ações

capazes de promover o desenvolvimento a nível local, visando transformar as bases econômicas, a

partir da mobilização da sociedade, com esforços para promover outra dinâmica para melhoria na

qualidade de vida das pessoas que habitam as longínquas comunidades Amazônicas (BUARQUE,

1999). Para este contexto, uma forma de organização capaz de promover o desenvolvimento é o

Arranjo Produtivo Local (APL), o qual tem a característica de congregar diversos agentes econômicos,

políticos e sociais que, por sua interação e articulação geram sinergias criam um ambiente dinâmico

acerca de atividades com objetivos comuns (LASTRES & CASSIOLATO, 2003; VILPOUX &

OLIVEIRA, 2010).

Todos os fatores mencionados estão diretamente ligados à articulação do arranjo, podendo evidenciar

sua governança, ou seja, a maneira pela qual as decisões são tomadas e implementadas, considerando

os objetivos comuns a todos os agentes, bem como a estrutura de governança presente. A estrutura de

governança diz respeito as relações que são desenvolvidas pelos agentes envolvidos com o arranjo,

tendo como base a liderança, coordenação e comando sobre as atividades (SOUZA & PORCILE,

2008). Tais preceitos favorecem o entendimento e o olhar para o contexto Amazônico com o intuito de

vislumbrar possíveis arranjos produtivos formados ou em formação, considerando que a Amazônia

tem como marca sua biodiversidade e a diversidade sociocultural, mas também um significativo

potencial produtivo de recursos florestais não madeiráveis.

A extração da Castanha constitui uma das principais fontes de trabalho e geração de renda de muitas

comunidades da Amazônia, as quais se organizam para extrair o fruto. Existem também várias

organizações que trabalham com o processamento e transformação da Castanha agregando valor com

produção de uma variedade de produtos, para comercialização a nível local, regional, nacional e até

internacional. Algumas ainda, como as organizações do terceiro setor, privilegiam uma atuação

característica ao contexto da região amazônica, chamando a atenção por seu histórico de ações, pois

articulam extrativistas, órgãos públicos, organizações não governamentais e outros parceiros, com

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fortes laços de cooperação em prol do desenvolvimento local, o que permite visualizar os contornos e

atores de um arranjo produtivo local.

Neste contexto se apresenta a Associação Porongaba, no Estado do Acre. A Associação se localiza no

município de Epitaciolânida, a cerca de 300 km da capital Acreana Rio Branco. Atualmente, a

organização é formada por 29 associados que trabalham na atividade extrativa da Castanha-da-

Amazônia.

Ao conhecer a dinâmica da Associação Porongaba, pode-se analisa-la sob a ótica do arranjo produtivo

local ao qual está inserida, pois esta congrega diversos atores locais, como os extrativistas, e demais

agentes que formam parcerias com a organização para o desenvolvimento de suas atividades, como a

Cooperativa Central de Comercialização Extrativista do Acre – COOPERACRE, Governo do Estado

do Acre e seus órgãos, Governo Federal, Governos municipais de Epitaciolândia e Brasiléia, entidades

de pesquisa, dentre outros. Esses atores e agentes estabelecem relacionamentos e caracterizam uma

estrutura de governança peculiar, de maneira que se possam alcançar objetivos comuns, com vistas ao

desenvolvimento local.

Diante disso, a questão central que norteia essa pesquisa é: quais os fatores de governança do APL da

Castanha-da-Amazônia favorecem a coordenação da Associação Porongaba?

Visando responder essa questão, o objetivo da pesquisa consiste em identificar os fatores de

governança do APL da Castanha-da-Amazônia no Estado do Acre que favorecem a coordenação

diferenciada da Associação Porongaba, a partir do reconhecimento de seus membros e parceiros de

forma a descrever os seus relacionamentos.

Recebe significância uma pesquisa que se insere em um contexto dinâmico, diferente do modelo de

organização convencional, pois uma organização na Amazônia possui especificidades que lhe são

conferidas pelo próprio ambiente em que opera. Assim, torna-se relevante identificar os tais

peculiaridades, conhecendo os fatores de governança do APL da Castanha-da-Amazônia que

favorecem a coordenação da Associação estudada e, por conseguinte, desenvolvimento local.

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2 REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 Abordagem sobre Desenvolvimento e atividades extrativas na Amazônia

Os debates acerca do desenvolvimento se intensificaram após a II Guerra Mundial, pois os países

aliados visavam livrar o mundo, e especialmente suas nações, dos problemas que os perseguiam, como

guerra, desemprego, miséria, discriminação racial, desigualdades políticas, econômicas e sociais. Esses

eram os principais anseios que levaram às discussões de progresso e de melhoria nas condições de vida

das nações (OLIVEIRA, 2002).

Neste contexto, o desenvolvimento, em todos os seus sentidos, passa a ser um fim, algo capaz de

propiciar condições para que todos os homens possam desfrutar de seguridade econômica e social.

Ao se analisar o contexto econômico em nível macro, fica perceptível a existência de localidades que

não se encaixam na lógica do desenvolvimento, sendo necessário uma abordagem de desenvolvimento

que enfoque e discuta a nível mais localizado.

Desenvolvimento local é um processo endógeno registrado em pequenas unidades territoriais e

agrupamentos humanos, capaz de promover o dinamismo econômico e a melhoria da qualidade de

vida da população. Representa uma singular transformação nas bases econômicas e na organização

social em nível local, resultante da mobilização das energias da sociedade, explorando as suas

capacidades e potencialidades específicas (BUARQUE, 1999).

Por essa linha de raciocínio, evidencia-se que a noção de desenvolvimento econômico local destaca os

valores territoriais, de identidade, diversidade e flexibilidade que existiam no passado, nas formas de

produção com características gerais e locais de determinados territórios (AROCENA, 2002),

favorecendo as discussões sobre estratégias organizacionais voltadas para o contexto local, como no

caso das atividades extrativistas na Amazônia.

A atividade extrativa, abrangendo a coleta de produtos naturais de origem mineral, animal ou vegetal,

tem sido uma constante na história econômica do Brasil, desde a colonização portuguesa. Uma

sucessão de ciclos econômicos, como do pau-brasil e da borracha, marcou o tempo e o compasso da

economia brasileira. Ao longo da história, diversos produtos foram extraídos da Amazônia e

comercializados no mercado externo, como borracha, castanhas, pau-rosa, babaçu, madeira e outros

(NOGUEIRA & FLEISCHER, 2005; HOMMA, 2005; SOUZA FILHO et. al., 2011).

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Considerando a importância da Castanha no contexto amazônico, torna-se urgente um avanço no

entendimento da dinâmica ecológica, econômica e social que circunda a atividade extrativista desse

fruto. Assim, faz-se necessário compreender e reconhecer o papel desta atividade para o

desenvolvimento socioeconômico da Amazônia (SALOMÃO, 2014).

A APIZ (2008) contextualiza que a conservação da Castanha depende de medidas que contenham à

exploração ilegal da madeira e à expansão dos desmatamentos. Uma alternativa para tal é o

fortalecimento das associações comunitárias e o desenvolvimento de projetos e programas que

contribuem para aumentar a renda das famílias a partir das florestas e castanhais em pé.

Diante desse contexto surge a demanda pela articulação dos diversos atores e agentes inseridos na

Amazônia, todos se engajando em uma forma de organização proativa, um arranjo que desenvolva

ações capazes de alavancar a economia local, considerando as questões ambientais, políticas e sociais

da região.

2.2 Arranjo Produtivo Local (APL)

As estruturas produtivas geram trabalho e renda para os diversos atores nelas inseridos, bem como

possibilitam a competição no mercado local, regional, nacional ou até mesmo internacional. Essas

estruturas possuem formas diversificadas, variando de acordo com a região em que se localizam.

Possuem diferentes nomenclaturas, dentre elas encontram-se os aglomerados, onde concentram-se

empreendimentos de um determinado setor econômico, também denominados de Clusters, arranjos

produtivos, redes e os Distritos Industriais (TAHIM, 2008).

Os distritos industriais já eram observados no século XIX, concentrados na periferia dos grandes

centros produtores ingleses. Estes distritos eram caracterizados por formas específicas de cooperação

entre seus agentes, dentre elas algo que resultava na redução dos custos de produção, o que por sua vez

permitia às pequenas organizações competirem no mercado com as grandes industriais têxteis da época

(MARSHALL, 1920).

Um cluster é definido como uma concentração setorial e geográfica de empresas, que proporcionam o

surgimento de fornecedores de matéria-prima e componentes, trabalhadores com habilidades

específicas para um setor e serviços técnicos especializados. O cluster é caracterizado pela formação

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de uma rede de cooperação entre empresas, para o aprendizado mútuo e inovação coletiva

(HUMPHREY & SCHMITZ, 1995).

Todavia, a abordagem de cluster, na sua concepção de organizações interagindo de forma sinérgica

como nos aglomerados norte-americanos ou europeus, não se aplica a todas as realidades, pois esbarra

no princípio da diversidade de formas de organização. Assim, surge um novo conceito, que é o de

Arranjo Produtivo Local (APL), aplicável a diversos contextos.

As discussões no que diz respeito aos APL’s iniciaram-se no Brasil na década de 1990, a partir de uma

estratégia do Governo Federal para fomentar o desenvolvimento local. Desde então a temática dos

Arranjos Produtivos Locais tem ganhado espaço nos debates políticos e acadêmicos como uma forma

de organização com características específicas e que merece consideração por sua abrangência

(LASTRES et. al., 1998).

Arranjo Produtivo Local (APL) é uma nomenclatura brasileira, que se diferencia do conceito de

“cluster” por considerar em sua definição a premissa de sinergia, sendo atribuída a aglomerações de

empresas produtivas, de um mesmo setor econômico em seus diversos segmentos e que compartilham

um território e um ambiente institucional e organizacional comum. Os APL’s constituem uma nova

perspectiva na promoção do desenvolvimento econômico de uma região, congregando diversos atores,

entre eles membros da sociedade civil, entidades educacionais e entidades públicas, sendo gerido de

forma descentralizada, de acordo com as especificidades das organizações e da região em que se insere

(CALHEIROS, 2010). Assim, entende-se por APL’s as aglomerações territoriais de agentes

econômicos, políticos e sociais, com foco em um conjunto específico de atividades econômicas e

sinérgicas que apresentam algum vínculo de interdependência.

Lastres et. al. (1998) conceituam APL, para a formulação de políticas públicas e de acordo com

algumas variáveis para reconhecimento da existência dessas formas de organização. São elas:

- Concentração setorial de empreendimentos no território: existência de um complexo produtivo que

seja relevante para a economia local ou regional;

- Concentração de indivíduos ocupados em atividades produtivas relacionadas com o setor de

referência do APL: quantidade de indivíduos ocupados que seja relevante para a economia local ou

regional, considerando as particularidades do setor e da região;

- Cooperação entre os atores participantes do arranjo (empreendedores e demais participantes) em

busca de maior competitividade: interação entre os atores com vistas ao desenvolvimento do arranjo;

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- Existência de mecanismos de governança: canais capazes de liderar e organizar atores em prol dos

objetivos, coordenar ações, negociar processos decisórios e promover processos de geração e

disseminação de conhecimentos.

Por sua vez e corroborando, Vilpoux e Oliveira (2010) abordam os APL’s, como organizações que

emergem das articulações entre agentes, com interesses no desenvolvimento local, o que por sua vez

carece de mecanismos de coordenação, orientação e controle das ações desenvolvidas pelos atores que

se inserem neste contexto, abrindo assim o campo para a discussão acerca da governança.

2.3 Estruturas de Governança

De acordo com Suzigan et. al. (2007), a governança compreende as relações de hierarquia, liderança e

comando, ou ainda, dependendo da situação, colaboração e cooperação exercida entre diversos atores

que se inserem em determinado arranjo ou sistema. Os autores definem a governança como a

capacidade de coordenação que os agentes exercem sobre as inter-relações que abrangem as tomadas

de decisões com vistas ao desenvolvimento local.

Em uma atividade produtiva, a estrutura de governança representa as forças organizacionais e

institucionais que condicionam o comportamento dos agentes. Assim, a estrutura de governança é

colocada como o grau de hierarquia e liderança na coordenação da relação entre agentes presentes no

sistema (CAMPOS et. al., 2009).

O termo “estrutura de governança” começa a ser tratado a partir da obra de Williamson (1985), sendo

definido como mecanismos de coordenação e controle na Economia dos Custos de Transação (ECT),

em que indivíduos ou grupos se organizam e constituem as firmas, visando a minimização de tais

custos, com vistas a se precaver da manifestação de fatores que possam comprometer a integridade das

transações.

Para Williamsom (1991), o argumento é que a estrutura de governança é necessária para que seja

criada uma relação eficiente que possa unir compradores e vendedores e uma relação comercial de

natureza continuada. Depreendendo-se daí que o objeto de governança é proteger os interesses das

respectivas partes e adaptar a relação à evolução das circunstâncias.

Nas atividades produtivas, a estrutura de governança representa as forças organizacionais e

institucionais que condicionam o comportamento dos agentes na cadeia produtiva em nível local

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(CAMPOS et. al., 2009). O termo “estrutura de governança” é usado para identificar os diferentes

arranjos contratuais que dão a base institucional para as transações econômicas no âmbito de sistemas

produtivos locais, envolvendo produção e comercialização de bens ou serviços com vistas ao

desenvolvimento (CARIO & NICOLAU, 2012).

Pelo exposto, compreende-se que as estruturas de governança se desenvolvem como mecanismos que

incentivam o aprimoramento e o refinamento das ligações, bem como mecanismos de coordenação e

controle que administram e moldam as interações entre os agentes.

2.4 Estruturas de governança em Arranjos Produtivos Locais

Considerando que o conceito de governança refere-se às diversas formas pelas quais indivíduos e

instituições (públicas e privadas) gerenciam seus problemas comuns, acomodando interesses

conflitantes ou diferenciados e realizando ações cooperativas, pode-se dizer que governança diz

respeito não somente a instituições e regimes formais de coordenação e autoridade, mas também a

sistemas informais. Albagli & Brito (2003) ressaltam que quando abordada nos APL’s, a governança

abrange fatores como os modos de coordenação, intervenção e participação, nos processos de decisão,

de maneira que compreende os diversos agentes envolvidos com a organização dos fluxos de

produção, com o processo de geração, disseminação e uso de conhecimentos.

O tema da governança tem sido objeto de análise e discussão em diferentes formas de organização,

especialmente sobre as coletivas, uma vez que a partir desta as organizações são geridas e pode-se

identificar um modelo específico de gestão em que os agentes se relacionam e se organizam em

estruturas, criando mecanismos institucionais para melhor coordenação e orientação das atividades

econômicas. Assim, as estruturas de governança podem gerar condições que assegurem os

relacionamentos entre os agentes, a partir de suas transações, fortalecendo o APL, o que por sua vez

garante melhores resultados econômicos e também sociais no processo de desenvolvimento local

(CARIO & NICOLAU, 2012; VILPOUX & OLIVEIRA, 2010).

No que tange as organizações coletivas e suas estruturas, Humphrey e Schmitz (2000) adotam a

nomenclatura “tipos de governança”, definindo seus determinantes a partir das maneiras pelas quais os

agentes se relacionam, coordenam e controlam as atividades econômicas e as transações que se

desenvolvem no seu âmbito.

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Quadro 1: Definição de tipos de governança

Tipos de

governança

Determinantes

Relações com o

mercado

Envolve a reputação das partes envolvidas na transação. Não se

preconiza pela colaboração entre as partes e as relações seguem

padrões.

Redes Existe a cooperação e a parceria entre as partes na definição do

produto, o que minimiza os riscos.

Quase hierárquica Alto grau de controle de uma das partes sobre a outra nas

definições da transação. A parte controlada ainda possui certa

autonomia, envolvendo seu desempenho e sua competência em

atender ao disposto na transação.

Hierárquica A parte maior, com mais poder, tem prioridade na transação, bem

como detém o controle direto de todo o processo.

Fonte: elaborado pelo autor a partir de Humphrey e Schmitz (2000).

Visões teóricas diferenciadas sobre as estruturas de governança nos arranjos produtivos locais são

importantes uma vez que favorecem sua aplicação a diferentes contextos. As abordagens de

Williamson preconizadas na Economia dos Custos de Transação (ECT) também são importantes para

se entender as transações desenvolvidas entre participantes de um determinado sistema. Todavia,

segundo Vilpouux & Oliveira (2010) esta análise apresenta-se incompleta para ser aplicada em

arranjos e sistemas produtivos locais, pela ênfase aos aspectos formais das transações, e por não

destacar, em sua teoria, os contratos informais entre atores que se conhecem e estabelecem relações de

confiança, muito comuns na dinâmica dessas organizações.

Ainda, Vilpoux e Oliveira (2010) sugerem, para o entendimento das estruturas de governança em

Sistemas e Arranjos Produtivos Locais, abordagens mais amplas, considerando os aspectos informais,

que são muito fortes nesses tipos de organizações. Para tal, abrangem dimensões como instituições

informais, capital social e convenções, e ainda, consideram a influência do território nas formas de

governança, assim sendo, aborda-se cada uma dessas dimensões de forma a contextualizar o modelo

desses autores, o qual constitui-se na matriz de análise dos resultados dessa pesquisa.

Quanto a dimensão instituições informais, aborda-se North (1991), que define instituição como

restrições humanamente inventadas para a estruturação política, interação econômica e social, visando

criar ordem e reduzir a incerteza nas interações.

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A dimensão capital social é abordada por Putnam (1995) enfatizando que este é constituído por uma

rede de normas e padrões de comportamento com reciprocidade de valor para indivíduos e grupos,

considerando valores e relações de confiança.

As abordagens sobre dimensão convenções, considera a visão de Lewis (1968), que as define como

regularidades gerais para o comportamento individual dos membros de uma população, quando estes

são agentes de determinada situação em determinado cenário com certa frequência, posição esta que

enquadra-se e adéqua-se aos preceitos para mapeamento de APLs.

Avançando nos preceitos teóricos de Vilpoux e Oliveira (2010) aborda-se a dimensão território, a

partir de Fuini (2012) que considera que esta abordagem parte do pressuposto de que o Estado já não é

mais o detentor da regulação social, econômica e política. Os atores sociais inseridos em determinado

território, entram em relação e concebem organizações que passam a gerir os aspectos econômicos,

políticos e sociais da região, através das instituições que se formam. Aqui, território não é concebido

somente como um espaço de recursos definido, mas também como o modo de estabelecimento de

grupos em determinado ambiente, com atividades que propiciem as relações entre os atores a partir da

comunicação e aprendizado coletivo.

A partir de tais pressupostos e respaldados por diferenciada matriz teórica demonstra-se a seguir, na

Figura 01, o esquema metodológico proposto por Vilpoux e Oliveira (2010) para análise de estruturas

de governança Arranjos produtivos locais.

Figura 01: Estruturas de governança em arranjos produtivos locais

Fonte: Vilpoux e Oliveira (2010)

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De acordo com Vilpoux e Oliveira (2010), os agentes de um Arranjo Produtivo Local são organizados

em forma de rede, constituindo vínculos sistemáticos e de caráter cooperativo, o que representa uma

forma diferenciada de coordenação no que concerne atividades econômicas, exigindo formas

diferenciadas de governança, considerando as especificidades das relações que ocorrem entre os atores

inseridos no âmbito dessas organizações.

Para fins de análise do APL desse estudo será utilizado o esquema proposto por Vilpoux e Oliveira

(2010) efetuando-se as devidas adaptações, conforme pode ser observado no item procedimentos

metodológicos, a seguir.

3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Para que fosse possível atender ao objetivo proposto, realizou-se pesquisa qualitativa no contexto da

Associação Porongaba (CRESWELL, 2006).

Por seus objetivos, a pesquisa se classifica como descritiva, uma vez que permite a identificação entre

atores e agentes inseridos no APL e seus relacionamentos, possibilitando descrever os fatores de

governança presentes na Associação Porongaba. A pesquisa também é explicativa, pois permitiu

entender um fenômeno a partir de fatores específicos, no caso, foi possível identificar os fatores de

governança a partir dos relacionamentos entre os atores e os agentes (ANDER-EGG, 1978)

Já, de acordo com os procedimentos adotados, partiu-se de uma incursão teórica para se levantar as

principais vertentes que poderiam ser utilizadas para o contexto da Associação Porongaba (ALMEIDA

JÚNIOR, 1988). Para o melhor entendimento, foi necessário ir até o objeto, ou seja, ir até a localidade

estudada para realizar estudo de campo, de maneira que se pudesse conhecer e compreender a

realidade do local (KERLINGER, 1979).

Os dados foram coletados a partir de entrevistas semi-estruturadas realizadas com os membros da

Associação Porongaba, dentre eles o seu presidente. No total, foram pesquisados seis (06) extrativistas,

adotando o critério de acessibilidade, pois as chuvas intensas dificultaram o acesso aos demais

associados. A pesquisa foi realizada no mês de novembro de 2014.

Os dados foram analisados de forma qualitativa e, para tal, utilizou-se da matriz proposta por Vilpoux

e Oliveira (2010) para criar uma nova matriz, com proposição de análise específica para o objeto

estudado, conforme Figura 02.

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Figura 02: Esquema metodológico utilizado para identificação dos fatores de governança do

APL da Castanha-da-Amazônia na Associação Porongaba

Fonte: elaborada pelos autores a partir de Vilpoux e Oliveira (2010)

Os dados encontrados seguem apresentados em forma de esquemas e textos explicativos, de maneira

que se proporcionar o melhor entendimento.

4 RESULTADOS E DISCUSSÕES

4.1 Caracterização da Associação Porongaba

A Associação Porongaba situa-se no município de Epitaciolândia – AC, a aproximadamente 250 km

da capital Rio Branco. A associação recebe este nome por se localizar no antigo Seringal Porongaba,

colonizado por seringueiros na época da economia da borracha na região amazônica.

A Associação Porongaba foi fundada em 1988 com a finalidade de garantir os direitos dos

extrativistas, tendo como objetivo, segundo o seu atual presidente, “melhorar a situação das pessoas

em conjunto”. Todavia, para se compreender o seu contexto, faz-se necessário recorrer a períodos

desde as décadas de 1950 e 1960, quando muitas famílias, vindas especialmente do nordeste,

povoaram as florestas acreanas para trabalhar no corte da seringueira para obtenção do látex.

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No período inicial, os extrativistas trabalhavam somente com o látex, pois os demais produtos da

floresta, exceto a madeira, não eram valorizados. Com a queda da economia da borracha, surge a

necessidade de buscar novos mercados com a exploração de novos recursos. Um recurso que passa a

ser utilizado é o extrativismo de Castanha-da-Amazônia. Em 1990 é instituída a Reserva Extrativista

Chico Mendes, englobando o espaço em que se localiza o Seringal Porongaba, de maneira que a

região, seus recursos naturais sejam protegidos, bem como sejam garantidos os direitos de seu povo.

As famílias habitantes da região começam a extrair a Castanha para garantir sua renda e sua

sobrevivência no local. Em 2006, a associação passou a fazer parte da Cooperativa Central de

Comercialização Extrativista do Acre – COOPERACRE, entregando-lhe toda a sua produção do fruto.

Atualmente, a Associação Porongaba é constituída por 29 famílias, das 38 que residem no seringal.

Todas as famílias trabalham no extrativismo de Castanha, dividindo suas fontes de renda entre esta

atividade e outras, como comercialização de animais (bois, ovelhas, galinhas) e produtos agrícolas em

pequena escala (milho, arroz, feijão). A população reside em espaços denominados de colocações,

demarcadas por estradas de seringa. As estradas de seringa servem também para demarcar os limites

dos castanhais de cada colocação.

A associação conta com um galpão de 12m X 24m para armazenar Castanha, uma pequena escola com

ensino fundamental, igreja e espaço comunitário com cozinha para a realização de eventos e quatro

juntas de bois (oito bois) para transportar a Castanha da floresta até o galpão. Todos os extrativistas

membros da associação fizeram curso de boas práticas de manejo da Castanha, bem como já

participaram, juntamente com demais membros da família, de capacitações relacionadas à criação de

animais, empreendedorismo rural e outros.

4.2 Relacionamentos no arranjo da Associação Porongaba

A Associação Porongaba se insere em um arranjo constituído por diversos atores e agentes que se

relacionam com vistas ao alcance de objetivos coletivos. Essa ótica de APL é considerada pela

abordagem de Lastres et. al. (1998) e, Lastres e Cassiolato (2003).

Pelos dados coletados na pesquisa, percebe-se que no arranjo da Associação Porongaba existem

formas de articulações que criam tais sinergias, evidenciando-se que os agentes se relacionam de

maneira que somam forças para fomentar a atividade principal da organização, a castanha-da-

Amazônia. Essa perspectiva vem a corroborar com Suzigan et. al. (2007) ao elencarem que conforme

os agentes inseridos no arranjo se relacionam, criam-se sinergias necessárias para o desenvolvimento

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do mesmo, através do engajamento dos envolvidos nas tomadas de decisões e na implementação das

mesmas, bem como nas estratégias para o desenvolvimento local.

Considerando a dinâmica do arranjo em questão, pode-se descrever a organização do mesmo com um

esquema em que se apresentam os agentes inseridos, suas relações e as sinergias criadas, como na

Figura 03.

Figura 03: Arranjo Produtivo Local da castanha-da-Amazônia

Fonte: dados da pesquisa

Os primeiros relacionamentos presentes na organização, são os que se desenvolvem entre os atores

sociais inseridos neste contexto, no caso os extrativistas.

Conforme relatam os entrevistados, os relacionamentos internos à associação ocorrem de formas

diversas, a partir de interações entre familiares, amigos e vizinhos, desde as que envolvem laços mais

próximos até as que envolvem transações com interesses em ganhos monetários, todas com suas

particularidades. Neste sentido, justifica-se a abordagem de Vilpoux e Oliveira (2010) ao afirmarem

que em um APL, as relações entre os agentes podem ocorrer de variadas formas, o que leva ao

imperativo de serem consideradas tanto em aspectos formais, quanto informais.

Os associados participam das reuniões e assembleias, comunicando seus anseios de demandas. Fora os

eventos da associação, os extrativistas se reúnem em encontros festivos, religiosos e em visitas sociais.

Existem também as interações que acontecem com fins monetários, em que são negociados produtos

agrícolas, animais e mão de obra na safra da Castanha. É comum a realização de mutirões para

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recuperação dos ramais e para auxiliar os que precisam, sejam para o preparo de roças, para a coleta de

frutos ou para escoamento da produção, que no caso da Castanha é feita por bois domesticados,

pertencentes à associação. Essas relações são de caráter informal, convencionadas ao local, à cultura

extrativista, aos valores, especialmente pela noção de pertencimento dos moradores à floresta e ao

dever de preservar os recursos naturais. Esses fatores são baseados na confiança e na parceria instituída

pelos atores sociais da Associação Porongaba em prol de objetivos comuns.

Existem também as formalidades, especialmente no momento em que o extrativista entrega sua safra

de Castanha na associação. Mesmo envolvendo confiança dos associados para com a associação, na

figura de seu presidente, existem formalidades que, segundo os entrevistados, são importantes para o

controle, inclusive da produção total da associação, como fichas e registros da safra atual e previsões

para a próxima. Todas as formalidades são de responsabilidade do presidente da associação, que

executa todas as etapas do processo, desde o pagamento antecipado da cooperativa, bem como

recebimento da produção do extrativista, pesagem, secagem no galpão, entrega para a cooperativa,

saque de montantes para remunerar os associados e outras atividades de gestão e também operacionais.

As formalidades, através de contratos, documentos e outros mecanismos, são instrumentos para dar

legitimidade às transações no arranjo, salvaguardando as relações de manifestações oportunistas e

outros fatores que venham a depor contra a estrutura da organização, conforme elencado por

Williamson (1985; 1991) e, Vilpoux e Oliveira (2010).

Externamente à associação, as relações são de caráter mais formal, pois se dá em espectros maiores,

como interações com os governos municipais de Epitaciolândia e Brasiléia, Governo do Estado do

Acre, especialmente com a Secretaria de Extensão Agroflorestal e Produção Familiar (SEAPROF),

Governo Federal – com o Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (MAPA) e o Instituto

Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), com a Reserva Extrativista Chico

Mendes, Associação dos Moradores e Produtores da Reserva Extrativista Chico Mendes de Brasiléia e

Epitaciolândia (AMOPREBE), Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Brasiléia, Universidade Federal

do Acre (UFAC), Universidade Federal de Rondônia (UNIR), Empresa Brasileira de Pesquisa

Agropecuária (EMBRAPA), Serviço Brasileiro de Apoio a Empresas (SEBRAE), Serviço Nacional de

Aprendizagem Rural (SENAR). Essas relações exigem certo grau de formalidade, pois tratam de

decisões políticas, fiscalização, pesquisas e aprendizagem, pautados em documentos, estatutos, leis,

normas e termos de compromisso ou parceria. A formalidade, neste sentido, é benéfica, de maneira

que garante a integridade e transparência nas relações.

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Em toda a sua dinâmica, a Associação Porongaba se relaciona com os demais agentes de maneira

direta e indireta. Diretamente ocorrem os relacionamentos entre os extrativistas e desses com a

associação, da associação com a cooperativa, com os governos, com entidades de pesquisa e entidades

de representação, como a AMOPREBE e o Sindicato. Existem também os relacionamentos indiretos,

através da cooperativa, que liga a associação às demais cooperativas e associações extrativistas, às

agencias certificadoras e, especialmente ao mercado.

Todas essas interações são possíveis pela sinergia que articula os atores e os agentes para somarem

forças em ações com objetivos comuns. Esses fatores demonstram a governança local, ou seja, a

maneira pela qual os agentes se engajam nas tomadas de decisões, nas suas implantações, no

fortalecimento das relações e no desenvolvimento de mecanismos de coordenação e controle,

evidenciando o que foi elencado por Humphrey e Schmitz (2000). Sem essa forma de governança,

característica da associação, as relações tenderiam a se enfraquecer e levar à desarticulação, dando

abertura para enfraquecer os relacionamentos e até mesmo levar ao rompimento dos laços

(WILLIAMSON, 1985).

Pela análise, chega-se ao imperativo de que o APL da Castanha-da-Amazônia favorece a coordenação

da Associação Porongaba em diversos fatores de governança, que a diferenciam em seu contexto,

conforme apresentado na Figura 04.

Figura 04: fatores de governança do APL na Associação Porongaba

Fonte: dados da pesquisa

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Inicialmente destacam-se as relações entre os atores e agentes inseridos no arranjo, que se iniciam por

fatores de dependência de um para com o outro, de maneira que um agente fora do arranjo se

encontraria em situação de maior dificuldade do que se estivesse inserido, se relacionando e se

articulado com os demais. Neste sentido, destaca-se também a cooperação entre os atores e agentes

que objetivam por mudanças e melhorias no seu contexto, através da ajuda mútua e formação de

parcerias, concordando com a abordagem de Humphrey e Schmitz (1995), que discorrem sobre as

parcerias entre organizações como mecanismos de desenvolvimento através da cooperação, trocas de

sinergias e aprendizados coletivos.

Todos estes aspectos evidenciam que a governança da Associação Porongaba emana dos fatores que se

apresentam no contexto do arranjo, sendo eles formais e informais.

Os fatores de governança formais são os contratos entre os atores e agentes, as leis, as normas, os

acordos e os demais dispositivos que visam a melhor articulação no arranjo com vistas ao

desenvolvimento local, coordenando o engajamento dos envolvidos nas tomadas de decisão e na sua

implementação. Mesmo com as formalidades, existem também, e são de grande relevância para o

arranjo, os fatores de governança informais, convencionados pelos atores e agentes, surgindo dos

aspectos culturais, dos valores, normas e regras tácitas criadas, partilhadas e seguidas por todos, como

é o caso da cultura extrativista e as relações do homem com a floresta, muito presente e considerada na

região.

Pelo exposto, fica evidente que no arranjo em que se insere a Associação Porongaba existe uma

coordenação particular, a partir da estrutura de governança composta por um híbrido de relações

formais e informais, sendo que ambas se desenvolvem para uma melhor performance do APL no que

tange ações com finalidades econômicas, políticas, sociais e ambientais.

Este fator é ressaltado por Vilpoux e Oliveira (2010) ao abordarem a estrutura de governança híbrida e

garantir a integridade do relacionamento, bem como seja flexível o bastante para que os atores e

agentes possam se relacionar mais intensamente, estreitando seus laços que se tornam fortes e

duradouros, levando à cooperação e confiança. Neste híbrido, os contratos cedem espaço para as

convenções, acordos estipulados entre os atores e agentes, envolvendo cultura, valores e normas

tácitas, seguidos como mecanismo regulador do comportamento humano na vida social.

No caso da Associação Porongaba percebe-se fatores de governança pautada em reações formais, a

jusante, regidas por contratos com a COOPERACRE, termos de parceria com o Governo do Estado,

leis estaduais e federais, e outras que dão integridade para as ações desenvolvidas. Todavia,

anteriormente a estas formalidades, a montante existe as relações informais, que, segundo os

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entrevistados, reforçam os laços de confiança entre os envolvidos com o arranjo, regulados por normas

informais, como cultura extrativista, valores de pertencimento à realidade vivenciada e a noção de

coletividade, o que torna o arranjo consolidado e próspero (VILPOUX e OLIVEIRA, 2010).

Tudo isso remete à dinâmica em que a Associação Porongaba se insere, como o APL da Castanha-da-

Amazônia, que fornece subsídios para o surgimento de fatores de governança que coordenam as ações

e os relacionamentos entre os atores e agentes que atuam neste contexto.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo a que se propôs este trabalho foi alcançado, uma vez que foi possível identificar os fatores

de governança do arranjo que favorecem à coordenação diferenciada das ações desenvolvidas pelos

atores e agentes inseridos neste contexto.

Isso tornou possível a identificação do atores e agentes envolvidos com o arranjo, sendo extrativistas,

associações, cooperativas, órgãos governamentais, entidades de pesquisa, entre outros. A partir dessa

identificação, pode-se analisar como os atores e agentes se relacionam e como são coordenados,

evidenciando-se a existência de fatores de governança formais e informais, constituídos por

mecanismos que variam de contratos, leis e normas técnicas, até convenções estipuladas, partilhadas e

seguidas, pautadas na cultura e nos valores próprios da realidade local.

Percebeu-se que em um arranjo produtivo local, o fator engajamento dos envolvidos é primordial para

promover o seu desenvolvimento, de maneira que a organização se torne cada vez mais coletiva, e que

a coletividade permita o alcance de objetivos individuais, mas sem comprometer os objetivos gerais,

criando um ambiente propício à cooperação e à confiança. Todavia, as formalidades, como contratos,

leis e normas, devem se fazer presentes, de maneira que se possa dar mais respaldo ás ações,

evidenciando a integridade das mesmas.

Assim, o APL da castanha-da-Amazônia, em que se insere a Associação Porongaba, tem suas ações e

atividades regidas por mecanismos de coordenação e controle que obedecem aparatos legais e

constitucionais, mas sem enfraquecer os laços culturais, de valores e de confiança entre os atores e

agentes. A medida com os agentes do arranjo se relaciona, criam sinergias que são traduzidas em

estratégias, ações e políticas, inclusive públicas, para a promoção do desenvolvimento local,

considerando os aspectos econômicos, políticos, sociais e ambientais, dentro do contexto de

especificidades da Amazônia.

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