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7/24/2019 Fenomenos Mnemicos e Recalque
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Resumo
Este ensaio tem por objetivo colaborar na construo de uma teoria da memriabaseada na psicanlise. A premissa de partida que em torno do mecanismo derecalque h elementos que se relacionam intimamente com fenmenos mnmicos.O mtodo priorizou leituras da obra de Freud. J no incio, o ensaio mostra aassociao, de forma no exclusiva, do fracasso de recordar e das falsaslembranas ao recalque. Prossegue-se com os conceitos psicanalticos sobresonhos para apresentar a noo de hipermnsia como uma espcie desupermemria utilizada diferentemente pelo consciente e pelo inconsciente. Com aligao entre recalque e memria estabelecida, toma-se a condensao e odeslocamento e interpreta-os como formas de associaes mnmicas quepressupem obrigatoriamente a hipermnsia. Conclui-se que para construo deuma teoria da memria baseada na psicanlise necessrio uma leitura cuidadosa
da obra de Freud atentando-se para problemas de traduo e imprecisesvocabulares.
Palavras-chave: teoria da memria; incapacidade de lembrar; falsas lembranas;hipermnsia; recalque.
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Sumrio
1 Introduo ................................................................................................................ 4
2 A construo do conceito de memria em Freud ..................................................... 5
3 Recalque: a pedra angular da psicanlise ............................................................. 10
4 Consideraes finais .............................................................................................. 13
Referncias ............................................................................................................... 14
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1 Introduo
difcil, para no dizer impossvel, encontrarmos alguma tarefa executada
por um humano que no dependa da memria. A simples leitura destas linhas exige
que recorramos a uma srie de informaes que adquirimos ao longo de nossas
vidas.
Muitas vezes, ocorre que somos incapazes de lembrar um nmero de telefone
que vimos h poucos minutos, mas tambm acontece de nos lembrarmos de falas e
de dilogos que tivemos h anos. Geralmente estes fatos so encarados com
relativa naturalidade, porm quando paramos para refletir, pode-se notar relativa
incoerncia (como e por que se lembrar de algo de anos atrs, mas no se recordar
de outra coisa que ocorreu h minutos?).
Tambm com frequncia acontece de um fato que temos claramente na
memria como real e verdadeiro no ser lembrando pelos outros envolvidos no
evento, ou, quando recordado, sua verso dos fatos possui diferenas
importantes.
Nestes casos e em diversos outros, a curiosidade nos faz buscar uma teoria
da memria capaz de explicar nosso prprio comportamento. Empenho-me neste
artigo em colaborar nesta jornada. Restringirei meu objetivo a tentar encontrar em
Freud elementos que relacionem memria e lembrana. Parto da hiptese de que
entorno da pedra angular da psicanlise (recalque) h elementos que permitem
esboar colaborao para uma teoria da memria.
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2 A construo do conceito de memria em Freud
Um dos primeiros artigos em que Freud se dedica ao fenmeno da memria
foi escrito em 1898 e encontra-se sob o ttulo de O mecanismo psquico do
esquecimento. J neste trabalho, o prprio Freud faz inmeras relaes entre a
memria e o recalque, porm necessrio efetuar uma leitura cuidadosa deste
material, pois ele se encontra no incio da obra deste autor, quando ainda acreditava
que era funo da psicanlise corrigir os recalques e deslocamentos pela instalao
do verdadeiro objeto psquico. Tratava-se da ideia, depois superada, de eliminao
do sintoma pelo re-estabelecimento da lembrana verdadeira.
Tendo esta ressalva em mente, posso agora apontar a principal relao entre
recalque e memria feita por Freud neste artigo. Para ele, [...] entre os vrios
fatores que contribuem para o fracasso de uma recordao ou para uma perda de
memria, no se deve menosprezar o papel desempenhado pelo recalcamento
(FREUD, 1997 [1898]). Parece-me claro que sua inteno nunca foi afirmar que o
recalque responsvel por tudo aquilo que falhamos em lembrar, porm que ele
exerce uma influncia substancial em nossa capacidade de recordar.
Devo esclarecer meu entendimento do termo lembrar (e do seu sinnimo
recordar) e suas implicaes. Quando dizemos cotidianamente que no
conseguimos lembrar algo, estamos na verdade querendo dizer que no
conseguimos lembrar naquele momento. A maioria das pessoas com quem eu
converso sobre este tema concorda com esta minha concepo por j ter passado
pela situao de no se lembrar de algo em um momento, mas depois vir a se
lembrar.
Este vir a lembrar implica obrigatoriamente que o sujeito estava de posse da
memria, somente no foi capaz, naquele momento, de recaptur-la. Assim,
aproximo-me de uma ideia que Freud j esboava neste artigo: o sujeito tem uma
grande capacidade de memriachamada posteriormente de hipermnsia (FREUD,
1997 [1900]). Porm, isto no significa que a lembrana provoque qualquer efeito
teraputico, apenas caracteriza uma potencialidade do sujeito da psicanlise.
Esta grande capacidade de memria no acarreta uma grande capacidade de
lembrana a qualquer momento. O ato de lembrar se sujeita a [...] restries poruma tendncia da vontade [...] (FREUD, 1997 [1898]). Esta vontade no
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necessariamente um ato consciente, muito pelo contrrio. Considerando que o
sujeito no apenas verbalize no se lembrar, mas de fato no esteja se lembrando,
h algo que escapa do seu controle consciente. Por este motivo [...] no se deve
menosprezar o papel desempenhado pelo recalcamento (FREUD, 1997 [1898]). Por
ora, irei explicar esta relao entre memria e recalcamento atravs de uma
constatao de Freud de que a facilidade do lembrar sofre influncia, dentre outros
aspectos, de uma [...] recusa a reproduzir qualquer coisa que possa liberar
desprazer, ou que possa subsequentemente levar a liberao de desprazer
(FREUD, 1997 [1898]). Com base nestas primeiras observaes, posso colocar em
destaque a resistncia como um dos elementos que torna s vezes to difcil o
acesso a determinados contedos da memria.Repito: perigoso e reducionista afirmar que tudo que temos dificuldade de
lembrar est necessariamente associado a algo da ordem do recalque. Pode haver
outros aspectos envolvidos os quais foram tambm reconhecidos por Freud ainda
neste mesmo trabalho. Dentre eles, gostaria de citar a relao entre o estado
psquico da ocasio do evento e do momento em que se tenta recordar. Lembranas
tristes tendem a ser mais facilmente recordadas em momentos de maior tristeza,
assim como lembranas alegres em estados de maior alegria. Isto facilmenteconstado em um momento de discusso com outro sujeito quando, geralmente,
lembramo-nos de coisas que nos desagradam com relao a ele e temos dificuldade
de lembrar coisas que nos agradam. Em fenmenos como este, no cabe uma
explicao pela via do recalque. Assim, o recalque no o nico elemento que
influencia a memria, mas apenas um deles.
No artigo em questo, Freud utiliza-se de expresses como recalcamento da
lembrana de um nome, resgatando-o do recalcamento e representaesrecalcadas, mas uma das grandes contribuies deste trabalho est na constatao
de que pode ocorrer ao invs de uma lembrana verdadeira, uma lembrana
decorrente de um deslocamento dos representantes recalcados.
Essa questo foi aprofundada no artigo posterior Lembranas encobridoras
de 1899. Freud chama lembrana encobridora (ou lembranas deslocadas) o
resultado de um processo de deslocamento. Em uma lembrana deste tipo esconde-
se algo de mnmico (que reflete um evento que aconteceu efetivamente) e algo de
fantasia (ligado a um desejo recalcado).
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Na obra, estas lembranas so ilustradas atravs de recordaes da
infncia que trazem situaes aparentemente irrelevantes. Para Freud (1997 [1899]),
isto uma contradio tendncia da relao direta entre importncia psquica da
experincia e capacidade de record-la. Uma lembrana aparentemente irrelevante
e recorrente pode no ser de fato uma lembrana e sim uma construo. Esta
constatao obriga Freud a enunciar: Em geral, no h nenhuma garantia quanto
aos dados produzidos por nossa memria (FREUD, 1997 [1899]).
Sempre pode haver algo de construdo na memria. A ponte entre o mnmico
e a fantasia geralmente a linguagem (limitada por Freud neste artigo expresso
verbal).Por este motivo, muitas vezes a memria nos prega peas. Tambm por
isto as outras pessoas que estavam l no se lembram de nada, ou lembram-se deuma verso diferente. Penso que posso falar nestes casos de uma construo de
verdades mnmicas s quais nos apegamos e no queremos abrir mo.
Freud fornece elementos para suspeitarmos de que estamos diante de uma
lembrana encobridora:
Sempre que numa lembrana o prprio sujeito assim aparecer como umobjeto entre outros objetos, esse contraste entre o ego que age e o ego querecorda pode ser tomado como uma prova de que a impresso original foi
elaborada (FREUD, 1997 [1899])
Aparecer como objeto ver-se como um terceiro, projetado na cena, e no como
algum que est participando em primeira pessoa do ato. Por outro lado, a
impreciso dos detalhes no implica indcios de uma lembrana encobridora.
H outra questo importante que foi destacada neste artigo: a lembrana
encobridora aparece necessariamente em momento posterior, ou seja, aps a
ocorrncia do trao mnmico e quando j existe o recalcamento que deu origem
fantasia. Esta condio acarreta necessariamente numa memria existente comosuporte e que foi utilizada pelo mecanismo inconsciente, porm a memria matria-
prima geralmente permanece desconhecida.
Esta mesma lgica de pensamento quanto s lembranas encobridoras foi
repetida em Freud com relao aos sonhos quando afirmou que Todo o material
que compe o contedo de um sonho derivado, de algum modo, da experincia,
ou seja, foi reproduzido ou lembrado no sonho [...] (FREUD, 1997 [1900]). Da
mesma forma em que nas lembranas encobridoras, Freud ressalva que nossonhos nem sempre o material mnmico que serve de suporte est acessvel no
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estado de viglia. Ou seja, um material mnmico que no acreditamos ter aparece no
sonho. Evidencia-se a caracterstica de memria que venho tentando mostrar: o
contedo da memria no se limita quilo que conseguimos lembrar em um
momento especfico.
Freud reconhece isto mais uma vez quando aponta que parte do material para
os sonhos pode vir de fatos da infncia que dificilmente nos recordaramos. Desta
forma, o mecanismo do sonho parece no trabalhar com os mesmos limites
temporais e nveis de detalhe que o estado de viglia. Por esta razo, acredito ser
plausvel concordar que h algo de hipermnsico no sujeito, algo prximo de uma
supermemria, mas que no est totalmente sob controle consciente.
Nota-se, entretanto, uma diferena no modo operativo entre a memriaonrica e a memria em viglia. Conforme afirma Freud (1997 [1900]), nos sonhos a
lembrana geralmente so de fatos que damos pouca importncia no estado de
viglia. O que refora a tese da hipermnsia, pois se temos acesso tanto aos
elementos importantes quanto aos menos importantes, significa afirmar que
guardamos em nossa memria alm do que imaginamos como relevante e
essencial. Mais ainda, como os sonhos so capazes de fazer uso de elementos
"sem importncia" da infncia, eles colocam em xeque a questo do esquecimento,pois saber o que de fato somos permanentemente incapazes de lembrar fica
extremamente difcil. Quanto a isto Freud destaca: O fato de os sonhos serem
hipermnsicos e terem acesso ao material proveniente da infncia tornou-se um dos
pilares de nossa doutrina (FREUD, 1997[1900]).
Ainda no que se refere aos sonhos cabe falar da incapacidade de lembr-los.
muito intrigante a naturalidade com que encaramos o fato de sonharmos e no
conseguirmos nos lembrar do sonho. Freud oferece algumas explicaes dentre elaso fato de recordarmos com mais facilidade dos eventos e informaes que
conseguimos associar. Constata-se isto na dificuldade encontrada ao tentar decorar
uma sequncia de nmeros ou de nomes desconexos sem utilizar nenhuma tcnica
especfica. A maioria das pessoas utilizaria como tcnica para tal tarefa a repetio
dos elementos da lista, entretanto a maneira mais fcil e eficaz atravs de
correlao entre os elementos.
um tipo similar de relao associativa que est ausente e que trabalha para
impedir a lembrana de um sonho. Como j afirmado anteriormente, existe uma
diferena entre a capacidade mnmica dos sonhos (memria de detalhes tidos como
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irrelevantes) e a memria de viglia (memria de eventos e informaes
"importantes"). Esta diferena nos criaria certa dificuldade de fazer relaes entre os
dois estados mentais e, assim, nos impede de, normalmente, lembrar as
composies onricas, pois "Nada existe que nos possa ajudar a nos lembrarmos
delas" (FREUD, 1997 [1900]). Mas, quando em momento subseqente, algo nos
acontece que nos remete ao sonho, acontece a lembrana.
Ainda com relao aos sonhos, outro processo bastante relevante abordado
por Freud: [...] na verdade no temos nenhum conhecimento dos sonhos que nos
dispomos a interpretar ou, falando mais corretamente, que no temos nenhuma
garantia de conhec-los como realmente ocorreram (FREUD, 1997 [1900]). H
aquilo que Freud chama de infidelidade de nossa memria, mas que eu prefiro
chamar de infidelidade no lembrar. Trata-se de algo que nos impede de recordar
completamente do sonho e de faz-lo de forma exata, ou seja, Freud acredita ter
[...] razes para suspeitar de que nossa lembrana dos sonhos no s
fragmentada, mas decididamente inexata e falsa (FREUD, 1997 [1900]). Aborda-se
a a provvel falta de relao inequvoca entre aquilo se acha que sonhou e dito e
aquilo que foi efetivamente sonhado. Quando contamos o sonho elaboramos. Este
processo foi chamado por Freud de elaborao secundrio e faz parte de umaconstruo que tambm deve ser considerada no processo de interpretao dos
sonhos. Mas para fins dos estudos que proponho, gostaria de destacar que na
elaborao secundria h a criao de uma memria, pois seu objetivo , dentre
outros, Tirar a aparncia de absurdo e de incoerncia do sonho, tapar os seus
buracos, remanejar parcial ou totalmente seus elementos realizando uma escolha
entre eles e fazendo acrscimos [...] (LAPLANCHE, 2001, p. 145).
Concluo a primeira parte deste trabalho enunciando o que me pareceessencial at aqui: a memria hipermnsica. O prprio Freud enfatiza a
importncia desta tese na sua teoria: O fato de os sonhos [e, portanto, a memria]
serem hipermnsicos e terem acesso ao material proveniente da infncia tornou-se
um dos pilares de nossa doutrina (FREUD, 1997 [1900]). Parte desta capacidade
mnmica est acessvel conscientemente, parte no. Acredito que podemos falar em
uma espcie de filtro que impede a tomada de conscincia de alguns dos
contedos da memria. Este filtro operado pelo recalque e, por isto, ser dele
que me ocuparei na prxima seo.
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3 Recalque1: a pedra angular da psicanlise
Freud em 1914 afirma que A teoria da represso a pedra angular sobre a
qual repousa toda a estrutura da psicanlise (FREUD, 1997 [1914]). Porm, antes
de tecer qualquer comentrio sobre o tema preciso esclarecer o que entendo sobre
recalque. Para isto, gostaria de comear pela definio de Laplanche: Operao
pela qual o sujeito procura repelir ou manter no inconsciente representaes
(pensamentos, imagens, recordaes) ligadas a uma pulso (LAPLANCHE, 2001,
p. 430). Duas coisas se observam: trata-se de uma tentativa e est relacionado com
uma pulso. Como tentativa, pode ter sucesso ou insucesso. Por estar ligada
pulso, opera com um representante pulsional e sob este representante que
operam a maioria dos fenmenos que nos interessam agora.
Segundo Freud, o recalque pode ser observado facilmente em um neurtico,
Em tais casos encontra-se uma resistncia que se ope ao trabalho da anlise e, a
fim de frustr-lo, alega falha de memria (FREUD, 1997 [1914]).Desta forma, Freud
inclui a falha de memria em uma resistncia, mas cabe notar que ele se refere a
um processo inconsciente. Nem a falha de memria, nem a resistncia, nem o
recalque operam na conscincia. No correto afirmar que o sujeito no lembra
porque no deseja (conscientemente) se lembrar. Ele no se lembra porque este
representante foi recalcado por uma fora que foge ao seu controle consciente.
Como exemplifica Laplanche, o representante pulsional pode ser, dentre
outros, pensamentos, imagens e recordaes. Acredito que posso ir mais longe e
afirmar que o representante pulsional tudo que objeto da memria. Creio ter
respaldo em Freud para fazer esta construo. Observemos que ele caracteriza o
representante pulsional primeiramente como [...] uma idia, ou grupo de idias,
catexizadas com uma quota definida de energia psquica (libido ou interesse)
proveniente de um instinto (FREUD, 1997 [1915]), mas posteriormente ele inclui
tambm a quota de afeto como mais um elemento do representante pulsional
(FREUD, 1997 [1915]).
Acho que no encontrarei muita resistncia ao afirmar que nossa memria
capaz de manter no s ideias, mas tambm sentimentos e estados de esprito.
1A traduo brasileira das obras de Freud, em alguns momentos, utiliza-se do termo represso aoinvs de recalque, por este motivo, em algumas citaes da obra de Freud aparecero o termorepresso, mas meus comentrios sempre utilizaro o termo recalque.
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Exemplos no faltam para comprovar este ltimo caso, como quando um artista
tenta atravs da arte representar o amor, a saudade e dio. Creio que no processo
de criao inevitvel recorrer memria.
Mas resta responder a questo do surgimento do recalque. Acredito que
aquilo que motiva este processo uma fuga do desprazer. Baseio este minha
construo em Freud quando ele afirma: Se uma represso no conseguir impedir
que surjam sentimentos de desprazer ou de ansiedade, podemos dizer que falhou
[...] (FREUD, 1997 [1915]). A falha na operao do recalque implica no desprazer.
No ser capaz de lembra-se de algo pode significar que este algo um (ou
liga-se a um) representante pulsional que sofreu um processo de recalque. Porm,
outra forma de operao vai alm da simples no lembrana, desembocando nosmecanismos de deslocamento e condensao. A temos aquilo que venho
chamando de construo de memria.
O mecanismo de deslocamento definido por Laplanche (2001) como o Fato
de a importncia, o interesse, a intensidade de uma representao ser suscetvel de
se destacar dela para passar a outras representaes originariamente pouco
intensas, ligadas primeira por uma cadeia associativa (LAPLANCHE, 2001, p.
116). Em outras palavras, digo que o mecanismo de deslocamento resultado deum uso inconsciente da caracterstica associativa da memria o que termina por
criar uma falsa lembrana, mas que possui elementos verdadeiros.
Penso que o mecanismo da condensao opera de uma forma associativa
bem similar. Observemos que Laplanche o define como Um dos modos essenciais
do funcionamento dos processos inconscientes. Uma representao nica
representa por si s vrias cadeias associativas, em cuja interseo ela se encontra
(LAPLANCHE, 2001, p. 87). Identifico ento uma associao que difere da anteriorpor operar em direo convergncia unitria e no na direo duma transposio.
Seja a no lembrana ou a construo de uma memria (deslocamento ou
condeno) h sempre uma fora psquica envolvida, pois [...] a represso exige um
dispndio persistente de fora, e se esta viesse a cessar, o xito da represso
correria perigo, tornando necessrio um novo ato de represso (FREUD, 1997
[1915]). Existe uma presso contnua do recalcado em direo ao consciente o que
exige um dispndio ininterrupto de fora para mant-lo longe. Se esta fora
cessasse, o recalque correria risco e daria lugar ao desprazer ou ansiedade.
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Parece-me plausvel a analogia que iniciei no final da seo anterior: o
recalque funciona como um dos filtros da memria. Ele s vezes no deixa nada
passar e em outras opera modificaes que muitas vezes no so sequer
percebidas.
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4 Consideraes finais
Creio que atingi meu objetivo de identificar os aspectos que relacionam o
recalque memria. No processo, evidenciei que Freud j percebia o valor da
memria e de sua capacidade hipermnsica para a teoria psicanaltica, porm,
acrescento que estas evidncias aparecem em outros momentos da sua obra que
no foram citados neste trabalho.
Observei que, seja por problemas de traduo da verso brasileira, seja por
um desejo de se aproximar do pblico no-cientfico, falta na obra de Freud uma
preocupao com a terminologia da memria. Nota-se ausncia de consistncia no
uso de alguns temos e expresses. Confunde-se, por exemplo, a capacidade de
lembrar com existncia da informao na memria; mas, em outros momentos,
difere-se omisso (incapacidade de lembrar) de esquecimento (inexistncia na
memria de algo que j esteve l).
Tanto por esse motivo, quanto pela extenso da obra de Freud necessria
uma ateno na leitura quando se busca por referncias ao tema memria. Os
primeiros textos apresentam construtos que depois foram abandonados, mas nem
por isto necessitam ser ignorados, apenas lidos com mais ateno. Mas uma coisa
certa: h elementos j nestes textos que colaboram para uma teoria da memria.
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Referncias
FREUD, Sigmund. O mecanismo psquico do esquecimento. [1898]. In: FREUD,Sigmund. Edio Eletrnica de Freud. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1997.
FREUD, Sigmund. Lembranas encobridoras. [1899]. In: ______.
FREUD, Sigmund. A interpretao dos sonhos. [1900]. In: ______.
FREUD, Sigmund. Fluctuat nec mergitur(no braso da cidade de Paris). [1914]. In:______.
FREUD, Sigmund. Represso. [1915]. In: ______.
LAPLANCHE, Jean. Vocabulrio da psicanlise. So Paulo: Martins Fontes. 2001.