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18º Encontro da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas Transversalidades nas Artes Visuais – 21 a 26/09/2009 - Salvador, Bahia
FERIDAS E CICATRIZES
Maria das Graças Moreira Ramos - Graça Ramos
MAV (Mestrado em Artes Visuais) Mestra em Arte e Educação Pensylvania State University – USA. 1980
Doutora em Bellas Artes - Sevilla, ES. 1997 Professora Titular Departamento de Pintura e História da Arte EBA. UFBA
Pesquisadora de Arte Contemporânea Membro Honorário da Academia de Cultura da Bahia
Resumo: O presente projeto é um seguimento do “Reencontro com o objeto perdido: Uma poética do olhar”, apresentado na ANPAP/2005. Trata, portanto de reencontrar objetos abandonados, dilacerados, algumas vezes em estado de decomposição, descartados no espaço geográfico da EBA UFBA. Nossa proposta foi minimizar estas feridas encontradas através de “suturas”, que cognominamos de DESFERIDIZAÇÃO, transversalmente pelos PROCESSOS CRIATIVOS: Disciplina do MAV, ministrado por essa professora, no semestre 2008/II. Palavras-chave: Feridas; Agregação; Reconstrução; Desafio; Cicatrizes; Processos Criativos. APRESENTAÇÃO
A criatividade é um dom inerente ao ser humano. Existem muitas estratégias
para o desenvolvimento da percepção que conduzem a um processo estético,
e este não pode estar separado do intuitivo, eles se necessitam e precisam ser
estimulados.
A ARTE DE MANEIRA GERAL É UM ESPELHO
DOS PENSAMENTOS, SONHOS, GESTOS E ATITUDES.
DESFIRIDIZAÇÃO! Foi a proposta aos alunos do Mestrado em Artes Visuais –
MAV/EBA/UFBA, da Disciplina Teoria e Técnica de Processos Artísticos. O
tema delimitado por todos, teve correlação com o abandono, com o descartado,
com o desprezado, com feridas! 941
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O trabalho em grupo teve caráter processual e foi provocativo no sentido de
levar todos a esquadrinhar as feridas que incomodavam no entorno da velha
EBA e precisavam ser cicatrizadas. Para instigá-los, foram propostas algumas
palavras chaves as quais foram acrescentadas outras dos mestrandos:
LATÊNCIA. ENERGÉTICA. DIALETIZAR. VER. SENTIR. DESAFIAR.
RECRIAR, ARRISCAR. ADAPTAR. AGREGAR. COLAR. MONTAR. PINTAR DESTRUIR. CONSTRUIR. AVALIAR.
INSISTÊNCIA. PESERVERANÇA. DISCIPLINA.
Alguns artistas como Geovanna Dantas e William Martins foram
convidados para interagirem com a turma e comentar sobre seus processos
criativos no sentido de desenvolver uma melhor integração do grupo e criar
estímulo através da troca de experiências.
O OLHAR É UM LOUCO CONSTRUTOR DE SONHOS!
Construir uma obra a partir do lixo ou de objetos perdidos, deixados ao acaso,
pelo desuso ou “abandono”, a princípio não é nada fácil, somente a Arte
Contemporânea com o seu repertorio de questionamentos, transversalidade e
fluidez mutante, poderia patrocinar tal empreitada ao se apropriar de imagens
atribuindo a elas novos significados. O pedagogo Ulisses Araújo (2003)
argumenta que “o percurso escolhido para apresentar os caminhos que levam
à transversalidade e aos temas transversais passam por discussões sobre
interdisciplinaridade, multidisciplinaridade, transdisciplinaridade”, culminando
com o construtivismo que envolve a arte.
No olhar do artista todo objeto contém de forma intrínseca uma alma e uma
força interior. A imagem ou figura percebida ainda que pertença ao mundo do
ilógico desencadeia no devaneio do criador. As formas saltam aos olhos
quando as contemplamos e nas mãos do artista, podem representar o macro
ou micro universo do seu mundo interior. Para Bachelard (1989) “de um modo
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geral, acredita-se que a psicologia das emoções estéticas ganharia com o
estudo de zonas de devaneios materiais que antecedem a contemplação”.
Existe uma relação simbiótica entre uma mirada contaminada de arte e o
objeto, que parece reclamar um espaço diferente do abandono. A partir da
intuição do instante, o sentido ou a percepção devem estar prontos para que
esta percepção ocorra com uma velocidade absoluta.
O processo de construção, transformação ou transmutação ocorre através
deste devaneio, atingindo a poética do olhar. Então, a obra se faz por si mesma
e exige do artista “fazedor”, uma “feitura”, um ritmo processual e poético. A
matéria informe, o espaço vazio, o gesto ou a sucessão de gestos, são os
principais protagonistas.
Mas, O OLHAR É QUE DENUCIA A OBRA. É dele que nascem todas as
coisas e no acreditar que haveremos de transcender. Leonardo Boff comenta
que “A transcendência é o maior desafio do ser humano”.
DELICIAS x ESPANTO = PRAZER
Sob esta trilogia, os quatro elementos terra, fogo, água e ar, foram
experimentados como arquétipos do inconsciente humano.
Processo Criativo, Água, Fogo e Ar
Bachelard (1989) observa que “a água como elemento transitório é a
metamorfose ontológica essencial entre o fogo e a terra”. O fogo em contato
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com a água produz sons que podem ser detectados em seus sentidos, físico,
imaterial e virtual. Bachelard (1994) considera:
O fogo é um fenômeno privilegiado capaz de explicar tudo. Se tudo o que muda lentamente se explica pela vida, tudo o que muda velozmente se explica pelo fogo. O fogo é ultravivo, intimo e universal. [...] O fogo para o homem que o contempla é um exemplo de pronto devir e um exemplo de devir circunstanciado. Menos abstrato e menos monótono do que a água que flui, mas, rápido inclusive em crescimento e mudança [...] O fogo sugere o desejo de mudar, apressar o tempo, de levar a vida a seu termo, a seu além. Então o devaneio é realmente arrebatador dramático; amplifica o destino humano.
Os efeitos sensíveis e as interações entre ambos (água e fogo) têm aspectos
filosóficos, pela mística que envolve sua gênese. O ar entrou como
complemento na interação entre fogo e água. A terra foi trabalhada como umas
das atividades, utilizada como matéria, deu oportunidade ao grupo de ter uma
experiência tátil. Terra e ar são elementos opostos, um é tangível e o outro
intangível. Um representa o concreto e o outro o abstrato.
Imagens das Oficinas: manipulação dos elementos água, terra, cola e
pigmentos terrosos
Bachelard (2001) comenta que Nietzsche “era um poeta da matéria. [...] Para
Nietzsche a terra oferece a oportunidade de ação, de vida unicamente ativa”.
Como elemento vivo e ativo a terra foi manipulada em sala de aula e a ela foi
acrescentada água para trabalhar de forma lúdica, processo que em alguns
alunos causou “angústia e até asco” pelo medo de se sujar. A esses elementos
foram acrescentados, materiais descartados, restos de construção,
reencontrados no espaço geográfico/EBA, campo exploratório deste projeto.
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O lixo industrializado, velhas máquinas abandonadas e corroídas pelo tempo,
madeira, troncos de velhas árvores derrubadas, pregos, arame, sementes,
pedras, pedaços de asfaltos, entre outros elementos, foram utilizados pelo
grupo em experiências informais e matéricas. Através do processo de
manipulação da terra, do ar e da água, surgiram outros objetos (obras)
agregação dos objetos reencontrados. No sentido geral todos esses elementos
podem ser integrados e reintegrados um ao outro, porque permitem essa
integração. Manipular, trabalhar e retrabalhar foi um processo de retorno à
nossa origem.
O IMAGINÁRIO É A FONTE GESTORA DO ATO CRIADOR, ONDE A FORMA SE LIBERTA DO APRISIONAMENTO DO MUNDO REAL.
O que nos cerca, o meio ambiente, nosso cotidiano, inevitavelmente requisita
nossa mirada, nossa intervenção, ainda que imaginária. Segundo Cirlot (1990) “os melhores artistas contemporâneos advertiram de modo preciso e
clarividente esse valor recôndito dos objetos humildes, sejam naturais ou
artificiais” e cita Hans Arp, Max Ernest, Pablo Picasso, Joan Miró e Marcel
Duchamp, que reconheceram, descobriram coisas em seus passeios pelos
arredores da cidade ou orla do mar. O olhar sobre o espaço público ou que nos
rodeia, sedimenta, constata o que há de BELO ou FERIDO no cotidiano do
homem.
No processo investigativo a reflexão se torna criadora quando abandona o
lógico. A metáfora que envolve a busca por feridas que necessitam ser
cicatrizadas, se traduz nesse encontro. Muitas vezes, para se conseguir certa
“coerência” é necessário juntar retalhos e rebutalhos da vida, num processo
dolorido. Mexer em velhas feridas pode causar náuseas e a cicatrização pode
machucar a alma. Porém, algumas barreiras e dificuldades na manipulação
desses elementos, foram vencidas.
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O entendimento é de que o objeto reencontrado, desde o momento em que é
visto, passa a pertencer ao artista, algo material ou mesmo “coisificado”, que
faz parte da natureza da vida do homem, sendo transportado a outro lugar para
exercer outra função. Seria converter esse objeto em elemento essencial,
representando a realidade ou mesmo uma idéia, um sonho uma ilusão,
transmutá-lo ao mundo da poesis.
DO MUNDO INDUSTRIAL, DO LIXO, OU DO ACASO, REENCONTRAR COM
O OBJETO PERDIDO É COMO MATERIALIZAR UMA ILUSÃO INTERIOR, ONDE O TEMPO PERDIDO É REFEITO PELO PRAZER DE UMA POÉTICA
DO OLHAR.
Bérgson (1999) afirma que “as coisas independem do olhar, o objeto existe por
si mesmo”, contudo, quando a imaginação se identifica com a imagem poética
transmitida pelo objeto, pode provocar devaneios e outro sentido de ser.
Na visão contemporânea de Huberman (1998) “um objeto é resultado e
processo ao mesmo tempo”. Assim, o objeto deixa de ser forma para ser
expressão e conteúdo. Seja qual for sua origem, o vínculo estabelecido entre a
artista observador e o objeto encontrado, legitima o ato criador. A arte já não é
uma mera representação da coisa ou objeto, o objeto é a própria arte. O que
antes era apenas matéria abandonada, através do olhar e do gesto, pode vir à
tona, emergindo como signo. Como o objeto truvé que aos olhos dos artistas
Dadá, foi transformado em ready-mades, passando à categoria de obra de arte.
DEPOIMENTO DOS ALUNOS DO MESTRADO E ARTISTAS CONVIDADOS:
Adriano Castro dirigiu seu olhar para fora do âmbito da proposta do grupo e
elegeu a cidade como seu campo de pesquisa. Disse esse mestrando:
Construções são agressões físicas que a cidade sofre diariamente. É violência em estado bruto, feita de concreto, tijolo e andaimes. É uma ferida que se abre na cidade. [...] Ressignificando seus espaços, os andaimes e
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guindastes mostram-se mensageiros de uma estética de cidade, no mínimo discutível.
Bené Santana, mestrando da disciplina fez a coordenação do catálogo e
também escreveu sobre o resultado de nossas investigações:
[...] A plasticidade, encontrada nestes trabalhos, propõe trazer à luz uma abordagem sobre a construção individual-simbólica da poética visual contemporânea. As obras alem de traduzirem e acentuarem a potencialidade de cada participante revelam-se como ato criativo, registro histórico e, sobretudo, iniciativa singular nas praticas visuais. Observam-se nelas as impressões de uma concreta realidade, tanto na esfera humana quanto social. Os artistas buscam amalgamar com suas cicatrizes, a partir das apropriações, deslocamentos e ressignificação dos objetos encontrados como forma de minimizar os desgastes e os desusos, que literalmente, traduzem as nossas feridas. Isso demonstra de certa forma, o comprometimento desses expoentes, voltados para a investigação permeada pelas ideais conceituais da nossa sociedade contemporânea.
Bené Santana: chassi de aglomerado, tinta acrílica e pigmento Graça Ramos: obra matérica utilizando material reencontrado.
Devarnier Hembadoom, artista convidado fez uma homenagem especial a um
companheiro, Eduardo Thadeus, artista plástico musico underground, já morto,
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ex. aluno da EBA, que deixou alguns murais em nossa instituição e que depois
“foram apagados durante as reformas”. Nessa homenagem a para cicatrizar a
ferida do esquecimento, Deva fez intervenções no banheiro masculino da EBA
numa analogia ao material que ali é depositado e depois esquecido.
Eduardo Góes participou das experiências matéricas e observou que “na vida,
traçamos o nosso caminho através de escolhas conscientes ou não”. Sua obra
Desvios, resultado do projeto é segundo ele “uma representação artística
desse mapa da alma, marcada por feridas e cicatrizes ao longo desse
percurso, onde, optamos em ser vítimas ou heróis”.
Evandro Sybine produziu a série de gravuras “Marcas da EBA”, onde “mostra
uma construção plástica fictícia, tomando como ponto de partida imagens de
observações descompromissadas do cotidiano”. Ainda segundo ele “As estampas
apresentam minha investigação na xilografia na qual procuro trabalhar a gravura em
grande formato, explorando suas texturas originais, criando outras através do entalhe”.
Com estas marcas ele procura retirar texturas (paredes, chão, objetos etc) que
demarcam lugares de passagem dos espaços da EBA/UFBA.
Jaci Mattos comenta sobre seu processo criativo:
Algumas lesões do corpo humano, sejam elas internas ou externas, necessitam de tratamento cirúrgico para serem curadas. Nesses casos, o médico envia material tecidual para posterior análise em laboratório competente. Dialogando metaforicamente com esse procedimento, os ‘tecidos excisionados’ da sala 5, do Barracão da EBA, forneceram amostras para a Instalação Análise Patológica e para a obra bidimensional Quelóide, que foi fixada numa das placas ‘transplantadas’, atuando como uma cicatriz de bordas protuberantes, que, irreversivelmente, deixará aparente a ‘excisão’ ali realizada.
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Jaci Mattos - Instalação: Lascas de madeira, tubos de ensaio...
Janete Kislanky – Acrilica, pigmento e restos de tecidos sobre janela abandonada
Janete Kislansky, artista convidada, fotografou todo o material encontrado
contribuindo providencialmente para o nosso arquivo de imagens. A artista
poetisou sua percepção de todo o processo criativo:
[...] A arte grita. A arte fala. A arte imita. Ah, arte infinita! O artista pinta. A arte em toda parte; O artista que cria. A arte que seria. A arte transforma. [...] A arte em sua veia. A arte vibra. A arte se contorce. O artista torce. O artista tece. A arte grita. A arte fala. A arte imita, Ah arte infinita. O artista cria, recria, copia e finalmente faz, desfaz e refaz. E no seu fazer tem amor, no desfazer vem a dor e ao refazer o louvor. Criar, criar e criar, mantém viva a arte, mantém acesa a chama, o artista que ama a arte que declama.
Jani Sault descreve seu processo criativo como “trabalhar, retrabalhar e
ressignificar os objetos encontrados no espaço EBA/UFBA, cicatrizados sob a
perspectiva de uma linguagem contemporânea”. Assim catou do lixo da EBA
material com o qual compôs a obra “O homem encurralado” metáfora que
sugere a condição trágica do povo brasileiro - preso por chaves e grades em
sua própria casa ou trabalho.
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Jani Sault: palett e cabeça em gesso Lico Santana: Tronco da árvore e metal trabalhado
Nelson Magalhães: acrílica s/tela
Lico Santana buscou experimentar e investigar a relação entre a madeira e o
metal enfoque da sua pesquisa. Assim, consegue “interagir, fundir, através da
metalurgia e suas ligações com a arte mecânica, as oportunidades de
engrenar, unir e soldar as costuras e junções do metal com a matéria orgânica
‘madeira’, em sua concepção tridimensional”.
Luis Aguilar utilizou como suporte plástico um banquinho, o objeto que
pertencia ao lixo da EBA e que tinha perdido sua funcionalidade estética revelou nova
funcionalidade. Para ele” o concretismo dos objetos é matéria prima básica para a
obra de arte”, quando em desuso, ou são abandonados, resgata-se uma ferida que
passou a se transformar em cicatriz.
Nelson Magalhães Filho descreve seu trabalho brincando com as palavras:
Realizar trabalhos de arte, à base das existências, é como transpor as imensidões dolorosas das noites urinadas. Fingir figuras concebidas do desejo e da amargura. Não acredito na pintura agradável. Há algum tempo meu trabalho é como um lugar em que não se pode viver. Uma pintura inóspita e, ao mesmo tempo infectada de frinchas para deixar passar as forças e os ratos.
Paulo Guinho argumenta que;
A partir de formas encontradas em sítios urbanos, apropriando-se de imagens extraída do desgaste natural, conseqüência das intempéries, ações, nódoas ou agressões físicas desses resquícios, procurou-se interpretar essas formas,
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transformando rebocos feridos, paredes decompostas, muros e passeios da cidade em objetos visuais.
Ricardo Guimarães também brinca com o processo: “Apresenta idéias,
sensações, saudades, elucubrações, enfim, um olhar crítico, às vezes com
humor, sobre minha percepção e sentimentos em relação às feridas e
cicatrizes. Sem feridas no pulso ou cicatrizes na cabeça, espero que elas
ardam no pensamento”.
Parte do Grupo Feridas e Cicatrizes e Contra Capa do Catálogo O Projeto Feriadas e Cicatrizes, foi finalizado de forma brilhante. Os objetos
apesar de extraídos do lixo, quando ressignificados, tornam-se obras de arte,
de grande valor. O objeto perdido ou descartado sai do estado de abandono,
para outro universo: dos museus e galerias de arte.
Os exercícios em sala de aula, com as matérias terra, água, fogo e ar foram no
sentido de desenvolver a percepção e a sensibilidade, criatividade através do
olhar. “A vontade, tomada em seu aspecto schopenhaueriano, cria olhos para
contemplar, para se apascentar na beleza” (BACHELAR, 1989).
As vezes nos maravilhamos diante de um objeto eleito; acumulamos as hipóteses e os devaneios; formamos assim convicções que tem aparência de um saber. Mas a fonte inicial é impura: a evidencia primeira não é uma verdade fundamental. De fato, a objetividade cientifica só é possível se inicialmente rompermos a sedução da primeira escolha, de determos e refutarmos os pensamentos que nascem da primeira observação. Toda objetividade, devidamente verificada, desmente o primeiro
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contato com o objeto. Ela deve, em primeiro lugar, criticar tudo: a sensação, o senso comum. [...] longe de maravilhar-se, o pensamento objetivo deve ironizar (ÉLUARD apud BACHELARD, 1994).
Ao investigar o espaço EBA o grupo já estava com o olhar preparado, treinado
para identificar o objeto ideal, produto do seu desejo. Paulo Sergio do Carmo
no seu livro Merlau-Ponty: uma introdução (2004) relata:
No pensamento merlau-pontyano deve-se superar o dualismo entre o sentir e o entender, porque esse depende da interação entre ambos. Numa relação de conhecimento, é necessário um mergulho no sensível, unindo o sujeito que conhece o objeto que é conhecido. A filosofia do olhar parte da visão em seu sentido literal, para alargar o horizonte de visibilidade, fazendo do contato com o mundo sensível o fundamento da verdade. Não se trata do ‘pensamento de ver’, mas, da reversibilidade de ver/ser visto, em que o enigma da visão se faz no meio das coisas, ‘lá onde o visível se põe a ver’.
Assim, bi ou tridimensionais, as construções desenvolvidas pelo grupo,
apresentam técnicas diversificadas de grande poder estético e plasticidade,
resultando em trabalhos inusitados. Individual ou em grupo, provaram que a
Arte Matérica e Híbrida carregam intrinsecamente grande abertura e força
poética. Mesmo nas circunstancias mais precárias, do campo de observação,
complementam-se enquanto suporte de linguagem contemporânea.
Participaram da exposição 14 artistas que interagiram de maneira coesa,
apesar da diversidade de temáticas e pesquisas pessoais. A montagem da
exposição teve a participação de todos e o resultado foi brilhante! Uma mostra
de excelente plasticidade. Por fim, houve uma verdadeira interação,
conduzindo ao ápice do objetivo proposto.
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REFERÊNCIAS
ARAUJO, Ulisses F. Temas transversais e a estratégia de projetos. São Paulo: Ed. Moderna, 2003.
BACHELARD, Gaston. A água e os sonhos. São Paulo: Ed. Martins Fontes, 1989.
BÉRGSON, Henri. Matéria e Memória. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
CARMO, Paulo Sergio do. Merleau-Ponty: uma introdução. São Paulo: EDUC, 2004.
CIRLOT, Juan-Eduardo. El mundo de lo objeto. Spain: Anthropos,1986.
HUBERMAN, Georges-Didi. O que vemos, o que nos olha. São Paulo: Ed 34, 1998.
RAMOS, Graça. Cultura Visual e desafios da pesquisa em artes. Reencontro com o Objeto Perdido: uma poética do olhar. Goiânia: ANPAP, 2005.