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FERNANDA SANTOS DE CASTRO - bdae.org.brbdae.org.br/dspace/bitstream/123456789/2219/1/tese.pdfTinha visto um quadro com a cara da princesa. Casamento de interesses políticos lá dos

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FERNANDA SANTOS DE CASTRO

NAVEGADORES NA ESCOLA:

IDENTIDADE CULTURAL EM TEMPOS DE INTERNETÊS

Dissertação de Mestrado em Educação do Programa de Pós-Graduação em Educação

da Universidade Luterana do Brasil

Orientadora: Lodenir Becker Karnopp

Canoas

2006

Ao EvertonAo EvertonAo EvertonAo Everton

–––– no plural no plural no plural no plural ––––

A algumas pessoas especiais, meus agradecimentos:A algumas pessoas especiais, meus agradecimentos:A algumas pessoas especiais, meus agradecimentos:A algumas pessoas especiais, meus agradecimentos:

Everton (meu primeiro amor) . . .

Lodi, pelas orientações do nossonossonossonosso trabalho. Nunca estive sozinha!

Pai, pelo incentivo e apoio.

Fernando, pelas várias mãos.

Elizete, pelo olho no internetês da escola.

Ieda, mesmo que uma vez, pelo cuidado com meu bem mais precioso (Tom).

Elisa, minha amiga, pelas reflexões.

Bruno (que eu não conheço) pelos micros!

Douglas (meu “cumpadi”) pela impressora...

Daniela, pelo lindo trabalho na capa.

Rose, por alguns “galhos”.

Colegas de curso, que deram o ombro, que leram o texto, que partilharam os cafés...

Rosa, pela tradução.

Max, pelas dicas do orkut e algumas considerações.

Aos meus alunos, pela oportunidade.

AMOR SÓ DE LETRASAMOR SÓ DE LETRASAMOR SÓ DE LETRASAMOR SÓ DE LETRAS Conta a história que Dom Pedro II casou-se sem conhecer a sua noiva. Tinha visto um quadro com a cara da princesa. Casamento de interesses políticos lá dos portugueses, fazer o

quê? E quando a moça chegou no porto do Rio de Janeiro - consta - que ele fez uma cara emocionada. Pela feiúra da imperial donzela. Mas casou, era o destino, era a desdita.

Tenho um avô que foi pedir a mão da moça e o pai dela disse: - Essa tá muito novinha. Leva aquela. E ele levou aquela que viria a ser a minha avó. Ah, a outra morreu solteirona. Quando aconteceu o grande boom da imigração japonesa, alguns anos depois, familiares que lá ficaram

mandavam noivas para os que cá aportaram. Tudo no escuro. E de olhinhos fechados, ainda por cima. De uns tempos para cá, o conceito da escolha foi mudando. Até ir para a cama antes, valia. Ficava-se antes. Só que agora, finzinho do finzinho do século, surgiu um outro tipo de casamento. O casamento de letras.

Letras de textos. O texto - finalmente, digo eu, escritor - virou casamenteiro. Apaixona-se, hoje em dia, pelo texto. Via internet. Via cabo, literalmente.

Conheço quatro casos bem próximos. Gente que desmanchou o casamento de carne e osso por uma aventura no mundo das letras.

Claro que estou me referindo aos encontros via internet. Começa no chat, com o texto. Gostou do texto, leva para o reservado. E lá, rola. Eu mesmo já me envolvi perdidamente por dois textos belíssimos. Moças de vírgulas acentuadas, exclamações sensuais e risos de entortar qualquer coração letrado ou iletrado.

Sim, pela primeira vez nesta nossa humanidade já tão velhinha, as pessoas estão se conhecendo primeiramente pela palavra escrita. E lida, é claro.

Já disse, isso envaidece qualquer escritor. Agora, o texto pode levar ao amor. Uma espécie de amor-de-texto, amor-de-perdição.

A relação, o namoro, começa ali no monitor. Você pode passar algumas horas, dias e até semanas sem saber nada da outra pessoa. Só conhece o texto dela.

E é com o texto que vai se fazendo o charme. Você ainda não sabe se a pessoa é bonita ou feia, gorda ou magra, jovem ou velha. E, se não for esperto, nem se é homem ou mulher. Mas vai crescendo uma coisa dentro de você. Algo parecidíssimo com amor. Pelo texto.

Pouco a pouco, você vai conhecendo os detalhes da pessoa. Idade, uma foto, a profissão, a cor. Inclusive onde mora. Sim, porque às vezes você está levando o maior lero com o texto amado e descobre que ele vem lá da Venezuela. Ou do Arroio Chuí. Mas se o texto for bom mesmo, se ele te encanta de fato e impresso, você vai em frente. Mesmo olhando para aquela fotografia - que deve ser a melhor que ela tinha para te escanear (ou seria sacanear, me perdoando o trocadilho fácil) você vai em frente. "Uma pessoa com um texto desses..." A tudo isso o bom texto supera. Quando eu ouvia um pai ou mãe dizendo "meu filho fica horas na internet", todo preocupado, eu também ficava. Até que, por força do meu atual trabalho, comecei a navegar pela dita suja.

E descobri, muito feliz da vida, que nunca uma geração de jovens brasileiros leu e escreveu tanto na vida. Se ele fica seis horas por dia ali, ou ele está lendo ou escrevendo. E mais conhecendo pessoas. E amando essas pessoas.

Jamais, em tempo algum, o brasileiro escreveu tanto. E se comunicou tanto. E leu tanto. E amou tanto. No caso do amor ali nascido, a feitura, o peso, a cor, a idade ou a nacionalidade não importam. O que é mais

importante é o texto. O texto é a causa do amor. Quando comecei a escrever um livro pela internet, muitos colegas jornalistas me entrevistavam (sempre a mim e

ao João Ubaldo) perguntando qual era o futuro da literatura pela internet. Há quatro meses atrás eu não sabia responder a essa pergunta. Hoje eu sei e tenho certeza do que penso: - Essa geração vai dar muitos e muitos escritores para o Brasil. E muita gente vai se apaixonar pelo texto e no

texto. Existe coisa melhor para um escritor do que concluir uma crônica com isso? Como diria Shakespeare, palavras, palavras, palavras. Como diria Pelé, love, love, love."

(MÁRIO PRATA)

RESUMO

A língua é viva, dinâmica. Considerando essa afirmação, investigou-se a transformação que a escrita da língua portuguesa está sofrendo devido às novas formas com que os estudantes relacionam-se com ela, a partir do contato com o ciberespaço, cada vez mais disseminado. Na presente pesquisa, a identidade cultural de estudantes usuários da internet, bem como a investigação da ocorrência da linguagem da internet (internetês) na escrita de textos escolares foram os itens analisados. O material coletado, obtido no primeiro semestre de 2005, consta de trabalhos escolares realizados por alunos do Ensino Médio que envolviam quaisquer textos escritos por eles que apresentassem a linguagem da internet e que circularam dentro da escola, independentemente do interlocutor, e conversas gravadas entre professora e alunos através do Messenger (programa de computador que possibilita a comunicação instantânea). Em 2006, foi realizada outra coleta de dados para ampliar a discussão sobre a identidade cultural de estudantes usuários da internet: realizaram-se entrevistas com adolescentes sobre seu contato com o ciberespaço, abordando tópicos relacionados ao uso de nickname, internetês, orkut. A análise desse material empírico objetivou discutir quem são os sujeitos que (e onde) utilizam essa linguagem, por que o fazem e com quem se relacionam. Tais análises aproximam a pesquisa das discussões realizadas no campo dos Estudos Culturais em Educação. Para tanto, estudiosos como Augé (1994); Bauman (2005); Candau (2001), Chartier (1999); Frago (2002); Hall (2005); Harvey (2004); Lévy (1999); Maffesoli (1987, 1995); Manguel (2004); Marcuschi (2004); Sarlo (2004) subsidiaram o embasamento teórico, privilegiando os três focos da pesquisa: identidade cultural, língua portuguesa e internet. A convivência dos adolescentes com o meio eletrônico e os depoimentos obtidos através da entrevista apontam para um redimensionamento no que diz respeito à aceitação das várias formas de utilização da língua escrita em determinados contextos e situações. Surge uma nova “gíria” na escrita, que não interfere, entretanto, no uso da língua padrão em situações em que essa forma é exigida.

Palavras-chave: Identidade cultural, língua portuguesa, internet

ABSTRACT

The language is lively, dynamic. Considering this affirmation, we investigated the transformation on the writing of Portuguese language due the new forms which the students are connected with it, from the contact with the cyberspace, more and more disseminated. In the present inquiry, the cultural identity of students who use the Internet, as well as the investigation of the incident of internet language (internetês) in writing school texts were analyzed . The collected material obtained in the first semester of 2005, about school works carried out by students from High School were involved any written texts by them who wer presenting the internet language and that circulated inside the school, independently of the interlocutor and records talks among teacher and students through the Messenger (program of computer that makes possible the instant communication). In 2006, another collection of data was carried out to enlarge the discussion on the cultural identity of students who were connected through internet: interviews were carried out with the adolescents on their contact with the cyberspace, approaching topics related of using nickname, “internetês”, “orkut”. The analysis of this empirical material aimed to discuss who these people are (and where) they use this language, why they do it and to whom. Such analysis approaches discussion on research done in the field of Cultural Studies in Education. For so much, scholars as Augé (1994); Bauman (2005); Candau (2001), Chartier (1999); Frago (1993); Hall (2005); Harvey (2004); Lévy (1999); Maffesoli (1987, 1995); Manguel (2004); Marcuschi (2004); Sarlo (2004) subsidized the theoretical foundation, privileging three focuses on the research: cultural identity, Portuguese language and Internet. The familiarity of the adolescents with the electronic way and the evidence obtained through the interview point out how writing language can be accept in some contexts and situations. A new slang appears in the writing, but that does not interfere in the use of the standard language in situations which its form is demanded.

Key-Words: Cultural identity, portuguese language, internet

SUMÁRIO

1 À MANEIRA DE INTRODUÇÃO ................................................................................09 1.1 Busca: Internetês .................................................................................................15 2 A LÍNGUA ATRAVÉS DOS TEMPOS ........................................................................21 3 OFF OU ON? OS DOIS LADOS DA ESCRITA ..........................................................35 4 IDENTIDADES INTERNAUTAS .................................................................................66 4.1 Identidade Cultural, Língua Portuguesa, Internet .................................................68 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................87 6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...........................................................................91 7 ANEXOS.....................................................................................................................95

LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Rótulo do guaraná kuat ..............................................................................10

Figura 2: Produção textual feita por aluno do Ensino Fundamental ..........................38

Figura 3: “Conversa” de alunas através de bilhete na aula de Matemática ...............39

Figura 4: Cartão do Dia do Professor/a .....................................................................40

Figura 5: Cartão do Dia do Professor/a .....................................................................40

Figura 6: Dedicatórias................................................................................................41

Figura 7: Mensagem para aluno afastado das aulas por motivo de saúde................41

Figura 8: Rascunho de trabalho de produção textual do Ensino Médio ....................42

Figura 9: Agradecimento do grupo responsável pela correção de exercício .............42

Figura 10: Descrição das palavras em internetês de A a C.......................................46

Figura 11: Descrição das palavras em internetês de D a F .......................................47

Figura 12: Descrição das palavras em internetês de G a M......................................48

Figura 13: Descrição das palavras em internetês de N a Q ......................................49

Figura 14: Descrição das palavras em internetês de R a X.......................................50

Figura 15: Gráfico demonstrativo do sexo dos indivíduos pesquisados ....................51

Figura 16: Gráfico demonstrativo da idade dos indivíduos pesquisados...................51

Figura 17: Gráfico comparativo entre diferentes padrões de língua ..........................52

Figura 18: Gráfico comparativo entre internetês e norma padrão .............................53

Figura 19: Recado do aluno A na folha da prova de Literatura .................................63

Figura 20: Recado do aluno B na folha da prova de Literatura .................................64

Figura 21: Recado do aluno C na folha da prova de Literatura .................................64

Figura 22: Gráfico demonstrativo da idade dos indivíduos entrevistados..................83

Figura 23: Gráfico demonstrativo do sexo dos indivíduos entrevistados...................83

Figura 24: Gráfico demonstrativo dos tipos de nicknames utilizados ........................84

Figura 25: Gráfico demonstrativo dos interesses dos alunos no orkut ......................85

1 À MANEIRA DE INTRODUÇÃO

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O e-mail é telefone sem constrangimento, fax sem sinal de ocupado, secretária eletrônica sem balbuciar para o vazio. Mas me pergunto se não estou sentindo falta de receber uma longa carta, com aquelas páginas de caligrafia personalizada, bem selada, gordinha e quentinha a me esperar numa caixa de correio de verdade. Estamos ficando maravilhosamente infelizes. (Nei Lisboa, músico)

A sensação de saudade ou de melancolia de que o músico trata tem se tornado

comum neste início de século em que as transformações geradas pela tecnologia

são cada vez mais rápidas e bruscas. Poderia deter-me apenas no exemplo da carta

e colher depoimentos diversos sobre suas diferenças em relação ao e-mail. Numa

conversa, ouvi que “a carta é mais charmosa porque podemos ter certeza de que

passou pelas mãos de quem a enviou”. Nesse caso, para essa pessoa, os

sentimentos do remetente foram transferidos para o papel da carta porque foi a

própria mão que segurou a caneta e escreveu determinadas palavras.

Esse contato entre pessoa-objeto-pessoa ainda existe, mas tem sido

substituído por um outro tipo menos pessoal, talvez; mais imediato, certamente.

Passei por uma situação semelhante à do músico, pelo menos no que diz respeito

ao estranhamento, quando, ao pedir uma pizza, informaram pelo telefone que

ganharíamos um refrigerante. Ao chegar a encomenda, fixei-me por alguns instantes

no rótulo do guaraná1:

Figura 1: Rótulo do guaraná Kuat

1 O destaque em azul na palavra "kbça" não faz parte do rótulo original.

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Depois de ver a forma como a palavra “cabeça” havia sido escrita, comecei a

observar mais atentamente o tipo de linguagem utilizada nos anúncios que, até

então, para mim, era exclusiva de textos veiculados através da internet.

Um estranhamento, acompanhado de espanto talvez, eu pude sentir, naquele

momento, mesmo que, de alguma forma, sempre estivesse rodeada por situações

que envolviam o computador e a internet. Era freqüentadora assídua de salas de

bate-papo na adolescência, ainda que tivesse contra mim uma conta de telefone

excessiva no final do mês, acompanhada de uma expressão séria do meu pai, além

do sono e do cansaço de quem trabalhava e estudava durante a semana.

As conversas on-line2 eram tão envolventes que resultaram em casamento. Um

casamento real, com vestido de noiva, festa, lua de mel... Depois de casada, claro,

os interesses mudaram, e a freqüência de visitação a esse tipo de site diminuiu. No

entanto, sempre me vi cercada pela linguagem que é adotada nas conversas on-line,

pois continuei me comunicando por e-mail, não só com amigos virtuais, mas cada

vez mais com pessoas reais, já que o e-mail se tornou um meio de comunicação

compartilhado por quaisquer pessoas que têm acesso a computadores.

A praticidade e a rapidez mudaram parte da nossa cultura: passamos a utilizar

muitas abreviações, poucas letras, muitos símbolos, poucas palavras, num tempo

muito menor do que aquele que os antigos meios de comunicação nos permitiam,

como acontecia com o envio de cartas através do correio: o e-mail é instantâneo, ao

passo que a correspondência tradicional leva, pelo menos, um dia para chegar ao

destino. No entanto, o fato de utilizar freqüentemente esse tipo de linguagem

somente em conversas on-line remetia-me à crença de que isso sempre estaria

aliado ao suporte eletrônico.

Como professora de português, sempre rejeitei qualquer tipo de texto,

independentemente do suporte em que se apresentava, que se apropriasse do

2 É importante registrar que, no decorrer do texto, alguns termos que utilizo, como por exemplo, on-line, ciberespaço, ambiente virtual, internet, mundo eletrônico, web, espaço cibernético e digital têm o intuito de tornar mais agradável a leitura e menos repetitiva. O que enfatizo, no meu trabalho, não é a distinção entre eles, mas a relação com a rede mundial de computadores. Não desconsidero, entretanto, que possa haver algum estudo específico sobre a diferenciação entre tais temas.

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internetês3. Ao entrar nas salas de bate-papo, sempre procurava conversar com

pessoas que escreviam “corretamente” as palavras; poderia dizer, inclusive, “por

extenso”. Observava, também, aquelas pessoas que acentuavam e utilizavam as

maiúsculas. Aos poucos, fui me sentindo um ser “extra-internet”, já que,

praticamente, só eu escrevia com o devido cuidado ortográfico, tão importante para

mim.

Eu tinha, na verdade, muita prática na digitação. Era fácil e rápido escrever

conforme a norma ortográfica. O que passei a observar foi o tempo da escrita. Notei

que as pessoas que freqüentavam os chats escreviam assim para não demorar

tanto. Quando o “papo” está bom, “esquentando”, queremos saber mais e mais... É

como numa conversa presencial, em que você quer mais é poder “dizer” e “ouvir” o

máximo possível. Por que não abreviar? Logicamente, depois de tanto conviver com

essa linguagem, passei a utilizá-la também.

O conflito surgiu, naquela ocasião, porque eu sou professora de português e

impossível foi ficar alheia a toda essa mudança no comportamento da língua e no de

quem escreve, já que, numa determinada aula, uma aluna da 8ª série escreveu:

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O Português e a Internet4

Oiiii!!! Eu estava sem inspiração para escrever... Então eu fui para a “net” falar com meus amigos. Depois de falar um monte com eles, veio a inspiração... A

net. E como as pessoas falam errado na net. Nos erros de português...Que chegam a viciar. Eu por exemplo, tô quase me matando aqui para escrever

bonito... Agora, se eu vou escrever comu eu escrevu na net...cs

acham q alguém ia intendr?? Tudu erradu..e cum a mania di por u H kandu c põem u

acentu ` Ou kandu tem q por u ~ num não, por exemplu, a gentih

escrevi naum..ou coisas axim...eh complikdu intender neh??? A gentih pega a mania..e dpois..na hr di por tudu biitoh em

3 Freire (2003b) conceitua a linguagem usada pelos internautas, pessoas que têm acesso à internet, como “internautês”. Optei pelo uso do termo “internetês”, uma vez que esse é mais comum e é o que circula na maioria dos meios de comunicação. Ver, no anexo A, duas reportagens, uma da Folha de São Paulo e outra da revista Veja, que usam o termo “internetês”. 4 Texto escrito pela aluna HCZ.

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trabalhux...sai essa coisah.. To iscrevendu axim..soh pa vcs verem..vai dizer q num fik

confuxu di intender??? Mas eh tri neh??eh mais fácil..di escrever...agolah qm tah

lendu...demorah tmpu pa intender... Mas sei lah u q por agolah..pq na real..meu forti num eh

ispiraçaum..hahah Boum...pur issu q eu paço tantu tempo na net.. Ouvindu musikinhas e falandu cum meus miguxus... Pa v c veim uma lux...bah q idiotice q eu falei.. Bom, agora eu vou falar direito, senão a professora me mata,

hehe, Mas sério mesmo, se for ver, na hora de fazer os trabalhos,

onde mais erramos é na hora de pôr em prática nossa ortografia...

Com essa mania, sempre acabamos falando algo errado... Que temos que esquecer né... (...)

Mas vai dizer que não é bom? Bjuxxx e t+

Ao receber o texto dessa aluna, estava trabalhando num projeto que teve início

no ano de 2002, intitulado "Unindo idéias e línguas com letras e traços". Esse

projeto interdisciplinar, elaborado por professores/as do Ensino Fundamental,

envolvia as disciplinas de Língua Portuguesa, Língua Inglesa, Língua Espanhola,

Educação Artística e Informática. De alguma maneira, alunos/as e professores/as

engajavam-se num longo trabalho de produção de textos, imagens e digitalização do

material produzido. O título da obra e a imagem principal da capa também faziam

parte dos trabalhos e era uma atividade proposta através de um concurso em que

todos os interessados poderiam dar como sugestão uma criação própria. A equipe

de professores/as reunia todos os desenhos e títulos sugeridos e decidia os que

mais se adequariam à proposta daquele ano.

No terceiro ano de desenvolvimento dessa proposta de trabalho, já em 2004,

como ocorrera com os anteriores, o projeto resultou na edição de um livro. Antes de

encaminhar para a gráfica, os textos passavam por uma revisão minha. O curioso é

que, ao receber o texto da aluna HCZ, veio junto uma dúvida, da parte dela:

“Professora, acho que a senhora não vai aceitar o meu texto. É que eu escrevi tudo

errado”.

A incerteza se deu porque a menina havia utilizado o internetês na sua

produção textual. Uma das preocupações dela era se eu entenderia o texto e o

aprovaria, já que era para uma publicação em livro, em que se espera a utilização da

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norma padrão da língua. Entendi o texto e aceitei-o, já que trabalhava com alunos/as

de classe média alta em que a maioria deles/as tem acesso, inclusive de casa, à

internet, e não ficaria tão difícil assim a leitura por todos.

O interessante, no entanto, é observar que o texto da aluna HCZ é composto

por dois padrões de língua escrita: a aluna inicia o texto utilizando a norma padrão e

justificando a escolha do tema abordado (l.1 a l.8). Então, assume aquele padrão de

linguagem que ela afirma ser errado, mas que lhe é comum, e desenvolve a sua

idéia (l.9 a l.25). Antes de tirar uma nota insuficiente, de certa forma, pede desculpas

pelo deslize e volta a escrever segundo o estilo que ela considera mais adequado

(l.26 a l.33). Entretanto, na despedida (l.34), deixa um recado com uma marca na

linguagem, típica do/a adolescente do início do século XXI, como se, por mais que

quisesse ou tivesse consciência de que não era adequado utilizar aquele tipo de

linguagem em textos escolares, não pudesse fugir do que a cercava.

Cumpre salientar que o projeto "Unindo idéias e línguas com letras e traços" foi

desenvolvido com quatro turmas, com um total de cento e cinco alunos/as e que

esse foi o único texto que abordou o assunto "net" e utilizou a linguagem da internet.

O que me faz relatar tudo isso é uma grande inquietação como profissional

responsável pelo aprimoramento da expressão escrita dentro da escola. Alguns

questionamentos surgiram, conseqüentemente, quanto à avaliação. Como avaliar

um texto que não seguia os padrões da língua portuguesa escrita? Nessas

situações, é de praxe “descontar-se” nota do/a aluno/a. O problema é que eu entendi

o que ele quis dizer e, no caso do texto analisado acima, aquilo que foi dito perderia

o efeito estético se fosse produzido na linguagem escrita convencional. Talvez a

aluna HCZ não conseguisse transmitir o que pensava a respeito da "net", se não

utilizasse outra forma de escrita que, por si só, liga-se a tudo o que foi escrito.

Além dos desafios da avaliação, ponto em que não pretendo me deter neste

trabalho, há um outro tópico que questiono, que se refere às mudanças na maneira

de os/as alunos/as relacionarem-se com a língua escrita, já que, cada vez mais, os

textos que produzem fora do suporte eletrônico (computador) começam a apresentar

características do que é produzido on-line.

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Considerando, então, que a utilização da internet, por parte de indivíduos em

fase de escolarização, provoca mudanças na sua relação com a língua, é preciso

examinar atentamente as relações entre internet, língua e identidade. Compreender

a posição de alunos/as e professores/as, considerar a autoria, o endereçamento, os

objetivos dos textos e, especialmente, o momento histórico e social em que vivemos

torna-se emergente, no intuito de entender se “A participação em comunidades da

internet através da linguagem própria do ciberespaço pode caracterizar, inventar,

constituir novas identidades?”

1.1 BUSCA: INTERNETÊS

todas as palavras qualquer uma das palavras expressão exata

Ao realizar leituras sobre o estado da arte e fazer uma revisão sobre

pesquisas5 relacionadas ao tema a que me proponho discutir, localizo, inicialmente,

mais de dois mil trabalhos envolvendo o amplo campo “internet”. No entanto, esses

estudos voltam-se aos mais variados aspectos que se relacionam com a rede

mundial de computadores e vão desde análises sobre programas ou linguagens de

programação até o uso da internet como ferramenta de avaliação na escola. Numa

busca mais detalhada, em que se cruzam termos que envolvem, de certa forma,

investigações sobre: língua, internet e identidade, é possível encontrar registros de

alguns trabalhos em diferentes áreas do conhecimento: educação, língua

portuguesa, lingüística, psicologia social, antropologia educacional e comunicação.

O campo das relações entre oralidade e escrita conta com a análise de Pereira

(2004) que examinou as relações entre fala e escrita presentes nas salas de bate-

papo da internet. Esse estudo utilizou a abordagem da análise da conversação e fez

uma aproximação dessas duas modalidades, rejeitando a dicotomia entre ambas, a

partir de material coletado em salas de bate-papo (chats) e conversação face a face,

utilizando o Projeto NURC6. Afirma que os recursos próprios do ciberespaço

5 Realizei uma busca no banco de teses disponível no portal da Capes: www.capes.gov.br 6 O Projeto NURC (Norma Urbana Culta) é um projeto de documentação e pesquisa que começou a ser executado no final da década de 1960 em cinco cidades brasileiras a fim de possibilitar o estudo e o ensino da língua sem preconceitos, de uma maneira democrática e realista.

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contribuem para que a escrita nos chats se aproxime da fala. Mas, ao mesmo

tempo, é certo que o “falante” não pode abrir mão dos recursos próprios da escrita.

Portanto, o texto escrito nesses ambientes de conversação on-line é um texto

híbrido.

Medeiros (2000) já havia examinado o assunto, chegando às mesmas

conclusões. Entretanto, em seu estudo, Medeiros (2000) coletou o material on-line

através do ICQ7. David (2004) revelou, a partir da análise de listas de discussão

realizadas através da internet, que os textos produzidos on-line não podem ser

caracterizados como pertencentes a um gênero puramente escrito ou oral,

comprovando, então, que a tese da dicotomia entre oralidade e escrita é

inadequada. Esses estudos aproximam-se das reflexões que faço neste trabalho por

perceber, também, características tanto da oralidade quando da escrita nas

produções dos/as adolescentes que continham ocorrências de internetês.

Santos (2003) realizou um estudo em que comparou produções de

adolescentes na escola com a produção on-line. Sua conclusão, de que a interação

on-line não influencia a escrita do/a adolescente, reforça a idéia de que o suporte

eletrônico é fator decisivo na escolha da forma de linguagem que os sujeitos utilizam

em cada situação de comunicação.

O anúncio que trago no início desta apresentação contraria os resultados do

estudo de Santos (2003) e aponta para a necessidade de outras investigações, uma

vez que essa nova linguagem saiu do suporte eletrônico e “invadiu” novos espaços,

como o da mídia tradicional. Deixando de analisar especificamente o ambiente

virtual e passando para análises em que outros ambientes se relacionam,

encontramos outros estudos, como os que relato nos parágrafos seguintes.

Killner (2002) mostra o conflito entre a cultura escolar e a cultura digital,

apresentando suas definições e a história de cada uma. O estudo afirma, ainda, que

a cultura escolar não é significativamente alterada pelos novos paradigmas impostos

pela sociedade digital. O autor discutiu, de uma forma bastante ampla, as influências

7 ICQ – Programa de comunicação instantânea produzido pela ICQ Inc. É possível encontrar mais detalhes na página <www.icq.com>

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do meio digital no meio escolar. No entanto, não se deteve especificamente em

influências que se relacionassem com o campo da leitura e da escrita.

Por sua vez, o estudo de Guedes (2001) compreende as práticas de leitura e

escrita através da internet. A autora afirma que a leitura e a escrita, nesse suporte

on-line, revelam-se como interativas, dialógicas, vivas. Seu estudo é direcionado à

nova relação com o texto no ciberespaço e aponta para uma reestruturação do

trabalho com a leitura e com a escrita na escola, frente às inovações tecnológicas

presentes na contemporaneidade que são mais significativas para os/as

adolescentes, pois permitem a expressão de sentimentos, interesses e intercâmbio

de experiências, opondo-se ao formalizado espaço da sala de aula. Em minha

pesquisa, retomo alguns pontos que a autora aborda e acrescento, então, a

discussão sobre as identidades desses adolescentes.

Na área da Psicologia, encontrei alguns estudos sobre o tema. Diehl (2001),

por exemplo, investiga a identidade e os efeitos da virtualização, na era pós-

moderna, discutindo as características dos sujeitos inseridos na era da globalização,

que aprendem novas formas de lidar com o tempo e com o espaço. Entretanto, as

discussões do autor restringem-se ao ambiente virtual, a partir de questionários e

metodologia quantitativa. O autor não faz, portanto, relação com o ambiente escolar,

mas, por discutir questões de identidade pós-moderna, aproximo das minhas

discussões.

Álvaro (2003) investiga as relações de poder da Indústria Cultural com a

formação de sujeitos que têm acesso aos chats desde criança e, portanto, são

submetidos à dominação da tecnologia. Conclui, a partir de entrevistas e coleta de

dados em chats, que o registro de acesso aos chats desde a infância é determinante

para a adaptação aos parâmetros sociais, apontando para o fortalecimento, no

entendimento dessas crianças, do ritmo veloz, do consumo, da coisificação, da

barbarização das relações.

No trabalho que desenvolvo, os material de análise foram coletados a partir de

produções escritas por adolescentes que estão concluindo o Ensino Médio. A coleta

é feita tanto no ambiente escolar como no ambiente virtual. O material on-line é

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composto de conversas entre alunos/as e professora através do Messenger8,

enquanto que o restante do material é composto de quaisquer textos produzidos por

estes/as mesmos/as adolescentes no ambiente escolar, independentemente do

contexto em que foram produzidos: textos de alunos/as para alunos/as, produzidos

em momento de aula; textos escritos para professores/as, mas que não estão

sujeitos à avaliação; textos produzidos em provas aplicadas por professor/a de

língua e por professor/a de outra disciplina, nesse caso, de história. Para a

discussão, foram realizadas entrevistas com os/as adolescentes sobre sua relação

com o ciberespaço.

Em minha pesquisa, não me detenho numa análise lingüística dos dados,

entretanto, considero as diferentes e diversas formas de escrita coletadas como

ponto de partida para uma análise qualitativa. Além disso, apresento alguns gráficos,

a fim de visualizar como a utilização da linguagem da internet se dá em relação à

linguagem padrão.

No entanto, a análise dos dados que coletei carece, ainda, de outras

abordagens. É necessário, então, investigar as razões que levam as pessoas a se

expressarem de uma forma diferente da tradicional. Em primeiro lugar, poderia

perguntar quem são os sujeitos que escreveram os textos do material coletado. Que

influências recebem e de onde elas vêm? Certo é que não será possível responder a

todas as perguntas, contudo, serão descritos alguns conceitos, fundamentados em

outros estudos, que poderão possibilitar uma discussão acerca da minha questão de

pesquisa.

A discussão proposta nesta Dissertação acontece nos próximos capítulos a

partir de reflexões, leituras e constatações feitas através da interligação e

aproximação dos textos produzidos em ambiente virtual e escolar. Porém, a análise

que, no princípio, se restringiria às produções dos/as alunos/as nos dois ambientes

(virtual e real) teve de considerar também as falas dos/as alunos/as através do

Messenger, no que dizem respeito à justificativa que eles/elas apresentam por

estarem escrevendo o internetês ou segundo a norma padrão da língua portuguesa.

8 Programa de comunicação instantânea produzido pela Microsoft.

19

Além disso, os comentários dos/as alunos/as em relação à escrita do professor são,

também, parte integrante da análise.

Ainda é preciso dizer que, depois da coleta do material, ao iniciar a discussão,

considerei relevante ampliar o material empírico e realizar entrevistas com outros

adolescentes que utilizam a internet da mesma maneira que os/as adolescentes que

forneceram as conversas do Messenger. Então, é possível perceber que há

acréscimos em relação ao material empírico. Esse aspecto não estava previsto no

início da coleta do material empírico, mas tornou-se importante para a ampliação da

quantidade e diversidade de dados. Além disso, acredito que minha pesquisa é

sobre um assunto bastante recente e que está em pleno curso: algo sobre o qual

ainda há muitas outras possibilidades de pesquisa.

Dessa forma, observando quem escreve, para quem escreve, de onde escreve,

quando escreve e qual material utiliza para escrever, pretendo colocar em

articulação os dados obtidos na coleta do material empírico com as leituras

realizadas no campo dos Estudos Culturais, discutindo, especialmente, a identidade

desses sujeitos internautas, que agem não mais somente on-line, mas também off-

line.

A presente Dissertação de Mestrado conta, ainda, com mais três capítulos: o

segundo, intitulado "A Língua Através dos Tempos", objetiva embasar histórica e

socialmente os campos da leitura e da escrita, destacando as transformações

ocorridas, ainda que fugindo de uma ordem cronológica, apresentando algumas

curiosidades dessa longa história.

No terceiro capítulo, apresento a nova forma de utilização da linguagem, o

internetês, da qual se apropria a maioria dos/as adolescentes nas salas de bate-

papo on-line e como essa linguagem aparece no ciberespaço e na escola. Nesse

capítulo, analiso parte do material empírico do trabalho.

O quarto e último capítulo se ocupa de uma discussão sobre a identidade

cultural dos sujeitos que forneceram os dados analisados, incluindo o resultado de

entrevistas realizadas com adolescentes usuários da internet. O texto procura

20

analisar as implicações do contato dos adolescentes com o ciberespaço na

produção do texto escolar, articulando as leituras realizadas e os dados coletados

com a linha de pesquisa na qual estou inserida: “Escola, Docência e Identidades”, na

área de concentração dos Estudos Culturais em Educação.

2 A LÍNGUA ATRAVÉS DOS TEMPOS

22

Conhecer a história da leitura e da escrita é necessário para quem quer

compreender algumas questões que envolvem a política, as artes, a língua ou

qualquer outro campo. Podemos não encontrar respostas claras, objetivas em

relação aos nossos propósitos investigativos, mas certamente teremos, a partir de

leituras, algumas abordagens que relatam determinados fatos, acontecimentos,

perspectivas, a partir dos quais podemos estabelecer relações entre o que já

conhecemos e aquilo que nos é novo. Nessas relações, entendemos muitas vezes o

porquê de as coisas se encontrarem de determinada maneira. Às vezes, nos

surpreendemos, já que descobrimos que aquilo que conhecemos hoje e pensamos

que é atual não é tão diferente assim daquilo que já existia há um bom tempo.

A nossa memória mantém viva toda uma história de diferentes lugares, de

diferentes pessoas, de diferentes épocas. Falar da história, revivê-la e discuti-la,

pode proporcionar mais conhecimento e mais facilidade de compreensão de

diversos aspectos da vida em geral. Neste texto, apresento algumas reflexões e

curiosidades acerca da história da leitura e da escrita, considerando que estamos

num “momento digital” em que termos como ciberespaço e cibercultura interferem,

sem dúvida, nesta mesma história que discuto.

No entanto, parto do princípio de que os acontecimentos são conhecidos

através de indícios e que nossas escolhas para contar uma história, nossas opções

por determinados autores ou por determinados fatos, e não outros, respondem aos

nossos objetivos e às nossas indagações. Ou ainda, como diz Albuquerque Jr.

(2000, p. 123) “Nada nos chega do passado que não seja convocado por uma

estratégia, armada por uma tática, visando atender algumas demandas de nosso

próprio tempo”. Assim, neste capítulo, seleciono fragmentos de uma história que

poderia ser contada de outra(s) forma(s), dando ênfases a diferentes

acontecimentos, articulados a partir das perspectivas e opções de cada contador(a).

Frago (2002), refletindo a respeito das pesquisas que normalmente são

realizadas sobre o tema que aqui discuto, diz que tanto no campo da leitura, quanto

no da escrita,

23

continuam sendo necessárias pesquisas e análises, (...) mas a atenção tem de se dirigir aos modos e maneiras de ler e escrever, à sua aprendizagem, aos objetos e instrumentos utilizados, aos tempos e lugares em que se dão, às motivações, representações e imagens mentais dos que escrevem e lêem e a certo tempo de leituras e atos de escrita (...) assim como a suas relações e interação recíprocas, isto é, a uma sociologia e antropologia histórica de ambas as práticas. (p. 88-89)

É importante, antes de tudo, registrar que os campos leitura e escrita não

podem ser analisados separadamente. Apresentarei neste texto, uma visão em que

essas histórias se cruzam, interferindo uma na outra, fugindo da dicotomia que

muitas vezes parece sugerir. Torna-se, portanto, impossível tratá-las

indiferentemente uma a outra.

Discutir a história da leitura é, sem dúvida, discutir uma história de poder, em

que, nos primeiros registros sobre esse tema, há relatos de que nem todos têm

acesso à leitura, em que, para ler, algumas condições deveriam ser cumpridas,

como por exemplo, ser membro da igreja ou do sexo masculino.

Até a Renascença, as bibliotecas não estão à disposição dos profanos: são organismos mais ou menos sagrados, ou pelo menos, religiosos, a quem têm acesso apenas os que fazem parte de uma certa “ordem”, de um “corpo” igualmente religioso ou sagrado. (MARTINS, 2002, p.71)

Essa condição permite pensar que a função da biblioteca, tal qual conhecemos

hoje, não era a mesma. Nós usamos as bibliotecas, primeiramente, como fonte de

consulta, um lugar de aprendizado e divulgação do saber, porém, nem sempre foi

assim. Conforme Martins (2002), ela era “um depósito de livros, e mais o lugar onde

se esconde o livro do que o lugar de onde se procura fazê-lo circular ou perpetuá-lo”

(p.71).

É importante ressaltar que foram os mosteiros que garantiram o conhecimento

que temos hoje da literatura da Antigüidade. Foi com o surgimento das

Universidades que a idéia do empréstimo nasceu. Emprestava-se o livro para a

preparação das aulas porque não havia interesse em desfazer-se definitivamente de

determinadas obras.

24

No período em que muitos não têm acesso à leitura, os sacerdotes e os demais

membros da igreja formavam o “clérigo” e os homens “comuns”, os “laicos”. Até hoje,

o “leigo” é o que não conhece, o que ignora. Durante muitos séculos, segundo

Martins (2002), a humanidade se dividiu entre esses dois tipos de indivíduos. Isso

explica o fato de a literatura medieval ser totalmente oralizada.

Ora, se os indivíduos não sabiam ler ou escrever, a única forma de transmitir o

que se sabia era através da oralidade. A literatura medieval portuguesa, por

exemplo, apresentava essa característica. Os trovadores “cantavam” as poesias, e o

“texto” era apresentado em forma poética porque era mais fácil a sua memorização,

através da sua musicalidade. Conforme Infante (2001),

Uma das figuras mais características das ilustrações contidas nos manuscritos medievais é a do tocador de alaúde, presença obrigatória tanto nas cortes como nas feiras. Instrumento de cordas de origem oriental bastante antigo, em formato de pêra, com caixa de ressonância abaulada e pá de cravelhame (onde são presas as cordas) inclinada, o alaúde, dedilhado de maneira suave, fornecia o contraponto ideal para as mais diversas canções da época. Era, portanto, bastante usual que os manuscritos contivessem, não só as letras das canções, mas também as pautas musicais. (p.78)

Essa literatura era dividida em cantigas, de acordo com o que se pretendia

expressar: cantiga de amor, o eu lírico masculino, vassalo, louvava as virtudes das

damas dos palácios; cantiga de amigo, o eu lírico feminino cantava o amor, mas um

amor rural, mais simples; cantiga de escárnio e maldizer, o eu lírico criticava direta

ou indiretamente a figura do rei (INFANTE, 2001, p.82-85).

Segundo Febvre (2000), a oralidade provocava algumas situações um tanto

complicadas de se resolver:

As circunstâncias em que estes primeiros homens de letras eram obrigados a exercer o seu ofício criavam problemas delicados. Era-lhes rigorosamente impossível garantir o mínimo de propriedade literária sobre as suas obras, a não ser que conservassem ciosamente para si o texto das composições. (p.23)

Apenas no século XIX encontramos mulheres leitoras. Por vários motivos,

apenas leitoras e não também escritoras. Entre as razões, Frago (2002) destaca que

“a escrita exigia mais tempo e dinheiro que a leitura” (p.15) e podia ser, moralmente,

25

perigosa. Ora, é claro que a escrita favoreceu novas formas de pensamento. O

registro das informações possibilita reflexões posteriores. A sociedade que era

somente oral teve de aprender a lidar com essa variação. A interpretação e a

subjetividade passaram a fazer parte da cultura letrada. Por isso, é impossível

separar as duas histórias, porque a escrita não é apenas uma reprodução da leitura.

É talvez, uma continuação, uma possibilidade de ampliar o conhecimento e não

apenas de registrá-lo.

É verdade, também, que o surgimento da escrita tornou menos freqüente a

circulação de textos na tradição do oral. Na sociedade escolarizada do século XX, a

maior ênfase está na linguagem escrita. Talvez por ela possibilitar a análise

descontextualizada do que está escrito.

Essas relações entre leitura e escrita mudam com a difusão da alfabetização. A

partir do momento em que as pessoas comuns aprendem a escrever, o individual

aparece. Antes, o que era lido era coletivo, tinha o intuito de ser memorizado, era

passado de “boca em boca”. Agora, com o domínio da escrita, abrem-se outras

possibilidades: as reflexões podem ser feitas e as mensagens podem ser

repassadas individualmente. Frago (2002) sintetiza essa diferença afirmando que “a

cultura oral é pública e coletiva e a escrita, secreta e pessoal” (p. 35).

Porém, para que fosse possível ler e divulgar o conhecimento que nós temos

hoje, foi preciso que um dia, em algum lugar, fosse criado um sistema de escrita.

Manguel (2004) afirma que a história da leitura começou no quarto milênio antes de

Cristo, com dois “objetos simples, ambos com algumas marcas leves: um pequeno

entalhe em cima e uma espécie de animal puxado por uma vara no centro. (...) O

entalhe, dizem os arqueólogos, representa o número dez” (p. 41).

Jean (2002) afirma que muito antes, aproximadamente vinte mil anos antes da

nossa era, já existiam traços e desenhos. No entanto,

a escrita, propriamente dita, só começou a existir a partir do momento em que foi elaborado um conjunto organizado de signos ou símbolos, por meio dos quais seus usuários puderam materializar e

26

fixar claramente tudo o que pensavam, sentiam ou sabiam expressar. (p.12)

Porém, não há um único sistema de escrita que evoluiu desde o seu

surgimento até os dias de hoje. Encontramos, em posições geográficas diferentes,

mas próximos no tempo, diversos grupos de símbolos que serviam para representar

o oral. Conforme Jean,

3500 a 3000 a.C. Na Suméria, (...) nascem os pictogramas para escrever os algarismos, os cálculos. Na China, a escrita passa dos pictogramas aos ideogramas e fonogramas.

3000 a.C. A Índia conhece um desenvolvimento paralelo. Sua

proto-escrita em plaquetas de cobre faz suas primeiras aparições. 3000 a 2500 a.C. Às margens do Nilo, é elaborada a “escrita dos

deuses”, os hieróglifos. (p.71)

É importante registrar que as datas citadas são aproximações e que há, entre

os diversos autores lidos, algumas divergências, já que esta é uma história com

poucos registros e, mesmo que seja de um passado remoto, sua “descoberta” é

recente: foi somente no século XIX que se passou a compreender os signos

registrados em pedras, argilas, barro... Jean (2002) afirma que um dos primeiros

homens a revelar os “segredos” contidos nessas escritas foi Jean François

Champollion, em 1822. Mais de um século depois, por volta de 1950, Michael Ventris

desvenda um outro sistema de escrita. Certo é que ainda há sistemas por

desvendar, como, por exemplo, parte da escrita maia.

Há quem diga que, atualmente, em pleno século XXI, estamos lendo “papiros”

digitais. As barras de rolagem dos aplicativos de computador nos remetem à antiga

forma de leitura que era possível pelo fato de o registro escrito se dar em um

material bastante curioso:

O processo de elaboração do papiro começa pela retirada da casca externa do caule triangular da planta, rasgando-a ou desfibrando-a no sentido do comprimento. Uma camada de fibras é colocada sobre outra, cruzadas, e são batidas com um macete de madeira até que fiquem firmemente coladas. Depois de seco, o produto é alisado com uma pedra e pode-se escrever sem que a tinta escorra. (KATZENSTEIN, 1986, p.174-175)

27

É certo que os materiais utilizados para a escrita eram retirados do que a

natureza oferecia. Além da planta citada, foram utilizadas pedras, areia, minerais,

madeiras, cascas e folhas de árvore. Entretanto, há um outro material que pode

parecer estranho para os leigos: o pergaminho.

A invenção do pergaminho é atribuída pela lenda aos habitantes de Pérgamo, na Ásia Menor (pergamenun). A matéria-prima do pergaminho é a pele de cordeiro, de bode ou de veado novo. Trata-se de um suporte tão resistente e liso que a Idade Média conservou durante muito tempo para os livros e atas importantes (...) Em épocas de escassez de pergaminho, raspavam-se os livros antigos para transcrever novos textos (palimpsestos). (HIGOUNET, 2004, p.17-18)

O procedimento realizado a fim de tornar o pergaminho algo passível de escrita

era um trabalho minucioso, uma vez que, se assim não o fosse, o pergaminho

manteria consigo um odor desagradável.

Para fabricar o pergaminho, as peles eram mergulhadas em um banho de cal, em seguida, retirada a cal, limpas de qualquer vestígio de pêlo e de carne. Antes de colocá-las a secar sobre grades, eram polvilhadas de gesso que absorvia os restos de gordura, após o que eram, novamente, raspadas com uma espátula. (JEAN, 2002, p. 81-82)

Esse novo suporte para a escrita permitiu que objetos como o cinzel fossem

descartados e surgissem outros mais apropriados. Acerca desse assunto,

denominado “instrumentos da escrita”, é curioso observar algumas relações entre os

objetos utilizados. O cinzel servia, especialmente, para registros em argila em

determinados lugares. Em Roma, por exemplo, o estilete era o instrumento

escolhido. Então, dependendo do material em que a escrita seria realizada,

adequava-se o instrumento que, aliás, era constituído para esse propósito:

O estilete era uma haste de metal ou de osso, pontuda de um lado, achatada de outro, o que permitia escrever e apagar, em caso de erro. São Jerônimo afirma que o estilete escrevia sobre a cera e o caniço sobre o papiro ou o pergaminho. Esse caniço (...) (calami) foi, por conseguinte, o antepassado direto da nossa pena. (...) Os romanos chegaram a fabricar calami de bronze, que foram, assim, um prenúncio da pena metálica. (MARTINS, 2002, p.68)

28

Nessa história, outras curiosidades despertam a atenção, como por exemplo, a

escolha da pena, que foi o instrumento que substituiu o caniço. Conforme Martins

(2002), “eram escolhidas, como se sabe, as penas da asa, chamadas remígias, o

que provavelmente deveria facilitar os vôos da imaginação” (p.69). Segundo o autor,

o lápis surgiu no fim da Idade Média, nos primeiros anos do século XV.

Depois do papiro, do pergaminho, da pedra, da argila, da folha de palmeira etc,

surge, no Oriente, o papel. Higounet (2004) registra: “Veio da China a idéia de

fabricar papel a partir de trapos” (p.18). No entanto, o suporte que, para nós, é

comum e fabricado em larga escala, no princípio, era considerado frágil. Então, o

papel não era utilizado para registrar documentos importantes, apenas para textos

que não precisavam ser guardados por muito tempo. Os documentos importantes

eram escritos em pergaminho que era um material mais resistente (FEBVRE, 2000,

p. 33).

É curioso, também, o registro da localização das fábricas de papel. “Sendo o

papel uma mercadoria pesada, quer dizer, sujeita à jurisdição do transporte por

água, a vizinhança de grandes rios estimula o desenvolvimento da indústria

papeleira” (FEBVRE, 2000, p.46).

Hoje, com a tecnologia, para ler os “rolos” digitais, podemos utilizar apenas

uma das mãos. Certamente, não existe um rolo concreto porque o suporte em que

essa leitura se encontra não é mais materializado. E é em torno disso que se

centram as questões principais da história da leitura e da escrita: as transformações

pelas quais passou durante muitos anos e os suportes que as sustentaram durante

este tempo.

Chartier (1999), no entanto, atenta para um ponto muito importante:

Esta revolução, fundada sobre uma ruptura da continuidade e

sobre a necessidade de aprendizagens radicalmente novas, e portanto de um distanciamento com relação aos hábitos, tem muito poucos precedentes tão violentos na longa história da cultura escrita. (p.93)

29

Embora alguns autores como Jean (2002) não aceitem o termo “revolução”,

essa afirmação sugere que, como leitores “digitais”, podemos entender, facilmente,

que as formas de escrita e leitura através da tela do computador estão entre as

transformações mais radicais de que se tem notícia.

Entretanto, por essa história da leitura e da escrita, atravessam outras questões

pouco exploradas, como por exemplo, a relação entre o corpo e o suporte do texto.

Enquanto leio na tela do computador, apóio o queixo na mão esquerda e controlo

aquilo que vejo por um comando eletrônico que executo com minha mão direita. Se

eu quiser, posso, ainda, mesmo descansando a cabeça, adiantar o texto, retrocedê-

lo e interferir nele escrevendo ou destacando-o.

Certamente, estes gestos não eram possíveis na Antigüidade, quando se lia

nos rolos. Usavam-se as duas mãos para ler. Ao passar a forma de rolo para códex,

novos gestos surgiram, como por exemplo, marcar com o dedo a página que se lê

enquanto se reflete sobre o que se leu. Conforme Chartier (2002),

Os dispositivos próprios do códex transformaram profundamente os usos dos textos. A invenção da página, as localizações garantidas pela paginação e pela indexação, a nova relação estabelecida entre a obra e o objeto que é o suporte de sua transmissão tornaram possível uma relação inédita entre o leitor e seus livros. (p.106)

Em outro estudo, o autor comenta:

Os gestos mudam segundo os tempos e lugares, os objetos lidos e as razões de ler. Novas atitudes são inventadas, outras se extinguem. Do antigo rolo ao códex medieval, do livro impresso ao texto eletrônico, várias rupturas maiores dividem a longa história das maneiras de ler. Elas colocam em jogo a relação entre o corpo e o livro, os possíveis usos da escrita e as categorias intelectuais que asseguram sua compreensão. (CHARTIER, 1999, p.77)

Uma outra mudança, mas que apresenta certa continuidade, foi o surgimento

da imprensa. Máquinas passaram a fazer o trabalho humano com mais rapidez e

precisão, tendo como conseqüência a produção de exemplares em série. O grande

responsável pela mecanização da cópia foi Gutenberg. Segundo Jean (2002, p.95),

a prensa já existia com outras finalidades e Gutenberg apropriou o mecanismo para

agilizar o processo da cópia e evitar as falhas humanas.

30

Como já exposto, os “privilegiados”, que sabiam escrever e, portanto, que

realizavam as cópias, eram religiosos que, por negligência talvez, não eram, muitas

vezes, fiéis ao original que copiavam. Conforme Jean (2002), o reinado de Carlos

Magno preocupou-se com a correção e muitas cópias foram refeitas com maior

cuidado e atenção. A atividade de copiar textos, nos monastérios, era uma fonte de

renda.

Aos poucos, este trabalho foi se tornando uma profissão. Os copistas

ampliaram-se por causa da demanda vinda da criação das universidades.

Para preparar os cursos, os professores vão precisar de textos, de obras de referência, de comentários. (...) Era, pois, indispensável que pudessem dispor comodamente desses instrumentos de trabalho – e, por isso, a universidade organizou uma biblioteca onde poderiam consultá-los. Mas nem sempre era possível, nem fácil, comprar textos já copiados; impunha-se, portanto, a criação de oficinas onde os artífices copiassem a baixo preço e sem grandes delongas as obras indispensáveis. (FEBVRE, 2000, p.16)

Algumas pessoas eram melhores nesse trabalho e convidadas, então, para

copiar textos mais importantes. No entanto, conforme Jean (2002), surge o perigo da

vaidade, uma vez que os monges passaram a exigir que seu nome constasse como

autores da cópia realizada. Por isso, esse sujeito era afastado, prontamente, desse

serviço.

Muito curiosa, a respeito da invenção da imprensa, é a história de Gutenberg.

Jean (2002, p.95) relata que seu nome verdadeiro era Johannes Gensfleisch. Após

estabelecer-se em Estrasburgo, toma emprestado dinheiro de um banqueiro

chamado Fust. Como não consegue pagar a dívida, o banqueiro tem a posse do

material de Gutenberg e o coloca em funcionamento. Quando é realizada a primeira

obra impressa, o nome que aparece é o de Fust. Gutenberg não tem um final feliz:

morre dez anos depois, na miséria.

Entretanto, é importante ressaltar a visão de Chartier (1999, p.7) sobre o que

aparentemente foi uma grande mudança: “a transformação não é tão absoluta como

se diz: um livro manuscrito (...) e um livro pós-Gutenberg baseiam-se nas mesmas

31

estruturas fundamentais – as do Códex”. O que muda, no entanto, é o

estabelecimento de profissões bem definidas: autor, editor, tipógrafo, distribuidor,

livreiro...

O modo digital de ler pode ter comprometido seu alegado caráter de inovação

se analisarmos não apenas o material físico em que se encontram as palavras. O

digital pode ser lido silenciosamente, forma muito antiga de leitura, conforme nos

situa Manguel (2004, p.59): “Ainda que se possam encontrar exemplos anteriores de

leitura silenciosa, foi somente no século X que esse modo de ler se tornou usual no

Ocidente”.

Como toda transformação, a transição da leitura oral para a leitura silenciosa

não ocorreu de maneira tão simples. Houve desconfiança, segundo Manguel (2004,

p. 68), por parte de dogmatistas: “em suas mentes, a leitura silenciosa abria espaço

para sonhar acordado, para o perigo da preguiça – o pecado da ociosidade”.

Frago (2002) comenta o assunto retomando, segundo ele, o que assinalou

Chartier:

A passagem da leitura em voz alta (ou baixa) para a leitura silenciosa ou, se preferirmos, de uma leitura oral (por si ou por outros) à visual, é um processo que se amplia nos ‘scriptoria’ monásticos nos séculos XI e XII, e passa, desde fins do século XII até princípios do XIV, aos clérigos e universitários, e desde meados do século XIV, à sociedade aristocrática. Isso implicou profundas modificações no uso do livro, não menores do que as que a imprensa produziu posteriormente. A leitura silenciosa introduziu o livro na esfera da intimidade individual, facilitou uma compreensão mais livre do escrito e permitiu uma leitura rápida e, portanto, o acesso a um maior número de textos. (p.42)

Ao mesmo tempo, Manguel (2004) ressalta que os “estalidos dos computadores

portáteis” são “como se bandos de pica-paus morassem dentro de salas cheias de

livros” (p.60). É a escrita intervindo na história da leitura. As antigas bibliotecas

“barulhentas”, em que os escribas ouviam as histórias a fim de copiá-las, tornaram-

se silenciosas e depois barulhentas novamente...

Cabe salientar que as mudanças não ocorrem apenas como conseqüência de

uma evolução natural. Elas podem ser intencionais, como por exemplo, quando

32

muda a forma materializada em que se carregam as palavras com intuito de

beneficiar o leitor.

O códice foi uma invenção pagã. (...) Os cristãos primitivos adotaram o códice porque descobriram que era muito prático para carregar, escondidos em suas vestes, textos que estavam proibidos pelas autoridades romanas. (MANGUEL, 2004, p.65)

Outra mudança que se observa, e agora tratando especificamente do universo

digital em que estamos inseridos, é a forma de utilizar os símbolos gráficos para

transmitir mensagens. Originalmente, os sinais gráficos que não são letras do

alfabeto eram usados para pontuar e ressaltar frases e palavras ou com alguma

outra função específica. Hoje, reunidos de maneira muito criativa, servem como

forma de economia de tempo e espaço. Até mesmo observamos que alguns destes

símbolos servem para representar ações interativas do corpo humano que

habitualmente não se descrevem.

Se eu quiser, por exemplo, mandar um abraço, posso fazê-lo através das

palavras. Se quiser piscar o olho, não. Mas, com a versatilidade do mundo digital,

“pisco o olho” usando apenas três símbolos: ;-) e consigo, certamente, me fazer

entender.

Essas transformações refletem também outro aspecto. Para determinadas

pessoas, talvez isso seja o aspecto mais preocupante: a autoria dos textos. Em

suportes que permitem intervenção fácil, fazendo considerações, anotando

particularidades, movendo trechos de lugar ou retirando passagens, a propriedade

do escrito está em jogo e, em relação a isso, o mundo digital ainda está passando

por um aprendizado.

Muito diferente era a situação do rolo e ainda é a que ocorre com o livro

impresso. Por mais que o leitor faça anotações na obra que não é de sua autoria,

sempre fica a marca do diferente, do “fora” do texto. O leitor se aproveita de espaços

em branco deixados pela impressão, mas as suas anotações, certamente, se

diferenciam da forma original do livro.

33

O universo digital assemelha-se, nesse sentido, com a época medieval em que

a autoria era facilmente trocada por não haver o registro escrito. Apesar de distantes

no tempo, os problemas parecem se repetir. No entanto, a leitura digital, além das

diferenças citadas, de suporte e de autoria, sugere uma nova forma de ler, o que

pode descaracterizar a obra. Conforme Chartier (2002),

A leitura diante da tela é geralmente descontínua, e busca, a partir de palavras-chave ou rubricas temáticas, o fragmento textual do qual quer apoderar-se (um artigo em um periódico, um capítulo em um livro, uma informação em um web site), sem que necessariamente sejam percebidas a identidade e a coerência da totalidade textual que contém esse elemento. Num certo sentido, no mundo digital todas as entidades textuais são como bancos de dados que procuram fragmentos cuja leitura absolutamente não supõe a compreensão ou percepção das obras em sua identidade singular. (p.23)

O mundo digital ainda tem muito que aprender segundo o autor. Há algumas

discordâncias entre o texto escrito e o suporte em que se encontra, já que uma

característica do espaço on-line é a liberdade que ele proporciona. No entanto, este

espaço “aberto” permite, se assim alguém desejar, que se altere o conteúdo do

texto, o que não é considerado correto pelo menos em termos de direitos autorais.

Ao mesmo tempo, a rede, que é universal, não permite acesso a alguns artigos, os

quais para tornarem-se públicos, é preciso pagamento por parte do leitor. Chartier

(2002) conclui:

Assim, o livro digital seria definido pela oposição à comunicação eletrônica livre e espontânea que autoriza qualquer pessoa a pôr em circulação na rede suas idéias, opiniões ou criações. (p.27)

Em relação à leitura no momento presente, muitas são as considerações a

serem feitas e alguns alertas, talvez. Nada de impressões alarmistas, pois, conforme

Chartier (2002, p.107), “a escrita manuscrita, a publicação impressa e a textualidade

eletrônica são modos de inscrição e comunicação dos textos que convivem

atualmente”. O autor aponta, ainda, para um aprendizado em relação ao suporte

eletrônico. Tanto haverá adaptação por parte do leitor, quanto por parte do escritor.

A hipertextualidade propiciada pelo ciberespaço exige uma nova relação com o

texto.

34

Manguel (2004) corrobora o pensamento de Chartier (2002) afirmando que

é interessante observar a freqüência com que um avanço tecnológico – como o de Gutenberg – antes promove do que elimina aquilo que supostamente deve substituir, levando-nos a perceber virtudes fora de moda que de outra forma não teríamos notado ou que consideraríamos sem importância. (p.159)

É utópico pensar que todos aceitarão o digital da mesma maneira: haverá os

contestadores, os indiferentes, os apaixonados. Essas diferenças e novas relações

com as práticas de leitura e de escrita contribuirão, certamente, para a história que

há de vir, que será um passado que um dia alguém relembrará. Sobre tais práticas,

discuto alguns aspectos no próximo capítulo.

3 OFF OU ON? OS DOIS LADOS DA ESCRITA

36

Os gramáticos, defensores de uma língua padrão, entendem que a fala é

naturalmente considerada mais livre do que a escrita, porque pode ajustar-se à

situação de comunicação e acomodar-se num padrão diferente daquele estabelecido

pela gramática normativa e, ainda assim, manter uma interação entre duas ou mais

pessoas. Nessa perspectiva, torna-se fácil transferir para a escrita toda a

responsabilidade da norma e sugerir, portanto, que escrita é sinônimo de padrão.

Mesmo que essa não seja a ótica mais adequada para analisar as relações

fala/escrita, por experiência própria, como professora de língua portuguesa de quinta

à oitava série, percebo que alguns/as alunos/as também encaram a realidade da fala

e da escrita como divididas, separadas, e como se uma não pudesse interferir na

outra, mantendo uma relação dicotômica. Quando escrevem, pedem para que seus

textos sejam corrigidos antes de serem entregues para avaliação. É comum, ao

esperar a entrega de uma produção textual, perceber a aproximação de um/a

aluno/a que diz, geralmente: “Dá uma olhadinha...”. No entanto, quando se fala

dentro da sala de aula, não existe esta preocupação. Quando corrigidos na fala,

mostram-se despreocupados e, inclusive, surpresos.

É fato, também, que, devido a uma tradição normativa de ensino de língua

portuguesa, muitos/as professores/as não se preocupam com as abordagens

lingüísticas de ensino de língua materna. Ensinam uma língua estática, fazem

decorar listas e preencher colunas. Os gêneros textuais, muitas vezes, não são

lidos, produzidos ou analisados por muitos docentes que não trabalham,

conseqüentemente, com seus/as alunos/as, as mais variadas possibilidades de fala

e escrita.

A partir dessas considerações sobre as diferentes reações de alunos/as e

professores/as em relação à norma de uso lingüístico, estabelecida por gramáticos,

reflito sobre um tipo de escrita que tem se tornado freqüente na escola. A linguagem

que até então era vista apenas através de telas de computadores invade os textos

escolares e ganha até um nome: internetês. Há alguns anos, venho notando que,

timidamente e seguindo algumas lógicas, esse jeito diferente de usar a língua

portuguesa começa a se expandir.

37

No decorrer do ano de 2004, depois de ter minha atenção voltada a essa nova

possibilidade de escrever as palavras, passei a observar os textos que circulavam na

escola. Como já adiantei na introdução, o que, inicialmente, chamou minha atenção

foi um texto de uma aluna que apresentava esta nova relação com a língua. Por dois

motivos: o primeiro, por se tratar de um trabalho de avaliação, em que os/as

alunos/as, normalmente, prezam por uma “boa” escrita e tentam, sempre, ao

máximo, escrever conforme a norma padrão, lembrar das regras que aprenderam,

caprichar na letra, observar os parágrafos, realizar a separação de sílabas

corretamente; o segundo motivo era, precisamente, o conteúdo do texto, que

abordava uma certa preocupação com a forma de escrever. Considerando que essa

observação e essa análise vieram de uma aluna, passei a notar que realmente a

internet está entre nós e parece que vai intensificar presença. Então, com o olhar

mais atento, descobri um “furacão” chamado internetês no meio da escola.

Depois do primeiro texto, veio outro. Cada vez mais, aquilo que os alunos/as

escreviam dentro do espaço-escola passou a apresentar abreviações. As

abreviações mais utilizadas são justificadas pela a pressa de escrever. Um dos

textos recebidos era rascunho, portanto, não estava à mercê de ser avaliado.

Chegou às minhas mãos porque o aluno esqueceu de passá-lo a limpo e resolveu

entregar daquela forma, pensando que eu, enquanto professora, poderia considerar

ao menos o fato de ele ter realizado a tarefa. Segue um trecho17 do texto para

análise:

17 Os círculos foram feitos por mim no intuito de chamar a atenção do aluno para as abreviações,

portanto, os destaques não foram feitos para este trabalho, mas durante a correção do texto na escola, e, por isso, são de diferentes ordens: abreviações e ortografia.

38

Figura 2: Produção textual feita por aluno do Ensino Fundamental

É importante salientar que o trecho acima e o texto que foi para a edição do

livro “Histórias Descoladas”18, da aluna HCZ, apareceram em meio a um total de

mais de quinhentos textos, pois foram observados todos os trabalhos de produção

textual do segundo semestre do ano letivo de 2004, relativos às quatro turmas com

as quais eu trabalhava, a fim de escolher a melhor produção de cada aluno/a.

As demais ocorrências que me chamaram a atenção, apesar de circularem

dentro da escola, de aluno/a para aluno/a e de aluno/a para professor/a, não foram,

18 CASTRO, Fernanda S. Histórias Descoladas. Canoas: Salles, 2004. (Resultado do projeto “Unindo Idéias e Línguas com Letras e Traços” já referido anteriormente).

39

necessariamente, trabalhos de aula, como por exemplo, as próximas cinco figuras.

Além delas, reproduzo duas figuras que continham internetês e estavam, de alguma

maneira, ligadas a um trabalho escolar.

Durante as aulas, há momentos em que os/as alunos/as se distraem em

conversas paralelas, e, às vezes, a exigência de silêncio faz com que essa conversa

se dê através da escrita: um bilhetinho. É interessante observar, no bilhete das duas

alunas, em que o assunto é “meninos”, a freqüente troca de caligrafia e a constante

despreocupação com a norma padrão19. Além de abreviar, em muitos casos,

ignoram as maiúsculas.

Figura 3: "Conversa" de alunas através de bilhete na aula de Matemática

19 Todos os destaques, em vermelho, das figuras têm o intuito de mostrar a despreocupação com o uso da norma padrão, independentemente de serem experiências do contato com o ciberespaço ou do uso da língua em outras situações informais.

40

Finalmente, chegou o Dia do/a Professor/a! Junto com essa data, uma

surpresa, preparada pelos/as alunos/as e organizada, por coincidência, por duas

professoras de português: um mural de recados bem específicos através de cartões.

Ali, a maioria dos/as alunos/as expôs o quanto admiram os/as professores/as,

alguns pediram desculpas pelas perturbações, outros/as elogiaram o trabalho,

outros/as, ainda, demonstraram o afeto. Mais uma vez, a linguagem da internet

presente.

Figura 4: Cartão do Dia do/a Professor/a

Figura 5: Cartão do Dia do/a Professor/a

Além desses recados, é comum, nas escolas, no fim de ano, os/as alunos/as

guardarem recordações dos/as colegas através de assinaturas em camisetas. Em

2004, presenciei uma situação diferente: como os/as alunos/as haviam produzido um

livro durante o ano, os autógrafos de despedida passaram a ser feitos na primeira

41

página desse livro. Assim, a lembrança dos colegas jamais se apagaria, bem como

os textos editados. O curioso, novamente, é a forma como escreveram as

dedicatórias.

Figura 6: Dedicatórias

Em 2005, o internetês continuou presente na escola. Quando um/a aluno/a se

afasta por motivo de saúde, é comum a turma reunir mensagens e eleger um/a

representante que as levará até o/a colega, seja no hospital, seja na sua própria

casa. Esse momento é muito informal, de solidariedade, de amizade e de afeto.

Carrega, portanto, uma linguagem que não atende à norma padrão da língua

portuguesa e como não poderia deixar de ser, com muito internetês.

Figura 7: Mensagem para aluno afastado das aulas por motivo de saúde

42

Ainda em 2005, os/as alunos/as, nas disciplinas de Literatura e Produção

Textual, produziram textos dissertativos e/ou dramáticos, de acordo com a proposta

do trabalho de cada aula. Uma das sugestões dada por mim é sempre fazer

rascunhos, pois é uma forma de poder organizar o texto e entregá-lo o mais

elaborado possível. Nos rascunhos, entretanto, o internetês aparece novamente.

Figura 8: Rascunho de trabalho de produção textual do Ensino Médio

Uma das maneiras de diversificar as aulas e a própria avaliação é a proposta

de trabalhos em grupos que devem ser apresentados pelos/as alunos/as para a sua

própria turma. Numa dessas ocasiões, determinado grupo do segundo ano do

Ensino Médio propôs a realização de exercícios de análise literária. As questões

foram escritas no quadro e os/as alunos/as entregaram as respostas em uma folha

para que os/as colegas, responsáveis pela apresentação, corrigissem. Já que o

exercício não estava sujeito à avaliação do/a professor/a, o grupo esperava que

os/as colegas não o realizassem e, naqueles exercícios feitos, que retornaram ao

grupo para correção, um/a dos/as alunos/as colocou um recado: “Valeu a atenção”,

em internetês.

Figura 9: Agradecimento do grupo responsável pela correção do exercício

43

O que, em princípio, era apenas uma ou outra abreviação, como “você”

substituído por “vc”, “que” por “q”, “quando” por “qdo”, começa a apresentar ainda

outras construções, “naum” para "não", “eh” para "é", com uma justificativa em

comum, em muitos dos casos: acelerar o tempo da escrita.

Num mundo veloz, escrever segundo a norma padrão, além de requerer

conhecimento específico, acarreta disponibilidade de tempo. Procurar os acentos no

teclado implica ter bem desenvolvida a habilidade de digitar. O tempo da internet é,

na verdade, o tempo da fala. A conversa on-line exige pressa para satisfazer a

voracidade dos “falantes”. Se você demora para responder, pode perder o

companheiro para outro que entra na "sala" a fim de “teclar”.

É importante ressaltar que todos os exemplos reproduzidos acima, que se

utilizaram do internetês, embora ocorressem dentro do espaço-escola (e que em

alguns casos foram textos dirigidos aos/as professores/as), não contavam com um

elemento muito importante para a análise que faço: em nenhuma situação, a

avaliação por parte do/a professor/a estava presente. Nesse sentido, há uma

aproximação desse contexto de uso da língua em situação informal àquela situação

a que eles podem ter acesso quando entram em contato com o ciberespaço.

A fim de analisar as novas formas de uso da língua utilizadas pelos/as

alunos/as quando estão conectados à internet, criei um e-mail e pedi aos/as

alunos/as que me adicionassem ao Messenger. A receptividade dos/as alunos/as foi

maior que a esperada, já que durante os dois meses em que estive on-line, tive

sessenta alunos/as, aproximadamente, que me aceitaram na sua lista de contatos,

em um total de cem alunos/as.

Ao entrar no Messenger para conversar com eles/as, comecei, mesmo que

timidamente, a escrever da maneira com que eles/as escreviam, com o objetivo de

desmitificar a idéia de que o/a professor/a não é capaz de se atualizar, de viver de

acordo com as normas do mundo eletrônico. Assim, consegui o material para minha

pesquisa. Talvez, para mostrar, também, que, como qualquer outra pessoa, somos

capazes de assimilar normas lingüísticas de diferentes contextos. Pensei,

44

inicialmente, que não seria fácil me adaptar, pois a maior parte da minha prática de

digitação sempre exigiu a escrita segundo a norma, especialmente pela formalidade

das situações em que estava envolvida: elaboração de provas, de relatórios, de

projetos e de textos acadêmicos.

Ao perceber que era muito mais fácil, prático e rápido abreviar o máximo de

palavras, passei a escrever internetês quando conversava com os/as alunos/as no

Messenger, naturalmente. Tornei-me familiarizada e adepta de tal linguagem em

poucas semanas. Assim, durante as conversas on-line e até mesmo na escola,

alguns/as alunos/as mostraram-se surpresos/as, outros/as não comentaram,

outros/as elogiaram o fato de eu usar a linguagem deles/as. Alguns desses registros

serão comentados na seção em que faço a análise dos dados; outros, no entanto,

são registros orais, espontâneos, de corredor de escola, entre uma e outra aula, na

hora da saída ou do intervalo.

Dessas conversas, que duraram pouco mais de dois meses, gravei pelo menos

uma conversa com cada aluno/a que me adicionou ao MSN20 e que tive a

oportunidade de encontrar on-line. Entretanto, tive que gravar mais de uma conversa

de alguns/as alunos/as especificamente, fato que comentarei posteriormente,

durante a análise.

Seguem, nos quadros abaixo, palavras que foram retiradas de todas as

conversas on-line que mantive com os/as alunos/as e que fazem parte do anexo B.

A relação das palavras obedece à ordem alfabética. Foram transcritas as palavras

que fogem ao padrão ortográfico da língua portuguesa. Em cada célula, há duas

palavras: a primeira, em destaque quanto à cor, foi transcrita sem alteração da

conversa realizada on-line e a segunda palavra, entre parênteses, é a mesma

palavra, porém, escrita segundo a norma padrão.

É importante registrar que, primeiramente, na tabela, só constariam as palavras

transcritas das conversas; no entanto, ficou muito difícil a compreensão de seu

significado fora do contexto em que foram produzidas, já que, às vezes, uma mesma

20 MSN é abreviação de Messenger.

45

letra representa várias palavras. Verifiquei, a partir dessa detalhada descrição, que

palavras acentuadas conforme a norma padrão e com o uso da cedilha foram

ocorrências raras. Portanto, apesar de não terem sido escritas conforme a norma

padrão, não farão parte da minha análise.

46

B Bju

(beijo)

bjin

(beijinho)

bjos

(beijos)

bekokas

(beijocas)

bm

(bem)

bunitu

(bonito)

brincandu

(brincando)

bjx

(beijos)

bjuuss

(beijos)

banhu

(banho)

bjokas

(beijocas)

bonitu

(bonito)

bjo

beijo

boom

(bom)

bjuzz

(beijos)

bunitinhu

(bonitinho)

bunitinhoo

(bonitinho)

bunito

(bonito)

bjokihassss

(beijoquinhas)

beim

(bem)

blz

(beleza)

bonitinhu

(bonitinho)

brigadero

(brigadeiro

bjinhus

(beijinhos)

bjaum

(beijão)

briigadaa

(obrigada)

boum

(bom)

bahhh

(bah)

bjus

(beijos)

bjs

(beijos)

C contigu

(contigo)

comeee

(comer)

col

(colégio)

c

(com)

cntg

(contigo)

comu

(como)

cmg

(comigo)

convit

(convite)

c

(se)

colocadu

(colocado)

cumigo

(comigo)

cafezinhu

(cafezinho)

ctg

(contigo)

cainduu

(caindo)

ctgo

(contigo)

cuntigu

(contigo)

cursinhu

(cursinho)

continua

(continuar)

certu

(certo)

ceeeertoo

(certo)

cum

(com)

claroo

(claro)

c

(ser)

começa

(começar)

chatu

(chato)

cort

(corte)

cm

(com)

comenduu

(comendo)

c

(você)

A axei

(achei)

aew

(aí)

agnt

(a gente)

akeles

(aqueles)

axa

(acha)

aninhus

(aninhos)

aki

(aqui)

apagei

(apaguei)

ateh

(até)

aqle

(aquele)

axo

(acho)

aqela

(aquela)

aih

(aí)

atualiza

(atualizar)

amorzinhu

(amorzinho)

akbo

(acabou)

achu

(acho)

azordens

(as

ordens)

acha

(achar)

adapta

(adaptar)

amandu

(amando)

ae

(aí)

assistindu

(assistindo)

acontc

(acontece)

agnte

(a gente)

anus

(anos)

ake

(aki)

Figura 10 – Descrição das Palavras em “internetês” de A a C

47

D discupa

(desculpa)

dexa

(deixar)

dnovu

(de novo)

demoro

(demorou)

daki

(daqui)

dexa

(deixa)

d

(de)

daew

(daí)

di

(de)

d+

(demais)

du

(do)

durmi

(dormir)

dle

(dele)

dandu

(dando)

dla

(dela)

dsculkp

(desculpa)

dmoro

(demorou)

dps

(depois)

daih

(daí)

dah

(dá)

dae

(daí)

dexar

(deixar)

da

(dar)

durmir

(dormir)

dissu

(disso)

divertidu

(divertido)

durmi

(dormi)

dormi

(dormir)

E escrv

(escreve)

essi

(esse)

entnd

(entende)

eskece

(esquecer)

eh

(é)

engravida

(engravidar)

enxe

(enche)

esconde

(esconder)

ec

(esse)

eskecia

(esquecia)

encontra

(encontrar)

eli

(ele)

Estudandu

(estudando)

engenheros

(engenheiros)

escreve

(escrever)

explico

(explicou)

entaum

(então)

estuda

(estudar)

F fizemu

(fizemos)

futibol

(futebol)

fla

(fala)

fica

(ficar)

fiko

(ficou)

fac

(faculdade)

fazr

(fazer)

fotu

(foto)

fikdu

(ficado)

feriadu

(feriado)

fto

(foto)

fikamos

(ficamos)

fik

(ficar)

find

(fim-de-semana)

fala

(falar)

falow

(falou)

facul

(faculdade)

facin

(fácil)

faz

(fazer)

fikei

(fiquei)

fokar

(focar)

fraka

(fraca)

fechaduu

(fechado)

facilita

(facilitar)

fotinhu

(fotinho)

faze

(fazer)

fkar

(ficar)

fik

(fica)

falamo

(falamos)

findi

(fim-de-semana)

falandu

(falando)

Figura 11 – Descrição das Palavras em internetês de D a F

48

G gnt

(gente)

grandaum

(grandão)

grandi

(grande)

ganha

(ganhar)

geo

(geografia)

gent

(gente)

gosta

(gostar)

H hr

(hora)

hj

(hoje)

hoj

(hoje)

I i

(ir)

i

(e)

indu

(indo)

intendi

(entende)

informatik

(informática)

iai

(e aí)

infor

(informática)

J jah

(já)

joga

(jogar)

jgandu

(jogando)

K

Kasa

(casa)

ksa

(casa)

kara

(cara)

kra

(cara)

kro

(caro)

koisa

(coisa)

kinem

(que

nem)

ke

(que)

kinta

(quinta)

kaul

(qual)

ki

(que)

ker

(quer)

kem

(quem)

kuando

(quando)

L

lembru

(lembro)

lokinho

(louquinho)

lindu

(lindo)

loko

(louco)

loku

(louco)

lógiks

(lógicas)

liga

(ligar)

lah

(lá)

linduh

(lindo)

ligadu

(ligado)

lembra

(lembrar)

leva

(levar)

lit

(literatura)

lindooo

(lindo)

linduuu

(lindo)

M mt

(muito)

mais

(mais)

mto

(muito)

mante

(manter)

msm

(mesmo)

mtoo

(muito)

mtu

(muito)

msmo

(mesmo)

mta

(muita)

mesmu

(mesmo)

manha

(manhas)

mew

(meu)

ma

(mas)

malhandu

(malhando)

mtooo

(muito)

mtas

(muitas)

mundu

(mundo)

mocinhuu

(mocinho)

mi

(me)

mesm

(mesmo)

morrr

(amor)

Figura 12 – Descrição das Palavras em internetês de G a M

49

N O num

(não)

otmo

(ótimo)

neh

(né)

oq

o que

nau

(não)

ouv

(houve)

n

(não)

outro

(outro)

naum

(não)

ond

(onde)

nd

(nada)

organiza

(organizar)

nasce

(nascer)

oieee

(oi)

novinhu

(novinho)

ñ

(não)

nssa

(nessa)

nuossa

(nossa)

nah

(não)

noit

(noite)

no

(não)

ngm

(ninguém)

nunk

(nunca)

P pq

(porque)

profs

(professoras)

pedi

(pedir)

p

(para)

pom

(bom)

perde

(perder)

poko

(pouco)

peraew

(peraí)

pokinho

(pouquinho)

pegadu

(pegado)

port

(português)

problems

(problemas)

puxa

(puxar)

pgei

(peguei)

pera

(espera)

puxo

(puxou)

prof

(professora)

podi

(pode)

pergunta

(perguntar)

priguiça

(preguiça)

prof

(professores)

pega

(pegar)

pretendu

(pretendo)

passo

(passou)

passa

(passar)

pus

(para os)

pod

(pode)

Palavraum

(palavrão)

poquinho

(pouquinho)

pr

(por)

Q q

(que)

qts

(quantos)

qd

(quando)

qnts

(quantos)

qria

(queria)

qntus

(quantos)

q

(quer)

qm

(quem)

qndu

(quando)

Figura 13 – Descrição das Palavras em internetês de N a Q

50

R respondemu

(respondemos)

rsrsrs

(risos)

skce

(esquece)

respond

(responder)

S

sako

(saco)

substitui

(substituir)

soh

(só)

sabe

(saber)

so

(sou)

soraaaaa

(professora)

sempri

(sempre)

soraa

(professora)

saum

(são)

sl

(sei lá)

senau

(senão)

simplifik

(simplificar)

se

(ser)

sora

(professora)

sab

(sabe)

soraaa

(professora)

sorinha

professora

T te

(ter)

tudu

(tudo)

tah

(tá)

tava

(estava)

td

(tudo)

t

(te)

temu

(temos)

teh

(até)

tbm

(também)

t

(teu)

ta

(está)

tnha

(tenha)

to

(estou)

tenhu

(tenho)

tb

(também)

tnho

(tenho)

tm

(tem)

tnta

(tentar)

(tah)

taum

(tão)

tnhu

(tenho)

tclndo

(teclando)

td

(toda)

tadinhu

(coitadinho)

td

(todo)

taum

(tão)

tuudu

(tudo)

tiv

(tive)

tdo

(tudo)

t

(teu)

todo

(todo)

trab

(trabalho)

t

(ter)

tah

está

U uq

(o que)

u

(o)

V vc

(você)

vzs

(vezes)

vo

(vou)

v

(ver)

veraum

(verão)

vistu

(visto)

viaje

(viagem)

vcs

(vocês)

X

xauzin

(tchauzinho)

xega

(chegar)

xega

(chega)

Figura 14 – Descrição das Palavras em internetês de R a X

51

Uma exposição quantitativa dos dados, seguida de alguns comentários, torna-

se necessária com o intuito de colocar à mostra, através de gráficos, evidências

daquilo que foi apresentado até aqui.

É possível perceber, no primeiro gráfico, que não há uma prevalência de sexo

feminino ou de masculino dentre os indivíduos que contribuíram para a coleta do

material, uma vez que a diferença entre eles é bastante pequena. Nesse caso, o

gênero não indica ser um fator determinante para investigações futuras.

Sexo

43%

57%

Masculino

Feminino

Figura 15: Gráfico demonstrativo do sexo dos indivíduos pesquisados

No próximo gráfico, percebo que a idade possa ser um indicador para a minha

análise, uma vez que a maior parte dos indivíduos tem entre 16 e 17 anos.

Idade

35%

61%

2%

2%

16 Anos

17 Anos

18 Anos

20 Anos

Figura 16: Gráfico demonstrativo da idade dos indivíduos pesquisados

52

A partir da constatação da idade média de 16,7 anos, passo à análise de

conversas em que os indivíduos utilizaram o internetês. Fica evidente que o uso

deste tipo de linguagem é comum entre os jovens, pois somente uma conversa entre

todas as coletadas não apresentou o internetês.

Percentual de Conversas com alguma ocorrência de internetês

98%

2%

Com uso de internetês

Sem uso de internetês

Figura 17: Gráfico comparativo entre diferentes padrões de língua

Constatar que a maioria dos/as estudantes, nas conversas obtidas através do

MSN, apropriou-se do internetês não basta para sabermos como a utilização do

internetês se dá em relação à utilização da norma padrão. Portanto, fiz um

levantamento em que cruzei as seguintes informações: quantidade de palavras em

internetês em relação à quantidade total de palavras, por conversa, obtendo o valor

de 21,8% de palavras que não utilizaram a norma padrão da língua, conforme o

gráfico seguinte. Cabe expressar aqui que este é um valor relativamente baixo no

que diz respeito à análise da escrita de indivíduos que passam várias horas do dia

escrevendo no computador.

53

Palavras em internetês x

Palavras no português padrão

7190

1568 total de palavras nasconversas (MSN)

total de palavras nasconversas (MSN) comocorrência de internetês

Figura 18: Gráfico comparativo entre internetês e norma padrão

Como descrever e analisar uma linguagem tão variada? Marcuschi (2004,

p.14), parafraseando David Crystal (2001), afirma que "a atividade de participação

indefinida nos bate-papos em salas abertas, parece como “um enorme jogo maluco

sem fim” ou, então, assemelha-se a uma ”festa lingüística” para onde levamos nossa

”língua” ao invés de nossa ”bebida”".

Já que nessa festa vão muitas pessoas diferentes, não é possível estabelecer

uma única "bebida", ou seja, uma regra única é impossível, pois o que muda é a

nossa relação com a língua. Apresento um detalhamento dos casos coletados e

algumas recorrências que os termos “criados” demonstram, a fim de observar que,

em alguns casos, a diversidade é que está no comando.

Primeiramente, fiz um levantamento em que juntei as ocorrências que se

repetiam, como por exemplo, todas as palavras que tinham letras substituídas por

outras e, ainda assim, mantinham uma correspondência fonética: x no lugar de ch, k

no lugar de c (em alguns casos). No entanto, uma análise mais aprofundada sobre a

utilização de grafemas e fonemas está, certamente, mais bem localizada no campo

da análise lingüística, que não é foco da presente pesquisa e, portanto, não me

parece necessária neste trabalho.

No entanto, a partir de um olhar atento sobre as palavras descritas, pude

observar, acompanhando as conversas do anexo B, que o que ocorre no Messenger

54

é uma forma de linguagem em que há uma maior aproximação das regras de uso da

língua falada do que da escrita convencional. As pessoas utilizam um programa do

ciberespaço e entram em contato com a cibercultura por ser um meio de

comunicação mais vantajoso e atraente do que outros como telefone, carta etc.

Marcuschi (2003) analisa as relações entre fala e escrita a partir de quatro

perspectivas. A primeira, a das “dicotomias”, separa as duas formas, fala e escrita, e

atribui características específicas a cada uma. Nessa perspectiva, apóiam-se as

gramáticas, que pregam que existe uma língua padrão: a escrita, que requer mais

habilidades e, por isso, é mais abrangente.

A perspectiva da dicotomia estrita tem o inconveniente de considerar a fala como o lugar do erro e do caos gramatical, tomando a escrita como o lugar da norma e do bom uso da língua. (p.28)

Tal perspectiva parece-me um tanto inadequada, já que decide

antecipadamente que a escrita é soberana, pois tem a possibilidade do

planejamento, do vínculo com a norma padrão, da possibilidade de poder ocorrer

de forma descontextualizada.

A segunda perspectiva é baseada numa “visão culturalista” que acredita que a

escrita significa progresso. O indivíduo que a domina é mais culto que aquele que

apenas fala. Marcuschi afirma, no entanto, que “é provável que as relações de causa

e efeito (...) entre a cultura e o uso da escrita não estejam bem situadas.” (p.29)

A escrita pode parecer mais importante devido ao fato de que nem todas as

pessoas têm acesso a ela. Talvez por isso, ela seja até mais valorizada,

encontrando-se num patamar superior. Ao mesmo tempo, contudo, a fala pode

apoderar-se desta qualidade, uma vez que é uma modalidade comum a quase todas

as pessoas, excetuando-se os surdos, cuja modalidade de língua é gestual-visual.

Cumpre salientar que é certo que a escrita significou grande avanço na história da

humanidade, mas é necessário dizer também que ela é, ao mesmo tempo,

supervalorizada nas mais diferentes sociedades.

55

Já na “perspectiva variacionista”, considera-se que a língua pode variar e essa

variação ocorre tanto na escrita quanto na fala; portanto, a escrita deixa de ser a

norma. Dependendo do contexto, aplica-se o padrão adequado (MARCUSCHI,

2003).

A quarta e última perspectiva, a “sociointeracionista”, prevê uma língua

dinâmica, que pode apresentar textos escritos e falados. Orienta-se numa linha

discursiva e interpretativa. Esta visão coloca ambas as modalidades lado a lado.

Nessa leitura, pode-se perceber que a relação entre fala e escrita não é homogênea

nem constante. Elas são práticas que se moldam a partir da cultura em que estão

inseridas (MARCUSCHI, 2003).

Em seu estudo, Marcuschi (2003) também apresenta a idéia de que é através

da fala que se marcam os grupos sociais e que isso ocorre em número diminuto na

escrita, não se tornando esta “fator de identidade individual ou grupal” (p.36). Faz

uma ressalva e apresenta um exemplo de texto que certamente marca um

determinado grupo: o que tem linguagem regionalista, em que as expressões

utilizadas marcam o tipo de texto, no qual as personagens que falam são gente

simples, do interior, por exemplo. Comparo, então, ao texto produzido na internet,

que marca, também, um determinado grupo de pessoas, de uma classe social mais

favorecida normalmente, que vive na zona urbana e que compartilha a experiência

de ler e escrever no ciberespaço.

A linguagem produzida através da internet sugere, segundo alguns autores,

uma tentativa de representação da fala, pois utiliza estratégias da língua falada.

Conforme Araújo (2004), "a conversação em tempo real ocorrida nos chats é

resultado da transmutação do diálogo cotidiano de sua esfera de origem para uma

esfera eletrônica, que é a Web".

Quando falamos, somos mais rápidos porque temos à nossa disposição uma

série de recursos, tais como os gestos e as expressões faciais. E o internetês

acelera o tempo da produção do escrito abreviando o máximo possível as palavras e

utilizando quaisquer outros caracteres para representar a alegria, a raiva, a tristeza,

inclusive ações como o sorriso, o choro, o piscar do olho...

56

Atualmente, é possível um bate-papo on-line ser mais vantajoso do que uma

conversa por telefone, uma vez que os recursos aumentaram e os custos

diminuíram. Além disso, o ciberespaço não permite somente a conversa on-line, ele

é fonte de pesquisa e/ou de entretenimento, de transações comerciais, bancárias

entre outras. A economia de tempo também prevalece, pois podemos realizar uma

multiplicidade de tarefas enquanto "batemos papo".

Outros fatores, relativos ao campo da escrita, presentes no ciberespaço e que

considero relevantes para a discussão, me chamaram a atenção; por isso, descrevo-

os a seguir e faço algumas reflexões a respeito.

O caso da utilização, durante a digitação, do ç, que inicialmente expliquei que

não faria parte da minha análise porque não era praticamente utilizado pelos/as

alunos/as, não apareceu como regra única, uma vez que alguns/as alunos/as que

utilizavam o internetês também escreviam a cedilha. Entretanto, ocorreu-me o fato

de que os teclados não são todos iguais. Existem teclados em que a cedilha já vem

em uma tecla única, juntamente com a letra c, o que facilita a escrita padrão.

Quanto ao apagamento dos acentos, faço um registro de uma experiência

própria: Nunca compreendia o uso do h para marcar o acento agudo. Sempre pensei

que era mais complicado ter que digitar uma letra que não existe na palavra do que

ter apenas que teclar o acento. Até que percebi a grande facilidade do h. Em todos

os teclados em uso no Brasil, o acento encontra-se em uma tecla à parte, fora do

alcance dos dedos, numa região mais periférica, o que exigia que eu tirasse meus

punhos apoiados na mesa comodamente e, em alguns casos, movesse os olhos

para acertar a tecla. Ao contrário, se digitasse o h, não movimentaria nada além dos

dedos. A comodidade, portanto, nessas situações, prevalece e talvez seja a principal

razão para esse tipo de construção nesse meio.

Dificilmente, poderia ser criado um dicionário de internetês, o que, aliás, era

uma intenção minha antes de decidir a questão de pesquisa e ter em mãos o

material empírico. Minha desistência deste desafio se deu porque, ao procurar

materiais sobre o assunto, encontrei trabalhos nos quais havia registros de listas de

57

palavras utilizadas nos chats, por exemplo. No entanto, mesmo sendo recentes, as

pesquisas estavam, em parte, desatualizadas, pois é muito difícil estabelecer um

padrão num lugar em que o princípio é justamente não seguir regras e no qual a

diversidade está no comando.

Os casos de usos da letra c ou da palavra beijos e suas variantes são

exemplares. A letra c corresponde exatamente a quatro palavras distintas: se, ser,

você e com e não foi, de maneira alguma, difícil compreendê-las, pois pelo contexto,

ficava evidente o seu sentido. Já a tão famosa despedida por beijos apareceu

exatamente em treze formas diferentes: bju, bjos, bjuuss, bjokas, bjo, bjuzz,

bjokihassss, bjaum, bjus, bjs, bjin, bjx e bjinhus. Acredito que, se continuasse a

conversa pelo menos por mais dois meses, teria outras possibilidades.

A análise da letra c e da palavra beijos que, na verdade, são dois casos

diferentes, permite pensar que o internetês é atraente por promover essa

variabilidade, essa flexibilidade em que cada um pode construir palavras com as

letras de um determinado conjunto de possibilidades. A letra c é um exemplo em

que uma mesma grafia pode significar diferentes palavras. O exemplo da palavra

beijos mostra que a mesma palavra pode ser escrita de várias formas.

Uma outra tecla freqüentemente utilizada é aquela que marca o asterisco, que

aponta um erro cometido pelo/a internauta. A partir do momento em que se

reconhece o internetês como uma linguagem própria do ciberespaço, é possível

errar utilizando internetês. E quando se erra em internetês, utiliza-se o asterisco.

Toda vez que um/a internauta erra uma palavra depois que já enviou a mensagem,

ele/a a reescreve e coloca um asterisco em seguida, indicando que a palavra

anterior estava errada. Seguem dois fragmentos13 para análise.

Fragmento 1

Fernanda Castro diz: que BOM que tu pensa assim... M16MA226F160805 DIZ:

hehehe.. eu tnhu um afilha di 2

anos... mto lindu tbm!

Fragmento 2

M17GA224M220805 diz: pq o celso só tirava eppq o celso só tirava eppq o celso só tirava eppq o celso só tirava ep Fernanda Castro diz:

?? bom, comigo nao... M17GA224M220805 diz:

13 As conversas, na íntegra, das quais foram retirados estes fragmentos e os demais que analisarei ao longo do capítulo estão no anexo B.

58

M16MA226F160805 DIZ:

afilhado* Fernanda Castro diz: eles sao todos lindos, fala verdade?!

heheeheheeheheehehee M17GA224M220805 diz: pod cepod cepod cepod ce M17GA224M220805 diz: pod c*pod c*pod c*pod c*

No fragmento 1, a palavra afilhado está incompleta, pois faltou a última sílaba.

Prontamente, na próxima frase, aparece o reconhecimento do erro e a palavra como

deveria ter sido digitada. O mais curioso está no fragmento 2. Aquilo que o aluno

quis dizer também saiu com erro de digitação, mas ele corrigiu seguindo o uso que

ele faz do internetês!

Outro fator que me chamou a atenção foi o tamanho das palavras utilizadas. A

maioria das palavras utilizadas nas conversas on-line, que não segue a ortografia da

língua portuguesa, suprime letras em relação à forma ortográfica convencional da

língua portuguesa. Poucas palavras tiveram acréscimos de letras. Houve alguns

casos idiossincráticos, como o exemplo da combinação de sl que significava, no

contexto, "sei lá".

Algumas convenções de uso que são comuns em textos escritos

informalmente, como “com” (c/) e “para” (p/), também apresentam uma redução. Não

é mais necessário representar a barra, pois, no contexto, é possível concluir o que

significa a letra. Outras regras de escrita convencional, como letras maiúsculas e

pontuação, em geral, não são utilizadas na maioria das conversas, já que se

necessita, como em tantos outros casos, mais tempo para digitação.

Apresento, a seguir, outros fragmentos retirados das conversas on-line que

mantive com meus/as alunos/as. A fim de preservar a privacidade deles, criei um

código para cada aluno/a em que relaciono, numa determinada ordem, alguns

dados: nível de ensino, idade, sexo, data da conversa e uma sílaba do primeiro

nome. Esta catalogação permite, também, encontrar facilmente o trecho no anexo B.

É necessário, ainda, comentar uma situação freqüente nas conversas antes de

passar para a análise. Muitas vezes, após o código criado, há apenas uma linha em

branco, como se estivesse faltando a fala do/a aluno/a ou até mesmo, em poucos

casos, a minha fala. Ocorre que, no programa Messenger, é possível a utilização de

59

um recurso chamado emoticons14. Basicamente, são imagens que se movem e

realizam ações que a pessoa levaria um bom tempo para digitar. Normalmente, são

risadas, respostas afirmativas ou negativas... A respeito deles, Chartier (2002)

afirma:

Os emoticons, como se diz em inglês, que utilizam de maneira pictográfica alguns caracteres do teclado (parênteses, vírgula, ponto e vírgula, dois pontos) para indicar o registro de significado das palavras (...) ilustram a procura de uma linguagem não-verbal e que, por essa mesma razão, possa permitir a comunicação universal das emoções e o sentido do discurso. (p.17)

Fávero, Andrade e Aquino (2003) discutem a importância dessas ações em

uma conversa:

"Os marcadores não-lingüísticos ou paralingüísticos como, por

exemplo, o riso, o olhar, a gesticulação, exercem uma função fundamental na interação face a face, na medida em que estabelecem, mantêm e regulam o contato entre os participantes". (p.44)

Embora não estejam face a face como referem as autoras, esses marcadores

precisam acontecer de alguma maneira, pois o que se faz no Messenger é

conversar.

Fragmento A

M17TAI222F210805 diz:

oieee sora! Fernanda Castro diz:

oi ajinho, td bom? M17TAI222F210805 diz:

tudu certu... i ctg? (eu até poderia rebuscar meu vocabulario para falar com a senhora, porém acredito nao estar vulnerável a alguma avaliação escolar, hehehehe)

Fernanda Castro diz:

sim, nao te preocupa, aqui nao sou prof!! Fragmento B

M16PRI222F210805 diz: antes uma pergunta, devo falar como falo com os outros ou quer port correto... M16PRI222F210805 diz:

14 Emoticons: abreviação de “emotion icon” (ícone de emoção). No anexo D, encontram-se alguns exemplos de emoticons, capturados on-line e que perderam, portanto, seus movimentos. Isso indica que o emoticon é sempre construído com caracteres do teclado e, dependendo de onde estiver sendo digitado, ele se transforma em uma imagem animada.

60

hahahhahha Fernanda Castro diz:

desde cedo, sabe como eh... essa foto foi no niver de um ano... Fernanda Castro diz:

aqui nao sou prof, neh? Fernanda Castro diz:

portanto, nao es aluna... M16PRI222F210805 diz: e q blz......

Fragmento C

M17GA224M220805 diz: tua linguagem nao ta de acordo com as normas tua linguagem nao ta de acordo com as normas tua linguagem nao ta de acordo com as normas tua linguagem nao ta de acordo com as normas cultas do msncultas do msncultas do msncultas do msn

M17GA224M220805 diz: hehehehehehehehe

Fernanda Castro diz:

eh... tah dificil de acostumar, sabia? M17GA224M220805 diz: hahahahahahahahahahahaha

M17GA224M220805 diz: imaginoimaginoimaginoimagino

M17GA224M220805 diz: é pra ganha tempoé pra ganha tempoé pra ganha tempoé pra ganha tempo

Fernanda Castro diz:

sabe que eu digito muito, por inúmeros motivos

M17GA224M220805 diz: ai fik tudu escrito pelo somai fik tudu escrito pelo somai fik tudu escrito pelo somai fik tudu escrito pelo som

Fernanda Castro diz:

e se eu seguir as normas do msn, eu demoro mais, acredita?

M17GA224M220805 diz: ehheheehheheehheheehhehe

M17GA224M220805 diz: acreditoacreditoacreditoacredito

Fernanda Castro diz:

ja deu pra perceber algumas logicas... Fernanda Castro diz:

desta linguagem M17GA224M220805 diz: a mais legal q eu achu é a do h no final...a mais legal q eu achu é a do h no final...a mais legal q eu achu é a do h no final...a mais legal q eu achu é a do h no final...

M17GA224M220805 diz: pra substitui o acentopra substitui o acentopra substitui o acentopra substitui o acento

Fragmento D

M17GA224M090905 diz: tu tem q começa a fala kinem nóstu tem q começa a fala kinem nóstu tem q começa a fala kinem nóstu tem q começa a fala kinem nós

M17GA224M090905 diz: ja esta falanduja esta falanduja esta falanduja esta falandu

Fernanda Castro diz: to tentando...

M17GA224M090905 diz: hehehehehehehehe

M17GA224M090905 diz: ta indu bemta indu bemta indu bemta indu bem

M17GA224M090905 diz: vo me puxa entaum pra ti se liga nas manhavo me puxa entaum pra ti se liga nas manhavo me puxa entaum pra ti se liga nas manhavo me puxa entaum pra ti se liga nas manha

Fernanda Castro diz: como isso eh importante pra vcs

Fernanda Castro diz: tah bom, eu agradeço, senao corro o risco de ser reprovada no msn

Fragmento E

M17RE224M090905 diz:

bahhh...a sora jah tah cheia das girias neh Fernanda Castro diz:

61

to mesmo... esses dias, me chamaram a atenção, acredita? Fernanda Castro diz: me disseram que eu não estava de acordo com as normas cultas do msn... M17RE224M090905 diz:

hahahahahahahahaha M17RE224M0909050 diz:

normas cultas

Fragmento F

Fernanda Castro diz: notei uma coisa, tu nao escreve como teus amigos

Fernanda Castro diz: pq?

M17RO224M160905 diz:

ah, pra facilita a conversa

M17RO224M160905 diz:

hehehe

M17RO224M160905 diz:

mas tem algumas coisas q eu invento Fernanda Castro diz: pensei q escrevessem abreviado para facilitar... agora nao sei mais nada...

M17RO224M160905 diz:

eh pra facilita a escrita

M17RO224M160905 diz:

mas eu prefiro facilita o entendimento

dos outros

Fragmento G

M16MAR222250905 diz:

tu tah entendendo o q eu to falando M16MAR222250905 diz:

eh ki eu falo td diferente heauheauhea Fernanda Castro diz:

eu jah to craque!!! M16MAR222250905 diz:

ah bom hueahueauh M16MAR222250905 diz:

eh ki do jeito ki eu escrevo parece mais

facil pra mim h eauhea

Fernanda Castro diz:

mais facil pra que? entender ou escrever? M16MAR222250905 diz:

escrever M16MAR222250905 diz:

pq, eh mais facil escrever por que ou pq Fernanda Castro diz:

pq, claro... M16MAR222250905 diz:

por isso ^^ Fernanda Castro diz:

o mais facil que tu diz significa mais rapido? M16MAR222250905 diz:

sim sim

Iniciei as conversas através do Messenger no início do mês de agosto e,

exatamente no dia vinte e um de agosto, tive a primeira surpresa: a aluna, no

fragmento A, logo depois do cumprimento inicial em que já utiliza o internetês, faz

um comentário - evidenciado na conversa on-line através do uso de parênteses - e

me dá um recado: o de que ela não está na escola e, portanto, não precisa seguir o

padrão da língua portuguesa, mesmo que ela saiba fazer muito bem, já que nas

palavras desse recado aparecem, inclusive, termos como "rebuscado" e

"vulnerável".

62

No fragmento B, acontece uma situação semelhante à do fragmento A; no

entanto, a menina tem a dúvida: deve continuar escrevendo em internetês?

Observando a conversa desde o início, fica claro que a aluna lembrou que a pessoa

com quem conversava era professora somente um tempo depois de já estar

conversando.

No dia seguinte, fui surpreendida novamente. Talvez, essa tenha sido a "fala"

de aluno/a que mais chamou minha atenção e, a partir daí, repensei a minha forma

de escrita on-line e passei a utilizar mais intensamente o internetês. O fragmento C

mostra o aluno me cobrando a utilização das normas... do MSN! Dois fatores

determinaram meu espanto. O primeiro diz respeito à relação de aluno/a-professor/a

que foi desconsiderada. Fora da escola, no espaço on-line, quem comanda e quem

detém o saber é o mais experiente, no caso, o aluno. O segundo fator foi a

constatação de que não existem normas somente na escola e que só devemos nos

adequar a elas se o objetivo for pertencer a outros grupos também. O fragmento C

ainda mostra que o aluno, ocupando o lugar de quem ensina, domina essas normas

e tenta explicar algumas delas para quem ocupa o lugar de aprendiz.

O fragmento D é uma conversa com o mesmo aluno do fragmento C

aproximadamente três semanas depois. De certa forma, o aluno faz uma cobrança

daquilo que havíamos discutido anteriormente e, conforme a conversa vai se

desenrolando, percebe que eu, enquanto aluna, fui bem aplicada. O aluno, inclusive,

elogia o meu desempenho no MSN.

O fragmento E evidencia que o aluno, provavelmente, não esperava que eu

escrevesse conforme as regras da conversa on-line (MSN), já que, ao redor da

profissão de professor, há o mito de que “professor (só) ensina”.

O fragmento F foi retirado de uma conversa em que o aluno não utilizou o

internetês, o que me causou estranhamento, uma vez que, depois de um mês e

meio de conversas, isso só havia ocorrido uma vez. Ao perguntar por que o aluno

escrevia diferentemente dos colegas, ele explica: o internetês facilita para quem

escreve, mas dificulta o entendimento de quem lê. Provavelmente, ele acreditava

63

que eu, enquanto professora de língua, jamais entenderia essa nova linguagem. Ao

questioná-lo, passou a utilizar o internetês, como se tivesse recebido um aval de

minha parte.

Finalmente, no fragmento G, há um aluno preocupado com a forma de escrita

que utiliza, em relação ao entendimento daquilo que ele escreve. Ele se justifica,

como a maioria dos/as alunos/as que utiliza o internetês, considerando ser mais fácil

e rápido de enviar a mensagem.

A respeito das conversas, é importante registrar que, no anexo B, encontra-se

mais de uma conversa de um determinado aluno porque, na primeira vez em que

conversamos, o aluno não utilizou o internetês em momento algum. Tentei, então,

vencê-lo pelo cansaço e utilizei insistentemente, nas minhas falas, o internetês. O

resultado foi rápido. A partir da segunda conversa, o aluno já se sentiu mais à

vontade e deixou alguns registros de internetês. É possível acompanhar esta

situação pelas conversas de códigos: M17CA226M110805 e M17CA226M180805 no

anexo B.

Reproduzo, a seguir, outras imagens que estão intimamente ligadas ao que

dizem os fragmentos acima.

Figura 19: Recado do aluno A na folha da prova de literatura

64

Figura 20: Recado do aluno B na folha da prova de literatura

Figura 21: Recado do aluno C na folha da prova de literatura

Essas figuras reproduzem recados que foram produzidos dentro do ambiente

escolar, por diferentes alunos/as, durante uma avaliação, numa folha de prova de

Literatura. No dia da realização da prova, os/as alunos/as que não haviam

conseguido terminar a produção no tempo disponível tiveram a orientação de deixar

um recado na parte da frente da prova que indicasse que o texto ainda não estava

pronto. Dessa forma, a professora não corrigiria esse texto, e, em outra

oportunidade, eles terminariam a atividade.

Vários fatores chamam a atenção: os/as alunos/as utilizaram o internetês

dentro da escola, durante a aula, num momento de prova, numa folha que seria

entregue para a professora avaliar, mas, unicamente, aquelas palavras não estavam

sujeitas à avaliação.

65

Encontra-se, no anexo C, uma outra parte do material coletado para análise e

que não reproduzo aqui por ser um material extenso. Trata-se dos textos escritos

para as professoras de História e de Literatura. A quantidade de textos fotocopiados

fica em torno de cento e oitenta textos. Para fins de análise, nesta Dissertação,

selecionei cinco de cada disciplina, uma vez que em nenhum texto apareceu

qualquer uso de internetês. O uso da língua padrão, em momento de avaliação,

ficou evidenciado por ser recorrente em todas as produções coletadas.

Analisando, especificamente, os fragmentos das conversas, as figuras e os

textos coletados, percebo que os/as alunos/as têm muito claro o que significa usar a

língua escrita para se comunicar. Enquanto estiveram na condição de alunos/as

submetidos/as à avaliação, nunca utilizaram o internetês. Enquanto alunos/as não

submetidos/as à avaliação, o uso do internetês foi comum, independentemente do

suporte utilizado.

Conforme Marcuschi (2004, p.63), a respeito do internetês, "o que se tem, em

termos lingüísticos, é uma linguagem escrita não-monitorada, não submetida a

revisões, expurgos ou correções.” Portanto, posso concluir que, de acordo com

Freire (2003b, p.69), “a situação de uso da linguagem determina, em parte, a

seleção dos recursos expressivos que são (e podem) ser usados”.

Os dados indicam, então, que a língua pode ajustar-se às mais variadas

situações e que o que está em jogo é o uso que se deve fazer dela conforme os

diferentes contextos e espaços. Marcuschi (2003) parte do princípio

de que são os usos que fundam a língua e não o contrário. Assim, noto que nem

tudo o que é produzido na escola é influenciado pelo convívio com o meio eletrônico.

Surge a dúvida: por que os/as alunos/as agem assim? Aparentemente, não

acreditamos que é o mesmo indivíduo quem escreve o bilhete e o texto da prova, tão

diferentes que se apresentam em relação à forma escrita. A fim de examinar esse

assunto, no próximo capítulo, investigo quem são essas pessoas e por que agem de

diferentes formas nos mesmos locais (escola, ciberespaço), relacionando-se com as

mesmas pessoas.

4 IDENTIDADES INTERNAUTAS

67

Neste capítulo, faço uma incursão ao que dizem alguns pesquisadores dos

Estudos Culturais, articulando as leituras com algumas situações que vivi ao entrar

na internet para coletar o material da minha análise. No entanto, ao me propor a

uma discussão sobre os resultados, senti necessidade de “ouvir” o que os indivíduos

analisados têm a dizer quanto à utilização do internetês, entre outras práticas do

ciberespaço. Os sujeitos que forneceram os dados para a análise realizada no

capítulo anterior não tinham conhecimento da minha situação de pesquisa, portanto,

eu pude avaliar um material produzido sem qualquer tipo de intenção, por parte

dos/as alunos/as, de mudar ou intensificar qualquer ponto...

Justamente por isso, tinha um receio, mas ao mesmo tempo uma intenção,

ainda que vaga, no início da pesquisa, de querer que eles também pudessem

expressar suas opiniões a respeito do ciberespaço, mas conscientes de que fazem

parte de uma pesquisa. As respostas que obtive até aqui partiram da minha visão

acerca do que os/as alunos/as fazem no que diz respeito à utilização da escrita. A

decisão da entrevista aconteceu numa determinada aula de português, já no ano de

2006, em que estávamos discutindo os diferentes tipos de escrita, entre eles o texto

do e-mail e o texto do chat... Nessa aula, alguns/as alunos/as mais participativos

foram contribuindo de tal forma que pensei ser necessário e muito proveitoso deixar

que eles falassem e justificassem suas ações no espaço cibernético.

Dentre vários pontos discutidos nessa aula, o que me chamou a atenção, em

especial, foram as colocações a respeito dos nicknames. Quando os/as alunos/as

começaram a falar que trocam de nickname dependendo do lugar onde se

encontram, associei com o que estava lendo a respeito das identidades pós-

modernas, especificamente, Stuart Hall (2005). Em seguida, comentaram a respeito

do funcionamento de alguns jogos on-line, em que se criam clãs e cada indivíduo é

conhecido por um nickname dentro de cada um desses clãs. Então, minhas leituras

de Bauman (2005) vieram à tona: comunidades.

Embora o assunto tenha partido de uma turma de Ensino Fundamental, as

entrevistas foram realizadas com alunos/as que estão cursando o terceiro ano do

Ensino Médio, a fim de manter a mesma faixa etária do grupo que participou das

68

conversas através do Messenger. São também alunos/as da mesma escola e têm

acesso, da mesma maneira que os outros indivíduos investigados, à internet.

Minhas perguntas29 dividiram-se em três partes. Na primeira, focalizo a escolha

dos nicknames. Os/as alunos/as citam alguns exemplos de nicknames que utilizam e

justificam sua escolha. Ainda nesta parte, comentam a freqüência com que trocam

de nickname e por quê, se é que isto ocorre. A segunda parte se ocupa do orkut, no

sentido de saber se eles participam dessa comunidade on-line e por quê. Na terceira

parte, direciono as perguntas para a utilização da escrita em relação ao internetês e

à norma padrão.

Apresentarei os resultados através de comentários que se relacionarão, de

alguma forma, com a teoria em que apóio minha pesquisa. Mesmo utilizando

metodologia qualitativa no meu estudo, mostrarei alguns resultados das entrevistas

em forma de gráficos, como fiz no capítulo três, a fim de facilitar a visualização dos

resultados. Articulo, ainda, neste capítulo, as palavras-chaves do meu trabalho:

identidade cultural, língua portuguesa e internet.

4.1 Identidade Cultural, Língua Portuguesa e Internet

A identidade “é definida historicamente, e não biologicamente” (Hall, 2005,

p.13). A afirmação antecipa, de certa forma, que precisamos retomar conceitos

estabelecidos que eram tidos como verdades. Não se pode falar dos sujeitos do

século XXI como se fala dos sujeitos que viveram na época do Iluminismo,

simplesmente, porque eles não pensam e não agem da mesma forma. Todos têm

suas especificidades, que estão de acordo com o que se pensa e se acredita na

sociedade em que se vive.

As verdades, na pós-modernidade, são constituídas a todo instante, através

das práticas sociais, de forma que o próprio indivíduo que pratica uma “verdade”

contribui para que essa “verdade” seja uma entre tantas “verdades” possíveis.

Segundo Costa (2001, p.32), “A linguagem, as narrativas, os textos, os discursos

29 Ver entrevistas completas no anexo E.

69

não apenas descrevem ou falam sobre as coisas, ao fazer isso eles instituem as

coisas, inventando sua identidade”.

Para Maffesoli (1987, p.01), a era pós-moderna é definida em relação ao fim da

Idade Moderna, um tempo em que o processo econômico-político estava à frente.

Para o autor, na pós-modernidade, a cultura prevalece em relação àquele processo

econômico-político que dominou até meados do século XX. Ainda, segundo ele, o

homem pós-moderno não é mais a razão, o centro, que era o homem moderno: um

sujeito que se “desliga” de Deus a fim de tornar-se individualizado.

Harvey (2004) afirma que o pós-modernismo não pode ser considerado uma

ruptura do que foi estabelecido pelos modernistas, pois, ao autor parece

“mais sensível ver este último (o pós-modernismo) como um tipo particular de crise do primeiro (o modernismo), uma crise que enfatiza o lado fragmentário, efêmero e caótico (...) enquanto exprime um profundo ceticismo diante de toda prescrição particular sobre como conceber, representar ou exprimir o eterno e o imutável”. (p.111)

É notável, entretanto, que, para esses autores, o fluxo contínuo de diversas

ordens, como por exemplo, de informações e o pluralismo que decorre das rápidas

mudanças que a pós-modernidade vive, sujeita o indivíduo a ser cada vez menos

um ser único.

Hall (2005) afirma que, ao longo dos tempos, os sujeitos pensam ser de formas

diferentes: o primeiro, o sujeito iluminista, é centrado em si. Passa a acreditar que é

um sujeito sociológico, para o qual a identidade existe a partir da interação do eu

com a sociedade e, por fim, o sujeito pós-moderno, que não é mais só um sujeito,

mas é um ser fragmentado, dividido em várias partes. As partes compõem um todo

que interage de diferentes maneiras. Bauman (2005) ressalta, no entanto, que as

partes não são limitadas, uma vez que, comparando com um quebra-cabeça, o

indivíduo, na sua vida, não tem como saber qual é a imagem final que aparecerá.

Usando a metáfora do quebra-cabeça, nos diz:

É preciso compor a sua identidade pessoal (ou as identidades pessoais?) da forma como se compõe uma figura com as peças de um quebra-cabeça, mas só se pode comparar a biografia com um quebra-

70

cabeça incompleto, ao qual faltem muitas peças (e jamais se saberá quantas). (p. 54)

As novas relações entre espaço e tempo representam mudança na forma como

são constituídos os indivíduos fragmentados pós-modernos. Pensando num âmbito

bem restrito, Sarlo (2004) faz considerações sobre o espaço:

as distâncias se encurtaram, não só porque a cidade deixou de crescer, mas porque as pessoas já não se deslocam por ela, de ponta a ponta. Os bairros ricos configuraram seus próprios centros, mais limpos, mais ordenados, mais bem vigiados, mais iluminados e com ofertas materiais e simbólicas mais variadas. (p. 14)

A afirmação da autora remete, instantaneamente, aos shoppings. Ao entrar

num local em que eu tenho tudo o que preciso à minha disposição, não me preocupo

mais com o tempo e com o espaço do lado de fora. A arquitetura dos shoppings,

inclusive, induz o sujeito a não se preocupar com tais fatores.

Ao chegar pela manhã, para fazer compras, posso, antes, tomar um delicioso

café com o que há de mais variado e requintado, talvez. Se estiver acompanhada de

uma criança, entrego-a a um dos serviços que o ambiente propicia e terei um

profissional disponível que se encarregará de vigiá-la para mim. Enquanto isso, vou

ao banco, compro um passatempo para me divertir enquanto minhas roupas são

lavadas por uma máquina. Caso tenha que consertar alguma roupa, aproveito e levo

ao serviço especializado que o shopping me oferece. Antes de ir embora, dou uma

olhadinha no que há de novidades em roupas e calçados, passo no salão de beleza

para dar uma “ajeitadinha” e, claro, dou uma passadinha na clínica para revisar a

vacinação do meu filho. Já ia esquecendo, tenho que pegar meu cachorrinho de

estimação que estava na “pet shop” para o banho semanal.

O tempo de que dispus para fazer todas essas atividades é, sem dúvida, muito

menor do que o que eu levaria se o shopping não existisse. A distância que não

existe mais tem um preço, claro. Mas o preço é compensado pelo conforto do ar

condicionado e pela música ambiente, pela segurança pessoal, do meu filho e do

meu carro que, aliás, está em um estacionamento coberto, privado, como eu, do

lindo sol que brilha no céu. Ainda a respeito dos shoppings, mas sobre sua relação

com o tempo, Sarlo (2004, p.17) nos diz:

71

Como nos cassinos de Las Vegas (e os shoppings aprenderam muito com Las Vegas), o dia e a noite não se distinguem: ou o tempo não passa, ou o tempo que passa também é um tempo sem qualidades.

Comparo o shopping de Sarlo (2004) com o que Augé (1994) considera,

utilizando a França como exemplo, constituir um centro:

onde ficam próximos os monumentos que simbolizam um a autoridade religiosa (a igreja),

outro a autoridade civil (...). A igreja (...) fica situada numa praça por onde passam,

freqüentemente, os itinerários que permitem atravessar a cidade. A prefeitura nunca fica

longe, mesmo quando acontece de ela definir um espaço próprio e de haver uma praça da

Prefeitura ao lado da praça da Igreja. Também no centro da cidade, e sempre nas

proximidades da Igreja e da prefeitura, foi erguido um monumento aos mortos. (p. 63)

Para o autor, ainda, os centros são espaços de atividades intensas e podem

ser chamados assim por reunirem algumas características em si mesmos: “se Lyon

(...) reivindica, entre outros títulos, o de ”capital da gastronomia”, (...) Thiers pode-se

dizer ”capital da cutelaria” (...), Digouin, ”capital da cerâmica” e (...) Janzé, ”berço do

frango caipira”.” (p.65)

No entanto, lançando o olhar um pouco mais distante, é possível reconhecer os

mesmos fatores que citei nos parágrafos acima, quando falei do shopping e do

centro, presentes em outros locais. Agora, então, é preciso falar em globalização.

Candau (2002, p.13) refere que, “para seus defensores, no plano econômico é um

processo de desfazer fronteiras, de pensar o mundo como um todo comunicável por

regras e práticas comuns”.

Assim como no shopping eu tenho as coisas da cidade ao meu redor, num

único espaço, posso ter, na minha vida, o mundo todo, acessível a um toque, a um

clic, a um telefonema. E assim, não posso ser mais um sujeito único, com uma

identidade apenas, local.

72

Costa (2001, p.31), citando Foucault (1995), refere que, na pós-modernidade, o

indivíduo está “sujeito a alguém pelo controle e dependência, e preso à sua própria

identidade por uma consciência ou autoconhecimento”. Segundo Candau (2002,

p.15) “A consciência de múltiplos pertencimentos (de etnia, de gênero, de religião,

de estilo de vida etc) se acentua na vida cotidiana dos povos, reforçada, sem dúvida,

pelos avanços tecnológicos e pela divulgação dos meios de comunicação e de

informação”. Dessa forma, conforme Costa (2001, p.31), o sujeito “se constitui no

interior da história e está conectado a ela” inevitavelmente.

A constituição de um sujeito não mais como um indivíduo único, onde os

grupos representam papel fundamental na sociedade pós-moderna, como por

exemplo,

“a igrejinha, o grupo de amigos, manifestações cotidianas, profissionais, políticas, étnicas, (...) equivale dizer que o indivíduo é uma realidade relativa, nos dois sentidos do termo; realidade relativizada por outros e que põe em relação com outros, pressuposto de uma realidade arcaica, no sentido etimológico do termo, uma realidade que serve de suporte. (MAFFESOLI, 1997, p.210)

Pierre Lévy (2000a, p.19) fala da transversalidade nessas novas relações que

passaram a fazer parte da vida dos indivíduos, especialmente, em relação à

emergência do espaço cibernético: “em que as pessoas não vão estar separadas

entre si e ligadas todas em relação ao centro, mas onde serão multiplicadas as

conexões transversais entre elas”. Assim, a transversalidade permite que as

informações se cruzem e não se dirijam a um único lugar.

Uma sociedade dividida em classes apresenta diferentes interesses ligados a cada classe. Tratando-se das sociedades complexas em que

vivemos, multiplicam-se os grupos dentro da sociedade, cada um deles com seus interesses e universos culturais. Quanto mais

diversificada for a sociedade, maior pluralidade cultural a constitui, complexificando-a. A convivência entre os grupos, interesses, culturas, se estabelece através do jogo político, das correlações de força que determinam os tipos de relações num determinado contexto.

(CANDAU, 2002, p.38)

Nesse sentido, em que o tempo e o espaço não são mais fronteiras, aquilo que

era considerado como tradição não tem mais razão de ser venerado. Os sujeitos não

se fixam mais na história, as raízes não são mais tão importantes diante da

possibilidade de conhecer e fazer parte de outras culturas.

73

É interessante, portanto, refletir sobre o termo cultura. Costa (2001, p.33) traz a

visão de Hall (1997) que chama a atenção “para a forma como a cultura investe,

hoje, em cada recanto da vida social, não podendo mais ser concebida como o

sentido estrito de acumulação de saberes ou de processo estético, intelectual e

espiritual”. A cultura passa a ser constitutiva das formas de ser e viver na sociedade

pós-moderna.

Pierre Lévy afirma que “uma cultura é bem, pois, uma rede de correspondência

entre sistemas simbólicos, à condição de se acrescentar que uma tal rede constitui a

dimensão do sentido dos seres humanos que atualizam essa cultura” (2000b, p.22).

Ou seja, de nada adianta sistemas simbólicos como língua e religião se não houver

pessoas que garantam a sua efetividade.

Os sistemas simbólicos são inventados por pessoas que compartilham o

mesmo “espaço”, de forma que tudo seja ordenado da maneira mais conveniente

possível e que possa tornar a vida dessas mesmas pessoas mais agradável, mais

fácil, até mesmo, possível. O que ocorre, na pós-cultura, é que esses sistemas

simbólicos que geravam segurança, tradição, estabilidade estão se confundindo uns

com os outros, estão lado a lado no que antes se dizia pertencerem a culturas

diferentes. Lévy chega a dizer que

nós somos estrangeiros, radicalmente, mesmo ficando em casa, porque tudo muda ao nosso redor, porque somos invadidos de todas as maneiras pelo estrangeiro, pelo imigrante, pelo pobre, mas também pelo rico, o imperialista que nos impõe sua cultura. (2000b, p.25)

A instabilidade provocada pela transversalidade que os sistemas simbólicos

passaram a ter é provocada, também, pela inserção do ciberespaço na vida de

todas as pessoas. Para não ser estrangeiro dentro da sua própria casa ou cidade, é

necessário mudar e se adaptar freqüentemente, tanto no que se pensa e em que se

acredita, quanto no que consome. Daí a nova relação com o tempo e com o espaço.

Ser estrangeiro no seu país significa não existir mais fronteiras ou que as fronteiras

que existem estão dentro dele, nos estados, até na sua rua. Precisar mudar a forma

de agir e pensar pode significar esquecer o tempo, o relógio, as tradições.

74

O instantâneo e o momentâneo são as formas que as novas gerações têm de

aprender para lidar com a vida. Na verdade, sujeitos do século XXI já nascem

inseridos nessas maneiras. Quem aprende é o sujeito que está vivendo a transição.

Assim, há sujeitos que tiveram que se adaptar, por exemplo, às novas tecnologias,

tendo de largar tradições, tentados pelo conforto e pela facilidade. Até mesmo para

não serem excluídos de grupos com os quais convivem. Aliás, essas maneiras são

inventadas a todo o momento.

Para a grande maioria dos habitantes do líquido mundo moderno, atitudes como cuidar da coesão, apegar-se às regras, agir de acordo com os precedentes e manter-se fiel à lógica da continuidade, em vez de flutuar na onda das oportunidades mutáveis e de curta duração, não constituem opções promissoras. Se outras pessoas as adotam (...) são prontamente apontadas como sintomas da privação social e um estigma do fracasso de vida, da derrota, da desvalorização, da inferioridade social. (BAUMAN, 2005, p.60)

Os sujeitos pós-modernos nascem num mundo em que a velocidade é um

imperativo. As imagens veiculadas por uma televisão são atraentes, pois mostram

muito movimento e muita cor, associados a uma fala ou a um som qualquer que

produz o efeito de manter o telespectador atento, estático. A quantidade grande de

imagens e sons que invade a vida dos sujeitos pós-modernos os constitui e os torna

diferentes do sujeito moderno. O tempo e o espaço ao alcance das mãos exigem

outro tipo de relação, seja no espaço familiar, escolar, de trabalho, de lazer ou

outros.

Segundo Maffesoli (1995), essas novas relações se dão porque, na pós-

modernidade, as coisas que antes eram separadas umas das outras, como por

exemplo, economia, cultura, religião agora “são domínios da vida social em

interação”. Ainda conforme o autor, “à civilização enlanguescedora de uma

modernidade econômico utilitária está em vias de suceder uma nova cultura, onde o

sentido do supérfluo, a preocupação com o inútil, a busca do qualitativo assumiriam

o primeiro lugar” (p.30-33).

Para Lemos (2004, p.09), a cibercultura, “uma nova cultura tecnológica

planetária, será, em breve, percebida como uma infra-estrutura banal, como as

redes de água, luz ou telefone”. A escola, um espaço rígido, disciplinar, de controle,

75

destinado à transmissão de saberes, está interconectada com o ciberespaço e a

cibercultura, assim como está ligada diretamente às infra-estruturas tradicionais

citadas por Lemos, portanto, algumas rotinas foram influenciadas, como por

exemplo, acréscimo da disciplina de informática no currículo, aceitação de trabalhos

digitados e não somente manuscritos entre outras.

Outras relações, como família-escola-trabalho, por exemplo, segundo Lévy,

estão se dissolvendo: “os mais velhos sabem mais; velho corresponde a sábio” e

isso “provoca confusões”, segundo o autor, “na educação e no próprio processo de

transmissão de cultura” (2000b, p.28). Lembro-me de quando entrei no Messenger

para conversar com os/as alunos/as e de situações em que aprendi muito com eles.

Uma situação nova, que põe em risco conceitos tradicionais: naquele espaço,

embora eu fosse a professora (a detentora do saber), quem ensinava era o/a

aluno/a. Os papéis não foram trocados, mas cada um assumiu uma identidade

diferente, de acordo com a situação em que nos encontrávamos.

Conforme Amaral (2003, p.110),

pela primeira vez, são as crianças que melhor dominam um novo aparato tecnológico e estão na ponta de um processo transformador que atinge, cada vez mais, áreas da vida cotidiana. Isso ocorre porque as crianças que hoje têm até 14 anos já nasceram cercadas por um ambiente multimídia, cuja assimilação faz parte da sua rotina, além do fato de estarem em sintonia com uma série de procedimentos necessários à sua utilização.

A possibilidade de fácil acesso a culturas variadas, devido às novas relações

entre espaço, tempo e sujeitos, promove uma identidade que não é mais local, fixa,

intacta. “Quanto mais a vida social se torna mediada pelo mercado global de estilos,

lugares e imagens, (...) mais as identidades se tornam desvinculadas – desalojadas

– (...) e parecem flutuar livremente” (HALL, 2005, p.75).

A mobilidade e a flexibilidade permitem que os sujeitos conheçam mais coisas

e que se insiram em outras culturas e tragam especificidades delas para suas vidas

diárias. Isso faz com que mude a forma como os sujeitos se organizam na

sociedade. Bauman (2005, p.17), baseado na fórmula de Siegfried Kracauer, afirma

que os membros de uma comunidade podem viver de duas formas: ou todos vivem

76

juntos numa ligação absoluta ou se relacionam porque são fundidos por idéias ou

princípios. O autor nos diz ainda que cada vez menos pessoas viverão em

comunidades do primeiro exemplo, em que o espaço rígido e delimitado é que

decide com quem os sujeitos se relacionam. O segundo exemplo, no entanto, nos

mostra a flexibilidade do mundo pós-moderno, do clic, do toque... Eu posso viver em

várias comunidades ao mesmo tempo, desde que, por alguma razão, eu me

identifique com elas.

Maffesoli (1987) afirma que “o que predomina, maciçamente, na atitude grupal,

é o dispêndio, o acaso, a desindividualização” (p.18). O autor compara as massas

(que não são mais o proletariado) com tribos. As tribos não são estáveis, mas há um

fio condutor que une as pessoas. Ele chega a falar em “regras não-ditas, sujeitas a

múltiplas variações” (p.22) e ainda “a comunidade se caracteriza menos por um

projeto, voltado para o futuro, do que pela efetuação ”in actu” da pulsão do estar-

junto” (p.23). É “por força das circunstâncias, é porque existe proximidade, é porque

existe a partilha de um mesmo território (seja ele real ou simbólico), que vemos

nascer a idéia comunitária” (p.24).

A respeito das regras que existem no ciberespaço, Bretas (2001) revela:

As boas normas de conversação e convívio dos usuários na internet são facilmente encontradas no espaço da rede. Denominadas de “netiqueta” (etiqueta da net), são apresentadas em tutoriais que funcionam como guias de navegação, praticadas por interlocutores no espaços de conversação (on-line ou off-line), ou, mesmo, disponibilizadas em sites de usuários da Web. Zelam pelos aspectos de conteúdo e forma das mensagens, e vêm sendo elaboradas desde o advento das BBS (redes de conversação e transferência de arquivos interligadas por telefone). (p.46)

Ao me deparar com a afirmação de que existem normas expressas sobre o

“bom” uso da internet, fiz uma rápida pesquisa na web sobre o assunto.

Aparentemente, as “netiquetas” são muito conhecidas na internet, pois foram

encontradas 709.000 páginas com o termo. Entre elas, existem as que explicam as

“regras”, outras que as contestam, outras que apenas referem. Aquelas que revelam

as regras nos mostram que tratam de praticamente tudo que se relaciona ao

ciberespaço: regra sobre e-mail, listas e propagandas, regra para delimitar o tipo de

77

site a acessar entre outras. Nota-se, também, que elas são descritas a partir de uma

bibliografia extensa de manuais e guias sobre internet30.

Paiva (2004), em seu estudo sobre o e-mail, traz uma lista de netiquetas

composta a partir da comparação de dez sites elaborada pela bolsista Rafaela

Gonzaga de Oliveira e afirma: “Para que a interação por e-mail seja bem sucedida, é

necessário que o usuário da rede obedeça a algumas normas de interação” (p.80).

As razões que fazem com que eu me aproxime de diferentes comunidades

podem estar associadas a preferências religiosas, musicais, lingüísticas ou

quaisquer outras que imaginar. Assim, mesmo que vários sujeitos vivam no mesmo

território, no mesmo espaço geográfico, eles podem ser sujeitos completamente

diferentes. Cada um será constituído por aquilo que a desterritorialização o propiciar

e, conseqüentemente, por aquilo que o sujeito estiver disposto a aceitar.

A respeito do conflito que a inserção ou não numa comunidade pode gerar é a

ambivalência de que Bauman (2005) nos fala. A comunidade pode significar a

segurança ou a instabilidade. Estar preso a várias comunidades pode, ao mesmo

tempo, denotar diferentes significados: eu busco a limitação numa comunidade, mas

estou sujeita a não mais fazer parte dela caso deixe de acreditar nos preceitos que a

formam. E o fato de estar ligada a outra comunidade e poder me desligar também a

qualquer momento quer dizer que não estou, na verdade, presa a nada, a nenhuma

delas, pois a liberdade que possuo serve tanto para territorializar quanto para

desterritorializar.

É como se fizéssemos contratos temporários, não de trabalho, mas de

situações corriqueiras da vida. Por um determinado tempo, faço parte do grupo de

jovens da igreja à qual estou vinculada. Mais tarde, passo a fazer parte do

movimento de casais jovens. Nesse âmbito, mudo o grupo devido à faixa etária ou

ao estado civil, mas, durante cada uma das fases, posso participar de outros grupos,

determinados pela etnia ou pelo gênero, por exemplo.

30 CASTRO, Maria Alice Soares de. Netiqueta: guia de boas maneiras na internet: guia de consulta rápida. São Paulo: Novatec, 1997. É um exemplo de obra que aborda o assunto, disponível para consulta.

78

É exatamente o reconhecimento dessas distinções com que convivo que

caracterizam a pós-modernidade. Segundo Harvey (2004) “As metalinguagens,

metateorias e metanarrativas do modernismo (...) tendiam de fato a apagar

diferenças importantes e não conseguiam atentar para as disjunções e detalhes

importantes” (p.109).

A respeito das comunidades, Bauman (2005, p.68) ressalta que elas “parecem

uma alternativa tentadora. É um sonho agradável, uma visão de paraíso: de

tranqüilidade, segurança física e paz espiritual”. Mas, para a maioria das pessoas, “a

comunidade é um fenômeno de duas faces, completamente ambíguo, amado e

odiado, amado ou odiado, atraente ou repulsivo, atraente e repulsivo” uma vez que

pode assumir, também, uma característica de prisão, de limitações.

Ao mesmo tempo, segundo Lévy,

no momento em que os sistemas simbólicos se desfazem, a ligação, a interconexão, a interdependência universal se tornam cada vez mais aparentes, são elas que construímos infatigavelmente ao edificarmos nossas redes. Eis, pois, a correspondência de tudo com tudo, figura emblemática da cultura do porvir que podemos talvez reconhecer como aquilo que resta de sagrado, à medida que este só perdeu seu nome. (2000b, p.35)

O espaço, agora, assume uma característica transitória e essa característica

pode gerar, também, a insegurança. Uma comunidade surge assim como

desaparece: “num piscar de olhos”. Surge, então, a dúvida a respeito da identidade.

Por isso, o sujeito pós-moderno não é mais uma só identidade: ele participa de

várias comunidades, interage em diferentes grupos, precisa, portanto, adequar-se às

exigências de cada um, tornando-se vários sujeitos nele mesmo.

Um bom exemplo de comunidade são as comunidades virtuais. A virtualidade

do ciberespaço propicia uma constituição de comunidades muito facilmente. Já que

sua característica principal é a (des)territorialização, as limitações de tempo e

espaço são relativizadas. As comunidades se criam não apenas a partir da

geografia, da faixa etária ou dos credos religiosos. Um simples interesse em comum,

por parte de várias pessoas, pode ser o motivo de se criar uma comunidade.

79

O orkut é, na rede mundial de computadores, um veículo que possui muitas

comunidades. Ele próprio “é uma comunidade on-line que conecta pessoas através

de uma rede de amigos confiáveis”31. Basicamente, o orkut é um site em que se

criam e se desmembram as comunidades. Para você participar, é necessário ser

convidado por alguém que já participa. Por isso, sua definição diz: “amigos

confiáveis”. Espera-se que ninguém convide pessoas de má índole ou que não

tenha algumas referências. Você precisa ter apenas um/a amigo/a e um endereço

de e-mail para estar nessa comunidade.

A idéia de confiabilidade foi posta à prova, por mim, quando, ao participar de

uma gincana na escola em que trabalho, precisamos criar um perfil (usuário) com o

nome da equipe. Venceríamos se nosso perfil fosse o que mais amigos/as tivesse.

Então, uma busca muito grande, por “amigos/as”, começou. Cada integrante da

equipe convidou todos/as os/as seus/as amigos/as e pediu para que cada um/a

desses/as amigos/as convidasse os/as seus/as amigos/as e assim sucessivamente.

Uma das equipes utilizou um programa de computador para fazer um convite “em

massa”. O programa localiza o e-mail de muitas pessoas que participam do orkut e

as convida. Em um dia, uma das equipes estava com mais de seiscentos amigos/as,

tendo como integrantes apenas vinte e três alunos/as.

Quando passa a ter acesso ao orkut, visitando a página de quem o convidou,

você encontra os/as amigos/as dessa pessoa e algumas comunidades das quais ela

participa. Ao clicar numa comunidade para ver do que se trata, exatamente, você

pode fazer parte dela e conhecer outras comunidades da rede que se relacionam

com aquela, mesmo que seu/a amigo/a não faça parte delas.

Ao ser convidada pelo meu irmão, por solicitação minha, uma vez que queria

saber mais o que meus alunos/as têm escrito e visto na rede, vi que ele fazia parte

de uma comunidade relacionada à leitura. Ao conhecer essa comunidade, verifiquei

outras que se relacionam a ela, como por exemplo, uma do escritor gaúcho Luis

Fernando Veríssimo. Cliquei nela e outras apareceram. E assim você pode ficar o

31 Disponível em: www.orkut.com.br Acesso em 17/03/2006.

80

dia inteiro, porque são muitas as comunidades. Elas são criadas a cada minuto. Ao

clicar numa comunidade gremista (“pertencente” a pessoas que torcem para o clube

de futebol gaúcho Grêmio), outras que se relacionam apareceram e pude perceber

que muitas haviam sido criadas no dia anterior, após o resultado de um jogo. Assim,

quando o Grêmio empatou com o 15 de Novembro32, pelo campeonato gaúcho do

ano de 2006, foi criada, em seguida, uma comunidade a respeito do assunto.

É interessante observar que muitas das comunidades são criadas para “dar

recados”. Passei a participar de uma comunidade chamada “anti-Inter”, já que torço

para o Grêmio e o Internacional é o maior rival do meu time. De certa forma, utilizei

um recurso do ciberespaço, indireto, neste caso, para dizer a todos do orgulho de

ser gremista. Mas, a partir do aparente recado, retomo o que diz Candau (2002,

p.40): “A identidade só se afirma diante do diferente”. Para eu poder ser gremista,

não posso torcer pelo Internacional.

Notei, neste rápido contato com o orkut, que muitas comunidades se criam mas

não têm o efeito, que eu esperava talvez, de realmente ser uma comunidade ativa,

dinâmica, que discute e convive. Na verdade, no orkut, encontramos comunidades

variadas e, dentre elas, somente algumas são muito comentadas, geralmente

aquelas que se referem a um universo mais amplo, como por exemplo, que se

relacionam com ataques terroristas, já que as conseqüências podem afetar o mundo

inteiro. O fluxo de pessoas e informações é muito rápido. Em apenas dois dias, mais

de cem mil pessoas passaram a fazer parte da grande família chamada orkut. Em

29/03/2006 eram 14.896.816 pessoas vinculadas e, dois dias depois, ao consultar o

número, em 31/03/2006, eram exatamente 14.997.234 pessoas.

Penso que o orkut é uma excelente forma de se entender a comunidade. Você

se identifica com o clube, com a religião, com o que gostava de brincar quando era

criança, com o colégio onde estudou, com o tipo de relacionamento que tinha com

um/a professor/a, com preferências musicais, com a comida de que mais gosta ou

odeia e assim por diante. Bauman (2005) dá o nome de “comunidades guarda-

roupa” às comunidades pós-modernas. Elas “são reunidas enquanto dura o

32 Clube de futebol da cidade de Campo Bom - RS

81

espetáculo e prontamente desfeitas quando os espectadores apanham seus

casacos nos cabides” (p.37).

As comunidades pós-modernas têm a característica da fluidez, do “líquido”

segundo o autor. Os líquidos são fluidos, “e os fluidos são assim chamados porque

não conseguem manter a forma por muito tempo” (BAUMAN, 2005, p.57). Volto a

falar em momentaneidade. Para os sujeitos pós-modernos, o instante é o que vale.

E esse instante não criará raízes e já será substituído por outro, mais interessante,

atraente... Toda essa lógica faz com que o sujeito tenha que se adaptar a essas

constantes mudanças. É possível ainda falar em uma identidade única?

O sujeito é dividido porque ele participa de várias comunidades ao mesmo

tempo. Ele assume diferentes posturas em cada uma, conforme as diretrizes

estabelecidas a serem seguidas, mesmo que elas não existam expressas em um

papel. Quem são os sujeitos que freqüentam as comunidades virtuais? São seres

apenas virtuais? Os sujeitos que circulam no ciberespaço são sujeitos reais, que

estudam, trabalham, têm uma vida territorializada, mas que precisam ser diferentes

em cada lugar, ou pelo menos, que podem ser diferentes se assim desejarem. Caso

contrário, podem não ser bem aceitos em tais grupos.

Devido às comunidades, os espaços, por mais que sejam virtuais, são

demarcados e delimitados. Não é qualquer pessoa que pode fazer parte de qualquer

comunidade. Nem sempre são os sujeitos que decidem a sua inclusão em cada

uma. Senti isso ao querer fazer parte da comunidade do Messenger. Quando criei

meu e-mail, divulguei aos alunos/as, alguns me adicionaram, outros eu adicionei,

mas alguns, mesmo que tenha sido a menor parte, rejeitaram a idéia de um/a

professor/a fazer parte de uma comunidade desvinculada da escola.

Os/as alunos/as que me aceitaram, num número significativo, fizeram questão

de deixar claras as diferenças dos espaços que nós dividíamos. Na escola, não

podemos fazer determinadas escolhas. Eu era a professora e eles meus/as

alunos/as, não porque nós gostássemos, mas porque obedecíamos a uma estrutura

rígida. No Messenger, nos falávamos porque queríamos e, em geral, as conversas

não eram sobre a escola. “O que tu tá fazendo”, “Quem é na foto” eram assuntos

82

mais comuns do que “O que vai ter na aula amanhã?”. E isso deixava bem claro que

não estávamos em situação de professor/a-aluno/a.

A posição dos/as alunos/as fora da condição de alunos/as permitia que eles

usassem a língua da forma que desejavam, mesmo sabendo que mantínhamos uma

relação (entre outras) em que o uso da norma padrão era considerado obrigatório.

Era como se, no Messenger, sentissem que eram livres das regras da escola, essas

sim, escritas e muito bem relacionadas em manuais, projetos, planos de aulas,

poderia dizer: regras ditas.

É possível encontrar vários pontos que citei e discuti até aqui nas situações em

que mantive contato com meus/as alunos/as através do Messenger. Nós, sem

combinarmos previamente, mudávamos nossas atitudes em menos de doze horas.

À noite, quando nossa conversa era on-line, nossa preocupação era a de não nos

preocuparmos com a utilização das normas da língua portuguesa (o que não deixa

de ser seguir uma outra regra, neste caso: netiquetas). Em poucas horas, pela

manhã, meus/as alunos/as, automaticamente, voltavam a escrever, caso o trabalho

proposto fosse avaliado, obedecendo às normas da língua padrão. A língua, neste

caso, foi usada como um meio de identificar o sujeito em cada grupo de que ele

participa. O sujeito sente-se à vontade para modificar uma estrutura a fim de servir-

se da situação para mostrar-se para os demais sujeitos. Em relação a esse “mostrar-

se” através da língua, é muito curiosa e digna de investigação as formas utilizadas

para mediar o resultado final: uma das peças do quebra-cabeça conforme refere

Bauman (2005).

Trago, então, os resultados das entrevistas que fiz com os/as alunos/as. Os

dois primeiros gráficos ilustram a faixa etária dos entrevistados e o sexo, permitindo

identificar que são sujeitos com as mesmas características dos sujeitos do capítulo

anterior.

83

Idade

50,8%45,7%

3,4%

16 Anos

17 Anos

18 Anos

Figura 22: Gráfico demonstrativo da idade dos indivíduos entrevistados

Sexo

49,1%

50,8%

Feminino

Masculino

Figura 23: Gráfico demonstrativo do sexo dos indivíduos entrevistados

Primeiramente, entrei em conflito ao ler, nas respostas das perguntas da

entrevista, que a maioria dos/as alunos/as não costuma trocar o nickname quando

entra na internet. No entanto, ao reler as informações e as justificativas, percebi que

essa resposta negativa vem ao encontro do que estou discutindo, uma vez que,

devido ao fato de que freqüentam um lugar em que se relacionam com as mesmas

pessoas sempre, não é possível trocar a identificação justamente porque isso

constituiria uma “perda de identidade”.

84

Alguns/as alunos/as comentaram que já são conhecidos por determinado

nickname, e a troca seria um empecilho para “bater um papo”, pois os outros

sujeitos não saberiam, sem antes investigar e identificar pelo e-mail, quem era

aquela pessoa. Os/as poucos/as alunos/as que referiram trocar o nickname

justificaram que a troca se dá por freqüentarem mais de um espaço on-line: No

MSN, usa um; no jogo, usa outro; quando está na empresa, troca novamente...

Notei, também, na fala dos/as alunos/as, que a escolha do apelido, por exemplo,

tem relação com as pessoas que estão on-line naquele momento. Determinado/a

aluno/a é conhecido diferentemente na praia e na cidade, então, de acordo com as

pessoas que estão conectadas, ele toma a decisão de usar um ou outro nickname.

Ao mesmo tempo, ao lado do nickname, é possível escrever quaisquer palavras

para “incrementar” sua entrada no universo on-line. Então, os/as alunos/as

aproveitam este espaço para colocar trechos de músicas, o que estão fazendo off-

line (estudando, lendo, jantando...) entre outros. A partir do gráfico abaixo, é possível

perceber algumas escolhas dos entrevistados em relação a qual palavra é usada

para ser seu nickname. Cabe salientar que os/as alunos/as podiam citar mais de

uma escolha ao preencher a entrevista, portanto, os resultados, em percentual,

ultrapassam os cem por cento.

Tipos de Nicknames

40,6%

13,5%50,8%

1,6%

10,1%

8,4%10,1%

1,6%

8,4%3,3%

nome próprio

sobrenome

apelido

mitologia

lugar

música

religião

sem justificativa

namorado

frase, pensamento

Figura 24: Gráfico demonstrativo dos tipos de nicknames utilizados

85

Em relação às escolhas, é interessante comentar alguns casos em que o

nickname representa, segundo os/as alunos/as, exatamente como eles são, seja no

físico, seja na personalidade: “kiwi: estranho por fora, mas gostoso por dentro”,

“pajé: parecido com um índio”, “cobra: por ter sangue frio”. Fica evidente também,

através das respostas, que, em muitos casos, trocam apenas o trecho da música ou

a frase, uma vez que procuram colocar algo que esteja relacionado com o que estão

sentindo no momento: tristeza, alegria etc. Há registros de que, ao lado do

nickname, coloca-se um recado para uma determinada pessoa.

Em seu estudo, Marcuschi (2004, p.43-44), baseando-se em David Cristal

(2001), revela que os nicknames “não são gratuitos e têm um ”valor discursivo””.

Trata-se, segundo o autor, de “máscaras” que podem variar, o que dá uma

“volatilidade às identidades sociais”.

Quanto ao uso do orkut, percebo que é comum entre os jovens, já que 91,52%

dos entrevistados têm acesso à comunidade. No entanto, buscam e participam deste

espaço por diferentes razões, conforme o gráfico abaixo:

O que fazem no Orkut

29%

2%14%5%

19%

15%2% 3%

amigos

novidades

saber da vida alheia

comunidades

meio de comunicação

novos amigos

encontrar mulheres

diversão

Figura 25: Gráfico demonstrativo dos interesses dos alunos no orkut

86

Atento para os itens que, relacionados com o sexo dos entrevistados, são

curiosos de observar: as opções “encontrar mulheres” e “diversão” foram citadas

apenas pelo sexo masculino e 90% dos que indicaram o orkut como uma forma de

saber algo da vida alheia era do sexo feminino. Os itens que apresentaram índices

de votação muito próximos, comparando os meninos e as meninas, foram os que

diziam respeito a: encontrar amigos/as, fazer novos/as amigos/as e os que utilizam o

orkut como um meio de comunicação.

Ao serem perguntados sobre a forma de utilização da linguagem escrita no

espaço cibernético, tive os seguintes resultados: 95% dos entrevistados justificaram

o uso do internetês por ser mais rápido, ágil, fácil e prático. Em seus comentários,

associaram à diversão e à liberdade sem cobrança. Alguns relataram que essa

linguagem é uma característica da adolescência, uma gíria (moda) deste espaço.

Quanto ao local em que utilizam o internetês, 54,2% associaram essa forma de

linguagem somente ao computador. Nesse caso, muitos relacionaram que a língua

culta deve ser utilizada em documentos e provas. Os entrevistados que relataram

que o internetês também é utilizado para mandar mensagens pelo celular somaram

25,4%. Entretanto, outros entrevistados, totalizando 27,1%, revelaram que a sua

escrita manuscrita também conta com o uso do internetês, mas associado à

informalidade.

A partir dos resultados expostos, fica corroborado o argumento teórico trazido

no capítulo, uma vez que os próprios sujeitos têm consciência de que usam a língua

de diferentes formas, em diferentes locais, dirigindo-se às mesmas pessoas ou não.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É a hora do ponto final. Ao contrário do que se pode imaginar, o trabalho não

terminou. Nos últimos meses, muitos textos com internetês passaram pela minha

mão, muitas novidades surgiram, como por exemplo, um projeto do sistema de

ensino com o qual minha escola trabalha, que desenvolverá atividades acerca do

que discuto sob o nome de “Internetiquês”. Um chiclete com o sabor “knela”. No

último dia de leitura, no dia em que pretendia encerrar o texto, surge um termo novo

que não pude deixar de investigar: “netiquetas”.

As considerações apontam para o que pesquisadores da área já haviam

alertado. É muito difícil responder a todas as perguntas. Ao entregar a produção, a

sensação é de que muito ainda poderia ser feito. Sinto-me assim, com a impressão

de que, ao ler novamente o texto, poderia modificá-lo. Em contrapartida a essa

impressão, com a certeza de que a minha tarefa foi cumprida.

Propus-me a discutir as relações entre língua, identidade cultural e internet sob

a ótica dos estudos culturais. Esse mesmo tema, que me proporcionou tanta

satisfação, apresentou também desafios. Afinal, como disse Maffessoli, “descrever

uma dinâmica em curso não leva a uma conclusão” (1995, p.18). Por isso, talvez, a

sensação de que esta discussão ainda não está pronta e de que há muitas outras

possibilidades de investigação sobre esse tema.

Costa (2001, p.30), na apresentação do seu estudo, diz: “esta não é a “última

palavra” sobre o assunto, não é a única “verdadeira e boa”; ela é uma das tantas que

podemos proferir e é a que defendo”. Então, já que não convém utilizar a

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expressão concluir, apenas farei alguns comentários. Começo com uma citação de

Lévy:

O cinema não eliminou o teatro, deslocou-o. As pessoas continuam falando-se após a escrita, mas de outra forma. As cartas de amor não impedem os amantes de se beijar. As pessoas que mais se comunicam por telefone são também aquelas que mais encontram outras pessoas. (1999, p.129)

Considerando a incontrolável expansão do ciberespaço e, conseqüentemente,

da cibercultura e a forma como os internautas têm utilizado a linguagem escrita,

acredito que algumas considerações que têm sido feitas por colegas de profissão e,

talvez, pela mídia em geral, são um tanto alarmistas. Retomo minha primeira citação,

de um poeta, que se sente infeliz ao ver escorregando por seus dedos aquilo que lhe

era seguro, estável e complemento com o que diz Lévy:

Ouvimos algumas vezes dizer, algumas pessoas permanecem horas “diante de suas telas”, isolando-se assim dos outros. Os excessos certamente não devem ser encorajados. Mas dizemos que alguém que lê “permanece horas diante do papel”? Não. Porque a pessoa que lê não está se relacionando com uma folha de celulose, ela está em contato com um discurso, uma voz, um universo de significados que ela contribui para construir, para habitar com sua leitura. O fato de o texto ser apresentado na tela não muda nada. Trata-se igualmente de leitura, ainda que, como vimos, com os hiperdocumentos e a interconexão geral as modalidades de leitura tendam a transformar-se. (1999, p.162)

Parece-me, então, que as pessoas têm receio de tratar o assunto, de esmiuçá-

lo (porque dá trabalho), de conhecer o novo, de aceitar a nova tecnologia, de

problematizar os usos da língua portuguesa. Kastrup (2004) afirma:

O manejo do dispositivo possibilita, mas não garante, a formação de um regime. É preciso que ocorra um processo de aprendizagem que seja capaz de criá-lo, e tal processo excede em muito o simples manejo. Observa-se que certos dispositivos técnicos são utilizados sem que haja o regime correspondente. Pode-se usar um computador como máquina de escrever ou tentar ler um livro como se vê televisão. O resultado é o sentimento de mal-estar e fracasso, que muitas vezes resulta num movimento de afastamento e abandono. (...) Nestes casos, o dispositivo técnico funciona como um obstáculo. Seu manejo produz um movimento de desestabilização da cognição e a experiência do mal-estar impede muitas vezes que o problema avance em busca de uma solução. (p.45)

89

Reconheço que tinha posições muito rígidas em relação à língua portuguesa

até entrar no curso de Mestrado e que fui, aos poucos, desconstruindo uma série de

idéias e conceitos formados há muito tempo e que eu carregava às “sete chaves”.

Fui surpreendida, sim, pela constatação de que a escola tem uma força muito

grande e de que ela ainda exerce rigidez, mesmo estando inserida na instabilidade

de que falei.

O que vimos, a partir da análise do material escrito e da discussão, não deixa

de ser um discurso produzido pelo ciberespaço “num contexto em que as práticas

sociais e os artefatos culturais são concebidos como linguagens, como discursos

que, sendo práticas de significação, atribuem sentido ao mundo e, ao fazê-lo, criam,

instituem, inventam” (Costa, 2001, p.34).

O discurso do ciberespaço é diferente do discurso do espaço territorializado da

escola, portanto, os dois exigem diferente postura da mesma pessoa. Em cada

espaço, há um fio condutor que rege as maneiras de agir e pensar. Embora, nem

sempre, isso esteja explícito. Conforme Marcuschi (2003),

A mudança mais notável aqui não diz respeito às formas textuais em si, mas sim à nossa relação com a escrita. Escrever pelo computador no contexto da produção discursiva dos bate-papos síncronos (on-line) é uma nova forma de nos relacionarmos com a escrita, mas não propriamente uma nova forma de escrita. (p.18.)

“A língua é o resultado (sempre provisório) de um trabalho coletivo,

interminável, histórico e cultural” (Freire, 2003a, p.27). Nesse sentido, cada grupo

configura sua forma de se relacionar com a linguagem. Esse aspecto fica evidente

se retomarmos o capítulo em que trago fragmentos da história da leitura e da escrita.

Em vários lugares, ao mesmo tempo, havia diferentes sistemas de escrita. Cada um,

a seu tempo, se transformou. As mudanças ocorridas vinham ao encontro das

necessidades dos usuários. Também a partir da exploração, da descoberta de novos

materiais ou de novas formas que pudessem agilizar, ampliar, aperfeiçoar algum

aspecto.

No entanto, os grupos, no princípio dessa história que contei, estavam

afastados geograficamente e, talvez, isso contribua para compreendermos,

90

facilmente, as diferenças existentes. O que ocorre hoje, na pós-modernidade, é que

o geográfico não representa mais um determinante de diferença. Como discuti no

capítulo das “identidades internautas”, as fronteiras estão dentro dos próprios

sujeitos e, por conseguinte, as diferenças também.

Cada pessoa convive com grupos de diferentes características e propósitos.

Esses grupos, as denominadas comunidades, exigem que o sujeito se adapte às

regras impostas por eles. Essas regras podem ser de diversas ordens: de conduta,

de vestimenta, de gostos, de vocabulário etc.

Chegamos, então, à discussão que mantive no capítulo três, em que apresento

o internetês. Muitas foram as considerações em relação à origem do internetês. Há

quem diga que essa forma diferente de se relacionar com a língua não seja reflexo

exclusivo do contato com o ciberespaço. Há registros, na história da leitura e da

escrita, feitos por Manguel:

No século XV (...) muitas palavras eram abreviadas, às vezes pelo estudante, apressado em tomar notas, mas amiúde por ser a maneira comum de escrever uma palavra – talvez para economizar papel -, de tal forma que o leitor tinha de ser capaz não apenas de ler sílaba a sílaba, mas também de reconhecer as abreviaturas. Por fim, a ortografia não era uniforme: a mesma palavra podia aparecer de diferentes maneiras. (2004, p.96)

Apesar das evidências, não posso ignorar o fato de que o fácil acesso ao

computador e à web, em particular, tenha intensificado e propiciado, aos usuários,

um espaço para a criatividade, justamente por sua informalidade e pelos recursos

que esse mesmo espaço oferece. Conforme Marcuschi, citando David Crystal

(2001), “o impacto da internet é menor como revolução tecnológica do que como

revolução dos modos sociais de interagir lingüisticamente”. Percebe-se esse impacto

quando espaços tradicionais, como a propaganda em geral, mudam também sua

forma de interagir com a língua, adequando-a, da melhor maneira, ao seu

interlocutor.

Não cabe, aqui, discutir que palavras já eram abreviadas antes da expansão da

internet e que outras foram criadas após esse contato. Em primeiro lugar, é preciso

considerar a situação. Em ambos os momentos a informalidade está presente. E é

91

isso que justifica o uso do recurso da abreviação das palavras tanto pelo aluno do

século XV quanto pelo aluno do século XXI, respeitadas as diferenças de espaço-

tempo em que vivem.

Cabe salientar, também, que não encontrei registro de que algum sistema de

escrita tenha “acabado” porque, algum dia, alguém pensou em abreviar palavras.

Este uso, tão comum desde séculos distantes, não tem força suficiente para

extinguir com uma língua, a fim de criar uma totalmente nova.

Hoje, é possível notar que a posição dos profissionais de língua portuguesa, em

muitos casos, carece de uma atenção redobrada às formas de uso da língua. Ora,

se a escola é um espaço sócio-cultural, suas práticas precisam estar de acordo com

o que os sujeitos que a formam acreditam e vivenciam. Portanto, trabalhos em sala

de aula com os gêneros digitais são urgentes. Conforme Bazerman (2005, p.16),

“embora todas as formas da escrita que os alunos poderiam precisar sejam

impossíveis de antecipar, os alunos precisam de habilidade e flexibilidade suficientes

para se adaptar às situações variantes da escrita”.

Então, ao invés de punir os/as adolescentes porque utilizam a língua de forma

diferente do padrão, seria prudente desenvolver essa habilidade “situando” o/a

aluno/a, tornando-o/a capaz de interagir, cada vez mais, em mais grupos diferentes.

Considera-se, especialmente, que os/as adolescentes da era pós-moderna, além da

escola, freqüentam o ciberespaço e com ele aprendem também.

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ANEXOS

ANEXO A

REPORTAGENS DA REVISTA VEJA E FOLHA DE SÃO PAULO

ANEXO B

CONVERSAS ENTRE ALUNOS/AS E PROFESSORA ATRAVÉS DO MESSENGER

ANEXO C

TEXTOS PRODUZIDOS EM AVALIAÇÕES DE HISTÓRIA E LITERATURA

ANEXO D

EXEMPLOS DE EMOTICONS

ANEXO E

ENTREVISTAS REALIZADAS COM OS/AS ALUNOS/AS

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Fonte: http://messbrasil.cidadeinternet.com.br/emoticons