Ficha Informativa nº 5 - Teresa Pombo, 2010 de Estilo.pdf · 3 Como pretexto , da educação da menina, ou de alimentos, já nos tinha importuna do... Escrúpulos não tem ela. Eça

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    EBI 1,2,3 Charneca de Caparica Lngua Portuguesa 3 ciclo

    Ficha Informativa n 5

    Objectivo: conhecer as figuras de estilo utilizadas em lngua e literatura portuguesa.

    NVEL FNICO (= dos sons)

    Dentro do nvel fnico temos de considerar recursos estilsticos que no so propriamente figuras de estilo,

    como o caso da rima e da onomatopeia.

    Aliterao Processo que consiste na repetio intencional dos mesmos sons consonnticos:

    Brandas, as brisas brincam nas flmulas, teu sorriso...

    Fernando Pessoa, Poesias

    Assonncia Processo que consiste na repetio intencional dos mesmos sons voclicos:

    E o surdo rudo lgubre aumentara Quebrando esse fantstico silncio

    Teixeira de Pascoais, Regresso ao Paraso

    Nota: Em muitos casos, a repetio intencional dos sons consonnticos e voclicos simultnea, o que pode

    ver-se claramente neste exemplo:

    Aqui moro Aqui morro Aqui monstros me rodeiam de arame farpado

    David Mouro-Ferreira, "Fossos," in Ode Msica

    Rima Processo que consiste na correspondncia de sons em lugares determinados dos versos. A rima , na

    realidade, uma espcie de assonncia:

    Falam por mim os pltanos da rua:

    Deixam cair as folhas amarelas,

    E ficam hirtos na friagem nua

    Como mastros sem velas.

    Miguel Torga, Dirio II

    Onomatopea consiste na imitao da voz (de pessoa ou animal) ou do rudo de um objecto. A onomatopeia

    pode ser usada, muito intencionalmente, como recurso estilstico e pode aparecer associada a figuras de

    estilo:

    Sino de Belm, plos que inda vm!

    Sino de Belm bate bem-bem-bem.

    Sino da Paixo, plos que l vo!

    Sino da Paixo bate bo-bo-bo.

    Manuel Bandeira, O Ritmo Dissoluto

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    NVEL SINTCTICO (= da sintaxe)

    Assndeto Consiste na supresso dos elementos de ligao entre palavras ou frases sucessivas (com

    frequncia, aparece suprimida a conjuno copulativa e):

    Chamou os filhos, falou de coisas imediatas, procurou interess-los.

    Graciliano Ramos, Vidas Secas

    Elipse Consiste na omisso de uma palavra ou palavras (ou at de uma frase) que se subentende(m) com

    maior ou menor facilidade. frequente na linguagem falada.

    Como tem passado?

    Muito mal.

    Fernando Namora, Retalhos da Vida de um Mdico

    ("Muito mal", abreviando a frase: "Tenho passado muito mal.")

    Polissndeto Consiste na repetio dos elementos de ligao entre palavras ou frases coordenadas.

    Ora, h dez anos, neste cho de lava

    E argila e areia e aluvies dispersas,

    Entre espcies botnicas diversas,

    Forte, a nossa famlia radiava!

    Cesrio Verde, O Livro de Cesro Verde

    Anfora Consiste na repetio de uma palavra ou palavras no incio de versos ou frases sucessivos.

    Intil definir este animal aflito.

    Nem palavras,

    nem cinzis,

    nem acordes,

    nem pincis,

    so gargantas deste grito.

    Antnio Gedeo, Movimento Perptuo

    Epfora ou epstrofe Consiste na repetio de uma palavra ou palavras no fim de versos ou frases

    sucessivos.

    Faris distantes...

    A vida de nada serve...

    Pensar na vida de nada serve...

    Pensar de pensar na vida de nada serve...

    lvaro de Campos, "Ode martima", in Poesias

    Epanadiplose Consiste na repetio de uma palavra ou palavras no incio e no fim de uma frase ou de um

    verso.

    Apagaste a candeia? apagaste?

    Meu amor, apaguei.

    E fechaste o postigo? fechaste?

    Meu amor... sim, fechei.

    Jos Rgio, As Encruzilhadas de Deus

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    Como pretexto, da educao da menina, ou de alimentos, j nos tinha importunado...

    Escrpulos no tem ela.

    Ea de Queirs, Os Ma/as (Ela no tem escrpulos > Escrpulos no tem ela.)

    Epizeuxe ou reduplicao Consiste na repetio imediata de uma palavra ou palavras no verso ou frase.

    Horas, horas sem fim

    pesadas, fundas, esperarei por ti.

    Eugnio de Andrade, As Mos e os Frutos

    Paralelismo Consiste na repetio da mesma estrutura frsica.

    A tua linda voz de gua corrente

    Ensinou-me a cantar... e essa cano

    Foi ritmo nos meus versos de paixo,

    Foi graa no meu peito de descrente.

    Florbela Espanca, Charneca em Flor

    Enumerao Consiste na apresentao sucessiva de vrios elementos. O ltimo, ou o primeiro, pode ser

    uma palavra que os sintetiza a todos.

    Professor, mdico, comerciante, todos se vendiam.

    Fernando Namora, A Noite e a Madrugada

    Gradao Consiste na apresentao de vrios elementos segundo uma ordem crescente ou decrescente.

    a guerra aquela tempestade terrestre que leva os campos, as casas, as vilas, os castelos, as cidades, e (...)

    sorve os reinos e monarquias inteiras.

    P. Antnio Vieira, Sermes

    Pleonasmo Consiste no emprego de uma palavra ou palavras que reforam uma ideia que j est expressa.

    Isto de mando da pessoa que ns sabemos? tornou ele, acenando para o cesto.

    Saiba vomec que sim.

    Entre c para dentro.

    Aquilino Ribeiro, Terras do Demo

    O que me deu a mim alento e esperana (...)

    Camilo, Novelas do Minho

    Nota: O pleonasmo frequente na linguagem falada, em frases como: "Entre c para dentro!", "Desce da abaixo!", etc., e prprio de

    uma linguagem expressiva, mas no se pode abusar do seu uso despropositado.

    Anacoluto Consiste num desvio na construo da frase, por ser mudada a concordncia inicial.

    Estes velhos palcios, quase abandonados, olho-os sempre, de longe (...)

    Branquinho da Fonseca, O Baro

    Hiprbato ou inverso Consiste na alterao da ordem directa das palavras na frase.

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    Laura traz hoje uma saia que lhe fica muito bem. So elegantes estas saias.

    Mrio Dionsio, O Dia Cinzento e Outros Contos (Estas saias so elegantes > So elegantes estas

    saias.)

    Nota: Um caso particular de hiprbato a disjuno, que consiste na intercalao de uma palavra ou expresso, separando elementos de

    um mesmo grupo:

    J no batel entrou do Capito.

    Cames, Os Lusadas, II, 101

    Quiasmo Consiste na existncia de quatro elementos dispostos dois a dois, segundo uma estrutura cruzada.

    (Deriva da letra grega qui: %.)

    Deixa aos tmidos, deixa aos sonhadores,

    A esperana v, seus vos fulgores...

    Antero de Quental, Sonetos

    esperana v

    vos fulgores

    (NVEL SEMNTICO (= dos sentidos)

    Comparao Consiste em estabelecer uma relao de semelhana atravs de uma palavra ou expresso

    comparativa ou de verbos a ela equivalentes (parecer, lembrar, sugerir, etc.).

    A noite descia,

    Como um cortinado,

    Sobre a erva fria

    Do campo orvalhado.

    Carlos Queirs, Desaparecido

    E a Lua lembra o circo e os jogos malabares.

    Cesrio Verde, O Livro de Cesrio Verde

    Metfora uma espcie de comparao abreviada, pois deu-se o desaparecimento da palavra ou expresso

    comparativa. Existe assim um certo efeito de surpresa, porque a palavra passa a ter, no contexto, um

    significado que vai mais alm do que o que lhe habitual.

    A vazante atinge o seu mximo. A casa uma concha abandonada pela mar.

    Lusa Dacosta, A-ver-o-mar

    Fios de sol escorriam de uma azinheira perto da estrada.

    Verglio Ferreira, Apario

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    De novo o rio comeara a vazar. Todas as veias da selva levavam as suas guas denegridas ao caudal

    barrento, que ia emagrecendo dia a dia.

    Ferreira de Castro, A Selva

    Imagem Consiste no recurso a aspectos sensoriais para, a partir da, provocar uma forte evocao afectiva

    e os seus consequentes efeitos sugestivos e emocionais.

    Os teus olhos so dois lagos encantados onde o cu se mira como num espelho!

    rico Verssimo, Clarissa Vejo a verdade naufragar, imersa Nas palavras que correm como um rio.

    Carlos Queirs, Desaparecido

    Nota: A imagem inclui, frequentemente, vrias figuras que resultam de processos de analogia ou equivalncia: comparao, metfora,

    personificao, etc. Em sentido mais geral, consideram-se imagens cada uma dessas figuras.

    Alegoria Consiste num encadeamento de comparaes ou metforas em que um conceito abstracto

    corporizado, por assimilao a um termo metafrico concreto.

    Os dias da nossa idade, ou seja curta ou comprida, so como as mars, que ora enchem, ora vazam: enchem

    nos rios da vida, vazam no mar da morte. O que importa fazermos neles boa viagem e chegar a deitar

    ncoras no porto da salvao.

    Frei Antnio das Chagas, Cartas Espirituais

    Personificao Consiste em atribuir caractersticas prprias de pessoas, a animais, coisas ou ideias.

    O vento solua e geme (...)

    Antnio Nobre, S

    O mar, farto do vento sul que o esguedelha e irrita, espoja-se raivoso.

    Jos Loureiro Botas, Frente ao Mar

    Animismo Consiste em atribuir vida a seres inanimados. (Difere da personificao porque, no animismo, os

    seres no so elevados categoria de pessoas.)

    A luz do farol ia mordendo os troncos, engolfando-se nos desvos e criando inesperadas abbodas.

    Ferreira de Castro, A Selva

    Com a mo esquerda, segura a ponta do avental, que forma um bojo fofo onde o farelo e os gros de milho

    se aninham.

    rico Verssimo, Clarissa

    Perfrase Consiste em designar algum ou alguma realidade, no plos termos habituais, mas de um modo

    descritivo e, por isso, mais desenvolvido e enftico.

    Desceu finalmente o pano sobre esse pesadelo com bichos de ao (...) e cidades a arder.

    Jos Gomes-Ferreira, O Mundo dos Outros

    (Significando: "Acabou finalmente a guerra.")

    Por vezes a perfrase, associada ao eufemismo (ver este recurso expressivo) tem como objectivo dissimular ou atenuar uma realidade

    desagradvel:

    Trs dias gastou a morte em acabar esta empresa.

    D. Francisco Manuel de Melo, Epanforas " (Ou seja: a pessoa em causa faleceu ao fim de trs dias.)

    Hiprbole Consiste no emprego de termos exagerados, para realar determinada realidade.

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    Est um tempo torvo, gelado. Chove a potes.

    Vitorino Nemsio, Corsrio das Ilhas

    Santa Maria, at se me puseram os cabelos em p ao eco do nosso brado, ali no meio do ermo!

    Aquilino Ribeiro, O Malhadinhas

    Nota: A hiprbole frequente na linguagem falada, em expresses como: "porem-se os cabelos em p", "no se ver um palmo frente do

    nariz", "estar um sol de rachar", etc.

    Eufemismo Consiste em transmitir de forma suavizada uma ideia ou realidade que considerada violenta

    ou chocante.

    Coitado quem se vai deste mundo! suspirou a mulher. Acendeste a luz s alminhas?

    Vitorino Nemsio, A Casa Fechada

    Nota: O eufemismo aparece muitas vezes associado perfrase. (Ver o que se disse nesta ltima.)

    Ironia Consiste em exprimir uma ideia dizendo precisamente o seu contrrio.

    Por entre estas soberbas carroas, Senhor Presidente, vejo eu passar mal arrimados s paredes, e

    temerosos de serem esmagados, uns homens de aspecto melanclico, e mal entrajados. Nestes cuido eu ver

    D. Joo de Castro, que empenhou as barbas (...), e Lus de Cames, que vem de comer as sopas dos frades de

    S. Domingos. Cada poca tem centenares destas ilustres vtimas.

    V coisas magnficas!

    Camilo, A Queda de um Anjo

    Litote Consiste numa atenuao de pensamento, para significar mais do que o que se diz, e sugeri-lo assim

    mais intensamente. A afirmao feita atravs da negao do seu contrrio.

    J tenho trs maos, Me, Das cartas que tu me escreves Desde que sa de casa... Trs maos e nada leves!

    Jos Rgio

    Anttese Consiste em apresentar um contraste entre duas ideias ou coisas, o qual posto em grande

    evidncia pela oposio das palavras que designam cada uma dessas ideias ou coisas (relao de contrrios).

    O esforo grande e o homem pequeno.

    Fernando Pessoa, Mensagem

    Vendo esta velhita, encarquilhada e benta, Toque, toque, toque, que recordao! Minha av ceguinha se me

    representa... Tinha eu seis anos, tinha ela oitenta, Quem me fez o bero fez-lhe o seu caixo!...

    Guerra Junqueira, Os Simples

    Paradoxo Consiste em aplicar a uma mesma realidade termos inconciliveis, destacando assim a sua

    complexidade (relao de contraditrios).

    Foste tu que partiste,

    Meu amargo prazer, doce tormento!

    Carlos Queirs, Desaparecido

    (Estamos em presena de dois paradoxos: amargo prazer - um prazer no , em princpio, amargo; doce tormento - um tormento no

    ser doce.)

    Metonmia Consiste em designar uma realidade por meio de uma outra que com ela mantm uma relao

    objectiva.

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    Tem muitas variantes:

    Toma o continente pelo contedo:

    E ele s bebeu quase toda uma garrafa de chambertin.

    Ea de Queirs, Os Maias

    (a garrafa em vez do respectivo lquido)

    Emprega a causa pelo efeito, os antecedentes plos consequentes, ou vice-versa:

    A plida doena lhe tocava,

    Com fria mo, o corpo enfraquecido

    Cames, Os Lusadas, III, 83

    (A palidez, assim como a frieza da mo, so causadas pela doena.)

    Emprega o concreto pelo abstracto, ou vice-versa:

    O tempo dera-lhes afinal a chave daquela existncia, destinada, afinal, mais s provaes do sofrimento do

    que ao gosto das alegrias.

    Miguel Torga, Contos da Montanha

    (chave em vez de explicao)

    Sindoque Pode considerar-se um caso particular de metonmia. A atribuio do nome de uma realidade a

    outra fundamenta-se aqui numa relao essencial e no acidental. Por isso, alguns gramticos consideram

    que a relao entre os termos da metonmia uma relao de coordenao, enquanto na sindoque de

    subordinao.

    Designa uma parte para significar o todo, ou vice-versa:

    As armas e os bares assinalados Que da Ocidental praia Lusitana

    Cames, Os Lusadas, l, 1

    (praia Lusitana = Portugal)

    Utiliza o singular em vez do plural, ou vice-versa:

    Aqui, o pescador vive em barracas de madeira que tm o aspecto de povoaes lacustres.

    Raul Brando, Os Pescadores

    (pescador em vez de pescadores)

    Nomeia a matria para significar o objecto:

    Manda esquipar batis, que ir ver queria Os lenhos em que o Gama navegava.

    Cames, Os Lusadas, VII, 73

    (lenhos em vez de navios: os navios eram feitos de lenho = madeira)

    A antonomsia, que uma das formas mais conhecidas da sindoque, substitui o nome prprio por uma

    caracterstica da pessoa:

    Cessem do Sbio Grego e do Troiano

    As navegaes grandes que fizeram

    Cames, Os Lusadas, V, 6

    (O Sbio Grego Ulisses; o Troiano Eneias.)

    Sinestesia Consiste na fuso de percepes relativas a diferentes sentidos:

    (...) gua de que se exala um hlito verde envolvido nas ondas.

    Raul Brando, Os Pescadores (sentidos do olfacto [hlito] e da vista [cor verde])

    noite: e, sob o azul morno e calado,

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    concebem os jasmins e os coraes.

    Gomes Leal, A Duquesa de Brabante

    (sentidos da vista [azul], do gosto [morno] e do ouvido [calado])

    Hiplage Consiste na atribuio a um objecto de uma caracterstica que logicamente pertence a outro com

    o qual est relacionado.

    Ela ficara ajoelhada, imvel, com os olhos esgaseados para o tapete. Depois, no silncio estofado da sala, a

    sua voz ergueu-se dolente e trmula.

    (O silncio existe na sala estofada.)

    Ea de Queirs, Os Maias

    Queimavam-me a boca palavres de insulto, de vingana, precisava de vexar aquela tipa, que, de perna

    cruzada, baforava um fumo feliz.

    (Aquela tipa feliz baforava fumo.)

    Verglio Ferreira, Apario

    Zeugma Consiste numa construo em que a um verbo ou a um adjectivo se ligam duas ou mais palavras

    que se adaptam de modo diferente a esse verbo ou adjectivo:

    (...) As sapatas descalou e, pondo-as no cho, por dentro d'gua entrou e a Jano pelo corao

    Bernardim Ribeiro, cloga II

    (...) foi o nosso amigo acometido de uma leso cardaca e de uma ideia.

    Machado de Assis

    O zeugma frequentemente utilizado para se obterem efeitos cmicos ou absurdos.

    Apstrofe ou invocao Consiste na interpelao a algum ou a alguma coisa personificada. frequente o

    recurso ao vocativo acompanhando o discurso directo.

    serra das divinas madrugadas, Das estrelas, das nuvens e do vento...

    Teixeira de Pascoais, Poesia

    Interrogao uma figura de estilo quando no pretende obter uma resposta, mas sim tornar mais vivo o

    pensamento atravs da expectativa que suscita.

    Este inferno de amar como eu amo! Quem mo ps aqui n'alma.. quem foi? Esta chama que alenta e

    consome, Que a vida e que a vida destri como que se veio a atear, Quando ai quando se h-de ela

    apagar?

    Almeida Garrett, Folhas Cadas

    Exclamao uma figura de estilo quando visa dar nfase e criar um estado mais profundamente

    emocionado.

    Castelos doidos! To cedo castes!...

    Onde vamos, alheio o pensamento,

    De mos dadas? Teus olhos, que um momento

    Perscrutaram nos meus, como vo tristes!

    Camilo Pessanha, Clepsidra