4
HZ158B – Sociologia de Durkheim Leandro Landgraf RA: 970997 Fichamento #02 (Da divisão do trabalho social): Durkheim, no Prefácio à segunda edição vem esclarecer alguns pontos relativos aos "agrupamentos profissionais", que ele define como o grupo "formado por todos os agentes de uma mesma indústria reunidos e organizados num mesmo corpo" (Durkheim 1999: XI), e sua importância para a organização da sociedade conforme entendida por ele. Estes grupos profissionais, seja na forma de corporações de ofício ou de sindicatos, serviriam como a mediação entre o indivíduo e a sociedade, entre o todo e as partes, determinando as regras e normas a serem seguidas, posto que "a atividade de uma profissão só pode ser regulamentada eficazmente por um grupo próximo o bastante dessa mesma profissão para conhecer bem seu funcionamento, para sentir todas as suas necessidades e poder seguir todas as variações destas" (Durkheim 1999: X-XI), detendo portanto "um poder moral capaz de conter os egoísmos individuais, de manter no coração dos trabalhadores um sentimento mais vivo de sua solidariedade comum" (Durkheim 1999: XVI). De um ponto de vista organicista, os indivíduos, que se agrupariam nas corporações de ofício – as quais seriam as partes de um todo maior, a sociedade - seriam como células (as partes) de um determinado órgão, que é um agrupamento com funções específicas e individualizadas, e cujas funções, conjuntamente com as de outros órgãos, fazem o organismo como um todo funcionar em harmonia. A família, que teria sido a primeira instância mediadora entre os indivíduos e a sociedade, teria servido como o embrião da corporação e "do mesmo modo que a família foi o ambiente no seio do qual se elaboraram a moral e o direito domésticos, a corporação é o meio natural no seio do qual devem se elaborar a moral e o direito profissionais" (Durkheim 1999: XXV). A mediação entre indivíduo e sociedade (parte e todo) promovida pelos grupos profissionais se daria através de regras e normas, visto que "uma regra não é apenas uma maneira habitual de agir; é, antes de mais nada, uma maneira obrigatória, isto é, que escapa, em certa medida, do arbítrio individual" (Durkheim 1999: X, destaques no original), cujas não existências teria como resultado a "anomia", uma espécie de "patologia da sociedade", a qual deveria ser tratada pelo sociólogo da mesma maneira que um médico trata de uma doença fisiológica. Durkheim relaciona a anomia à guerra, ao conflito e à anarquia, as quais somente a ordem e a lei, as regras, obrigações e normas poderiam ser a solução, porquanto que em sua

Fichamento 2 - Leandro Landgraf 970997

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Fichamento "A divisão social do trabalho" de Durkheim

Citation preview

  • HZ158B Sociologia de Durkheim

    Leandro Landgraf RA: 970997

    Fichamento #02 (Da diviso do trabalho social):

    Durkheim, no Prefcio segunda edio vem esclarecer alguns pontos relativos aos

    "agrupamentos profissionais", que ele define como o grupo "formado por todos os agentes de uma mesma indstria reunidos e organizados num mesmo corpo" (Durkheim 1999: XI), e sua importncia para a organizao da sociedade conforme entendida por ele. Estes grupos profissionais, seja na forma de corporaes de ofcio ou de sindicatos, serviriam como a mediao entre o indivduo e a sociedade, entre o todo e as partes, determinando as regras e normas a serem seguidas, posto que "a atividade de uma profisso s pode ser regulamentada

    eficazmente por um grupo prximo o bastante dessa mesma profisso para conhecer bem seu funcionamento, para sentir todas as suas necessidades e poder seguir todas as variaes

    destas" (Durkheim 1999: X-XI), detendo portanto "um poder moral capaz de conter os egosmos individuais, de manter no corao dos trabalhadores um sentimento mais vivo de sua solidariedade comum" (Durkheim 1999: XVI). De um ponto de vista organicista, os indivduos, que se agrupariam nas corporaes de ofcio as quais seriam as partes de um

    todo maior, a sociedade - seriam como clulas (as partes) de um determinado rgo, que um agrupamento com funes especficas e individualizadas, e cujas funes, conjuntamente com as de outros rgos, fazem o organismo como um todo funcionar em harmonia. A famlia, que teria sido a primeira instncia mediadora entre os indivduos e a sociedade, teria servido como o embrio da corporao e "do mesmo modo que a famlia foi o ambiente no seio do qual se elaboraram a moral e o direito domsticos, a corporao o meio natural no seio do qual devem se elaborar a moral e o direito profissionais" (Durkheim 1999: XXV).

    A mediao entre indivduo e sociedade (parte e todo) promovida pelos grupos profissionais se daria atravs de regras e normas, visto que "uma regra no apenas uma maneira habitual de agir; , antes de mais nada, uma maneira obrigatria, isto , que escapa, em certa medida, do arbtrio individual" (Durkheim 1999: X, destaques no original), cujas no existncias teria como resultado a "anomia", uma espcie de "patologia da sociedade", a qual deveria ser tratada pelo socilogo da mesma maneira que um mdico trata de uma doena

    fisiolgica. Durkheim relaciona a anomia guerra, ao conflito e anarquia, as quais somente

    a ordem e a lei, as regras, obrigaes e normas poderiam ser a soluo, porquanto que em sua

  • opinio "que tal anarquia seja um fenmeno mrbido, mais que evidente, pois ela vai contra o prprio objetivo de toda sociedade, que suprimir ou, pelo menos, moderar a guerra entre os homens, subordinando a lei da fsica do mais forte a uma mais alta" (Durkheim 1999: VII). Assim, a existncia de regras e normas permitiria a verdadeira e plena liberdade por impedir

    abusos de poder: "s posso ser livre na medida em que outrem impedido de tirar proveito da superioridade fsica, econmica ou outra de que dispes para subjugar minha liberdade, e apenas a regra social pode erguer um obstculo a esses abusos de poder" (Durkheim 1999: VIII). Apesar de no simpatizar com posicionamentos e analogias organicistas, concordo com a idia de Durkheim de que para haver sociedade necessria a existncia de normas e regras, mesmo que mnimas, mas acredito que em alguns pontos o autor foge realidade, se

    apegando a uma viso utpica e ideal da organizao social e da diviso do trabalho; difcil se colocar na posio de minorias ou mesmo de pessoas injustiadas por alguma deciso arbitrria do governo (em termos jurdicos) e ainda assim achar que as leis, regras e normas servem para "suprimir ou, pelo menos, moderar a guerra entre os homens". Pelo contrrio, acredito que em muitos dos casos, as leis e regras so utilizadas justamente para acentuar a "guerra entre os homens", aumentando a desigualdade e a distino social.

    Para que pudesse haver o desenvolvimento das corporaes, se fez necessria a diviso do trabalho social, sendo que a primeira que teria ocorrido foi a diviso do trabalho

    sexual. Esta diviso do trabalho social correspondente a uma especializao de funes, e "no especfica do mundo econmico: podemos observar sua influncia crescente nas regies mais diferentes da sociedade [...] as funes polticas, administrativas, judicirias especializam-se cada vez mais [...] o mesmo ocorre com as funes artsticas e cientficas" (Durkheim 1999: 2). De acordo com o autor, "a lei da diviso do trabalho se aplica tanto aos organismos como s sociedades; pde-se inclusive dizer que um organismo ocupa uma posio tanto mais elevada na escala animal quanto mas as suas funes forem especializadas" (Durkheim 1999: 3), e assim seria mais presente na sociedade tanto quanto mais evoluda ela fosse. Durkheim considera "a diviso do trabalho sob um novo aspecto [...] os servios econmicos que ela proporciona so de menor monta ao lado do efeito moral que produz, e sua verdadeira funo criar entre duas ou mais pessoas um sentimento de

    solidariedade" (Rodrigues 2000: 63) sendo solidariedade entendida aqui como a interdependncia das partes que compem o todo, ou seja, ajudar ao outro por sermos dependentes de sua ajuda. A diviso do trabalho teria como efeito mais notvel tornar as funes divididas mais solidrias, tornando "possvel as sociedades que, sem ela, no

  • existiriam", ultrapassando "de muito o mbito dos interesses puramente econmicos; porque ela consiste no estabelecimento de uma ordem social e moral sui generis" (Rodrigues 2000: 64, destaques no original). A unio entre os indivduos resultante da diviso do trabalho ocorreria devido distino entre eles, as imagens "s se unem porque so distintas" e por

    este motivo existe a sua interdependncia, resultando no que Durkheim classifica como "solidariedade orgnica"; esta se contrasta com a unio resultante da semelhana e sustentada

    somente pelos sentimentos de simpatia, sendo "solidrias na medida que se confundem" (Rodrigues 2000: 65) e "cuja causa est numa certa conformidade de todas as conscincias particulares a um tipo comum que no outro seno o tipo psquico da sociedade; [...] no somente todos os membros do grupo so individualmente atrados uns pelos outros porque se

    assemelham, mas so ligados tambm pela condio de existncia deste tipo coletivo" (Rodrigues 2000: 75), ou seja, a sociedade que eles formam mediante sua reunio, originando o que ele classifica como "solidariedade mecnica". A solidariedade mecnica , portanto, resultado da coletividade, resultado do "conjunto de crenas e de sentimentos comuns mdia dos membros de uma mesma sociedade" e que "forma um sistema determinado que tem sua vida prpria; pode-se cham-lo de conscincia coletiva ou comum, [...] ela no tem por substrato um nico rgo; ela , por definio, difusa em toda extenso da sociedade" (Rodrigues 2000: 74), tendo no Direito Penal seu indcio mais visvel e objetivo, a sua representao material, e sendo caracterstica de sociedades mais homogneas e com menor diviso do trabalho social a interdependncia do indivduo diretamente com o todo, "uma solidariedade sui generis que, nascida das semelhanas, liga diretamente o indivduo sociedade" (Rodrigues 2000: 76); a solidariedade orgnica, por sua vez, resulta da individualidade, de uma maior diferenciao de funes e atividades, sendo anloga ao funcionamento e interao dos rgos que compem um organismo, "a sociedade se torna mais capaz de se mover em conjunto, ao mesmo tempo que cada um de seus elementos tem mais movimentos prprios" (Rodrigues 2000: 83-84), tendo no Direito Restitutivo sua forma mais visvel, um direito que "tem na sociedade um papel anlogo ao do sistema nervoso no

    organismo" (Rodrigues 2000: 81) e pode ser entendida como a interdependncia das mediaes da parte com o todo, sendo que "a coeso que resulta desta solidariedade mais

    forte" (Rodrigues 2000: 83) . Em uma sociedade dominada pela solidariedade mecnica, as normas atuam como inibidoras da individualidade; por outro lado, em uma sociedade com predomnio da solidariedade orgnica, as normas promoveriam a diferenciao e a especializao. Para o estudo da diviso do trabalho "como um fato objetivo", Durkheim prope a utilizao dos cdigos de leis da sociedade em perspectiva, pois "quanto mais

  • solidrios os membros de uma sociedade, mais eles mantm relaes diversas, seja uns com os outros, seja com o grupo tomado coletivamente" e "o nmero dessas relaes necessariamente proporcional quele das regras jurdicas que o determina" (Rodrigues 2000: 67). Para ele, toda sociedade com normas definidas e que atingisse o "nvel evolutivo" necessrio para tal, "tende inevitavelmente a assumir uma forma definida e a se organizar", e assim manteria um registro destas normas e dos diversos procedimentos jurdicos para seu cumprimento, pois "o direito no outra coisa seno essa prpria organizao, naquilo que ela tem de mais estvel e mais preciso", compondo um registro histrico que possibilita o estudo desta sociedade de maneira objetiva, j que poderamos "estar seguros de ver refletidas no direito todas as variedades essenciais da solidariedade social" (Rodrigues 2000: 67). Assim sendo:

    Para proceder metodicamente, precisamos encontrar alguma caracterstica que, sendo essencial aos fenmenos jurdicos, seja susceptvel de variar quando eles variam. Ora, todo preceito jurdico pode ser definido assim: uma regra de conduta sancionada. Por outro lado, evidente que as sanes mudam segundo a gravidade atribuda aos preceitos, o lugar que eles ocupam na conscincia pblica, o papel que desempenham na sociedade. Convm pois classificar as regras jurdicas segundo as diferentes sanes a que esto ligadas. [...] Deve-se pois repartir em duas grandes espcies as regras jurdicas, segundo elas tenham sanes repressivas organizadas, ou sanes meramente restitutivas. A primeira compreende todo o direito penal; a segunda o direito civil, comercial, processual, administrativo e constitucional, abstrao feita s regras penais que a possam se encontrar (Rodrigues 2000: 70)

    Deste modo, para a determinao objetiva do nvel de solidariedade mecnica seria preciso "determinar qual frao do aparelho jurdico o direito penal representa" pois assim estaramos "medindo ao mesmo tempo a importncia relativa dessa solidariedade" (Rodrigues 2000: 78-79); da mesma maneira "se pode medir igualmente o grau de concentrao alcanado por uma sociedade em conseqncia da diviso do trabalho social, segundo o desenvolvimento do direito cooperativo com sanes restitutivas" (Rodrigues 2000: 81).

    Bibliografia

    [1] DURKHEIM, mile. 1999. Da diviso do trabalho social. (Trad. Eduardo Brando) So Paulo: Martins Fontes [1893] (Coleo Tpicos).

    [2] RODRIGUES, Jos A. (Org.). 2000. mile Durkheim: Sociologia. (Trad. Laura N. Rodrigues) So Paulo: tica.