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“Tais modelos não lidam com tempo, com dinheiro, com incertezas, com o financiamento dos direitos de propriedade sobre ativos de capital, e com investimentos” 4 “a economia nos dias de hoje está se comportando exatamente como a teoria de Keynes previa que deveria acontecer num contexto de fragilidade financeira combinada com um Estado Grande. O problema está, portanto, na teoria econômica atual, baseada numa interpretação equivocada do trabalho de Keynes.” 5 “A atual estrutura padrão da teoria econômica - a chamada síntese neoclássica, que combina uma abordagem de fundações monetaristas e keynesianas – pode ser lógica e elegante, mas falha em explicar como uma crise financeira pode emergir do próprio funcionamento econômico normal. Também não esclarece as razões pelas quais a economia em determinados períodos se mostra suscetível a crises, e em outros, não.” 5 “uma sociedade capitalista pode não ser sustentável se ela oscila entre ameaças de colapsos nos valores dos ativos e do nível de emprego e ameaças de aceleração inflacionária e especulação crescente. Se quisermos que o mercado financeiro funcione adequadamente, devemos criar condições para reduzir as incertezas inerentes aos ciclos de negócios, de modo a fazer com que as expectativas que norteiam os investimentos reflitam uma visão de progresso com tranquilidade.” 7 “Apesar dos insights de Keynes não terem ainda sido absorvidos, em sua totalidade, no que tange à teoria econômica em vigor e a análise política, sua mensagem de que o destino da economia capitalista é controlável foi suficiente para legitimar a regulação macroeconômica como função governamental no período pós Segunda Guerra Mundial.” 9 “O maior defeito da economia capitalista é ser instável. Isso não se deve a choques externos ou à ignorância ou incompetência dos policymakers, mas sim a processos inerentes a ela. As dinâmicas de uma economia capitalista com estruturas financeiras complexas e evolucionárias levam ao desenvolvimento de condições incoerentes – à inflação alta e persistente ou a depressões. Contudo, isso pode ser evitado ou pelo menos minimizado por meio de instituições e políticas apropriadas. Portanto, de certo modo, podemos estabilizar a própria instabilidade.” 11 “Então, o que teria impedido a forte depressão em 1975 e 1982? A resposta pode ser buscada em duas instituições. O primeiro é o

Fichamento - Estabilizando Uma Economia Instável

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Fichamento com partes mais importantes do livro Estabilizando uma Economia Instável de Hyman P. Minsky.

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“Tais modelos não lidam com tempo, com dinheiro, com incertezas, com o financiamento dos direitos de propriedade sobre ativos de capital, e com investimentos” 4

“a economia nos dias de hoje está se comportando exatamente como a teoria de Keynes previa que deveria acontecer num contexto de fragilidade financeira combinada com um Estado Grande. O problema está, portanto, na teoria econômica atual, baseada numa interpretação equivocada do trabalho de Keynes.” 5

“A atual estrutura padrão da teoria econômica - a chamada síntese neoclássica, que combina uma abordagem de fundações monetaristas e keynesianas – pode ser lógica e elegante, mas falha em explicar como uma crise financeira pode emergir do próprio funcionamento econômico normal. Também não esclarece as razões pelas quais a economia em determinados períodos se mostra suscetível a crises, e em outros, não.” 5

“uma sociedade capitalista pode não ser sustentável se ela oscila entre ameaças de colapsos nos valores dos ativos e do nível de emprego e ameaças de aceleração inflacionária e especulação crescente. Se quisermos que o mercado financeiro funcione adequadamente, devemos criar condições para reduzir as incertezas inerentes aos ciclos de negócios, de modo a fazer com que as expectativas que norteiam os investimentos reflitam uma visão de progresso com tranquilidade.” 7

“Apesar dos insights de Keynes não terem ainda sido absorvidos, em sua totalidade, no que tange à teoria econômica em vigor e a análise política, sua mensagem de que o destino da economia capitalista é controlável foi suficiente para legitimar a regulação macroeconômica como função governamental no período pós Segunda Guerra Mundial.” 9

“O maior defeito da economia capitalista é ser instável. Isso não se deve a choques externos ou à ignorância ou incompetência dos policymakers, mas sim a processos inerentes a ela. As dinâmicas de uma economia capitalista com estruturas financeiras complexas e evolucionárias levam ao desenvolvimento de condições incoerentes – à inflação alta e persistente ou a depressões. Contudo, isso pode ser evitado ou pelo menos minimizado por meio de instituições e políticas apropriadas. Portanto, de certo modo, podemos estabilizar a própria instabilidade.” 11

“Então, o que teria impedido a forte depressão em 1975 e 1982? A resposta pode ser buscada em duas instituições. O primeiro é o Estado Grande que estabiliza não somente o desemprego e a renda, mas também o fluxo de caixa das empresas (lucros) e, consequentemente, o valor dos ativos correspondentes. O segundo é o Federal Reserve System, que, em cooperação com outras agências governamentais e instituições financeiras privadas, age como um “emprestador de última instância”. Assim, as ações do governo, combinadas com as do Banco Central, em face de um desarranjo financeiro e de um declínio da renda, não somente previnem uma grande depressão, mas também preparam o terreno para o surgimento subsequente de uma inflação série e crescente. As instituições e os métodos de controle do sistema não impediram a ação das forças desequilibrantes. No ciclo de negócios, a depressão profunda e prolongada fui substituída pela inflação.” 17

“A instabilidade aumenta a incerteza. Torna-se mais difícil tomar decisões numa economia com mudanças tão bruscas do que em outra na qual as mudanças ocorrem de modo gradual. Um maior grau de incerteza, por si só, arrefece a atividade econômica, especialmente no que diz respeito aos investimentos de longo prazo.” 18

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“Um resultado previsível é os investidores começarem a preferir ganhos financeiros imediatos que podem ser propiciados por deslocamento de capital para aplicações financeiras mais duradouras e seguras – embora menores –, em detrimento de investimentos que impulsionam o crescimento econômico e o desenvolvimento de longo prazo. Numa terminologia que faz eco às ideias de Keynes, numa economia instável, a especulação sobrepuja os empreendimentos.” 20

“Muito embora o modelo Keynesiano simples mostre como um grande déficit governamental pode estabilizar e impulsionar a economia, a experiência de 1975 mostra que ele vale para uma economia em que as estruturas financeiras não são sofisticadas e interconectadas. Para que a teoria seja relevante como guia para o entendimento da economia capitalista moderna, as estruturas financeiras devem estar integradas nela.” 21

“Uma depressão ainda maior não ocorreu em 1975 devido a dois tipos de intervenções governamentais: (1) a política fiscal do Estado Grande – os enormes déficits federais durante as recessões que afetaram diretamente a renda, sustentaram os compromissos financeiros privados e melhoraram a composição dos portfólios; e (2) os “financiadores de última instância” – por meio dos refinanciamentos que foram habilmente colocados em prática pelo sistema do FED e pela cooperação de entidades públicas e privadas.” 22

“o efeito do Estado Grande sobre a economia é muito mais forte e extenso do que o captado pela análise padrão, que negligencia o fluxo financeiro e as implicações de portfólio de um déficit governamental. A análise padrão concentra-se somente nos efeitos diretos e indiretos da tributação e dos gastos governamentais, inclusive transferências, sobre a demanda agregada.” 25

“À luz das experiências desse período, as questões teóricas e políticas a serem enfrentadas não deveriam dizer respeito ao prodigioso déficit governamental para interromper uma recessão emergente, mas sim à eficiência relativa de medidas específicas e os efeitos colaterais associados a cada estratégia particular. Dado o comprovado poder de estabilização do Estado Grande, a questão política dominante deve ser a determinação dos efeitos estruturais e objetivos da ação governamental.” 25

*O poder dos enormes déficits para conter a recessão foram amplamente demonstrados na história.

“Na visão padrão do modo como o governo afeta a economia, os gastos do governo com bens e serviços é considerado como um componente da demanda agregada, junto com os gastos privados de consumo e investimento; porém, as transferências não o são.” 26

*Questionar o aumento do gasto do governo através da transferência de renda.

*Déficit governamental – superávit em outros setores da economia

“Na ausência de um Estado Grande e seu déficit substancial gerado automaticamente pelos chamados estabilizadores embutidos, uma recessão econômica, como a ocorrida em 1974-75, teria levado a quedas acentuadas dos fluxos de caixa das empresas. A capacidade de rolagem das dívidas e as margens de segurança no mercado de crédito teriam diminuído. Mesmo na ausência de falências tais quedas teriam provocado dificuldades financeiras para as empresas. Mas isso não ocorreu porque, de fato, sua lucratividade bruta aumentou em 1975. Nesse ano,

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o impacto do Estado Grande, por meio de massivos déficits gerados, foi crucial para conter e reverter a recessão. A importância do governo como fator preventivo de recessão e, ao mesmo tempo, de sustentação da atividade econômica, não pode ser plenamente avaliada sem levar em conta a proposição de que a soma dos superávits e déficits sobre todos os setores deve ser igual a zero. A eficiência do Estado Grande pode ser questionada, mas sua eficácia em impedir que “o céu desabe” está fora de discussão.” 33

“O que os banqueiros e empresários pensam hoje sobre as receitas e despesas dos próximos vinte e cinco anos é o que mais basicamente determina quais serão os projetos de longo prazo que serão aprovados e como serão financiados. Os investimentos, em vez de serem correntemente ou historicamente determinados baseiam-se em previsões sobre o futuro” 36

“Se em 1975 não houvesse um grande setor público, dois processos recessivos teriam sido desencadeados. Primeiro, o investimento privado teria caído ainda mais, por liquidação de estoques e pela postergação ou o abandono de projetos. Segundo, a queda da renda disponível teria sido maior, de modo que a taxa de poupança pessoal teria sido mais baixa. Vale dizer que, na falta de um Estado Grande, uma retração inicial dos investimentos teria acionado movimentos recessivos: um processo cumulativo de redução de estoques e queda da renda pessoal disponível, como resultado do “esforço da economia” para eliminar um excesso de poupança sobre investimento. Contudo, uma queda do dispêndio pessoal e dos investimentos provoca diminuição do fluxo de caixa das empresas, elevando o déficit empresarial, a qualquer dado nível de investimento. Assim, devem ocorrer quedas cumulativas e sequenciais da renda e dos gastos pessoais, dos investimentos e dos fluxos de caixa empresariais. Esse é o caminho que leva a uma grande depressão.” 37

“Sem a emergência de um grande déficit governamental em 1975, a capacidade de rolagem de dívidas das pessoas físicas e jurídicas teria sido severamente comprometida. Tal comprometimento, devido a um processo interativo cumulativo de queda em rendas e lucros, teria impelido a economia para a recessão. O impacto orçamentário setorial do Estado Grande, que sustenta a lucratividade do setor privado é o que impede essa ocorrência.” 37

“Instrumentos financeiros são criados ou destruídos sempre que o Estado Grande administra suas contas correntes no sentido do déficit ou do superávit. Particularmente, sempre que ele incorre num grande déficit, durante a recessão, outros setores, incluindo instituições financeiras como bancos, associações de poupança e empréstimos e companhias de seguro, adquirem títulos da dívida pública emitidos para financiá-lo.” 37

“Em 1975, devido ao Estado Grande e o enorme crescimento dos títulos governamentais, o risco de default de bancos e empresas caiu. Com as liquidações de estoques, as empresas diminuíram seu endividamento bancário e adquiriram títulos do governo. Os bancos e outras instituições financeiras adquiriram liquidez comprando títulos públicos em vez de diminuir seus próprios ativos e passivos.” 41

“A existência de uma dívida governamental grande e crescente serviu como um estabilizador significativo dos portfólios durante o ameaçador ano de 1975.” 42

“Uma das razões para o abortamento da depressão foi a existência do Estado Grande, cujos portentosos déficits sustentaram a demanda final e a lucratividade das empresas, apesar da queda da renda. Outra razão foi a intervenção rápida e eficiente dos “emprestadores de última instância”, por meio do Fed, da FDIC e até de cooperativas privadas.” 43

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“Enquanto o Estado Grande estabiliza a produção, o emprego, e os lucros com seus déficits, os “financiadores de última instância” estabilizam os valores dos ativos e os mercados financeiros [...] Enquanto o Estado Grande age sobre a demanda agregada e os fluxos financeiros, o “financiados de última instância” age sobre o valor da estrutura herdada dos ativos na recomposição dos portfólios” 43

“O “financiados de última instância” deve intervir prontamente e assegurar a disponibilidade de refinanciamento para prevenir que dificuldades financeiras se transformem num processo recessivo encadeado rumo à grande depressão.” 44

“A necessidade de intervenção dos “financiadores de última instância” surge antes da renda cair bruscamente e bem próximo da entrada em cena dos efeitos estabilizadores automáticos de renda e finanças propiciados pelo Estado Grande. Sem esse tipo de socorro, a deflação dos preços dos ativos de capital, em relação aos preços dos bens de produção corrente, seria mais grave; os investimentos e o consumo de bens duráveis financiados por dívidas também cairiam consideravelmente, e os declínios da renda, dos lucros e do nível de empregos seriam muito maiores. Se fosse permitido que a crise ganhasse força ela poderia sobrepujar a capacidade de estabilização financeira do Estado Grande. Mesmo sem uma efetiva ação do “financiamento de última instância”, o Estado Grande propiciaria uma recuperação; só que a um preço muito mais alto em termos de perda de renda e desvalorização de ativos.” 44

“Se o sistema se romper, então o Fed, ou até mesmo outras organizações bancárias deverão estar preparadas para intervir e corrigir a situação, mediante o fornecimento de liquidez ou absorção de perdas potenciais. Entretanto, esse refinanciamento e a socialização de perdas potenciais impõem custos tanto quanto benefícios para a economia.” 45

“Até agora, contudo, os traumas financeiros ocorridos nas duas últimas décadas não levaram a quaisquer mudanças institucionais oficiais, com o objetivo de corrigir as percebidas causas da instabilidade financeira, principalmente, pressupomos, pelo fato de que a instabilidade financeira não evoluiu para profundas depressões. Entretanto, a não ocorrência de uma profunda depressão não significa, necessariamente, ausência de consequências adversas; as ações dos “financiadores de última instância”, de fato, criaram condições para surtos inflacionários subsequentes. Na falta da inovações institucionais que se tornam necessárias ao atual contexto econômico, o sistema tende a oscilar entre recessões incipientes e surtos inflacionários, que surgem como efeitos colaterais dos mecanismos acionados para evitar a marcha para uma grande depressão.” 45

“Uma corrida ocorre quando emprestadores potenciais perdem a confiança no devedor. Nessa situação, a unidade devedora não consegue convencer outras instituições a lhe oferecerem empréstimos ou a comprar suas obrigações, nem oferecendo-lhes taxas de juros mais altas.” 47

“Os ativos com baixo risco de default são prontamente comercializados – eles têm alta liquidez. Quando o Fed estende o domínio dos instrumentos que protege contra riscos de default, ele aumenta a quantidade efetiva da liquidez e, por conseguinte, a de ativos que têm propriedades próximas às da moeda, perante a comunidade.” 47

“Qualquer extensão das proteções do Fed a novas instituições ou novos instrumentos financeiros aumenta a capacidade financeira geral da economia, o que faz aumentar o preço dos ativos e a disponibilidade de crédito. Quando a utilização desse mecanismo de financiamento de última instância consegue abortar uma incipiente crise financeira, a

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consequente expansão de ativos líquidos cria a possibilidade para um futuro surto inflacionário.” 47

“Um atributo fundamental da economia moderna é que a propriedade de ativos é tipicamente financiada por dívidas e essas dívidas implicam compromissos de pagamentos (futuras saídas de caixa). No curto prazo, para a maioria das instituições financeiras e inúmeras organizações empresariais comuns, o pagamento desses compromissos frequentemente excede as entradas de caixa provenientes de suas operações típicas. Elas precisam assim contar com novos empréstimos para obter os fundos necessários para honrar compromissos. Esse processo costuma ser chamado de “rolagem de dívidas”. 47

“Os arranjos financeiros nos quais a tomada de novos empréstimos se faz necessária para pegar outros credores é o que chamamos de “finança especulativa” [...] Numa economia caracterizada pela propriedade privada de ativos de capital, incertezas e um comportamento empresarial maximizador de lucros, os tempos de bonança econômica encorajam a exposição a riscos. O processo pelo qual as finanças especulativas aumentam em importância no quadro financeiro geral, induz também à elevação dos preços dos ativos e ao aumento do investimento. Isto, por sua vez, leva homens de negócios e banqueiros a pensar que suas decisões financeiras especulativas foram corretas. Essa é uma característica de sistemas instáveis.” 48

“Suas operações de socorro, direta ou indiretamente, estabelecem pisos para os preços de ativos ou tetos para os termos de financiamento, e dessa forma, acabam socializando alguns dos riscos associados às finanças especulativas. Contudo, isso encoraja ainda mais os riscos na hora de financiar posições em ativos de capital, o que, por sua vez, aumenta o potencial para a instabilidade tanto mais quanto mais esses procedimentos vigorarem no tempo.” 49

“Num mundo no qual o refinanciamento de posições é importante, face a um volume significativo de dívidas de curto prazo, a capacidade de um tomador de empréstimos de honrar compromissos financeiros é posta em dúvida quando os preços de seus ativos caem acentuadamente.” 55

“Esse poder pode ser visto como um remédio poderoso, mas que, como qualquer medicamento forte, pode apresentar efeitos colaterais graves. Um deles é o impacto inflacionário defasado decorrente do aumento da liquidez. Toda vez que o Fed, bem como as outras instituições especializadas em empréstimos desse tipo, estendem sua proteção a um novo grupo de instituições e a um novo conjunto de instrumentos, o potencial inflacionário do sistema financeiro também aumenta.” 55

“Sob vários aspectos, os anos de 1974-75 podem ser considerados como exemplo clássico de responsabilidade de “emprestador de última instância” exercida pelo Fed. Apesar das falências e do amplo conhecimento de possíveis dificuldades entre organizações financeiras importantes, não houve riscos nem pânico. A economia passou por momentos difíceis, com falências de empresas e quedas consideráveis dos preços das ações, que deram início a uma séria recessão. Porém, esta acabou sendo moderada e revertida graças às intervenções do Estado Grande e suas repercussões” 71

“A combinação de um déficit governamental massivo (aumentado pelos abatimentos nos impostos) e das intervenções por parte dos “financiadores de última instância” contiveram o declínio da economia e rapidamente reverteram o quadro recessivo.” 72

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“intervenções de “financiadores de última instância” e pelas repercussões das medidas de sustentação de lucros do Estado Grande. Devido a essas intervenções é que um colapso geral ainda não ocorreu.” 74

*evolução dos instrumentos financeiros – tranquilidade substituída por turbulência – sistema financeiro sofisticado

“A economia capitalista assenta-se na busca incessante de renda e riqueza privada para a acumulação e manutenção de ativos de capital financeiros e produtivos. Uma vez que as dívidas são utilizadas para financiar o comando sobre ativos de capital, esse tipo de economia pode ser visto como um sistema complexo de transações de entrada e saída de dinheiro.” 76

“Uma empresa que espera que suas receitas excedam seus pagamentos, em cada período, está em uma posição financeira que chamamos de hedged (sustentada). Por outro lado, uma organização na qual o fluxo de saída de caixa, durante certo período de tempo, excede o fluxo de entrada, pode estar em posição financeira que chamamos de especulativa ou Ponzi. Uma empresa nessas condições obtém caixa para satisfazer seus débitos através da venda de alguns ativos, pela rolagem de dívidas, ou por meio da tomada de empréstimos adicionais. Estas dependem mais fortemente das condições do mercado financeiro do que aquelas cuja estrutura do passivo pode ser caracterizada como hedged.” 77

“Os compromissos de pagamentos serão amplamente aceitos como ativos líquidos ou monetários se a unidade devedora, por seus próprios meios, for vista como tendo condições de forçar um fluxo líquido de caixa a seu favor. Se esta confiança desaparecer, os proprietários de riqueza não mais se disporão a manter os passivos duvidosos. Isso leva a um vazamento de caixa que põe em cheque a capacidade da unidade em questão de gerar fluxo de caixa a seu favor.” 78

“Segundo Keynes, a economia capitalista é caracterizada por uma rede de empréstimos baseados em margens de segurança. Estas margens podem ser identificadas pelas relações entre os compromissos de pagamentos sobre passivos e as receitas de caixa, entre o capital próprio e o capital de terceiros e entre os ativos líquidos e o total dos passivos. As margens de segurança determinam se uma estrutura financeira é frágil ou sólida e reflete a capacidade das instituições em absorver déficits de caixa sem desencadear uma deflação de ativos.” 88

“O potencial para um efeito dominó, que pode causar sérios desastres, é inerente ao padrão de financiamento hierárquico. A introdução de novas camadas na “argamassa” financeira, juntamente com a invenção de novos instrumentos para estender linhas de crédito mediante enxugamento de liquidez, constitui evidência, além do que revelam as estatísticas financeiras, do aumento do grau de fragilidade financeira no sistema como um todo.” 95

“Um arrocho pode ocorrer somente quando as margens das carteiras de títulos desaparecem. O legado financeiro da Grande Guerra, após a Grande Depressão, foi a predominante solidez dos mercados financeiros.” 96

“Um pânico no mercado monetário, contudo, é o resultado efêmero de uma escassez de liquidez e de uma rápida elevação da demanda preventiva de fundos capazes de oferecer proteção contra contingências adversas e imprevisíveis.” 98

“No mundo real entretanto, políticas monetárias não afetam diretamente a demanda, elas primeiro têm impactos sobre as condições de financiamento e refinanciamento e os preços dos instrumentos negociados nos mercados financeiros. Assim, os apertos monetários levam a

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distúrbios no mercado financeiro, mesmo que a renda, os níveis de emprego e os preços continuem a subir; antes que o excesso de demanda seja finalmente eliminado, uma crise financeira acaba surgindo.” 102

“Cada vez que o Fed protege um instrumento financeiro ele legitima o seu uso no financiamento de atividades. Isso significa que as ações do Fed não somente abortam crises menores, mas também criam condições para a retomada do ciclo de endividamento.” 104

“os déficits do Estado Grande. Ao sustentarem a demanda agregada, eles sustentam os lucros e abastecem os portfólios com ativos seguros. Isso estimula os investimentos nos períodos posteriores a uma recessão, e estas geram a demanda por meio de financiamentos que levam a outro surto de inflação e crise. Tem-se assim uma espécie de instabilidade autossustentada num sistema que ao mesmo tempo que se torna imune a grandes depressões, como as ocorridas no passado. Em vez de crises financeiras seguidas por grandes depressões, o que se tem são “ameaças” de crises e depressões que se repetem com maior frequência e a curtos períodos; em vez de uma profunda deflação tem-se uma latente inflação.” 104

“No escopo da teoria econômica neoclássica, a questão “por que nossa economia é tão instável?” não pode ser respondida. Essa teoria não somente não explica a instabilidade, como fenômeno inerente ao capitalismo, como também não a reconhece como problema a ser explicado.” 107

“Chega a ser irônico o fato de que uma teoria, que dizem ser baseada em Keynes, não consiga explicar a instabilidade” 109 (síntese neoclássica)

“uma economia capitalista com sofisticadas práticas financeiras (como de fato é a do mundo real) é inerentemente instável. As análises de Keynes fornecem bases para uma teoria econômica alternativa que permite compreender a instabilidade.” 109

“qualquer análise econômica relevante e pertinente precisa explicar pelo menos três coisas:

1. O modo como o mecanismo de mercado vigente alcança coerência em preços e produtos.

2. Os determinantes das trajetórias da renda, do produto e dos preços;3. A razão pela qual a coerência se rompe, de tempos em tempos, tornando o sistema

tão suscetível a crises econômicas.” 109

*Página 109 – Crítica a síntese neoclássica

“A teoria neoclássica não consegue explicar a instabilidade endógena porque abstrai os elementos que constituem suas causas eficientes.” 110

“a instabilidade e as contradições evidenciadas, de tempos em tempos, residem na evolução de estruturas financeiras frágeis que surgem espontaneamente na economia capitalista, no curso do financiamento do investimento e da propriedade de ativos de capital.” 110

“Os monetaristas enfatizavam que descontroles monetários eram as causas da desestabilização econômica, enquanto os seguidores de Keynes argumentavam que variáveis fiscais poderiam ser usadas visando a estabilização” 111

“Nenhum deles se preocupa com a possibilidade de haver sérios problemas numa economia baseada no livre mercado e na propriedade privada, com práticas financeiras sofisticadas. A

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perspectiva de uma dinâmica ciclicamente instável e potencialmente destrutiva do capitalismo é estranha à sua teoria econômica.” 111

A teoria econômica que é comum a esses keynesianos e monetaristas é a síntese neoclássica.

“O processo de assimilação da Teoria Geral de Keynes começou por análises e interpretações acadêmicas precipitadas. Aspectos importantes de sua estrutura teórica e insights revolucionários sobre o funcionamento do capitalismo foram ignorados.” 111

“Os elementos de Keynes ignorados pela síntese neoclássica têm muito a ver com a determinação de preços de ativos de capital e as propriedades especiais de economias com instituições financeiras capitalistas.” 112

“De fato, as partes “ignoradas” condizem com uma teoria segundo a qual a instabilidade, cada vez mais visível, desde a metade da década de 1960, é inerente à natureza da economia capitalista contemporânea.” 112

“A síntese neoclássica e as teorias de Keynes são diferentes porque enquanto a primeira quer saber como a economia de mercado pode alcançar resultados coerentes e coordenados, nos processos de produção e distribuição de bens, o foco de Keynes é o movimento do capital na economia. A síntese neoclássica enfatiza o equilíbrio e as tendências para o equilíbrio, enquanto que teoria de Keynes refere-se aos negócios de banqueiros e empresários no mundo de Wall Street. A síntese neoclássica ignora a natureza da economia capitalista, algo que Keynes jamais negligenciou.” 112

“A teoria é estabelecida de tal modo que qualquer desvio do equilíbrio é removido por ajustes de mercado, de modo que o pleno emprego é sempre alcançado pela ação de forças autocorretivas. Porém, ela não explica como surge qualquer desvio inicial, ou seja, não se esclarece o surgimento do desemprego como resultado de uma dinâmica interna. A ênfase é sobre as interações que contribuem para o equilíbrio, e não nos processos endógenos de desequilíbrio.” 113

“A teoria não contempla instituições que financiam investimentos e, assim fazendo, forçam a criação de poupança.” 113

“Os keynesianos neoclássicos não têm uma explicação consistente. Sua teoria de curto prazo é confusa: eles acreditam que o pleno emprego não é autossustentado, mas não identificam os mecanismos que levam ao desemprego e à inflação persisnte.” 113

“A validade da teoria neoclássica requer que a aparente incoerência seja causada por forças externas, oriundas de imperfeições institucionais ou falhas humanas.” 113

“Demonstrar que uma economia de troca é coerente e estável não serve para mostrar que o mesmo deve ocorrer numa economia capitalista com instituições financeiras; as mudanças salariais e de preços provocadas pelo desemprego não levam necessariamente ao aumento dos investimentos necessários para eliminar o desemprego. Controles externos e mecanismos de coordenação podem tornar-se necessários numa economia capitalista. De fato, o Banco Central e outros mecanismos de controle surgiram em reposta às incoerências observadas nos mercados financeiros, mostrando que não se pode tomar mercados livres como prescrição universal para economias com instituições financeiras capitalistas.” 116

“Na medida em que as restrições orçamentárias das unidades dependem de condições de financiamento e de expectativas em relação ao futuro, a hipótese de que forças de oferta e

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demanda articuladas entram em ação até que o equilíbrio seja atingido já não é sustentável.” 119

“Verifica-se assim que, quando estendida para a análise agregada, a teoria neoclássica conduz à ideia de que as forças do mercado de trabalho são dominantes na determinação do produto da economia como um todo.” 120

“Na teoria neoclássica, a única maneira pela qual uma demanda presente por consumo futuro pode ocorrer é por meio da estocagem de mercadorias produzidas atualmente ou por aumento de capacidade produtiva. A oferta de poupança deve ter uma contrapartida em demanda por estoque ou uma demanda adicional de bens de capital. De modo algum moeda e finanças afetam as variáveis reais – produto, emprego e a divisão do produto entre bens de consumo e bens de investimento. A taxa de juros é também independente do dinheiro, refletindo apenas o estado da parcimônia e a produtividade do capital.” 121

“O modelo neoclássico é um modelo de pleno emprego; supõe-se que todos que desejam trabalhar, à prevalecente taxa de salário real de equilíbrio, encontram emprego. Presume-se que o desequilíbrio num mercado em particular – seja o de desodorantes, de trabalho ou de crédito – é resolvido principalmente pela sua própria dinâmica interna.” 124

“Para a síntese neoclássica, desvios do pleno emprego com preços estáveis só podem ser causados por “choques”.” 125

“sempre que o desempenho econômico geral não for satisfatório, os responsáveis são “fatores externos”. Os costumeiros “bodes expiatórios” são o sistema monetário e o governo. As depressões e inflações são devidas a alguma combinação da estrutura institucional do sistema bancário, as operações da política monetária e as políticas governamentais que afetam as instituições ou alteram o nível de atividades do governo.” 125

“A teoria neoclássica – assim como a síntese neoclássica desenvolvida a partir dela – tem uma contribuição importante e válida para a política econômica. A demonstração, embora sob condições rígidas e explícitas, de que um mecanismo competitivo de mercado pode guiar a produção em função das demandas do consumidor significa que, para aqueles subsistemas da economia, nos quais as condições são apropriadas, o mercado poderá servir de base segura, desde que não se acredite nele no que diz respeito à: (1) estabilidade geral da economia, (2) determinação do ritmo e até mesmo da direção dos investimentos, (3) distribuição de renda e (4) determinação de preços e produtos em setores de alta intensidade de capital.” 125

“A incoerência que uma economia exibe durante processos de deflação ou inflação acelerada é, portanto, estranha à teoria econômica neoclássica.” 127

“Nessa visão (Keynes), a moeda é criada no processo de financiamento de investimento e de posições em ativos de capital. Um aumento da quantidade de moeda primeiramente financia um aumento da demanda de investimentos ou um crescimento da demanda de ativos de capital físicos ou financeiros. À medida que isso ocorre, tomadores de empréstimos se comprometem a reembolsar o dinheiro emprestado. Em suas origens bancárias, a moeda é parte de uma rede de compromissos de caixa que, no lado empresarial da economia, reside principalmente nos lucros brutos. Numa economia em que o Estado é de pequeno porte, como era o caso em 1933, quando Keynes escreveu a citação acima, a oferta de moeda aumenta quando os banqueiros e seus clientes estão querendo aumentar seu endividamento. Mas isso

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somente ocorrerá se ambos acreditarem que as receitas futuras serão suficientes para cobrir os serviços das dívidas contraídas.” 129

“O cumprimento bem sucedido dos compromissos das empresas junto aos bancos aumenta a oferta de moeda, na medida em que incentiva a aceitação de novas dívidas. Caso contrário, a oferta de moeda tende a diminuir. Assim, a oferta de moeda é determinada endogenamente, como reflexo das antecipações de lucros das empresas e das expectativas dos banqueiros em relação às condições dos negócios.” 129

“A explicação de Keynes sobre o desempenho da economia capitalista enfatiza o investimento, a forma como ele é financiado e os efeitos dos negócios financeiros. O núcleo da análise keynesiana integra a rentabilidade dos ativos de capital existentes, as condições de financiamento dos investimentos e os estoques de ativos, bem como as condições de oferta integradas numa teoria da demanda efetiva. No contexto keynesiano, o investimento é um processo que consome tempo e é baseado na expectativa de lucros, e, portanto, realizado sob condições de incerteza. Sob o inseguro clima de incerteza, investidores e financistas almejam estruturas financeiras (ativos e passivos) que ofereçam proteção contra contingências desfavoráveis e procuram ajustar seus portfólios de acordo com fatos que alteram suas opiniões sobre os rumos da economia.” 131

“Enquanto Keynes, por meio da Teoria Geral, propôs que economistas olhassem para a economia de um modo bastante diferente do que haviam feito até então, apenas as partes da Teoria Geral que puderam ser prontamente integradas à antiga abordagem foram aproveitadas. O que se perdeu foi a substância principal, a visão de uma economia que está sempre em movimento acionado por forças desequilibrantes inerentes a ela.” 131

“Keynes havia dito que a estabilidade é transitória no capitalismo; a instabilidade é sua característica inevitável.” 132

“Uma características essencialmente keynesiana é a concepção de que o nível de emprego não é determinado nos domínios do mercado de trabalho” 134

“Segundo a dinâmica presumida, quando surge um desequilíbrio, seja de excesso de oferta ou demanda de trabalho, entram em ação forças corretivas que alteram o salário real até que o desequilíbrio seja eliminado.” 135

Keynes “Nela, a ênfase é sobre a demanda de bens pelos consumidores e empresários sobre as quais se adiciona a demanda do governo, para completar a demanda agregada total. O emprego, é determinado pela demanda de trabalho derivada do nível de produto, sob a condição desta ser igual ou menor que a quantidade disponível às taxas de salários nominais vigentes. Pode ser que a oferta de trabalho, aos salários nominais vigentes, exceda a demanda e que os processos acionados pelo desemprego sejam impotentes para eliminar o excesso de oferta. Keynes argumentou que tal desemprego involuntário poderia configurar um quadro de equilíbrio natural.” 135

“Na economia capitalistas, o produto é ofertado e o trabalho é demandado na busca de lucros. São as expectativas de lucro que determinam os planos de produção e os empregos oferecidos pelas empresas. Os lucros provêm do emprego de trabalho e outros meios de produção existentes, cuja utilização, de acordo com Keynes, depende de expectativas de curto prazo. As expectativas de curto prazo sobre os lucros, que determinam a oferta agregada, dependem da

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demanda efetiva esperada de consumo e investimento. As expectativas de longo prazo entram na determinação do preço de demanda dos bens de investimento.” 137

*Rejeição de simplificações da teoria keynesiana (Hansen, Klein, Hicks)

“Uma desvantagem fundamental da síntese neoclássica é o fato de ela não poder explicar como a economia cai na armadilha do equilíbrio com desemprego, a partir do qual o efeito liquidez real aciona o mecanismo de recuperação. Essa fraqueza deve-se ao fato de que a teoria econômica neoclássica, construída para demonstrar que o mecanismo de livre mercado é coerente, não leva em conta a possibilidade de processos dinâmicos internos desordenados.” 152

“Sem admitir a presença de forças desestabilizadoras internas, a síntese neoclássica só pode atribuir a existência dos persistentes desequilíbrios a fatores bloqueadores do bom funcionamento dos mecanismos equilibrantes internos ao sistema.” 152

“A síntese neoclássica desconsidera a possibilidade de que a instabilidade, tão evidente na economia moderna, possa dever-se ao comportamento dos mercados financeiros, preços de ativos e fluxos de lucro.” 153

“Antes do triunfo das versões keynesianas de Hansen e Hicks, as estruturas industriais e financeiras eram vistas como responsáveis, pelo menos em parte, pela instabilidade.” 153

“A Teoria Geral de Keynes poderia ter sido base para uma revolução completa no pensamento econômico; seus argumentos básicos apontavam para falhas essenciais nos modelos capitalistas no que tange à organização da acumulação de capital e à forma como a política pode tratar essas falhas. Porém, as interpretações de Keynes que seguiram as linhas de pensamento estabelecidas por Hicks-Hansen levaram à síntese neoclássica e a à proposição banal de que tudo ficaria bem se um adequado mix fiscal-monetário fosse implementado.” 153

“Quando a instabilidade tornou-se evidente e inflação e desemprego coexistiram, durante o final dos anos 1960, 1970 e início da década de 1980, ficou claro que a síntese neoclássica não era bom guia de política. Para isso, é preciso aprofundar nos processos internos de funcionamento da economia moderna, muito mais do que a síntese neoclássica permite.” 154

“A teoria neoclássica abstrai uma série de relações necessárias para a coerência da economia capitalista moderna. No que tange aos preços, limita-se a explicar como os termos de troca (preços relativos) dos bens correntemente produzidos se ajustam para que suas quantidades sejam absorvidas no mercado; ignoram-se as relações financeiras e de validação dos preços dos ativos de capital que devem ser satisfeitas para que a economia seja coerente. Particularmente o papel dos preços na determinação dos lucros não é uma preocupação central da teoria.” 155

“Porém, na economia do mundo real, em que há investimento, o financiamento de aquisição e posse de ativos de capital estabelece compromissos de pagamentos, ou seja, fluxos de caixa estabelecidos contratualmente. Em essência, um mundo financeiro de fluxos de caixa inter-relacionados está plenamente integrado àquilo que os economistas neoclássicos chamam de mundo real de produção, consumo e investimento; o que ocorre é o resultado de uma combinação de influências financeiras e “reais” sobre o comportamento econômico. Como resultado, para a coerência de mercado, os preços devem não só cumprir as funções de alocação de recursos e ajuste de mercado, mas também assegurar: (1) geração de excedentes, (2) retornos (isto é, lucros) dos ativos de capital, (3) consistência entre os valores de mercado

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desses ativos e seus custos de produção, e (4) cumprimento de compromissos sobre dívidas empresariais.” 156

“Na economia capitalista, o sistema de preços deve não só orientar como também validar os investimentos produtivos. Os produtos oriundos dos investimentos passados devem ser justificados pelas rendas auferidas pelos proprietários dos ativos de capital. Uma vez que o financiamento passado da produção de investimento deixa um legado de compromissos de pagamentos, a renda dos devedores deve ser suficiente para que esses compromissos sejam cumpridos. Em outras palavras, o sistema de preços deve gerar fluxo de caixa (lucros, quase-rents) em montantes suficientes para, simultaneamente, liberar recursos para investimento, valorizar os ativos de capital e validar dívidas empresariais. Enfim, para um sistema capitalista funcionar a contento, os preços devem conter lucro.” 156

“Para compreender como normalmente se dá a coerência na economia capitalista e a razão pela qual ela às vezes desaparece, os preços não podem ser tratados como se sua única função fosse a de alocar recursos e distribuir renda. Eles devem também estar relacionados à necessidade de fluxo de caixa para validar os ativos de capital, a estrutura financeira o e estilo de negócios. O fluxo de caixa sustentado pelos preços torna possível o pagamento de dívidas, induz e parcialmente financia investimentos, e possibilita que novas obrigações financeiras sejam aceitas.” 157

“Um conjunto de efeitos do governo sobre a economia depende do modo específico como a tributação e os gastos governamentais afetam os preços. Os programas governamentais afetam o fluxo de lucros, o nível de preços, os preços relativos e as decisões sobre técnicas de produção. Esses aspectos estatais foram enfatizados na política de supply-siders, no primeiro mandato do governo Reagan. O efeito do governo depende também do tamanho do Estado relativo ao da economia. Se ele for de pequeno porte, o déficit exequível pode não apresentar um efeito significativo na estabilização de lucros e preços. Por outro lado, um Estado grande o suficiente para estabilizar lucros pressionará os preços para cima mesmo quando o nível de emprego estiver caindo: a inflação é um resultado do mecanismo pelo qual temos sido capazes de evitar profundas depressões desde a Segunda Guerra Mundial.” 166

“Na economia moderna, o excedente pode ser muito maior que o investimento. Por meio da tributação e dos déficits governamentais, recursos são apropriados e destinados para programas de bem-estar social. Nas grandes empresas geralmente os empregos indiretos são mais bem remunerados do que os empregos diretos, razão pela qual os funcionários administrativos são mais ricos que os operários. Entretanto, as rendas de ambos os grupos serão gastas principalmente em consumo. Consequentemente, o consumo dos empregados que, no fundo é financiado por lucros, latu sensu, contribui também para aumentar o lucro, sticto sensu. O consumo oriundo da renda ganha dos empregados indiretos pode responder pela maior parte da diferença entre o sentido ampliado e o sentido restrito de lucro, do que o consumo oriundo de dividendos.” 172

“Um aumento dos gastos com propaganda, com a folha de pagamentos dos executivos, com gastos com P&D, e assim por diante, financiará gastos de consumo, sem aumentar o produto por unidade de mão de obra diretamente necessária para a produção, contribuindo, assim, para elevar preços.” 173

“Como os ganhos dos administradores e tecnólogos industriais são tipicamente maiores do que os salários dos operários, é muito provável que parte deles sejam poupados. Essa poupança constitui um vazamento no processo de formação dos lucros.” 174

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“Conforme já explicado, o fluxo de caixa para os capitalistas e rentiers é um determinante de expectativas de lucros futuros que atrai o investimento. Na medida em que os recebedores de lucros e salários gastam suas rendas, a existência dessas alocações de lucros é benigna para os investimentos, mas, quando a poupança proveniente dessas fontes aumenta, o fluxo de caixa convencionalmente reconhecido como lucro irá diminuir. Para cada nível de investimento e para cada tamanho de déficit governamental, os lucros disponíveis para o cumprimento de compromissos de dívidas, pagamento de dividendos e formação de reservas serão tão menores quanto maiores forem os gastos agregados das empresas com quadros administrativos e de profissionais técnicos especializados. A baixa e aparentemente declinante taxa de lucro na indústria note-americana pode não ser devida a uma produtividade declinante do capital, mas sim devida, em grande parte ao aumento da alocação de lucros a funções gerais e indiretas socialmente determinadas, e ao aumento da poupança dos profissionais que as executam.” 174

“Uma vez que as empresas com poder de mercado constituem parte ponderável da economia, a divisão entre crescentes níveis de produto e margens de lucro, decorrentes do aumento dos investimentos, déficit governamental, etc., depende do comportamento delas; de fato a eficácia das políticas fiscal e monetária é condicionada pela reação das margens de lucro ao acréscimo da demanda.” 181/82

“Os preços, consequentemente, refletem as estruturas de mercado e as formas pelas quais a demanda é gerada. Uma economia com Estado Grande e elevado nível de investimento terá um conjunto de preços relativos diferente de uma economia na qual tanto o Estado quanto os investimentos sejam de pequena envergadura.” 182

“Assim, a tributação gera excedentes de duas maneiras. Primeiramente os tributos fazem com que a renda disponível por unidade produto dos trabalhadores diretos fique abaixo do preço de oferta determinado pela tecnologia; em segundo lugar, eles elevam o preço de oferta acima dos custos diretos unitários. Contudo, os lucros entram nos preços de oferta por meio de um mark-up sobre custos diretos. Nesse sentido, margens de lucros e alíquotas tributárias sobre a produção são equivalentes, como determinantes de parcelas do excedente. A diferença é que a tributação é uma parte do excedente comandada pelo governo ao passo que os lucros é a parte comandada pelos proprietários do capital e seus aliados que compõem a tecnoestrutura das corporações.” 183

“Os investimentos e gastos governamentais determinam o ritmo da atividade econômica porque não são determinados pelas condições atuais de funcionamento da economia, mas sim pela política, no caso dos gastos governamentais, ou pelas expectativas sobre o futuro, no caso dos investimentos privados. Embora as relações contábeis assegurem que a tributação mais os lucros sejam iguais aos gastos do governo mais investimento privado, elas, por si só, não apresentam direção de causalidade. Para isso, é necessária uma teoria econômica dos investimentos e dos processos políticos.” 184

“Em geral, é o sistema bancário que permite às empresas cumprir compromissos na ausência de lucros suficientes. Reservas de caixa e a capacidade de tomar empréstimos, normalmente por meio de linhas de crédito preestabelecidos, permitem que os pagamentos sejam honrados na falta de fluxos de caixa autossustentado.” 185

“Compromissos de pagamento são assumidos com base em previsão de receitas. Se as previsões não se confirmarem, a saída é usar reservas de caixa ou aumentar o endividamento bancário de curto prazo; nesse caso, os compromissos aumentarão em períodos

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subsequentes, elevando as curvas de custo que definem os preços e níveis de produto requeridos para cumprir os compromissos. O efeito financeiro de uma queda dos lucros correntes é aumentar preços e produção futuras necessárias para sustentar os ativos de capital, a estrutura de obrigações e o estilo de negócios da firma. Uma queda dos lucros hoje torna mais difícil a validação dos fluxos de caixa no futuro. A resultante frustação de expectativa, por sua vez, leva a decisões que tendem a agravar futuramente as consequências negativas sobre os lucros.” 185

“pela forma como a economia está constituída atualmente, uma queda da soma dos componentes que determinam os fluxos de caixa sustentados pelos negócios, levará a uma redução do nível de empregos, da receita tributária e a uma elevação dos pagamentos de transferência realizados pelo governo. Os resultantes déficits governamentais ajudam a sustentar os lucros brutos, atenuando, consequentemente, a escassez da liquidez e interrompendo a escalada do endividamento nas indústrias capital-intensivas. Essencialmente, o Estado Grande, com todas as suas ineficiências, contribui para estabilizar rendas e lucros. Ele diminui os riscos inerentes a sistemas econômicos intensivos em capital e largo endividamento empresarial.” 186

“um estado com um déficit amplo e contracíclico mantém o excedente bruto que sustenta os lucros quando os investimentos declinam. A política governamental pode assegurar que o mark-up permaneça constante ou até aumente durante uma recessão.” 189

Conclusão página 189

“Uma economia capitalista enfrenta problemas quando os lucros não geram caixa suficiente para pagar dívidas e sustentar o valor dos ativos. Assim, na medida em que “infla” os fluxos de caixa, a inflação pode se tornar interessante como instrumento de “liquidação” de dívidas.” 190

“Na economia capitalista, os lucros motivam e recompensam os negócios; validam o passado e induzem o futuro.” 191

“A política econômica pode influenciar a tendência para a instabilidade ao afetar os processos de investimento, salários e o orçamento público, mas, na estrutura capitalista, a instabilidade não pode ser completamente erradicada. Enquanto atenuam as recessões, os déficits governamentais contracíclicos exacerbam a instabilidade inflacionária.” 192

“Os investimentos empresariais envolvem gastos de dinheiro na produção de bens a serem utilizados produtivamente, por meio dos quais os empreendedores esperam obter receitas superiores aos custos correntes. Na economia capitalista essa diferença é o lucro imputado aos ativos de capital, que constitui o retorno do investimento. Um investimento é como um título financeiro, na medida em que envolve uma troca de dinheiro no presente por dinheiro no futuro.” 192

“Uma empresa investidora tem de ter um plano de financiamento de produção de investimento. Uma decisão de investir – para adquirir ativos de capital – é sempre uma decisão que diz respeito a uma estrutura de obrigações.” 192

“a estabilidade da economia depende da forma como são financiados os investimentos e as posições em ativos de capital. Serão mostradas as razões pelas quais a instabilidade é determinada por mecanismos inerentes ao sistema; a economia moderna não é instável

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porque está sempre enfrentando choques externos, como o “choque do petróleo”, guerras, ou surpresas monetárias, mas devido à sua própria natureza” 193

“São duas as proposições fundamentais da hipótese de instabilidade financeira: 1) os mecanismos de livre mercado não podem levar a um equilíbrio sustentado, com estabilidade de preços e pleno emprego; 2) Os ciclos de negócios são devidos à propriedades financeiras essenciais do capitalismo.” 194

“Para o que segue, é preciso ter claro que por economia capitalista subentende-se um sistema no qual os meios de produção são de propriedade privada e a diferença entre receitas totais e custos de mão de obra constitui a renda dos proprietários dos ativos de capital.” 195

Dar uma olhada no 195

“Como já enfatizado, o funcionamento normal da economia capitalista moderna requer que a renda do capital (e, portanto, dos investimentos) se mantenha num nível suficiente para validar dívidas passadas, caso contrário, os preços dos ativos produtivos e dos instrumentos de dívida irão cair, afetando adversamente a demanda de bens de investimento (novos ativos produtivos).” 196

“A presença marcante de corporações e bolsas de valores, relacionadas com a propriedade de ativos produtivos, confere à economia capitalista moderna uma dimensão financeira muito maior do que a de economias caracterizadas pelo predomínio de parcerias e propriedades compartilhadas. O foco da discussão seguinte concentra-se no capitalismo de grandes corporações, que se tornou dominante ao longo dos últimos cem anos, e mais agora do que nunca.” 196

“A solução Patinkin requer que as dívidas empresariais internas (insides) sejam pequenas em relação aos ativos financeiros externos (outside). Ela ignora a possibilidade de insolvências e seus efeitos negativos sobre os preços dos ativos, as expectativas empresariais e a capacidade das organizações privadas de financiar o investimento. Portanto, não é relevante para a economia do mundo real dos dias de hoje.” 198

“Num sistema em que se pode financiar a propriedade de ativos de capital produtivos e financeiros, há um elemento especulativo irredutível, já que o financiamento e seus meios refletem a propensão dos homens de negócio e banqueiros a especular sobre futuros fluxos de caixa e condições futuras do mercado financeiro. Sempre que o pleno emprego for atingido e sustentado, homens de negócio e banqueiros, encorajados pelo sucesso, tenderão a aceitar doses maiores de endividamento. Durante períodos tranquilos de expansão, instituições financeiras à procura de lucros inventam e reinventam “novas” formas de moeda, substitutos de liquidez nos portfólios e técnicas de financiamento para vários tipos de atividade: a inovação financeira é uma característica da economia moderna em tempos de prosperidade tranquila.” 199

“A inovação financeira, portanto, tende a induzir ganhos de capital, aumentar o investimento e aumentar os lucros. É assim que a economia tende a se expandir para além de qualquer estado tranquilo de pleno emprego.” 199

“O financiamento da demanda de investimento, por meio de novas técnicas financeiras, implica em geração de demanda além do que é compatível com o vigente estado de tranquilidade.” 199

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“A especulação e as inovações financeiras tendem a dar origem a um boom de investimentos. Isso leva à inflação, e, por processos que ainda serão discutidos, uma onda inflacionária leva a uma estrutura financeira propensa a crises.” 200

“O preço de mercado de um ativo de capital deve ser maior ou igual ao preço de oferta de um bem de investimento similar, caso contrário ele não vai ser produzido.” 201

- Exemplo: uma casa nova tem um custo de produção corrente. Esse é o preço de oferta. Mas as casas já existentes, de características semelhantes, podem estar sendo vendidas a um preço de mercado (ou preço de demanda, no sentido de Minsky) mais alto ou mais baixo que o preço de oferta, caso a demanda de residências seja muito alta ou muito baixa, respectivamente. No primeiro caso, haverá um estimulo ao investimento residencial, atraído pelo alto nível de aluguéis, e vice-versa. Assim, à medida que se expande esse investimento os preços dos materiais, da mão de obra etc. irão subir, afetando o preço de oferta das novas residências. Contudo, se o preço de oferta for mais alto que o preço de mercado novas residências não serão construídas. (N.T.)

“Alguns ativos, tais como títulos do Tesouro ou depósitos de poupança em bancos e instituições financeiras, podem ser convertidos rapidamente em dinheiro, diferentemente de outros, tais como usinas nucleares em construção, refinarias de petróleo e maquinário especializado. A moeda é um ativo único no sentido de que não gera renda explícita, mas permite aos que a possuem cumprir compromissos e fazer transações à vista.” 202

“todos os ativos de capital produtivos e financeiros possuem dois atributos de fluxo de caixa. Um tem a ver com a entrada de dinheiro quando o contrato foi cumprido, no caso dos ativos financeiros, ou o lucro for realizado, no caso dos ativos produtivos. Outro tem a ver com a capacidade de gerar caixa quando for vendido ou hipotecado. Esse segundo atributo define o grau de liquidez.” 202

“O preço, Pk, de qualquer ativo de capital depende do fluxo de caixa que se espera dele e do seu grau de liquidez. O fluxo de caixa que um ativo de capital irá propiciar dependerá da situação do mercado e da economia, enquanto que o grau de liquidez depende da facilidade e da tranquilidade com a qual ele pode ser transformado em dinheiro.” 202

“Uma tal demanda infinitamente elástica por segurança surge quando se acredita que há grande probabilidade de ocorrência de falta de caixa e de defaults. Mais, tais expectativas ocorrem somente se as expectativas recentes e atuais estiverem repletas de situações como estas.” 203

“O planejamento dos projetos de investimento das firmas envolvem dois conjuntos de decisões interligadas. Um deles tem a ver com as expectativas de lucro e o outro com o financiamento da aquisição dos bens envolvidos.” 206

“A decisão de investir, portanto, depende: 1) dos preços de oferta dos bens de investimento, que, por sua vez, dependem dos custos de mão de obra e de taxas de juros de curto prazo; 2) dos preços de demanda dos ativos de capital e 3) das condições de financiamento. Dada a composição atual das fontes internas de fundos (lucros retidos) e externas (títulos/ações), mostrada no balanço contábil das firmas, a decisão de investir basear-se-á nas expectativas quanto às condições futuras dessas fontes. Mas, como os fluxos de fundos internos, para as unidades investidoras, dependem do desempenho econômico durante o período entre a decisão de investir e da finalização do projeto, há um elemento de incerteza que não tem nada

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a ver com fatores tecnológicos e mercadológicos. Esse elemento de incerteza reside na combinação necessária entre o financiamento interno e externo a qual, por sua vez, depende de quanto dela pode vir dos lucros.” 207

“A incerteza refere-se aos eventos para os quais o resultado das ações não pode ser conhecido com a mesma precisão que a média de resultados numa roleta de jogos, ou de uma tabela de mortalidade. Em resumo, a incerteza na economia não lida com riscos calculáveis análogos às chances dos jogos de azar.” 207

“A incerteza é largamente uma questão sobre como lidar agora com um futuro que, por sua própria natureza, é altamente conjectural. Num mundo cheio de incertezas, empresas têm de enfrentar os frequentes resultados inesperados de decisões passadas.” 208

“Como afirmou Keynes, a economia capitalista é caracterizada por um “sistema de crédito baseado em margens de segurança”. As margens de segurança requeridas tanto pelos tomadores de empréstimo quanto pelos emprestadores determinam a importância do financiamento externo no financiamento total do investimento.” 208

“Os produtores de bens de investimento não desempenharão qualquer atividade se não houver garantias de que os compradores terão condições de pagar pelo produto final. É aí que entram os banqueiros e os intermediários financeiros. Mesmo nos dias atuais em que gigantescas corporações multinacionais respondem pela maior parte dos investimentos e empregam a maioria dos ativos de capital produtivos na economia, a concessão de crédito para elas passa pelo crivo dos banqueiros.” 211

“Em resumo, como já mencionado brevemente no início desta seção, três fontes de financiamento podem ser distinguidas. A primeira é o dinheiro em mãos ou ativos de alta liquidez em carteira.” 212

“Uma segunda fonte de financiamento de investimentos é o fluxo de lucros retidos que alimentam os fundos internos disponíveis para a execução dos projetos.”

“A terceira fonte de financiamento consiste de fundos externos. Esses são empréstimos tomados dos bancos e outros intermediários financeiros, ou captados por meio de emissão de títulos ou venda de ações.” 212

“Num mundo no qual as condições de financiamento não são importantes, o investimento é determinado apenas pela produtividade técnica dos bens de capital e seu preço de oferta. Nesse cenário, mudanças do ritmo dos investimentos seriam fenômenos regulares e suaves. A moeda e as finanças não determinariam nada de mais importante na economia. Somente quando se admite a existência de instituições financeiras capitalistas é que faz sentido explicar a observada instabilidade da variável investimento.” 215

“Se o aumento das taxas de juros for acentuado, o valor presente do bem de investimento como ativo de capital pode cair abaixo do seu preço de oferta. Tal reversão interromperá o investimento. Se os aumentos das taxas de juros forem agudos e forem acompanhados por estimativas menos positivas quanto à lucratividade dos projetos, até mesmo projetos de investimento em desenvolvimento poderão ser abandonados.” 218

“A principal razão das mudanças de comportamento da economia moderna é a natureza mutante da estrutura de compromissos financeiros. As práticas financeiras implicam em pagamentos de compromissos que refletem as condições de mercado e as expectativas

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vigentes na data em que os contratos foram firmados. Os pagamentos vencem e são quitados quando a economia evolui no tempo e surgem novos esquemas financeiros mais complexos que alteram o comportamento e as condições da estabilidade econômica.” 221

“A passagem da solidez para a fragilidade não ocorreu por acaso. As origens da mudança podem ser encontradas nas oportunidades de lucros abertas por inovações financeiras, num dado conjunto de regras e instituições, e ao engajamento no processo Inovativo financeiro de indivíduos, empresas, banqueiros e rentiers em busca de ganhos; e a intervenções legislativas e administrativas do governo e banco centrais.” 222

“O investimento não somente afeta o produto agregado, a distribuição de renda e a capacidade produtiva, mas numa economia capitalista, também deixa marcas na estrutura financeira.” 222

“O governo, que é uma fonte de mudanças em práticas e instituições do mercado financeiro, opera por meio de legislação e decretos ou intervenções de autoridades, como os bancos centrais. O governo influencia as normas do comportamento e a estrutura financeira.” 222

“Para analisarmos como os compromissos financeiros afetam a economia, faz-se necessário observar as unidades econômicas pelo ângulo dos fluxos de caixa. Essa abordagem aplica-se a todas as unidades – sejam famílias, empresas, governos locais, estaduais ou até mesmo federais, assim como os bancos.” 223

“Se a administração de bancos multibilionários presume que as autoridades sempre estarão prontas para socorrê-los e as autoridades dão motivos para isso, o comportamento dos banqueiros será menos prudente do que deveria.” 224

“As autoridades, temerosas das consequências desconhecidas da quebra de grandes bancos, intervêm para protege-los, quando estão em risco, mostrando que eles já são grandes demais para uma economia não intervencionista e de mercado livre.” 224

“O capitalismo pode funcionar melhor quando os ativos de capital são baratos e simples. A instabilidade tende a ser exacerbada nas economias de alta intensidade de capital e longo prazo de maturação dos investimentos. Nesse cenário, costumam prevalecer arranjos financeiros nos quais grandes devedores pagam suas dívidas não com fluxos de caixas originados de vendas de produtos, mas sim com novas dívidas. A bem da estabilidade sistêmica é preciso investigar as implicações das dívidas e das finanças externas no sistema que realmente existe.” 224

“Podemos distinguir três tipos básicos de fluxo de caixa: renda, balanço financeiro e portfólio. Os provenientes da renda, como salários e lucros resultam do processo produtivo.” 225

“Fluxo de caixa de balanço financeiro é o nome dado aqui aos compromissos de pagamentos vinculados aos passivos existentes (amortizações e juros sobre dívidas). Quanto menor o prazo dos instrumentos de endividamento utilizados, maior a presença desse tipo de fluxo de caixa, por unidade de passivo.” 225

“Os fluxos de caixa de portfólio estão envolvidos em transações de compra e venda de ativos de capital produtivos e financeiros, sejam de ativos já existentes ou recém criados.” 225

“É também útil distinguir três tipos diferentes de fluxo de caixa de balanço financeiro: 1) datados, 2) à vista e 3) contingentes. Os datados são compromissos de pagamento em dinheiro

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com prazo determinado de vencimento, como as prestações (juros mais amortizações) de bens duráveis comprados a crédito.” 225

“Qualquer um que tenha comprado uma casa ou carro por meio de empréstimo sabe que o saldo devedor é composto de duas partes, uma que se refere ao Principal (a quantia emprestada a ser devolvida) e a outra que se refere aos juros sobre os saldos devedores em cada período.” 226

“Outros dois tipos distintos de contrato financeiro com prazo fixo de vencimento envolvem títulos do tipo notas ou letras e obrigações (bonds). No primeiro caso, o tomador de empréstimos se compromete a pagar uma quantia (S), numa data especificada, em troca de uma quantia (P) hoje, tal que P < S.” 226

“A terceira categoria de instrumentos financeiros envolve direitos condicionados ou contingentes. Um conjunto de direitos contingentes é composto por avais e fianças.” 227

“A instabilidade financeira está vinculada à importância relativa da renda, dos balanços financeiros e dos fluxos de caixa de portfólio no sistema econômico.” 228

“Quando os fluxos de caixa oriundo das rendas realizadas e esperadas são suficientes para honrar todos os compromissos de pagamentos sobre as obrigações de uma empresa, ela estará enquadrada numa situação financeira que pode ser considerada segura (hedge financing). No entanto, o fluxo de caixa comprometido com encargos sobre o passivo de uma empresa pode ser maior do que a renda operacional esperada, de modo que, para cumprir esses compromissos, sejam necessárias renovações constantes ou ampliadas do endividamento (rolagem da dívida de forma constante ou ampliada). As unidades que renovam o endividamento de forma constante estão enquadradas em situação financeira especulativa e as que o fazem de forma ampliada estão enquadradas em situação financeira Ponzi. Assim, unidades em situação especulativa e Ponzi precisam recorrer a transações de portfólio para cumprir compromissos, enquanto aquelas que estão em situação segura (hedge finance) podem honrar suas dívidas sem envolver seus portfóilios.” 228

“diferentemente das unidades em posição hedge, as unidades que fazem uso de arranjos especulativo e Ponzi ficam dependentes das condições do mercado financeiro.” 229

“Uma economia na qual transações de portfólio geralmente são necessárias para cumprir compromissos financeiros, se não estiver à beira de uma crise, estará num estado de fragilidade financeira, ao menos em potencial.” 229

“na economia moderna, a lucratividade prospectiva dos ativos de capital comandando por uma empresa é o fator crítico na determinação de investimentos, pois ele é o que define se a produção e a propriedade dos ativos de capital poderão ser financiados.” 229

“O custo de um ativo de capital recém produzido (preço de oferta de um bem de investimento) é um importante determinante do comportamento da economia. O comprador de bens de investimento acredita que haverá lucros suficientes – o valor dos ativos de capital existentes também resulta desse mesmo pensamento. Se o valor presente capitalizado das rendas futuras esperadas dos ativos de capital resultar num valor maior que o preço dos bens de investimento, acredita-se que esses bens vão gerar lucros suficientes para compensar sua produção: a decisão de comprar bens de investimento se baseia na relação entre seus preços de oferta e a avaliação de ativos de capital similares.” 230

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“Num sistema no qual os compromissos contratuais são usados no financiamento de ativos de capital de longa duração, os fluxos de caixa de curto prazo geram lucros brutos de pequena monta em relação ao valor dos ativos. A menos que os contratos de financiamento sejam de prazo suficientemente longo, o funcionamento normal da economia não gerará os fluxos de caixa em montante compatível. Nessas circunstâncias, o pagamento de dívidas só poderá ser realizado pela combinação de fluxos de caixa de renda e portfólio; especialmente, os fundos para a quitação, pelo menos, das dívidas que estão vencendo serão obtidos pela contratação de novas dívidas.” 231

“Unidades em situação hedge e seus credores contam com fluxos de caixa operacionais, isto é, gerados pela atividade produtiva dos ativos, ou os oriundos da posse de contratos financeiros, mais que suficientes para quitar os compromissos contratuais, hoje e no futuro.” 232

- Para mais informações sobre as posições pag 232

“Unidades em situação especulativa e seus credores esperam que os fluxos de caixa operacionais (ou financeiros) possam ser transitoriamente menores que os serviços das dívidas de alguns períodos, porém suficientes para cobrir pelo menos a parte referente aos juros.”232

“Unidades em situação Ponzi são tipicamente aquelas em que os pagamentos de renda superam os recebimentos de renda, pelo menos em alguns períodos transitórios. Enquanto nas unidades especulativas as receitas de caixa são suficientes para cobrir os custos do financiamento, de modo a manter constante o saldo devedor, nas unidades Ponzi, os custos do financiamento superam as receitas de modo que o saldo devedor aumenta com o tempo.” 232

“O arranjo Ponzi é frequentemente associado a práticas aventureiras ou fraudulentas, mesmo sem má intenção. Empresas que tomam dinheiro emprestado para investir enquanto estão pagando juros e distribuindo dividendos costumam estar em situação Ponzi. Uma situação especulativa pode ser convertida em Ponzi por elevação da taxa de juros ou outros custos ou por uma redução da renda, e vice-versa. O refinanciamento, com mudança no padrão de amortizações e prazo de vencimento (mudanças no perfil da dívida), pode também mudar a situação do balanço financeiro de uma unidade.” 233

“Arranjos financeiros do tipo hedge são elaborados na confiança de que os compromisso financeiros serão honrados, a não ser que os lucros operacionais caiam abaixo do esperado.” 233

“A combinação de situações hedge, especulativa e Ponzi é um dos grandes determinantes da estabilidade dos sistemas econômicos. A presença de um grande número de empresas em situação Ponzi ou especulativa é uma condição necessária para a instabilidade financeira.” 234

“Todas as empresas, independentemente de utilizarem esquemas hedge, especulativo ou Ponzi – estão vulneráveis ao desenvolvimentos econômicos que reduzem o fluxo de caixa gerado pelos ativos de capital. Uma queda da renda, seja por causa de recessão econômica ou por aumento da inadimplência de devedores, pode fazer com que unidades em posições hedge passem para posições especulativas.” 235

“Por outro lado, as empresas em situações do tipo especulativo ou Ponzi, além dos riscos relativos aos mercados de produtos e fatores, podem enfrentar dificuldades crescentes por causa de mudanças das taxas de juros e outras condições do mercado financeiro. Elevações das taxas de juros aumentam os compromissos de fluxo de caixa sem aumentar as perspectivas de receitas.” 235

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“A intrusão de relações especulativas num sistema predominantemente hedge aumenta a demanda de ativos e seus preços de mercado, gerando ganhos de capital. Uma conjuntura na qual ganhos de capital estão sendo obtidos e são esperados é convidativa ao engajamento em posições do tipo especulativo e Ponzi. Assim, as oportunidades de lucros num ambiente financeiramente sólido, naturalmente tendem a abrir o caminho para a fragilidade.” 235/36

“Na economia moderna, as crises não chegam a ponto de derrubar os níveis de renda, emprego e lucros, devido às intervenções governamentais por meio de déficits fiscais e expansões de moeda e crédito. Essas intervenções contribuem para reduzir o peso do financiamento externo na manutenção de posições em ativos de capital e facilitam a substituição de dívidas antigas por novas dívidas com taxas de juros mais baixas e prazos mais longos. Ao mesmo tempo, títulos públicos gerados pelo crescente déficit governamental abastecem os portfólios de bancos e instituições financeiras não bancárias, reduzindo os riscos de default. Em consequência, a economia tende a sair de uma fase ruim com uma estrutura financeira mais sólida que antes.” 236

“Num mundo dominado por sistemas financeiros hedges, utilizar mais as dívidas de curto prazo para financiar posições em ativos de capital e cumprir compromissos de dívidas de longo prazo aumenta as possibilidades de lucros tanto para os tomadores de empréstimos como para os bancos.” 237

“Sempre que surge a necessidade de reposicionamento de portfólio, o nível de preço dos ativos de capital tende a cair em relação aos custos de produção dos bens de investimento. Essencialmente é isso o que está na origem dos crashs das bolsas de valores. A instabilidade dos preços de ativos podem assim introduzir um ciclo vicioso no qual uma queda inicial dos preços dos ativos leva a uma queda do investimento, e, consequentemente, dos lucros, o que, por sua vez, faz cair ainda mais os preços dos ativos e assim por diante.” 241

“Um projeto de investimento é equivalente, em termo de compromissos de fluxo de caixa, ao aceite de dívidas com a diferença que os retornos não são precisamente definidos nos montantes e datas de ocorrência: os montantes dependerão dos custos de material, mão de obra e financiamento.” 242

“Aumentos de investimentos implicam em elevações dos compromissos de pagamentos de curto prazo. O impacto financeiro geral do investimento, em excesso dos fundos internos, equivale a um aumento no peso de arranjos especulativos e Ponzi na estrutura financeira. Como a extensão relativa dos esquemas especulativos e Ponzi determina o grau de fragilidade e, desse modo, a suscetibilidade a crises, um aumento da proporção de investimentos em relação aos fundos internos das empresas aumenta a fragilidade da estrutura financeira.” 242

“Quando os investimentos empresariais são financiados internamente, os custos não sobem na mesma proporção das taxas de juros. Nesse caso, o valor presente também não pode ser reavaliado em função de mudança das taxas de juros. Por causa disso, uma empresa em funcionamento com lucros positivos não é levada a crer que determinado projeto se tornou mau negócio. Entretanto, quando os fundos são de fontes externas e financiamentos de curto prazo precisam ser renovados, aumentos das taxas de juros, enquanto o projeto estiver em andamento, poderão levar à interrupção de um empreendimento antes considerado viável.” 243

Page 22: Fichamento - Estabilizando Uma Economia Instável

“Em resumo, um boom de investimentos financiados externamente tende a ser acompanhado por aumento da participação de arranjos financeiros do tipo especulativo e Ponzi na estrutura financeira da economia, tornando-a mais susceptível a crises.” 244

“uma característica marcante da economia do mundo real contemporâneo é a existência de ativos de capital de longa duração, que podem ser comercializados e financiados mediante emissão de instrumentos de dívidas e participações societárias (ações).” 245

“Uma vez que os fluxos de caixa que podem ser proporcionados pelos ativos de capital são incertos, posto que dependem das condições gerais da economia e dos mercados, a moeda e os instrumentos financeiros facilmente negociáveis são atraentes como forma de constituir margens de segurança no cumprimento de contratos.” 245