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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ - UFC INSTITUTO DE CULTURA E ARTE - ICA CURSO DE JORNALISMO PROFESSOR DR. JAMIL MARQUES JOSÉ ARIMATÉIA DE OLIVEIRA MOURA FILHO QUANDO A IMPRENSA LEVA A CULPA, MESMO SEM TÊ-LA Eugênio Bucci Eugênio Bucci, em seu artigo Quando só a imprensa leva a culpa, mesmo sem tê-la deixa claro, logo de inicio, que não tem pretensão de ser uma defesa da vitimação dos jornalistas que não seriam “pobres – aqui significando vítimas desprotegidas” e discorre em suas primeiras laudas sobre casos desde o século XVIII onde aparecem profissionais da imprensa sendo atacados por ocupantes governantes, como por exemplo na citação de Marx Weber “É de mencionar, por exemplo, a circunstância de frequentar os salões dos poderosos da terra, aparentemente em pé de igualdade, vendo-se, em geral e mesmo com frequência, adulado, porque temido, tendo, ao mesmo tempo, consciência perfeita de que, abandonada a sala, o anfitrião sentir-se-á, talvez, obrigado a se justificar diante dos demais convidados por haver feito comparecer esses “lixeiros da imprensa” “O poder não gosta da imprensa – apenas é forçado a conviver com ela. Cinicamente, se necessário.” lembra o autor, que faz menção ainda ao escândalo envolvendo Silvio Berlusconi, magnata da TV italiana e na época primeiro-ministro, amplamente divulgado pelo noticiário italiano e chegando a ser pautado pelo internacional. Mesmo sendo uma figura envolvida com o 'meio', por ser dono de uma emissora de televisão, o político processou um jornal italiano por difamação e abriu ações judiciais contra dois outros impressos internacionais. Desse caso, Bucci faz um gancho para o caso brasileiro, em 2009, que se assemelha: José Sarney, à época já presidente do Senado, dono de emissora de TV e outros veículos de informação no estado do Maranhão, passou a disparar ataques contra a imprensa e dos ataques passou à ações judiciais que desembocaram em “censura prévia” Fazendo um panorama histórico sobre ataques verbais feitos em plenário à imprensa, o autor lembra dois fatos. O primeiro, aconteceu em agosto de 1977, nos estertores da fase mais selvagem da ditadura militar. No dia 8 daquele mês, Goffredo Telles Júnior, professor do Largo são Francisco, leu, em ato público, nas arcadas, no pátio da própria faculdade, em são Paulo, a sua célebre “Carta aos Brasileiros”. Assinado por vários juristas além do próprio Goffredo, o documento caracterizava o regime brasileiro como ditatorial, sem meias palavras, e pedia o “estado de direito Já!” No dia seguinte o MDB, oposição ao governo na Câmara elogiou a atitude do professor, no entretanto a ARENA partido aliado, em um aparte discursou na tentativa de desqualificar o noticiário que

Fichamento QUANDO A IMPRENSA LEVA A CULPA MESMO SEM TÊ-LA

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De um texto de Eugênio Bucci

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ - UFCINSTITUTO DE CULTURA E ARTE - ICA

CURSO DE JORNALISMO

PROFESSOR DR. JAMIL MARQUES

JOSÉ ARIMATÉIA DE OLIVEIRA MOURA FILHO

QUANDO A IMPRENSA LEVA A CULPA, MESMO SEM TÊ-LAEugênio Bucci

Eugênio Bucci, em seu artigo Quando só a imprensa leva a culpa, mesmo sem tê-la deixa claro,

logo de inicio, que não tem pretensão de ser uma defesa da vitimação dos jornalistas que não seriam

“pobres – aqui significando vítimas desprotegidas” e discorre em suas primeiras laudas sobre casos

desde o século XVIII onde aparecem profissionais da imprensa sendo atacados por ocupantes

governantes, como por exemplo na citação de Marx Weber “É de mencionar, por exemplo, a

circunstância de frequentar os salões dos poderosos da terra, aparentemente em pé de igualdade,

vendo-se, em geral e mesmo com frequência, adulado, porque temido, tendo, ao mesmo tempo,

consciência perfeita de que, abandonada a sala, o anfitrião sentir-se-á, talvez, obrigado a se

justificar diante dos demais convidados por haver feito comparecer esses “lixeiros da imprensa”

“O poder não gosta da imprensa – apenas é forçado a conviver com ela. Cinicamente, se

necessário.” lembra o autor, que faz menção ainda ao escândalo envolvendo Silvio Berlusconi,

magnata da TV italiana e na época primeiro-ministro, amplamente divulgado pelo noticiário italiano

e chegando a ser pautado pelo internacional. Mesmo sendo uma figura envolvida com o 'meio', por

ser dono de uma emissora de televisão, o político processou um jornal italiano por difamação e

abriu ações judiciais contra dois outros impressos internacionais. Desse caso, Bucci faz um gancho

para o caso brasileiro, em 2009, que se assemelha: José Sarney, à época já presidente do Senado,

dono de emissora de TV e outros veículos de informação no estado do Maranhão, passou a disparar

ataques contra a imprensa e dos ataques passou à ações judiciais que desembocaram em “censura

prévia”

Fazendo um panorama histórico sobre ataques verbais feitos em plenário à imprensa, o autor

lembra dois fatos. O primeiro, aconteceu em agosto de 1977, nos estertores da fase mais selvagem

da ditadura militar. No dia 8 daquele mês, Goffredo Telles Júnior, professor do Largo são Francisco,

leu, em ato público, nas arcadas, no pátio da própria faculdade, em são Paulo, a sua célebre “Carta

aos Brasileiros”. Assinado por vários juristas além do próprio Goffredo, o documento caracterizava

o regime brasileiro como ditatorial, sem meias palavras, e pedia o “estado de direito Já!” No dia

seguinte o MDB, oposição ao governo na Câmara elogiou a atitude do professor, no entretanto a

ARENA partido aliado, em um aparte discursou na tentativa de desqualificar o noticiário que

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repercutiu o fato, 'explicando' que não se tratava de um episódio inédito' e que os jornais estavam

articulados em campanha contra as instituições.

Depois da Ditadura, lembra Bucci, um caso parecido aconteceu quando do governo Collor. Os

defensores do presidente, no legislativo se valeram de termos semelhantes quanto àquilo não serem

fatos inéditos, e se tratar de uma campanha articulada, colocando a imprensa como um partido de

oposição. Não inédito se tornou mesmo foi o teor das declarações feitas pelo presidente do senado

José Sarney, em 2009, diante de denúncias feitas pela imprensa sobre a existência de 'atos secretos',

consistentes em contratação de funcionários no Senado, o que não estava sendo publicado no

Diário Oficial: “nós estamos sendo o que popularmente se chama de boi de piranha. enquanto tudo

passa, nós ficamos aqui na frente. e os grandes problemas não estão surgindo. está [sic] se

discutindo pequenas coisas.”

O mal-estar cresceu, dias depois vários deputados federais aderiram o discurso de culpa à

imprensa, e então o presidente da Câmara, Michel Temer foi quem se pronunciou “Menos as

notícias, talvez mais as manchetes e as fotos visam colocar a Câmara dos deputados em confronto

com a opinião pública. veja que a cultura política vai sendo construída de uma maneira que, se nós

não repudiarmos um pouco, não tivermos uma ação muito concreta em relação a isso, não

estaremos fazendo um benefício à democracia” Bucci supõe em seu texto que a possível causa

desse desconforto teria sido a publicação no Estadão da quantia de R$ 80 mi para a reforma dos

apartamentos funcionais dos deputados.

A situação ultrapassou o limite do absurdo, ao meu ver, no que concordo com o autor, quando

após o Estadão publicar reportagens de denuncia envolvendo o filho do senador José Sarney, o

desembargados do Tribunal de Justiça do DF comunica ao jornal sobre a proibição de que se faça

em suas páginas menção ao filho do senador. Censura judicial. O procurador teria relacionamento

próximo com a família Sarney, mesmo depois de seu afastamento a liminar contra o jornal não foi

revogada. Bucci finaliza seu artigo comentando três pontos bastante interessantes a respeito da ética

jornalistica envolvendo informações judicialmente sigilosas, questões envolvendo intimidade das

famílias e sobre a imprensa ser colocada como um partido de oposição.

No primeiro caso, temos que cabe à justiça manter em sigilo informações judicialmente

sigilosas. Se elas vazam para a imprensa e têm relevante interesse público, cabe ao jornalista deixar

a população a par daquilo. Claro que na prática é levado em conta o interesse que tem o jornalista,

mas principalmente os donos da empresa a que ele pertence, nesse assunto. Quando ao segundo

caso, o da intimidade familiar, qualquer pessoa, jornalista ou não, pode repercutir algo a que tenha

presenciado. Embora depois tenha que arcar com as consequências disso, até mesmo na justiça.

Ações que impeçam a propagação de uma informação seriam consideradas 'censura prévia', à

justiça cabe avaliar se o que foi dito é culpável, mas não reger o que vai ser ou não dito. Sobre o

terceiro ponto, o que trata sobre a imprensa ser colocada como um partido de oposição, Bucci deixa

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claro que ao publicar reportagens que apontam suspeitas de irregularidades no poder público,

nenhum jornal está se insurgindo contra as instituições. ora, o que se dá é justo o oposto: ao publicar

uma reportagem responsável, bem apurada, bem checada, dando conta de irregularidades na

administração do estado, um jornal está, isto sim, defendendo a saúde e a integridade das

instituições.