FIDES REFORMATA XVI, Nº 2 (2011) 95-117 A vocação para o serviço ou o serviço dos vocacionados

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    A VOCAOPARAOSERVIOOUOSERVIODOSVOCACIONADOS?

    Jedeias de Almeida Duarte*

    RESUMO

    Este artigo busca fazer uma anlise da doutrina da vocao ministerial. Oassunto tratado principalmente nas perspectivas de Joo Calvino e RichardBaxter. Parte-se do pressuposto de que a vocao pastoral, em alguns aspectos,

    pode ser estudada e ensinada como anloga vocao dos profetas no AntigoTestamento e dos apstolos no Novo Testamento, especificamente quanto aomanuseio da Palavra de Deus, o impulso do Esprito Santo que foi no passado e

    no presente o aplicador da Palavra de Deus e, por fim, o trato com o povo deDeus como receptor da Palavra de Deus ensinada e proclamada. O autor buscaas conexes do ministrio pastoral com o cumprimento da Grande Comisso,atribuindo aos ministros a responsabilidade direta de evangelizao dos no-convertidos como uma evidncia externa da vocao pastoral. Por fim, apontaalguns perigos a armadilhas do ministrio pastoral nesta era contempornea.

    PALAVRAS-CHAVE

    Pastor; Chamado; Vocao pastoral; Dons espirituais; Sacerdcio uni-

    versal dos crentes.

    INTRODUO

    A dicotomia feita por alguns estudiosos entre missilogos e missionriossomente ser procedente se quem faz a anlise ou um dos grupos analisados

    * O autor bacharel em Teologia e Direito, mestre em Missiologia pelo Centro Evanglico deMisses (2007) e Doutor em Ministrio pelo CPAJ e pelo Seminrio Teolgico Reformado (D.Min.,2009). professor de teologia pastoral e coordenador do Programa de Ps-Graduao em Revitalizao

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    no possuir a Escritura Sagrada como nica regra de f e prtica. Entretanto,entre os missilogos e missionrios que partem das Escrituras para a caminhada mas funcionalidades paralelas submissas misso e ao Senhor da misso. So

    partes funcionalmente distintas, mas que laboram em mtua complementao

    Numa dinmica semelhante esto aqueles que servem como enviadores

    Novamente, o evangelho o ponto de partida e de chegada de ambos e existemfuncionalidades diferentes que podem ser estudadas academicamente e quetambm contribuem para o crescimento do corpo de Cristo.

    Pode-se observar que as supostas distines acima so dependentes daposio de cada grupo e da forma de atuao, o que pode mudar com o tempo

    e as circunstncias. Essas distines superficiais fogem aos preceitos escri-tursticos do apstolo Paulo missiolgo e missionrio, enviado e enviador 12.12-31).

    -micas, partindo da anlise do conceito teolgico da vocao para o ministrioe observando os aspectos internos e externos pertinentes. Depois apresentamos fator de crescimento, conectado com a Grande Comisso. Por fim, conclu-

    mos apontando a impossibilidade teolgica de submeter a escolha e envio de avaliao do perfil ministerial, sendo a capacitao, o treinamento e o desen-volvimento de habilidades, dons e carter ferramentas teolgicas essenciais

    para o ministrio. importante registrar que no existe uniformidade entre os cristos,

    inclusive reformados, quanto vocao pastoral. A ausncia do assunto nossmbolos de f e a aparente divergncia quanto aos aspectos internos e externos

    Este artigo caminha segundo os escritos do reformador Joo Calvino, do

    puritano Richard Baxter e de outros que seguem a mesma linha doutrinria. Avocao pastoral estudada como anloga vocao dos profetas do AntigoTestamento e dos apstolos do Novo Testamento. Tal analogia se apresentaespecialmente no que concerne ao manuseio da Palavra de Deus, ao impulsodo Esprito Santo que foi no passado e no presente o aplicador da Palavra deDeus e ao trato com o povo de Deus como receptor da Palavra de Deus, ensi-nada e proclamada. Este texto contm alguns dos passos iniciais de um estudoabrangente sobre o ministrio pastoral e suas conexes com o cumprimentoda Grande Comisso.

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    1. VOCAO PARA O MINISTRIO PASTORAL:ESPECIFICIDADES

    A clarificao da questo da vocao pastoral nos meios reformados,

    uma vez que existe, de um lado, uma perspectiva mstica sobre o homem deDeus, o ungido e, de outro lado, a negao da interveno soberana do Se- tempos especficos. Se tornarmos clara a essncia do chamado para determinado deste servio dentro de um determinado espao-tempo (gerao, povo, lngua,

    Isso pressupe o desenvolvimento de uma eclesiologia bblica que resgata

    a essncia do ministrio da Palavra e dos sacramentos, observando o ensinobblico sobre ofcios, dons espirituais e o ministrio dos crentes no corpo de

    A teologia genuna oriunda das Escrituras Sagradas o elo entre o minis-trio pastoral e o cumprimento da Grande Comisso, tanto pelo pastor quanto

    pastoral durante um longo de perodo de tempo.

    2. O SACERDCIO UNIVERSAL DOS CRENTES

    tem por finalidade ltima, na histria e na eternidade, a adorao a Deus,glorificando-o pela pregao e vivncia do evangelho, em todas as esferas daexistncia e da ao humana. Ela o faz de modo particular e pblico, individual servio que glorifica a Deus atravs da vida e dos atos de seus membros aessncia de sua vocao.

    A Reforma Protestante resgatou a doutrina do sacerdcio universal doscrentes, no apenas produzindo um rompimento com a corroda estrutura ro-mana distante das Escrituras e seu modo distorcido de servir ao Senhor, masimpulsionando a vida orgnica integral do corpo de Cristo na terra. Nas palavrasde Lutero, somos, pois, igualmente sacerdotes espirituais diante de Deus,1oque, de forma clara, estabelece o servio igualitrio de todos os santos diante

    1 LUTERO, Martinho. Sermo a respeito da missa. Obras Selecionadas. So Leopoldo: Sinodal,

    v. 2, p. 268.

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    Da se segue que leigos, sacerdotes, bispos ou como dizem, espirituais e secu-lares, no fundo verdadeiramente no tm qualquer diferena seno em funodo cargo ou da ocupao, e no pela sua classe, pois todos eles so de classesespirituais, autnticos sacerdotes, bispos e papas. Contudo, nem todos tm a

    mesma ocupao, assim tambm entre os sacerdotes e monges nem todos tema mesma ocupao.2

    Como reformados, no podemos ignorar a relevncia da doutrina do sa-cerdcio universal dos crentes. Contudo, no podemos tambm ignorar que oestado do crente diante de Deus mediante os mritos de Cristo, apontado pelosacerdcio universal dos crentes, corrobora para a funcionalidade destes noexerccio individual do seu sacerdcio conforme aprouve ao Esprito Santo,ao distribuir soberanamente os dons espirituais no corpo. No h incompati-

    bilidade entre o exerccio do sacerdcio de cada crente e a funcionalidade docrente no corpo de Cristo e no reino de Deus. O sacerdcio universal apontaao crente a legitimidade soteriolgica de seu estado diante de Deus; o exerc-cio dos dons e dos ministrios aponta a legitimidade eclesiolgica diante docorpo de Cristo e de todo o reino. Ambos apontam para as responsabilidadesde cada cristo. Para Veith, o sacerdcio universal dos crentes no exclui o

    O conceito de sacerdcio universal da Reforma no denigre de forma algumao oficio pastoral, como geralmente se pensa, nem ensina que pastores e coope- apresentar sua prpria teologia. Pelo contrrio, ela ensina que o oficio pastoral uma vocao, um chamado de Deus com sua autoridade, suas responsabilidadesespecficas e suas bnos.3

    Observando a funcionalidade do corpo de Cristo, inclusive o exercciodo dom pastoral e de todas as demais atividades exercidas pelos salvos emsua caminhada, percebe-se que o exerccio funcional no interfere na condi-o sacerdotal em Cristo. possvel e necessrio observar pessoas servindocomo sacerdotes, sem, contudo destitu-las das funes em que foram colo-

    cadas pelo Esprito para crescimento do prprio corpo. Lutero restaurou a apstolo Paulo no Novo Testamento, observando o escrito apostlico quantoao funcionamento do corpo de Cristo e o servio sacerdotal de todos os crentes(Efsios 4 e 1Pedro 2):

    2 LUTERO, Martinho. nobreza crist da nao alem. Obras Selecionadas. So Leopoldo:Sinodal, v. 2, p. 283.

    3 VEITH JR., Gene Edward.Deus em ao. So Paulo: Cultura Crist, 2007, p. 15.

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    Da mesma forma como aqueles que agora so chamados de clrigos ou sacer-dotes, bispos ou papas, no so mais dignos ou distintos do que outros cristosseno pelo fato de deverem administrar a palavra de Deus e os sacramentos esta a sua ocupao e seu oficio... Mesmo assim todos so sacerdotes e bispos

    ordenados de igual modo, e cada qual deve ser til e prestativo aos outros noofcio ou ocupao, de modo que mltiplas ocupaes esto voltadas para umacomunidade, para promover corpo e alma, da mesma forma como os membrosdo corpo servem todos um ao outro.4

    possvel que o resgate desta doutrina bblica, atravs dos estudos e in-terpretaes bblicas feitos a partir de Lutero, tenha contribudo para o avano

    principalmente quanto ao crescimento espiritual dos crentes nos lugares maislongnquos da terra. A doutrina assume uma forma axiomtica nos documentos

    da Reforma. O Catecismo Maior de Westminster tambm mostra a plenitudedesse conceito quanto estabelece de forma clara a possibilidade e o dever dalivre leitura das Escrituras por todos os crentes:

    lerem a Palavra publicamente congregao, contudo os homens de todas ascondies tm obrigao de l-la em particular para si mesmos e com as suasfamlias; e para este fim as Santas Escrituras devem ser traduzidas das lnguasoriginais para as lnguas vulgares.5

    Esse o primeiro princpio a ser observado dentro da eclesiologia quanto vocao: todos os crentes so sacerdotes diante de Deus; qualquer outra adio

    princpio no concorrente, nem doutrinariamente incompatvel, com o ensinobblico da funcionalidade do corpo de Cristo por meio dos dons e ministriosdados soberanamente pelo Esprito Santo. Dentre outros, o Senhor concede Palavra e no ensino (1Tm 5.17).

    3. VOCAO PARA O MINISTRIO PASTORAL: ORIGEM E

    FINALIDADEO ministrio pastoral definido a partir da sua origem, Deus o iniciador

    do pastorado, ele o chamador. Toda capacitao para o exerccio do ministriopastoral tem por fim ltimo a glria de Deus atravs do cuidado com os eleitos,

    4 LUTERO, nobreza crist da nao alem, p. 284.

    5 Catecismo Maior de Westminster, Pergunta 156.

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    aqueles que sero alcanados na histria pela proclamao do evangelho (Jo17.20-21).

    Para Calvino, em suasInstitutas, a vocao era a condio inicial para -

    Para que no se introduzissem temerariamente homens inquietos e turbulentosa ensinar ou a governar, o que de outra sorte haveria de acontecer, tomou-se

    precauo expressamente a que algum no assuma para si oficio pblico na - (Hb 5.4); ento, que responda ao chamado, isto , empreenda e desempenhe asfunes a si conferidas.6

    Hodge faz exposio semelhante, no apenas apontando o carter es-piritual e interno da vocao, mas tambm as prerrogativas daquele que foichamado, sendo a principal delas a comunicao das boas novas a todas asnaes da terra, seguida da conduo do culto pblico, da administrao dossacramentos e do treinamento de novos oficiais, estendendo e perpetuando a 7Para Hodge, o trabalho evangelsticono ministrio pastoral ocupava a prioridade, sem conflitar com os demaisdeveres. Portanto, a exposio da Palavra sempre deveria possuir um carterevangelstico e dirigido aos no-convertidos.

    Em nossos dias, MacArthur definiu a vocao para o ministrio pastorala partir do chamado de Deus e da capacitao que os ministros recebem paraexercer o servio ministerial:

    Um chamado divino e inigualvel, concedido a homens eleitos por Deus para

    para este trabalho sentem-se indignos (1Tm 1.12-17) e desqualificados (2Co3.4-6) para tarefa to preciosa. Mas aos separados para o ministrio aplica-se oclamor do apostolo Paulo: temos, porm, esse tesouro em vasos de barro, para 8

    importante observar como, dentro da viso de MacArthur, a serieda-de e as responsabilidades do ministrio provm primeiramente do Deus quechama os seus ministros, seguida da misso que recebem. Quando a vocao

    6 CALVINO, Joo.As institutas da religio crist. 4 volumes. So Paulo: Casa Editora Presbi-teriana, 1985, Livro IV, p. 72.

    7 HODGE, Charles. Teologia sistemtica. So Paulo: Hagnos, 2003, p. 1288.8 MACARTHUR JR., John.Redescobrindo o ministrio pastoral. Rio de Janeiro: CPAD, 1999,

    p. 85.

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    ou a misso so suprimidas, corre-se o risco de desqualificar o ministrio pelafragilidade do vaso.

    aponta a realidade e visibilidade do exerccio do seu governo na vida dos cren-tes. A partir desse conceito podemos entender a existncia de oficiais, inclusiveministros da Palavra, e dos sacramentos e perceber que no existe conflitoentre a doutrina do sacerdcio universal dos crentes e o ministrio pastoral.

    -cido por oficiais sob delegao do povo, os quais, ao reconhecer o chamadodo Senhor atravs dos dons, confirmam tais oficiais em seus postos:

    -denciou para que este poder fosse exercido ordinria e especificamente por

    rgos representativos, separados para a manuteno da doutrina, do culto e por voto popular. Isto no significa, porm, que eles recebem a sua autoridadedo povo, pois o chamamento do povo apenas a confirmao do chamamentointerior feito pelo Senhor; e do Senhor que eles recebem a sua autoridade e aele so responsveis.9

    e de seu modelo funcional conforme o ensino das Escrituras. Vivenciou-se,

    estrutura milenar do clero romano e do papado, defendendo o sacerdciouniversal de todos os crentes e, de outro, mantm os princpios relevantes enecessrios, sobretudo bblicos, para o correto funcionamento do corpo deCristo. Nos reformadores encontramos o conceito especfico da vocao parao ministrio da Palavra, primeiramente em Lutero, que o defendeu da mculada fermentao do clero romano nos seguintes termos:

    A vocao no deve ser assumida levianamente, pois no o suficiente que umapessoa tenha conhecimento. Ele precisa estar certo de haver sido devidamente

    bom propsito, mas Deus no abenoa os seus labores. Eles podem ser bonspregadores, mas no edificam.10

    Parece-nos que, para o reformador, no havia possibilidade de atenderao ministrio sem a vocao reconhecida de forma interna e externa. dentrodessa perspectiva que toda a teologia pastoral formatada e vivenciada nas igre-

    9 BERKHOF, Louis. Teologia sistemtica. Campinas: Luz Para o Caminho, 1990, p. 1.289.10 LUTHER, Martin. Commentary on the Epistle to the Galatians. Grand Rapids, MI: Zondervan,

    1949, 1:1.

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    ordenadores ou eleitores, discernir e escolher sob a ao do Esprito quais instalados neste ofcio.14

    Em Baxter, a converso do pastor condio sem a qual no existe um -lizao dos no-convertidos no apenas uma evidncia desta converso, mas internos e externos da vocao para o ministrio pastoral:

    O homem que no for totalmente sincero como cristo, no poder estar apto -pouco serve para ser um ministro de Cristo o homem que no tem adequando e

    15

    possvel que as alegaes de Baxter sobre a necessria converso dos

    A iniciativa da vocao para o pastorado no pensamento desses telo-gos reformados do Senhor. O servo possui segurana quanto ao chamado medida que, de maneira autntica, experimenta a palavra inserida em suavida e em seu trabalho.16No podemos, porm, afastar a compulso interior, oconvencimento do Esprito na conscincia do vocacionado. Spurgeon escreveusobre isso nos seguintes termos:

    Se vocs no sentem o calor sagrado, rogo-lhes que voltem para casa e sirvama Deus em suas respectivas esferas. Mas se, com certeza, as brasas de zimbro 17

    Caminhamos para uma especificidade do ministrio pastoral partindo do

    ainda os ministros, aqueles que recebem a incumbncia de cuidar da transmis-so da Palavra, apresentar-se zelosos no cumprimento deste desiderato. Nessadinmica, para Veigh a vocao pastoral tem sua caracterstica particular dentro

    14 Ibid., p. 110.15 Ibid., p. 96, 97.16 CESAR, Klos Magalhes Lenz. Vocao. Viosa: Ultimato, 1997, p. 153.

    17 SPURGEON, Charles H.Lies aos meus alunos. So Paulo: PES, 1990, v. 2, p. 31.

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    A vocao do pastor realmente um oficio especial. No que ela tenha maismrito do que qualquer outra vocao. Deus age e tambm est escondido emoutras vocaes. Mas o oficio pastoral no serve apenas ao mundo, mas ao reinoespiritual de Deus. Cristo age no trabalho do pastor de modo libertador, graas

    palavra do pastor e s consequncias eternas do ministrio.18

    4. MINISTRIO PASTORAL: OBSERVANDO A VOCAOINTERNA E EXTERNA

    internas e externas da vocao para o ministrio pastoral, sendo um aspectofundamental aps a clara certeza da genuna converso do futuro ministro.Foi nessa convico que Charles Spurgeon (1834-1892) estabeleceu posicio-

    ministrio da Palavra. Para Spurgeon,Antes que um homem assuma a posio de embaixador de Deus, deve esperar

    pelo chamamento do alto. Ser pastor sem vocao como membro professo ebatizado sem converso... Estando seguro de sua salvao pessoal, deve investi-gar quanto questo subsequente da sua vocao para o ofcio; a primeira -lhevital como cristo, e a segunda lhe igualmente vital como pastor.19

    Nesta mesma perspectiva, Spurgeon enumera em seus ensinos os sinais davocao celeste,20 obra, associado com a aptido para ensinar e certa medida de outras qualidadesnecessrias ao oficio de instrutor pblico. No exerccio dos dons, preciso que

    poder concluir que cometeu um engano, e da poder retornar pelo melhorcaminho que puder encontrar. Spurgeon ainda especifica que a sua pregaodever ser aceitvel ao povo de Deus. Normalmente Deus abre as portas daelocuo para aqueles que ele chama para falarem em seu nome.

    Calvino, por algumas vezes em seus comentrios bblicos, aponta que ochamado de Deus deve ser considerado como situao inaugural para queum ministrio venha a ser reconhecido. Para conhecimento, apontamos dois

    momentos distintos, primeiro, no seu comentrio ao livro do profeta Jeremias:

    Ningum deve ser considerado um mestre legtimo, a no ser que demonstre

    18 VEITH,Deus em ao, p. 94.19 SPURGEON,Lies aos meus alunos, v. 3, p. 23, 24.

    20 Ibid.

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    pela escolha dos homens.21

    Nesse comentrio, Calvino no retira o aspecto interno do chamado para

    o ministrio, fazendo a mesma conexo com o aspecto externo. O reformadorno conecta o ministrio do pastor ao ministrio do profeta, no sentido inspiradoquanto s Escrituras, mas aponta as particularidades do ministrio pastoral emcomparao com o ministrio proclamador dos profetas. Posteriormente, em seucomentrio de 1 Timteo 3.1 (Fiel a palavra: se algum homem aspira ao 22), Calvino assim se expressa:

    -

    s podem, mas tambm devem fazer um espontneo oferecimento a Deus, desi prprios e do seu trabalho, mesmo antes de serem eles admitidos a algumoficio eclesistico.23

    A convico da vocao ministerial deve fazer parte do sentido existencial deve existir indelevelmente no corao do genuno ministro. Neste sentido, a

    busca de capacitao, aps o exerccio da piedade pessoal e do bom testemu-

    Martyn Lloyd-Jones contribui nesta direo quando aponta que, nahistria, a pregao sem a vocao e sem o preparo pastoral, a chamada

    prprio incremento da pregao leiga um efeito do arminianismo, que emltima anlise no oferece uma base teolgica segura e genuinamente bblica.Lloyd-Jones afirma: Eis a razo por que muitas denominaes evanglicasda atualidade so no-teolgicas.24No podemos afastar a compulso inte-rior nem o convencimento do Esprito na conscincia do vocacionado. Comovimos, Spurgeon escreveu sobre isso nos seguintes termos: Se vocs nosentem o calor sagrado, rogo-lhes que voltem para casa e sirvam a Deus em

    por dentro, no as apaguem.25

    21 Ibid.22 Traduo utilizada pelo prprio Calvino conforme o seu Comentrio das cartas pastorais. So

    Paulo: Edies Paracletos, 1998.23 Ibid., p. 82.24 LLOYD-JONES, D. Martyn. Pregao e pregadores. So Jos dos Campos, SP: Fiel, p. 73-87.

    25 SPURGEON,Lies aos meus alunos, v. 2, p. 31.

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    Assim, o chamado interno para o sagrado ministrio decorre de um amora Deus que crescentemente leva o vocacionado a amar as almas dos pecadores,inquietando-se pela ausncia de obreiros suficientes para fazer a colheita noseu momento da histria e vendo a cada ao dentro do tempo uma confir-mao gradual da sua vocao tanto na vitria sobre os obstculos quanto na

    percepo genuna da grandeza da sua vocao.O chamado para o sagrado ministrio clarificado na caminhada histrica

    -pos, principalmente a fonte de teologia prtica que est nos dirios de muitospastores. Percebe-se que os vocacionados para o ministrio eram homens quetinham a convico do chamado para o ministrio sagrado, que dedicaram suasvidas para atender a este chamado e que experimentaram a graa de Deus nafrutificao do chamado na vida de outros servos de Deus. Em dois momen-

    tos de seu dirio, Simonton aborda claramente o seu chamado para o sagradoministrio, consciente da soberania de Deus:

    vontade clara me indicar o ministrio, para l irei com alegria e zelo. Mas se

    por sua providncia essa estrada estiver fechada, aceitarei e lembrarei que em 26

    No batismo fui consagrado a esse ministrio; em toda a minha vida tive convicode ser responsvel pelo cumprimento dos votos de meus pais e secretamente (pois

    que possa cumprir esta promessa... Outra coisa que reforou meu sentimentofoi o interesse de outros, que expressaram a certeza de que, afinal, eu me deci-diria pelo ministrio: os de casa, amigos e at estranhos. Pois se agora concluirser meu dever e privilgio cumprir tantas expectativas, aceitarei alegremente que for (do ponto de vista mundano) para optar pelo ministrio contanto que 27

    Alm da convico interna do chamado para o ministrio necessrio

    -mado atravs dos dons, habilidades e testemunho do futuro ministro, reconheceo seu chamado. Quanto a este elemento tambm importante e indispensvel,observemos o que escreveu Veith:

    26 SIMONTON, Ashbel G.Dirio. So Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1980, p. 98. Simonton,missionrio americano, pioneiro presbiteriano no Brasil. Chegou ao Rio de Janeiro em 1859, plantando

    27 Ibid., p. 97.

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    comunitrias e coorporativas; sempre o chamado ultrapassa o prprio indivi-

    primeiramente na conscincia pessoal do vocacionado, acontece tambm no

    eclesistico e neste o ministrio pastoral. Esse mesmo chamado assistido pela o concilio responsvel pela publicidade e legalidade do exerccio vocacionalapenas sanciona aquilo que foi confirmado na conscincia do vocacionado e noconvvio com a comunidade local.28

    Berkhof tambm partilha dessa teologia, apontando que o candidato deve 29Strong aponta de forma mais direta que o candidato ao pastorado deve ser per-

    30Nessa perspectiva, Strongmenciona o modo como John Wesley avaliava os candidatos a pregadores deseu tempo, zelando sempre para que a converso, a certeza do chamado e osfrutos do trabalho estivessem presentes na vida do futuro ministro desde oincio do processo de seu ministrio:

    1) Ser que voc conhece a Deus como um Deus perdoador? Ser que voc tem

    e nada mais em sua vida? Ser que voc santo em toda a sua conversao? 2)Ser que voc possui os dons para o trabalho e compreende claramente o que que voc tem concepo clara da salvao pela f e claramente pode discernircomo ensinar isso aos homens? 3) Ser que voc tm frutos (convertidos)? Hverdadeiramente algum que foi convencido do pecado e convertido a Deusatravs de sua pregao?31

    A busca dos elementos internos da vocao que motivam ao servio deevangelizao ao longo dos anos foi sendo diluda, atribuindo-se ao ministrio

    pastoral uma perspectiva de ensino bblico que no fosse missionria e de umaevangelizao que no fosse doutrinria.

    28 VEITH,Deus em ao, p. 97.29 BERKHOF, Teologia sistemtica,

    supervisionar, o treinamento das sucessivas geraes de seus mestres e pastores.30 STRONG, Augustus H. Systematic theology. 36 ed. Valley Forge: Judson Press, 1996, p. 919.

    31 Ibid., p. 220.

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    5. UMA PROPOSTA REFORMADA PARA O DESENVOLVIMENTODA VOCAO MINISTERIAL

    aferir o chamado dos futuros ministros. Eles vo desde processos mais simples,como a avaliao de habilidades quanto aos dons espirituais, a mais comple-xos, como avaliaes de perfil e outras elaboradas a partir do conhecimentoteolgico adquirido, acumulado e processado ao longo do treinamento pastoral. -o para o sagrado ministrio. Todo processo de avaliao deve ser elaboradoa partir da premissa de que o Senhor quem chama, capacita e envia os seus

    Um dos problemas no trabalho pastoral a definio clara, cultural e es- conciliar ou hierrquico.

    Para Calvino, a vocao ministerial essencialmente evangelstica, talcomo foi na vida do apstolo Paulo. A preocupao do ministro com a salva-o dos incrdulos e com a daqueles que lhe foram confiados apontada nocomentrio de 1 Timteo 4.16:

    O zelo dos pastores ser profundamente solidificado quando forem informadosde que tanto sua prpria salvao quando a de seu povo dependem de sua sriae solcita devoo ao seu ofcio... No deve causar estranheza que Paulo atribua so salvos, e por meio da pregao do evangelho que somos unidos a Cristo. E 32

    Calvino no receia em apontar a responsabilidade evangelstica do mi-nistro como algum que foi moldado por Deus e que, atravs do exerccio do como uma exclusividade de Deus, contudo aponta o trabalho pastoral comoo meio pelo qual o Esprito Santo age nos homens a quem Deus salvou em em Calvino quando ele escreve:

    Pois assim como a salvao de seu rebanho a coroa do pastor, assim tambmtodos os que perecem sero requeridos das mos dos pastores displicentes. Diz-seque um pastor salva a si mesmo quando ele obedece a sua vocao, cumprindo

    32 CALVINO, Comentrio dascartas pastorais, p. 126.

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    o qual o Senhor ameaa pela boca de Ezequiel: Seu sangue o requerei de tuasmos (33.8), mas porque costumeiro falar aos crentes como que conquistandosua salvao, permanecendo no curso de sua salvao.33

    A ao pastoral no pode ser vista como mera atitude humana ou profis-sional, mas como o cumprimento da vontade de Deus atravs de instrumentosseparados para se dedicarem exclusivamente edificao do seu povo e annciodo seu evangelho aos no convertidos. Assim Baxter enumera quatro pecadoscostumeiros na vida dos ministros de sua poca: orgulho, falta de dedicao aosestudos, falta de sinceridade e de vigor nas pregaes e ausncia de compaixocom os pobres das congregaes.34

    Para Baxter, o propsito do ministrio a edificao do mundo, salvando-oda ira de Deus, aperfeioando a criao, alcanando os fins da morte de Cristo.

    Ele diz:

    Salvar a ns mesmos e a outros da condenao, vencer o diabo e derrotar seureino, estabelecer o reino de Cristo e alcanar os outros para o reino da glria...Ser pastor no nos confere a posio sobre um pedestal, tal como dolos diantedos quais as pessoas se curvam, nem um lugar para os boas-vidas indolentesque vivem para os prazeres da carne.35

    Baxter via o ministrio como o cuidado espiritual dos crentes e a evange-lizao dos no crentes. Este um conceito que pode ser restaurado em nossos

    dias, uma vez que o cuidado espiritual dos crentes caminha desassociado daevangelizao dos no convertidos. No cuidado especial dos crentes estavamincludos o cuidado das famlias e a prtica dos princpios do evangelho:

    No veremos grandes reformas at que obtenhamos a reforma na famlia. Po-der haver um pouco de religio aqui e ali, mas enquanto as transformaesestiverem restritas a pessoas particulares, e no forem promovidas nas famlias,no prosperaro nem produziro frutos.36

    Quanto evangelizao dos no crentes por meio do ministrio pastoral,

    ele escreveu:Irmos, se a salvao das almas for realmente a sua misso para a glria de Deus, todos os esforos para alcanar o alvo de Cristo. Indagaro a si mesmos tantoem relao ao dinheiro do bolso quanto em relao s palavras da boca: Como

    33 Ibid., p. 126-127.34 BAXTER,Manual pastoral do discipulado, p. 119-128.35 Ibid., p. 93, 105.

    36 BAXTER,Manual pastoral do discipulado, p. 83.

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    entregarei tudo isso para o maior bem, em especial pelas almas dos homens?Ah! Se este fosse o seu esforo dirio como usar para a glria de Deus asriquezas, as amizades e tudo mais que possuem da mesma maneira como dese-

    ministros exceto quando estiverem pregando. Nesse caso, no sero dignos dorespeito devido aos ministros de Cristo.37

    Entende-se a partir de Baxter que a sinceridade e fidelidade ao cha-mado devem ser demonstradas no apenas no ato voluntrio de atenderao chamado do Senhor, mas tambm na expresso da verdade que deve semanifestar na vida do ministro como consequncia visvel, perceptvel na

    principal a transmisso do evangelho.

    Escrevendo sobre a compreenso de Calvino acerca do ministrio, Whitlockentendeu que o reformador estava convencido de que o ministrio pastoral no

    poderia ser separado da eclesiologia:

    Deus usa o seu ministrio para continuar o trabalho que Deus comeou. Calvino tradio protestante.38

    Argumentando nessa direo, Whitlock faz uma conexo do pensamentode Calvino sobre o trabalho do ministro como proclamador da Palavra de Deuse sua utilizao por Deus para a execuo dessa tarefa:

    Considerando que Deus no habita entre ns de forma visvel, ele usa o minis-trio de homens para declarar abertamente sua vontade, transferindo-lhes o seudireito e honra, servindo suas bocas apenas para que ele possa fazer seu prpriotrabalho como um operrio utiliza uma ferramenta para fazer o seu trabalho.39

    Ainda para Whitlock, Calvino pontua a sua admirao ante a sublimidade

    e seriedade do ministrio sagrado quando discorre sobre a mais alta honra eestima, e como a mais excelente de todas as coisas, sendo formosos os psdaqueles que anunciam boas novas, como afirmou o profeta Isaas (52.7)e como mostrou o nosso Senhor, chamando os seus de sal da terra e luz domundo (Mt 5.13-14):

    37 Ibid., p. 47.38 WHITLOCK, From call to service, p. 31.

    39 Ibid.

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    E esse ofcio no poderia ser mais esplendidamente adornado do que quando 40

    Segundo Whitlock, a aplicao para os nossos dias do pensamento deCalvino quanto ao ministrio pastoral direcionada a partir da conexo entreo ministrio e a preocupao com a salvao dos crentes por meio da pregaodas Escrituras Sagradas, tanto no plpito quanto fora dele.

    Esse pensamento de Calvino acolhido por Baxter, que estendeu oministrio pastoral para alm dos limites do cuidado do rebanho para incluira responsabilidade direta da evangelizao dos no-convertidos atravs dacomunicao da verdade do evangelho s mentes e da correta exposio das

    verdades da cruz vontade humana. Ele discorre sobre 17 bnos do oficiopastoral, iniciando com os frutos da evangelizao dos no convertidos pormeio da exposio das Escrituras.

    A primeira delas ser um meio de esperana para a evangelizao, porqueune dois grandes aspectos que levam converso de almas primeiro informaa mente sobre os princpios essenciais da religio e segundo a mudana davontade por meio da eficcia da verdade. A correta proclamao do evangelhosatisfaz a ambos os aspectos. A informao do entendimento necessria paraque a totalidade de Cristo se fixe na memria.41

    Baxter segue mencionando a veracidade do ministrio sendo aferida pelo

    Se verdadeiramente somos ministros de Cristo, ansiaremos pelo aperfeioamento

    permitir nosso tempo de colheita, e tal como na ceifa em dias de sol aps umaestao chuvosa, a preguia nos parecer indesculpvel e irracional... Se formoscooperadores de Cristo, trabalhemos e no negligenciemos as almas pelas quaisele morreu. Lembrem-se quando estiverem conversando com um no-convertidode que os senhores tm a oportunidade de participar da ocorrncia da salvao de

    42

    A fundamentao de Baxter quanto responsabilidade do ministro naevangelizao dos no-convertidos proporcional sua preocupao como crescimento ou capacitao dos santos. Ele considerava a exposio dasEscrituras, tanto pblica quanto particular, como um exerccio do ministrio

    40 Ibid.41 BAXTER,Manuel pastoral do discipulado, p. 151s.

    42 Ibid., p. 153.

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    pastoral. Em Baxter, natural, singular e costumeira a prtica da evangelizaodos no convertidos. Ele expe o mtodo que considerava o mais adequado

    para a transmisso do evangelho:

    Tenho convico do poder e da eficcia da pregao pblica do evangelho; um meio bblico e excelente para alcanar a muitos. Mas tal efetividade serfrustrada quando isolada da pregao em particular. Por mais que um pregador o alimento recebido.43

    Tambm Mark Coppenger, em seu ensaio Livrando-nos da profissiona-lizao, organizado e publicado por John Armstrong, ensina que os pastores,como guias, devem conduzir o povo de Deus de maneira prxima, frequentee considervel, orientando-o atravs da instruo e auxiliando-o nas grandes e

    pequenas dificuldades por que passa. Para tanto, devem os ministros gastartempo neste pastoreio do rebanho.

    Ele continua:

    dever do pastor, amar, alimentar, resgatar, cuidar, confortar, guiar, vigiar eguardar as ovelhas. No dever do pastor impressionar outros pastores e ganharsua aclamao. Tambm no seu dever procurar ou manter aumentando suafortuna. Tambm no seu dever proteger pastores que negligenciam alimentar,resgatar, cuidar, confortar, guiar, vigiar e guardar suas ovelhas. Se o pastorado

    se tornar profissionalizado, essas confuses de dever se tornaro uma ameaa.44

    Somente aps clarificar a responsabilidade daqueles que so chamadospara o ministrio de exercerem a prtica de evangelizao como parte do seuministrio que Baxter insere a prtica da evangelizao por todos os crentes,sem, contudo, em nenhum momento, diminuir a responsabilidade pastoral:

    Todo cristo chamado e designado para cumprir a ordem de Jesus, segundo aGrande Comisso. Contudo, os pastores tem dupla obrigao, pois foram sepa-rados para ministrar o evangelho de Cristo e deveriam se dedicar integralmente

    a esta obra. No seria preciso enfatizar mais a questo da nossa obrigao, poisconhecemos a importncia do chamado para sermos cooperadores de Deus naobra de converso de nosso povo. Somos instados, por Deus, a fazer tudo o queestiver ao nosso alcance para a realizao da nossa vocao. Espero no haverentre ns quem duvide de que os incrdulos tenham necessidade de converso.Quanto aos meios necessrios para esse mister, a experincia comprova o que

    43 Ibid., p. 173.44 COPPENGER, Mark. Livrando-nos da profissionalizao. In: ARMSTRONG, John (Org.).

    O ministrio pastoral segundo a Bblia. So Paulo: Cultura Crist, 2007, p. 57.

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    a Escritura diz, acima de qualquer dvida, que devemos ensinar publicamentee tambm de casa em casa (Atos 20. 20).45

    Baxter coloca a evangelizao como realizao da nossa vocao como

    eleitos e descarta a possibilidade de um cristo verdadeiro duvidar da neces-sidade de converso daqueles que ainda no foram convertidos pelo EspritoSanto atravs do evangelho. Na literatura pesquisada de Baxter, encontramos

    preferencialmente a expresso no-convertidos a pagos ou incrdulos.Esse um posicionamento que pode ser considerado um divisor de guas narealidade ministerial do Brasil.

    Para Mark Dever, o pastor deve impulsionar o crescimento evangelstico chama de uma cultura de fidelidade, com relacionamentos e amizades entre os

    evangelizao dos no crentes, utilizando espaos e momentos como nos cultosprincipais, mas tendo a pregao expositiva como a principal ferramenta paraa evangelizao dos no-convertidos.46

    6. MINISTRIO PASTORAL: PERIGOS E ARMADILHAS

    possvel que o primeiro e talvez o mais grave perigo para o ministrio -rio pastoral residia em sua secularizao: a admisso ou permisso de que ministro. Ele assim a definiu:

    Se (os pastores) buscam vantagens seculares, adaptam-se aos poderes secu-lares; se buscam o aplauso popular, adaptam-se ao partido mais popular da diversidade de opinies sobre muitos aspectos. Contudo, se o poder secularou eclesistico vai de um lado, a maioria dos pastores tende a segui-lo, semmuito exame crtico.47

    do prprio Senhor do ministrio esteve, algumas vezes, no corao de muitosministros. Desde a confeco do bezerro de ouro no deserto, ou a pluralidadede funes conciliares ou ainda a busca de reconhecimento por parte doestado de ttulos acadmicos que de fato so honorficos dados queles quedemonstram dons espirituais, apontam indcios e evidencias de secularismo no

    45 BAXTER,Manual pastoral do discipulado, p. 172.46 DEVER, Mark E. O sucesso pastoral no ministrio evangelstico. In: ARMSTRONG, John

    (Org.). O ministrio pastoral segundo a Bblia. So Paulo: Cultura Crist, 2007, p. 247-270.

    47 BAXTER,Manual pastoral do discipulado, p. 129.

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    ministrio pastoral. Para Peterson, toda vez que o ministro perde o essencialno trabalho evangelstico e abandona este essencial por qualquer outra coisa,a sua vocao diminuda e o valor do seu ministrio reduzido.48

    A vocao pastoral possui diversos inimigos, sendo a secularizao doministrio o mais tenebroso dardo do maligno contra os pastores. Este consegueafastar a conscincia do chamado medida que seculariza o pastorado. ParaBaxter, a tratativa da teologia como uma disciplina cientfica corroa a essnciada vocao e separava a realidade transcendente do chamado para o ministrio,fazendo do pastorado um trabalho como outro qualquer, ignorando o trato comas Escrituras e com os sacramentos como boca de Cristo aos seus eleitos paraedificao e sentena do Supremo Juiz para condenao dos mpios.

    Para ele, no se deve tratar a teologia apenas como uma disciplinaacadmica. Se os instrutores das faculdades e universidades se ocupassem

    principalmente em familiarizar os seus alunos com a doutrina da vida, e setrabalhassem para coloc-la em seus coraes, isso seria um meio feliz para fazem leitura de teologia como filsofos como se fosse uma coisa no maisimportante que uma lio de msica ou de aritmtica, e no a doutrina da vida

    porque temos tantos pregadores mundanos a apregoar uma felicidade invisvele tantos homens carnais a declarar os mistrios do Esprito.49

    teologia extrapolava as possibilidades acadmicas seria, de fato, transcendentee no coexistiria como uma cincia da religio, mas superaria as expectativashumanas por se tratar de coisas inerentes ao Esprito de Deus. Por esta razo,as expectativas do ministrio faziam florescer frutos no reino de Deus:

    Se o interesse secular mundano no prevalecesse contra o interesse de Cristo contribuindo mais com os seus bens para a glria de Deus... Se os homens viremque o pregador est envolvido na realizao de boas-obras mais facilmente crerona bondade e honestidade daquele que os persuade para o bem.50

    Peterson analisa no mesmo sentido, aplicando a verdade da Escriturae a realidade da histria, buscando afugentar os perigos da secularizao do

    48 PETERSON, Eugene.A vocao espiritual do pastor. So Paulo: Mundo Cristo, 2006, p. 14,15.

    49 BAXTER,Manual pastoral de discipulado, p. 42.

    50 BAXTER, O pastor aprovado, p. 127.

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    A vocao pastoral interpretada pela congregao como o trabalho de supriras necessidades religiosas das pessoas no momento em que so solicitadas, aomelhor preo possvel; no aspecto eclesistico, significa satisfazer essas mes-mas necessidades rpida e eficientemente. Essas condies reduzem a vocao

    pastoral simples economia da religio, arrasta-a a uma competitividade ine-xorvel e a entregam nas mos de peritos em relaes pblicas e especialistasem marketing.51

    Outro perigo que o ministrio pastoral corre o da preocupao com osresultados numricos ou mensurveis. Entendemos que os resultados oriundos queo crescimento vem de Deus(1Co 3.6).Nesse sentido imperativo que

    condutor das verdades do evangelho contidas nas Sagradas Escrituras. Veithassim se expressou quanto seriedade da vocao pastoral:

    tem um contedo especfico e no pode ser reduzida a apenas conduzir umainstituio... As vocaes no devem ser confundidas, e agir fora do mbito de -cialmente pregar o evangelho, apascentar as ovelhas de Cristo, estudar e ensinara Palavra de Deus, sero particularmente abenoados quando perceberem que Cristo quem est ministrando por intermdio deles.52

    Finalmente, importante estabelecer que o ministrio pastoral se diferen-cia das demais vocaes em, pelo menos, trs sentidos. Ele no se baseia nastendncias de mercado, no busca uma realizao profissional ou um planode carreira, nem to pouco um processo de concorrncia com os demaisvocacionados.53 O ministrio, na viso de Peterson, est relacionado comum envolvimento com a sublimidade da orao, com a leitura das Escriturase com o aconselhamento pastoral. No primeiro, temos a devoo pessoal e

    particular do pastor e o seu trabalho de intercesso pelo rebanho; no segundo,

    51 PETERSON,A vocao espiritual do pastor, p. 15.52 VEITH,Deus em ao, p. 97.53

    ministerial nos seguintes termos: o chamado para o ministrio diferente em, pelo menos, trs sentidos:(1) no se baseia em tendncias, mas no chamado de Cristo mediante o conhecimento de sua vontade e pessoal, mas uma posio de servio que requer abnegao e transformao do carter; e (3) implica nocumprimento exemplar de obedincia Palavra de Deus em todo o processo de crescimento espiritual,na capacitao e habilidade para a pregao e no cuidado pblico e individual. Como disse Paulo, o

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    o seu envolvimento com a pregao e o ensino das Escrituras e, no terceiro, oseu envolvimento com as pessoas e a aplicao dos dois primeiros.

    Peterson ergue um clamor: o retorno dos pastores origem do seu cha-mado, aos primrdios de sua vocao, aos melhores dias de sua convivnciacom o Senhor que os encontrou e os fez pastores de suas ovelhas.

    Os pastores esto abandonando seus postos, desviando-se para a direita e para a seus salrios, o nome deles ainda consta no boletim dominical e continuam asubir ao plpito domingo aps domingo. O que esto abandonando o posto, ochamado.Prostituram-se aps outros deuses. Aquilo que fazem e alegam serministrio pastoral no tem a menor relao com as atitudes dos pastores quefizeram a histria nos ltimos vinte sculos.54

    A dedicao exclusiva ao pastorado uma exigncia inarredvel da vo- -nho do Senhor nas mos de um pastor. No h como dividir o seu cuidado comnada mais. Mais do que nunca, em qualquer poca ou tempo, importante olhar

    55A

    empolgante dos desafios e o mais excelente dos alvos, pastores que no sedobrem diante dos perigos da vocao, mas que aguardem a manifestao doSupremo Pastor (1Pe 5.4).

    CONCLUSO

    At aqui pudemos observar que a teologia reformada admite a vocao corpo. Tambm possvel concluir, observando a teologia reformada, que ocrescimento do corpo de Cristo atravs do ministrio pastoral est conectado

    com o trabalho evangelstico desenvolvido pelo ministro, sendo esta conexouma evidncia externa da vocao para o ministrio da palavra. Por fim pos-svel observar que o dom pastoral, ao ser exercitado pelo pastor e reconhecido

    ministro, sendo o secularismo do ministrio o mais difcil dos perigos a serenfrentado pelo pastor independentemente de sua idade ou tempo de minist-

    54 PETERSON, Eugene. Um pastor segundo o corao de Deus. Rio de Janeiro: Textus, 2001, p. 1.55 PETERSON, Eugene H.; DAWN, Marva J. O pastor desnecessrio. Rio de Janeiro: Textus,

    2001, p. 16 e 214.

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    rio. Esse grave perigo pode sufocar o ministrio pastoral em qualquer tempoou lugar, afastando o pastor da Grande Comisso atravs do relativismo, do

    Assim, ocorre o relativismo missionalou a fragmentao do evangelho,

    sua diluio e at desqualificao para atender s necessidades da sociedade,retirando o confronto do pecador com seus pecados e com a cruz do Redentor,com a ressurreio corprea e histrica do Senhor Jesus Cristo, anulando aautoridade das Sagradas Escrituras, infalveis, inerrantes e plenamente inspi-radas por Deus. Em nome da relevncia se perde o contedo transformador doevangelho, oferecendo-se apenas a sua diluio sem o Cristo vivo. Observa-setambm opragmatismo missionalou a busca do crescimento a qualquer custoe sob qualquer bandeira, perdendo-se a direo soberana do Esprito Santo ea qualificao do povo mediante dons e ministrios dados pelo Esprito, e no

    pelas perspectivas das cincias sociais. E por fim h um subjetivismo missionalou a troca do treinamento, da capacitao dos vocacionados, por estratgiasmercadolgicas, tornando-se a seleo um processo de mercado e no umamarca indelvel do Esprito.

    ABSTRACT

    This article seeks to analyze the doctrine of calling, mainly from theperspectives of John Calvin and Richard Baxter. It starts from the presupposi-tion that, in some aspects, the pastoral calling can be studied as analogous to

    the calling of the prophets in the Old Testament and the apostles in the NewTestament. The main points of contact are the use of Gods Word, the impulseof the Holy Spirit as the one who applies the Word, both in the past and in the

    present, and the dealings with the people of God as the recipients of GodsWord as it is taught and proclaimed. The author looks for connections betweenthe pastoral ministry and the fulfillment of the Great Commission, ascribingto ministers the direct responsibility of evangelizing the unconverted as anexternal evidence of their pastoral calling. Finally, he points to some dangersand traps in pastoral ministry in the present time.

    KEYWORDSMinister; Calling; Pastoral calling; Spiritual gifts; Universal priesthood

    of the saints.

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