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 FILOSOFI A P ARA O ENEM UNIDADE I – As escolas filosóficas gregas Parte I - Do mito ao logos.  A busca pela essência: As escolas pré- soc ráticas  Depois de um período marcado pelo iletramento e pela economia agrária, entre os séculos XII e VIII a.C., a Grécia volta a se relacionar com outros povos mediterrâneos. O florescimento do comércio, a retomada da economia monetária, o crescimento das cidades-Estado, e o contato cada vez maior com fenícios, lídios, cretenses e egípcios foram de suma importância para o sur gimento da Filosofia.  A cidade grega de Mileto ficava no litoral jônico e era uma ativa encruzilhada de negócios e comércio. É ali, na passagem do século VII a.C. para o VI a.C. que aparecerão os primeiros filósofos gregos. Tales de Mileto (623 a.C. - 558 a.C.) "Nem sempre muitas palavras indicam muita sabedoria" “Todas as coisas são feitas de água”. Essa é, possivelmente, a primeira afirmação filosófica da história. Sábio conhecedor da astronomia, da geometria e da economia, sua importância maior para a filosofia é, além de ter sido o primeiro filósofo grego, a de ter estabelecido a principal preocupação da filosofia naquele período: a indagação a respeito da essência das coisas. Anaximandr o (610 a.C. - 547 a.C.) “T odos os seres derivam de outros seres mais antigos por t ransformações sucessivas” Inventor e homem prático, acredita-se que Anaximandro tenha sido o primeiro cartógrafo da hi st ór ia. T amm na scido na ci da de de Mi leto, Anaximandr o dis co rdav a da te oria cosmológica de Tales: para ele, a substância primária de que são feitas as coisas não poderia ser uma das suas próprias formas especiais. Deveria ser algo mais fundamental. Como todas as formas da matéria estão em eterna luta (quente contra frio, úmido contra seco, escuro contra claro), se tudo fosse feito de uma dessas formas, ela se sobreporia às outras. Sendo assim, estivesse Tales correto, o caráter úmido da água teria já eliminado o conceito de “seco”. Anaximandro imagina assim uma espécie de fluído universal, que ele chama de Ilimitado (apeiron) : uma reserva infinita de material que se estende em todas as direções. Dele surge o mundo e a ele retornará no final. Anaxímenes (588 a.C. - 524 a.C.) “O ar é divino. É do ar que tudo deriva: deuses, seres, coisas” Para este filósofo milésio (isto é, de Mileto), as coisas do mundo se originaram de processos de condensação e rarefação do ar. Para ele, o ar é a substância de que é feita a alma (pont o de vista mais tarde adotado pelos pitagóricos) e toda a matéria.  Marcelo Mangini Página 1

Filosofia Para o ENEM - Por Mangini

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    UNIDADE I As escolas filosficas gregas

    Parte I - Do mito ao logos.

    A busca pela essncia: As escolas pr- socrticas

    Depois de um perodo marcado pelo iletramento e pela economia agrria, entre os sculos XII e VIII a.C., a Grcia volta a se relacionar com outros povos mediterrneos. O florescimento do comrcio, a retomada da economia monetria, o crescimento das cidades-Estado, e o contato cada vez maior com fencios, ldios, cretenses e egpcios foram de suma importncia para o surgimento da Filosofia.

    A cidade grega de Mileto ficava no litoral jnico e era uma ativa encruzilhada de negcios e comrcio. ali, na passagem do sculo VII a.C. para o VI a.C. que aparecero os primeiros filsofos gregos.

    Tales de Mileto (623 a.C. - 558 a.C.)"Nem sempre muitas palavras indicam muita sabedoria"

    Todas as coisas so feitas de gua. Essa , possivelmente, a primeira afirmao filosfica da histria. Sbio conhecedor da astronomia, da geometria e da economia, sua importncia maior para a filosofia , alm de ter sido o primeiro filsofo grego, a de ter estabelecido a principal preocupao da filosofia naquele perodo: a indagao a respeito da essncia das coisas.

    Anaximandro (610 a.C. - 547 a.C.)Todos os seres derivam de outros seres mais antigos por transformaes sucessivas

    Inventor e homem prtico, acredita-se que Anaximandro tenha sido o primeiro cartgrafo da histria. Tambm nascido na cidade de Mileto, Anaximandro discordava da teoria cosmolgica de Tales: para ele, a substncia primria de que so feitas as coisas no poderia ser uma das suas prprias formas especiais. Deveria ser algo mais fundamental. Como todas as formas da matria esto em eterna luta (quente contra frio, mido contra seco, escuro contra claro), se tudo fosse feito de uma dessas formas, ela se sobreporia s outras. Sendo assim, estivesse Tales correto, o carter mido da gua teria j eliminado o conceito de seco. Anaximandro imagina assim uma espcie de fludo universal, que ele chama de Ilimitado (apeiron): uma reserva infinita de material que se estende em todas as direes.

    Dele surge o mundo e a ele retornar no final.

    Anaxmenes (588 a.C. - 524 a.C.)O ar divino. do ar que tudo deriva: deuses, seres, coisas

    Para este filsofo milsio (isto , de Mileto), as coisas do mundo se originaram de processos de condensao e rarefao do ar. Para ele, o ar a substncia de que feita a alma (ponto de vista mais tarde adotado pelos pitagricos) e toda a matria.

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    Enquanto a Jnia, marcada pelo intenso comrcio, desenvolvia uma filosofia mais prtica, cujo propsito central era estudar a natureza fsica das coisas. Em contrapartida, nas ilhas do Egeu era grande a influncia rfica (orfismo, a religio que mais crescia na regio, pregava uma vida mais feliz depois da morte, defendia a reencarnao e criava o conceito de pecado, pregando a necessidade de uma vida de renncia aos prazeres fsicos). de uma dessas ilhas, a ilha de Samos, que vir um dos maiores filsofos do perodo: Pitgoras.

    Pitgoras (571 a.C. - 497 a.C.)A Evoluo a Lei da Vida, o Nmero a Lei do Universo

    Educai as crianas e no ser preciso punir os homens

    O mais conhecido filsofo pr-socrtico foi o primeiro pensador a estabelecer a relao entre a matemtica e a msica. Uma das metas da escola pitagrica era encontrar a equao matemtica que estabelecia a harmonia musical que regia o universo. Assim, em Pitgoras que a matemtica se desvincula das questes prticas. A abordagem abstrata da matemtica est relacionada diretamente ao carter mais religioso da sociedade insular (Ilhas do Egeu) e da concepo pitagrica de que o mundo se constitui de nmeros. Para Pitgoras, uma vez descoberta a estrutura numrica que constitui todas as coisas, controlaremos o mundo e compreenderemos a harmonia universal.

    Herclito (535 a.C. - 475 a.C.)"Da luta dos contrrios que nasce a harmonia

    Combinando as ideias de Anaximandro (as formas da matria esto em eterna luta) com as de Pitgoras (especialmente, a noo de harmonia), o filsofo Herclito, da cidade de feso, o seguinte na linha da tradio filosfica. Para este filsofo jnio, conhecido por ser enigmtico, pouco compreensvel, o mundo real resultado de um equilbrio, uma afinao, de tendncias antagnicas. Essa afinao no evidente o que sobressalta aos olhos dos homens a luta entre os opostos, e no a harmonia que mantm a estrutura do mundo e permite a luta. Seguindo a tradio de Mileto, Herclito busca compreender a essncia do mundo: para ele, o fogo a forma fundamental de que todas as coisas so feitas. A mais famosa frase de Herclito, no se pode entrar no mesmo rio duas vezes, sintetiza o

    pensamento do filsofo efsio: a ideia de que todas as coisas esto em constante transformao, em constante movimento.

    A colonizao grega no sul da Itlia, na regio conhecida como Magna Grcia, esteve diretamente relacionada consolidao da filosofia. Pitgoras, que nasceu em Samos, no Egeu, viveu na Itlia boa parte de sua vida, numa colnia chamada Crotona. Outro filsofo grego que viveu (e nasceu) no sul da Itlia foi Parmnides. Natural da colnia de Eleia, fundou uma escola filosfica que ficou conhecida como eletica. Ele foi o primeiro filsofo a se contrapor s teorias que procuravam estabelecer o princpio de todas as coisas, a essncia.

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    Parmnides (530 a.C. - 460 a.C.)o pensar e o ser so a mesma coisa

    A crtica desse filsofo aos seus predecessores partia da afirmao de que quando se afirma que tudo feito de alguma matria bsica, fala-se, ao mesmo tempo, do espao vazio como sinnimo da ausncia da matria. Parmnides diz que a matria o que . O espao vazio, portanto, no . Falar sobre o espao vazio, at mesmo imaginar o espao vazio, tratar o que no como se fosse. Para ele, o mundo est cheio de matria: o espao vazio no existe. Em ltima instncia, o mundo de Parmnides uma esfera material, uniforme, slida e finita, sem tempo, movimento nem mudana. Se a nossa percepo do mundo prova o contrrio, devemos

    descartar a experincia sensorial como ilusria.

    Zeno (490 a.C. - 430 a.C.)"No correto est o incorreto e no falso tambm o verdadeiro"

    Discpulo e conterrneo de Parmnides, Zeno ficou mais conhecido pelo ataque s doutrinas materialistas que procuravam se contrapor s ideias da filosofia eletica. Sua argumentao, apoiada no mtodo dialtico, normalmente partia de uma determinada suposio para chegar a duas diferentes concluses contraditrias entre si. Desta forma, ele demonstrava que o conjunto de concluses, mais que falso, era impossvel. Exemplo disso so os paradoxos do movimento, criados para atacar a teoria dos pontos infinitos dos pitagricos.

    O Paradoxo de Aquiles e a tartarugaSe Aquiles e uma tartaruga apostaremcorrida, dandose qualquer vantagem tartaruga,oherigregojamaisaalcanar.Suponhamos que a tartaruga percorra 10metros de vantagem. A partir da, Aquilescomeaacorrer.Quandoeletiveralcanadoopontoemqueestavaatartaruga,elajterpercorridomaisalgumadistncia.EnquantoAquilespercorreessanovadistncia,atartarugajsemoveueestfrentedeAquiles.Eassimsucessivamente,oespaoquedistanciaosdoissercadavezmenor,Aquileschegarmaisemaispertodamalditacriaturamasnuncaaalcanar.

    Empdocles (495 a.C. - 435 a.C.)Nada pode surgir do que no , bem como o que no pode converter-se em nada"

    Seguidor da teoria eletica, esse filsofo de Agrigento procurou unir a ideia de Parmnides sobre o carter eterno e imutvel das substncias ao preceito pr-socrtico da necessidade de se buscar a essncia do universo. Para ele, o mundo feito no de um elemento bsicos, mas de quatro elementos: terra, fogo, ar e gua. Alm dessas substncias fundamentais, duas outras exercem o papel de princpio ativo que une e divide os quatro elementos: respectivamente, o amor e o dio.

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    Para prosseguirmos, necessrio uma pausa na filosofia para olharmos as profundas transformaes pelas quais passam o mundo grego no sculo V a.C.

    1. Com as Guerras Mdicas (contra os persas), surgiu uma compreenso maior sobre a unidade lingustica e cultural que era compartilhada por todas as cidades-estado, na Pennsula e fora dela. Porm, se os vnculos culturais eram fortes, inmeros costumes locais, nos campos econmico, social e poltico, faziam poleis (plural de Polis) como Esparta, Atenas, Corinto e Tebas serem substancialmente diferentes entre si;

    2. Esparta se tornara uma cidade militarizada, fundada na disciplina e na valorizao do vigor fsico. Homens e mulheres compartilhavam uma posio social de igualdade.

    3. Corinto, por sua posio geogrfica privilegiada, desde cedo se voltou para o comrcio. Era a metrpole de uma das mais importantes colnias gregas, Siracusa, na Siclia. A economia comercial corintiana a colocava em rota de coliso com os concorrentes de Atenas.

    4. Tebas era uma polis politicamente isolada. Traram os gregos ao lutarem ao lado dos persas. medida em que o poder de Atenas crescia, Tebas era cada vez mais punida pela posio adotada dcadas antes. Por isso, durante o florescimento da Idade de Ouro grega, Tebas ocupou uma posio de pouca relevncia.

    5. Atenas inaugurava ento um novo modelo poltico: a democracia. A participao nas questes da cidade, na conduo dos assuntos pblicos, era de interesse de todos. Quando algum no se interessava por poltica, era chamado de idiota. A palavra, em grego antigo, significa aquele que s se interessa por assuntos particulares.

    6. A economia ateniense era fortemente voltada para o comrcio. Isso a torna aberta ao contato com diversas culturas especialmente na sia.

    7. A democracia ateniense apresentava uma srie de contradies. Entre elas, destaca-se o papel submisso da mulher, que no tinha direitos de cidadania, as restries legais a imigrantes, cujos filhos, mesmo nascidos em Atenas, no tinham direito ao ttulo de cidados, e ao relativamente intenso uso do trabalho escravo. Na poltica externa, Atenas se impunha s outras cidades gregas como um imprio autoritrio e violento. Esse imperialismo ateniense acabou por levar a um conflito militar as Guerras do Peloponeso em que Esparta saiu vitoriosa e a democracia de Atenas foi extinta.

    8. A cultura grega em geral, e a ateniense em especfico, se consolidou no sculo V. O elemento central dessa cultura o homem. Em todas as estruturas polticas da poca, especialmente na sia, as leis eram vistas como ordenamentos divinos. Somente na Grcia eram entendidas como regras criadas pelos homens, para os homens. Sfocles, em sua famosa pea Antgona, afirmava Existem muitas criaturas poderosas, mas nenhum mais poderosa do que o homem.

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    A busca pela verdade: Plato versus a Escola SofistaA democracia em Atenas abria as portas participao poltica. Qualquer um poderia ser ouvido desde que soubesse fazer o bom uso da palavra. A aristocracia perdera o monoplio sobre as instituies polticas, mas continuava sendo a classe bem educada, com domnio da retrica. No demorou a surgir na cidade um grupo de professores que ofereciam a possibilidade, a qualquer um, de ocupar uma posio de destaque nos debates na polis (portanto, polticos). Em troca de uma remunerao, esses mestres da argumentao, chamados sofistas, afirmavam que no importava, na prtica, quem estava certo; o importante era vencer o debate. A filosofia socrtica apareceu como uma reao a esses homens. Para Scrates e seu principal seguidor, Plato, a Verdade era o fim ltimo da filosofia e era papel do filsofo desmontar os discursos com aparncia de verdade, desmascarar a retrica, para encontrar a verdadeira Verdade.

    Protgoras (480 a.C. - 410 a.C.)O homem a medida de todas as coisas, do ser daquilo que , do no-ser daquilo que no

    Mais famoso filsofo da Escola Sofista e principal alvo das crticas de Scrates e Plato. Protgoras e outros professores sofistas preocupavam-se, principalmente, com a educao literria de seus alunos. Mas davam tambm enorme importncia arte da retrica (a habilidade de proferir discursos), prtica da poltica (ensinava-se o funcionamento das instituies democrticas) e erstica (a arte da disputa, da manipulao de argumentos, com fins de vencer debates).

    Scrates (469 a.C. - 399 a.C.) prefervel sofrer uma injustia a comet-la

    Ningum faz o mal voluntariamente, mas por ignorncia, pois a sabedoria e a virtude so inseparveis

    Nenhum escrito foi deixado pelo mais importante (e mais conhecido) nome da histria da Filosofia. As teorias que questionam a existncia de Scrates, no entanto, merecem pouca credibilidade: ele no s um personagem criado por Plato. Xenofonte, general grego, historiador, filsofo e aluno de Scrates, cita o mestre com frequncia. Alm disso, Aristfanes, dramaturgo que se dedicava a comdias, escreveu uma famosa pea com o objetivo de ridicularizar Scrates (relatos da poca, curiosamente, afirmam que Scrates foi a uma apresentao da pea e deu gargalhadas do comeo ao fim).Sua forma de agir antecipa a escola estoica e a cnica, pelo seu pouco cuidado com as questes

    materiais. O maior interesse filosfico de Scrates era o Bem. Assim, nos dilogos platnicos onde a figura do mestre mais se destaca, ele est sempre procura de definir questes ticas, como a moderao, a amizade, a coragem. Extremamente otimista, ele acredita que o que faz um homem agir de forma antitica a ignorncia. Se possuirmos o conhecimento, agiremos sempre eticamente.

    Plato (427 a.C. - 347 a.C.)Facilmente perdoamos a criana que teme o escuro; a real tragdia da vida so homens temem a luz

    A justia nada mais que a convenincia do mais forte"

    O mais clebre discpulo de Scrates nasceu quando Atenas iniciava seu rpido declnio. A democracia deixou de existir com a derrota para Esparta na Guerra do Peloponeso, em 404 a.C. - Plato tinha ento 24 anos. O retorno do sistema aristocrtico e a condenao morte de Scrates, quatro anos depois, foram fatores que convenceram o jovem a abandonar uma iniciada trajetria poltica e se dedicar exclusivamente filosofia.A maior parte de suas ideias foi desenvolvida em uma escola criada por ele em um terreno que se localizava no Bosque de Academos. Da veio a palavra Academia para se referir ao

    ensino superior. A escola de Plato , possivelmente, a instituio de ensino que funcionou por mais tempo: cerca de 900 anos, at ser fechada pelo imperador bizantino Justiniano, em 529 d.C.

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    Sua mais famosa teoria chamada de teoria das ideias (alguns autores acreditam, no entanto, que a formulao dessa concepo , na verdade, de Scrates).A Teoria das Ideias pode ser resumida assim:

    em primeiro lugar, do ponto de vista lgico, h uma distino entre objetos particulares de algum tipo e as palavras gerais com que os designamos;

    em segundo lugar, do ponto de vista metafsico, enquanto no mundo material existem os objetos particulares, em um plano ideal existe efetivamente o objeto ideal correspondente aos particulares. Chamemos esses dois mundos de Mundo das Coisas e Mundo das Ideias;

    desta forma, usamos a palavra geral amor para nos referirmos a prticas especficas de relao que entendemos como amor. Entretanto, em algum lugar existe um Amor Ideal, isso , no plano das ideias, no material;

    ao contrrio das evidncias sensveis, as manifestaes particulares so ilusrias, aparentes; o que real, o que existe de forma absoluta a ideia que sempre perfeita.

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    O Mito da CavernaExposto por Plato em seu mais famoso livro, A Repblica, o Mito da Caverna uma alegoria para a Teoria das Ideias, ao mesmo tempo que uma profisso de f do filsofo.Em uma caverna, alguns homens esto acorrentados de costas para a entrada e suas faces esto voltadas para a parede do interior, de forma que no podem se virar. Eles estiveram assim por toda a vida. Tudo o que eles veem so as sombras projetadas na parede. Para eles, as sombras so a realidade. At que um deles se liberta e, pela primeira vez, v a luz do Sol na sada da caverna. V as cores, as formas, a profundidade que nunca tinha visto. Compreende que o que via antes no era real, mas um simulacro, uma aparncia distorcida da realidade. Ele volta caverna e tenta, quase sempre sem sucesso, convencer os seus antigos companheiros de priso de que aquelas sombras so iluso e a verdade est l fora.

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    Os livros de Plato foram escritos em forma de dilogos. Nele, adota-se um mtodo filosfico chamado por Scrates de maiutica. Este mtodo consiste em duas etapas: na primeira, o interlocutor conduzido a perceber os erros de suas argumentaes, a duvidar daquilo que ele achava ser a verdade. Na segunda etapa, o interlocutor estimulado a encontrar a Verdade atravs do prprio raciocnio. Essa abordagem refletia uma convico socrtica: a de que todo conhecimento j est latente na mente de todo ser humano.

    Repblica Nesta obra, Plato procura discutir a construo de um Estado ideal. Seu modelo, em grande medida, Esparta. Os cidados deveriam se dividir em trs tipos: guardies, soldados e povo. Os guardies correspondem a uma elite de sbios que devem ter exclusividade de poder poltico. Em diversas ocasies, Plato usa a expresso Rei-Filsofo para se referir ao governante ideal. Ele prega a igualdade de sexos: todas as mulheres devem ser esposas de todos os homens. Os poetas devem ser banidos. O governo deve ter o direito de mentir, se julgar como benfico ao interesse pblico. Nesse Estado Ideal, o indivduo tende a desaparecer.

    Menon Nesta obra, Plato desenvolve a teoria de educao defendida por Scrates, a anamnsia. Para ele, aprender recordar coisas aprendidas numa existncia anterior e depois esquecidas.

    Fdon Obra ainda mais voltada para a metafsica que Menon, nesse livro vemos Scrates tentando provar a imortalidade da alma. Do ponto de vista filosfico, a parte mais importante do dilogo a descrio que Plato faz do mtodo de hiptese e deduo, base fundamental de todo pensamento cientfico.

    Apologia Enquanto o dilogo de Fdon explora as ltimas horas de vida de Scrates, Apologia uma espcie de documento que retrata a defesa que ele faz de si mesmo durante seu julgamento.

    Teeteto Obra em que fica evidente o distanciamento que Plato comea a tomar do pensamento socrtico, a questo central do dilogo o processo de conhecimento. Aqui, o conhecimento se desvincula da percepo sensorial nem pode ser construdo a partir de exemplos. Para Plato, somente a partir de juzos racionais verdadeiros se produz conhecimento.

    O Banquete Aqui, o tema central o amor. Para Plato, o que se ama somente aquilo que no se tem. O amor de si mesmo o amor daquilo que no se mas se deseja ser.

    Eutidemo Dilogo criado com o objetivo de escarnecer dos sofistas, mostrando-os de forma propositalmente caricata. O objetivo do dilogo desconstruir a erstica como mtodo de conhecimento. Ao contrrio, a erstica, ao dar nfase na habilidade do debatedor de impor seu ponto de vista, abre mo da busca pela verdade e, portanto, afasta-se do verdadeiro conhecimento.

    Parte II Apogeu e crise.

    A busca pelo mtodo: sistematizao do saber

    Aristteles (384 a.C. - 322 a.C.)A razo para a alma o que a viso para o corpo

    O mais poderoso dos homens aquele que completamente senhor de si mesmo

    Aristteles, no Liceu, escola por ele fundada em Atenas depois de ter servido como tutor de Alexandre, o Grande (quando o futuro imperador da Macednia ainda era Pequeno), dava aulas enquanto caminhava pelos jardins e sales, seguido por seus alunos. Por isso, seu mtodo filosfico ficou conhecido como peripattico (literalmente, que se ensina passeando). Curiosamente, a palavra discurso quer dizer ir-e-vir.As mais importantes contribuies de Aristteles para a filosofia so, provavelmente, suas

    consideraes acerca da lgica, que analisaremos mais frente. Certamente Aristteles pensou a filosofia de uma forma mais sistematizada que seus antecessores. notvel sua preocupao em categorizar os diversos campos do saber, dividindo-os em disciplinas distintas: Poltica, tica, Economia, Botnica, Zoologia, Fsica, Potica, Astronomia, Retrica, etc.

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    Sua metafsica pretende substituir a Teoria das Ideias de Plato. Parte fundamental do pensamento aristotlico depende das consideraes a seguir, a respeito da Teoria da matria e da forma:

    1. A matria aquilo de que so feitas as coisas;2. A forma aquilo que d s coisas as suas especificidades;3. Substncia a matria transformada pela forma.

    Por exemplo: voc tem em mos uma apostila. O papel usado na sua confeco a matria. As fontes que foram lidas para a sua escrita tambm so matria. A impresso, a encadernao e o prprio fluxo do texto correspondem forma. A apostila, em toda sua materialidade e com todas suas funes, qualidades e defeitos, com todas suas imagens usadas sem autorizao dos detentores dos direitos autorais, com todos os erros de reviso, a substncia. Desta forma, podemos dizer que a forma confere caractersticas a uma matria, transformando-a em uma substncia.Se a Teoria das Ideias de Plato e a Teoria da Matria e da Forma de Aristteles pretendem dar conta do problema dos Universais (voc se lembra dos pr-socrticos procurando uma essncia fundamental de que as coisas so feitas?), outra questo importante que marcou o pensamento pr-socrtico volta a aparecer aqui: a mudana. Herclito defendia a mudana constante, Parmnides afirma que o universo esttico. E Aristteles?Estabelecemos acima que a substncia portadora de uma srie de qualidades. Algumas dessas so qualidades potenciais, isso , no esto ativas. A ativao, ou atualizao, de uma determinada qualidade latente, potencial, em uma substncia corresponde mudana. Por exemplo, dizemos que determinado gs inflamvel. Assim, esse gs tem uma qualidade que no atual ou seja, ainda que possa entrar em combusto, ele ainda no entrou. No momento em que ele queima, a qualidade de ser inflamvel passa a ser atual a mudana ocorre.

    A pergunta bvia agora : o que ativa essas qualidades potenciais? Ou, em outras palavras: j sabemos o que a mudana. Resta saber como e por que ela ocorre. Para isso, devemos recorrer a uma outra teoria aristotlica: a teoria da causalidade.

    A Fsica de Aristteles no tem a mesma conotao que a disciplina da Fsica tem hoje. A palavra grega que corresponde a fsica significa natureza. A fsica, portanto, uma espcie de filosofia da natureza. Nela, um dos aspectos mais importantes a j citada Teoria da causalidade.Em qualquer situao causal, ou seja, em qualquer processo que implique mudana em uma substncia, temos quatro aspectos que devem ser considerados: a causa material, a causa formal, a causa eficiente e a causa final. A causa material corresponde quelas caractersticas da substncia que a permitem passar pela mudana; a causa formal o conjunto de elementos do entorno da substncia que permitem que a mudana ocorra; a causa eficiente diz respeito ao agente que ativa o processo de mudana; a causa final refere-se tendncia potencial de que a mudana ocorra.

    Ficou difcil? Vamos a um exemplo: uma bola rolando em uma rua.

    Causa material: a esfericidade da bola, alm do material de que ela constituda, e do fato de ela estar cheia, so causas materiais isto , so caractersticas da bola que explicam porque ela desce a rua.Causa formal: o declive da rua, a ausncia de obstculos, a insuficincia de atrito so elementos do ambiente que permitem a trajetria da bola.Causa eficiente: o z que chutou a bola. Na linguagem comum, chamamos a causa eficiente simplesmente de causa: por qu a freira rola escada abaixo? Porque algum empurrou...Causa final: tanto da bola quanto da freira, a gravidade, que cria uma tendncia de os corpos buscarem sempre o nvel mais baixo.

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  • FILOSOFIA PARA O ENEM

    No campo da Lgica, como afirmamos acima, a contribuio de Aristteles fundamental. A lgica aristotlica depende de um certo nmero de consideraes:

    1. A partir de uma ou mais proposies (as premissas), deduzimos outras proposies que seguem ou so consequncia dessas premissas;

    2. O silogismo, estrutura de argumento fundamental, composto por duas premissas sujeito-predicado que tm um termo em comum, que desaparecer na concluso. Veja:

    3. Se as premissas forem verdadeiras, qualquer concluso validamente derivada delas igualmente verdadeira;4. A cincia, para evitarmos falsos silogismos, deve comear com declaraes que no precisem de

    demonstrao os axiomas;5. A palavra grega (silogismo) pode ser livremente traduzida como deduo;6. A lgica aristotlica a base para o pensamento cientfico atual. Apesar de Aristteles no dar muita

    importncia induo, ele a define como uma das formas pelas quais construmos nossas convices;7. Desta forma, Aristteles estabelece as duas formas centrais de construo de argumento: a induo (em que

    partimos de proposies especficas para chegarmos a uma proposio universal) e a deduo (em que partimos de premissas gerais para alcanarmos concluses especficas).

    O discurso, para Aristteles, base de toda proposio lgica, uma construo lingustica. No por acaso, lgica vem de logos, que significa palavra. Portanto, a razo lgica pressupe a capacidade de perceber os elementos que constituem um discurso. Para Aristteles, todo enunciado lgico do tipo sujeito-predicado. Assim, o primeiro passo sempre compreender o sujeito, em torno do qual gira qualquer afirmao. Para compreender o sujeito, Aristteles distingue dez categorias: substncia, qualidade, quantidade, relao, lugar, tempo, posio, estado, ao e paixo. O sentido de uma afirmao s poder ser completamente apreendido se todas as categorias puderem ser conhecidas. Por exemplo: a frase Mangini escreve uma apostila diz muito pouco. Somente ao conhecer todas as dez categorias podemos compreender o real sentido da frase:

    Substncia: ManginiQualidade: Morto de sonoQuantidade: 90 quilos (ou mais)Relao: ProfessorLugar: Em casaTempo: s 23:20 do feriado do dia do trabalhoPosio: Sentado em frente ao computadorEstado: De pijamasAo: Digitando textoPaixo: Sendo incomodado por um pernilongo (ser da dengue?)

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    I. Todos seres humanos so racionais;II. Os bebs so seres humanos.

    Desta forma:I. Todos seres humanos so racionais;II. Os bebs so seres humanos.

    Logo:Os bebs so racionais.

  • FILOSOFIA PARA O ENEM

    Ainda que a Lgica tenha sido uma preocupao constante no pensamento aristotlico, ele no a entende como uma rea especfica do que ele chama de cincias. Aristteles distingue trs tipos de cincias:

    a) Cincias tericas: aquelas que propiciam o conhecimento (episteme), em oposio ao senso comum (doxa) Matemtica Fsica Metafsica

    b) Cincias prticas: aquelas que governam a conduta do homem na sociedade tica Economia Poltica

    c) Cincias produtivas: aquelas que nos orientam na criao de objetos destinados ao uso ou contemplao artstica

    Potica Esttica Artes

    A busca pela felicidade: O Helenismo

    A partir de 334 a.C., a cultura grega foi levada a grande parte das civilizaes conhecidas. Alexandre, o Grande, rei da Macednia, era visto pelos gregos como um imperador estrangeiro. Mas ele prprio, ex-aluno de Aristteles, via-se como o portador da civilizao grega. Conquistou o Egito, a Prsia, a Arbia, a Fencia e imps a todos a cultura dos helenos (gregos). A lngua grega se tornou a lngua comum nas atividades comerciais (como o ingls nos dias de hoje).Cidades nos moldes das poleis gregas foram fundadas por todo lado grande parte delas foram batizadas de Alexandria. Uma dessas Alexandrias, a do Egito, passou a ser o novo centro do pensamento grego, substituindo Atenas, que at ento cumprira esse papel. O autoritarismo, o militarismo e a desorganizao do Imprio Macednico afastaram as pessoas das questes polticas. O crescimento da populao escrava, resultado das amplas vitrias militares, comprometia as discusses em torno da tica. Observa-se um processo de especializao: os pensadores desse perodo no so generalistas, como foram Tales, Plato e Aristteles. Erasttenes era gegrafo, Euclides matemtico, Arquimedes inventor.Na mesma medida em que a cultura grega se propagava, ela passava a ser influenciada pelas prticas e crenas msticas e supersticiosas do oriente. Prevalece, na filosofia da poca, uma tendncia pessimista, uma sensao crescente de insegurana. Os homens buscavam a paz e, no conseguindo encontr-la com facilidade, transformavam em virtude a capacidade de resignar-se e suportar o sofrimento. As diversas correntes filosficas surgidas nesse perodo decadente tm como propsito maior descobrir o caminho para aquilo que a Grcia havia perdido: a felicidade.

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  • FILOSOFIA PARA O ENEM

    Digenes (404 a.C. - 323 a.C.)O insulto ofende a quem o faz e no a quem o recebe

    conhecida a histria de Digenes, sbio grego que foi certa vez visitado por Alexandre, o Grande. Digenes, reza a lenda, era completamente desprovido de posses. Morava em um barril e se alimentava daquilo que as famlias de sua cidade o davam. Alexandre, ao encontr-lo, afirmou: Sou Alexandre, o Grande. O homem mais poderoso do mundo. Pedi-me qualquer coisa, e o concederei. E Digenes, que estava sentado no cho, respondeu: Qualquer coisa? Pois bem. Afasta-te, pois est bloqueando a luz do sol. Alexandre, depois, comentou: Se eu no fosse Alexandre, gostaria de ser Digenes.

    Diziam que Digenes levava uma vida to primitiva quanto a de um co. Por isso, apelidaram-no de Digenes, o canino. A palavra grega canino (ou kyniks, isto cnico).De clara influncia socrtica, a corrente filosfica de Digenes, o Cinismo, recomendava que o sbio deve afastar-se de todos os bens mundanos, e concentrar-se somente na busca pela virtude. Porm, tempos depois da morte de Digenes seus seguidores distorceram o sentido de no dar valor a bens materiais. Na prtica, isso justificou a atitude de despreocupadamente acumular o mximo em perodos de prosperidade e no se lamentar quando vierem os perodos de escassez. Da a conotao atual da palavra cnico. Talvez por ser muito semelhante ao estoicismo, a escola cnica no durou muito tempo.

    Zeno de Ctio (340 a.C. - 264 a.C.)O sentido da vida consiste em estar de acordo com a natureza

    A mais influente corrente filosfica do perodo helenstico, o Estoicismo foi fundado por Zeno que chamaremos aqui de Zeno, o Estoico, para no confundi-lo com Zeno, o eletico (lembra? Aquele do Paradoxo de Aquiles e a Tartaruga). O movimento tem como foco principal, como comum na filosofia do perodo, as questes ticas. Os valores ticos centrais dos estoicos era a indiferena em relao s questes materiais e a resignao diante do sofrimento. O maior bem, para os estoicos, a virtude. Tudo pode lhe ser retirado, tudo pode ser roubado. At a sua vida mas ainda que voc seja morto, sua virtude no lhe pode ser tirada. Assim, se a virtude a nica coisa que importa para o indivduo,

    nada poder atingi-lo: ele plenamente livre e feliz.

    Pirro de lis (318 a.C. - 272 a.C.)

    A filosofia do Ceticismo, criada por Pirro de lida, tem como dogma a ideia de que ningum pode conhecer algo com certeza. Na terminologia aristotlica, o equivalente a dizer que no se pode conhecer os princpios originais da deduo. Como a filosofia de Aristteles, que seria a base do pensamento ocidental pelos sculos seguintes, fundamenta o argumento cientfico na busca por esses primeiros princpios dedutivos, as ideias de Pirro e de Timon, outro famoso expoente da escola ctica representavam uma ameaa a todo o sistema filosfico da poca. No de surpreender que o ceticismo tenha sido to combatido pela filosofia que vigoraria mais tarde especialmente pela escolstica dos sculos XII ao XIV d.C.

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  • FILOSOFIA PARA O ENEM

    Epicuro (341 a.C. - 270 a.C.)A necessidade um mal, mas no h necessidade alguma de viver com necessidade

    O fundador e principal pensador da corrente filosfica que leva seu nome, o epicurismo, Epicuro nasceu em Samoa e tornou-se cidado ateniense. De sade muito frgil, Epicuro criou uma doutrina cujo objetivo central era a busca por um completo estado de harmonia pessoal. Para tanto, segundo Epicuro, o homem deveria buscar incessantemente o prazer. Epicuro distingue dois tipos de prazer: os do corpo e os da mente. No entanto, ele no trata os prazeres da mente a partir de uma perspectiva socrtica, da busca de uma vida voltada para o saber. Em Epicuro, o prazer da mente corresponde contemplao dos prazeres corporais. Em outros momentos, Epicuro fala em prazeres passivos e ativos. Os prazeres

    ativos consistem na busca pela saciedade de um desejo. Assim que o objetivo alcanado, o prazer passivo prevalece: ele corresponde ausncia de qualquer desejo e, portanto, na ausncia de qualquer ansiedade, de qualquer necessidade. Para Epicuro, no prazer passivo que encontramos a felicidade plena.

    O Imprio de Alexandre teve curta durao. Logo aps a morte do imperador, as vastas extenses dos domnios macednicos, disputadas entre os seus generais mais prximos, iniciaram um processo de fragmentao poltica. Tal enfraquecimento interno coincide com o momento em que a Repblica de Roma derrota Cartago nas Guerras Pnicas, e se estabelece como a maior autoridade militar no Mediterrneo. Roma no demora a conquistar a maior parte do Imprio Macednico, incluindo toda a pennsula grega. A cultura romana uma cultura debitria. A literatura, o teatro, as artes plsticas, a arquitetura e a filosofia romana so pouco mais que uma extenso da cultura grega. A maior contribuio dos romanos est ligada ao pensamento poltico e especialmente ao direito. Assim, no discutiremos a produo filosfica romana, ligada principalmente a seguidores do estoicismo, como Sneca (4 a.C. - 65 d.C.), Epicteto (55 d.C. 135 d.C.) e Marco Aurlio (121 d.C. - 180 d.C.). Tambm o cristianismo primitivo, que surge durante o governo do primeiro Imperador de Roma, Octavio Augustus, marcadamente influenciado pela Filosofia Estoica.

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  • FILOSOFIA PARA O ENEM

    EXERCCIOS

    QUESTO 001Texto IAnaxmenes de Mileto disse que o ar o elemento originrio de tudo o que existe, existiu e existir, e que outras coisas provm de suas descendncias. Quando o ar se dilata, transforma-se em fogo, ao passo que os eventos so ar condensados. As nuvens formam-se a partir do ar por filtragem e, ainda mais condensadas, transformam-se em gua. A gua, quando mais condensada, transforma-se em terra e, quando condensada ao mximo, transforma-se em pedra.

    BAURNET, J. A aurora da filosofia grega. Rio de Janeiro: PUC-Rio, 2006 (adaptado).

    Texto IIBraslio Magno, filsofo medieval, escreveu: "Deus, como criador de todas as coisas, est no principio do mundo e dos tempos. Quo parcas de contedo se nos apresentam, em face desta concepo, as especulaes contraditrias dos filsofos para os quais o mundo se origina, ou de algum dos quatro elementos, como ensinam os Jnios, ou dos tomos, como julga Demcrito. Na verdade, do a impresso de quererem ancorar o mundo numa teia de aranha."

    GILSON, E.; BOEHNER, P. Historia da Filosofia Crist. So Paulo: Vozes, 1991 (adaptado).

    Filsofos de diversos perodos histricos desenvolveram teses para explicar a origem do universo, a partir de uma explicao racional. As teses de Anaxmenes ,filsofo grego antigo, e de Baslio, filsofo medieval, tm em comum, na sua fundamentao, teorias que:

    eram baseadas nas cincias da natureza.

    refutavam as teorias de filsofos da religio.

    tinham origem nos mitos das civilizaes antigas.

    postulavam um principio originrio para o mundo.

    defendiam que Deus o principio de todas as coisas.

    QUESTO 002Para Plato, o que havia de verdade em Parmnides era que o objeto de conhecimento um objeto de razo e no de sensao, e era preciso estabelecer uma relao entre objeto racional e objeto sensvel ou material que privilegiasse o primeiro em detrimento do segundo. Lenta, mas irresistivelmente, a Doutrina das Ideias formava-se em sua mente.

    ZINGANO, M. Plato e Aristteles: o fascnio da filosofia. So Paulo: Odysseus, 2012 (adaptado).

    O texto faz referncia relao entre razo e sensao, um aspecto essencial da Doutrina das Ideias de Plato (427 a.C.-346 a.C). De acordo com o texto, como Plato se situa diante dessa relao?

    Estabelecendo um abismo intransponvel entre as duas.

    Privilegiando os sentidos e subordinando o conhecimento a eles.

    Atendo-se posio de Parmnides de que razo e sensao so inseparveis.

    Afirmando que a razo capaz de gerar conhecimento, mas a sensao no.

    Rejeitando a posio de Parmnides de que a sensao superior razo.

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  • FILOSOFIA PARA O ENEM

    QUESTO 003Plato destaca, na Repblica (livro III), a importncia da educao musical dos futuros guardies da cidade, ao dizer:

    [...] a educao pela msica capital, porque o ritmo e a harmonia penetram mais fundo na alma e afetam-na mais fortemente [...].

    (PLATO. A Repblica. Lisboa: Fundao Calouste Gulbenkian, 2001. p. 133.)

    De acordo com o texto e os conhecimentos sobre a relevncia da educao musical dos guardies em Plato, considere as afirmativas a seguir:

    I. A msica deve desenvolver agressividade e destempero para evitar o temor dos inimigos perante a guerra.II. A msica deve desenvolver sentimentos ticos nobres para bem servir a cidade e os cidados.III. A msica deve divertir, entreter e evocar sentimentos afrodisacos, para alvio do temor perante a guerra.IV. A msica deve moldar qualidades como temperana, generosidade, grandeza de alma e outras similares.

    Assinale a alternativa que contm todas as afirmativas corretas.

    I e II.

    II e IV.

    III e IV.

    I, II e III.

    I, III e IV.

    QUESTO 004De acordo com a Alegoria da Caverna, a possibilidade de um indivduo tornar-se justo e virtuoso depende de um processo de transformao pelo qual deve passar. Assim, afasta-se das aparncias, rompe com as cadeias de preconceitos e condicionamentos e adquire o verdadeiro conhecimento. Tal processo culmina com a ideia da forma do Bem, representada pela metfora do Sol. Para Plato, conhecer o Bem significa tornar-se virtuoso. Aquele que conhece a justia no pode deixar de agir de modo justo.

    (Marcondes, Danilo. Textos bsicos de tica - de Plato a Foucault. Rio de Janeiro, Zahar, 2007, p. 31)

    A importncia histrica do mtodo de conhecimento estabelecido na obra de Plato justifica-se

    pela defesa de uma rigorosa separao entre a esfera da poltica e a esfera da filosofia.

    por definir proposies instrumentais para o agir poltico, antecipando as estratgias maquiavelanas.

    por identificar as coisas empricas como sendo em si mesmas dotadas de sua prpria verdade.

    pela definio de uma esfera suprassensvel que contm as formas perfeitas, necessrias e universais das coisas.

    por entender os preconceitos e condicionamentos do mundo sensvel como esfera virtuosa e justa.

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  • FILOSOFIA PARA O ENEM

    QUESTO 005A realidade, para Herclito, a harmonia dos contrrios, que no cessam de se transformar uns nos outros. (...) Parmnides se colocava na posio oposta de Herclito. Dizia que s podemos pensar sobre aquilo que permanece sempre idntico a si mesmo, isto , que o pensamento no pode pensar sobre coisas que so e no so, que ora so de um modo e ora de outro, que so contrrias a si mesmas e contraditrias.

    (Chau, Marilena. Convite filosofia. So Paulo, tica, 2003, p. 110)

    A divergncia entre Herclito e Parmnides foi solucionada pela metafsica platnica. Essa soluo envolveu

    a defesa das contradies heraclitianas como contedo essencial da esfera inteligvel da realidade.

    a definio do Bem e da verdade acessvel ao pensamento como entidade contraditria.

    o estabelecimento de um mtodo relativista e ancorado em contextos histricos para o conhecimento da realidade.

    a valorizao das concepes parmenidianas como expresso das aparncias do mundo sensvel.

    uma dicotomia entre as propriedades variveis das coisas sensveis e o carter absoluto do mundo inteligvel.

    QUESTO 006Desde Tales de Mileto, as explicaes sobre o cosmos so realizadas por meio de argumentos, razes plausveis para que o processo desencadeado pela physis se comporte de determinada maneira. Tais argumentos so confrontados por outros filsofos e, progressivamente, as concepes tornam-se cada vez mais elaboradas. Dessa forma, o pensamento filosfico que emerge nesse movimento distancia-se do pensamento mtico, entre outras razes, porque:

    inaugura o primado da transformao permanente pela interferncia contnua dos deuses na criao do cosmos;

    busca uma physis arcaica e antropomrfica, que une o homem ao cosmo sem sua estabilidade;

    apresenta uma viso de mundo com base racional que pode ser repensada por meio de argumentao e substituda;

    descreve uma cosmogonia inovadora racionalizada por meio de ritos simblicos criados pela ao do homem;

    as narrativas mgico-religiosas so substitudas por outra linguagem mgico-simblica para representar o sagrado.

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  • FILOSOFIA PARA O ENEM

    QUESTO 007Leia o texto abaixo.

    "SCRATES: Portanto, como poderia ser alguma coisa o que nunca permanece da mesma maneira? Com efeito, se fica momentaneamente da mesma maneira, evidente que, ao menos nesse tempo, no vai embora; e se permanece sempre da mesma maneira e "em si mesma", como poderia mudar e mover-se, no se afastando nunca da prpria Ideia?CRTILO: Jamais poderia faz-lo.SCRATES: Mas tambm de outro modo no poderia ser conhecida por ningum. De fato, no prprio momento em que quem quer conhec-la chega perto dela, ela se torna outra e de outra espcie; e assim no se poderia mais conhecer que coisa seja ela nem como seja. E certamente nenhum conhecimento conhece o objeto que conhece se este no permanece de nenhum modo estvel.CRTILO: Assim como dizes."

    PLATO, Crtilo, 439e-440a

    Assinale a alternativa correta, de acordo com o pensamento de Plato.

    Para Plato, o que "em si" e permanece sempre da mesma forma, propiciando o conhecimento, a Ideia, o ser verdadeiro e inteligvel.

    Plato afirma que o mundo das coisas sensveis o nico que pode ser conhecido, na medida em que o nico ao qual o homem realmente tem acesso.

    As Ideias, diz Plato, esto submetidas a uma transformao contnua. Conhec-las s possvel porque so representaes mentais, sem existncia objetiva.

    Plato sustenta que h uma realidade que sempre da mesma maneira, que no nasce nem perece e que no pode ser captada pelos sentidos e que, por isso mesmo, cabe apenas aos deuses contempl-la.

    QUESTO 008Mais que saber identificar a natureza das contribuies substantivas dos primeiros filsofos fundamental perceber a guinada de atitude que representam. A proliferao de ticas que deixam de ser endossadas acriticamente, por fora da tradio ou da imposio religiosa, o que mais merece ser destacado entre as propriedades que definem a filosoficidade.

    (OLIVA, Alberto; GUERREIRO, Mario. Pr-socrticos: a inveno da filosofia. Campinas: Papirus, 2000. p. 24.)

    Assinale a alternativa que apresenta a guinada de atitude que o texto afirma ter sido promovida pelos primeiros filsofos.

    A aceitao acrtica das explicaes tradicionais relativas aos acontecimentos naturais.

    A discusso crtica das ideias e posies, que podem ser modificadas ou reformuladas.

    A busca por uma verdade nica e inquestionvel, que pudesse substituir a verdade imposta pela religio.

    A confiana na tradio e na imposio religiosa como fundamentos para o conhecimento.

    A desconfiana na capacidade da razo em virtude da proliferao de ticas conflitantes entre si.

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  • FILOSOFIA PARA O ENEM

    QUESTO 009Os sofistas, mestres da retrica e da oratria, opunham-se aos pressupostos de que as leis e os costumes sociais eram de carter divino e universal. Deu-se assim, entre eles, o:

    naturalismo.

    relativismo.

    ceticismo filosfico.

    cientificismo.

    racionalismo.

    QUESTO 010A filosofia de Scrates se estrutura em torno da sua crtica aos sofistas, que, segundo ele, no amavam a sabedoria nem respeitavam a verdade. O ataque de Scrates sofstica NO tem como pressuposto a ideia de que:

    o conhecimento verdadeiro s pode ser resultado de um dilogo contnuo do homem com os outros e consigo mesmo.

    o confronto de opinies na poltica democrtica afasta a possibilidade de se alcanar a sabedoria.

    a verdade das coisas obtida na vida cotidiana dos homens e, portanto, pode ser mltipla e inacabada.

    o autoconhecimento a condio primria de todos os outros conhecimentos verdadeiros.

    a cincia (episteme) acessvel a todos os homens, contanto que estejam dispostos a renunciar ao mundo das sensaes.

    UNIDADE II Filosofia Medieval

    Parte I - Patrstica

    Na fase final da histria romana, a Igreja Crist adquire uma influncia crescente, tornando-se a religio oficial do Imprio. A doutrina crist torna-se cada vez mais complexa, forjando uma teologia cujas concepes dogmticas eram resultado de um sincretismo entre as crenas dos primeiros cristos e a influncia de diversas escolas filosficas gregas. Essa teologia, chamada de patrstica, influenciou profundamente toda a estrutura cultural, poltica, social e mesmo econmica da Europa nos primeiros sculos da Era Crist.

    As Invases Germnicas, longo processo de migrao de povos da Europa Setentrional para dentro das fronteiras do Imprio, encontraram Roma em uma economia agonizante, em uma profunda crise poltica. O Imprio Romano do Ocidente chegara ao final no sculo V d.C. Algumas instituies, porm, sobreviveram ao fim da Civilizao Romana. Dentre elas, a Igreja de Roma merece destaque. Nos sculos seguintes, o Papado consolida ainda mais seu poder tanto religioso quanto poltico. A Igreja de Roma torna-se a mais estvel e influente organizao da Europa, responsvel por grande parte do que podemos chamar de mentalidade medieval.

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  • FILOSOFIA PARA O ENEM

    Ao longo do Medievo Europeu, os reis foram perdendo atribuies polticas, diante de uma crescente descentralizao do poder. A economia, cada vez mais autossuficiente, dependia muito pouco do comrcio. O iletramento e a valorizao dos costumes dos antepassados marcava a cultura europeia ocidental. As cidades foram abandonadas e o meio rural se torna o novo centro de poder poltico e cultural. Era a consolidao do Feudalismo. Durante a chamada Alta Idade Mdia, vigorou na Europa o pensamento filosfico da Patrstica. O filsofo de maior influncia nesse perodo foi o africano Agostinho.

    Agostinho (354 - 430)A arte de viver consiste em tirar o maior bem do maior mal

    Bispo cristo durante a fase final do Imprio Romano do Ocidente, a questo central de seu pensamento era a ideia de predestinao, sculos depois retomada pelas igrejas reformistas. Suas reflexes a respeito do tempo influenciaram diversos pensadores da Idade Moderna, como Descartes e Kant. Para Agostinho, o tempo um presente trplice: ele o agora, a nica coisa que de fato existe; mas o tempo tambm o passado, que s existe como memria do presente; e o futuro no mais que a

    expectativa no presente. Essa abordagem, que chamaremos de subjetivismo, um dos pontos mais interessantes da filosofia agostiniana. Do ponto de vista da tradio filosfica, ele procurava conciliar as crenas crists com a teoria das ideias de Plato. Em seu livro Cidade de Deus, Agostinho traa um claro paralelo entre o paraso cristo e o mundo das ideias e, de outro lado, o mundo dos homens e o mundo das coisas.

    Outros filsofos do perodo que merecem uma breve meno:Tertuliano (160 - 220): Defensor da ideia de que a Razo inimiga da F, e portanto a filosofia era incompatvel com a religio.Orgenes (185 253): Seguidor de Plato e dos Estoicos, um dos principais responsveis por iniciar uma tradio erudita no cristianismo, consolidando a teologia como a mais importante rea do pensamento medieval;Ambrsio (340 - 397): Criou os princpios polticos que marcaram, durante a Idade Mdia, as relaes entre os Reinos Cristos e a Igreja;Jernimo (347 - 420): Um dos responsveis pela consolidao dos princpios monsticos da Idade Mdia (dentre eles, o celibato, a abstinncia, o isolamento, a resignao e a contemplao), notabilizou-se pela Vulgata, traduo da Bblia para o latim que se tornou a verso oficial da Igreja por todos os sculos subsequentes. Bocio (480 - 525): Responsvel pelas mais antigas tradues dos textos de Lgica de Aristteles para o Latim, foi profundamente influenciado por Plato e escreveu importantes tratados sobre geometria, aritmtica e msica. uma exceo na Alta Idade Mdia: seu pensamento aproxima-se mais da filosofia investigativa da tradio grega que da teologia dogmtica dos intelectuais da Igreja.

    Parte II Filosofia rabe

    Em 622, com a Hgira (sada de Maom de Meca em direo a Iatreb), inicia-se o calendrio e a civilizao rabe-muulmana. De forma resumida, podemos dividir o mundo medieval rabe em cinco diferentes momentos:

    622 632: Governo do Maom. Breve perodo marcado pela unificao poltica da Pennsula rabe e pela construo das bases fundamentais da doutrina islmica;

    632 661: Califas Perfeitos. Perodo marcado pela expanso do islamismo por praticamente todo o Crescente Frtil (regio que vai do Vale do Rio Nilo Mesopotmia).

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  • FILOSOFIA PARA O ENEM

    661 750: Dinastia Omada. poca de surgimento das duas maiores correntes do islamismo, xiitas e sunitas. O imprio do Isl avana em direo Prsia, no Oriente, ao noroeste africano e Pennsula Ibrica.

    750 1299: Dinastia Abssida. Corresponde Idade de Ouro da filosofia rabe. Durante o Califado Abssida, o Oriente Mdio tornou-se o maior centro de produo artstica e de avanos na medicina e na astronomia. As universidades fundadas no perodo foram responsveis por notveis avanos na matemtica e na fsica, alm de terem sido responsveis pela preservao de grande parte das obras da Antiguidade Clssica greco-romana.

    1299 - ...... : Imprio Otomano. Sob domnio turco, o mundo rabe-muulmano manteve, ainda por quase trs sculos, uma grande expanso poltica e econmica. Porm, a intolerncia religiosa do perodo foi responsvel por longo perodo de declnio cultural.

    No Perodo Abssida podemos encontrar os dois maiores pensadores da filosofia rabe:

    Avicena (980 - 1037)Aquele cuja existncia necessria deve, necessariamente, ser uma essncia

    Mestre em diversas reas do saber, foi o mais importante estudioso de Medicina do mundo, do sculo XI at o sculo XVII (quando sua obra, Cnone da Medicina ainda era o texto principal nas universidades europeias). Tambm tem relevantes contribuies nos campos da lgica, da matemtica, da fsica, da astronomia e da potica, entre outros.Preocupado com a questo dos universais (lembre-se daquelas tentativas de estabelecer de que feito o mundo), que tanto inquietou os pr-socrticos, Avicena procurou conciliar Plato e Aristteles. Para ele, a generalidade das formas (e portanto os universais) resultado do pensamento humano o que coincide com a viso aristotlica (leia novamente a

    teoria da matria de da forma, de Aristteles). Mas, platonicamente, Avicena defende que essas formas gerais so preexistentes na mente de Deus, existentes nas coisas e ps-existentes na mente humana - em outras palavras

    a) os universais existem no plano das Ideias, b) compem as substncias no mundo das coisas, e c) so percebidas pelos homens a partir da experincia.

    Desta forma, o filsofo rabe apresenta, sculos antes, uma soluo para as controvrsias (que veremos adiante) entre os idealistas cartesianos e os empiristas britnicos (o saber resultado da reflexo interna da mente ou da relao emprica entre a mente e o mundo?).

    Averris (1126 - 1198)Na natureza nada suprfluo

    Uma das maiores influncias dos escolsticos, esse mdico ibrico do sculo XII deu nfase na filosofia aristotlica, contribuindo para reduzir a presena do platonismo no pensamento medieval.

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    Scrates, Plato e Aristteles, na viso rabe

  • FILOSOFIA PARA O ENEM

    Parte III EscolsticaPor volta do sculo XI, diversas transformaes polticas, econmicas e sociais impuseram mudanas profundas na sociedade feudal europeia. O fim das guerras de invases, no sculo IX, prenunciava um perodo de expanso populacional que, entre os sculos X e XI, atingiu um pice.

    Alm do longo perodo de relativa paz, a ausncia de grandes epidemias ou catstrofes naturais e o maior acesso ao alimento contriburam para aumentar a expectativa de vida e reduzir a mortalidade infantil. Na segunda metade do sculo XI, a Europa viveu uma verdadeira exploso demogrfica, que teve como resultado a fome. Diversas medidas foram tomadas para tentar solucionar o problema: expanso das terras cultivveis, superexplorao do trabalho e expulso de camponeses, expanso militar dos reinos medievais. As consequncias imediatas nem sempre foram positivas: desequilbrio ecolgico, revoltas camponesas e aumento da intolerncia religiosa. A

    Europa feudal pouco a pouco assistia ao surgimento de um novo modelo de sociedade:1. As diversas guerras, como as Cruzadas, a Reconquista e a expanso Germnica a Leste, reforaram o poder dos reis, que gradualmente foram tomando da nobreza feudal o poder poltico;2. A expulso dos servos levou a um renascimento das cidades, fazendo com que a produo agrcola do campo perdesse parte do carter de subsistncia. Para abastecer as novas cidades, os feudos tiveram que inovar, implementando tecnologias que aumentavam a produtividade;3. O crescimento das cidades coincidiu com a retomada do comrcio, fortalecendo cada vez mais um nova classe mercantil urbana: a burguesia;4. O contato dos europeus com outras culturas provocou um incio de fragmentao na hegemonia ideolgica de Roma, fazendo surgir correntes internas na Igreja, como as ordens dos franciscanos e dominicanos.

    Nominalismo versus Realismo: Duas correntes filosficas, dentro da teologia catlica, se rivalizavam. Os realistas, de influncia socrtica, acreditavam que os universais, como exposto por Plato, tinham existncia prpria, em um mundo das Ideias. No s esses universais so reais, como so anteriores e mais essenciais que as coisas particulares. J os nominalistas, influenciados por Aristteles, afirmavam que os universais so meros nomes e, por se referirem aos particulares, estes (as coisas) vm antes que aqueles (as ideias).

    Pietro Abelardo (1079 - 1142)A chave para encontrarmos a sabedoria a interrogao permanente e regular

    Nessa nova Europa, de grandes mudanas, a ideia de livre-arbtrio, abandonada pelo agostinianismo neoplatnico, volta a ser central. Abelardo, na passagem do sculo XI para o XII, foi um importante nominalista cuja obra foi o ponto de partida uma verdadeira revoluo nas relaes da Igreja com o saber: sua obra foi um estmulo essencial para a criao de universidades na Europa Ocidental. Em seus textos, ele defendia a necessidade da Igreja de orientar os fieis a construrem sua prpria autonomia, sua capacidade de decidir entre o bem e o mal, expressando uma das maiores mudanas na teologia da Baixa Idade Media: a ideia de que

    a salvao era resultado das boas aes do indivduo.

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  • FILOSOFIA PARA O ENEM

    Toms de Aquino (1221 1274)Os princpios inatos na razo se demonstram verdadeiros ao ponto de no ser possvel pensar que eles sejam falsos

    O mais importante filsofo da Igreja, Toms de Aquino conseguiu impor o aristotelismo nominalista como base da nova doutrina oficial de Roma. O tomismo, por ser nominalista, dava nfase mais aos particulares que aos universais. E, por decorrncia, d maior importncia experincia, aos sentidos. Toms afirmava que no existe nada no intelecto que no tenha sido primeiro uma experincia sensorial.A filosofia tomista cria um importante dualismo na esfera do conhecimento: de um lado, a Razo produz o saber racional; de outro, a Revelao permite alcanar um saber que no passa pela razo, mas pela f. O equvoco de Toms foi acreditar que no havia conflito entre Razo e F e, portanto, filosofia e teologia eram perfeitamente conciliveis. As

    consequncias imprevistas de suas ideias foram o surgimento do humanismo antiescolstico e o prprio movimento reformista.

    Guilherme de Ockham (1285 - 1349)Racionalizo e creio. Mas no uso a razo para compreender a f, nem a f para compreender a razo

    Monge franciscano do sculo XIV, Guilherme foi um grande adversrio do Papa, ao condenar veementemente as preocupaes do Vaticano com questes polticas. Empirista, acreditava que o nico conhecimento possvel resultado da experincia. Sua mais famosa afirmao, no se deve multiplicar os entes alm do necessrio, ficou conhecida como A Navalha de Ockham. Em certa medida, essa frase uma reao contra a filosofia escolstica, que era profusa em interminveis discursos: se uma simples explicao basta, intil procurar outra complexa.

    EXERCCIOS

    QUESTO 011A filosofia de Agostinho (354 430) estreitamente devedora do platonismo cristo milans: foi nas tradues de Mrio Vitorino que leu os textos de Plotino e de Porfrio, cujo espiritualismo devia aproxim-lo do cristianismo. Ouvindo sermes de Ambrsio, influenciados por Plotino, que Agostinho venceu suas ltimas resistncias (de tornar-se cristo).

    PEPIN, Jean. Santo Agostinho e a patrstica ocidental. In: CHTELET, Franois (org.) A Filosofia medieval. Apesar de ter sido influenciado pela filosofia de Plato, por meio dos escritos de Plotino, o pensamento de Agostinho apresenta muitas diferenas se comparado ao pensamento de Plato.Assinale a alternativa que apresenta, corretamente, uma dessas diferenas.

    Para Agostinho, possvel ao ser humano obter o conhecimento verdadeiro, enquanto, para Plato, a verdade a respeito do mundo inacessvel ao ser humano.

    Para Plato, a verdadeira realidade encontra-se no mundo das Ideias, enquanto para Agostinho no existe nenhuma realidade alm do mundo natural em que vivemos.

    Para Agostinho, a alma imortal, enquanto para Plato a alma no imortal, j que apenas a forma do corpo.

    Para Plato, o conhecimento , na verdade, reminiscncia, a alma reconhece as Ideias que ela contemplou antes de nascer; Agostinho diz que o conhecimento resultado da Iluminao divina, a centelha de Deus que existe em cada um.

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  • FILOSOFIA PARA O ENEM

    QUESTO 012A grande contribuio de Toms de Aquino para a vida intelectual foi a de valorizar a inteligncia humana e sua capacidade de alcanar a verdade por meio da razo natural, inclusive a respeito de certas questes da religio.Discorrendo sobre a possibilidade de descobrir a verdade divina, ele diz que h duas modalidades de verdade acerca de Deus. A primeira refere-se a verdades da revelao que a razo humana no consegue alcanar, por exemplo, entender como possvel Deus ser uno e trino. A segunda modalidade composta de verdades que a razo pode atingir, por exemplo, que Deus existe.Indique a afirmativa que melhor expressa o pensamento de Toms de Aquino.

    A f o nico meio do ser humano chegar verdade.

    O ser humano s alcana o conhecimento graas revelao da verdade que Deus lhe concede.

    Mesmo limitada, a razo humana capaz de alcanar certas verdades por seus meios naturais.

    A Filosofia capaz de alcanar todas as verdades acerca de Deus.

    Deus um ser absolutamente misterioso e o ser humano nada pode conhecer dEle.

    QUESTO 013A teologia natural, segundo Toms de Aquino (1225-1274), uma parte da filosofia, a parte que ele elaborou mais profundamente em sua obra e na qual ele se manifesta como um gnio verdadeiramente original. Se se trata de fsica, de fisiologia ou dos meteoros, Toms simplesmente aluno de Aristteles, mas se se trata de Deus, da origem das coisas e de seu retorno ao Criador, Toms ele mesmo. Ele sabe, pela f, para que limite se dirige, contudo, s progride graas aos recursos da razo.

    GILSON, Etienne. A Filosofia na Idade Mdia, So Paulo: Martins Fontes, 1995, p. 657.De acordo com o texto acima, correto afirmar que

    a obra de Toms de Aquino uma mera repetio da obra de Aristteles.

    Toms parte da revelao divina (Bblia) para entender a natureza das coisas.

    as verdades reveladas no podem de forma alguma ser compreendidas pela razo humana.

    necessrio procurar a concordncia entre razo e f, apesar da distino entre ambas.

    QUESTO 014Para responder a questo, leia o seguinte texto.

    O universal o conceito, a ideia, a essncia comum a todas as coisas (por exemplo, o conceito de ser humano). Em outras palavras, pergunta-se se os gneros e as espcies tm existncia separada dos objetos sensveis: as espcies (por exemplo, o co) ou os gneros (por exemplo, o animal) teriam existncia real? Ou seriam apenas ideias na mente ou apenas palavras?

    ARANHA, M. L. A. & MARTINS, M. H. Filosofando. 3 edio. So Paulo: Moderna, 2003, p. 126.A resposta correta pergunta formulada no texto acima, sobre os universais, :

    Segundo os nominalistas, as espcies e gneros universais so meras palavras que expressam um contedo mental, sem existncia real.

    Segundo os nominalistas, os universais so conceitos, mas tm fundamento na realidade das coisas.

    Segundo os nominalistas, os universais (gneros e espcies) so entidades realmente existentes no mundo das Ideias, sendo as coisas deste mundo meras cpias destas Ideias.

    Segundo os nominalistas, os gneros e as espcies universais existem realmente, mas apenas na mente de Deus.

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  • FILOSOFIA PARA O ENEM

    QUESTO 015Leia o texto a seguir sobre o problema dos universais.

    Ockham adota o nominalismo, posio inaugurada em uma verso mais radical por Roscelino (sc. XII), [que] afirma serem os universais apenas palavras, flatus vocis, sons emitidos, no havendo nenhuma entidade real correspondentes a eles.

    MARCONDES, D. Iniciao histria da filosofia: dos pr-socrticos a Wittgenstein.Marque a alternativa correta.

    Segundo o texto acima, o termo humanidade, aplicvel a uma multiplicidade de indivduos, indica um modo de ser das realidades extramentais.

    Segundo o texto acima, o termo humanidade, aplicvel a uma multiplicidade de indivduos, apenas um conceito pelo qual nos referimos a esse conjunto.

    Segundo o texto acima, o termo humanidade, aplicvel a uma multiplicidade de indivduos, determina entidades metafsicas subsistentes.

    Segundo o texto acima, o termo humanidade, aplicvel a uma multiplicidade de indivduos, determina formas de substncia individual existentes.

    QUESTO 016Com efeito, alguns tomam a coisa universal da seguinte maneira: eles colocam uma substncia essencialmente a mesma em coisas que diferem umas das outras pelas formas; essa a essncia material das coisas singulares nas quais existe, e uma s em si mesma, sendo diferente apenas pelas formas dos seus inferiores.

    ABELARDO, Lgica para principiantes. So Paulo: Abril Cultural, 1973. Coleo Os Pensadores. p. 218.Sobre o texto acima, correto afirmar que

    trata-se de uma tese realista, pois demonstra que a coisa universal existe por si mesma e constitui a essncia material das coisas singulares.

    defende a tese nominalista, segundo a qual os universais no podem existir fora dos sujeitos de que so atributos.

    os universais so termos significativos, pois no so uma nica essncia em si mesmos.

    distingue as coisas singulares pela quantidade de matria que nelas se apresentam.

    QUESTO 017A Patrstica, filosofia crist dos primeiros sculos, poderia ser definida como

    retomada do pensamento de Plato, conforme os modelos teolgicos da poca, estabelecendo estreita relao entre filosofia e religio.

    configurao de um novo horizonte filosfico, proposto por Santo Agostinho, inspirado em Plato, de modo a resgatar a importncia das coisas sensveis, da materialidade.

    adaptao do pensamento aristotlico, conforme os moldes teolgicos da poca.

    criao de uma escola filosfica, que visava combater os ataques dos pagos, rompendo com o dualismo grego.

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  • FILOSOFIA PARA O ENEM

    QUESTO 018Segundo o texto abaixo, de Agostinho de Hipona (354-430 d. C.), Deus cria todas as coisas a partir de modelos imutveis e eternos, que so as ideias divinas. Essas ideias ou razes seminais, como tambm so chamadas, no existem em um mundo parte, independentes de Deus, mas residem na prpria mente do Criador,

    [...] a mesma sabedoria divina, por quem foram criadas todas as coisas, conhecia aquelas primeiras, divinas, imutveis e eternas razes de todas as coisas, antes de serem criadas [...].

    Sobre o Gnese, VConsiderando as informaes acima, correto afirmar que se pode perceber:

    que Agostinho modifica certas ideias do cristianismo a fim de que este seja concordante com a filosofia de Plato, que ele considerava a verdadeira.

    uma crtica radical filosofia platnica, pois esta contraditria com a f crist.

    a influncia da filosofia platnica sobre Agostinho, mas esta modificada a fim de concordar com a doutrina crist.

    uma crtica violenta de Agostinho contra a filosofia em geral.

    UNIDADE III Filosofia Moderna

    Parte I Humanismo

    O sculo XIV foi o momento de mais acentuado declnio dos valores que caracterizavam a estrutura feudal europeia - em parte graas j prolongada crise do feudalismo, marcada pelo renascimento urbano iniciado no sculo XII e pelo renascimento comercial do sculo XIII, em parte graas a um conjunto de catstrofes (Peste Negra, Revoltas Camponesas, Crise de Fome, Guerra dos Cem Anos) que, no conjunto, so chamadas de Crise do Sculo XIV.Ao final do sculo, o poder poltico nos reinos europeus ocidentais havia migrado, em grande parte, da nobreza rural para governos monrquicos centralizados. A expanso martima, primeiro a italiana no Mediterrneo (entre os sculos XIII e XV), depois a ibrica no Atlntico (a partir do sculo XV), expandiu os horizontes do homem europeu. As universidades fundadas pela Igreja tornavam-se polos de crtica cultura medieval (e prpria filosofia escolstica) e refletiam o ponto de vista da cada vez mais importante classe burguesa. O advento da imprensa permitiu a circulao das obras de autores clssicos, at ento pouco acessveis, ao mesmo tempo em que incentivou novos autores a publicarem seus textos.Nesse perodo, quatro movimentos sintetizam uma Europa que se transforma rapidamente: o Renascimento Italiano, a Filosofia Humanista, a Reforma Protestante e a Revoluo Cientfica.

    Apesar de alguns autores tratarem o Humanismo como uma mera caracterstica do Renascimento, a Filosofia Humanista foi um movimento prprio, que influencia profundamente os artistas renascentistas, assim como influenciaria, mais tarde, grande parte dos movimentos intelectuais predominantes at o sculo XIX. Em grande medida, a confuso deriva de dois fatores: 1) a maior parte dos pensadores ligados ao Renascimento eram, tambm, filsofos humanistas; e 2) todas as caractersticas do humanismo podem ser observadas nas obras da Renascena. Porm, enquanto o Renascimento foi um movimento artstico e literrio, o Humanismo uma corrente filosfica. Ambos, como dito acima, compartilham diversas caractersticas fundamentais:

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  • FILOSOFIA PARA O ENEM

    H uma valorizao da capacidade crtica do Homem. Ao invs de acatar passivamente as verdades impostas pelas velhas instituies de poder (em especial a Igreja), o Racionalismo defende a necessidade de investigar o mundo de maneira ctica;

    A filosofia e a arte depositam grande nfase no Homem, como sujeito e objeto das preocupaes ticas e estticas da arte e da filosofia. Foi um perodo de grande Otimismo, uma vez que esse Antropocentrismo levava convico de que no haveria absolutamente nada que o Homem no pudesse alcanar se empregar de forma dedicada seus esforos;

    No campo da f, permanece a concepo crist de que o Homem feito imagem e semelhana de Deus. Porm, essa crena refora a centralidade do papel do indivduo, na medida em que este, semelhante ao Criador, tambm capaz de criar alm de, atravs da razo, poder compreender e modificar a natureza. O Naturalismo defendia a ideia de que todos os fenmenos so resultado de leis naturais. Na medida em que nada sobrenatural operava no mundo, nada estava fora do alcance da razo humana;

    O modelo esttico e epistemolgico adotado pelos filsofos e artistas do perodo foi aquele fundado pelos gregos. O Classicismo, valorizao da cultura greco-romana, o elemento mais evidente da arte e do pensamento da poca, justificando, inclusive, a adoo da expresso renascimento como uma retomada dos valores da antiguidade clssica;

    Enquanto a Escolstica adotava uma postura aristotlica, que se refletia na nfase na linguagem como forma de se alcanar as verdades, a Idade Moderna assiste a uma retomada da filosofia platnica em especial revalorizao da matemtica como base essencial para a compreenso e representao do universo.

    Battista Alberti (1404 - 1472)Quando percebo que as foras dos cus e dos planetas esto do nosso lado, sinto-me vivendo entre deuses

    O mais importante pensador humanista da Itlia, Alberti foi tambm um importante arquiteto, poeta, pintor e msico. Sua arte e sua filosofia so profundamente influenciados por Pitgoras e pelo arquiteto romano Vetrvio. Para Alberti, h uma equivalncia entre a consonncia audvel dos intervalos numricos e a consonncia visual no desenho arquitetnico. As propores geomtricas dos corpos so dotadas de uma harmonia que, em ltima instncia, corresponde ao ideal de beleza universal buscado pelo Renascimento.

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  • FILOSOFIA PARA O ENEM

    Thomas More (1478 - 1535)O homem que segue o impulso da natureza aquele que obedece voz da razo

    Apesar da sua vasta obra, Thomas More (ou Morus) quase exclusivamente lembrado por uma fantasia poltica chamada Utopia. Neste livro, Morus faz um relato inspirado na Repblica de Plato, imaginando uma ilha, Utopia, onde todos os homens so iguais, a propriedade privada inexistente, os sbios governam e o trabalho obrigatrio para todos. Amigo e conselheiro de Henrique VIII, rei da Inglaterra que rompeu com a Igreja de Roma, Morus (ou More) teve uma trajetria poltica ascendente, tornando-se primeiro ministro do governo. Perdeu a amizade do rei quando decidiu no reconhecer o casamento de Henrique com Ana Bolena. Foi julgado e condenado morte como traidor, por afirmar que o Parlamento no

    podia tornar o rei chefe da Igreja.

    Erasmo de Rotterdam (1466 - 1536)Aquilo que os olhos so para o corpo a razo para a alma

    Depois de ter passado um tempo em uma escola monstica, Erasmo desenvolveu um dio duradouro em relao severidade da escolstica, contra a qual se rebelou. Suas crticas Igreja o tornam um nome frequente entre os precursores da Reforma apesar de ele no a ter apoiado, quando ocorreu. Sua obra mais conhecida O Elogio da Loucura, foi escrita na casa de More. O ttulo uma brincadeira com o nome de Morus, j que loucura, em grego antigo, Morias. O livro uma stira que, apesar de ridicularizar diversos aspectos da organizao social e poltica do sculo XVI, centra suas mais contundentes crticas na Igreja.

    Montaigne (1533 1592)

    "Meditar sobre a morte meditar sobre a liberdade; quem aprendeu a morrer, desaprendeu de servir

    A maior contribuio desse francs para o pensamento ocidental foi a criao do ensaio como forma de expresso literria. Seus Ensaios, marcados pelo subjetivismo e pelo ceticismo, atingem o ponto mais intenso do antropocentrismo renascentista. Mais que colocar o homem no centro do universo, Montaigne colocou a si mesmo. Ao analisar sua prpria conduta moral em dezenas de textos, ele criou uma obra que, no conjunto, estabelece uma profunda reflexo sobre a tica no mundo moderno.

    Parte II Revoluo CientficaO neoplatonismo e o neopitagorismo da filosofia humanista permitiram aos homens do sculo XVI uma maior compreenso da estrutura numrica das coisas. Esse ambiente intelectual foi essencial para o advento da cincia. Um dos primeiros passos para a Revoluo Cientfica foi a retomada da teoria heliocntrica de Aristarco. Ainda na primeira metade do sculo XVI, o polons Coprnico expunha sua hiptese: a teoria heliocntrica das rbitas circulares. Na sequncia, Kepler d um passo alm, demonstrando que as rbitas dos planetas eram elpticas. Sem dvida, porm, o grande nome da Revoluo Cientfica foi o britnico Isaac Newton. J no final do sculo XVII, Newton sistematizou uma teoria geral da dinmica, em seu Princpios Matemticos da Filosofia Natural. Suas trs leis da dinmica e sua Lei da Gravitao Universal fundaram a Fsica como disciplina autnoma, e forneceram a chave matemtica para se compreender o universo.Outros grandes filsofos da poca desvendaram importantes fenmenos naturais: Gilbert estudou o magnetismo, Huygens elaborou a teoria ondulatria da luz, Giordano Bruno defendeu a infinitude do universo e antecipou algumas ideias evolucionistas, Boyle retomou a teoria atmica de Demcrito, Redi refutou a teoria da abiognese, Paracelso demonstrou as relaes entre o equilbrio qumico do organismo e a sade, van Leeuwenhoek descobriu os microorganismos, Ambroise Par revolucionou a medicina ao idealizar membros e olhos artificiais e implantes dentrios.

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  • FILOSOFIA PARA O ENEM

    O Mtodo CientficoEra consenso, com a consolidao do Humanismo, que a estrutura lgica do silogismo de Aristteles no atendia s demandas do avano da cincia. O mtodo aristotlico, ao desprezar as operaes de induo, partia sempre de axiomas universais, favorecendo assim o pensamento dogmtico que a Renascena procurava combater. Era necessrio construir as hipteses atravs de um mtodo criterioso. Diversos filsofos se dispuseram ao desafio de estabelecer esse novo mtodo, ao longo do sculo XVII. Trs deles se destacaram: Galileu Galilei, Ren Descartes e Francis Bacon.

    Galileu Galilei (1564 1642)"No me sinto obrigado a acreditar que o mesmo Deus que nos dotou de razo e intelecto pretenda que no os utilizemos"

    O livro do mundo est escrito em linguagem matemtica

    Clebre por suas contribuies tericas e instrumentais astronomia e fsica mecnica, o italiano Galileu, sob ameaa do Tribunal do Santo Ofcio, acreditava em um mundo regido por leis matematicamente sistematizveis. Sua metodologia para a compreenso da natureza pode ser resumida em trs etapas:

    1. Observao do fenmeno;2. Experimentao / reproduo em laboratrio;3. Elaborao de enunciados matemticos que descrevam o fenmeno.

    Ren Descartes (1596 - 1650)"Se quiser buscar a verdade, preciso que ao menos um vez em sua vida voc duvide, ao mximo possvel, de todas as coisas"

    Esse francs tornou-se um dos mais influentes pensadores de todos os tempos. A base de sua filosofia era a dvida metdica: devemos questionar de todas as verdades e certezas previamente estabelecidas. Sua conhecida frmula Cogito ergo sum (Penso, logo existo) resultado desse mtodo: todas as minhas certezas baseadas nos sentidos devem ser colocadas em dvida. Assim, minha existncia individual no pode ser comprovada pelo que me informam meus olhos, meus ouvidos, meu tato, ou outros sentidos. Todos eles podem estar iludidos. Por exemplo, posso pensar que estou me vendo no espelho e estar enganado. Posso pensar que me percebo em frente a um computador digitando este texto, mas tudo pode no passar de uma

    iluso. Em resumo, posso pensar que ando mesmo sem estar andando. Posso pensar que como mesmo sem estar comendo. Mas se penso que estou pensando, no tenho como me equivocar. Se penso, existo. A filosofia cartesiana parte deste clssico exemplo para concluir que a dvida s o ponto de partida para o estabelecimento de certezas inequvocas. A corrente filosfica inaugurada por Descartes o idealismo ou racionalismo, e sua tese principal : a produo de conhecimento subjetiva, ou seja, se d no sujeito pensante e no no objeto pensado. Com grandes contribuies ao desenvolvimento da matemtica, em especial a concepo do plano cartesiano e a geometria analtica, Descartes estabelece uma metodologia que difere da galileica por no dar a ateno devida ao fenmeno natural, exterior e objetivo.

    Para Descartes, a construo do conhecimento se d em quatro regras:1. Evidncia, que consiste em definir o objeto como vlido a partir de uma abordagem crtica

    baseada na dvida;2. Anlise, que consiste em fragmentar o objeto-problema em partes;3. Sntese, que consiste em ordenar as partes do problema do mais simples para o mais

    complexo;4. Enumerao, que consiste na verificao completa do problema para se certificar de que

    todos os aspectos do problema foram devidamente abordados.

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  • FILOSOFIA PARA O ENEM

    Francis Bacon (1561 1626)"A verdade surge mais facilmente do erro do que da confuso"

    Enquanto Descartes a base da corrente idealista, o ingls Bacon lanou as ideias que, logo em seguida, levaram ao surgimento da escola do empirismo britnico. Invertendo a lgica aristotlica, Francis Bacon prioriza o mtodo indutivo como instrumento essencial da produo de conhecimento. Os axiomas aristotlicos so vistos por ele como dogmas, preconceitos, dolos que impediam o desenvolvimento da cincia. Bacon identifica quatro dolos:

    dolos da tribo: preconceitos ou dogmas resultantes da confiana excessiva nos sentidos humanos;

    dolos da caverna: preconceitos ou dogmas resultantes das caractersticas subjetivas, das manias, das excentricidades do indivduo;

    dolos do mercado (ou do foro): preconceitos ou dogmas resultantes do mau uso da linguagem; dolos do teatro: preconceitos ou dogmas resultantes da adoo de sistemas filosficos e/ou ideias

    equivocadas.A superao desses dolos pode ser alcanada atravs de um rgido mtodo de investigao cientfica, composto por quatro etapas, que substituem a deduo aristotlica por uma perspectiva indutivista:

    1. Observao cuidadosa do fenmeno a ser estudado;2. Organizao dos dados coletados;3. Formulao de hipteses que permitam compreender o fenmeno;4. Experimentao que permita a comprovao das hipteses formuladas.

    Parte III Empirismo InglsEnquanto a filosofia humanista era ameaada na Europa continental pelas aes repressoras da Contrarreforma, especialmente atravs do Tribunal do Santo Ofcio, os filsofos ingleses gozavam de razovel liberdade de pensamento e expresso. Ao mesmo tempo em que a burguesia exercia um papel cada vez mais importante na estrutura social e econmica inglesa, o Estado sob controle dos reis Stuart perseguiam os puritanos e criavam obstculos para o desenvolvimento da economia mercantil. Duas contradies podem ser observadas: primeiramente, a liberdade de expresso na produo filosfica coexiste com a ausncia de liberdade religiosa. Em segundo lugar, a importncia socioeconmica da burguesia no d a ela voz poltica. So essas duas contradies que fazem explodir a Revoluo Puritana, em 1640 uma guerra civil que conduziu a Inglaterra a um curto perodo de uma ditadura republicana burguesa (a Repblica de Cromwell) e que influenciou profundamente o principal filsofo britnico do perodo: Thomas Hobbes.As transformaes polticas se aprofundaram dcadas mais tarde, com a Revoluo Gloriosa a burguesia finalmente chegava ao poder poltico atravs da construo de um novo contrato social: a Monarquia Parlamentar.A filosofia inglesa desse perodo diferia-se da que era produzida no continente justamente por refletir de uma forma mais intensa uma viso de mundo caracterstica dessa burguesia em ascenso. Enquanto o racionalismo cartesiano valorizava o sujeito pensante e era a grande influncia dos principais filsofos continentais, como o francs Pascal, o alemo Leibniz, o holands Spinoza e o italiano Vico, na ilha britnica pensadores como Thomas Hobbes, Isaac Newton e John Locke estavam mais preocupados com o objeto pensado. Para eles, todo processo de obteno de conhecimento era resultado da experincia sensvel seguida da reflexo racional.

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  • FILOSOFIA PARA O ENEM

    Thomas Hobbes (1588 - 1679) "Cincia o conhecimento das consequncias, e da dependncia de um fato em relao a outro"

    A teoria poltica de Hobbes uma das ideias filosficas mais conhecidas da histria do pensamento ocidental. Em seu mais importante livro, Leviat, Hobbes expe a base do que ficar conhecido como contratualismo. O ponto de partida de suas ideias uma concepo profundamente pessimista a respeito do Homem: para este empirista britnico, a vida humana condicionada por um universo regido por leis mecnicas no h espao para a liberdade ou para os valores morais. Submetidos a esse sistema de foras, somos compelidos

    a pensar e agir no sentido mais natural possvel: o da autopreservao. Desta forma, a natureza humana forjada a partir da necessidade de conservao da vida. Por isso, em essncia, somos egostas. Entregues a essa nossa natureza, estamos inclinados a fazer o que for necessrio para sobrevivermos e, portanto, tendemos a ver no outro uma ameaa. Neste estado de guerra de todos contra todos, afirma Hobbes, o homem o lobo do homem. Para escapar dessa violncia generalizada, os homens se renem e delegam uma autoridade com poderes para criar regras e imp-las ao grupo. Assim, eles saem do estado de natureza atravs da criao de um contrato social. Hobbes conclui que a ausncia de liberdade dos cidados no estado de sociedade um mal menor, pois o que garante a sobrevivncia das comunidades dos homens.O frontispcio de sua obra principal (veja imagem direita) bastante ilustrativo de suas ideias. O monstro Leviat, cujo corpo formado pela soma dos sditos enquanto a cabea representa o governante, paira sobre uma cidade. Na mo direita ele carrega a espada e na esquerda o bculo: respectivamente, os smbolos do poder civil e religioso. Acima, uma citao do Livro de J: No h poder na Terra que se compare a ele. No trptico, na parte de baixo, as duas colunas esquerda e direita possuem elementos que representam o poder civil e religioso: castelo e igreja, coroa e mitra, canho e excomunho, armas e discurso, campo de batalha e tribunal religioso.

    John Locke (1632 - 1704)"Uma coisa demonstrar a um homem que ele est errado, outra coloc-lo de posse da verdade"

    Em pelo menos duas reas da filosofia a contribuio de John Locke das mais importantes na histria da filosofia: a epistemologia e a teoria poltica.Locke rejeita toda ideia inatista ou seja, ele acredita que todo conhecimento humano resultado da experincia. Nossa mente , quando nascemos um quadro em