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Oficinas de Física: Uma proposta para desmitificar o ensino de Física e conduzir para uma aprendizagem significativa. Gilvandenys Leite Sales 1 Maria Núbia Barbosa 2 [email protected] [email protected] 1,2 – CENTRO FEDERAL DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA DO CEARÁ Resumo O ensino de Física, como se apresenta: planificado nos livros, longe de conte xtualizações e desprovido da experimentação, pouco tem contribuído para minimizar a exclusão discente no espaço escolar. O que se pretende com este trabalho é desmitificar o ensino de Física, ao apontar para uma proposta pedagógica de caráter lúdico - as Oficinas de Física - sem perder contudo, a cientificidade do conhecimento. Como procedimento metodológico adotou-se a pesquisa-ação tendo como instrumental de investigação a prática da observação participativa. Nesta perspectiva fundamenta-se na teoria de David Ausubel, que privilegia a aprendizagem significativa, articulada com a proposta interacionista de Vygotsky, posto que a mesma enfoca o desenvolvimento cognitivo, sintonizado com o ambiente sócio- cultural. Como resultados parciais, foi verificada a melhoria na aprendizagem dos conteúdos de Física, revelado nas avaliações dos alunos. Apontou também que a interação entre os sujeitos envolvidos: pedagogos, professores, licenciandos em Física e alunos, propiciou pluralidade de olhares e de ações, práticas que tão bem se adequaram ao tratamento da Física, ciência tida como complexa, mas que em realidades diversas, fora das quatro paredes da sala de aula, como em exposições dentro de shopping- center, quebra o seu rigor ao render -se aos encantos do lúdico. Pal avras chave: Oficinas de Física, ensino de Física, aprendizagem significativa. Introdução Este trabalho apresenta uma proposta de metodologia para o ensino de Física em desenvolvimento no Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará, conta com o apoio da Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico - FUNCAP e envolve a construção do conhecimento por meio de oficinas. As Oficinas de Física tem por objetivo: desmitificar o ensino de Física, apontar para um caminho lúdico e prazeroso, reduzir a dicotomia teoria-prática e explorar uma Física fenomenológica, contextualizada e interdisciplinar. Utilizam materiais concretos de fácil aquisição e conduzem à confecção de modelos experimentais que facilitam o entendimento dos fenômenos físicos que se desejam estudar. As oficinas: “Brincando com Cargas Elétricas” e “Estática Divertida” foram aplicadas na disciplina Física Aplicada nos cursos técnicos, respectivamente, de telecomunicações e edificações, bem como a alunos do ensino médio, em turmas que não excediam uma média de 25 alunos. Não se pretende, à priori, abordar especificidades destas oficinas, mas apontá-las como possíveis estratégias metodológicas na transposição didática dos conteúdos de Física. Embasamento legal: As reformas educacionais A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB/1996 prevê as diretrizes para o currículo do ensino médio de forma a estar presente a interdisciplinaridade e a formação de habilidades e competências. As implementações das reformas educacionais definidas pela LDB foram regulamentadas pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio – DCNEM/1998, que explicitam a articulação das competências gerais que se desejam promover. Com enfoque na perspectiva interdisciplinar e contextualizada, de maneira a organizar os currículos, moldados em competências e habilidades, que apontem para uma aprendizagem

Física

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Oficinas de Física: Uma proposta para desmitificar o ensino de Física e conduzir para uma aprendizagem significativa.

Gilvandenys Leite Sales1 Maria Núbia Barbosa2 [email protected] [email protected] 1,2 – CENTRO FEDERAL DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA DO CEARÁ

Resumo O ensino de Física, como se apresenta: planificado nos livros, longe de contextualizações e desprovido da experimentação, pouco tem contribuído para minimizar a exclusão discente no espaço escolar. O que se pretende com este trabalho é desmitificar o ensino de Física, ao apontar para uma proposta pedagógica de caráter lúdico - as Oficinas de Física - sem perder contudo, a cientificidade do conhecimento. Como procedimento metodológico adotou-se a pesquisa-ação tendo como instrumental de investigação a prática da observação participativa. Nesta perspectiva fundamenta-se na teoria de David Ausubel, que privilegia a aprendizagem significativa, articulada com a proposta interacionista de Vygotsky, posto que a mesma enfoca o desenvolvimento cognitivo, sintonizado com o ambiente sócio-cultural. Como resultados parciais, foi verificada a melhoria na aprendizagem dos conteúdos de Física, revelado nas avaliações dos alunos. Apontou também que a interação entre os sujeitos envolvidos: pedagogos, professores, licenciandos em Física e alunos, propiciou pluralidade de olhares e de ações, práticas que tão bem se adequaram ao tratamento da Física, ciência tida como complexa, mas que em realidades diversas, fora das quatro paredes da sala de aula, como em exposições dentro de shopping-center, quebra o seu rigor ao render-se aos encantos do lúdico. Pal avras chave: Oficinas de Física, ensino de Física, aprendizagem significativa.

Introdução Este trabalho apresenta uma proposta de metodologia para o ensino de Física em

desenvolvimento no Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará, conta com o apoio da Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico - FUNCAP e envolve a construção do conhecimento por meio de oficinas.

As Oficinas de Física tem por objetivo: desmitificar o ensino de Física, apontar para um caminho lúdico e prazeroso, reduzir a dicotomia teoria-prática e explorar uma Física fenomenológica, contextualizada e interdisciplinar. Utilizam materiais concretos de fácil aquisição e conduzem à confecção de modelos experimentais que facilitam o entendimento dos fenômenos físicos que se desejam estudar.

As oficinas: “Brincando com Cargas Elétricas” e “Estática Divertida” foram aplicadas na disciplina Física Aplicada nos cursos técnicos, respectivamente, de telecomunicações e edificações, bem como a alunos do ensino médio, em turmas que não excediam uma média de 25 alunos.

Não se pretende, à priori, abordar especificidades destas oficinas, mas apontá-las como possíveis estratégias metodológicas na transposição didática dos conteúdos de Física.

Embasamento legal: As reformas educacionais A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB/1996 prevê as diretrizes para o

currículo do ensino médio de forma a estar presente a interdisciplinaridade e a formação de habilidades e competências. As implementações das reformas educacionais definidas pela LDB foram regulamentadas pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio – DCNEM/1998, que explicitam a articulação das competências gerais que se desejam promover. Com enfoque na perspectiva interdisciplinar e contextualizada, de maneira a organizar os currículos, moldados em competências e habilidades, que apontem para uma aprendizagem

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significativa, os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio – PCNs/1999 prevêem uma reformulação do currículo de Física no Ensino Médio. Porém, o documento mais importante foi lançado em 2002 como um complemento aos PCNs, são os PCNs+ Ensino Médio: Orientações Complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais. Este documento visa implementar as reformas educacionais até então propostas, ao articular as competências gerais que se desejam promover.

“Antes se desejava transmitir conhecimentos disciplinares padronizados, na forma de informações e procedimentos estanques; agora se deseja promover competências gerais, que articulem conhecimentos, sejam estes disciplinares ou não” (BRASIL, 2002 p.11). Os PCNs + reforçam a necessidade de considerar o mundo vivencial em que o jovem está

inserido, sua concepção de mundo e modelos intuitivos que ele traz em sua bagagem cultural. “A nova escola de ensino médio não há de ser mais um prédio, mas um projeto de realização humana, recíproca e dinâmica, de alunos e professores ativos e comprometidos, em que o aprendizado esteja próximo das questões reais...” (BRASIL, 2002 p.11). Também reforçam o uso e sentido da experimentação: “É indispensável que a experimentação esteja sempre presente ao longo de todo o processo de desenvolvimento das competências em Física, privilegiando-se o fazer, manusear, operar, agir, em diferentes formas e níveis” (BRASIL, 2002 p.84).

Estes documentos não trazem uma receita a ser seguida sem espírito crítico, mas sim uma sugestão do que fazer para criar o novo, de maneira onde estejam presentes a interdisciplinaridade e a formação de competências e habilidades.

As Oficinas de Física podem contribuir para uma nova fase do ensino da Física, ao seguir o que é sugerido nos PCNs+, que apontam para um conhecimento com significado no momento mesmo de seu aprendizado, não valorizando “o que ensinar de Física”(BRASIL, 2002 p.61), cuja preocupação central está nos conteúdos, mas sim “para que ensinar Física”(BRASIL,2002 p.61), o que levará o aluno a adquirir competências para lidar com situações reais que esteja vivenciando ou que venha a vivenciar no futuro.

Oficinas de Física: Um processo de socialização Para que a prática pedagógica venha a adaptar-se às novas exigências é necessário que escolas e

professores busquem uma nova postura e forma de ser, e que rompam com o modelo tradicional vigente.

Os professores devem ser antes de tudo mediadores e sobretudo motivadores daquilo que se quer ensinar.

Antes mesmo de estudar em eletrostática os conceitos de carga elétrica e suas interações, pode-se fazer alguns experimentos simples com canudos de refrigerantes, bolas de aniversário ou atritar uma caneta em um pedaço de tecido ou no próprio cabelo e fazer com que ela atraia pedacinhos de papel. Também, pode-se citar o fato de tubos de televisão e monitores de computadores atraírem os pelos dos braços. Dessa maneira, o aluno atribui significado ao objeto da aprendizagem e desperta maior motivação. É preciso que os professores trabalhem nesta motivação, com a finalidade de reduzir a dicotomia teoria–prática, e até mesmo de desafiar a lógica positivista de organização da ciência, em que a teoria precede a prática.

Esta sinergia entre o aparato que se está construindo numa oficina, o professor, os colegas e o uso da linguagem transformam a sala de aula num ambiente social, levando ao desenvolvimento de suas funções psicológicas superiores.

Esta interação social é fundamentada na teoria de Vygotsky em relação a desenvolvimento e aprendizado.

“O processo de desenvolvimento do ser humano, marcado por sua inserção em determinado grupo cultural, se dá “de fora para dentro”. Isto é, primeiramente o indivíduo realiza ações

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externas, que serão interpretadas pelas pessoas ao seu redor, de acordo com os significados culturalmente estabelecidos” (Oliveira, 1997 p. 39). O aparato que se constrói numa oficina funciona a princípio como instrumento dotado de

significado, que mediará a compreensão inicial do fenômeno físico abordado, mas se transformará em momentos posteriores em verdadeiros signos que auxiliarão na representação mental de modelos físico-matemáticos.

“... o processo de mediação, por meio de instrumentos e signos, é fundamental para o desenvolvimento das funções psicológicas superiores... A mediação é um processo essencial para tornar possível atividades psicológicas voluntárias, intencionais, controladas pelo próprio indivíduo.”(Oliveira,1997.p.33) Adequando-se à teoria de Vygotsky as oficinas de Física procuram trabalhar na zona de

desenvolvimento proximal, guiando o aluno ao seu nível máximo de desenvolvimento cognitivo. Zona de desenvolvimento proximal é o que está compreendido entre o nível de

desenvolvimento real, ou seja, entre aquilo que já se conhece e domina, e o nível de desenvolvimento potencial, aonde com a mediação do professor ou de um colega mais capaz chega-se à compreensão do objeto em estudo.

“A zona de desenvolvimento proximal refere-se, assim, ao caminho que o indivíduo vai percorrer para desenvolver funções que estão em processo de amadurecimento e que se tornarão funções consolidadas, estabelecidas em seu nível de desenvolvimento real” (Oliveira, 1997 p.60). Oficinas de Física valorizam o conhecimento informal e a intuição

Outro fator de grande importância são as idéias poderosas que povoam as mentes de nossos alunos: a intuição. “... precisamos melhorar nossa intuição, depurá-la, mas a pressão sobre nós é para abandoná-la e em seu lugar confiar em equações” (Pappert, 1985).

Trabalhar a intuição, e mesmo o conhecimento informal, num processo de construção em que o aluno por si só chegue a conclusões acerca de determinado fenômeno, ou mesmo mediadas por ajuda, é valorizar sua bagagem cognitiva interior, respeitando-o como um ser social.

Com relação à intuição, Pappert (1985) cita as impressões de um aluno ao observar um giroscópio: “Penso que o giroscópio deveria cair em vez de ficar em pé”. E segue mostrando a atitude do professor, ao provar por meio de equações, que ele fica em pé:

“Ao provar que ele ficará em pé, o professor põe sal na ferida, mas não faz nada para curá-la. O que o aluno precisa é algo muito diferente: melhor compreensão de si mesmo, não do giroscópio. Ele deseja saber por que sua intuição gerou uma expectativa errada. Ele precisa saber como trabalhar suas intuições para mudá-las” (Pappert, 1985).

As intuições, bem como nosso conhecimento informal conduz nosso raciocínio e “... se seguíssemos exatamente o que nos diz o nosso pensamento, a estrutura de nossas mentes, necessariamente descobriríamos toda física” (Bondi, 1997). Oficinas de Física: Na busca de uma aprendizagem significativa

As Oficinas de Física são um caminho na formação de subsunçores, como prevê David Ausubel, conforme Moreira (1999, p.151 a 164), em sua teoria da aprendizagem significativa.

Para ele, esse processo envolve a interação da nova informação com uma estrutura de conhecimento específica, a qual define como subsunçor, existente na estrutura cognitiva do indivíduo.

O subsunçor é uma estrutura específica a que uma nova informação pode se integrar e se organizar hierarquicamente no cérebro humano. Funciona como verdadeira âncora que trará significado ao objeto em estudo e que despertará a motivação, bem como aguçará a intuição do aprendiz. Nas Oficinas de Física, por meio de uma visão fenomenológica, associa-se teoria e prática com condições necessárias para o desenvolvimento da aprendizagem significativa. Em outras palavras, disponibiliza-se o material a ser apreendido de maneira relacionável e/ou incorporável a estrutura do aprendiz de maneira não literal e não arbitrária.

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Ademais, o aprendiz, por intermédio de atividades lúdicas e prazerosas, deve manifestar uma disposição para relacionar de maneira substantiva o novo material potencialmente significativo à sua estrutura cognitiva. Ao trabalhar o aluno nas Oficinas de Física, percebe-se como é importante que a aprendizagem se dê de forma construtivista, ou seja, que o aluno busque de forma pessoal o conhecimento, ao trilhar por um caminho que ele mesmo tenta construir, onde faz inferências, levanta hipóteses e tira suas conclusões de maneira independente, e/ou mesmo ao interagir com outros colegas e professor numa espécie de sócio-construção. As Oficinas de Física conduzem o aluno para uma aprendizagem significativa, podendo ser aplicadas mesmo antes de se enveredar pelos trâmites teóricos. Desta maneira, elas funcionam como “organizadores prévios” – estratégia proposta por AUSUBEL com fins de manipular a estrutura cognitiva, cujo intuito é provocar correlações entre o conhecimento que o aprendiz sabe e o que ele deverá vir a saber, para que esse conhecimento seja aprendido de forma significativa.

Conclusões: Com as Oficinas de Física, espera-se, então, desmitificar o ensino da física conferindo-lhe um caráter humanístico. Na construção dos aparatos experimentais, tais como: pêndulos elétricos, eletroscópios de folhas, e em modelos onde se estudam centro de massa e condições de equilíbrio, verificou-se que a interação social e a valorização do conhecimento informal e intuitivo possibilitaram a formação de uma aprendizagem significativa. Já se podem vislumbrar seus efeitos no seguinte depoimento de um aluno do curso de edificações:

“. Hoje posso dizer que gosto das aulas de Física, uma matéria que se tornou agradável e fácil de aprender”.

Desplanificar os conteúdos dos livros didáticos através das Oficinas de Física significa motivar o processo ensino-aprendizagem.

As Oficinas de Física não vêm substituir explanações teóricas necessárias trabalhadas pelo professor em sala de aula, nem tampouco um laboratório didático, mas será uma ferramenta complementar na motivação e na atribuição de significados ao objeto da aprendizagem. Portanto, as Oficinas de Física poderão colaborar para dar um novo rumo ao ensino da física, tida como uma disciplina difícil, além do que, norteará as ações da metodologia aqui proposta.

Referências Bibliográficas BONDI, H. Conjetura e Mito na Física. Trad de Paulo César de Morais. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2ª ed., 1997. BRASIL. MEC, Secretaria de Educação Média e Tecnológica. PCNs+ Ensino Médio: orientações educacionais complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais. Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias. Brasília: MEC, SEMTEC, 2002.144p. PAPPERT, S. Logo: Computadores e Educação. Trad. José Armando Valente, Beatriz Bitelman, Asira Vianna Ripper – Editora Brasiliense S.A. – Título original: Mindstorms – Children, Computer and Powerful Idea, 1985. MOREIRA, M.A. Teorias de Aprendizagem. São Paulo: EPU. 1999. OLIVEIRA, M. K. de. Vigotsky: aprendizado e desenvolvimento: um processo sócio-histórico. São Paulo: Scipione, 4ª ed. - 1998.