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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CURSO DE FÍSICA LICENCIATURA
INSTRUMENTAÇÃO PARA O ENSINO DE FÍSICA A
PROF. ARDEN ZYLBERSZTAJN
19 ABR. 2009
DOUGLAS TAMBANI FLORES1 <[email protected]>
LUIZ GUSTAVO DA SILVA
ROBSON WILL
O Projeto FAI – Física Auto-Instrutivo
No início de 1970 surgiram os primeiros projetos de ensino de Física
genuinamente brasileiros, o PEF (Projeto de Ensino de Física), PBEF (Projeto Brasileiro
de Ensino de Física) e o FAI (Física Auto-Instrutivo), produzidos respectivamente pelo
Instituto de Física da USP, pela FUNBEC (Fundação Brasileira de Educação e Cultura)
e pelo GETEF (Grupo de Estudos em Tecnologia do Ensino de Física). Apesar do PEF
e do FAI terem inicio na USP, apenas o PEF era, vamos dizer, o projeto oficial da
instituição de São Paulo, pois foi financiado por outras instituições ligadas ao
desenvolvimento do ensino.
O FAI por sua vez foi uma iniciativa de professores egressos do curso de Física
Licenciatura da USP, que estavam preocupados com os baixos índices de aprendizagem
de Física por parte de alunos, que eram da rede estadual de ensino de São Paulo. A
partir desta preocupação esta equipe de professores que se reuniu sobre a sigla GETEF,
elaborou um projeto de ensino independente, ou seja, sem a ajuda de um órgão
financiador. Este projeto contou a participação de mais de 20 autores, entre eles
podemos destacar os coordenadores do projeto: Fuad Daher Saad, Kazuo Watanabe e
Paulo Yamamura. Entre tantos colaboradores podemos citar, J. P. Angotti, Marcelo
Tassara, Eda Tassara, Shozo Motoyama e Alberto Gaspar.
Os autores, portanto, estavam preocupados com a crise educacional moderna, o
que os levou a buscar métodos apoiados em fundamentos científicos e tecnológicos para
elaborar novos textos e materiais instrucionais diversos. A influência que os autores do
FAI sofreram vinha diretamente da tecnologia da educação, sendo que muitos
1 Acadêmicos do curso de Física Licenciatura.
1
freqüentaram durante a graduação na USP, a disciplina Tecnologia do Ensino de Física,
ministrada por Cláudio Z. Dib, que participou da elaboração do Projeto Piloto2, onde
estavam preocupados com a inserção de métodos modernos e novas técnicas de ensino,
até então não utilizadas em nosso meio educacional.
As análises feitas pelos realizadores do projeto, através de questionários aplicados
a 86 professores da rede estadual de educação, mostraram um pouco da realidade de
ensino de nosso país. Uma constatação importante foi que: 85% dos professores
ministravam suas aulas de forma expositiva, além do que, mais da metade dos
professores dos três anos do 2º Grau não usavam qualquer tipo de livro texto, e por
último, constataram que 67% dos professores nunca utilizavam o laboratório. Portanto
as características atribuídas ao ensino da época eram que: as escolas ofereciam
instalações inadequadas, ou seja, os laboratórios, bibliotecas, oficinas, locais de
recreação, esportes eram inexistentes ou inadequados. Além da falta de objetivos claros
a serem atingidos pela instituição, também encontravam-se diretores sem a adequada
qualificação pedagógica, geralmente preocupados com as atividades burocráticas e, sem
dúvida, a constante falta de verbas para as despesas mais essenciais. Podemos perguntar
se algumas dessas características ainda continuam presentes no nosso atual contexto
escolar, acreditamos que a resposta é sim.
Continuando com as análises feitas pelos autores do FAI, verificou-se que o
professor tinha um importante papel para o aprendizado dos alunos. Ele era o centro do
sistema educacional, ou seja, ele que articulava todos os meios instrucionais com o
aluno. Não existia, assim, uma aprendizagem sem o “ensino”, portanto o aluno não
entrava em contato diretamente com os outros recursos, como o laboratório, os textos,
recursos audiovisuais e etc. Na visão dos autores isso levava a situações típicas como:
aluno ouvindo, escrevendo e às vezes perguntando, avaliações coletivas dentro de certos
calendários rígidos, pequena flexibilidade dos cursos desenvolvidos, pressuposição de
que todos os alunos aprendem de forma idêntica e apresentam os mesmos pré-
requisitos. Sendo assim a proposta do FAI estruturou-se no aluno, sendo ele o centro do
sistema de ensino, onde utilizou os princípios da Instrução Programada Linear, com o
objetivo básico de construir um sistema auto-instrutivo e deslocar o professor do centro
do sistema de ensino e procurar situar em seu lugar o aluno. O professor passa a ser um
diretor da aprendizagem e o aluno o elemento ativo no processo instrucional. A
2 Projeto da UNESCO para o Ensino de Física, onde foi elaborado um curso de ótica, contendo textos de instrução programada, material simples para experimentos em classe e filmes didáticos.
1
Instrução Programada a qual se baseia o projeto, é derivada da teoria do behaviorismo
de Skinner3. O behaviorismo é a teoria psicológica do inicio do século XX no qual o
comportamento humano é objeto de estudo da psicologia. O termo inglês behavior
significa “comportamento” e foi utilizado pela primeira vez por Watson, que buscava
um objeto observável, mensurável, cujos experimentos poderiam ser reproduzidos em
laboratório, e dava à psicologia a consistência de ciência que os psicólogos da época
vinham buscando. Essas características foram importantes para que a Psicologia
alcançasse o status de ciência4. Um dos autores que mais contribuíram para o
desenvolvimento do behaviorismo foi B. F. Skinner, psicólogo de Harvard. A partir de
testes com animais (ratos, pombos e macacos), ele desenvolveu uma lei comportamental
no qual, o individuo apresenta um determinado comportamento, e o que propicia a
aprendizagem dos comportamentos é a ação do organismo sobre o meio e o efeito dela
resultante ─ a satisfação de alguma necessidade, ou seja, a aprendizagem está na relação
entre uma ação e seu efeito. Este comportamento foi representado da seguinte maneira
por ele: R S, em que R é a reposta e S (do inglês stimuli) o estímulo reforçador, que
tanto interessa ao organismo. Então a Instrução Programada se apropria dessa lei
comportamental para através do texto programado (vamos explicá-lo mais adiante),
permitir que o aluno através de uma resposta (que seria fazer o texto programado, ou
estudar), receba um estímulo (esse estímulo reforçador é quando ele acerta a pergunta,
ou completa o exercício). E isso faz com que ele aumente o seu comportamento, que no
caso é continuar estudando. Então para que a Instrução Programada fizesse esse papel
reforçador no comportamento do aluno, eram necessárias algumas características
básicas como: o conteúdo era dividido em pequenos degraus, assim um conteúdo era
programado em um material que aumentava de dificuldade muito sutilmente, pois era
imprescindível que o aluno não cometesse erros durante a instrução; outra característica
era que cada aluno teria o seu ritmo de aprendizagem.
Portanto os propósitos básicos do projeto FAI eram:
• Fornecer ao professor uma nova metodologia de trabalho.
• Propiciar ao aluno uma possibilidade de aprendizagem efetiva pelo trabalho realizado
(auto-instrução).
• Caracterizar o educador como um elemento orientador, motivador, criador e avaliador.
3 Para mais detalhes acessar o endereço eletrônico:
http://www.youtube.com/watch?v=EXR9Ft8rzhk&feature=related4 Isso segundo os adeptos do behaviorismo.
1
• Elaborar um texto baseado em um método de ensino individualizado.
• Elaborar instrumentos de laboratórios adaptados às nossas condições de ensino.
• Elaborar textos históricos, para propiciar ao aluno uma visão do desenvolvimento da
ciência através do tempo.
• Elaborar recursos audiovisuais.
Através desses propósitos é que foram elaborados os meios instrucionais do
projeto que são subdivididos em: textos auto-instrutivos, aula experimental
(laboratório), recursos audiovisuais e textos históricos. Os textos auto-instrutivos são a
espinha dorsal do projeto, eles eram basicamente um conteúdo programado para o aluno
estudar. Como na instrução programada este texto era elaborado de forma que o aluno
evoluísse no conteúdo de maneira gradual, e era construída uma série de quadros ou
itens de um programa visando levar o aluno a atingir os objetivos pré-determinados,
onde apresentavam um pequeno texto faltando um espaço, e o aluno deveria completar
essa lacuna com a resposta correta, só assim ele poderia passar para a próxima etapa. O
texto programado já vinha com a resposta logo abaixo, e era dado ao aluno uma régua
chamada de máscara, onde ele deveria cobrir a resposta, e somente visualizá-la após
escrever no espaço em branco sua resposta. Esses textos programados estavam incluídos
nos livros do FAI, que juntamente com os textos históricos e experimentos de
laboratório compunham o livro do aluno. Ao todo foram comercializados 5 livros, com
os seguintes conteúdos:
• FAI 1
Sistema Internacional de Unidades;
Funções e Gráficos;
Movimento Retilíneo.
• FAI 2
Vetores;
Força e Movimento.
• FAI 3
Impulso e Quantidade de Movimento Linear;
Energia Mecânica.
• FAI 4
Movimento Angular e Rotação;
Lei Gravitação Universal;
1
Equilíbrio Estático de Líquidos e Termologia.
• FAI 5
Cargas Elétricas em Repouso;
Carga Elétrico em Movimento.
Os experimentos de laboratório eram colocados ao termino dos livros; geralmente
eram experimentos que poderiam ser realizados com materiais de baixo custo (sucata),
visto a precariedade laboratorial de nossas escolas. No laboratório procurava-se
desenvolver atitudes tais como: espírito critico, iniciativa, responsabilidade, motivação,
desenvolvimento do espírito cientifico, criatividade, etc. Os textos históricos ficaram a
cargo de Shozo Motoyama que era ligado ao Instituto de História da USP e também
professor de Física do 2º Grau da rede estadual de ensino de São Paulo. Esses textos
vinham ao final de cada unidade, com relatos históricos do desenvolvimento cientifico
de determinados conteúdos. Os recursos audiovisuais ficaram sob responsabilidade de
Marcelo Tassara e Eda Tassara, que produziram dois filmes: “O Pêndulo” (1974) que
tem aproximadamente 5 minutos; que segundo Tassara, este filme foi realizado
praticamente a custo zero, utilizando-se sobras de materiais de outras produções
voltadas para o ensino de Física. O filme descreve sinteticamente as leis do movimento
de um pêndulo simples. “O Pendulo” foi exibido em universidades e congressos e teve
uma versão (“The Pendulum”) em língua inglesa preparada especialmente para
participar de um congresso de ensino de Física na cidade de Edimburgo . O outro filme
produzido por Marcelo Tassara foi Laboratório Sem Paredes/Sem Fronteiras (1977)
aprox. 30 minutos. Os recursos para esta produção foram essencialmente fornecidos
pela FAPESP. “Este filme possui uma estrutura narrativa mais complexa e completa,
pois aqui se trata de uma peça bem mais longa do que a anterior. Basicamente, fala-se
a respeito do fluxo e do refluxo do conhecimento científico; mostra-se como este
conhecimento é gerado e, depois, como é posto a serviço da sociedade; descreve-se
como esta mesma sociedade, por sua vez, se transforma e evolui, acabando por
realimentar a própria pesquisa e fechando um ciclo perene em que todos se
beneficiam”5. Além disso, demonstra que, com materiais extremamente simples, é
possível implementar o ensino da Física. O filme foi exibido em diversas universidades,
em congressos e, em algumas ocasiões, também em rede aberta de televisão. Porém
5 Citação extraída da comunicação pessoal com Marcelo Tassara através de correio eletrônico, a respeito dos filmes que ele produziu para o projeto FAI.
1
lamentavelmente, os negativos originais de ambos os filmes sofreram perda irreversível,
por ocasião de um incêndio ocorrido na Escola de Comunicações e Artes da USP, em
novembro de 2001, onde os mesmos estavam depositados. E deles restaram apenas
registros relativamente precários.
Assim o FAI possuía diversos recursos para auxiliar tanto o aluno quanto o
professor. O professor então passa a ser um orientador, e não centro da aprendizagem,
cabendo ao aluno ser esse centro tornando-o agente de sua própria educação, pois ele
que ditava seu próprio ritmo. Vamos agora dar alguns esclarecimentos acerca da nota
atribuída ao aluno. No final de cada unidade era feito um teste “escrito”, que também
podia ser oral, e ao final de cada bimestre era feito o chamado teste de retenção, onde
era aplicada uma prova final. A nota final era composta de 75% Testes + Experimentos
e 25% Testes de retenção.
Em análise dos resultados do projeto temos os dados relativos ao número de
vendas do projeto desde 1973 até 1976, mesmo nesse curto espaço de tempo o número
de alunos que utilizaram o projeto FAI foi impressionante, ao todo foram quase 500 mil
alunos. Para se ter uma idéia da grandeza que estes números representam, basta
compará-los com estatísticas relacionadas com a obra que maior impacto causou no
ensino de Física, não somente em nosso país como em muitos outros: O PSSC. Ao todo
os quatro volumes do PSSC que foram utilizados no período de 1964 a 1971 em nosso
país somam um total de 413 mil exemplares. Evidentemente o número de alunos que
cursavam nossas escolas de 2º Grau no período de 1964 a 1971 era sensivelmente
menor, comparado com o período de 1973-76.
Por meio da opinião pessoal de dois autores do FAI, Alberto Gaspar e Marcelo
Tassara, vamos mostrar a qualidade que cada um atribuiu ao projeto e sua avaliação do
ensino.
“Trabalhei com os cinco textos programados do FAI durante quase dois anos em
várias turmas dos três anos do então segundo grau. Foi certamente o período mais
frustrante de minha longa carreira de professor. De início, a sensação de minha
inutilidade em sala de aula − os alunos, envolvidos em sua interação com o texto, mal
notavam a minha presença − era compensada com a expectativa de que, agora sim,
eles estariam aprendendo. Nunca os havia visto tão concentrados, lendo, estudando,
preenchendo lacunas, alguns até com avidez e entusiasmo... Com o tempo, no entanto,
percebi que a aprendizagem dos alunos era estranhamente passageira, algo que não se
consolidava” Alberto Gaspar (1997).
1
“Se o projeto em si não deu certo, posso garantir que as causas não devem ser na
falta de eficiência do método, mas na sobrevivência de um sistema de ensino, talvez
obsoleto, talvez ameaçado ele mesmo pelas novas tecnologias digitais que despontam a
cada dia. É possível que o FAI (ou algum outro método dele derivado) possa renascer
ou reencarnar-se com a aplicação dessas tecnologias digitais: o aprendizado está se
tornando, no meu entender, uma coisa cada vez mais individual, pessoal, exercida na
solidão do computador e da internet.” Marcelo Tassara (2009)6.
Portanto o projeto FAI divide opiniões mesmo entre aqueles que o criaram. Por
utilizar instrução programada para o ensino de Física, ele não leva em conta as
concepções alternativas que cada aluno tem. Assim como seu caráter individualista, que
impossibilita a interação mais significativa entre os alunos.
Acreditamos, portanto, que o projeto FAI em si não poderia ser aplicado hoje em
nosso tradicional sistema de ensino, pois ele necessita de uma nova prática. Por utilizar
uma metodologia diferente, onde cada aluno tem seu tempo e são utilizados livros
descartáveis, fica inviável uma mudança a âmbito nacional.
BIBLIOGRAFIA
1. SAAD, Fuad Daher. Análise do projeto FAI: uma proposta de um curso auto-
instrutivo para o segundo grau. São Paulo, 1977.
6 Citação extraída da comunicação pessoal com Marcelo Tassara através de correio eletrônico, a respeito dos filmes que ele produziu para o projeto FAI.
1
2. SAAD, Fuad Daher. WATANABE, Kazuo. YAMAMURA, Paulo. Física Auto-
Instrutivo – FAI 4: Rotação. Equilíbrio Estático de líquidos e Termologia. 2ª.ed. São
Paulo: Editora Saraiva, 1974.
3. SAAD, Fuad Daher. WATANABE, Kazuo. YAMAMURA, Paulo. Física Auto-
Instrutivo – FAI 5: Cargas Elétricas em Repouso. Cargas Elétricas em Movimento.
4ª.ed. São Paulo: Editora Saraiva, 1974.
4. SAAD, Fuad Daher. WATANABE, Kazuo. YAMAMURA, Paulo. Física Auto-
Instrutivo – FAI 1: Sistema Internacional de Unidades. Funções e Gráficos.
Movimento Retilíneo. São Paulo: Editora Saraiva, 1973.
5. SAAD, Fuad Daher. WATANABE, Kazuo. YAMAMURA, Paulo. Física Auto-
Instrutivo – FAI 2: Vetores, Força e Movimento. 4ª.ed. São Paulo: Editora Saraiva,
1973.
6. SAAD, Fuad Daher. WATANABE, Kazuo. YAMAMURA, Paulo. Física Auto-
Instrutivo – FAI 3:Impulso e Quantidade de Movimento Linear.Energia Mecânica.
6ª.ed. São Paulo: Editora Saraiva, 1973.
7. DIB, Claudio. Z. Por que uma tecnologia da educação na aprendizagem de
física?. Revista Brasileira de Ensino de Física, v. 1, n. julho, p. 73-94, 1976.
8. NARDI, Roberto. Memória da Educação em Ensino de Ciências no Brasil: A
Pesquisa em Ensino de Física. Investigações em Ensino de Ciências – V10(1), pp. 63-
101, 2005.
9. GASPAR, Alberto. Cinquenta Anos de Ensino de Física: Muitos Equívocos,
Alguns Acertos e a Necessidade do Resgate do Papel do Professor. Artigo
apresentado no XV Encontro de Físicos do norte e Nordeste. 1997.
10. BOCK, Ana M. Bahia. FURTADO, Odair. TEIXEIRA, Maria de Lourdes T.
Psicologias: uma introdução ao estudo de psicologia.12ªed. São Paulo: Saraiva,1999.