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ısica Moderna para iniciados, interessados e aficionados Ivan S. Oliveira Ph.D. Oxford Departamento de Mat´ eria Condensada e F´ ısica Estat´ ıstica Centro Brasileiro de Pesquisas F´ ısicas

Física Moderna

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  • Fsica Modernapara iniciados, interessados e acionados

    Ivan S. Oliveira

    Ph.D. Oxford

    Departamento de Materia Condensada e Fsica Estatstica

    Centro Brasileiro de Pesquisas Fsicas

  • Notas do Autor

    Escrever um livro sobre fsica moderna como este exige um bocado deesprito de risco em relacao ao proprio trabalho. Alguns colegas poderaoachar este esforco fatalmente inutil, por considerarem quase impossvelpara o pedestre comum compreender as estranhas ideias da rainhadas ciencias no seculo XX. Discordo frontalmente; nao e preciso serum Villa-Lobos para arrancar alguns acordes. A minha motivacaoao abracar tal empreitada e muito simples: tenho certeza que meni-nos e meninas ao nal do ensino medio, com um certo esforco, saocapazes de entender os conceitos da fsica do seculo XX somente com amatematica que ja aprenderam. Esta certeza nasceu, em parte, do meubreve convvio com alguns destes estudantes no chamado Programade Vocacao Cientca, iniciado na Fiocruz, e adotado no CBPF aonal de 1997, e em parte devido a um interesse particular por desaosdeste tipo. Apos algum tempo trabalhando somente com estudantes demestrado e doutorado, foi uma agradavel surpresa descobrir a curiosi-dade cientca, ainda sem vcios, e o desembaraco de estudantes taojovens. Assist-los apresentando seminarios ou em frente a um painel,explicando sem cerimonia o que aprenderam para uma audiencia de ci-entistas prossionais, foi uma surpresa que me causou grande estmulo.

    Contudo, o texto nao e dirigido somente para alunos do ensinomedio, mas tambem para todos os que se consideram iniciados, in-teressados ou acionados. Dentre estes incluem-se alunos no incio degraduacao em engenharias, qumica, e qualquer pessoa que tenha in-teresse em fsica moderna, e que conheca a matematica do segundograu. Acredito que o texto sera particularmente util para professoresdo segundo grau, e alunos dos cursos em licenciatura. Aqui uma cons-tatacao: o livro nao e um livro texto no sentido usual, mas tambem naoe um livro de divulgacao como outros tantos. Tentei atingir um balancoentre as duas abordagens. A razao e que com pouqussima matematicapode-se ir muito alem do que se conseguiria sem nenhuma.

    A matematica e a linguagem natural da fsica. Qualquer pessoa quedeseje conhecer fsica com alguma profundidade, nao podera ignorar amatematica. A razao e tao simples quanto fascinante: os fenomenosda Natureza obedecem a equacoes matematicas! Um buraco negro euma solucao de um conjunto de equacoes matematicas; um eco de spins

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  • tambem, ondas eletromagneticas idem. Podemos lancar satelites, ex-trair energia dos nucleos dos atomos, conhecer a idade do Universo, ob-servar as imagens de um cerebro humano em funcionamento, ou aindasonhar com computadores quanticos e computadores biologicos, gracasa` compreensao matematica que temos dos fenomenos naturais.

    Acredito que a abordagem matematica utilizada neste texto o tornaacessvel a todos aqueles que tenham interesse pela fsica e seus fasci-nates problemas no seculo XX. O leitor precisara ter nocao do que sejauma funcao e conhecer algumas operacoes algebricas elementares, aonvel do que se aprende no segundo grau de nossas boas escolas. Al-guns captulos sao mais tecnicos do que outros, e podem parecer maisdifceis. Aqueles que nao se impressionarem com smbolos, e tiverem umpouco de paciencia, nao encontrarao diculdades em seguir os argumen-tos. Aqueles outros que possurem apetite especial para matematica,encontrarao material suplementar em alguns dos paineis inseridos aolongo do texto. Aos que odeiam matematica, mas possuem inter-esse por certas areas da fsica, recomendo que simplesmente ignorem asformulas e sigam adiante. O aproveitamento dependera neste caso docaptulo e da experiencia do leitor em achar o caminho das pedras!

    O seculo XX foi o seculo da fsica. Avancos espetaculares na com-preensao dos fenomenos naturais (se e que podemos realmente ar-mar que compreendemos o que signica o tempo dilatar ou umafuncao de onda colapsar!) desaguaram em tecnologias nunca antessonhadas, e em discussoes losocas tao inndaveis quanto interes-santes. Nosso conhecimento sobre a Natureza avanca vertiginosamente,e e impossvel dizer como ele, e a tecnologia que dele decorre, vao es-tar ao nal do seculo XXI! Computadores quanticos realizando tele-porte e calculando com velocidade inimaginavel, gerando codigos crip-togracos indecifraveis; todas as maravilhas prometidas pela chamadananociencia decorrente da manipulacao de materiais em escala atomica,como circuitos eletronicos moleculares; transporte de energia sem dis-sipacao em supercondutores; novos dados observacionais sobre a ex-pansao do Universo, desaando modelos cosmologicos; novas teoriassobre os constituintes elementares da materia. Estas sao apenas algu-mas das tendencias mais atuais.

    Acredito que nossos cursos, tanto introdutorios quanto intermediarios,devessem concentrar fogo sobre essa nova fsica, e nao estagnar

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  • sobre conceitos formulados ha 300 anos que, de certa forma, caramsoterrados no incio do seculo XX. A maioria dos nossos jovens soconhece Einstein pela explorada fotograa da careta, e o associam a`formula E = mc2. E preciso separar os resultados das suas deducoes.Deduzir a expressao matematica E = mc2 como consequencia logica dealguns postulados simples, e consideravelmente tecnico para um estu-dante em fase inicial. Mas isso nao quer dizer que ele nao possa com-preender o que esta formula signica, e quais sao as suas implicacoes! Omesmo se pode dizer sobre a mecanica quantica, sobre a fsica nuclear,sobre o magnetismo, sobre a supercondutividade, etc. Obviamente naoe preciso que um estudante de medicina seja Ph.D. em fsica para iralem dos botoes dos equipamentos, e entender um pouco dos princpiosda ressonancia magnetica nuclear, fenomeno fsico que o auxiliara comos seus pacientes!

    Resumindo, este livro e um laboratorio. Inevitavelmente muitostopicos importantes caram de fora, como em qualquer outro livro comum numero manuseavel de paginas. Ao me convencer de que ele naopoderia ser um livro texto como os usuais, me senti livre para experi-mentar um estilo descontrado, que em geral funciona nos meus cursosna pos-graduacao do CBPF. Anal, para um carioca incorrigvel comoeu, car longe do bom humor e do sarcasmo pode ser sintoma de doencagrave. Espero que esta combinacao pouco ortodoxa seja util para oleitor.

    Ivan S. Oliveira

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  • Agradecimentos

    Gostaria de agradecer aos seguintes amigos e companheiros de labuta:Dr. Luis A. C. P. da Mota do Instituto de Fsica da Universidade doEstado do Rio de Janeiro (companheiro infalvel de muita pizza e muitafsica nos gelidos sabados de Oxford); ao meu querido amigo Dr. Edi-som Moreira Jr., do Departamento de Matematica e Computacao doInstituto de Ciencias da Escola Federal de Engenharia de Itajuba; Dr.Jose Abdalla Helayel Neto, do Departamento de Campos e Partculasdo Centro Brasileiro de Pesquisas Fsicas, ao ex-aluno, agora amigo ecolaborador, Engenheiro Salvador Barreto Belmonte e ao Dr. AlbertoPassos Guimaraes, amigo e mentor de longa data, do Departamentode Materia Condensada e Fsica Estatstica do Centro Brasileiro dePesquisas Fsicas. Checou todas as vrgulas, colocou todas as tremas ecorrigiu todas as crases! Ao meu bom amigo alemao, Dr. Stefan Jorda,e ao amigo Dr. Vitor Luiz Bastos de Jesus, a quem pude sugerir algu-mas ideias e de quem aprendi outras tantas. Aos colegas do Instituto deFsica Gleb Wataghin da UNICAMP, Drs. Marcelo Knobel e LeandroR. Tessler, pelo encorajamento e incentivo. Quero tambem agradecera` minha esposa, Dra. Rosinda Martins Oliveira, entusiasmada neuro-psicologa. Enquanto muitos autores agradecem a`s respectivas esposaspela compreensao, paciencia, estmulo, etc., tenho a sorte de tertido o mesmo, e ainda contar com algo mais. Crescemos juntos, e esta-mos ambos familiarizados com as belezas desta estrada, mas tambemcom seus buracos e pedagios. Foi ela quem primeiro leu o livro efez as primeiras crticas e sugestoes. E gostou!

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  • .ParaJulio e Maurcio

    meu melhor incentivo

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  • Ganhadores do Premo Nobel de Fsica1

    1901. Wilhelm Konrad Rontgen - pela descoberta dos raios-X.1902. Hendrik Antoon Lorentz e Pieter Zeeman - pelas suas pesquisas

    sobre radiacao.1903. Antoine Henri Becquerel e Pierre Curie - pela descoberta da

    radioatividade espontanea.1904. John William Strutt (Lord Rayleigh) - pela descoberta do argonio.1905. Philipp Eduard Anton von Lenard - pelos seus trabalhos sobre os

    raios catodicos.1906. Joseph John Thompson - pelos seus trabalhos sobre a condutividade

    eletrica dos gases.1907. Albert Abraham Michelson - pelos seus trabalhos com instrumentos

    opticos de precisao.1908. Gabriel Lippmann - pelos seus trabalhos com cores e fenomenos de

    interferencia.1909. Guglielmo Marconi e Carl Ferdinand Braun - pelas suas con-

    tribuicoes ao desenvolvimento do telegrafo sem o.1910. Johannes Diderik van der Waals - pelos seus estudos sobre a equacao

    de estados de gases e lquidos.1911. Wilhelm Wien - pelos seus estudos sobre radiacao de calor.1912. Nils Gustaf Dalen - pela invencao de reguladores automaticos utiliza-

    dos na iluminacao de farois.1913. Heike Kamerlingh Onnes - pela liquefacao do helio.1914. Max von Laue - pela descoberta da difracao de raios-X por cristais.1915. William Henry Bragg e William Lawrence Bragg - pelos seus

    estudos sobre a estrutura de cristais utilizando difracao de raios-X.1917. Charles Glover Barkla - pela descoberta dos raios-X caractersticos

    dos elementos.1918. Max Plank - pela descoberta do quantum de energia.1919. Johannes Stark - pelos seus trabalhos com o Efeito Doppler.1920. Charles-Edounard Guillaume - pelos seus trabalhos em medidas de

    precisao.1921. Albert Einstein - pelos seus trabalhos em fsica teorica, em particular

    pela explicacao do efeito fotoeletrico.1922. Niels Bohr - pelas suas investigacoes sobre a estrutura do atomo.1923. Robert Andrews Millikan - pelos seus trabalhos sobre a carga ele-

    mentar e sobre o efeito fotoeletrico.1924. Karl Manne Georg Siegbhan - pelas suas pesquisas sobre espectro-

    scopia de raio-X.

    1Parcialmente compilado de: Fundamentals of Physics, D. Halliday e R. Resnick,3a. Ed., John Wiley & Sons (Nova Iorque, 1988)

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  • 1925. James Frank e Gustav Hertz - pelos seus trabalhos sobre o impactode eletrons em atomos.

    1926. Jean Baptiste Perrin - pelos seus trabalhos sobre a estrutura damateria.

    1927. Arthur Holly Compton e Charles Thompson Rees Wilson - pelometodo de condensacao de vapor para tornar trajetorias de partculas visveis.

    1928. Owen Willans Richardson - pelos seus trabalhos sobre o efeito ter-moionico.

    1929. Louis-Victor de Broglie - pela descoberta da natureza ondulatoriado eletron.

    1930. Chandrasekhara Venkata Raman - pelos seus trabalhos sobre es-palhamento de luz.

    1932. Werner Heisenberg - pela criacao da Mecanica Quantica.1933. Erwin Schrodinger e Paul Adrien Maurice Dirac - pelos seus

    trabalhos sobre a teoria atomica.1935. James Chadwick - pela descoberta do neutron.1936. Victor Franz Hess e Carl David Anderson - pela descoberta do

    positron.1937. Clinton Joseph Davisson e George Paget Thompson - pelos seus

    trabalhos sobre a difracao de eletrons por cristais.1938. Enrico Fermi - pela descoberta dos elementos transuranicos.1939. Ernest Orlando Lawrence - pela invencao do acelerador cclotron.1943. Otto Stern - pela descoberta do momento mangetico do proton.1944. Isidor Isaac Rabi - pelos seus estudos em ressonancia magnetica

    nuclear.1945. Wolfgang Pauli - pela descoberta do Princpio de Exclusao.1946. Percy Williams Bridgeman - pelos seus trabalhos em fsica de alta

    pressao.1947. Edward Victor Appleton - pelos seus trabalhos sobre fsica at-

    mosferica.1948. Patrik Maynard Stuart Blackett - pelas suas descobertas em fsica

    nuclear e radiacao cosmica.1949. Hideki Yukawa - pela previsao teorica da existencia do meson.1950. Cecil Frank Powel - pelo desenvolvimento de metodos fotogracos no

    estudo de processos nucleares.1951. John Douglas Cockcroft e Ernest Thomas Sinton Walton - pelos

    seus trabalhos sobre a transmutacao de nucleos atomicos utilizando aceleradores departculas.

    1952. Felix Bloch e Edward Mills Purcell - pelos suas descobertas emressonancia magnetica nuclear.

    1953. Fritz Zernike - pela invencao de novas tecnicas de microscopia.1954. Max Born - pela interpretacao estatstica da funcao de onda.1955. Willis Eugene Lamb - pelos seus trabalhos sobre a estrutura na do

    atomo de hidrogenio. Polykarp Kush - pela determinacao precisa do momento

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  • magnetico do eletron.1956. William Shockley, John Bardeen e Walter Houser Brattain -

    pelos seus trabalhos em semicondutores e transistores.1957. Chen Ning Yang e Tsung Dao Lee - pelos seus trabalhos sobre as

    leis de paridade em partculas elementares.1958. Pavel Aleksejevic Cerenkov, Ilja Michajlovic Frank e IgorEvegen

    evic Tamm - pela descoberta do efeito Cerenkov.1959. Emilio Gino Segre` e Owen Chamberlain - pela descoberta do

    antiproton.1960. Donald Arthur Glaser - pela invencao da camara de bolhas.1961. Robert Hofstadter - pelos seus trabalhos sobre espalhamento de

    eletrons por nucleos. Rudolf Ludwig Mossbauer - pela descoberta do efeitoMossbauer.

    1962. Lev Davidovic Landau - pelos seus trabalhos em materia condensada.1963. Eugene P. Wigner - pelas suas contribuicoes a` teoria nuclear e de

    partculas. Maria Geoppert Mayer e J. Hans D. Jensen - pela descoberta daestrutura de camadas nuclear.

    1964. Charles H. Townes, Nikolai G. Basov e Alexander M. Pro-chorov - pelos seus trabalhos em eletronica quantica.

    1965. Sin-Itiro Tomonaga, Julian Schwinger e Richard P. Feynman -pelos seus trabalhos em eletrodinamica quantica.

    1966. Alfred Kastler - pela descoberta e desenvolvimento de metodos opticospara o estudo de ressonancias em atomos.

    1967. Hans Albrecht Bethe - pelas suas contribuicoes a` teoria das reacoesnucleares.

    1968. Luis W. Alvarez - pelos seus trabalhos em partculas elementares.1969. Murray Gell-Mann - pelos seus trabalhos em partculas elementares.1970. Hannes Alven - pelos seus trabalhos em magnetohidrodinamica. Louis

    Neel - pelas suas descobertas sobre antiferromagnetismo e ferrimagnetismo e suasaplicacoes ao estado solido.

    1971. Dennis Gabor - pela descoberta dos princos da holograa.1972. John Bardeen, Leon N. Cooper e J. Robert Schrieer - pelo

    desenvolvimento da teoria da supercondutividade.1973. Leo Esaki - pela descoberta do tunelamento em semicondutores. Ivar

    Giaever - pela descoberta do tunelamento em supercondutores. Brian D. Joseph-son - pela descoberta da supercorrente atraves de juncoes em supercondutores.

    1974. Antony Hewish - pela descoberta dos pulsares. Martin Ryle - peloseu trabalho em radio-astronomia.

    1975. Aege Bohr, Ben Mottelson e James Rainwater - pelos seus tra-balhos sobre a estrutura nuclear.

    1976. Burton Richter e Samuel Chao Chung Ting - pelas suas descober-tas de uma partcula fundamental.

    1977. Philip Warren Anderson, Nevill Francis Mott e John Has-brouck Van Vleck - pelas suas investigacoes em materiais magneticos e sistemas

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  • desordenados.1978. Peter L. Kapitza - pelos seus trabalhos em fsica a baixas temper-

    aturas. Arno A. Penzias e Robert Woodrow Wilson - pela descoberta daradiacao de fundo do Universo.

    1979. Sheldon Lee Glashow, Abdus Salam e Steven Weinberg - pelateoria unicada da interacao eletrofraca.

    1980. James W. Cronin e Val L. Fitch - pela descoberta de violacoes emprincpios fundamentais de simetria no decaimento de mesons K.

    1981. Nicolaas Bloembergen e Arthur Leonard Schawlow - pelas suascontribuicoes a` espectroscopia de laser. Kai M. Siegbahn - pelas suas con-tribuicoes a` espectroscopia de eletron.

    1982. Kenneth Geddes Wilson - pelos seus estudos sobre fenomenos crticosna materia.

    1983. Subrehmanyan Chandrasekhar - pelos seus estudos sobre a evolucaodas estrelas. William A. Fowler - pelos seus estudos sobre a formacao de elemen-tos qumicos no Universo.

    1984. Carlo Rubia e Simon van der Meer - pelas suas contribuicoes a`descoberta das partculas W e Z.

    1985. Klaus von Klitzing - pela descoberta do efeito Hall quantico.1986. Ernst Ruska - pela descoberta do microscopio eletronico. Gerd Bin-

    nig - pela descoberta da varredura de tunelamento. Heinrich Rohrer - pelainvencao do microscopio eletronico por varredura de tunelamento.

    1987. Karl Alex Muller e J. George Bednorz - pela descoberta dossupercondutores de alta temperatura crtica.

    1988. Leon M. Lederman, Melvin Schwartz e Jack Steinberger - pelassuas pesquisas sobre a estrutura dos leptons.

    1989. Norman F. Ramsey, Hans G. Dehmelt e Wolfgang Paul - pelodesenvolvimento da tecnica de aprisionamento de ons.

    1990. Jerome I. Friedman, Henry W. Kendall e Richard E. Taylor -pelas suas investigacoes sobre o espalhamento inelastico de eletrons em protons eneutrons.

    1991. Pierre-Gilles de Gennes - pelos seus estudos em cristais lquidos epolmeros.

    1992. Georges Charpak - pela invencao de detectores de partculas.1993. Russell A. Hulse e Joseph H. Taylor Jr. - pela descoberta de um

    novo tipo de pulsar.1994. Bertramin N. Brockhouse e Cliord G. Shull - pelas suas con-

    tribuicoes ao desenvolvimento de tecnicas de difracao de neutrons.1995. Martin L. Perl e Frederick Reines - pelas suas contribuicoes a` fsica

    dos leptons.1996. David M. Lee, Douglas D. Oshero e Robert C. Richardson -

    pela descoberta da superuidez no 3He.1997. Steven Chu, William D. Phillips e Claude Cohen-Tannoudji -

    pelos seus trabalhos sobre as interacoes entre radiacao e materia.

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  • 1998. Robert C. Laughlin, Horst L. Stoermer e Daniel C. Tsui - peladescoberta de novas propriedades eletronicas a baixas temperaturas e altos camposmagneticos.

    1999. Gerardus t Hooft e Martinus J.G. Veltman - pelos seus trabalhosteoricos sobre a estrutura e movimento de partculas subatomicas.

    2000. Zhores Alferov, Herbert Kroemer e Jack Kilby - por suas pesquisasem semicondutores que permitiram o desenvolvimento de computadores ultra-rapidos.

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  • Lista de Paineis por Captulo

    Captulo 1Painel I - A Vida e a Obra de Dois Genios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . pg. 5Painel II - Quantidades Escalares e Vetoriais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8Painel III - Derivada de uma Funcao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14Painel IV - Integral de uma Funcao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24Painel V - Numeros Imaginarios, Numeros Complexos e

    Funcoes Complexas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66

    Captulo 2Painel VI - A Experiencia de Michelson . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 98Painel VII - Casamento Conturbado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 123

    Captulo 3Painel VIII - Funcoes de Distribuicao de Probabilidades . . . . . . . . . . . . . . . 148Painel IX - A Equacao de Schrodinger . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 158

    Captulo 4Painel X - Coordenadas Retangulares vs. Esfericas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 209

    Captulo 5Painel XI - Alan Turing . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 302

    Captulo 6Painel XII - RMN e Computacao Quantica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 343

    Captulo 7Painel XIII - O Projeto Manhattan . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 386Painel XIV - Espelhos Magneticos e Tokamaks . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .394

    Captulo 8Painel XV - O Efeito Mossbauer . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 420Painel XVI - Relatividade e Imposturas Intelectuais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 435

    Captulo 9Painel XVII - A Camara de Wilson . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 457Painel XVIII - Vida e Obra de Cesar Lattes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 460Painel XIX - Vida e Obra de Jose Leite Lopes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 466Painel XX - O Laboratorio Nacional de Luz Sncrotron . . . . . . . . . . . . . . . . . 475Painel XXI - O Modelo Padrao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 478

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  • xii

  • Contents

    1 A Fsica ate 1905: uma Casa de Gigantes 11.1 A Mecanica Classica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1

    1.1.1 As Leis do Movimento;Newton, Espaco e Tempo Absolutos . . . . . . . . 3

    1.1.2 Movimento de Objetos sob a Acao deForcas Mecanicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18

    1.1.3 Gravitacao Universal: da Queda da Maca a` Quedada Lua . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29

    1.1.4 O Movimento dos Planetas . . . . . . . . . . . . . 331.1.5 Massa Inercial vs. Massa Gravitacional . . . . . . 391.1.6 Movimento Relativo . . . . . . . . . . . . . . . . 401.1.7 Fsica Termica: dos Planetas aos Gases . . . . . . 441.1.8 E Possvel o Tempo andar para Tras? . . . . . . . 471.1.9 O Relogio Cosmico . . . . . . . . . . . . . . . . . 51

    1.2 O Eletromagnetismo Classico . . . . . . . . . . . . . . . 521.2.1 Fenomenos Eletricos e Magneticos . . . . . . . . . 521.2.2 Fenomenos Ondulatorios: Difracao e Interferencia 621.2.3 Ondas Eletromagneticas . . . . . . . . . . . . . . 701.2.4 Anal, o que e a Luz? . . . . . . . . . . . . . . . 751.2.5 Anal, Porque o Ceu e Azul? . . . . . . . . . . . 791.2.6 Acabou a Fsica?! . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81

    2 A Teoria da Relatividade 852.1 Einstein: um Genio Desempregado . . . . . . . . . . . . 862.2 Maxwell nao Concorda com Newton . . . . . . . . . . . . 892.3 Os Postulados da Relatividade:

    a Implosao do Velho Templo . . . . . . . . . . . . . . . . 104

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  • 2.4 O Tempo pode ser Esticado! . . . . . . . . . . . . . . . . 1082.5 O Espaco pode ser Encolhido! . . . . . . . . . . . . . . . 1152.6 E = mc2: Energia que da Gosto! . . . . . . . . . . . . . 1172.7 Viagens no Tempo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 124

    3 A Mecanica Quantica 1293.1 Havia uma Pedra no Caminho . . . . . . . . . . . . . . . 1293.2 Max Plank: Pacotes de Luz?! . . . . . . . . . . . . . . . 1333.3 Louis de Broglie: Ondas de Materia?! . . . . . . . . . . . 1403.4 Erwin Schrodinger e o Misterio (r, t) . . . . . . . . . . 1443.5 A Dubia Vida de um Pobre Gato . . . . . . . . . . . . . 1593.6 Spin . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1613.7 O Princpio de Exclusao de Pauli . . . . . . . . . . . . . 1703.8 Einstein: Deus nao Joga Dados . . . . . . . . . . . . . 1783.9 Correlacoes Estranhas: Anal, Deus Joga Dados? . . . . 1823.10 Existe um Mundo la Fora? . . . . . . . . . . . . . . . . . 1873.11 Teletransporte . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 193

    4 Como Construir um Atomo 1974.1 A Estrutura do Atomo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1984.2 Orbitais Quanticos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2034.3 A Materia do Universo em uma Tabela . . . . . . . . . . 2174.4 Esticando a Tabela Periodica . . . . . . . . . . . . . . . 2204.5 Ligacoes Qumicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2234.6 ADN: uma Molecula muito Especial . . . . . . . . . . . . 2284.7 Magnetismo do Atomo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2344.8 Forca Nuclear . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2394.9 O Indivisvel pode ser Dividido! . . . . . . . . . . . . . . 242

    5 Dos Atomos aos Computadores 2475.1 Objetos Macroscopicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2495.2 Periodicidade na Natureza . . . . . . . . . . . . . . . . . 2515.3 Porque a Lata Difere do Diamante? . . . . . . . . . . . . 2555.4 Autoestados em uma Caixa Periodica . . . . . . . . . . . 2565.5 O Mundo e Quantico! . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2645.6 Metais, Isolantes e Semicondutores . . . . . . . . . . . . 2695.7 Juncoes, Diodos e Transistores . . . . . . . . . . . . . . . 272

    xiv

  • 5.8 O que sao Computadores? . . . . . . . . . . . . . . . . . 2835.9 Bits & Bites: o Basico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2875.10 A Internet . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2915.11 O ADN Computa! . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2945.12 Computadores podem Pensar? . . . . . . . . . . . . . . . 297

    6 Magnetismo 3076.1 Origem do Magnetismo na Materia . . . . . . . . . . . . 3076.2 Tipos de Ordem Magnetica . . . . . . . . . . . . . . . . 3196.3 Magnetismo Nuclear . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3236.4 Ressonancia Magnetica Nuclear . . . . . . . . . . . . . . 3276.5 O Sistema Girante . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3356.6 Ecos de Spin . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3406.7 Imagens do Corpo Humano;

    uso Medico da RMN . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3456.8 A Fauna Quantica: Fotons, Fonons,

    Magnons, Plasmons, e outros ons . . . . . . . . . . . . 3496.9 Trens que Flutuam! . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 353

    7 Energia Nuclear 3657.1 Instabilidade Nuclear . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3667.2 Alfa, Beta e Gama . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3687.3 Fissao Nuclear: Xo Satanas! . . . . . . . . . . . . . . . . 3747.4 Energia de Fissao: Quantos Nucleos Fervem uma Piscina?3787.5 Reatores-N & Bombas-A . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3827.6 Lixo Atomico: um Sub-Produto Indesejavel . . . . . . . 3897.7 Fusao Nuclear . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3917.8 Como Funciona o Sol? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3967.9 Efeitos Biologicos da Radiacao . . . . . . . . . . . . . . . 3977.10 Medicina Nuclear . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 402

    8 Relatividade Geral 4098.1 Einstein Ataca de Novo! . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4098.2 O Princpio da Equivalencia . . . . . . . . . . . . . . . . 4108.3 Geometria e Gravitacao . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4238.4 Nascimento e Morte das Estrelas:

    Buracos Negros . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 427

    xv

  • 8.5 Novos Desaos a` Relatividade . . . . . . . . . . . . . . . 4308.6 O Universo teve um Incio?

    A Grande Explosao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4388.7 O Universo tera um Fim?

    O Grande Colapso . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 441

    9 O Sonho da Unicacao 4459.1 As Quatro Damas da Criacao . . . . . . . . . . . . . . . 4469.2 Newton:

    Unicacao do Ceu com a Terra . . . . . . . . . . . . . . 4499.3 Maxwell:

    Unicacao da Eletricidade com o Magnetismoe com a Otica Fsica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 452

    9.4 Partculas Elementares:A Ducha Cosmica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 453

    9.5 Unicacao Eletrofraca . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4649.6 E Possvel Recriar o Universo em um Laboratorio? . . . 4689.7 Gravitacao: outra Pedra no Caminho! . . . . . . . . . . . 4769.8 Teorias de Tudo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 480

    xvi

  • Chapter 1

    A Fsica ate 1905: uma Casade Gigantes

    1.1 A Mecanica Classica

    No incio tudo era o caos. Primeiro criou Deus o Ceu e a Terra. A Terra

    era vazia e sem forma. O Esprito de Deus pairava sobre as aguas. E

    Deus disse:

    - Haja Luz!

    Notando no entanto que nada acontecera, o desapontado Criador

    deu um longo suspiro, e balbuciou distrado:

    - Haja Paciencia!

    Um de seus Arcanjos entao, constrangido com o que ocorrera, cochichou-

    Lhe algo nos ouvidos. . .

    - Ah, sim. Claro! Haja, antes, Espaco e Tempo!

    E depois repetiu animado:

    - Haja Luz!

    E um aberto sorriso iluminou Sua face.

    1

  • 2O Livro do Genesis descreve de maneira poetica o momento da

    Criacao do Universo. Embora alguns cientistas ainda discutam se houve

    realmente um incio, as evidencias mais recentes apontam para o

    fato de que o Universo em que vivemos teve seu nascimento em algum

    momento, ha cerca de 15 bilhoes de anos atras. A adulteracao das

    primeiras palavras da Bblia feita acima, serve para enfatizar (de forma

    bem humorada) o que intuimos a respeito da estrutura mais basica do

    Universo: o espaco e o tempo. E difcil imaginarmos o espaco e o tempo

    como objetos fsicos em s, que foram criados com os outros objetos do

    Universo. O sentimento que temos e de que o espaco e o tempo devem

    ter pre-existido a` criacao das outras coisas.

    No entanto, parece nao ser assim. Como veremos ao longo deste

    livro, a Natureza muitas vezes nao corresponde a`s nossas intuicoes

    ingenuas. No primeiro quarto do seculo XX o edifcio cientco cons-

    trudo durante mais de 300 anos por gigantes da Ciencia como Galileu

    Galilei, Isaac Newton, e James Clerk Maxwell, viu as suas bases rurem

    diante das ideias revolucionarias de homens como Albert Einstein, Max

    Planck, Niels Bohr, Louis de Broglie, Wolfgang Pauli, Werner Heisen-

    berg, Erwin Schrodinger, entre outros.

    Nos dias de hoje estamos habituados a usar computadores, e ouvir

    coisas sobre energia nuclear, bombas atomicas, buracos negros, tomo-

    graa computadorizada, lixo atomico, viagens interestelares, etc. Es-

    tas coisas aparecem em jornais, revistas, romances, lmes, poemas,

    etc. Fazem parte do nosso dia-a-dia, e ocupam o centro da producao

    cientca e tecnologica dos pases industrializados, onde o uso deste co-

    nhecimento gera riqueza e desenvolvimento. No entanto, muitas vezes

  • CAPITULO 1 - A FISICA ATE 1905: UMA CASA DE GIGANTES3

    nao nos damos conta de que este conhecimento e o produto de uma

    revolucao cientca (talvez a maior da historia da humanidade), que

    ocorreu ha menos de 100 anos atras! As bases desta revolucao sao duas

    teorias fsicas espetaculares: a Teoria da Relatividade e a Mecanica

    Quantica. E sobre estas duas teorias e suas consequencias de que trata

    este livro. Antes, contudo, para melhor apreciarmos a devastacao feita

    por estes dois furacoes, e necessario que nos coloquemos na situacao

    dos fsicos do incio do seculo XX, que tiveram que assistir perplexos

    ao desabamento do Templo que habitavam.

    1.1.1 As Leis do Movimento;Newton, Espaco e Tempo Absolutos

    O que hoje chamamos de Fsica Classica e basicamente o conteudo da

    obra de dois homens: o ingles Isaac Newton, e o escoces James Clerk

    Maxwell. O primeiro unicou as leis da mecanica, que descrevem o

    movimento de objetos sob a acao de forcas que sobre ele atuam. O

    segundo unicou as leis que regem os fenomenos eletricos e magneticos,

    incluindo a propagacao de ondas eletromagneticas no espaco, como on-

    das de radio e a luz. Na fsica, esses dois monumentos teoricos sao

    conhecidos como Mecanica Classica e Eletrodinamica Classica.

    Nesta secao vamos revisar os fundamentos da mecanica, seus pos-

    tulados, e suas leis do movimento: as tres leis de Newton. Na segunda

    parte deste captulo estudaremos os fenomenos eletromagneticos. Al-

    guns conceitos matematicos, como a derivada e a integral de uma

    funcao sao introduzidos nos paineis, por razoes de complementaridade.

    Ter conhecimento previo destas tecnicas nao e, contudo, necessario para

  • 4acompanhar o texto.

    A obra Philosophiae Naturalis Principia Mathematica, ou Princpios

    Matematicos da Filosoa Natural, publicada em 1687, e um marco na

    Historia da Ciencia, que perpetua o nome de Isaac Newton como um

    dos maiores, senao o maior genio cientco que ja existiu. Nesta obra,

    Newton estabelece os fundamentos da mecanica. O espaco e o tempo

    absolutos sao conceituados como estruturas estaticas, homogeneas, in-

    alteraveis, que nada tem a ver com as outras coisas. Para Newton,

    as nocoes vulgares de espaco e tempo que temos decorrem da nossa

    experiencia de movimento dentro dessa estrutura absoluta.

  • CAPITULO 1 - A FISICA ATE 1905: UMA CASA DE GIGANTES5

    PAINEL I

    A VIDA E OBRA DE DOIS GENIOS

    O ingles Isaac Newton nasceu no dia de Natal de 1642, em uma cidade chamada

    Woolsthorpe ao centro-norte da Inglaterra. No mesmo ano morria o italiano Galileu

    Galilei. Newton bacharelou-se pela Universidade de Cambridge em 1665, ano que

    retornaria para Woolsthorpe, fugindo da Grande Peste que assolava a Europa. Os

    dois anos que se seguiram foram, segundo o proprio Newton, os mais ferteis de sua

    vida. Durante este perodo desenvolveu o Calculo Diferencial e Integral (que ele

    denominava calculo das uxoes), fez importantes estudos de otica, e comecou a sua

    Teoria da Gravitacao Universal. Tornou-se membro da Royal Society (a academia

    de ciencias inglesa) em 1672. Sua obra mais importante, o Philosophiae Naturalis

    Principia Mathematica foi publicada em 1687, com duas edicoes posteriores, em

    1713 e 1726. Newton morreu em 1727.

    James Clerk Maxwell nasceu em Edinburgo, capital da Escocia, no dia 13 de

    junho de 1831, e portanto quase 100 anos apos a morte de Newton. Ainda muito

    jovem ja revelava aptidoes especiais para a ciencia. Aos 19 anos produziu alguns

    trabalhos originais que foram apresentados a` Royal Society de Edinburgo. Em 1847

    Maxwell ingressou na Universidade de Edinburgo, terminando sua graduacao em

    janeiro de 1854. Seus trabalhos mais importantes sobre Teoria Cinetica dos Gases e

    Eletrodinamica foram desenvolvidos durante os anos de 1860 e 1865, perodo em que

    esteve no Kings College, em Londres. Em 1871 tornou-se professor de eletricidade

    e magnetismo em Cambridge, onde durante os primeiros anos deu retoques em seu

    grande trabalho sobre a eletrodinamica. Em 1879 caiu doente e faleceu no dia 5 de

    novembro, com a idade de apenas 49 anos.

  • 6A famosa expressao matematica1

    F = ma (1.1)

    dene a relacao entre a forca resultante F que atua sobre um objeto

    de massa m, e a aceleracao a que este adquire sob a acao da forca.

    Esta equacao dinamica e o coracao da mecanica classica. Ela descreve

    o movimento de qualquer objeto: pode tanto ser uma bola que rola

    ladeira abaixo, quanto o movimento de um planeta em torno do Sol.

    A equacao 1.1 e a expressao matematica da conhecida Segunda Lei de

    Newton. Newton postulou mais duas leis de movimento. Sao elas:

    Primeira Lei: Todo corpo permanece em estado de re-

    pouso ou de movimento retilneo uniforme, a menos que

    atuem sobre ele forcas externas que alterem este estado;

    Terceira Lei: A toda acao existe sempre uma reacao

    igual em modulo, e em sentido contrario.

    Com essas tres Leis, Newton revolucionou o Mundo!

    E importante lembrar que a equacao 1.1 e uma equacao vetorial.

    As quantidades F e a nao sao numeros puros: sao vetores, e portanto

    possuem modulo, direcao e sentido. Vetores, de uma maneira geral, pos-

    suem tres componentes, que correspondem a`s tres dimensoes do espaco.

    No caso da forca F, por exemplo, representamos essas componentes por

    Fx, Fy e Fz. Em problemas unidimensionais so havera uma componente

    1Adotaremos a notacao em negrito F, ao inves da mais usual F , para repre-sentar vetores.

  • CAPITULO 1 - A FISICA ATE 1905: UMA CASA DE GIGANTES7

    e podemos omitir o negrito da notacao vetorial, observando, contudo,

    o sentido do movimento.

  • 8PAINEL II

    QUANTIDADES ESCALARES E VETORIAIS

    Em fsica, numeros servem para quanticar propriedades relacionadas a objetos ou

    ao movimento de objetos. Por exemplo, quando armamos que um objeto possui

    uma massa de 5 kg, associamos a` propriedade de massa, o numero 5, vezes o padrao

    quilograma. Algumas propriedades, no entanto, nao cam completamente caracte-

    rizadas apenas com um numero. Por exemplo, se alguem disser passou por aqui um

    carro a 100 km/h, nos ocorre a pergunta: em que direcao? Neste caso, somente

    o numero 100 km/h nao completa a informacao. Quantidades que cam caracte-

    rizadas apenas por um numero sao chamadas escalares, e quantidades associadas a`

    direcoes no espaco sao chamadas vetoriais.

    Vetores possuem modulo, direcao e sentido. Usamos os vetores unitarios (ou

    seja, de modulo 1, tambem chamados de versores) i, j e k, tambem chamados de

    vetores de base, para representarmos as 3 direcoes do espaco. Com isso podemos

    escrever qualquer vetor como uma combinacao dos vetores de base. Por exemplo,

    F = Fxi+ Fyj+ Fzk

    representa um vetor F cujas componentes sao Fx, Fy e Fz. Embora nao seja es-

    tritamente necessario, os vetores de base sao em geral perpendiculares entre si, ou

    seja, formam angulos de 90 graus uns com os outros.

    O modulo de um vetor F, representado por |F| ou F , e uma medida da inten-sidade da grandeza fsica que ele representa. O modulo e dado por:

    |F| =

    F 2x + F 2y + F 2z

    Por exemplo, o modulo do vetor posicao r = 3i2j+5k e igual a 9 + 4 + 25 6, 2unidades de distancia (por exemplo, o metro). O modulo do vetor velocidade v =

    4i+ j 5k e 16 + 1 + 25 6, 5 unidades de velocidade (por exemplo, kilometrospor hora).

    A soma de dois vetores e outro vetor cujas componentes sao as somas das

    componentes dos vetores originais. Se

  • CAPITULO 1 - A FISICA ATE 1905: UMA CASA DE GIGANTES9

    F1 = F1xi+ F1yj+ F1zk

    e

    F2 = F2xi+ F2yj+ F2zk

    entao:

    F1 + F2 = (F1x + F2x)i+ (F1y + F2y)j+ (F1z + F2z)k

    Por exemplo, se F1 = 3i 2j+5k, e F2 = i+4jk, entao, F1 +F2 = 4i+2j+4k.Gracamente, o vetor soma e dado pela diagonal do paralelogramo cujos lados sao

    formados pelos vetores originais.

    A direcao de um vetor e dada pelo vetor unitario obtido dividindo-se cada

    componente do vetor pelo seu modulo. Por exemplo, a direcao de F = 3i 2j+5k,a qual vamos representar por eF , e igual a:

    eF =3i 2j+ 5k

    6, 2= 0, 48i 0, 32j+ 0, 81k

    Note que |eF | = 1, como requer um vetor unitario.Existem tipos diferentes de produtos entre vetores. Por exemplo, o produto

    escalar, cujo resultado e uma quantidade escalar, e o produto vetorial, cujo resultado

    e outro vetor, perpendicular aos dois vetores originais. Se F1 e F2 sao dois vetores,

    e o menor angulo entre eles, seu produto escalar sera dado por:

    F1 F2 = |F1||F2|cos

    E o modulo do produto vetorial sera dado por:

    |F1 F2| = |F1||F2|sen

    Os produtos escalar e vetorial podem tambem ser expressos em termos das

    componentes dos vetores, sendo o primeiro dado por:

    F1 F2 = F1xF2x + F1yF2y + F1zF2z

  • 10

    e o segundo:

    F1 F2 = (F1yF2z F1zF2y)i+ (F1zF2x F1xF2z)j+ (F1xF2y F1yF2x)k

    Essas duas relacoes podem ser obtidas a partir do fato de que os unitarios i, j e k

    possuem as propriedades:

    i i = j j = k k = 1

    i j = j k = k i = 0

    i j = k; j k = i; k i = j

    i i = j j = k k = 0

    e notando que o produto vetorial troca de sinal sob uma permuta dos vetores:

    i j = j i, etc.A partir do que foi dito acima, ca facil calcular o angulo entre dois vetores;

    este sera dado pelo angulo entre os vetores unitarios correspondentes, ou seja:

    cos = eF1 eF2

    Por exemplo, se eF1 = 0, 48i0, 32j+0, 81k e eF2 = 0, 24i0, 94j+0, 24k, o anguloentre F1 e F2 e igual a:

    cos = 0, 11 + 0, 30 + 0, 19 = 0, 61 = 52, 4o

  • CAPITULO 1 - A FISICA ATE 1905: UMA CASA DE GIGANTES11

    A aceleracao a e denida como a taxa de variacao da velocidade v,

    por intervalo de tempo. A velocidade, por sua vez e denida como a

    taxa de variacao da posicao r do objeto por intervalo de tempo. Neste

    ponto aparece uma certa diculdade nessas denicoes. Para exempli-

    ca-la, considere uma situacao simples em que um motorista e obrigado

    a percorrer uma distancia de 80 km em 1 hora. Obviamente isto pode

    ser feito de diversas maneiras. A mais simples consiste em manter uma

    velocidade constante, exatamente igual a 80 km/h, e apos 1 hora ele

    tera percorrido a distancia desejada. Neste caso, nao ha variacao da

    velocidade durante o percurso, e consequentemente a aceleracao sera

    igual a zero.

    Uma segunda opcao seria acelerar o carro uniformemente ao longo

    do percurso. Por exemplo, se a carro iniciar o movimento com uma ve-

    locidade de 20 km/h, e o motorista for capaz de manter uma aceleracao

    constante de 120 km/h2 (isto e, a cada hora a velocidade aumentar de

    120 km/h), apos exatamente 1 hora ele tera percorrido os 80 km.

    Nesses casos simples (de aceleracao nula ou uniforme), v e a podem

    ser denidos por:

    v =r r0t t0 =

    r

    t(1.2)

    a =v v0t t0 =

    v

    t=

    t

    (r

    t

    )

    2r

    (t)2(1.3)

    onde o smbolo 2r foi introduzido para representar (r), ou seja, a

    variacao da variacao da posicao do objeto2 r0 e t0 sao respectivamente

    2No presente contexto, a expressao mais a direita, 2r/t2, deve ser vista como

  • 12

    a posicao e o instante iniciais. No nosso exemplo do carro, |r| = 80km, e t = 1 h. Embora estejamos usando unidades do nosso dia-

    a-dia para expressar velocidade e distancia, no sistema internacional

    (SI) as unidades de r e v sao respectivamente o metro (m) e o metro

    por segundo (m/s). A aceleracao se mede em metro por segundo ao

    quadrado (m/s2), e a forca em newtons (N=kg m s2).Estamos de acordo que estas nao sao as duas unicas maneiras de se

    percorrer 80 km em 1 h. De um modo geral, a aceleracao e a velocidade

    irao variar de uma forma arbitraria com o tempo ao longo do percurso,

    e as denicoes 1.2 e 1.3 nao serao validas, pois consideram os valores de

    r e v apenas no incio e m do movimento. Newton se deparou com este

    problema, e para resolve-lo teve que inventar uma nova matematica!

    Imagine que ao inves de medir a variacao de r e v entre o incio

    (t0) e o m (t) do movimento, o intervalo de tempo t seja dividido

    em 1000 intervalos menores, cada um com 3,6 segundos. Se para cada

    um destes sub-intervalos calcularmos as razoes dadas por 1.2 e 1.3,

    teremos uma especie de velocidade e aceleracao instantaneas. Para

    sermos ainda mais precisos, poderamos dividir t em 10000 ou em

    1000000 de sub-intervalos. Quanto menor for o sub-intervalo, mais as

    denicoes 1.2 e 1.3 reetirao os valores instantaneos de v e a. Nada

    nos impede de imaginarmos intervalos innitamente pequenos de r e t.

    Em matematica esses intervalos innitesimais sao representados por dr

    e dt. Com isso as denicoes 1.2 e 1.3 se tornam:

    um mero smbolo matematico, e nao uma operacao propriamente dita. Somente paraintervalos de tempo muito pequenos de r e t e que este smbolo se transformaem uma operacao.

  • CAPITULO 1 - A FISICA ATE 1905: UMA CASA DE GIGANTES13

    v =dr

    dt(1.4)

    a =dv

    dt=

    d2r

    dt2(1.5)

    O leitor iniciado em matematica avancada reconhecera imediata-

    mente as expressoes acima como as derivadas dos vetores r e v em

    relacao a t (dizemos que a velocidade e igual a` derivada primeira da

    posicao em relacao ao tempo, e que a aceleracao e a sua derivada se-

    gunda). O leitor nao iniciado em Calculo Diferencial , nao precisa se

    preocupar, pois nao faremos uso desta ferramenta neste livro (algumas

    nocoes basicas sao descritas no Painel III). O importante e lembrar que

    as denicoes 1.2 e 1.3 estao restritas a situacoes particulares.

  • 14

    PAINEL III

    DERIVADA DE UMA FUNCAO

    Seja r uma funcao de t: r = r(t). Esta poderia ser, por exemplo, a posicao

    de um objeto que se move com o tempo. Como calcular a velocidade do objeto,

    tambem como funcao de t? Tomemos dois intervalos de tempo, t e t + t. As

    posicoes correspondentes a esses instantes serao, respectivamente, r(t) e r(t + t).

    Por denicao, a velocidade media neste intervalo sera:

    v =r(t + t) r(t)

    t

    A derivada de r em relacao a t e denida como o limite da razao acima quando o

    intervalo de tempo t for innitamente pequeno, ou seja, t 0 (le-se delta ttende a zero). Simbolicamente escrevemos:

    v =drdt

    = limt0

    r(t + t) r(t)t

    Suponha por exemplo que a funcao r(t) seja proporcional ao quadrado de t:

    r(t) = a0t2, onde a0 e constante. Entao:

    r(t + t) = a0(t + t)2 = a0(t2 + t2 + 2tt) =

    = r(t) + 2a0t + a0(t)2

    Consequentemente:

    r(t + t) r(t) = 2a0tt + a0t2

    Dividindo esta expressao por t teremos:

    r(t + t) r(t)t

    = 2a0t + a0t

    Tomando o limite t 0, o segundo termo do lado direito se anula e camos com:

    limt0

    r(t + t) r(t)t

    = v(t) = 2a0t

  • CAPITULO 1 - A FISICA ATE 1905: UMA CASA DE GIGANTES15

    Este processo pode ser repetido para qualquer funcao, escalar ou vetorial. Pode-

    mos, por exemplo, calcular a aceleracao a partir do resultado acima:

    a =d2rdt2

    = limt0

    v(t + t) v(t)t

    = 2a0

    .

    A velocidade instantanea em um tempo t e obtida dividindo-se o intervalo innite-simal x por t.

  • 16

    Outras quantidades importantes da mecanica sao o momento linear

    (ou quantidade de movimento) p, denido por

    p = mv

    onde m e a massa do objeto, e o momento angular L, denido como o

    produto vetorial entre r e p, tambem chamado de torque do momento

    linear:

    L = r p

    onde o smbolo representa o produto vetorial. Enquanto p e umamedida da quantidade de movimento de translacao, L e uma medida da

    quantidade de movimento de rotacao. Por exemplo, um carro pesando

    1 tonelada (1000 kg) se deslocando a 100 km/h (aproximadamente 28

    m/s) possui uma quantidade de movimento com modulo igual a p =

    28000 kg m/s. Se ao inves do carro fosse um passaro, com apenas 0,5

    kg, o modulo da quantidade de movimento seria de 14 kg m/s. Se por

    outro lado o nosso carro estivesse descrevendo uma curva circular com

    raio de 50 m, ele teria um momento angular cujo modulo seria 1, 4106kg m2/s.

    A variacao de p esta ligada a` aplicacao de forcas externas sobre o

    sistema, assim como a variacao de L esta ligada a torques externos.

    Portanto, essas quantidades se conservarao (ou seja, nao mudarao com

    o tempo) se nao houver forcas e torques atuando sobre o sistema.

    Outra variavel dinamica importante e a energia cinetica do objeto,

    denida por:

    T =1

    2mv2 =

    p2

    2m

  • CAPITULO 1 - A FISICA ATE 1905: UMA CASA DE GIGANTES17

    onde v e p sao os modulos dos vetores v e p, respectivamente. T e uma

    medida da energia associada ao movimento do objeto, e sua unidade

    no SI e o joule (J). Se houver um campo de forcas atuando sobre o

    objeto, como por exemplo o campo gravitacional (veja adiante), havera

    tambem uma energia potencial, que representamos genericamente por

    V .

    Ao contrario da energia cinetica, que e zero se o objeto estiver

    parado, a energia potencial nao se anula para v = 0. Se, por exem-

    plo, segurarmos uma pedra a uma altura h do solo, sabemos que se a

    soltarmos ela caira. Antes de ser solta, a pedra possua uma energia

    potencial igual a V = mgh, onde m e a massa e g a aceleracao da

    gravidade. Ao tocar o solo, h = 0 e consequentemente V = 0, mas a

    velocidade nesse instante sera maxima, e portanto a energia cinetica

    tambem sera maxima. O que ocorreu ao soltarmos a pedra foi uma

    transformacao da energia potencial em cinetica. Usando o fato de que

    a energia total se conserva, a velocidade do objeto ao chegar ao solo

    pode ser calculada simplesmente igualando as duas formas de energia:

    ENERGIA CINETICA MAXIMA = ENERGIA POTENCIAL

    MAXIMA

    mv2max2

    = mgh vmax =2gh

    Por exemplo, se h = 10 m, e g = 10 m/s2, vmax 14 m/s, ou aproxi-madamente 4 km/h.

    Note deste resultado que a velocidade maxima independe da massa

    da pedra, embora a energia dependa! Ou seja, tanto pode ser uma

  • 18

    pedra de 50 g quanto uma de 10 kg que a velocidade ao tocar o solo

    sera a mesma. Falaremos mais sobre isto adiante.

    Em qualquer situacao a energia total do objeto, E, e a soma das

    energias cinetica e potencial:

    E = T + V

    Em uma grande classe de problemas importantes, como o caso da queda

    de objetos, a energia total se conserva (note que isso nao quer dizer

    que T e V se conservam separadamente, mas apenas sua soma). Tais

    sistemas sao chamados de conservativos.

    1.1.2 Movimento de Objetos sob a Acao deForcas Mecanicas

    Para conhecermos a trajetoria e a velocidade de um objeto temos que

    resolver a equacao 1.1. Um exemplo bem conhecido de aplicacao pratica

    daquela equacao e o calculo da trajetoria de um projetil disparado de

    um canhao. Podemos tambem calcular a velocidade com que gotas

    dagua caem do ceu em um dia de chuva, as posicoes de uma massa

    oscilando presa a uma mola, a trajetoria do cometa de Halley, etc.

    Qualquer que seja o caso, e preciso conhecermos a natureza da forca

    F que comparece em 1.1, e sua forma funcional. Forma funcional e

    a expressao matematica que descreve a dependencia da forca com as

    variaveis do problema, como a posicao, a velocidade, o tempo, etc. Se

    o amigo leitor entender este ponto, ja tera ganho o dia! Matematica-

    mente, podemos escrever a forca com qualquer forma. Por exemplo,

    podemos inventar uma forca do tipo

  • CAPITULO 1 - A FISICA ATE 1905: UMA CASA DE GIGANTES19

    F =ax

    onde x e a posicao do objeto. Podemos inventar o que quisermos:

    F = bx2/7,c/x2, dsen(kx), etc. Formalmente qualquer coisa serve!F pode tambem depender explicitamente da velocidade e do tempo.

    Matematicamente e uma festa! Acontece que para descrevermos os

    fenomenos da Natureza temos que encontrar a F correta para cada um

    deles. Isso e o que faz a diferenca. Movimentos de planetas, quedas

    de objetos, movimentos de partculas carregadas em campos eletro-

    magneticos, etc., obedecem a forcas com formas funcionais especcas.

    Sao leis imutaveis estabelecidas pela Natureza. O trabalho do fsico

    e precisamente descobrir quais sao estas leis a partir da observacao do

    movimento causado por elas. Matematicamente este trabalho se traduz

    em escrever corretamente o lado esquerdo da equacao 1.1, e depois re-

    solve-la a m de encontrar os vetores r(t) e v(t) (o que nem sempre e

    possvel, mesmo conhecendo-se a lei correta!). O leitor pode estar se

    perguntando que metodos sao utilizados para se descobrir a forma fun-

    cional correta da forca em um dado problema. E o analogo a perguntar

    que metodos Chico Buarque utiliza para escrever os seus versos, ou

    que metodos Pele utilizava para chegar ate o gol! A`s vezes e possvel,

    atraves de experimentos, deduzir uma forma funcional para F em uma

    dada situacao. Outras vezes se consegue bons resultados por tentativa

    e erro, ou seja, chuta-se. Obviamente quanto melhor informado es-

    tivermos acerca do problema, maiores serao nossas chances de darmos

    um bom chute. Mas, assim como na musica e no futebol, na fsica

  • 20

    havera sempre os Peles, os Chico Buarques, e os outros.

    O caso mais trivial de movimento ocorre quando a forca que atua

    sobre o objeto e nula, ou seja, F = 0. A equacao 1.1 neste caso se

    torna:

    ma = 0

    Mas na medida em que m = 0, a unica solucao possvel para a estaequacao e:

    a = 0

    Por simplicidade vamos considerar o movimento em 1 dimensao e

    omitir o negrito da notacao vetorial da aceleracao. Nesse caso escreve-

    mos:

    a = 0

    Consequentemente, utilizando a denicao simplicada da aceleracao

    obtemos:

    v

    t=

    v v0t t0 = 0

    Para que a fracao se anule, e suciente que o seu numerador se anule.

    Logo:

    v v0 = 0 v = v0

    ou seja, a velocidade do objeto neste caso permanece igual a` sua ve-

    locidade inicial. Isso quer dizer que se o objeto estiver inicialmente

  • CAPITULO 1 - A FISICA ATE 1905: UMA CASA DE GIGANTES21

    parado, assim permanecera indenidamente. Se por outro lado o ob-

    jeto estiver se movendo, continuara nesse estado de movimento ad eter-

    num. Observe que obtivemos matematicamente aquilo que e enunciado

    da primeira lei de Newton! Na literatura secundarista este problema

    aparece com o nome - na minha opiniao excessivamente burocratico -

    de movimento retilneo e uniforme, ou MRU.

    Podemos levar o calculo adiante e obter a posicao do objeto no

    tempo. Basta escrevermos:

    v =x x0t t0 = v0 x = x0 v0t0 + v0t

    Como sabemos, x0 e v0 sao condicoes iniciais arbitrarias. Seus va-

    lores sao obtidos em t0, o instante do incio do movimento. Em geral

    escolhemos t0 = 0, e a equacao acima se torna:

    x = x0 + v0t

    A proposito, temos aqui uma daquelas situacoes embaracosas que o

    leitor atento ja deve ter percebido. O que ocorre com a denicao de v

    acima se zermos t = t0? Em princpio deveramos obter a velocidade

    em t = t0, que por sua vez e igual a v0, ja que nao ha forcas atuando

    no sistema. Mas vemos que para t = t0 o denominador da expressao

    para v se anula. Uma fracao com denominador muito pequeno e um

    numero muito grande. Por exemplo, 1/0, 01 = 100; 1/0, 001 = 1000; e

    1/0, 0000001 = 1000000. Extrapolando, dizemos que se o denominador

    da fracao tender para zero, a fracao tendera para innito (ocasional-

    mente o leitor estara lembrado que 1/0 = ). Mas, por denicao, emt = t0, o objeto se encontra exatamente em x = x0, o que tambem

  • 22

    anula o numerador. Teremos entao o estranho resultado 0/0. Mate-

    maticamente o resultado da divisao de zero por zero e indeterminado.

    Indeterminado?! Como, se sabemos de incio que a velocidade e cons-

    tante e igual a v0? Deixo para o leitor o desao deste paradoxo!

    Voltando ao problema, vemos que a posicao do objeto em um ins-

    tante t qualquer pode ser obtida calculando-se a area sob a curva em

    um graco de v versus t. O problema foi resolvido. Passado e futuro

    estao plenamente determinados! Por exemplo, se x0 = 0, e v0 = 50

    km/h, em 5 minutos o objeto estara a uma distancia de 4,2 km da

    origem. Ha 100 anos atras (ou seja, t = 100 anos), o objeto estava a43800000 km da origem, e assim por diante.

    Um segundo exemplo, ligeiramente mais complicado, e o caso de

    uma forca constante, igual a F0, atuando sobre o objeto. Teremos

    neste caso:

    ma = F0 a = F0m

    ou seja, a aceleracao tambem e constante e igual a F0/m. Vamos ba-

    tizar de a0 essa quantidade. Usando a denicao simplicada de a, e

    considerando novamente t0 = 0, obtemos a velocidade (que e numeri-

    camente igual a` area sob a curva de a versus t):

    v = v0 + a0t

    A posicao sera novamente dada pela area sob a curva de v versus t, e

    pode ser facilmente obtida:

    x = x0 + v0t +1

    2a0t

    2

  • CAPITULO 1 - A FISICA ATE 1905: UMA CASA DE GIGANTES23

    O exemplo do motorista que deve percorrer 80 km em 1 h, com v0 = 20

    km/h, e a0 = 120 km/h2 , pode agora ser trivialmente vericado da

    expressao acima:

    x x0 = 20 + 1202

    = 80

    E o que ocorre no caso geral em que a forca e uma funcao arbitraria

    de t? Ainda aqui podemos interpretar v(t) e x(t) geometricamente

    como as areas sob as curvas de a versus t e v versus t, respectivamente.

    A diferenca esta no fato de que neste caso o calculo da area se torna

    mais complicado.

    A tecnica matematica para se calcular areas sob curvas com formas

    arbitrarias e chamada de integracao, e foi inventada (pra variar) por

    Newton3

    3Esta tecnica faz parte do que chamamos atualmente em matematica de CalculoDiferencial e Integral, ou simplesmente Calculo. O Calculo foi inventado simultane-amente por Newton e pelo matematico alemao Gottfried Wilhelm Leibniz.

  • 24

    PAINEL IV

    INTEGRAL DE UMA FUNCAO

    Seja uma funcao arbitraria f(x). E interessante sabermos calcular a area sob

    a curva descrita por f . Somente em situacoes muito simples, como no caso de

    uma funcao constante, ou linear, e que podemos fazer isso usando as formulas da

    Geometria Plana. Em um caso geral, para sabermos a area temos que integrar a

    funcao.

    A integracao de uma funcao pode ser visualizada como um processo de soma

    de areas innitesimais. O intervalo no qual a area sera calculada e dividido em

    N subintervalos, cada um com uma largura innitesimal x. Cada um desses

    subintervalos pode ser considerado como um retangulo de base x e altura f(x), e

    portanto possuira uma area igual a

    S = f(x)x

    Se somarmos todas as areas dos N intervalos, teremos a area total desejada:

    S =N

    f(x)x

    A integral de f(x) e denida como o resultado dessa soma quando tomamos o limite

    x 0, que representamos por dx. Simbolicamente representamos a integral por(uma especie de S esticado):

    limx0

    N

    f(x)x

    f(x)dx

    Matematicamente pode ser demonstrado que a operacao de integracao de uma

    funcao e o inverso da operacao de derivacao. Ou seja, se g(x) e a funcao que resulta

    da derivacao de f(x),

    g(x) =df(x)dx

    entao, a funcao f e a integral de g:

    f(x) =

    g(x)dx

  • CAPITULO 1 - A FISICA ATE 1905: UMA CASA DE GIGANTES25

    Considere, por exemplo, a funcao v(t) = a0t, a velocidade de um objeto que

    se move ao longo do eixo x com aceleracao constante, igual a a0. A integral desta

    funcao sera: v(t)dt =

    a0tdt

    Mas como a0 nao depende de t, podemos escrever:v(t)dt = a0

    tdt

    A funcao a ser integrada e portanto f(t) = t. Como esta funcao e igual a` derivada

    da funcao g(t) = t2/2, teremos: v(t)dt =

    12a0t

    2

    Reconhecemos este resultado como a posicao de um objeto que se move em MRUA,

    com velocidade e posicao iniciais iguais a zero:

    x(t) =

    v(t)dt =12a0t

    2

    A integral de uma funcao entre os pontos a e b e numericamente igual a` soma dasareas dos trapezios, como mostrado na gura.

  • 26

    Um exemplo de forca extremamente importante em fsica e aquela

    em que F e proporcional ao deslocamento do objeto, mas atua em

    sentido contrario ao movimento, ou seja:

    F = kx

    O tipo de movimento que decorre dessa forca aparece em varios fenomenos

    da Natureza, e da a sua importancia. A solucao formal da equacao 1.1

    nesse caso e consideravelmente complexa para ser apresentada aqui,

    mas podemos conhecer o resultado mesmo sem realizarmos formalmente

    os calculos.

    Na expressao acima, k e uma constante positiva chamada de cons-

    tante de forca, ou constante elastica. Sua unidade e o newton por

    metro (N/m), e e uma caracterstica intrnseca do sistema. Por exem-

    plo, esse tipo de forca ocorre em uma mola que e deformada se nela

    pendurarmos um objeto de massa m (por exemplo, num dinamometro).

    k e uma caracterstica intrnseca da mola, assim como m e uma car-

    acterstica intrnseca do objeto preso a ela. Quanto mais esticamos a

    mola, mais difcil se torna estica-la, porque a forca F aumenta com a de-

    formacao x, e portanto tende a restaurar o estado nao deformado. Todo

    mundo ja viu as oscilacoes de um objeto preso a uma mola. Se sim-

    plesmente pendurarmos o objeto, a mola se deformara e cara parada.

    Mas se alem desse ponto esticarmos a mola e a soltarmos, o objeto

    passa a oscilar em torno da posicao de equilbrio. Esse movimento de

    vai-vem e descrito pelas funcoes periodicas seno e cosseno:

    x(t) = xmaxcos(0t)

  • CAPITULO 1 - A FISICA ATE 1905: UMA CASA DE GIGANTES27

    ou

    x(t) = xmaxsen(0t)

    onde xmax e a deformacao maxima alcancada pela mola. A quantidade

    0, chamada de frequencia angular, e uma medida da rapidez das

    oscilacoes. Ela e dada por:

    0 =

    k

    m

    0 e medida em radianos por segundo (rad/s). O produto t possui

    portanto dimensao de angulo, e se mede em radianos. Um ciclo com-

    pleto do movimento corresponde a 0t = 2 rd.

    A frequencia do movimento, f0, se relaciona com 0 atraves de:

    f0 =02

    Portanto a unidade de f0 e o s1, ou Hertz. Dizer que a frequencia

    do movimento e de 10 Hz signica dizer que a cada segundo o sistema

    realiza 10 oscilacoes completas.

    O inverso da frequencia e o perodo, , que corresponde a um ciclo

    completo do movimento:

    =1

    f0=

    2

    0

    A unidade do perodo e o segundo (s). Se a frequencia e de 10 Hz, o

    perodo e de 0,1 s, sendo este o tempo gasto pelo sistema para completar

    1 volta. Suponha por exemplo que k = 2 N/m, e m = 0, 5 kg. Entao,

    0 =

    2

    0, 5= 2

    rd

    s

  • 28

    e consequentemente,

    f0 =1

    2rd 2 rd

    s= 0, 32 Hz

    e o perodo,

    = 3, 1 s

    Ou seja, a cada segundo o sistema realiza somente 32% de seu ciclo

    completo.

    E importante enfatizarmos o fato de que 0, e portanto f0 e sao

    quantidades intrnsecas ao sistema. Estas quantidades caracterizam o

    movimento do objeto, pois nos dizem o perodo e a frequencia com que

    ele oscila. O interessante e que o sistema pode estar parado, e mesmo

    assim podemos caracterizar o seu movimento. Isso e possvel precisa-

    mente porque 0 depende somente de k, uma propriedade intrnseca

    da mola, e m, uma propriedade intrnseca do objeto. Chamamos 0 de

    frequencia natural do sistema, ou modo normal de oscilacao.

    Todo sistema mecanico possui modos normais de oscilacao (ou seja,

    possui frequencias naturais que intrinsecamente determinam como ele

    vibrara caso seja posto em movimento). Conhecer os modos normais de

    um sistema e de grande importancia, pela seguinte razao: se uma forca

    externa variar com o tempo e atuar sobre um sistema mecanico na sua

    frequencia natural [por exemplo, uma forca do tipo F (t) = F0sen(0t)

    atuando sobre um sistema massa-mola com frequencia natural 0], a

    amplitude do movimento crescera tanto que podera haver uma ruptura

    no sistema. Esse fenomeno e chamado de ressonancia. Dizemos que

    a forca externa esta em ressonancia com o sistema. O caso da ponte

  • CAPITULO 1 - A FISICA ATE 1905: UMA CASA DE GIGANTES29

    Tacoma Narrows nos Estados Unidos e um exemplo dramatico de res-

    sonancia em sistemas mecanicos. Ela desabou em 1 de julho de 1940,

    pouco tempo apos a sua inauguracao devido a acao ressonante do vento

    sobre ela4. Da proxima vez que o leitor estiver atravessando uma ponte

    em uma regiao onde venta muito (como na ponte Rio-Niteroi no Rio

    de Janeiro), procure NAO pensar sobre o fenomeno da ressonancia!

    1.1.3 Gravitacao Universal: da Queda da Maca a`

    Queda da Lua

    No incio de 1665 eu encontrei o metodo de aproximacao

    de series. Em maio do mesmo ano eu encontrei o metodo

    das tangentes, e em novembro eu tinha o metodo de uxoes,

    e em janeiro do ano seguinte a teoria das cores, e em maio

    iniciei o metodo inverso das uxoes. No mesmo ano come-

    cei a estender a gravitacao a` orbita da Lua, e da regra de

    Kepler para o perodo dos planetas, deduzi que a forca que

    mantem os planetas em suas orbitas deve ser proporcional

    ao inverso do quadrado da distancia. Tudo isso aconte-

    ceu durante 1665-1666, os anos da Peste. Eu estava no

    primor da minha inventividade para matematica e losoa,

    mais do que estaria em qualquer outra epoca da minha vida.

    (The Life of Isaac Newton, Richard Westafall, Cam-

    bridge 1993)

    O maior feito de Isaac Newton, e talvez a maior conquista intelectual

    ja alcancada por um so homem, foi o de ter sido capaz de explicar o4Existe, contudo, alguma controversia sobre a razao do desabamento da ponte.

  • 30

    movimento de corpos celestes (satelites, planetas, cometas, etc.) com

    base na equacao 1.1, e portanto coloca-los na mesma categoria dos

    fenomenos que ocorrem na superfcie da Terra, como a simples queda

    de uma maca.

    Newton postulou que objetos massivos se atraem, sendo a forca de

    atracao proporcional ao produto das massas dos objetos envolvidos e

    inversamente proporcional ao quadrado da distancia entre eles. Ou

    seja, se m1 e m2 forem as massas de dois objetos separados por uma

    distancia r, a forca de atracao de m1 sobre m2 sera:

    F = Gm1m2r2

    er (1.6)

    onde er e o vetor unitario da direcao que liga os dois objetos, com

    sentido5 de m1 para m2. G e a chamada Constante de Gravitacao

    Universal, e vale G = 6, 67 1011 m3/s2kg.Nos deparamos aqui novamente com um grau de generalizacao fan-

    tastico, tpico das grandes teorias fsicas: a expressao da forca em 1.6

    vale para quaisquer pares de objetos no Universo6! Reita um pouco

    sobre isso: podemos tanto descrever uma pedra que cai na superfcie

    da Terra, quanto o movimento de um planeta desconhecido em torno

    de um sol em uma galaxia jamais vista, usando a mesma equacao 1.6!

    Que outra Ciencia possui esse poder de sntese?! O leitor eventualmente

    estara interessado em uma aplicacao curiosa da equacao 1.6, qual seja,

    5E obvio que m2 atraira m1 com uma forca de igual modulo. Contudo o seusentido sera dado por um unitario oposto a er.

    6De fato, a Gravitacao Universal de Newton foi generalizada na RelatividadeGeral de Einstein, a ser vista no captulo oito. No entanto, dentro do mundoclassico, a expressao 1.6 descreve perfeitamente o movimento de objetos celestes.

  • CAPITULO 1 - A FISICA ATE 1905: UMA CASA DE GIGANTES31

    avaliar a forca de atracao gravitacional entre duas pessoas separadas

    por uma distancia de, digamos, 0,5 mm. E frustantemente pequena!

    Certamente a gravitacao nao e a forca responsavel pela atracao entre

    pessoas!

    Newton postulou que massas se atraem com forcas radiais, que diminuem com oquadrado da distancia entre os objetos.

  • 32

    A forca dada em 1.6 somente sera apreciavel se pelo menos um dos

    objetos tiver dimensoes astronomicas. Por exemplo, seja m1 = 80 kg,

    a massa de uma pessoa e m2 a massa da Terra: m2 = M = 5, 98 1024kg. Tomemos por r o raio medio da Terra: r = R = 6, 37 106 m.Sustituindo esses valores em 1.6 obtemos para o modulo da forca:

    F 6, 67 1011 80 5, 98 1024

    (6, 37 106)2 786 N

    Como a Terra nao e uma esfera perfeita (certa vez uma das cobras

    de Luiz Fernando Verssimo deniu brilhantemente a Terra como um

    planeta chato nos polos e nos domingos sem futebol!), esse valor varia

    ligeiramente com a posicao da pessoa no planeta. Somente para efeitos

    de comparacao, vamos calcular a forca com que o Sol atrai a Terra. A

    massa do Sol e igual a 1, 99 1030 kg, e a distancia media entre o Sole a Terra e de 1, 50 1011 m. Substituindo em 1.6 obtemos:

    F 6, 67 1011 1, 99 1030 5, 98 1024

    (1, 50 1011)2 35, 3 1021 N

    ou seja, a forca do Sol sobre a Terra e cerca de 40 mil quatrilhoes (= 40

    quintilhoes) de vezes maior do que aquela da Terra sobre uma pessoa.

    Consideremos com mais detalhes o que acontece na superfcie da

    Terra. Tomando R como seu raio medio, podemos escrever 1.6 na

    forma:

    F =(G

    M

    R2

    )m

    onde M e a massa da Terra, e m a de qualquer objeto em sua su-

    perfcie. Como forca e igual a massa vezes aceleracao, a quantidade

    entre parenteses na expressao acima possui dimensao de aceleracao, e

  • CAPITULO 1 - A FISICA ATE 1905: UMA CASA DE GIGANTES33

    e constante, ja que G, M e R sao constantes. Essa quantidade nada

    mais e do que a aceleracao da gravidade na superfcie terrestre, que

    denotamos por g. Nesse caso a forca gravitacional e o que chamamos

    de peso, P :

    P = mg

    onde

    g = GM

    R2

    Substituindo valores numericos para G, M e R encontra-se g = 9, 8m/s2.

    Note que no nosso dia-a-dia misturamos os conceitos de massa e

    peso como se fossem sinonimos. Massa esta relacionada a` quantidade

    de materia, e portanto e uma propriedade intrnseca do objeto. O peso,

    por outro lado, e uma propriedade extrnseca, pois depende do campo

    gravitacional que atua sobre o objeto. Uma pessoa com uma massa de

    80 kg pesa na Terra 786 N, mas na Lua, onde a aceleracao da gravidade

    e de apenas 1,6 m/s2, seu peso seria igual a 128 N. Em Netuno, onde

    g = 11 m/s2 a mesma pessoa pesaria 882 N. Contudo, isto nao signica

    que uma pessoa cara mais magra ao viajar de Netuno para a Lua!

    1.1.4 O Movimento dos Planetas

    Contam que certa vez o eminente fsico Edmund Halley (aquele do

    cometa), intrigado com o problema das orbitas dos planetas, cuja solucao

    vinha perseguindo ha anos, foi a Cambridge visitar Isaac Newton.

    Chegando la, humildemente expos a sua duvida: supondo que o Sol

    atrai um planeta com uma forca proporcional ao inverso do quadrado

  • 34

    da distancia, qual sera a trajetoria do planeta?, a que Newton teria

    respondido instantaneamente: Uma elipse. Este problema eu ja resolvi

    ha muito tempo atras. Halley teria cado tao impressionado (e pos-

    sivelmente deprimido) que apos vericar a demonstracao de Newton, o

    convenceu a escrever o Principia, e ainda teria pago os custos da sua

    publicacao!

    Como mencionamos na secao anterior, o movimento de qualquer

    objeto sob a acao do campo gravitacional e descrito pela expressao

    dada em 1.6. Para objetos que se movem proximos a` superfcie da

    Terra a forca e dada por mg, onde g e a aceleracao da gravidade.

    Algo curioso acontece aqui. Substituindo F = mg na Segunda Lei

    de Newton, F = ma, obtemos

    mg = ma a = g = constante

    donde se conclui que

    v = v0 + gt

    e

    z = z0 + gt +1

    2gt2

    onde z e a distancia do objeto ao solo. Antes de irmos adiante o leitor

    seria capaz de dizer o que ha de tao extraordinario neste resultado? Nao

    parece ser o mesmo ja obtido anteriormente, para o caso de aceleracao

    constante? Sim, parece, mas apenas parece, pois anteriormente a ace-

    leracao era dada por F0/m, e portanto dependente da massa do objeto.

    Ao contrario, as expressoes para v e para z acima nao contem a massa

  • CAPITULO 1 - A FISICA ATE 1905: UMA CASA DE GIGANTES35

    do objeto! Isso quer dizer que xados z0 e v0, desprezados os efeitos

    causados pelo atrito com o ar, todos os objetos cairao ao mesmo tempo

    e alcancarao o solo com a mesma velocidade nal! Uma geladeira, um

    caminhao com sacos de cimento, uma bolinha de papel, uma caneta,

    uma pena de galinha, ou um navio! Voce acredita nisso? Va em frente

    e faca o teste voce mesmo: deixe cair da mesma altura uma bolinha de

    papel bem amassada (para minimizar o atrito com o ar) e um tijolo.

    Como diz um velho amigo do CBPF, em toda boa teoria nos temos que

    tirar mais do que colocar. Em outras palavras, se a teoria nao te

    causa surpresas vericaveis experimentalmente, jogue ela no lixo!

    Forcas que so dependem do modulo da distancia entre os objetos

    e cuja direcao esta ao longo do raio que os liga, como a dada em 1.6,

    sao chamadas de forcas centrais. E importante mencionar que forcas

    centrais nem sempre sao atrativas, mas podem tambem ser repulsivas,

    como e o caso da forca eletrica entre cargas eletricas com o mesmo sinal

    (Secao 1.2). Quando um objeto se encontra sob a acao de uma forca

    central, e descreve uma trajetoria circular com velocidade constante,

    podemos igualar a expressao 1.6 a` chamada forca centrpeta, dada por:

    Fc =mv2

    r(1.7)

    onde m e a massa, v a velocidade, e r o raio da trajetoria circular.

    Igualando 1.6 a 1.7 podemos calcular, por exemplo, a distancia da Terra

    ate a Lua. Para isso, obviamente temos que supor a trajetoria da Lua

    como sendo circular, e supor ainda que sua velociade seja constante.

    Vamos la:

  • 36

    mv2

    r= G

    Mm

    r2 r = GM

    v2

    onde agora M e a massa da Terra e m a da Lua (note que m desaparece

    da expressao nal). Mas, se r e o raio da circunferencia descrita pela

    Lua em volta da Terra, a distancia que a Lua percorre em uma revolucao

    completa sera igual a 2r. Como a sua velocidade e constante e igual

    a v, o seu perodo de movimento sera:

    =2r

    v v = 2r

    Por outro lado, podemos usar a expressao para g - a aceleracao da

    gravidade na Terra - e substituir o produto GM (isso obviamente nao e

    estritamente necessario, apenas facilita a substituicao numerica ao nal

    do calculo):

    GM = gR2

    Com isso obtemos:

    r =

    (gR2 2

    42

    )1/3

    Substituindo os valores numericos: g = 9, 8 m/s2, R = 6, 37 106m e 27 dias, obtemos r 383 000 km para a distancia Terra-Lua.Newton foi o primeiro a fazer este calculo (o bicho era mesmo o cao

    chupando manga!). O valor atual, medido com tecnicas modernas e

    de aproximadamente 382 000 km. A tabela abaixo resume algumas das

    principais propriedades dos planetas do Sistema Solar.

  • CAPITULO 1 - A FISICA ATE 1905: UMA CASA DE GIGANTES37

    .

    Podemos calcular a distancia Terra-Lua supondo que o movimento da Lua e circulare uniforme.

  • Mercurio

    Ve^nus

    Terra

    Marte

    Jupiter

    Saturno

    Urano

    Netuno

    Plut~ao

    dista^nciadoSol

    (106)km

    57,9

    108

    150

    228

    778

    1430

    2870

    4500

    5900

    perododerevoluc~ao(anos)

    0,241

    0,615

    1,00

    1,88

    11,9

    29,5

    84,0

    165

    248

    perododerotac~ao(dias)

    58,7

    243

    0,997

    1,03

    0,409

    0,426

    0,451

    0,658

    6,39

    velocidad

    eorbital

    (km/s)

    47,9

    35,0

    29,8

    24,1

    13,1

    9,64

    6,81

    5,43

    4,74

    dia^metro

    equatorial(km)

    4880

    12100

    12800

    6790

    143000

    120000

    51880

    49500

    3000

    massa

    (Terra

    =1)

    0,0558

    0,815

    1,00

    0,107

    318

    95,1

    14,5

    17,2

    0,01

    densidad

    e(agu

    a=

    1)5,60

    5,20

    5,52

    3,95

    1,31

    0,704

    1,21

    1,67

    ?gravidad

    enoequad

    or(m

    /s2)

    3,78

    8,60

    9,78

    3,72

    22,9

    9,05

    7,77

    11,0

    0,3

    CompiladodeFundamen

    tals

    ofPhysics,D.Halliday

    eR.Resnick,JohnWiley

    &Sons,3a.Ed.,(1988)

  • CAPITULO 1 - A FISICA ATE 1905: UMA CASA DE GIGANTES39

    1.1.5 Massa Inercial vs. Massa Gravitacional

    Podemos escrever a segunda lei de Newton da seguinte forma:

    a =1

    mF

    ou seja, a aceleracao que um objeto adquire e diretamente proporcional

    a` forca a ele aplicada, e inversamente proporcional a` sua massa. Para

    uma dada forca, quanto maior a massa, menor sera a aceleracao. Nesta

    expressao, a massa representa a resistencia do objeto ao movimento

    (ou contrariamente, se o objeto estiver se movendo, m representa a sua

    resistencia a parar). Esta tendencia dos objetos massivos manterem seu

    estado de movimento e chamada de inercia. Por esta razao, a massa

    que aparece na segunda lei de Newton e chamada de massa inercial.

    Por outro lado, vimos que a forma funcional (ou seja, o lado es-

    querdo de 1.1) para a forca de gravitacao proposta por Newton de-

    pende explicitamente da massa que, neste caso, e chamada de massa

    gravitacional:

    F = GMm

    R2

    Na mecanica classica nao ha nada que diga ou prove que a massa

    inercial e a massa gravitacional devam ser iguais. No entanto elas sao

    rigorosamente identicas! Este fato, aparentemente trivial, e consider-

    ado por Newton como uma estranha coincidencia, levou Einstein a

    um profundo insight a respeito da natureza da interacao gravita-

    cional. Com isso ele formulou seu princpio de equivalencia a partir

    do qual desenvolveu a Teoria da Relatividade Geral, que sera tratada

  • 40

    no captulo oito. O ilustre fsico brasileiro, professor Mario Schenberg,

    costumava ensinar que em fsica nada e tao trivial quanto parece. Esta

    e uma grande licao!

    1.1.6 Movimento Relativo

    Encerra-te com um amigo dentro do maior camarote sob

    o conves de um grande navio e leva contigo moscas, bor-

    boletas e outros insetos que voam; municia-te tambem de

    um grande recipiente cheio de agua e com peixinhos; pegue

    tambem um pequeno balde cuja agua vaze gota a gota por um

    pequeno orifcio em outra vaslha colocada abaixo. Quando

    o navio estiver parado, observa cuidadosamente como os

    pequenos animais que voam vao com a mesma velocidade

    em todas as direcoes da cabine; veem-se os peixes nadar

    insdistintamente por todos os lados, e as gotas que caem

    entram todas no recipeinte colocado abaixo; se jogares al-

    guma coisa a teu amigo, nao teras necessidade de atirar

    mais forte numa direcao que noutra quando as distancias

    sao iguais. Quando tiveres observado cuidadosamente tudo

    isso faze o navio navegar com a velocidade que desejares;

    desde que o movimento seja uniforme, sem balancar num

    sentido ou noutro, nao perceberas a menor mudanca em to-

    dos os efeitos que acabamos de apontar; nada permitira que

    percebas que o navio esta em marcha ou parado.

    [Galileu Galilei, em 1632. Extrado de Imposturas Intelectuais, Alan

    Sokal e Jean Bricmont, Ed. Record (1999)]

  • CAPITULO 1 - A FISICA ATE 1905: UMA CASA DE GIGANTES41

    Quando armamos que um objeto se move com velocidade v e sua

    posicao em cada instante de tempo e r, esta implcito que estas quan-

    tidades estao sendo medidas a partir de alguma posicao do espaco, em

    geral onde se encontra o observador. A partir de sua propria posicao,

    um observador estabelece um sistema de coordenadas do qual qualquer

    grandeza fsica pode ser medida. O local onde o observador se encontra

    e normalmente considerado a posicao r = 0. Como o espaco possui 3

    dimensoes, tal sistema de coordenadas deve possuir 3 eixos coordena-

    dos, os quais chamamos x, y e z, normalmente perpendiculares entre

    si. Qualquer componente de um vetor podera, entao, ser medida inde-

    pendentemente de qualquer outra. Por exemplo, se uma forca qualquer

    F atua sobre um objeto de massa m, podemos medir a aceleracao que

    este adquire ao longo da direcao y, digamos ay, e vericar a relacao

    ay = Fy/m.

    Acontece que em fsica nao nos satisfazemos somente com o que ve-

    mos, mas queremos tambem bisbilhotar o que os outros veem. Tec-

    nicamente falando, queremos expressar as leis de movimento que ob-

    servamos no nosso sistema de coordenadas, em termos das coordenadas

    medidas por observadores em outros sistemas. Desta forma podemos

    descrever o movimento de objetos do ponto de vista de observadores

    diferentes, e saber como as leis da fsica se transformam de um sistema

    de coordenadas para o outro. Por exemplo, podemos descrever a tra-

    jetoria de uma bomba lancada de um aviao, tanto do ponto de vista de

    um observador parado na Terra, quanto do ponto de vista do piloto do

    aviao. As trajetorias serao obviamente diferentes, porem o ponto onde

    a bomba atinge o solo sera o mesmo para os dois observadores. For-

  • 42

    malizando um pouco mais, considere um objeto cuja posicao medida a

    partir de um sistema de coordenadas A seja r e a partir de um sistema

    de coordenadas B seja r. A posicao de B em relacao a A e dada por

    R. E facil ver que estes tres vetores estao relacionados por:

    r = r +R (1.8)

    A expressao acima pode ser entendida como uma regra que nos

    ensina como transformar coordenadas de um sistema de coordenadas

    A para outro B. Se considerassemos apenas uma dimensao, a relacao

    acima seria:

    x = x + X

    onde x e a distancia medida de uma determinada origem A, e x de

    um outra origem B, que dista de A de X. Por exemplo, se o objeto

    se encontra a x = 10 metros a` direita da origem de A, e a origem

    deste sistema dista X = 3 metros tambem a` direita da origem de B, a

    distancia do objeto a` origem B sera obviamente de x = 7 metros.

    A origem B nao necessariamente precisa estar parada em relacao

    a A, mas pode estar se movendo. Alem disso, o proprio objeto pode

    tambem se mover em relacao a ambas. Suponha entao que a velocidade

    do objeto em relacao a A seja vx, e em relacao a B seja vx. Suponha

    ainda que B se mova em relacao a A com velocidade V . A relacao entre

    essas tres velocidades sera dada por:

    vx = vx + V

    Ao realizarmos esta soma, devemos levar em consideracao o sentido do

    movimento. Por exemplo, suponha que o objeto se mova na direcao e

  • CAPITULO 1 - A FISICA ATE 1905: UMA CASA DE GIGANTES43

    sentido positivos de x, com velocidade vx = +5 m/s, medida em relacao

    a A. Se B se afasta, na mesma direcao e sentido com velocidade V = +2

    m/s, a velocidade do objeto medida de B sera:

    vx = 5 2 = 3 m/s

    Mas se B se aproxima de A com velocidade V = 2 m/s, teremos

    vx = 5 + 2 = 7 m/s

    Devemos ainda notar que se o ponto B se move em relacao ao A

    com velocidade V , apos um tempo t, a sua posicao em relacao a A sera

    X = V t. Com isso, a relacao entre as coordenadas x e x se torna:

    x = x + V t

    Em tres dimensoes teremos uma relacao vetorial tambem para as

    velocidades:

    v = v +V (1.9)

    onde v e a velocidade medida no sistema A, v aquela medida no sistema

    B, e V e a velocidade relativa entre os dois sistemas. E obvio que se o

    sistema B estiver parado em relacao a A, teremos V = 0, e ambos os

    observadores medirao a mesma velocidade.

    Agora, se a velocidade relativa V entre os dois sistemas for cons-

    tante, a aceleracao relativa dos referenciais sera nula. Nesta situacao,

    se o objeto que se move estiver submetido a uma forca, ambos os ob-

    servadores medirao a mesma aceleracao, ou seja,

  • 44

    a = a (1.10)

    Multiplicando ambos os lados da igualdade acima pela massa do ob-

    jeto (a massa independe do sistema de coordenadas), chegamos a um

    importante resultado:

    ma = ma F = F

    onde F e a forca medida de A, e F de B. Consequentemente, se V for

    constante, a segunda lei de Newton tera exatamente a mesma forma

    em ambos os sistemas de coordenadas. Conclui-se entao que todos

    os sistemas de referencia que se movem com velocidade constante sao

    equivalentes uns aos outros, perante a segunda lei. Estes sistemas sao

    chamados de sistemas inerciais. Sistemas de referencia acelerados, ou

    seja, que se movem com velocidade nao uniforme, sao chamados de

    sistemas nao-inerciais. Transformacoes de coordenadas entre sistemas

    inerciais sao chamadas de transformacoes de Galileu. Como veremos

    no captulo seguinte, quando aplicadas a fenomenos eletromagneticos

    as transformacoes de Galileu falham. Isto levou Albert Einstein (consi-

    derado o Newton do seculo XX) a reformular a mecanica newtoniana.

    O resultado desta reformulacao foi a Teoria da Relatividade Restrita.

    1.1.7 Fsica Termica: dos Planetas aos Gases

    A mecanica classica foi alem da descricao do movimento de planetas e

    outros corpos sob a acao de forcas mecanicas. Ela tambem foi capaz

    de dar um fundamento microscopico para certos fenomenos termicos.

  • CAPITULO 1 - A FISICA ATE 1905: UMA CASA DE GIGANTES45

    A termodinamica e uma tradicional area da fsica que estuda feno-

    menos termicos. Estes sao fenomenos associados a sistemas macroscopicos,

    onde um grande numero de partculas como moleculas atomos, aglo-

    merados, etc., interagem entre si e com o meio externo trocando massa

    e energia. A mudanca da fase lquida para a fase de vapor da agua e um

    exemplo de fenomeno termico. Outro exemplo e o aquecimento de um

    o condutor percorrido por uma corrente eletrica, ou ainda a dilatacao

    de uma ponte de concreto em um dia de calor.

    A abordagem da termodinamica para tratar fenomenos deste tipo e

    baseada em observacoes experimentais. Nao ha nesta ciencia uma des-

    cricao destes fenomenos a partir de um modelo microscopico onde os

    detalhes das interacoes entre as partculas que compoem o sistema sao

    levadas em conta. Precisamente por este aspecto, alguns fsicos con-

    sideram a termodinamica uma ciencia melhor fundamentada do que as

    outras areas da fsica, por ela nao estar sujeita a modismos teoricos.

    Einstein, por exemplo, tinha a opiniao de que no futuro todas as teo-

    rias atuais da fsica provavelmente desapareceriam, com excecao da

    termodinamica.

    Vamos tomar como exemplo uma conhecida lei da termodinamica,

    a lei dos gases perfeitos:

    PV = NRT

    Esta equacao descreve uma relacao observada experimentalmente en-

    tre a pressao P , o volume V e a temperatura T de um gas com N

    moleculas. R e a chamada constante universal dos gases, e vale 8,314

    J/Mol K. As quantidades P , V , T sao chamadas de variaveis de estado

  • 46

    do sistema. Termodinamica e isso: relacoes entre variaveis de estado de

    um sistema. A relacao acima nos diz, por exemplo, que se quisermos

    baixar a pressao de um gas temos que aumentar o seu volume e/ou

    diminuir a sua temperatura. Pressao e temperatura neste contexto sao

    meramente numeros que se medem com barometros e termometros,

    respectivamente. Mas, quais sao os processos fsicos microscopicos que

    dao origem a` pressao e a temperatura? A termodinamica nao sabe

    responder.

    E aqui que a mecanica de Newton entra novamente em acao. Con-

    siderando um gas como um objeto composto por um numero muito

    grande de partculas (atomos ou moleculas), tipicamente da ordem de

    1023 partculas por centmetro cubico, que se movem aleatoriamente

    dentro de um recipiente com volume V , e descrevendo o movimento

    de cada uma delas de acordo com as leis de movimento de Newton, a

    equacao acima pode ser deduzida matematicamente. Note que inicial-

    mente dissemos que PV = NRT era uma relacao entre as variaveis de

    estado de um gas, observada experimentalmente; agora estamos dizendo

    que esta relacao pode ser deduzida matematicamente aplicando-se as leis

    da mecanica ao movimento das moleculas constituintes do gas. O fato

    de que o movimento das moleculas deve ser considerado aleatorio e fun-

    damental para a derivacao teorica da equacao. Matematicamente isto

    signica que o problema deve ser tratado estatisticamente7. Com esta

    abordagem, conhecida como teoria cinetica dos gases, pode ser dado um

    fundamento microscopico para a equacao dos gases perfeitos. Na teoria

    7Em tal tratamento, as posicoes e velocidades de cada molecula ou atomo do gasnao sao conhecidas, mas apenas as probabilidades de que cada uma delas esteja emuma posicao r com momento p.

  • CAPITULO 1 - A FISICA ATE 1905: UMA CASA DE GIGANTES47

    cinetica dos gases a pressao do gas surge naturalmente como uma me-

    dida da transferencia de momento causada pelos colisoes das moleculas

    nas paredes do recipiente. A temperatura, por sua vez, aparece como

    uma medida da energia cinetica media das moleculas. A aplicacao bem

    sucedida dos seus conceitos ao problema dos gases foi outro importante

    triunfo da mecanic