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Mais carioca, impossível! Beth Carvalho volta agitando o carnaval Fevereiro 2012 Ano 11 n o 96

Folha Carioca / Fevereiro 2012 / Ano 11 / nº 96

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Edição fevereiro 2012

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Page 1: Folha Carioca / Fevereiro 2012 / Ano 11 / nº 96

Mais carioca, impossível!Beth Carvalho volta agitando o carnaval

Fevereiro 2012 Ano 11 no 96

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APOIOPATROCÍNIO PRODUÇÃO

Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, Secretaria Municipal de Cultura e Centro de Referência Cultura Infância - Teatro Municipal do Jockey apresentam

Roteiro: Fábio FlorentinoDireção: Alberto Magalhães

Rua Mário Ribeiro, 410 (estacionamento)Rua Bartolomeu Mitre, 1110 (pedestre)

Teatro do Jockey

Com o baile-show de carnaval

“Mamãe, eu quero!”

www.irmaosbrothersband.com.br

21 jan a 26 fevsáb e dom

às 17:30 h

Baile-show circense

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editorial

Em tempos de carnaval o Rio explode em alegria, brincadeiras, calor, cariocas pelas ruas e qualquer caixinha de fósforos, uma mesa de bar ou balcão de boteco viram instrumentos de batucada. O samba, em suas diferentes versões, nasce ou renasce na época da folia. Para a cidade ho-menagear os cariocas que fazem samba, compondo ou cantando, a Folha Carioca deste mês apresenta uma conversa com a grande cantora Beth Carvalho. Nada mais carioca, ninguém mais carioca! A grande intérprete, mesmo vivendo na Zona Sul da cidade, nos conta que sempre viveu no meio e quando mocinha ia buscar nos subúrbios aquele cheiro de samba que a fez nunca mais sair da música. Beth dividiu seu canto com o grande público, pela primeira vez em 1969, num compacto simples e nunca mais parou. A Folha Carioca aplaude a volta da cantora que esteve recolhida desde 2009 por problemas de saúde. Divirtam-se e brindem conosco a volta da grande cantora ao cenário do samba, ao cenário carioca!

No ‘Quem é quem’, página 4, os leitores podem conferir o trabalho que Michel Mendes realiza a frente do evento ‘Quem tem medo de Araka?’, que esse ano completa cinco anos de vida. O Araka acontece uma vez por mês no Restaurante 00, na Gávea, e é uma exposição coletiva que visa promover o encontro do publico com diferentes artistas da nova geração, todos em um único ambiente, possibilitando, assim, a troca de experiências artísticas entre eles e o público. Vale procurar saber; vai ser divertido.

Na página 24 tem muito mais que uma chance para a literatura. No texto de Haron Gamal sobre o livro Mercado das Pulgas, que nasceu na internet, os leitores podem se deliciar com paixão pela literatura. Tamas nos oferece seus pensamentos e instantes que de fugazes só têm o nome!

Alexandre Brandão mais uma vez nos presenteia com um de seus ex-celentes textos. Alexandre vai sempre “no osso” de nossas emoções com suas crônicas tão bem escritas.

Tem mais, muito mais. É só ir folheando, lendo, relendo e descobrindo porque entramos 2012 com forças renovadas!

Nossos leitores, com encontro marcado todos os meses, reclamaram da ausência da Folha Carioca em Janeiro. Ficamos de férias e foi muito bom terem sentido nossa falta! Estamos de volta para partilharmos seiva carioca nas folhas da boa leitura!

Abre alas para a sambista Beth Carvalho

FundadoraRegina Luz

EditoresPaulo Wagner / Lilibeth Cardozo

DistribuiçãoGratuita

JornalistaFred Alves (MTbE-26424/RJ)

ColaboradoresAlexandre Brandão, Arlanza Crespo, Gisela

Gold, Haron Gamal, Iaci Malta, Lilibeth

Cardozo, Oswaldo Miranda, Sandra Jabur

Wegner, Sérgio Lima Nascimento, Virgínia

Maria do Nascimento

Captação de AnúnciosAngela: 2259-8110 / 9884-9389 Marlei: 2579-1266

O conteúdo das matérias assinadas, anúncios e informes publicitários é de responsabilidade dos autores.

Capa Foto: Divulgação

Diagramação:Andressa Luz

Projeto gráfico e arteVladimir Calado ([email protected])

Revisão Petippa Mojarta, Marilza Bigio

2295-56752259-81109409-2696

ENTRE EM CONTATO CONOSCOLeitor, escreva pra gente, faça sugestões e comentários. Sua opinião é importante.

[email protected]

Leia a edição pela internet: www.folhacarioca.tk

índice

colunas

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04 Arlanza Crespo05 Iaci Malta08 Lilibeth Cardozo09 Sandra Jabur Wegner10 Ana Cristina Carvalho

11 Alexandre Brandão18 Oswaldo Miranda22 Tamas22 Haron Gamal23 Gisela Gold

Quem é quem

Michel Mendes

Curiosidade

Expressões populares

Atividades Aquáticas

Síndrome de Down

Capa

Beth Carvalho está de volta

Entrevista

A madrinha do samba

Cidadania

A importância de associar-se

Saúde

A importância da reabilitação pulmonar

Resenha

Mercado de pulgas

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Quem tem medo de Araka?

Essa pergunta na verdade foi o que me aproximou de Michel Mendes, o meu “Quem é quem” deste mês. É que sempre gostei de Araci de Almeida, seu jeito excêntrico de ser, sua personalidade forte, sem medo de enfrentar os outros. Daí que quando eu soube que há cinco anos acontece um evento chamado “Quem tem medo de Araka?”, que atrai a cada vez de 400 a 500 pessoas em seus encontros mensais, na Gávea, perto da minha casa, fui correndo.

Procurei o telefone do responsável, Michel, que fez a gentileza de deixar meu nome na porta. Chamei meu amigo de todas as horas e fomos conferir. Nossa! Valeu a pena! O ambiente, o decor, os expositores, a música e o alto astral do lugar me entusiasmaram. Voltei para casa com o firme propósito de entrevistar o responsável e idealizador daquele projeto genial.

Michel de Lacerda Mendes é carioca, nas-ceu e foi criado no Leblon onde vive até hoje. São 36 anos no mesmo prédio, que era do seu avô e onde moram todos os seus familiares. Michel tem orgulho de morar no Leblon, um bairro “sensível e charmoso”, e curte os músicos na calçada e as bicicletas que vendem flores.

Primeiro ele fez faculdade de Fisioterapia, mas como sempre gostou de arte resolveu fazer também a faculdade de Belas Artes na UFRJ, e agora está concluindo uma pós-graduação

passou a ser uma plataforma de lançamento, já tendo revelado mais de 600 artistas na cidade.

O arte Araka é uma exposição coletiva que promove o encontro do público com diferentes artistas da nova geração em um único ambiente, possibilitando a troca de experiências artísticas entre eles e o público. Melhor eu nunca vi por aqui. A ideia do Michel, um jovem de 36 anos, é brilhante. O evento, que acontece uma vez por mês na Gávea, no restaurante 00, e cujo site www.araka.com.br só no mês de janeiro teve mais de 150 mil visitas, vale muito a pena ser visto. Lá, numa única exposição nós podemos ver pinturas, fotografias, projeções, curtas, ins-talações, shows, performances, poesia e muito, muito mais... Não conheço nada parecido no Rio de Janeiro, uma ideia que conseguiu cumprir com seu objetivo, que é o de dar visibilidade a novos artistas. Parabéns, Michel!

em mídias digitais e interativas. Já participou de exposições nacionais e internacionais, fez parte do Coletivo Hospedaria Carioca em 2008 e criou a exposição Araka “que é uma forma mais informal de ver e consumir arte”.

Fiquei curiosa em saber o porquê da escolha da Araci, já que ela não fez parte da sua geração. Ele então me contou que conheceu Araci na TV, como jurada carrasca de aspirantes a artista no Show de Calouros do Silvio Santos. Quando o calouro era bom cantava encarando a Araci e recebia 200 paus. “Por isso eu batizei o evento com o nome de ‘Quem tem medo de Araka?’ (apelido da Araci), pois é uma brincadeira com o temor dos novos artistas em frente às críticas”. No Araka qualquer artista pode exibir sua arte, basta enviar um e-mail com fotos das obras, que se for bom, ele será convidado. E como falta espaço para artistas no Rio de Janeiro, o Araka

Arlanza Crespo

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mento apenas como uma perda, mas a natureza é sábia: se não envelhecêssemos, teríamos que viver a tragédia anunciada de morrer jovens ou, se essa vida que conhecemos fosse eterna, mesmo que fossemos eternamente jovens, provavelmente nos cansaríamos de nos reciclar (como em ‘Entrevista com o vampiro’ de Anne Rice), acabando por cair num isolamento depressivo, num possível estado vegetativo (e aterrorizantemente eterno).

Mas, acredito que a construção e internalização de padrões de beleza para o velho são uma questão de tempo. Afinal, os velhos estão vivendo cada vez mais tempo e o mundo está envelhecendo. Acho mesmo que, de alguma forma, essa construção já está acontecendo em relação ao adulto na maturida-de, aquele que não é mais chamado de jovem, mas ainda não é velho: já se fala da beleza nessa fase e, certamente, os critérios para “ver” essa beleza não são os mesmos da beleza do jovem.

Passarmos a ver a beleza dos velhos é uma questão de tempo...

Tudo o que instiga minha reflexão é recebido por mim como um presente. Desta vez o presente foi um show de slides onde são apresentadas fotos de vários artistas famosos quando eram jovens e fotos dos mes-mos quando velhos. Esse show suscitou uma conversa via e-mail entre algumas amigas o que, por sua vez me levou a escrever este texto.

Vendo o show, imediatamente somos conduzidos a fazer uma comparação, a ver a beleza dos jovens e a feiura dos velhos. O show podia até ser nomeado de “A bela e a feia”. Nossa editora, Lilibeth Cardozo, que participou dessa conversa, observou que era até uma maldade fazer essa comparação, (eles) podem ser belos, desde que não busquemos aquelas frutas amadurecendo, peles de pêssego, tudo ainda evo-luindo..., escreveu. E esses dois eventos, o show de slides e a observação de Lilibeth, geraram em mim uma reflexão sobre a inexistência de um padrão de beleza para os velhos.

Eu me explico: no meu entender, temos internali-zados padrões de beleza para os bebês/crianças e para

Voltando ao velho, não jovem

[email protected]

Iaci Malta

os jovens, padrões esses que são bastante diferentes entre si. Mas... nada temos para os velhos; só vemos neles a “não beleza”.

Olhar para o velho e buscar a beleza pelo padrão do jovem só pode ter como resultado acharmos os velhos feios. Se olhássemos para o bebê buscando a beleza pelo padrão do jovem, veríamos uns monstri-nhos, totalmente desproporcionais, verdadeiros ETs. Por outro lado, se fizéssemos um show como esse, mas exibindo o bebê e o jovem adulto e fossemos buscar a beleza do padrão bebê no jovem, penso que também acharíamos o jovem feio.

É claro que essa é uma situação hipotética, pois já temos internalizados os dois padrões de beleza, bebê/jovem, o que nos leva a, automaticamente, “ver” os dois tipos de beleza. Não é o que ocorre quando olhamos os velhos: automaticamente somos levados a notar os sinais da não juventude, da não “beleza”.

Na nossa cultura contemporânea de exaltação da juventude, temos a tendência de olhar o envelheci-

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elementos importantes para o trabalho cere-bral. Apesar da ciência ter desmistificado uma antiga crença popular, a ideia do queijo como alimento nocivo à memória ficou cristalizada na expressão ‘comer (muito) queijo’.

ACORDO LEONINO Significado: um ‘acordo leonino’ é aquele

em que um dos contratantes aceita condições desvantajosas em relação a outro contratante que fica em grande vantagem.

Origem: é uma expressão retórica sugerida nomeadamente pelas fábulas em que o leão se revela como todo-poderoso.

PASSAR A MÃO PELA CABEÇA Significado: perdoar ou acobertar erro

cometido por algum protegido.Origem: costume judaico de abençoar

cristãos-novos, passando a mão pela cabeça e descendo pela face, enquanto se pronunciava a bênção.

GATOS-PINGADOS Significado: tem sentido depreciativo

usando-se para referir uma suposta inferiori-dade (numérica ou institucional), insignificância ou irrelevância.

Origem: esta expressão remonta a uma tortura procedente do Japão que consistia em pingar óleo fervendo em cima de pessoas ou animais, especialmente gatos. Existem várias narrativas ambientais na Ásia que mostram pessoas com os pés mergulhados num cal-deirão de óleo quente. Como o suplício tinha uma assistência reduzida, tal era a crueldade, a expressão “gatos-pingados” passou a deno-minar pequena assistência sem entusiasmos ou curiosidade para qualquer evento.

QUEIMAR AS PESTANAS Significado: estudar muito.Origem: usa-se ainda esta expressão,

apesar de o fato que a originou já não ser de uso. Foi, inicialmente, uma frase ligada aos estudantes, querendo significar aqueles que estudavam muito. Antes do aparecimento da eletricidade, recorria-se a uma lamparina ou uma vela para iluminação. A luz era fraca e, por isso, era necessário colocá-las muito perto do texto quando se pretendia ler, o que podia “queimar as pestanas”.

curiosidades

DOSE PARA CAVALO Significado: quantidade excessiva; dema-

siado. Origem: dose para cavalo, dose para

elefante ou dose para leão são algumas das va-riantes que circulam com o mesmo significado e atendem às preferências individuais dos falantes.

Supõe-se que o cavalo, por ser forte; o ele-fante, por ser grande, e o leão, por ser valente, necessitem de doses exageradas de remédio para que este possa produzir o efeito desejado.

Com a ampliação do sentido, dose para ca-valo e suas variantes é o exagero na ampliação de qualquer coisa desagradável, ou mesmo aquelas que só se tornam desagradáveis com o exagero.

MEMÓRIA DE ELEFANTE Significado: ter boa memória; recordar-se

de tudo. Origem: o elefante fixa tudo aquilo que

aprende, por isso é uma das principais atrações do circo.

LÁGRIMAS DE CROCODILO Significado: choro fingido. Origem: o crocodilo, quando ingere um ali-

mento, faz forte pressão contra o céu da boca, comprimindo as glândulas lacrimais. Assim, ele chora enquanto devora a vítima.

MAL E PORCAMENTE Significado: muito mal; de modo imper-

feito.Origem: inicialmente a expressão era “mal

e parcamente”. Quem fazia alguma coisa as-sim, agia mal e ineficientemente, com parcos (poucos) recursos. Como parcamente não era palavra de amplo conhecimento, o uso popular tratou de substituí-la por outra, pare-cida, bastante conhecida e adequada ao que se pretendia dizer. E ficou “ mal e porcamente”.

FILA INDIANA Significado: enfiada de pessoas ou coisas

dispostas uma após outra.Origem: forma de caminhar dos índios da

América que, deste modo, tapavam as pegadas dos que iam na frente.

ANDAR À TOA Significado: andar sem destino, despreo-

cupado, passando o tempo.

Origem: toa é a corda com que uma em-barcação reboca a outra. Um navio que está “à toa” é o que não tem leme nem rumo, indo para onde o navio que o reboca determinar.

EMBANDEIRAR EM ARCO Significado: manifestação efusiva de alegria. Origem: na Marinha, em dias de gala ou

simplesmente festivos, os navios embandeiram em arco, isto é, içam pelas adriças ou cabos (vergueiros) de embandeiramento galhardetes, bandeiras e cometas quase até o topo dos mas-tros, indo um dos seus extremos para a proa e outro para a popa. Assim são assinalados esses dias de regozijo ou se saúdam outros barcos que se manifestam da mesma forma.

AVE DE MAU AGOURO Significado: diz-se de pessoa portadora

de más notícias ou que, com a sua presença, anuncia desgraças.

Origem: o conhecimento do futuro é uma das preocupações inerentes ao ser hu-mano. Quase tudo servia para, de maneiras diversas, tentar obter esse conhecimento. As aves eram um dos recursos que se utilizava. Para se saber os bons ou maus auspícios (avis spicium) consultavam-se as aves. No tempo dos áugures romanos, a predição dos bons ou maus acontecimentos era feita através da leitura do seu voo, canto ou entranhas. Os pássaros que mais atentamente eram seguidos no seu voo, ouvidos nos seus cantos e aos quais se analisavam as vísceras eram a águia, o abutre, o milhafre, a coruja, o corvo e a gralha. Ainda hoje perdura, popularmente, a conotação funesta com qualquer dessas aves.

COMER MUITO QUEIJO Significado: ser esquecido; ter má me-

mória.Origem: a origem desta expressão pode

explicar-se pela relação de causalidade que, em séculos anteriores, era estabelecida entre a ingestão de laticínios e a diminuição de certas faculdades intelectuais, especificamente a memória.

Sabe-se hoje, através dos conhecimentos provenientes dos estudos sobre memória e nutrição, que o leite e o queijo são forne-cedores privilegiados de cálcio e de fósforo,

Expressões populares

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novidades serviços e entregas

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Lilibeth Cardozo

Irmãs

Se você tem uma irmã, experimente imaginar o tempo dela em gestação. Aquele bebê se formando, corpinho enrolado em si mesmo, crescendo, se me-xendo, ganhando feições, dedinhos, cabelos, lábios, olhos, se movendo, lá, dentro daquela casinha mis-teriosa em que você morou também: o útero de sua mãe. Existe na natureza humana intimidade maior que morar no mesmo espaço, tão secreto? Faça este filme de íntima relação de duas meninas, pontue as cenas, ponha a luz em tudo que você possa imaginar. Imagine que seus olhos são a sua câmera, que seu coração batendo é o som, que sua pele é o figurino, que sua vida é o palco e que a direção de tudo é o corpo de sua mãe. No mesmo útero, no mesmo aconchego você esteve pelo mesmo tempo que sua irmã: nove meses! Nos mesmos seios você se alimentou, no mesmo colo você adormeceu! Recorde quantas cenas vocês fizeram juntas, quantas brincadeiras, quantos segredos trocados, quantas brigas por quase nada... Lembre das brincadeiras, dos risos, raivas, da inveja, das dúvidas, dos sonhos, das muitas criações em que vocês eram sempre dupla de sucesso ou de grandes fracassos. Quantas vezes o pano se fechou ao pôr do sol e os aplausos eram as estrelas no céu, o medo de escuro, dos pecados que o padre dizia... Quantos panos abertos começaram a mostrar ao mundo que mulheres seriam. Quantos segredinhos de meninas vocês trocaram. Uma irmã é muita ligação, é muita sorte, é muita história, muita alegria...

Eu tenho irmã e porque, lá no mesmo útero ma-terno moramos, hoje temos aconchegos no silêncio, nas conversas, no cuidar, no trocar. Temos segredos partilhados, invejas não reveladas, buscas não encon-tradas, acertos que deram errado, lutas em que fomos

vencidas, derrotas partilhadas, vitórias comemoradas. Minha irmã adoeceu e, tal como fomos cuidadas, estamos de volta, juntinhas, àqueles seios maternos, unidas, de amor alimentadas num útero inventado. Posso lavar seu corpo, seus cabelos, posso ouvir seu silêncio de medo e suas falas de coragem. Podemos cochilar nos sonhos e nas esperanças. Podemos dar as mãos, não só por medo, mas por amor. Ficar com ela é escrever linhas e linhas nas páginas cheinhas de letras em que já escrevemos, juntas ou separadas, por mais de cinquenta anos. Cuidar, esperar, descobrir, ter medos, lutar, remediar e, esperar... Ela cuidou de mim quando adoeci. E cuidou no meio da escuridão em que mergulhei. Ela não via nada, só sentia minha dor. Sem ver a ferida, sem compreender, cuidou dedicada. Eu posso ver a ferida, fazer o curativo. Hoje lhe dei a mão quando atravessamos a rua e lembrei, como meninas que fomos, crescendo juntas, descobrindo o mundo, por quantas vezes outras mãos já nos aju-daram a atravessar ruas, descobrir saídas, caminhar...

Ela tem amigas, todas escolhidas, íntimas, regadas como mudas de flor, mas nenhuma dormiu junto naquela cama das crianças, nenhuma ouviu o mesmo cão ladrando no nosso quintal de casinha do interior, nenhuma delas teve tia Aninha, tia Germana, aqueles bichos, aquelas artimanhas de crianças, aquele monte de irmãos. Eu mesmo já disse algumas vezes que amigos são mais que irmãos porque os escolhemos. Mas irmã que é amiga é muito mais que amiga, é mais que irmã: é tudo! Desse amor só irmãs entendem. Amor de irmã é assim, não se inventa! Hoje quero sentir essa alegria de poder cuidar, me juntar, deitar pertinho, me aninhar, lembrar, esperar. Seus seios cor de rosa o médico cortou, mas aquele cordão

que nos uniu não há como cortar. Os seios que nos alimentaram, a casinha em que moramos, a cama em que dormimos, a mesa em que comemos, a mãe que tivemos, o pai, os irmãos, os tios chegan-do, o amor brotando, a juventude confundindo, a velhice explicando, tudo isso, só irmãs do mesmo útero ou com aquelas que, adotadas ficaram... Irmãs não partem nunca. Se distantes, voltam, refazem, lembram, reconstroem. Nossa mãe não volta mais, e nós, os filhos dela, choramos sua partida. Mas até nisso a danada foi boa: foi morrendo por doze anos, até a gente se acostumar. Minha irmã é igualzinha a ela. Agora adoeceu, e eu estou triste. Posso chorar? Posso, né? É que eu sei que chorando posso escrever um poema e se poetizo enfeito de alegria um dia meu e da minha irmã, e vamos viver ainda muito tempo juntas, até bem velhinhas. Amor de irmã é mais que amor, é pacto, é segredo só de irmãs!

Para minha irmã Margarete

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Sandra Jabur Wegner

Síndrome de Down e atividades aquáticas

[email protected]

Os portadores de Síndrome de Down apresen-tam características físicas semelhantes: clinicamente apresentam problemas respiratórios e, às vezes, cardíacos; hipotonia de uma maneira geral e marcha diferenciada. Quanto à função cognitiva e de apren-dizagem motora, os níveis são variáveis. Às vezes têm habilidades para línguas, esportes, música.

São sempre uma caixinha de surpresas e por isso devem ser estimulados ao máximo. A socialização deve ser treinada o mais cedo possível. Estas crian-ças têm muita afinidade com a água, sentem maior liberdade de movimento sem medo de cair.

Podem-se iniciar as atividades aquáticas desde bebê, aos seis meses, com a autorização do pediatra, o que seria o ideal. O bebê fazer as atividades com a mãe é muito interessante pelo aspecto da sociali-zação, pois terá contato com outras crianças, e pelo aspecto afetivo, por estar realizando uma atividade junto com a mãe, pai, tio, avó etc... pessoas próximas. Os exercícios realizados contribuem para desenvol-ver a capacidade cardiorrespiratória tão necessária para esta patologia. Começar precocemente, aos seis meses, contribuirá em muito para seu desen-volvimento psicossócio cognitivo-motor através dos exercícios de psicomotricidade, das músicas, dos desafios, da ludicidade, da afetividade, da mãe e do professor, ajudando ao equilíbrio emocional desta criança que é instável.

Como há vários níveis da Síndrome de Down, os mais comprometidos fariam atividades isoladas com a mãe e o professor ou talvez com o fisioterapeuta. Esta criança será realmente incluída, pois começará

aos seis meses numa turma e dará continuidade participando ativamente junto com seus colegas. Quando a criança começa mais tarde, é avaliada para saber se pode trabalhar em grupo, em que nível numa turma normal ou em uma turma de natação especial. O importante é que a turma seja adequada a ela. Quanto ao adulto, se ele tiver sido preparado desde criança, frequentado a escola, socializando-se, participando de atividades em grupo, o procedimento será o mesmo.

Caso o comprometimento seja mais grave, o atendimento é individual. O importante é a relação intensa entre o portador da Síndrome de Down com a água e todo o ambiente.

A resistência cardiorrespiratória adquirida através da natação contribui para a diminuição dos episódios gripais que podem evoluir muitas vezes a quadros de pneumonia.

Quanto à hipotonia, que é a diminuição do tô-nus muscular, que conduz a fraqueza muscular e ao acúmulo do tecido adiposo, as atividades aquáticas contribuem para melhor equilíbrio e reorganização corporal, e diminuição de quedas.

Quanto mais cedo iniciarem atividades aquáticas mais qualidade de vida eles terão e serão mais facil-mente incluídos na vida social.

Dúvidas sobre o assunto podem ser esclarecidas através do e-mail

[email protected]

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Foi durante a minha carreira como professora de alon-gamento e ginástica da academia Equipe Korpus que tive o primeiro contacto com o Pilates. Fraturei duas vértebras cervicais e fiz três hérnias cervicais ao cair de um cavalo, e após ter sido submetida a uma intervenção cirúrgica, fui encaminhada para uma especialista para fazer Pilares como parte da minha recuperação.

Descobri um mundo! Um mundo que me fascinou pela sua calma, eficácia e inteligência. Um mundo que me revelou o meu corpo de uma maneira totalmente nova - a mim, ex-bailarina e ex-atleta de nado sincronizado já há tanto tempo, imagine-se!

O fascínio ficou e anos mais tarde, quando a decisão de deixar as ginásticas em academias se instalou, eu já sabia o que queria fazer, onde queria regressar. Comecei a estudar Pilates e outras técnicas similares desde 1992. O Estúdio

Pilates existe desde 2003 e quase 20 anos depois do início desta aventura o conhecimento e experiência acumulados são enormes, incluindo a experiência como preparadora física, professora de ginástica, aeróbica, alongamento e hidroginástica.

Já passaram pelo meu Estúdio centenas de alunos, de todas as idades, desde entusiastas da forma física e bailarinos a pessoas sofrendo de sérias lesões ou com dores crônicas, para as quais continuamos a desenvolver exercícios. Em todos eu vi uma enorme transformação: na postura, na forma como se movimentam, na percepção de si próprios e de como se apresentam ao mundo. Em todos eu vi o prazer de descobrir este objeto que é o corpo, passível de ser trabalhado de acordo com as suas necessidades e o orgulho do que alcançaram. Para algumas pessoas esta transformação foi capital nas suas vidas.

É isto que quero continuar a fazer, aprendendo todos os dias com a especificidade de cada aluno, na tentativa de ajudar e servir sempre bem. São os alunos que constituem o grande prazer deste trabalho.

Obrigada a todos!

Ana Cristina de Carvalhowww.pilatesvilla90.blogspot.com

[email protected]

“Descobri um mundo novo com Pilates!”

saúde e bem-estar

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Alexandre Brandão

A faxina

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Começo por levantar, largado na mesinha de canto, o “Modern Time” (2006, Sony), de Bob Dylan. Confesso que passei a curtir esse mito a partir desse disco. Dele deslizei para os outros, os antigos e clássicos. Aprende-se com “Modern time” e, de resto, com toda a obra de Mr. Zimmerman uma coisa importante: o terreno da simplicidade é fértil. Dylan e seu gru-po, econômicos no número de instrumentos, criam uma imensidade de climas, de sons, de barulhinhos bons que gente leiga como eu nem acredita que se pode fazer tanto com tão pouco.

Ao lado de Dylan, o livro de Marco Túlio Costa, “Mágica para cegos — contos e contra-contos” (2011, Editora Saraiva). Marco Túlio ficou conhecido por seus textos para jovens, um dos quais, “Fábulas do amor distante” (2003, Record), ganhou o Jabuti. Todavia, ele escreve para todas as idades, prova disso é esse “Mágica”, um achado. Escrevendo um conto de uma determinada perspectiva para depois escrevê-lo de outra, o autor mineiro, além de contar boas histórias, traz à luz o próprio ofício de escritor. Como Dylan, sem ultrapassar as fronteiras da simplicidade.

Tiro o pó da pedra de mármore. E, ao enfrentar a sujeira que desce até os pés da mesinha, deparo com uma peça que me é cara: um papel amarfanhado, no qual registrei o seguinte verso: “Dize-me tu, montanha dura,/onde nenhum rebanho pasce,/de que lado na terra escura/brilha o nácar de sua face.” A letra está péssima, mas o poema de Cecília Meireles, “Serenata” (Retrato Natural, Obra poética, Nova Aguiar), não para: “Dize-me tu, palmeira fina,/onde nenhum pássaro canta,/em que caverna submarina/seu silêncio em corais descansa.” E assim termina: “Dize-me

No Osso

tu, ó ceu deserto,/dize-me tu se é muito tarde,/se a vida é longe e a dor é perto/ e tudo é feito de acabar-se!” Que homem eu era quando transcrevi o poema? E que outro então quando amassei o papel? E ainda o que o deixou ali, largado a moscas analfabetas?

Jogado ao chão, passo os olhos pela extensão da sala. Vi um resto do garoto que fui... Não, minto; desejei vê-lo. É tarde, dia-logo com Cecília. Em seguida, ouço, sem que Nelson Ned cante: “E tudo passa, tudo passa-rá”. Já passou.

Ao lado do telefo-ne, a receita de meu médico, seu conselho para que eu abandone os doces, não bastasse ter deixado o álcool, e a sugestão de fazer um exame que custa o olho da cara. Tudo em nome de um fígado supimpa, apesar dos pesares. Uso a receita como leque, enxugo o suor com o dorso da mão. Gestos, peque-nos gestos, os quais, cogito, dão uma espé-cie de chupeta na memória — essa maldita que não me ajuda, que só me mostra nacos retalhados —, fazendo com que ela, empur-rada ladeira abaixo para pegar no tranco, me imponha um sobre-esforço para lembrar a “cena” de “Luz em agosto” (William Faulkner, Cosacnaify) na qual Lena se coloca na estrada à procura de Lucas Burch, o homem que a deixara prenhe. Cena inesquecível, lindamen-te escrita e traduzida (Celso Mauro Paciornik), mas da qual não recordo — ou da qual não recordo além do ponto aqui e agora registrado —, vítima que sou desse jogo de gato e rato em que estamos eu e meus miolos moles.

Ainda fora do lugar, o DVD do Arnaldo Baptista (“Lóki”, Paulo Henrique Fontenelle, MZA), o que fez o durão aqui ir às lágrimas.

Não só pelo drama do roqueiro, mas pelo drama de todos nós, seus contemporâneos, que também temos passado por poucas e boas. Dia desses, um chegado levantou a seguinte estatística: ele e seus amigos de adolescência formavam um grupo de cin-quenta e sete pessoas; hoje, quando beiram os cinquenta anos, estão reduzidos a seis. Foram caindo pela estrada afora, por onde

deveriam ter ido bem contentes levar doces para a vovozinha. Foram sofrendo overdoses, contaminando-se com vírus letais, envolven-do-se em acidentes. Suicídio ao pé da letra, aparentemente nenhum. Arnaldo está vivo.

Parece melhor não cair nessa de iniciar o ano com tudo organizado e limpo, pois a limpeza externa tem contrapartida na (minha) sujeira interna e íntima. Abandono a arruma-ção. Distraído, levanto o caderno de telefone e topo com uma barata. Ela se espreguiça e, de pronto, começa a crescer... E a crescer mais ainda... E ainda mais... Até que dela brota Kafka, que, um tanto quanto assustado, me pergunta: “Onde estou?”

No meio do meu caos de cada dia, Kafka. Bem no meio.

O ano está começando, momento ideal para arrumar a sala, retirar os livros e discos nela esquecidos e extirpar o pó das coisas. Nada de requintes, uma faxina de bom tamanho deve ficar no limite do que minhas mãos e uma flanela trabalhando juntas forem capazes de fazer.

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Texto – Sérgio Lima Nascimento

Fotos – Sérgio e Virgínia Maria Nascimento

Muitos intérpretes ou mesmo compositores levam suas carreiras ao sabor da moda, da novidade ou mes-mo do apelo comercial. Beth Carvalho sempre foi fiel, não a uma religião ou a um time, mas ao samba, sua filosofia de vida, seu partido político, seu instrumento de revolução, já que no futebol é só mesmo para a estrela solitária que seu coração bate, ou apanha como dizem os próprios botafoguenses...

Origem musicalA opção dela pela música e pelo samba vem de

berço. Sua avó tocava bandolim e violão e seu pai lhe incentivava a conhecer os grandes compositores brasileiros como Ary Barroso, Noel Rosa e Dorival Caymmi, este com o qual seu pai se assemelhava muito. Diferentemente de suas colegas de colégio na época, era fã da Rádio Nacional e suas cantoras máximas Mar-

Beth Carvalho, a madrinha do samba,

está de volta

Se o samba é o maior patrimônio musical do Brasil, Beth Carvalho, a sua melhor tradução, é sem sombra de dúvida uma das mais importantes intérpretes, pela coerência, fidelidade, escolha de repertório, lançamento de novos compositores e parceria com antigos, e pelo conhecimento profundo do assunto, em todas as suas variações, afinal profundidade é para especialistas! Samba de quadra, samba exaltação, samba canção, samba de roda, samba corrido, samba departido alto, samba de breque, samba-enredo, samba-choro, samba de gafieira, miudinho.... Recuperando-se de uma operação grave que a deixou dois anos de cama, desenganada pelos médicos, ela volta com força total e serve de exemplo para aqueles que pensam em desistir por muito menos.

lene, Emilinha Borba e Aracy de Almeida. Seu meio de origem na Zona Sul, estudante dos Colégios Andrews e Cristo Redentor, em Ipanema, não lhe dava a infor-mação cultural que ia buscar de trem nos subúrbios ao visitar amigas, lugar onde se sentia bem melhor que nos braços da aristocracia. A necessidade a fez, ainda jovem, professora de violão para ajudar nas contas da casa, já que seu pai fora cassado pelo golpe militar de 64, e impossibilitado de trabalhar pela ditadura. As barbaridades dessa época só serviram para reforçar suas convicções políticas e formatar a indispensável artista que viria a ser no cenário musical brasileiro.

Seu início de carreira pode ser encaixado na segun-da geração da bossa nova, junto com Milton Nascimen-to, Antonio Adolfo, Marcos Valle, que buscavam novos rumos para a música brasileira bebendo nas águas de Tom Jobim e João Gilberto. Seu primeiro compacto data de 1965, com Roberto Menescal ao violão e Eumir Deodato nos arranjos. Sua primeira participação em LP foi como cantora do Conjunto 3D, em 1967, uma tentativa de seguir o sucesso de Sérgio Mendes e Brasil 66, registrando neste disco desde Chico Bu-arque (Noite dos mascarados) a Cole Porter (Night and day / I´ve got you under my skin) e o tradicional

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consumo, não deixando que o objetivo prejudique a origem”. Seria ele um profeta?

Beth levou as harmonias da bossa nova para o sambão. Em 1974 ela vira cantora do povão, com participação nos discos das Escolas de Samba com “Mangueira em tempo de folclore” e com o estouro de “1800 Colinas”. Em 1975 ela coloca “Meu perdão”, de Nelson Cavaquinho, na novela Pecado Capital e divulga em rede global seu amigo querido. Essa é uma época propícia ao samba devido ao estouro de outros artistas como Martinho da Vila e Clara Nunes, que conseguiam driblar o direcionamento maior das rádios ao rock, ao soul music e até aos brasileiros que cantavam baladas em inglês, como Mark Davis (Fábio Jr.), Christian, Morris Albert etc. O samba sempre re-sistiu à competição de modas e outras culturas, e Beth Carvalho sempre esteve lá para descobrir o novo, onde ninguém via e que só viria a ser reconhecido muito tempo depois... Depois que as modas passavam. Neste clima positivo para o samba ela lança “Mundo melhor” em 1976, onde figura “As rosas não falam” de Cartola, que ela gravou com coração apertado devido à perda

de sua querida mãe, Nair, a quem é dedicado esse disco.

Cacique de RamosMais um disco vitorioso se sucede, “Nos

botequins da vida”, em 1977, prenunciando a nova fase que viria. Neste disco, a exceção da canção triste “As moças”, não há uma mú-sica sequer que não seja muito conhecida em qualquer roda de samba atual. A virada maior em seu trabalho viria no disco seguinte “de pé no chão”. Convidada por Alcyr, ex-capitão do Vasco, a conhecer o Cacique de Ramos, ia para lá espairecer às quartas-feiras. “Che-gando, encontrei simplesmente uma mesa de madeira, e em volta estavam sentados Bira, Ubirany, Sereno, Neoci, Jorge Aragão e Almir Guineto. Devia ter umas dez pessoas só. Eles cantavam uns para os outros, músicas que não conhecia, parecia uma guerrilha mesmo. A

americano (When the saints go marchin in). Na capa do LP pode-se ver além de Antonio Adolfo, líder do conjunto, o extraordinário guitarrista Hélio Delmiro e o ator Eduardo Conde, amigo e ex-aluno de violão de Beth Carvalho. O primeiro LP solo foi fruto do sucesso “Andança”, terceira colocada no Festival da Canção de 1968, que já começava a trazer a Beth mais “pé no chão”, por ser esta uma toada moderna, uma quase filha da real música sertaneja, que na época era pura, sem estrangeirismos ou instrumentos elétricos. Entretanto as outras músicas desse disco de 1969 eram ainda da praia da bossa nova, tendo o grupo Som3 de Cesar Camargo Mariano em pelo menos metade das faixas.

Samba da melhor qualidadeA sua presença em Festivais de Música, antes das

gravadoras descobrirem a “cessão de artista exclusivo”, renderam registros preciosos em discos de participa-ção, como sua primeira gravação de “Viola enluarada”, antes da versão do autor Marcos Valle, um dueto de “Ponteio” com Agostinho dos Santos, ou o violão de Milton Nascimento em sua música “Sentinela”. Quem diria que no duro ano de 1969, um show dela com Milton, Danilo Caymmi e Marcos Valle, além de pouco frequentado, foi taxado de alienado por não fazer a tal “música de protesto”. Entretanto foi a vivência no subúr-bio, suas idas desde os 13 anos de idade ao Salgueiro, primeira escola de samba a abrir sua quadra de ensaios à classe média, que redirecionou a carreira à raiz da cultura ne-gra brasileira, e deu-lhe o primeiro sucesso, “1800 Colinas”. Mas optar assim pelo samba não foi fácil, não.

Quando em 1972 resolveu gravar um disco só de samba, sua gravadora Odeon (atual EMI) não aceitou. Isso a levou a rescin-dir o contrato e fazer seu primeiro LP todo de samba, “Canto por um novo dia”, em 1973, na Tapecar, uma gravadora pequena que representava na época os direitos da Motown no Brasil (Jackson 5, Stevie Wonder,

Marvin Gaye). Nesse disco já vinha uma homenagem a sua escola Mangueira, “A mais querida” e a então inédita “Folhas Secas” de Nelson Cavaquinho, que havia conhecido através do emblemático LP “Elizeth Cardoso sobe o Morro”, um disco importante pela inauguração do registro do samba em sua fonte, com seus compositores! Essa música “Folhas secas” gerou um mal-estar entre Beth e Elis Regina, já que sem Beth saber Cesar Camargo Mariano, arranjador de seu pri-meiro disco, apresentou o cassete com a música a Elis Regina, sua então namorada, e ela acabou incluindo no disco “Elis”, também de 1973. Na versão de Beth, o violão de dois dedos de Nelson Cavaquinho pisa com carinho sem machucar as folhas secas, numa versão crua, mas suave e verdadeira, diferente da sofisticação cool do disco de Elis!

Como disse o jornalista e pesquisador Sergio Cabral, neste primeiro LP de samba, “ela canta as músicas feitas pelos gênios do povo, impregnadas de talento e limpas das ambições comerciais e da neurose da novidade, tão próprias de compositores de classe média, servindo de ponte entre a cultura popular e o

Em 1975 buscou Cartola para a gravação de “As Rosas Não Falam”.

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princípio não fui para conhecer ninguém, fui para me divertir mesmo. Foi onde vi instrumentos até então estranhos pra mim no samba (repique de mão, numa divisão que só o Ubirany fazia, o tantan do Sereno e o banjo com afinação, e braço de cavaquinho do Almir Guineto)”. É assim que nasce a madrinha do samba, trazendo novos compositores, que hoje em dia são conhecidos no Brasil, além de recuperar os pouco lembrados tradicionais dos morros. Ela, então, leva esses músicos para seus discos, que explodem no gosto popular. Além de “de pé no chão” de 1978, vem “No pagode” de 1979, “Sentimento brasileiro” de 1980, “Na fonte” de 1981, “Traço de união” de 1982 e “Suor no rosto” de 1983. Nestes discos sucessos como “Vou festejar”, “Goiabada cascão”, “Agoniza mas não morre”, “Coisinha do pai” (que foi agitar os marcianos), “Pedi ao céu”, “Xô gafanhoto”, “A chuva cai”, “Dança da solidão”, “Tendência”, “Firme e forte”, “Caciqueando”, e seu maior lançamento: Zeca Pagodinho com “Camarão que dorme a onda leva”. Só pelo nome todos identificaram os sucessos, não é mesmo? Ela, então, leva o Fundo de Quintal para a RCA que não o quis e em seguida para a RGE, onde está a maior parte de sua carreira registrada, lhe amadrinhando-o em propaganda de TV, como a renovação do samba.

PagodeEm 1979 Beth inaugura o Cine Show Madureira

em seu primeiro show da carreira. Traz então a palavra “pagode” que figurava em seu disco do mesmo ano, mas precisa explicar o significado do termo no encarte do disco, a pedido da gravadora, “...pagode é, não só a reunião onde se brinca de samba, se canta de tudo, se bebe e se come, como também é a própria música cantada pelo sambista. Em vez de falar: ‘Canta um sam-ba aí’, o sambista diz: ‘Leva um pagode aí, meu com-padre.’” Ela inaugura o movimento ainda no final dos

anos 70, mas os interesses comerciais se apropriam dessa denominação e lançam grupos que nada têm a ver com o samba, confundindo a cabeça do ouvinte.

A massificação excessiva de outros grupos novos, criados pelas grandes gravadoras, desvirtua a denomi-nação “pagode”. Foram na onda do sucesso do novo samba de Zeca, Fundo de Quintal, Almir Guineto, Jovelina representado principalmente pelo samba de partido alto, nascido da realidade dos encontros populares do subúrbio. Antes essas mesmas grandes gravadoras rejeitára-os, e o samba verdadeiro sobrava então para a humilde e pobre RGE dar conta. Hoje “pagode” é mais entendido como o estilo que cha-mam de música romântica. Não se pode chamar de samba, pois não tem nenhuma das matrizes originais do samba, já que em certos casos é em compasso qua-ternário, em vez de binário do samba, e tem divisões diferentes da do samba. Hoje, pagode é qualquer coisa encaixada em pseudossamba quaternário. Até marcha fúnebre pode virar samba assim! Acessem no YouTube o genial ‘mashup’ humorístico que transformou Ronnie James Dio do Black Sabath/Rainbow em pagodeiro, mixado com o ExaltaSamba que entenderão o que estou dizendo.

Samba de verdadeComo ela diz em seu DVD “Beth canta os sam-

bas da Bahia”, “o samba por ser forte do jeito que é visceral... utilizam seu ritmo numa melodia e poesia que nada tem a ver com samba, porque é vendável, é forte... têm coisas que não são samba e são ditas que são samba. O samba não é velho, é raiz, porque é profundo, está lá na frente, tem ancestralidade, reli-giosidade e é o grande poder revolucionário! O samba não é só um gênero musical, é uma filosofia de vida. E nem sempre as pessoas cantam pelo cachê. Cantam porque faz bem a alma. Para tudo o sambista faz uma

música, é um cronista da sociedade.” O que melhor podemos dizer do que foi lançado nestes anos 80/90, é que o samba de verdade sobreviveu e é conhecido e reverenciado até hoje: Almir Guineto, Arlindo Cruz, Zeca Pagodinho, Fundo de Quintal, Jorge Aragão! Já os grupos de falso samba... alguém se lembra de algum?

Assim como o Samba de Roda da Bahia (o pai de todos os sambas) foi tombado pela Unesco como Pa-trimônio Imaterial de nossa cultura, os sambistas tentam preservar o que é puro e tradicional, sendo vanguarda, nos elementos simples rítmicos, que se transformam sem fugir da matriz, como bem dizem os sábios versos de Caetano Veloso, “A tristeza é senhora, desde que o samba é samba é assim. A lágrima clara sobre a pele escura. À noite a chuva que cai lá fora... o samba ainda não nasceu, o samba ainda não chegou, o samba não vai morrer. Veja o dia ainda não raiou. O samba é o pai do prazer, o samba é o filho da dor. É o grande poder transformador.”

Em 1980 Beth fica grávida de sua filha Luana. Seu rosto na capa do LP “Sentimento brasileiro”, é uma de suas mais belas fotos, mostrando a suavidade de uma mãe feliz. Em 1981 dedica “Na fonte” para o “seu maior tesouro”. Hoje Luana Carvalho, cantora e atriz, é uma linda mulher, pode-se até dizer que filha de peixe, peixão é, com todo respeito!

Madrinha de bambasPioneira, mais que madrinha, é a melhor alcunha

de Beth Carvalho! Entendeu o recado de Elizeth, bus-cou a profundidade da simplicidade já em 1972, não tendo vergonha de gravar compositores de nomes engraçados (Beto sem braço; Alvarenga, o Samba falado), além dos grandes poetas da classe média. Criou um movimento musical em 1978, o pagode, que foi desvirtuado pelo poder do show business, mal entendido pelos críticos musicais na época que o taxaram pejorativamente de sambão-joia, pelo sucesso popular imediato de músicas como “Coisinha do pai” e “Vou festejar”, que ela mostrou com sua própria história

capa

Beth revelou muitos

artistas: Zeca

Pagodinho (foto),

o grupo Fundo

de Quintal, Almir

Guineto, Arlindo

Cruz, Luis Carlos da

Vila e Jorge Aragão

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que não era um trabalho menor, mas superlativo, por ser da mais pura raiz e vivo, e pulsante até hoje em qualquer roda de samba! Buscou as raízes brasileiras e foi a primeira cantora das grandes a registrar o jongo da Serrinha com seus saudosos guardiões Darcy da Serrinha e Vovó Maria Joana em 1983 e o bumba meu boi do Maranhão com “Vaqueirada” em 1989, além do samba de roda da Bahia, com “Doce de cajá” de Roque Ferreira em 1984, compositor hoje muito respeitado, sucesso com Zeca Pagodinho em 1995 com “Samba pras moças” e “Água de minha sede” e vencedor de melhor CD de 2010 com o irretocável “Quando o canto é reza” de Roberta Sá e Trio Madeira Brasil, todo de composições suas. E em 1988, quatro anos antes de Daniela Mercury reabrir as portas da Bahia para o mundo com seu “O canto da cidade” em 1992, Beth levou o então apenas bloco afro Ara Ketu para o estúdio, e registrou seu som afro-baiano, precursor do samba-reggae.

Segue então esta taurina, com ascendente em escorpião, a mais carioca das cariocas, boêmia mas abstêmia (não bebe uma gota de álcool), perso-nalidade forte que fala o que pensa sem meneios, fortaleza que nunca se ligou a modas e enfrentou a americanização dos anos 70, a disco music na virada 70/80, o rock nacional e a new wave nos 80, o ser-tanejo pop e a lambada da virada 80/90, e o axé e o pagode dos 90, sempre fazendo o que sabe, sem perder qualidade e gravando muitos sucessos de ontem, hoje e que ainda o serão! O século 21 trouxe o samba real de volta com a Lapa no Rio de Janeiro, e esse movimento já se espalha, com o Samba da Vela em São Paulo, e a recuperação do Samba de Roda da Bahia. Seu baluarte é a cultura negra, “... o brasileiro que não gosta de samba, não admira a cultura negra, não se identifica com as comidas, a dança, a poesia, só pode se sentir um estrangeiro em seu próprio país!”.

O Cacique de Ramos

é um dos mais

conhecidos blocos

de carnaval do Rio

de Janeiro e tem

como madrinha Beth

Carvalho

Recuperada de uma grave cirurgia e longo período de repouso, a cantora volta aos palcos e recebe de seu show

inúmeros elogios do público e da crítica especializada

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Os brasileiros se surpreenderam com seu afastamento dos palcos por motivos de saúde e agora vibram com seu retorno! O que causou esse distanciamento e de onde você ti-rou forças para dar a volta por cima e mesmo em cadeiras de rodas, ir homenagear o trabalhador no show do 1º de maio na Quinta da Boa Vista, e agora abrir sua caixinha de novidades?

BC - Tive uma fissura na região sacra no final de 2009, e, por conta disso, precisei ficar em repouso absoluto. Foi um período difícil, mas a minha família, meus amigos, meus fãs e, é claro, o samba, me ajudaram muito e me fizeram ter força (e paciência!) para seguir em frente. Eu nunca estava sozinha, sempre tinha pagode na minha casa! (risos). Em fevereiro de 2011 fiz a minha volta aos palcos, com show no evento Sesc Rio Noites Cariocas. Desde então, venho fazendo algumas apresentações pelo país. Lancei meu novo CD no Vivo Rio em setembro e agora abri o ano de 2012 com o show no Réveillon de Copacabana. O show do Dia do Trabalhador é muito especial para mim, faço questão de participar dessa festa!

Fale um pouco sobre o novo disco.

BC - Lancei o “Nosso samba tá na rua” (Selo Andança/EMI Music), disco que marca meu reencontro com Rildo Hora, após 27 anos. O Rildo foi responsável pela produção de vários discos meus, como “de pé no chão”, “Na fonte” e “Coração feliz”. Nesse CD,

também estou voltando a trabalhar com outros importantes profissionais com os quais trabalhei nos anos 70 e 80, como o engenheiro de som Luiz Carlos T. Reis e os maes-tros Ivan Paulo e Leonardo Bruno. Para a escolha do repertório, ouvi mais de três mil músicas, dentre muitas que eu já tinha em meu acervo pessoal e no-vas canções que fui receben-do de diversos compositores da nova geração. O álbum ficou com o total de 15 músicas, na sua maioria inéditas, além de pérolas de Nelson Cavaquinho, D. Ivone Lara, Chico Buarque... Das inéditas, interpreto composições de novos talentos e de compositores mais consagrados. Fizemos tudo com bastante carinho e fiquei muito satisfeita com o resultado.

Você é uma das maiores pesqui-sadoras ativas da música brasileira, responsável pela revitalização de Cartola, Nelson Cavaquinho, pelo lançamento do novo samba de Fun-do de Quintal, Arlindo Cruz, Jorge Aragão, Zeca Pagodinho, quando ninguém os conhecia, e quando o cenário para o samba não era dos mais favoráveis. Quais os novos compositores que você vai revelar para o público?

BC - Temos muitos novos talentos sur-

gindo na cena do samba. Neste meu novo disco apresento algumas destas revelações, como Ciraninho, Leandro Fregonesi, Rafael dos Santos, com “Samba mestiço” e “Chega”, Edinho do Samba, que faz a sua estreia como compositor com a música “Tô feliz demais”, além da minha filha, Luana Carvalho (numa bela parceria com a Dayse do Banjo), que pela primeira vez tem uma música gravada, “Arrasta a sandália”.

Com esse cenário de queda nas vendas devido à pirataria, não é uma atitude de coragem lançar um CD somente de inéditas, saindo do esquema de sucessos ao vivo?

BC - O disco é quase todo composto por músicas inéditas, mas têm algumas regra-vações. De toda forma, a maioria das músicas que não são inéditas, são pouco conhecidas do grande público. Mas não acredito que isso seja uma atitude de coragem. Têm muitos sambas bons por aí e que têm tudo para estourar.

Como você vê hoje o samba no Brasil?

BC - Acho que o samba é a mais pura manifestação da música popular brasileira. É nosso, faz parte da nossa cultura e temos que preservá-lo. Gosto de todas as variações do samba. Já gravei, por exemplo, um CD dedicado ao samba paulista, no disco “Beth Carvalho canta o samba de São Paulo” e outro, mais recente, em homenagem ao samba da Bahia, o CD e DVD “Beth Carvalho canta o samba da Bahia”.

Entrevista com Beth Carvalho

Beth Carvalho, Sergio Lima Nascimento e Rildo Hora

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Que músicos e cantores hoje em atividade no Brasil você ouve e admira?

BC - Maria Bethânia e Nana Caymmi.

Quais seus compositores predile-tos, os gênios da raça?

BC - Nelson Cavaquinho é um deles, sem dúvida, e Cartola foi outro. Também gosto de Chico Buarque, D. Ivone Lara, Tom Jobim, Arlindo Cruz e Zeca Pagodinho. Da nova safra de compositores, tem o Serginho Meriti.

O que você acha de trabalhos que reinterpretam a música popular do povão, ou mesmo o samba de uma forma quase erudita?

BC - Acho que todas as variações do samba são válidas, desde que bem feitas.

Você é uma das raras artistas brasileiras com participação política incisiva no Brasil e em outros países da América. Como você define a Beth Carvalho cidadã política? Com que Brasil e com que mundo a Beth Carvalho sonha?

BC - Gosto de política porque acredito que política faça parte da vida da gente. Na medida do possível, tento ser engajada social-mente e procuro estar sempre interada dos assuntos. Acredito que a revolução começa com um povo melhor, mais informado. E, para isso, é preciso investir em educação! Sonho com um mundo adaptado ao modelo socialista. Acredito que esse é o melhor caminho.

O que você tem achado dos go-vernos Lula e Dilma?

BC - Considero que o governo do Lula foi muito bom e o da Dilma está indo muito bem.

O que você acha do samba ou outras formas de música popular como instrumento de transformação social?

BC - Acredito que a música, e especifica-mente o samba, é um importante instrumento de transformação social, pois através dele também podemos reivindicar um país mais justo, com menos desigualdade social.

Uma carreira talentosa e de muito sucesso possi-bilita que Beth Carvalho colecione prêmios.

Prêmios- 6 Prêmios Sharp;- 20 Discos de Ouro;- 10 Discos de Platina;- Festival da Canção da TV Globo (melhor in-

térprete), e- Prêmio da ABPD (Associação Brasileira de

Produtores de Disco), de maior vendedora de disco.

Discografia fundamental(seleção de Sérgio Lima Nascimento)

- Andança (1969)- Mundo melhor (1976)- Nos botequins da vida (1977)- de pé no chão (1978)- No pagode (1979)- Na fonte (1981)- Suor no rosto (1983)- Alma do Brasil (1988)- Pérolas 25 anos de samba (1992)- Canta o samba de São Paulo (1994)- Ao vivo no Municipal 40 anos de carreira (2006)- Canta os sambas da Bahia (2007)

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No final do ano passado dois eventos chamaram minha atenção: os 15 anos da Rádio Nacional e o lança-mento de ‘O livro do Boni’, que, como seria de esperar, está vendendo muito. Não li. Mas acompanhei os dois grandes momentos em que Boni discorreu a respeito: no Jô e no Sem censura, aqui inquirido por Leda Nagre e mais outras três pessoas. Nas duas horas e meia em que esteve diante das câmeras, Boni lembrou causos e mais causos ocorridos durante sua vitoriosa gestão, com Walter Clarck, na principal emissora de TV, hoje considera a terceira do mundo, tendo em vista a alta qualidade de sua programação e o excelente nível do seu elenco, motivo de orgulho para todos nós. Não li o livro, repito, mas li dois resumos no O Globo e na Folha de S.Paulo, os quais me deram uma ideia geral do texto do genial diretor, hoje dono da Rede Van-guarda, em São Paulo, com 53 canais em 46 cidades, como repetidora da Globo e, necessariamente, com alguns programas locais em atenção aos compromissos regionais, anunciantes etc.

Como seria de esperar, nenhuma referência ao fato do canal 4, que pertencia à Rádio Nacional ter sido cedido à Globo. A Nacional estava pronta para ser uma estação de TV, dispondo de todos os recur-sos necessários a um grande empreendimento, com seu espetacular quadro de profissionais - produtores, jornalismo, orquestras, novelas, tudo. Frequentei a Nacional naqueles momentos e outro não era o clima - a televisão.

Em tempo, Boni diria que “a Globo surgiu seguindo as linhas da Nacional”, reconhecendo ele próprio o que representava a estação da Praça Mauá na área da pro-

dução. Disse isso, mas sem aludir ao fato da passagem do canal 4 da Nacional para a Globo, evento que foi motivo de profunda análise do jornalista Sebastião Nery na Tribuna da Imprensa, quando aludia às pressões de Chateubriand e Roberto Marinho junto ao presidente Juscelino - aquele temendo a forte concorrência com

Espaço Oswaldo [email protected]

Boni, os 75 da Nacional e uma triste lembrançam

ídia

Deu na

MÍDIA GERAL: A tragédia do Costa Concórdia. A ordem do comandante da Capitania do Porto ao do navio, o fujão: “Vada a bordo, cazzo!”, bronca que está em todas as camisas da Itália, aqui impublicável, mas... deduzível. // MIDIA GERAL: “Kodak pede concor-data”. O filme velou. // O GLOBO: “França cai e Europa fica nas mãos da Alemanha”. Deutsch über alles. // O GLOBO: “Tesoureira da Igreja Universal nos EUA é condenada por fraudes na obtenção de empréstimo de US$ 22 milhões”. Há o recurso do milagre. // MÍDIA GERAL: “Próteses de silicone com defeito assusta pacientes e médicos”. Governo não teve peito para bancar as trocas, com trocadilho, por favor... // FOLHA DE S.PAULO: “Standard & Poors rebaixa a nota de nove países da eurozona”. Deslizamento na serra e no Velho Mundo // MANHATAN CONECTION: “O grupo, lamentando a morte do jornalista Daniel Piza”. Um repórter especial, competente, morto aos 41anos. Doloroso! // FOLHA DE S.PAULO: Coluna Mônica Bergamo – Fernanda Montenegro, 82, capa da TPM, comentando o fato de ser chamada de ‘grande dama do teatro. “Acho uma merda. É como se me tirassem de uma pessoa e me transformassem em uma personagem”. E como diva, será que Fernandona concorda? // JOÃO UBALDO RIBEIRO: “Nossa política não é feita de ideias, mas de ambições”. Na mosca, caro mestre. // GLOBO NEWS: “Berlusconi – “Só Napoleão fez mais do que eu. Mas eu sou mais alto do que ele”. Newsweek na capa chamou-o de “velho charlatão”.

a sua TV-Tupi, este querendo aumentar seu grupo de comunicação que já contava com o jornal, a rádio e as revistas da Rio Gráfica. Nery fazia referência ainda ao financiamento da TV Globo pelo grupo americano Time-Life que tinha até um representante no setor.

Um recorte do Correio da Manhã, de 21 de se-tembro de 1957, mostra a Nacional preocupada em ver seus artistas Paulo Roberto, Lúcio Alves e Celso Guimarães aparecendo nas TVs Rio, Tupi e Continental, “porque em breve chegariam ao Rio os transmissores da PRE-8”, como que a garantir a exclusividade dos seus contratados.

Bem, deu no que deu e a Nacional ficou mesmo sem o canal 4, seu de direito, mas que por um golpe político passou para o grupo Marinho, dando muito bem conta do recado, temos de reconhecer e mesmo de nos orgulhar.

Guardo em meus arquivos um documentário sobre o projeto da TV Nacional, Canal 4, que os do meu tempo, do ramo, conhecem muito bem.

Entrementes, a Nacional segue sua brava história gloriosa, ela que já foi, também para nossa alegria, uma verdadeira potência na área da Comunicação, hoje integrando a Empresa Brasileira de Comunicação, e que com alguns valores daquele tempo, como Dayse Lúcidi e Gerdal dos Santos, cumpre seu glorioso destino.

Satisfiz-me evocando o passado fulgurante da Nacional, lembrando com tristeza a ocorrência da concessão do canal, no momento mesmo em que Boni traz coisa interessante dos tempos em que era o mandão da Globo, criando o alto padrão de qualidade que hoje nos é servido.

Dayse Lúcidi e Gerdal dos Santos, últimos remanescentes da época de ouro da Nacional, hoje cada um com seu programa no ar, testemunhas vivas da fase em que a emissora vivia a antevéspera da sua televisão, na alegre expectativa que foi em vão...

Reminiscências

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Peggy – uma Rockefeller que é favelada carioca

Peguei já em andamento no Dossiê, da Globo News, um momento para mim especial na televisão. Geneton Moraes Neto, este grande entrevistador mantendo bem ritmada conversa com uma senhora, ela bem a sua frente, descontraída, dando respostas fluentes, espontâneas, sinceras. Era uma Rockefeller, Peggy Dulany Rockefeller, sessenta e poucos anos, sabendo absolutamente o que deveria dizer ao seu inquisidor. Filha de David Rockefeller, 2 bilhões de dólares num tempo, década de 50, em que o dólar era a moeda mais forte do mundo, fundador e presidente do Chase Manhattan Bank e nome dos mais respeitáveis no mundo dos negócios. Irmã de Nelson, outro famoso da importante família, fundador e presidente da Standard Oil e candidato

a vice-presidente dos Estados Unidos

Rockefeller, sinôni-mo de dinheiro, muito dinheiro. Pois não é que Peggy renunciaria a tudo para adotar uma vida distante dos cifrões, a serviço do próximo? Verdade.

Em 1965, ve io para o Brasil sozinha, em busca de seu ideal, trabalhar em solidarie-

dade com os pobres, numa ação comunitária. Dis-posta a conhecer a realidade dos favelados cariocas, em 1968, a jovem milionária foi morar três meses na favela do Jacarezinho, sim, na favela. “Fiquei na casa de uma costureira. Um amigo voluntário morava lá e contou que ela alugava quartos. Foi a experiência formadora da minha vida”, disse. “Meus patrícios não são como os brasileiros - acolhedores, afetuosos, simpáticos - de um estilo de vida que faz exatamente o meu jeito de ser.”

Quase vinte anos após deixar o Brasil (embora tenha voltado várias vezes), Peggy fundou o Instituto Synergos, em 1986, que atua em 23 países. “Somos uma ponte entre empresários, organizações não governamentais, movimentos sociais e governantes para juntar esforços contra a pobreza”, diz.

Peggy abriu mão de uma vida faustosa, para, certamente com o grande quinhão que lhe cabe na

Elis, 30 anos, a primeira foto...

Rádio Nacional. Perdi o ano, o que não importa. O apresentador César de Alencar costumava trazer ao Rio artistas que se destacavam nas rádios das capitais. E nós, da Rio Gráfica, recebíamos os se-lecionados em almoço na sede, rua Itapiru. Dois, três anos foi assim. Todos eram fotografados pelo Wilson Lopes para futuras publicações na revista Radiolândia, espaço houvesse. Uma vez a terceira contracapa ficara vazia. Leonidas Bastos, o publici-tário, não conseguira vender o espaço. A revista tinha de fechar. Sugeri ao Moyses Weltmanm, secretário: “Bota essa aqui. E dei para ele a foto-grafia do rosto de Elis Regina, a gauchinha que se destacara cantando no Programa César de Alencar. A revista estava fechada e pela primeira vez Elis saía de rosto inteiro, sorriso aberto, numa publicação. Era sua estreia na imprensa. Lembro isso agora, nos 30 anos de sua morte. É pau, é pedra, é o fim do caminho... ela e Tom, que saudade! Por que se foram tão cedo?

partilha familiar, atuar em parceria, praticar ações de altruísmo. Sua vida é visitar países da América Latina, Ásia e África. Disse que dinheiro não traz felicidade contrapondo-se ao dito popular tão comum entre nós. Mulher admirável voltada para o bem comum das pessoas necessitadas.

Emocionei-me com o que me foi dado ouvir e nem sei como o especial Geneton foi descobrir essa impressionante criatura para nos oferecer um dos melhores momentos na televisão.

Peggy, uma Rockefeller, favelada carioca, ‘believe it or not’, como diria em sua famosa série o saudoso Ripley.

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Lilibeth Cardozo

cidadania

Segunda-feira de Carnaval. Quase 75 mil pessoas lotam o Sambódromo. Em meio ao desfile ecoa pelas arquibancadas e cadeiras uma voz uníssona comemo-rando a passagem de uma famosa escola de samba. As mãos que se unem, as vozes que cantam, o ritmo que balança os corpos, ligam todos numa euforia onde o único objetivo é torcer pela agremiação. O espírito de cooperação aqui não faz diferenças entre torcidas. Quando o desfile é comemorado, pessoas que jamais se viram se unem numa reciprocidade afetiva emocio-nante. Naquele público, uma ação individual, um refrão que motive a escola faz com que a massa incorpore aquele gesto transformando-o numa ação coletiva. A pessoa percebe que um simples gesto individual pode fazer toda a diferença. Na vida cotidiana não poderia ser diferente. A paixão pela causa comum muitas vezes nos leva a expandir os limites de nossa participação na vida comunitária.

Diferentes associações têm avançado no proces-so de construção de um ambiente mais saudável e democrático para diversos grupos sociais, como, por exemplo, as associações de moradores. Elas têm tido

papel importante na definição de políticas sociais e demonstrado, através de ações efetivas, que o estado não pode ensurdecer diante das vozes dos cidadãos. Por serem a menor célula de organização coletiva estão mais próximas para conhecer e interpretar as reais necessidades das comunidades que representam. Consequentemente buscam encaminhar e cobrar ações do governo que sejam importantes para elas e para toda a cidade.

Entretanto, na maioria das vezes o comportamento do cidadão é de muita cobrança e pouca participação. Tal como o comportamento diante das diferentes esferas de governo, o cidadão cobra pelos serviços e resultados, sente-se no direito de criticar as ações, mas omite-se quando é chamado a participar. Em todas as comunidades onde há um grupo organizado através de uma associação, quando ocorre um fato que “ameace” a comunidade, todos se mobilizam, participam e opi-nam, mas, passados alguns dias, com ou sem solução, o grupo se esvazia e as cobranças se transferem para a diretoria da associação.

A maior dificuldade de uma associação de mora-dores ainda é fazer as pessoas participarem não apenas quando um problema no bairro incomoda. Associar-se, trabalhar em pequenos espaços geográficos seria o ca-

minho mais adequado para se construir um tecido social forte e representativo. Cada indivíduo, ao associar-se, está garantindo um canal para sua voz, marcando a sua posição acerca do que ele individualmente pode fazer pela coletividade em que vive ou trabalha. As discus-sões de caminhos só tomam rumos eficazes quando há participação.

Uma associação de moradores não tem um pro-prietário e sempre será mais forte quando contar com diferentes perfis, desde a dona de casa, do trabalhador braçal até os técnicos, cientistas, artistas e outros atores sociais que expressam a pluralidade na cidade.

O Rio de Janeiro tem muitas associações de bairros e, com o reconhecimento pessoal da força política que elas têm, somado ao interesse do estado em aliar-se às associações, poderiam ser mais eficazes que muitas secretarias de estado que mal conhecem suas funções e atuam descoladas inteiramente da ambiência da cidade.

Uma voz pode ser ouvida longe, muitas, em unís-sono, ganham força e podem transformar!

A importância de associar-se

A Associação de Moradores e Amigos da Gávea – Amagávea – existe há 36 anos. É uma das mais antigas associações de bairro em atividade na cidade. Ela trabalha pela manutenção da qualidade de vida dos moradores e pela preservação do patrimônio histórico, cultural e natural do bairro. A associação atua como interlocutora da comunidade perante autoridades e órgãos públicos, bem como entidades de direito privado, responsáveis por serviços e obras no bairro.

Recentes atividades da Amagávea- participação ativa no movimento “O metro

que o Rio precisa”, <www.metroqueorioprecisa.com.br> pleiteando a abertura da Estação Gávea em dois níveis;

- participação intensa no Conselho Comunitário de Segurança Pública, permitindo articulação de ações, que levou, entre outros êxitos, à melhoria do ordenamento urbano no Baixo Gávea, na Praça Santos Dumont e suas imediações, e controle da situação com potencial de desastre nas imediações do Bar Pires, na Rua Marquês de São Vicente, em frente à PUC;

- participação junto à Gestão do Parque da Cida-de, levando importante contribuição na discussão e implantação de ações que levem à recuperação desse patrimônio para o lazer dos moradores do bairro, assim como à ordenação urbana do seu entorno;

- aproximação com representações comunitárias do Parque da Cidade, Vidigal e Rocinha para criação

de uma visão integrada de problemas comuns e soluções participativas;

- insistentes pedidos ao prefeito e ao secretário de Conservação, para a regularização do calçamento em paralelepípedos da Rua João Borges;

- reuniões com síndicos para identificação de problemas locais;

- reuniões com órgãos que organizam o Carnaval para estudar soluções que amenizem os transtornos causados pelos blocos para os moradores do bairro;

A força de uma associação de moradores se dá através do número de pessoas comprometidas e participantes do movimento. Venha participar.

Acesse: www.amagavea.org.br ou pelo e-mail [email protected]

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EMERGÊNCIA

Tel.:2529-4505

GERAL

Tel.:2529-4422

A importância da reabilitação pulmonar

As doenças pulmonares, classificadas como obstrutivas ou restritivas, com-prometem o sistema respiratório e muscular em graus diversos, repercutindo diretamente na limitação da capacidade pulmonar e na força muscular. Esta redução da função pulmonar se traduz em sensação de falta de ar e diminui-ção do “fôlego”, chamada dispneia. Tosse, expectoração e fraqueza muscular podem estar presentes.

Músculos envolvidos na mecânica respiratória e dos membros superiores e inferiores, chamados periféricos, também estão envolvidos no processo de diminuição de força e resistência, resultando em dificuldade para a realização de atividades simples ou complexas. A disfunção muscular se traduz em in-tolerância a exercícios, em piora progressiva do condicionamento físico e na incapacidade de realizar atividades da vida diária.

A reabilitação pulmonar tem como objetivo minimizar os efeitos da do-ença e a incapacidade causada. O foco tradicional da reabilitação é dirigido aos pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), cuja função pulmonar e o status muscular estão alterados, mas também beneficia pessoas com outras condições respiratórias crônicas que permanecem sintomáticas ou que sofrem redução do estado funcional após tratamento médico padrão.

Ambas incluem pacientes com asma, fibrose cística, doença pulmonar intersticial, doença respiratória relacionada à obesidade, hipertensão pulmonar, doenças neuromusculares, transplante e câncer de pulmão, cirurgia torácica e do abdômen superior. Programas de reabilitação envolvem um grupo de profissionais - médico, fisioterapeuta, nutricionista e psicólogo - que trabalha em conjunto para reduzir os sintomas respiratórios e melhorar o status físico e psicoemocional, devolvendo ao indivíduo condições para administrar melhor a doença e sua repercussão.

Os primeiros passos são as avaliações médica e da equipe interdisciplinar e a proposta de acompanhamento, pontuada pela adesão do paciente. A respiração “difícil” e laboriosa aumenta o gasto energético e contribui para

Marjory Weiss Coordenadora da Fisioterapia da

Clínica São Vicente

a perda de peso e massa muscular. A falta de atividade física eleva o peso corporal e pode diminuir a autoestima, facilitando estados de depressão e inibindo o convívio social. O trabalho pode ser afetado, pois o indivíduo muda o seu perfil e torna-se menos criativo, participativo e produtivo.

Estes fatores justificam a participação de nutricionistas e psicólogos no programa de reabilitação. A fisioterapia contribui no processo de reeducação funcional global do indivíduo. Controla os sintomas da doença (tosse, secre-ção brônquica, déficit do padrão respiratório) e utiliza exercícios aeróbicos e treinamento muscular para aumentar a resistência e a aptidão física.

Uma vez mais tolerante à simples movimentação e deambulação, o indiví-duo sai do ciclo cansaço, intolerância e sedentarismo. Programas educacionais complementam a reabilitação. Não há dúvidas sobre os malefícios do fumo; logo, parar de fumar é obrigatório. Programas de suporte e apoio para esta tomada de atitude são comprovadamente eficazes.

Orientações chamadas de conservação de energia auxiliam na realização de atitudes simples diárias, como pegar objetos, calçar sapatos ou realizar a higiene pessoal. Exercícios podem ser realizados diariamente ou em dias selecionados, inicialmente com supervisão do fisioterapeuta e, conforme a resposta terapêutica, com reavaliações periódicas. Utilizam-se cicloergôme-tros (bicicletas de membros superiores e inferiores), esteira ergométrica, exercitadores de músculos respiratórios, pesos e faixas elásticas.

Respirar é um ato involuntário e básico. Locomover-se também. Poder realizar essas atividades simples é direito de todos. E realizar de forma facilitada, melhorada, confortável, adaptada às condições individuais e com qualidade, mais ainda.

A reabilitação pulmonar é uma estratégia de tratamento interdisciplinar com objetivos preventivo e terapêutico, individualizada para as necessidades do indi-víduo. Seu principal objetivo é restaurar ou manter um nível ótimo de funções fisiológicas, psicológicas, sociais, ocupacionais, emocionais e de bem-estar.

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Inst

ante

Fug

[email protected]

Tamas

Pens

amen

tos

Pró-

fund

os

No prefácio de Mercado de Pulgas, há um

bom argumento para se publicar em livro muita

coisa boa que aparece na internet. Segundo

as palavras do autor, referindo-se a uma pes-

quisa do Google Analytics, um visitante fica em

média num site apenas durante três minutos:

“O problema, na internet, é o dedo indicador

impaciente que, no mouse, está sempre em

busca de algo a mais.” O livro, no entanto,

é para ser lido com calma. Por isso, Renato

Alessandro dos Santos publica em livro uma

seleção dos melhores textos que colocou no

seu site: www.tertuliaonline.com.br

O livro começa com uma epígrafe de

Andre Breton, “Sempre vou lá (no Mercado

de Pulgas) à procura desses objetos que não

se encontram em nenhuma outra parte, fora

de moda, fragmentados, inúteis, quase incom-

preensíveis, perversos, enfim, no sentido que

entendo e amo...”, e não deixa de ser muito

interessante. Após a leitura, fica a saudade de

um período da vida que a gente gostaria de

viver de novo mas sabe que não mais voltará.

O autor explora de modo sutil e pungente o

velho gênero conhecido como crônica.

Dividido em oito partes, começando

por blog, trecho em que relata fatos de seu

cotidiano, passando por cinema, entrevistas,

futebol, literatura, livros, música, Renato pouco

a pouco conquista o leitor, que dificilmente não

demonstrará uma ponta de insatisfação caso

tenha de interromper a leitura. Há ainda uma

última parte denominada Work in progress, com

um belo conto. O livro é finalizado com um

ensaio cujo título é: “A literatura como vício”.

Na verdade, como explica Alessandro

da Silva, o site “Tertúlia” começou como um

fanzine nos anos 1990. Desde então, ele põe

em prática seu gosto pela escrita. Em 2009 o

fanzine voltou, mas na rede.

Num livro de crônicas, é sempre arriscado

destacar algumas, corre-se o risco de apontar

não as melhores, mas aquelas que caíram no

gosto do resenhista.

O ponto alto do livro são as entrevistas que

Renato fez com escritores brasileiros, a maior

parte durante uma feira do livro em Ribeirão

Preto; outras, durante a visita de alguns deles a

bibliotecas públicas para encontro com leitores;

e há ainda uma matéria em que ele acompanha

uma palestra de Cristovão Tezza, o autor do

premiadíssimo Filho eterno, numa sociedade

psicanalítica do interior paulista. Entre os autores

entrevistados encontram-se Milton Hatoum,

Xico Sá, Pedro Bandeira, Marcelo Mirisola,

Michel Laub, Lourenço Mutareli, Daniel Galera,

Ignácio de Loyola Brandão e Moacyr Scliar.

Outra parte, muito sedutora, é a de livros e

de literatura, praia do autor de 39 anos, já que

ele é um leitor voraz e professor da mesma

disciplina. Talvez aqui o texto de maior desta-

que seja: “A redoma de vidro de Silvia Plath”,

onde o autor discute o único romance escrito

pela poeta de língua inglesa, que se suicidou aos

30 anos. No começo do artigo, Renato per-

gunta: “o que quer uma poeta, utilizando um

pseudônimo (Victoria Lucas), ao escrever não

um livro de poemas mas um romance?” Atra-

vés da vida da personagem principal, Esther

Greenwood, ele aponta traços biográficos que

coincidem com os de Silvia. “J. D. Salinger não

mora mais aqui” aborda a obra e a vida reclusa

do autor de O apanhador no campo de centeio:

“quem nunca ouviu falar de Holden Caulfield,

o pequeno diabo de Salinger. É um perso-

nagem inseguro, insatisfeito, questionador,

inconformista, inquieto...” Um texto também

fundamental é “O que você anda lendo ultima-

mente?”, onde Renato conta sua experiência

de iniciação à literatura ainda na adolescência

Haron Gamal [email protected]

Uma chance para a literatura

“Como num jogo,procuro erros.Mas, qual é a referência?”

“Leves sentimentos,doces momentos.”

“A cada instantea ficção inventa o Homem.”

“Um centímetro basta.Um passo em falso.A queda.”

“Uma porta fechadanem sempre está trancada.”

“Olhar para o olharque está te olhando.”

Sábado nigth

luzes high tech, corpos suados

e muita fumaça na boite.

Tomei um drink forte,

não me sinto bem

mas digo all rigth.

Essa situação

se repete toda vez,

exagero no álcool

e penso que sei inglês.

Tudo me parece estranhoestou aqui by accidentenvolto e inebriado combad boys,beautiful girls,gente linda e sorridente.Se no lugar de sábado,hoje fosse quinta,teria a minha vidaa cor de outra tinta?

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Gisela Goldhttp://giselagold.tumblr.com/

A lasanha

Elza era boa de fala. Marcílio, de ouvido. Da sonata de Bach a todas as inconsequências da moçoila, as quintas, no bar.

Passado um mês, os pombos juntaram as canecas. Pelas manhãs, Marcílio era quem fazia o café. Preto, forte, sete gostas de “hipocrisil” no café de Elza, sempre.

Dia nublado de novembro, o a quilo em frente a casa dos moços fechou. Elza resolveu finalmente mostrar seus dotes no melhor lugar da casa. Fez a lasanha que sempre comentou na conversa de bar. Não tinha erro, afinal Marcílio com a máxima certeza já ouvira falar muito da iguaria.

Chegou como não quer nada por detrás da cadeira do computador onde o moço revisava o imposto de renda e exibiu o suposto manjar em seu olfato. Ouviu-se “hummmmm”.

Pena que o “hummmmm” não era dele. Marcílio era alérgico a molho de tomate e

e enumera vários autores imprescindíveis para

a criação do gosto pela leitura e formação do

leitor. O já citado “A literatura como vício”, na

parte final do livro, complementa este texto

e apresenta, entre outros assuntos, não só a

descoberta da literatura, mas também o poder

que ela tem de se tornar motivo de vida de

determinadas pessoas.

Apesar dos textos mais culturais (digamos

assim), o livro emociona quando o autor nos

conta sobre acontecimentos de sua vida familiar,

como o nascimento de seu filho, a chegada das

férias, ou o dia em que ensinou o menino a

andar de bicicleta, experiências narradas com

muito lirismo e sensibilidade. Referências a fu-

tebol também têm sua poesia, como na crônica

sobre o dia em que o XV de Piracicaba foi a

Batatais, cidade onde vive o autor, e venceu

pelo placar de uma a zero a equipe da casa,

o também Batatais, conhecido popularmente

como o Fantasma da Mogiana.

Em meio a todo esse painel apresentado

pelo livro, perdas e ganhos contabilizados,

sobressai a intensa paixão pela literatura.

Mercado de Pulgas germinou na internet e

lá pode ser adquirido. Basta que se entre no

site do autor.

Mercado de Pulgas – uma tertúlia na internet

Renato Alessandro dos Santos

Download blogs – Ed. Multifoco,

269 páginas

Elza nunca reparou nisso. Marcílio sabia de cor que Elza queria ter feito Arquite-tura, que tinha medo de ficar doente, que odiava azeite português, que tinha saudade absurda do avô perdido há três anos, que preferia bromélias a rosas e que ficava contando os minutos para o próximo café com cigarro.

De bar em bar, Elza nunca parou para ouvir seu ouvinte. Nunca reparou que ele queria ter feito Literatura, que ele prefere cebola roxa na salada, que ele odeia per-fume doce e que ele sempre quis acabar a vida numa aldeia indígena. Marcílio nunca quis plateia, mas isso não significa que não precise do olhar de Elza.

Os Estados Unidos, em sua cerimônia de Oscar, já percebeu a importância de um coadjuvante. Elza, ainda não. Quem sabe o faça antes da próxima lasanha.

Renato Alessandro dos Santos

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