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REVISTA BRASILEIRA DE PESQUISA SOBRE FORMAÇÃO DE PROFESSORES FORMACAO DOCENTE Volume 03 n. 03 ago.-dez. 2010 O professor iniciante, a prática pedagógica e o sentido da experiência CARLOS MARCELO A formação no ensino superior: Quais trajetórias de formação têm os professores que formam professores para a escola básica? REJANE CAVALHEIRO, SILVIA AGUIAR ISAIA, DORIS PIRES VARGAS BOLZAN Políticas de formação docente na Bahia: Uma análise a partir de pressupostos da teoria social de Habermas - DAISI TERESINHA CHAPANI, LIZETE MARIA ORQUIZA DE CARVALHO, ANTÓNIO TEODORO Contribuições ao debate sobre a pesquisa do professor da educação básica - MENGA LÜDKE, GISELI BARRETO DA CRUZ Em foco: A gestão das relações em sala de aula - MARICÉA DO SACRAMENTO SANTOS, CARLOS HENRIQUE DE SOUZA GERKEN As narrativas de professores sobre a escola e a mediação de um Grupo de Pesquisa-Formação - LENY RODRIGUES MARTINS TEIXEIRA Curso de pedagogia: Formação do professor da educação infantil e dos anos séries iniciais do ensino fundamental - GESLANI CRISTINA GRZYB PINHEIRO, JOANA PAULIN ROMANOWSKI Pesquisa sobre Formação de Professores: Síntese do II Simpósio de grupos de pesquisa do GT 8 da ANPEd - MARLI E. D. A. ANDRÉ, IRIA BRZEZINSKI, MENGA LÜDKE, MARIA DO CÉU ROLDÃO

Formação Docente 3 n. 03 ago.-dez. 2010

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Page 1: Formação Docente 3 n. 03 ago.-dez. 2010

REVISTA BRASILEIRA DE PESQUISA SOBRE FORMAÇÃO DE PROFESSORES

FORMACAO

DOCENTEVolume 03 n. 03 ago.-dez. 2010

O professor iniciante, a prática pedagógica e o sentido da experiência CARLOS MARCELO

A formação no ensino superior: Quais trajetórias de formação têm os professores que formam professores para a escola básica? REJANE CAVALHEIRO, SILVIA AGUIAR ISAIA, DORIS PIRES VARGAS BOLZAN

Políticas de formação docente na Bahia: Uma análise a partir de pressupostos da teoria social de Habermas - DAISI TERESINHA CHAPANI, LIZETE MARIA ORQUIZA DE CARVALHO, ANTÓNIO TEODORO

Contribuições ao debate sobre a pesquisa do professor da educação básica - MENGA LÜDKE, GISELI BARRETO DA CRUZ

Em foco: A gestão das relações em sala de aula - MARICÉA DO SACRAMENTO SANTOS, CARLOS HENRIQUE DE SOUZA GERKEN

As narrativas de professores sobre a escola e a mediação de um Grupo de Pesquisa-Formação - LENY RODRIGUES MARTINS TEIXEIRA

Curso de pedagogia: Formação do professor da educação infantil e dos anos séries iniciais do ensino fundamental - GESLANI CRISTINA GRZYB PINHEIRO, JOANA PAULIN ROMANOWSKI

Pesquisa sobre Formação de Professores: Síntese do II Simpósio de grupos de pesquisa do GT 8 da ANPEd - MARLI E. D. A. ANDRÉ, IRIA BRZEZINSKI, MENGA LÜDKE, MARIA DO CÉU ROLDÃO

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Sumário

Linha EditorialConselho editorialNormas Para Submissão de Artigos

editorial

Apresentação - Júlio emílo diniz-Pereira

artigos

O professor iniciante, a prática pedagógica e o sentido da experiência – Carlos Marcelo

A formação no ensino superior: Quais trajetórias de formação têm os professores que formam professores para a escola básica? - rejane Cavalheiro, silvia aguiar isaia, doris Pires Vargas Bolzan

Políticas de formação docente na Bahia: Uma análise a partir de pressupostos da teoria social de Habermas - daisi teresinha Chapani, lizete Maria orquiza de Carvalho, antónio teodoro

Contribuições ao debate sobre a pesquisa do professor da educação básica - Menga lüdke, giseli Barreto da Cruz

Em foco: A gestão das relações em sala de aula - Maricéa do sacramento santos, Carlos Henrique de souza gerken

As narrativas de professores sobre a escola e a mediação de um Grupo de Pesquisa-Formação - leny rodrigues Martins teixeiraa

Curso de pedagogia: Formação do professor da educação infantil e dos anos séries iniciais do ensino fundamental - geslani Cristina grzyb Pinheiro, Joana Paulin romanowski

Pesquisa sobre Formação de Professores: Síntese do II Simpósio de grupos de pesquisa do GT 8 da ANPEd – Marli e. d. a. andré,iria Brzezinski, Menga lüdke, Maria do Céu roldão

p. 2

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p. 86

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Linha Editorial

a “Formação docente” – revista Brasileira de Pesquisa sobre Formação de Professores, publicação digital, veiculada semestralmente, é de responsabilidade editorial do grupo de trabalho “Formação de Professores” (gt08), da associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em educação (aNPed), em co-edição com a editora autêntica.

a criação do gt08 – inicialmente d enominado “gt licenciaturas” – teve como cenário o final da década de 1970, início de 1980, momento histórico em que os movimentos sociais se constituíram de forma mais vigorosa e alcançaram legitimidade para abrir novos canais de debates e de participação nas decisões do estado autoritário. À medida que o governo militar começava a emitir difusos sinais de esgotamento, os movimentos sociais conquistaram alguma abertura democrática o que permitiu investidas, ainda que descontínuas, de novos atores que entravam em cena. Nesta ocasião, uma crise se enveredava pelas licenciaturas visto que vigia um modelo de formação, sustentado na teoria tecnicista e atrelado ao chamado “currículo mínimo nacional”.

Nesse contexto, os educadores formaram uma frente de resistência ao modelo tecnicista de formação de professores e passaram a apresentar propostas de mudanças no modelo vigente. tais ações impulsionaram a mobilização de alguns profissionais da educação que, durante o i encontro Nacional de reformulação dos Cursos de Preparação de recursos Humanos para a educação, em Belo Horizonte, em novembro de 1983, firmaram um acordo com membros da diretoria da aNPed para se organizar um gt que viesse a tratar das questões que afetavam a formação de educadores.

lançada a proposta, o “gt licenciaturas” se constituiu e, no ano seguinte, reuniu-se na 7ª reunião anual (ra) da aNPed, em Brasília, no ano de 1984. Foram aprofundadas as discussões para elaborar propostas de formação para as licenciaturas e para o curso de Pedagogia com base nos princípios e orientações contidos no documento final do encontro nacional de Belo Horizonte e, em 1985, ocorreu, em são Paulo, a 8ª ra. Nesta, o gt estruturado de forma mais compatível com as recomendações da aNPed, organizou uma sessão para análise de pesquisas sobre o assunto.

em 1993, configurou-se uma nova identidade teórico-metodológica para o grupo de trabalho que passou a chamar-se gt08 “Formação de Professores”, delineando o ethos do renovado gt.

as primeiras idéias sobre a revista “Formação docente” surgiram no começo da década 2000, no entanto, foi na 30ª ra que se conferiu maior materialidade à idéia e, em 2008, por ocasião do XiV encontro Nacional de didática e Prática de ensino (eNdiPe), em Porto alegre, pesquisadores do gt08 encaminharam decisões substantivas sobre sua editoração.

a “Formação docente” pretende ser um canal de divulgação da produção na área específica, em diálogo interdisciplinar com as contribuições de pesquisas realizadas pelas áreas correlatas que tratam da mesma temática. Visa, em especial, fomentar e facilitar o intercâmbio nacional e internacional do seu tema objeto.

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a revista é dirigida ao público de professores, pesquisadores e estudantes das áreas de educação e ciências afins.

seguindo as práticas editoriais, a partir de critérios elegidos pelo grupo fundador, a política editorial do periódico é executada por um Conselho editorial executivo e um Conselho editorial Consultivo (nacional e internacional) de diversificada representatividade. os artigos são apreciados quanto ao mérito científico por meio do sistema de dupla avaliação por Pares – daP (double Blind review).

É com imenso prazer que apresentamos, então, ao público interessado, a “Formação docente” – revista Brasileira de Pesquisa sobre Formação de Professores e esperamos uma participação efetiva dos colegas pesquisadores para que este periódico possa contribuir para a melhoria da qualidade da produção acadêmica nesse campo e, por via de consequência, para a melhoria da própria formação de educadores em nosso país.

os editores

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Conselho editorialEdITOr

n Júlio emílio diniz-Pereiradoutor em educação pela Universidade do estado de Wisconsin, em Madison, nos estados Unidos. Professor do Programa de Pós-graduação em educação da Universidade Federal de Minas gerais (UFMg). Coordenador da Coleção docência - editora autêntica. Conselho editorial executivo

n eduardo adolfo terrazandoutor em educação pela Universidade de são Paulo (UsP). Professor do Programa de Pós-graduação em educação da Universidade Federal de santa Maria (UFsM). Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq – Nível 1d.

n José rubens lima Jardilinodoutor em Ciências sociais pela Pontifícia Universidade Católica de são Paulo (PUC-sP), com pós-doutoramento pela Universidade laval, em Québec, no Canadá. Professor titular do departamento de educação da Universidade Nove de Julho (UNiNoVe).

n Menga ludkedoutora em sociologia da educação pela Universidade de Paris X, na França, com pós-doutoramento pela Universidade do estado da Califórnia, em Berkley, nos estados Unidos. Professora titular da Pontifícia Universidade Católica do rio de Janeiro (PUC-rio). Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq – Nível 1a.

CONSELHO EdITOrIAL CONSULTIvO (NACIONAL)

n Betânia leite ramalhodoutora em Ciências da educação pela Universidade autônoma de Barcelona, na espanha. Professora do departamento de educação da Universidade Federal do rio grande do Norte (UFrN). Bolsista de Produtividade de Pesquisa do CNPq – Nivel 2.

n emília Freitas de limadoutora em educação pela Universidade Federal de são Carlos (UFsCar), com pós-doutoramento pela Pontifícia Universidade Católica do rio de Janeiro (PUC-rio). Professora associada da Universidade Federal de são Carlos (UFsCar).

n iria Brzezinskidoutora em administração escolar pela Universidade de são Paulo (UsP), com pós-doutoramento pela Universidade de aveiro, em Portugal. Professora titular da Universidade Católica de goiás (UCg). Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq – Nível 2.

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n Joana Paulin romanowskidoutora em educação pela Universidade de são Paulo (UsP). Professora adjunta da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-Pr). Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq – Nível 2.

n laurizete Farragut Passosdoutora em educação pela Universidade de são Paulo (UsP), com pós-doutoramento pela Pontifícia Universidade Católica do rio de Janeiro (PUC-rio). Professora assistente da Pontifícia Universidade Católica de são Paulo (PUC-sP).

n leny rodrigues Martins teixeiradoutora em Psicologia escolar e do desenvolvimento Humano pela Universidade de são Paulo (UsP), com pós-doutoramento pela Universidade de Paris V, na França. Professora titular da Universidade Católica dom Bosco.

n luis eduardo alvarado Pradadoutor em educação pela Universidade estadual de Campinas (UNiCaMP), com pós-doutoramento pela Universidade de são Paulo (UsP). Professor da Universidade Federal do triângulo Mineiro (UFtM).

n Márcia Maria de oliveira Mellodoutorado em educação pela Universidade de são Paulo (UsP), com pós-doutoramento pela Universidade do Minho, em Portugal. Professora do Programa em Pós-graduação da Universidade Federal de Pernambuco (UFPe).

n Marília Claret geraes durhandoutora em educação pela Pontifícia Universidade Católica de são Paulo (PUC-sP), com pós-doutoramento pela Fundação Carlos Chagas (FCC-sP). Professora do Programa de Pós-graduação em educação da Universidade Metodista de são Paulo.

n Marli eliza dalmazo afonso de andrédoutora em Psicologia da educação pela Universidade do estado de illinois, nos estados Unidos, com pós-doutoramento pela mesma Universidade. Professora do Programa de estudos Pós-graduados em educação da Pontifícia Universidade Católica de são Paulo (PUC-sP).

CONSELHO EdITOrIAL CONSULTIvO (INTErNACIONAL)

n Carlos Marcelo garciaProfessor Catedrático de didática e organização escolar da Universidade de sevilha, na espanha.

n Cecília Maria Ferreira BorgesProfessora e pesquisadora da Universidade de Montreal, no Canadá.

n Clermont gauthierProfessor e pesquisador da Faculdade de educação da Universidade laval, em Québec, no Canadá.

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n emílio tenti FanfaniProfessor titular da Faculdade de Ciências sociais da Universidade de Buenos aires (UBa), na argentina.

n Kenneth M. ZeichnerProfessor titular da Universidade do estado de Wisconsin, em Madison, nos estados Unidos.

n John elliotProfessor emérito da Faculdade de Ciências sociais da Universidade de east anglia, na inglaterra.

n Maria do Céu roldãoProfessora e pesquisadora da escola de educação da Universdade Católica de santarém, em lisboa, Portugal.

n rafael Ávila PenagosProfessor e pesquisador em educação pela Universidade Pedagógica Nacional de Bogotá, na Colômbia.

n rui Fernando de Matos saraiva CanárioProfessor Catedrático da Faculdade de Psicologia e Ciências da educação da Universidade de lisboa, em Portugal.

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Normas Para Submissão de Artigosos artigos submetidos à revista “Formação docente” serão apreciados pelo Conselho executivo quanto à pertinência dos mesmos à linha editorial do periódico, sua adequação aos requisitos da associação Brasileira de Normas técnicas (aBNt) e às demais instruções editoriais.

os textos devem guardar originalidade do tema ou do tratamento a ele concedido na língua materna. os artigos recebidos em outro idioma serão submetidos à tradução e publicados com a autorização do autor. os autores assumem o compromisso de não submeter simultaneamente o texto a outras revistas da área e cedem à “Formação docente” o direito de indexação (nacional e internacional). a revista, ao seu juízo, pode reeditar artigos internacionais de grande relevância teórica ou metodológica para a área, que tenham sido publicados em outros veículos de divulgação acadêmica, com a devida autorização de quem detém os direitos autorais.

o Conselho executivo poderá sugerir aos autores modificações de ordem técnica nos textos submetidos e aceitos, a fim de adequá-los à publicação.

É de inteira responsabilidade do(s) autor(es) os conceitos, opiniões e idéias veiculados nos textos.

todos os textos aceitos para publicação serão submetidos à avaliação de pares acadêmicos e lidos por, no mínimo, dois paraceristas – ambos do Conselho Consultivo ou um membro do Conselho Consultivo e um ad hoc. a revista garante o sigilo e anonimato de autores e pareceristas.

ASPECTOS FOrmAIS dO TExTO

os artigos devem conter de 40 a 70 mil caracteres (com espaços) digitados no Word ou programa compatível de editoração, fonte times New roman, tamanho 12 e espaçamento duplo. o texto deve ser alinhado à esquerda e as margens não devem ser inferiores a 3 cm. as palavras estrangeiras devem ser grafadas em itálico, neologismo e/termos incomuns deve ser grafado entre ‘aspas’ simples.

os artigos devem ser enviados em dois arquivos com o mesmo nome, diferenciados pelos numerais 1 e 2. devem ser nomeados pelo sobrenome do primeiro autor. o primeiro arquivo deve constar a identificação do(s) autor(es): nome(s), instituição(ções) de origem e endereços, físicos e eletrônicos; e resumo expandido de até mil caracteres (aproximadamente, uma página) e respectiva tradução em língua inglesa (abstract). ambos acompanhados de, no mínimo, três palavras-chave (e as respectivas keywords). No segundo arquivo, constará o texto na íntegra a ser publicado.

as normas de referências bibliográficas seguidas pela revista são as da aBNt e devem se restringir ao material citado no corpo do texto. as citações de fontes, diretas ou indiretas, devem ser inseridas no corpo do texto (aUtor, data, página). as notas, quando necessárias, devem seguir no final do texto com numeração seqüencial em algarismos arábicos e antes das referências bibliográficas.

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as referências de material e fontes eletrônico/digitais devem citar o endereço (Web site ou Home Page) seguida da data de acesso (acesso em: 25 Fev. 2009).

todos os textos deverão ser enviados para o endereço eletrônico da revista “Formação docente” ([email protected]). após o envio do artigo, o autor receberá a confirmação do recebimento da sua mansagem contendo os arquivos, em anexo, com o texto e da adequação (ou não) do mesmo às normas técnicas. após, aproximadamente, 40 dias, o autor receberá uma nova mensagem informando sobre o resultado da avaliação acadêmica do artigo.

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9Form. Doc., Belo Horizonte, v. 03, n. 03, p. 9-10, ago./dez. 2010.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

Volume 02, número 02, jan./jul. 2010

APRESENTAÇÃOa Revista Brasileira de Pesquisa sobre Formação de Professores (rBFP) continua, no seu terceiro número, seguindo a discussão sobre os temas emergentes no campo da formação de professores. além de multiplicidade de temas, objetos e sujeitos, o campo apresenta variados aportes teóricos e metodológicos, motivando os pesquisadores a visitarem outras áreas, a lançarem seu olhar para outras esferas do conhecimento. os últimos levantamentos vêm indicando que o campo tem se tornado cada vez mais interdisciplinar e que a temática da formação permeia as diversas áreas/campos do conhecimento científico e prático. Percebem-se, nesse movimento, diferentes adesões teóricas, que vão além das clássicas análises sociológica, antropológica, filosófica e política. Hoje, o campo flerta com a psicanálise, com os estudos culturais e da complexidade, entre outros. isso ocorre com maior visibilidade nos trabalhos apresentados nos gts das reuniões anuais da aNPed, nos encontros do eNdiPe e nas muitas teses que não chegam a ser publicadas ou apresentadas em eventos de caráter nacional.

tendo em vista esse “caleidoscópio” que se configura o campo de estudos sobre a formação de professores no Brasil, apresentamos, neste número, sete artigos e um documento-síntese – fruto dos dois simpósios de grupos de pesquisa sobre a formação de professores promovidos pelo gt 8 da aNPed –, na pretensão de proceder a um diagnóstico parcial do campo.

as contribuições deste número abordam as seguintes temáticas: profissão docente e experiência profissional no início da carreira; experiência profissional no ensino superior; reflexões sobre prática docente bem-sucedida; história de vida de professores; pesquisas sobre a docência da educação básica; políticas de formação de professores; formação de professores para educação infantil no curso de Pedagogia. apresenta-se, ainda, um documento (relatório) de dois eventos da área. abaixo, seguem, em breve apresentação, indicações sobre esses textos.

o texto de Carlos Marcelo – que volta à revista para contribuir com nossa reflexão sobre a área – foi solicitado pelo gt 8 como um trabalho encomendado para a 33ª ra da aNPed. impedido de participar por razões particulares, o autor enviou-nos o texto, o qual agora socializamos para o debate que não ocorreu naquele momento. trata-se de uma discussão sobre a carreira do professor iniciante e suas experiências na entrada da profissão.

segue-se o trabalho de Carvalho, isaia e Bolzan, em que se analisam as trajetórias de formação de professores do ensino superior que tiveram experiência docente na educação básica. as autoras, elegendo como sujeitos da pesquisa docentes que atuam no curso de Pedagogia, pretendem investigar as maneiras pelas quais esses sujeitos vêm construindo sua profissão e como elas repercutem na formação de futuros professores de educação infantil e de anos iniciais.

EdITOrIAL

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10 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 03, n. 03, p. 9-10, ago./dez. 2010.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

o terceiro trabalho, de autoria dos professores Carlos Henrique guerken & Maricéia santos, da UFsJ, aborda a ação do professor nas práticas pedagógicas bem-sucedidas, considerando-se as relações entre os atores que compõem a sala de aula.

a professora leny teixeira e seu grupo de pesquisa trazem para a discussão um trabalho que enfoca aspectos da formação profissional de um grupo de professores, com base na reflexão sobre as narrativas de suas histórias de vida e no âmbito de uma pesquisa-formação com professores da educação básica.

o quinto texto é uma contribuição das professoras gisele Cruz e Menga lüdke sobre a pesquisa do professor da educação básica, desenvolvida a partir de um programa de investigação sobre as relações entre professor e pesquisa.

Na sequência, temos o texto de Chapani, Carvalho e theodoro, que ressalta questões das políticas de formação de professores, chamando a atenção para o conceito de esfera pública no apontamento de novas possibilidades formativas. a pesquisa tem como locus o estado da Bahia.

o trabalho da professora Joana romanowski e gislane Pinheiro analisa a formação do professor, propiciada por cursos de Pedagogia, para atuar na educação infantil e nas séries iniciais do ensino fundamental. o texto procura compreender como se configura essa formação numa instituição do setor privado no estado do Paraná.

Por fim, este número da revista publica um documento, relato/síntese do ii simpósio de grupos de formação de professores, que teve lugar em Curitiba-Pr. realizado pelo gt de Formação de Professores da aNPed, o simpósio objetivava, com base no mapeamento dos diversos grupos e pesquisas no Brasil que investigam a formação de professores, instigar a discussão sobre o campo da formação no Brasil. esse relatório foi elaborado a partir da mesa de encerramento do simpósio, que contou com a participação das professoras Marli andré, Menga lüdke, iria Brzezinski e Maria do Céu roldão.

Boa leitura!

Júlio Emílio Diniz-PereiraEditor

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11Form. Doc., Belo Horizonte, v. 03, n. 03, p. 11-49, ago./dez. 2010.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

artigos

O professor iniciante, a prática pedagógica e o sentido da experiência

Carlos Marcelo Garcia

Resumoeste artigo levanta a literatura sobre a produção brasileira em educação de investigações acadêmicas tipo pesquisa-ação. o estudo compreende duas partes. Na primeira, apresenta uma síntese conceitual sobre as tendências teóricas que influíram este campo de pesquisa no Brasil. Na segunda, apresenta o mapeamento das dissertações e teses produzidas nos programas de pós-graduação em educação, de 1966 a 2002, salientando as instituições com maior experiência na área, os temas de pesquisa mais investigados e aqueles pouco explorados. Foram analisados 233 resumos; 68 abordaram experiências inovadoras conduzidas pelos professores em suas salas de aula, enquanto 165 foram pesquisas colaborativas. o ensino fundamental i foi o nível de ensino mais contemplado, e o ensino médio o menos pesquisado. Ciências e Matemática foram as disciplinas mais investigadas. No ensino superior, houve menos experiências de pesquisa-ação nos cursos de formação inicial de professores.

PalavRas-chave: profissão docente; trabalho docente; formação de professor.

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12 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 03, n. 03, p. 11-49, ago./dez. 2010.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

1. INTrOdUçãO

em que consiste a profissão docente? Qual é sua ocupação específica? a docência é uma profissão? Como já vimos em trabalhos anteriores, essas são perguntas que envolvem um debate amplo sobre as profissões, seu significado e seus alcances terminológicos (profissão, profissionalização, profissionalismo). o tema é complexo, e sua análise passa necessariamente pelo estudo de suas origens, evolução, organizações, em um contexto e num tempo determinado.

o conceito de profissão é o resultado de um marco sociocultural e ideológico que influi na prática laboral, já que as profissões são legitimadas pelo contexto social em que se desenvolvem. Não existe, portanto, uma única definição de profissão por se tratar de um conceito socialmente construído, que varia no âmbito das relações com as condições sociais e históricas de seu uso.

se recorrermos à literatura sociológica das últimas décadas, podemos identificar uma série de autores, principalmente de língua inglesa, que teorizaram sobre as profissões e o processo de profissionalização. Muitos afirmam que qualquer profissão que exija legitimidade deve ter fundamentos técnicos suficientes para sustentar tal exigência. além disso, deve dispor de um âmbito bem delimitado, possuir requisitos para a formação de seus membros e convencer o público de que seus serviços são especialmente confiáveis. Blankenship (1977, p. 5) sintetiza as características das profissões com base nos escritos de nove sociólogos e a partir deles identifica as seguintes características comuns: um código ético; diplomas e certificados; centros de formação; conhecimento especializado; autorregulação; valor de serviço público; e os colegas como o principal grupo de referência.

responder às perguntas apresentadas no início desta seção – em que consiste a profissão docente e qual é sua ocupação específica? – é uma tarefa fácil quando pensamos em muitas profissões. No entanto, no caso da profissão docente, as respostas são complexas e diversas. a escola constitui uma realidade social intrincada, composta por uma multiplicidade de atores, processos formativos complexos, planos e programas preceptivos, graus, ciclos e regulamentos, entre muitos outros aspectos. esses, por sua vez, geram diversas explicações, significados, interpretações e concepções acerca da realidade escolar (Prieto-Parra, 2004).

Contudo, e “apesar dos pesares”, a docência, como outras ocupações, foi desenvolvendo ao longo de sua história um conjunto de características constantes que a diferenciam das outras ocupações e profissões e que influem na maneira como se aprende o trabalho docente e como este se aperfeiçoa. em seguida, vejamos algumas dessas características.

1.1 A APrENdIzAGEm INFOrmAL

Podemos afirmar, sem risco de nos equivocarmos, que a docência é a única das profissões nas quais os futuros profissionais se veem expostos a um período mais prolongado de socialização prévia. Já em 1975, lortie descobriu que os professores desenvolvem padrões mentais e crenças sobre o ensino a partir dessa tão grande etapa de observação que experimentam como estudantes.

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a identidade docente vai, assim, se configurando de forma paulatina e pouco reflexiva por meio do que poderíamos denominar aprendizagem informal, mediante a qual os futuros docentes vão recebendo modelos com os quais vão se identificando pouco a pouco, e em cuja construção influem mais os aspectos emocionais do que os racionais. e, como comentam van Veen, sleegers e van den Ven, “dado que a interação humana é tão importante na prática docente e que os professores frequentemente se comprometem muito profundamente em seu trabalho, (...) as emoções constituem um elemento essencial no trabalho e na identidade dos professores” (2005, p. 918). esse vínculo entre os aspectos emocionais e cognitivos da identidade profissional docente deve ser levado em conta na hora de analisar a profissionalização docente.

1.2 O CONTEúdO QUE SE ENSINA GErA IdENTIdAdE

a forma como conhecemos uma determinada disciplina ou área curricular, inevitavelmente, afeta a forma como depois a ensinamos. existem múltiplas evidências que nos mostram certos “arquétipos” que os professores têm sobre a disciplina que estudam, quer se trate da Matemática, da língua ou da educação Física. Perguntas como “o que são e para que servem a Matemática, a língua ou a educação Física?” são inevitáveis quando pretendemos partir do que o estudante já sabe. se focalizarmos a análise no conteúdo do que se ensina e se aprende, podemos encontrar diferenças no comportamento observável dos professores em função do domínio dos conteúdos. Uma das chaves da identidade profissional se define, sem dúvida, em torno desse tema. isso é especialmente verdadeiro conforme avançamos no nível educativo: é menos importante na educação infantil e adquire maior importância no ensino secundário e no universitário.

Como mostrou schwab (1961), o conhecimento do conteúdo inclui diferentes componentes, dos quais o substantivo e o sintático se destacam como os mais representativos. o conhecimento substantivo é construído com a informação, as ideias e os tópicos a conhecer, ou seja, o corpo de conhecimentos gerais de uma matéria, os conceitos específicos, as definições, convenções e procedimentos. esse conhecimento é importante na medida em que determina o que os professores vão ensinar e a partir de qual perspectiva o farão. em História, por exemplo, o marco de análise cultural, política ou ideológica que se escolher pode determinar o que se ensina e como se ensina.

o conhecimento sintático do conteúdo completa o anterior e se expressa no domínio que o docente tem dos paradigmas de pesquisa em cada disciplina, do conhecimento em relação a questões como validade, tendências, perspectivas e pesquisa acumulada no campo de sua especialidade. No caso da História, esse tipo de conhecimento incluiria as diferentes perspectivas de interpretação de um mesmo fenômeno; nas Ciências Naturais, o conhecimento sobre o empirismo e o método de investigação científica, etc.

1.3. ALGUNS CONHECImENTOS vALEm mAIS QUE OUTrOS

de acordo com o que poderíamos denominar “a sabedoria popular”, para ensinar basta “saber” a matéria que se ensina. o conhecimento do conteúdo parece ser um sinal de identidade e de reconhecimento social. Mas, para ensinar, bem sabemos que o conhecimento da matéria não é um indicador suficiente da qualidade do ensino. existem outros tipos de conhecimentos que também são importantes: o conhecimento do contexto (onde se ensina), dos alunos (a quem se ensina), de si mesmo e também de como se ensina.

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14 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 03, n. 03, p. 11-49, ago./dez. 2010.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

shulman (1992) enfatizava a necessidade de que os professores construíssem pontes entre o significado do conteúdo curricular e a construção realizada pelos alunos desse mesmo significado. esse famoso pesquisador afirma que

(...) os professores executam essa façanha de honestidade intelectual mediante uma compreensão profunda, flexível e aberta do conteúdo; compreendendo as dificuldades mais prováveis que os alunos terão com essas idéias (...); compreendendo as variações dos métodos e modelos de ensino para ajudar os alunos em sua construção do conhecimento; e estando abertos para revisar seus objetivos, planos e procedimentos na medida em que se desenvolve a interação com os alunos. esse tipo de compreensão não é exclusivamente técnica, nem somente reflexiva. Não é apenas o conhecimento do conteúdo, nem o domínio genérico de métodos de ensino. É uma mistura de tudo isso e é, principalmente, pedagógico (sHUlMaN, 1992, p. 12).

o conhecimento didático do conteúdo se vincula à forma como os professores consideram que é preciso ajudar os alunos a compreender um determinado conteúdo. inclui as formas de representar e formular o conteúdo para torná-lo compreensível aos demais, assim como um conhecimento sobre o que torna fácil ou difícil aprender: conceitos e preconceitos que os alunos de diferentes idades e procedências trazem consigo sobre os conteúdos que aprendem (BorKo; PUtNaM, 1996). de acordo com Magnusson, Krajcih e Borko (2003), o conhecimento didático do conteúdo inclui a forma de organizar os conteúdos, os problemas que emergem e a adaptação aos alunos com diversidade de interesses e habilidades.

Pois bem, se revisarmos as redes curriculares dos programas de formação docente, encontraremos uma clara fragmentação e descoordenação entre os diferentes tipos de conhecimento aos quais nos referimos. os conteúdos disciplinares e os conteúdos “pedagógicos” se apresentam, de modo geral, de maneira isolada e desconexa.

Feiman (2001) já chamava a atenção sobre o divórcio que existe entre a formação inicial e a realidade escolar. os estudantes em formação costumam perceber que tanto os conhecimentos como as normas de atuação transmitidos na instituição de formação pouco têm a ver com os conhecimentos e as práticas profissionais. tendem, finalmente, a descartar, por considerá-la menos importante, a necessidade de incorporar certos conhecimentos que fundamentam o trabalho prático.

1.4 ENSINANdO SE APrENdE A ENSINAr

Quem não ouviu mais de uma vez essa expressão? Postula-se que a prática faz o docente muito mais do que a teoria adquirida na formação inicial. sob essa perspectiva, atribui-se um valor “mítico” à experiência como fonte de conhecimento sobre o ensino e sobre o aprender a ensinar. Zeichner utilizava a palavra “mito” para se referir à crença segundo a qual “as experiências práticas em colégios contribuem, necessariamente, para formar melhores professores. assume-se que algum tempo de prática é melhor do que nenhum, e que quanto mais tempo se dedique às experiências práticas, melhor será” (ZeiCHNer, 1980, p. 45).

sobre o valor da experiência no ensino e na formação do professorado, dewey, em 1938, defendia a necessidade de desenvolver uma teoria da experiência, visto que, já naquela época, reconhecia que

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experiência não é sinônimo de formação. Nesse sentido, explicava que “não é suficiente insistir na necessidade da experiência, nem inclusive da atividade na experiência. tudo depende da qualidade da experiência que se tenha” (deWeY, 1938, p. 27). avaliar a qualidade das experiências supõe levar em consideração dois aspectos básicos: um aspecto imediato, que se refere a quão agradável ou desagradável é a experiência para o sujeito que a vive; e um segundo aspecto, que tem uma importância maior para o tema de que nos ocupamos: o efeito que a dita experiência venha a ter em experiências posteriores, ou seja, a transferência para aprendizagens posteriores. esse reconhecimento implícito do valor que a prática – a experiência – possui para a formação inicial docente vem contrastar com a primazia explícita do que denominaríamos “conhecimento proposicional”.

Cochran-smith e lytle (1999b) refletiram sobre as relações entre conhecimento e prática na formação dos professores e nos explicam que esse assunto pode ter diferentes arestas. os autores diferenciam entre conhecimento para a prática e conhecimento na prática. o primeiro conceito entende que a relação entre conhecimento e prática é aquela na qual o conhecimento serve para organizar a prática e que, portanto, conhecer mais (conteúdos, teorias educacionais, estratégias de ensino) leva de forma mais ou menos direta a uma prática mais eficaz. o conhecimento para ensinar é um conhecimento formal que se deriva da pesquisa universitária e é aquele ao qual os teóricos se referem quando afirmam que o ensino gerou um corpo de conhecimentos diferente do conhecimento comum. Partindo dessa perspectiva, a prática tem muito a ver com a aplicação do conhecimento formal às situações práticas.

Por outro lado, o conhecimento na prática, que coloca a ênfase da pesquisa sobre o ato de aprender a ensinar, tem consistido principalmente na busca do conhecimento na ação. Considerou-se que aquilo que os professores conhecem está implícito na prática, na reflexão sobre a prática, na indagação prática e na narrativa dessa prática. Uma suposição dessa tendência é de que o ensino é uma atividade incerta e espontânea, contextualizada e construída em resposta às particularidades da vida diária nas escolas e nas classes. o conhecimento está situado na ação, nas decisões e nos juízos feitos pelos professores. esse conhecimento é adquirido por meio da experiência e da deliberação, e os professores aprendem quando têm oportunidade de refletir sobre o que fazem. a ideia é que, em matéria de ensino, não há sentido em falar de um conhecimento formal e outro conhecimento prático, e sim que o conhecimento se constrói coletivamente dentro de comunidades locais, formadas por professores trabalhando em projetos de desenvolvimento da escola, de formação ou de pesquisa colaborativa (CoCHraN-sMitH; lYtle, 1999a).

sobre esses dois tipos de conhecimento, poderíamos afirmar que o que melhor identifica a profissão docente é o segundo. trata-se de um conhecimento específico do contexto, difícil de codificar – já que se expressa de forma eminentemente ligada à ação –, também moral e emocional, privado ou interpessoal, e comunicado por via oral; é um conhecimento prático, orientado para soluções, que se traduz de forma metafórica, narrativa, através de histórias, e que, via de regra, possui um baixo status e prestígio. esse tipo de conhecimento é o que donal schön (1983) chamou de epistemologia da prática

1.5 CAdA mESTrE COm SEU LIvrINHO

os mestres e professores, geralmente, enfrentam sozinhos a tarefa de ensinar. somente os alunos são testemunhas da atuação profissional dos docentes. Poucas profissões se caracterizam por uma maior

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solidão e isolamento. Como acertadamente afirmava Bullough, a sala de aula é o santuário dos professores... “o santuário da classe é um elemento central da cultura do ensino, que se preserva e se protege por meio do isolamento, e que pais, diretores e outros professores hesitam em violar” (BUlloUgH, 1998). eis aqui um grande paradoxo: enquanto as correntes atuais expõem a necessidade de que os professores colaborem e trabalhem conjuntamente, nos encontramos com a pertinaz realidade de docentes que se refugiam na solidão de suas salas de aula.

lortie estabeleceu algumas características da profissão docente nos estados Unidos, que não só são de grande atualidade como podem se aplicar perfeitamente a outros países. Uma característica identificada por lortie foi o individualismo. esse autor comentava que “a forma celular da organização escolar e a ecologia de distribuição do espaço e do tempo colocam as interações entre os professores à margem de seu trabalho diário. o individualismo caracteriza sua socialização; os professores não compartilham uma potente cultura técnica. as maiores recompensas psíquicas dos professores são obtidas no isolamento de seus pares, e eles têm muito cuidado em não franquear as barreiras das salas de aula” (lortie, 1975, p. 5).

o isolamento dos professores está, evidentemente, favorecido pela arquitetura escolar que organiza as escolas em módulos independentes, assim como pela distribuição do tempo e do espaço e pela existência de normas de autonomia e privacidade entre os professores. o isolamento, como norma e cultura profissional, tem certas vantagens e alguns evidentes inconvenientes para os professores. Nesse sentido, Bird e little (1986) assinalavam que, embora o isolamento facilite a criatividade individual e libere os professores de algumas das dificuldades associadas com o trabalho compartilhado, também os priva da estimulação do trabalho pelos companheiros e da possibilidade de receber o apoio necessário para progredir ao longo da carreira.

ainda que, no mundo das organizações, esteja se falando da necessidade de administrar o conhecimento como meio para tornar rentável esse saber fazer que seus membros foram acumulando ao longo do tempo, no ensino, nas palavras de d. Hargreaves, os professores “ignoram o conhecimento que existe entre eles; portanto, não podem compartilhar e construir sobre esse conhecimento. ao mesmo tempo, tampouco conhecem o conhecimento que não possuem e, portanto, não podem gerar novo conhecimento. Há uma complexa distribuição social do conhecimento na escola: nenhum professor em particular conhece ou pode conhecer a totalidade do conhecimento profissional que os professores possuem” (HargreaVes, 1999, p. 124). isso se deve ao fato de que grande parte do conhecimento dos professores é tácita e difícil de articular, e o objetivo da gestão do conhecimento consiste precisamente em estimular a organização para que utilize plenamente seu próprio capital intelectual.

1.6 OS ALUNOS NO CENTrO dA mOTIvAçãO

Comentamos, anteriormente, que uma das características da profissão docente é o isolamento. os docentes, em geral, desenvolvem sua atividade profissional com os alunos como únicas testemunhas. Mas é que, como também indicou lortie, o principal tipo de motivação profissional docente se vincula aos alunos. a motivação para ensinar e para continuar ensinando é uma motivação intrínseca, fortemente ligada à satisfação por conseguir que os alunos aprendam, desenvolvam capacidades, evoluam e cresçam. outras fontes de motivação profissional, como aumentos salariais, prêmios, reconhecimentos, também

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servem como incentivos, mas sempre na medida em que repercutam na melhora da relação com o conjunto de alunos

diversos estudos de casos, bem como a bibliografia sobre o tema, evidenciam que os mestres encontram a maior satisfação na atividade de ensino em si mesma e no vínculo afetivo com os alunos, de modo que muitos docentes citam como principal fonte de satisfação o cumprimento da tarefa e os sucessos pedagógicos dos alunos.

existe uma acentuada tendência que coloca a realização dos objetivos previstos (de aprendizagem e de formação dos alunos) como uma das experiências mais positivas e gratificantes da profissão. as definições de satisfação profissional são congruentes com a maneira como muitos docentes definem sua identidade a partir de uma visão vocacional. a vocação é entendida como um dos pilares que sustenta o êxito na profissão, por essa razão os professores relacionam fortemente seus sucessos com o rendimento e a aprendizagem de seus alunos.

a satisfação experimentada pelos mestres varia segundo as circunstâncias nacionais e, frequentemente, se relaciona com as motivações que os levaram a escolher sua profissão. Numa pesquisa recente, day (2006) confirma essa percepção, ao sugerir que uma aprendizagem e um ensino eficazes só são possíveis se surgirem da paixão dos mestres na aula. Nessa perspectiva, o ensino apaixonado teria uma função emancipadora capaz de influir na capacidade dos estudantes, ajudando-os a elevar seu olhar para mais além do imediato e a aprender mais sobre si mesmos.

essa identificação tão intensa dos professores com os alunos faz com que algumas inovações derivadas de certas reformas educativas, que levam à redução de tempos de docência direta para habilitar tempos de trabalho em equipe docente – trabalho de colaboração –, sejam percebidas por alguns professores como tempo que está sendo subtraído da dedicação a seus alunos.

Mas se os alunos desempenham um papel importante na configuração da identidade profissional docente, não é menos verdade que os estudantes de hoje em dia tenham mudado muito em relação ao que eram há algumas décadas. os denominados “nativos digitais” (jovens que nasceram na era da computação), familiarizados com os celulares e a comunicação sincrônica, habituados a se desenvolverem com comodidade no hipertexto, amantes dos videogames e com capacidade de processamento flexível de múltiplas fontes de informação, começaram a povoar nossas escolas e centros de ensino. e essas mudanças devem ser levadas em conta pelos docentes para saber a que tipo de alunos estamos nos dirigindo.

1.7 O QUE SAI dA AULA NãO vOLTA

Uma grande maioria de mestres e professores descreve um modelo de profissionalismo em plena decomposição, sem que se tenha à vista outro modelo suficientemente pertinente e consistente para substituí-lo e, eventualmente, suplantá-lo. Vários relatórios recentes (VaillaNt, 2007) mostram que muitos docentes manifestam um forte desacordo com suas condições trabalhistas e, em particular, com as condições mateiais, seja o salário, seja a infraestrutura das escolas.

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o mundo de língua hispânica chama a atenção para o fato de que a desconformidade se dá igualmente entre aqueles que recebem salários muito baixos (como é claramente o caso da Nicarágua) e aqueles que registram maiores entradas (como é o caso de el salvador, argentina e espanha). esse descontentamento generalizado do corpo docente aparece, certamente, como resposta a uma série de problemas reais, mas em muitos casos é algo assim como uma “atitude básica”.

entre os professores existe um difundido sentimento de perda de prestígio e de deterioração de sua imagem social. esse fenômeno se repete em muitos países e parece se evidenciar numa série de sintomas críticos como os seguintes: número decrescente de bacharéis com bons resultados de escolaridade que optam por ser professores; baixos níveis de exigência das universidades e institutos de formação de professores para o ingresso na carreira docente; percepção generalizada entre os membros da sociedade da má qualidade da educação básica associada à baixa qualidade dos docentes. esse problema de status traz consigo, naturalmente, uma situação de inconformismo e de baixa autoestima.

Quando são interrogados sobre as dificuldades que encontram no trabalho, muitos mestres e professores declaram não estar satisfeitos com suas condições de trabalho e, em particular, com a falta de uma carreira docente. Um diagrama da estrutura das carreiras docentes na maior parte dos países daria como resultado uma figura piramidal com uma base muito ampla, tendo em conta que a imensa maioria dos docentes abandonam sua profissão no mesmo nível em que começaram, com poucas oportunidades de ascensão a cargos de responsabilidade, ou inclusive de transferência para outros níveis de educação, sem um consequente desenvolvimento profissional.

embora as coisas felizmente estejam mudando em alguns países, a verdade é que em geral podemos afirmar que a carreira pode se caracterizar como “plana”. Como comentou acertadamente Flavia terigi num informe elaborado para o Preal (Programa de Promoção da reforma educativa na américa latina) sobre o desenvolvimento docente na américa latina, “historicamente, o trabalho do docente se configurou na região segundo um modelo baseado na carreira, que só permite que o docente ascenda a postos de trabalho que o afastem da aula e em que o regime de compensações se encontra desvinculado das atividades desenvolvidas nas escolas” (terigi, 2006).

entende-se a carreira docente como um trajeto individual, pouco ligado ao desenvolvimento de atividades coletivas, onde o crescimento na carreira resulta, geralmente, num afastamento da aula. a ascensão do professorado a diferentes papéis, como por exemplo o de supervisor, assessor ou formador em geral, se desenvolve normalmente fora da aula e não se compatibiliza com atividades docentes. acontece, então, que aquele que sai da aula geralmente não costuma voltar a ela.

2. IdENTIdAdE E PrOFISSãO dOCENTE

a construção da identidade profissional se inicia durante o período de estudante nas escolas, mas se consolida logo na formação inicial e se prolonga durante todo o seu exercício profissional. essa identidade não surge automaticamente como resultado da titulação, ao contrário, é preciso construí-la e modelá-la. e isso requer um processo individual e coletivo de natureza complexa e dinâmica, o que conduz à configuração de representações subjetivas acerca da profissão docente.

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a temática da identidade docente se refere a como os docentes vivem subjetivamente seu trabalho e a quais são os fatores básicos de satisfação e insatisfação. também está relacionada com a diversidade de suas identidades profissionais e com a percepção do ofício por parte dos próprios docentes e pela sociedade na qual desenvolvem suas atividades. a identidade docente é tanto a experiência pessoal como o papel que lhe é reconhecido/atribuído numa dada sociedade.

as identidades docentes podem ser entendidas como um conjunto heterogêneo de representações profissionais e como um modo de resposta à diferenciação ou identificação com outros grupos profissionais. existem identidades múltiplas que dependem dos contextos de trabalho ou pessoais e das trajetórias particulares de vida profissional.

a identidade profissional docente se apresenta, pois, com uma dimensão comum a todos os docentes, e com uma dimensão específica, em parte individual e em parte ligada aos diversos contextos de trabalho. trata-se de uma construção individual referida à história do docente e às suas características sociais, mas também de uma construção coletiva derivada do contexto no qual o docente se desenvolve.

segundo dubar (1991), uma identidade profissional constitui uma construção social mais ou menos estável de acordo com o período e que surge tanto do legado histórico como de uma transação. trata-se, por um lado, da identidade que resulta do sistema de relações entre partícipes de um mesmo sistema de ação, e, por outro, de um processo histórico de transmissão entre gerações, de reconhecimento institucional e de interiorização individual das condições sociais que organizam cada biografia.

2.1 UmA CONSTrUçãO PESSOAL E COLETIvA

Que papel desempenha a identidade profissional no desenvolvimento profissional e nos processos de mudança e melhoria docente? Como já indicamos antes, a identidade profissional é a forma como os professores se definem a si mesmos e aos outros. É uma construção do “si mesmo” profissional, que evolui ao longo de sua carreira docente e que pode ser influenciada pela escola, pelas reformas e pelos contextos políticos, que “inclui o compromisso pessoal, a disposição para aprender a ensinar, as crenças, valores, conhecimento sobre a matéria que ensinam assim como sobre o ensino, experiências passadas, bem como a vulnerabilidade profissional”. as identidades profissionais configuram um “complexo entrelaçado de histórias, conhecimentos, processos e rituais” (lasKY, 2005).

a identidade pode ser entendida como uma resposta à pergunta: “Quem sou neste momento?” Beijaard, Meijer e Verloop (2004) revisaram uma série de pesquisas sobre identidade profissional docente e, a partir delas, enumeraram as seguintes características:

a identidade profissional é um processo evolutivo de interpretação e reinterpretação de experiências, uma noção que se corresponde com a ideia de que o desenvolvimento do professorado nunca se detém e que se entende como uma aprendizagem ao longo da vida. Partindo desse ponto de vista, a formação da identidade profissional não é a resposta à pergunta “quem sou (neste momento)?”, mas sim a resposta à pergunta “o que quero chegar a ser?”

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a identidade profissional envolve tanto a pessoa como o contexto. a identidade profissional não é única. espera-se que o professorado se comporte de maneira profissional, mas não porque adote características profissionais (conhecimentos e atitudes) prescritas. os professores se diferenciam entre si em função da importância que atribuem a essas características, desenvolvendo sua própria resposta ao contexto.

a identidade profissional docente é composta por subidentidades mais ou menos relacionadas entre si. essas subidentidades têm a ver com os diferentes contextos em que os professores se desenvolvem. É importante que essas subidentidades não entrem no tipo de conflito que aparece, por exemplo, em situações de mudanças educacionais ou mudanças das condições de trabalho. Quanto mais forte é uma subidentidade, mais difícil é mudá-la.

a identidade profissional contribui para a percepção de autoeficácia, motivação, compromisso e satisfação no trabalho dos professores, e é um fator importante para configurar um bom professor. a identidade é influenciada por aspectos pessoais, sociais e cognitivos.

É preciso entender o conceito de identidade docente como uma realidade que evolui e se desenvolve, tanto pessoal como coletivamente. a identidade não é algo “dado” ou que se possua, ao contrário, é algo que se desenvolve ao longo da vida. a identidade não é um atributo fixo para uma pessoa, mas sim um fenômeno relacional. o desenvolvimento da identidade ocorre no terreno do intersubjetivo e se caracteriza por ser um processo evolutivo, um processo de interpretação de si mesmo como pessoa dentro de um determinado contexto.

2.2 FALTA dE vALOrIzAçãO SOCIAL: ImAGEm OU rEALIdAdE?

a construção da identidade profissional e seu possível choque com a realidade se referem também ao problema da imagem social. as expectativas, realidades, estereótipos e condições de trabalho contribuem para configurar o autoconceito, a autoestima e a própria imagem social (BoliVar, 2006).

É difícil medir o reconhecimento de uma profissão por parte da sociedade e, mais ainda, seu prestígio social. em geral, considera-se que uma profissão goza de certa valorização social quando seus representantes oferecem um serviço que a sociedade aprecia e considera importante. além disso, a opinião pública estima que esse reconhecimento deveria ser recompensado com um nível salarial compatível com a importância do trabalho que se desempenha.

Um fator importante a considerar na análise da situação do docente é o respeito de que gozam os educadores na sociedade em geral e, em particular, da parte dos alunos, porque disso dependerá que encontrem mais ou menos dificuldades no desenvolvimento de suas tarefas. Nas sociedades tradicionais existia certo acordo entre os integrantes da comunidade sobre o que se devia esperar dos mestres e dos professores, o papel estava definido com clareza. Mas isso mudou em nossos dias. a instituição escolar se viu sujeita a uma notória deterioração da valorização social do papel docente.

ao longo de sua história, a profissão docente foi arrastando um déficit de consideração social derivado, segundo alguns, das características específicas de suas condições de trabalho, que fazem com que se

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pareça mais com ocupações do que com “verdadeiras” profissões, como certamente o são a Medicina ou o direito. Quis-se comparar sistematicamente a docência com essas outras profissões para ver se ela cumpre com as condições de “um conjunto de indivíduos que aplicam um conhecimento científico avançado para proporcionar um serviço aos clientes, e se agrupam juntos mediante o pertencimento a um corpo profissional que assume a responsabilidade de controlar os quocientes profissionais, e que lhes confere benefícios e pode impor sanções aos seus membros” (toMliNsoN, 1997). e, evidentemente, como mostravam Hoyle e John (1995), a profissão docente, por suas características especiais, termina não cumprindo com esses critérios estritos e classistas.

No princípio do século XX, pertencer ao sistema educativo – ser mestre ou professor – era um verdadeiro privilégio, que permitia a incorporação a um âmbito respeitável e prestigioso, com possibilidades de autorrealização e um sentido de pertencimento significativo. Hoje em dia, pelo contrário, o trabalho docente tem sido qualificado como um trabalho de risco, participando de quase todos os fatores considerados habitualmente como fonte de fadiga nervosa: sobrecarga de tarefas, baixo reconhecimento, atenção a outras pessoas, papel ambíguo, incerteza em relação à função, falta de participação nas decisões que lhe são concernentes, individualismo e impotência.

Nos últimos anos, a sociedade fez uma crítica generalizada ao sistema de ensino. os meios de comunicação costumam transmitir uma imagem negativa da realidade do ensino e da atuação dos professores. essa ideia de que a sociedade não valoriza e subestima os mestres tem sido tema recorrente de muitos livros que se ocupam dessa questão. além do mais, e como se não bastasse, os próprios docentes parecem estar convencidos de que efetivamente é assim.

o exame das declarações de diversos atores sociais tem resultado bastante ilustrativo da situação atual. Costuma-se reiterar a importância da educação e de seus mestres mas, ao mesmo tempo, não se dá a eles a valorização necessária para que tenham a moral demasiadamente alta. as expectativas são elevadas, mas a valorização é escassa.

esteve (2001) constata que são frequentes as estatísticas de fracasso escolar, situações de violência física nas aulas, demissões e julgamentos contra os professores acusados ante as mais variadas jurisdições, excesso de férias, deficiências de todo tipo nos serviços educativos e uma acusação generalizada de não responder às variáveis demandas sociais. Pode-se, então, dizer que, “paradoxalmente, o professor sofreu as consequências mais negativas dos sucessos obtidos pelo sistema escolar nos últimos vinte anos, perdendo o respeito e o apoio social que constituíam sua retribuição social mais gratificante” (p. 110).

2.3 rACHAdUrAS E CrISE IdENTITárIA

Compreende-se, pois, que a identidade profissional docente, nesse momento, se encontre em crise. Partindo do ponto de vista de Bolívar, “as mutações das últimas décadas geram ambiguidades e contradições sobre a situação profissional dos professores. a crise de identidade profissional docente deve ser compreendida na fronteira de um certo desmoronamento dos princípios ilustrados modernos que davam sentido ao sistema escolar” (2003, p. 13).

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essas mudanças não só afetam a própria profissão docente, como refletem “um quadro mais geral de transformações sociais, que dividiu os espaços tradicionais de identificação sexual, religiosa, familiar ou laboral” (BolÍVar, 2006, p. 25). trata-se de transformações nas quais o local e o global, a estabilidade e a mudança estão desempenhando um papel desestabilizador em relação às certezas que, em outras décadas, caracterizaram nossas sociedades. as mudanças e as novas realidades às quais Bolívar se refere nos obrigam a voltar inexoravelmente o olhar para as repercussões que elas têm no âmbito dos docentes.

Qualquer discussão sobre o desenvolvimento profissional deve levar em conta o que significa ser um profissional e em que medida os profissionais podem exercer suas tarefas com dignidade e autonomia. em muitos países se observa uma alta deserção e uma crescente dificuldade para recrutar docentes, registrando-se situações de erosão da profissão, queda do status, interferências externas e um incremento da carga de trabalho (BolaM; McMaHoN, 2004).

Hargreaves fala da docência como uma profissão paradoxal. Para esse autor, de todas as profissões que são ou que aspiram a se converter em profissões, só na docente se deposita uma certa confiança no sentido de que seja capaz de desenvolver nas pessoas as habilidades e capacidades necessárias para sobreviver na sociedade do conhecimento. estimula-se a expectativa de que sejam os professores aqueles que construam comunidades de aprendizagem, que desenvolvam a capacidade de inovação, a flexibilidade e o compromisso com a mudança, que são essenciais na sociedade atual. ao mesmo tempo, espera-se que os professores ajudem a mitigar os grandes problemas que a sociedade do conhecimento acarreta: consumismo excessivo, perda do sentido de comunidade, aprofundamento da brecha entre ricos e pobres. de alguma maneira, os professores devem tentar atingir ao mesmo tempo essas metas aparentemente contraditórias. esse é seu paradoxo profissional (HargreaVes, 2003).

a profissão docente se converte, então, num elemento chave nas sociedades para poder assimilar as mudanças da sociedade do conhecimento. Mas, para que isso ocorra, requer-se uma profissão docente formada e equipada com as capacidades necessárias para se enfrentar esses desafios (CoolaHaN, 2002). está sendo demandando, portanto, um professor concebido como um “trabalhador do conhecimento”, desenhista de ambientes de aprendizagem, com capacidade para otimizar os diferentes espaços onde se produz o conhecimento. e uma profissão docente caracterizada pelo que shulman (1998) denominou uma comunidade de prática através da qual “a experiência individual possa se converter em coletiva” (p. 521). Uma profissão que necessita mudar sua cultura profissional marcada pelo isolamento e pelas dificuldades para aprender de outros e com outros, na qual é malvisto pedir ajuda ou reconhecer dificuldades.

2.4 A PrOFISSIONALIzAçãO Em dEBATE

Com o decorrer do tempo e a implantação das reformas educacionais, a profissão docente foi, naturalmente, mudando. Para alguns, em direção a uma desprofissionalização, devido à perda progressiva de autonomia e controle interno. Para outro, em direção a uma reprofissionalização, justificada pela necessidade de ampliar as tarefas habitualmente designadas aos docentes (MarCelo, 1999b). No primeiro dos sentidos manifestava-se david Hargreaves (1997) em um trabalho em que refletia sobre o efeito que as referidas mudanças estão tendo e vão ter na profissão docente. o avanço ininterrupto da sociedade da informação, promovido pelo uso das novas tecnologias, vai configurar um cenário caracterizado por uma “progressiva

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desprofissionalização: uma sociedade da aprendizagem onde todo mundo ensina e aprende e ninguém é um experto” (HargreaVes, 1997, p. 19).

Junto ao conceito de “profissionalização” tem-se falado do “profissionalismo”, entendido, nesse caso, como a capacidade dos indivíduos e das instituições de desenvolver uma atividade de qualidade, comprometida com os beneficiários da mudança, num ambiente de colaboração. os estudos sobre o profissionalismo levaram em consideração a necessidade de reprofissionalizar a função docente e perceberam que a ampliação das funções é positiva, representando um sintoma claro de que os docentes são capazes de realizar funções que vão mais além das tarefas tradicionais centradas nos alunos e restritas ao espaço físico da aula.

esse novo profissionalismo, ou profissionalismo estendido, segundo a visão de a. Hargreaves e goodson (1996), se manifesta principalmente nas atuais demandas aos professores para que trabalhem em equipe, colaborem e planejem conjuntamente, mas inclui também a realização de funções mentoras ou relacionadas com a formação inicial e continuada dos professores, assim como aspectos mais centrados na formação, como a formação baseada na escola.

a colaboração está na base da reforma do currículo e das escolas. inovações tais como o ensino em equipe, o planejamento colaborativo, o coaching entre companheiros, o aconselhamento ou a pesquisa-ação colaborativa são todas iniciativas que podem favorecer a criação de um ambiente escolar que propicie a aprendizagem.

alguns autores estão chamando a atenção sobre a ironia implícita no fato de que ao mesmo tempo que se tenta convencer os professores e as escolas de que deveriam ser mais autônomos e responsáveis pelas próprias necessidades, também se está instruindo como devem ser seus resultados e como devem abordar as prioridades nacionais para melhorar as posições que se obtêm nos estudos internacionais. supõe-se que os professores estão tendo mais autonomia escolar precisamente no mesmo momento em que os parâmetros com os quais se espera que trabalhem e mediante os quais serão avaliados estão sendo cada vez mais demarcados e limitados (little; MclaUgHliN, 1993; daY, 2001; sMYtH, 1995).

2.5 ENTrE A vOCAçãO E O CONHECImENTO ExPErTO

a construção social do conceito de mestre e professor é forjada através de sucessivas transformações sociais. Nos seus primórdios, a profissão docente se constituiu como um “sacerdócio, função que exige para seu exercício uma forte vocação ou chamado interno que implica entrega e sacrifício” (PereZ, 1995, p. 199).

Nos anos 1960, e sob a influência da perspectiva racionalista, visualiza-se o mestre como um técnico eficaz, que deve atingir objetivos de instrução a partir de uma série de meios e recursos. Nos anos 1990 surge o conceito de “profissional da educação”, concebido como um intelectual reflexivo que pode colaborar com a transformação dos processos escolares.

a literatura especializada costuma usar essas diversas visões na definição da identidade profissional que se situa entre a dimensão vocacional e a expertise. os mestres afirmam conceber a tarefa docente como vocacional, mas também a consideram como uma atividade profissional.

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FIGUrA 1 - OS POLOS dA IdENTIdAdE dOCENTE

Por um lado, encontramos o sentido “missionário” do educador que afirma se sentir com uma vocação de serviço e que obtém recompensas quando atinge determinados resultados com os alunos. os docentes se sentem gratificados se os alunos aprendem o que lhes é ensinado, ou se eles conseguem concluir seus estudos. em outros casos, os docentes entendem que a “boa” docência é produto da vocação, assimilando a profissão como um sacerdócio e/ou apostolado.

existe uma segunda definição de identidade que se aproxima mais da função profissional da docência e que se expressa quando os docentes se definem, antes de tudo, como “facilitadores”. essas percepções aparecem entre os docentes quando eles mesmos definem a docência como uma profissão dotada de um forte componente de conhecimento e tecnologia.

as opiniões referidas à identidade profissional se situam entre esses dois polos, mas admitem múltiplas variantes. assim, em certos estudos, mencionam-se as “visões emergentes”, ligadas ao conceito do docente como prático reflexivo. em outros casos, os docentes percebem e identificam quatro componentes centrais na tarefa que realizam: o ensino; a avaliação das aprendizagens; a gestão institucional; e a organização da comunidade educativa. a isso se soma um componente adicional que não tem a ver diretamente com o âmbito escolar, mas sim com traços que possuem qualidades próprias.

as dimensões vocacional, técnica e prática aparecem mencionadas em todos os casos, mas a tradição acadêmica ocupa um lugar secundário. de forma congruente com essas afirmações, os docentes costumam se situar entre a “vocação para ensinar” e um papel “facilitador dos aprendizes”, mais do que transmissores de cultura e conhecimento.

Por sua vez, day, elliot e Kington (2005) respondem à pergunta “técnico ou profissional reflexivo?” afirmando que os bons docentes são tecnicamente competentes e capazes de refletir sobre os fins, os processos, os conteúdos e os resultados de seu trabalho. essas competências e capacidades variam de acordo com as diversas fases do ciclo que os docentes atravessam em seu desenvolvimento profissional, caracterizadas pela etapa da iniciação na carreira, a estabilização (novos desafios e preocupações), a estabilidade profissional (reorientação e desenvolvimento continuado) e a fase final (avanço no ensino, sobrevivência e conservadorismo). segundo esses autores, o principal elemento motivador dos docentes é “deixar uma marca” nos seus alunos, e isso depende principalmente de seu tato pedagógico, de seu conhecimento profundo da situação e de sua inteligência emocional.

2.6 OS dOCENTES COmO ArTESãOS

de maneira coerente com a característica do isolamento docente que vimos anteriormente, reafirma-se a ideia de que os docentes são responsáveis por tudo o que acontece em sua aula. Há uma espécie de hiper-responsabilização do mestre e do professor como se tanto as condições de acesso dos estudantes quanto a situação em que se desenrola a atividade profissional não fossem dificultadas pelas diretrizes, normativas e relações de poder reinantes na escola e na sociedade.

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a partir dos trabalhos de Michael Huberman (1993) tem se consolidado a imagem do docente como artesão independente. esse autor sustentava a necessidade de

(...) legitimar o modelo do professor como artesão, aquele que é muito individualista e sensível ao contexto, e que como resultado implica a acumulação idiossincrática de um tipo de conhecimento base e de um repertório de habilidades. dito claramente, esses professores trabalham sozinhos, aprendem sozinhos e desenvolvem a maior parte de sua satisfação profissional sozinhos ou por suas interações com os alunos em vez de com os companheiros (HUBerMaN, 1993, p. 22-23).

segundo essa visão da identidade profissional docente, os professores atuam como artesãos, construindo conhecimento e habilidades da mesma forma que o fazem os artesãos. os professores trabalham sozinhos em classe e acumulam sabedoria e saber fazer. a aprendizagem é autodirigida e principalmente conservadora, no sentido de que o professor conserva o que funciona (sYKes, 1999).

a pergunta que surge em seguida é: essa identidade artesanal do docente impede necessariamente o desenvolvimento de propostas colaborativas? do ponto de vista de talbert e Mclaughlin (2002) é, contudo, concebível a ideia de comunidades artesanais, ou seja, grupos de professores que, de forma colaborativa, desenvolvem soluções.

2.7 O COmPOrTAmENTO “FAST-FOOd”

outra visão da docência, promovida fundamentalmente pelas instâncias políticas encarregadas de planejar e regular a educação, é a do docente como “consumidor de reformas”, desenhadas pelas elites nacionais ou às vezes importadas de outros países ou regiões. ao longo dos anos 1990 e na década atual, foram promovidas reformas nos sistemas educativos, desenhadas por administrações convencidas de que a evidente bondade das mesmas levará inexoravelmente à sua definitiva implantação. assim, se traduz uma visão do docente como aplicador “automático” de inovações que, com frequência, nem sequer entende e em cuja formulação, certamente, não teve participação alguma.

essa visão do docente e dos processos de mudança nas escolas desconhece – e às vezes deprecia – a realidade da cultura e a prática profissional docente. Nessa perspectiva, considera-se que as mudanças na educação são processos lineares que se implantam de forma simples, contanto que saibamos “explicar” bem aos docentes em que consistem. No entanto, os processos de mudança tanto nos indivíduos quanto nas organizações não funcionam de maneira puramente racional. os sistemas complexos geram seus próprios processos de autorregulação para se acomodarem ou modificarem as propostas de mudança que nem sempre têm os resultados previstos pelas instâncias promotoras (lÓPeZ YÁÑeZ; sÁNCHeZ MoreNo, 2000).

Por isso dizemos que a ideia do docente consumidor de fast-food fracassa toda vez que se pretende modificar por meios excessivamente rápidos os elementos estruturais de sua identidade profissional. a instrumentação de processos de controle sobre a docência, externos ao controle profissional (controle de mercado, controle político e administrativo), são expressão de uma imagem profissional débil.

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Mas também se fracassa quando se pretende “atualizar” o professorado, ou seja, quando se tenta embarcá-lo em atividades que promovam sua aprendizagem contínua, mas as modalidades que lhes são oferecidas não vão além de cursos curtos, descontextualizados, afastados dos problemas concretos e sem aplicação prática nem continuidade.

3. O PrOCESSO dE SE TOrNAr PrOFESSOr: Um CONTíNUO dE APrENdIzAGEm AO LONGO dA vIdA

tornar-se professor é um longo processo. Candidatos que não são “vasos vazios” chegam às instituições de formação inicial do professorado. Conforme (lortie, 1975), os milhares de horas de observação como estudantes contribuem para configurar um sistema de crenças para o exercício de ensinar que os aspirantes a professores têm e que lhe ajudam a interpretar suas experiências na formação. essas crenças às vezes estão tão arraigadas que a formação inicial não consegue que elas apresentem um mínimo de mudança profunda (PaJares, 1992).

a formação inicial do professorado tem sido objeto de múltiplos estudos e pesquisas (CoCHraN-sMitH; Fries, 2005). em geral se observa uma grande insatisfação tanto das instâncias políticas quanto do professorado em exercício ou dos próprios formadores com respeito à capacidade das atuais instituições de formação de darem respostas às necessidades da profissão docente. as críticas à sua organização burocratizada, o divórcio entre a teoria e a prática, a excessiva fragmentação do conhecimento que se ensina, a escassa vinculação com as escolas (FeiMaN-NeMser, 2001) estão fazendo com que certas vozes críticas proponham reduzir a extensão da formação inicial para incrementar a atenção ao período de inserção do professorado no ensino. É o caso do recente relatório da oCde (organização para Cooperação e desenvolvimento econômico) a que já nos referimos anteriormente. Concretamente, afirma-se:

as etapas de formação inicial, inserção e desenvolvimento profissional deveriam estar muito mais inter-relacionadas para criar uma aprendizagem coerente e um sistema de desenvolvimento para os professores... Uma perspectiva de aprendizagem ao longo da vida para os professores implica, para a maioria dos países, uma atenção mais destacada para oferecer apoio aos professores em seus primeiros anos de ensino, e lhes proporcionar incentivos e recursos para seu desenvolvimento profissional contínuo. em geral, seria mais adequado melhorar a inserção e o desenvolvimento profissional dos professores ao longo de sua carreira em vez de incrementar a duração da formação inicial (oCde, 2005a, p. 13).

diante dessas propostas, é bom recordar o excelente artigo escrito por david Berliner (2000) em que refuta uma dúzia de críticas que habitualmente se fazem à formação inicial dos professores (que para ensinar basta saber a matéria, que ensinar é fácil, que os formadores de professores vivem numa torre de marfim, que os cursos de metodologia e didática são matérias leves, que no ensino não há princípios gerais válidos, etc.). Críticas, do ponto de vista do autor, interessadas e com uma visão bastante estreita da contribuição que a formação inicial tem na qualidade do professorado. disse Berliner: “(...) creio que se tem prestado pouca atenção ao desenvolvimento de aspectos evolutivos do processo de aprender a ensinar, desde a formação inicial, a inserção à formação continuada” (p. 370). Nesse processo, a formação inicial desempenha um papel importante e não fútil ou substituível como alguns grupos ou instituições estão sugerindo.

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os professores, em seu processo de aprendizagem, passam por diferentes etapas. de todas essas fases a que mais nos interessa neste artigo é a que se inicia com os primeiros contatos com a realidade da escola, assumindo o papel profissional reservado aos docentes. Bransford, darling-Hammond e lePag (2005) explicaram que para responder às novas e complexas situações com que se encontram os docentes é conveniente pensar nos professores como expertos adaptativos, ou seja, pessoas preparadas para uma aprendizagem eficiente ao longo de toda a vida. isso é assim porque as condições da sociedade são mutantes e cada vez mais se requerem pessoas que saibam combinar a competência com a capacidade de inovação.

existe um prolongado debate em relação à caracterização da docência como profissão. Uma das chaves desse debate se refere à forma como a própria profissão cuida ou não da inserção de novos membros. darling-Hammond et al. explicam a respeito:

em outras profissões, os iniciantes continuam se aprofundando em seu conhecimento e habilidades sob o olhar atento de profissionais com mais conhecimento e experiência. ao mesmo tempo, os iniciantes contribuem com seus conhecimentos já que trazem as últimas pesquisas e perspectivas teóricas que se veem confrontadas na prática onde se compartilham e se comprovam por parte dos iniciantes e dos veteranos. as condições normativas do ensino estão muito longe desse modelo utópico. tradicionalmente, espera-se dos novos professores que eles sobrevivam ou abandonem com pouco apoio e orientação (1999, p. 216).

os professores iniciantes necessitam possuir um conjunto de ideias e habilidades críticas, assim como capacidade de refletir, avaliar e aprender sobre seu ensino de tal forma que melhorem continuamente como docentes. isso é mais possível se o conhecimento essencial para os professores iniciantes puder se organizar, representar e comunicar de forma que permita aos alunos uma compreensão mais profunda do conteúdo que aprendem.

3.1 CHEGAr A SEr Um PrOFESSOr AdAPTATIvO

em relação a esse aspecto, as pesquisas têm buscado estabelecer diferenças entre professores em função da idade, assim como do que se há denominado expertise. e essa evolução, salvo em casos excepcionais, começou a ser analisada a partir do primeiro ano da experiência docente. de um lado temos aqueles estudos que tentam compreender o processo de se converter em experto, e do outro, aqueles estudos que analisam o que fazem e o que caracteriza os professores expertos. dentro desses estudos tem sido clássico o contraste entre os professores expertos e os iniciantes. É preciso assinalar que quando falamos do professor experto nos referimos não somente a um professor com, no mínimo, cinco anos de experiência docente, mas sobretudo a uma pessoa com um “elevado nível de conhecimento e destreza, coisa que não se adquire de forma natural e sim que requer uma dedicação especial e constante” (Bereiter; sCardaMalia, 1986, p. 10). assim, a competência profissional do professor experto não é conseguida através do mero transcorrer dos anos. Não é totalmente verdade, como afirmava Berliner, que a simples experiência seja o melhor professor. se não se reflete sobre a conduta, não se chegará a conseguir um pensamento e uma conduta experta (BerliNer, 1986).

sabemos, portanto, que os professores expertos notam e identificam as características de problemas e situações que podem escapar à atenção dos iniciantes. o conhecimento experto consiste em muito

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mais do que uma lista de fatos desconectados acerca de determinada disciplina. Pelo contrário, seu conhecimento está conectado e organizado em torno de ideias importantes acerca de suas disciplinas. essa organização do conhecimento ajuda aos expertos a saber quando, por que e como utilizar o vasto conhecimento que possuem numa situação particular.

Bransford, derry, Berliner e Hammersness (2005) explicaram a necessidade de estabelecer uma diferença entre o “experto rotineiro” e o “experto adaptativo”. ambos são expertos que continuam aprendendo ao longo de suas vidas. o experto rotineiro desenvolve um conjunto de competências que aplica ao longo de sua vida cada vez com maior eficiência. o experto adaptativo, ao contrário, tem maior disposição para mudar suas competências para aprofundá-las e ampliá-las continuamente. esses autores explicam uma ideia que, do meu ponto de vista, é bem interessante para entender o processo de inserção profissional e, como consequência, programar ações formativas para os professores iniciantes.

assim, explicam que há duas dimensões relevantes no processo de se converter em professor experto: inovação e eficiência. Pode ser que os desenvolvimentos em uma só dimensão não apoiem um desenvolvimento adaptativo. a pesquisa mostra que as pessoas se beneficiam mais de oportunidades de aprendizagem que façam um balanço entre as duas dimensões dentro do corredor de desenvolvimento ótimo. Muitos programas estão adotando uma ideia de expertise adaptativa como padrão de desenvolvimento profissional.

No caso dos professores iniciantes, a dimensão eficiência desempenha um papel psicológico importante. em qualquer área ou nível de conhecimento, os professores iniciantes querem, frequentemente, instruções passo a passo de como fazer as coisas de forma eficiente. os professores iniciantes querem aprender como administrar a classe, como organizar o currículo, como avaliar os alunos, como gerenciar grupos... em geral estão muito preocupados com os “como” e menos com os porquês e os quando. ainda que essa dimensão procedimental seja importante, a pesquisa nos mostra que por si só não conduz a um desenvolvimento profissional eficaz, a menos que se acompanhe pela dimensão inovação, que representa a necessidade de ir mais além das habilidades orientadas à eficiência e adaptar-se a novas situações.

3.2 OS PrOBLEmAS dOS PrOFESSOrES INICIANTES

a inserção profissional no ensino, como comentamos, é o período de tempo que abarca os primeiros anos, nos quais os professores realizarão a transição de estudantes para docentes. É um período de tensões e aprendizagens intensivas em contextos geralmente desconhecidos e durante o qual os professores iniciantes devem adquirir conhecimento profissional além de conseguirem manter certo equilíbrio pessoal. É esse o conceito de inserção que assume Vonk, autor holandês com uma década de pesquisas centradas nesse âmbito: “(...) definimos a inserção como a transição do professor em formação até chegar a ser um profissional autônomo. a inserção pode ser mais bem entendida como uma parte de um contínuo no processo de desenvolvimento profissional dos professores” (1996, p. 115).

Convém insistir nessa ideia de que o período de inserção é um período diferenciado no caminho para se tornar um professor. Não é um salto no vazio entre a formação inicial e a formação continuada, mas antes tem um caráter distintivo e determinante para conseguir um desenvolvimento profissional coerente e

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evolutivo (BrittoN; PaiNe; PiMM; raiZeN, 2002). o período de inserção e as atividades próprias que o acompanham variam muito entre os diferentes países. em alguns casos se resumem a atividades burocráticas e formais. em outros, como veremos mais adiante, configuram toda uma proposta de programa de formação cuja intenção é assegurar que os professores entrem no ensino acompanhados por outros que podem ajudá-los.

os professores iniciantes têm, segundo Feiman (2001), duas tarefas a cumprir: devem ensinar e devem aprender a ensinar. independentemente da qualidade do programa de formação inicial que tenham cursado, há algumas coisas que só se aprendem na prática, e isso implica que esse primeiro ano seja um ano de sobrevivência, descobrimento, adaptação, aprendizagem e transição. as principais tarefas com que se deparam os professores iniciantes são: adquirir conhecimentos sobre os alunos, o currículo e o contexto escolar; delinear adequadamente o currículo e o ensino; começar a desenvolver um repertório docente que lhes permita sobreviver como professor; criar uma comunidade de aprendizagem na sala de aula; e continuar desenvolvendo uma identidade profissional. e o problema é que devem fazer isso em geral carregando as mesmas responsabilidades que os professores mais experimentados (MarCelo, 1999a).

o período de inserção profissional se configura como um momento importante na trajetória do futuro professor. Um período importante porque os professores devem realizar a transição de estudantes a professores, por isso surgem dúvidas e tensões, devendo adquirir um conhecimento adequado e competência profissional num curto período de tempo. Nesse primeiro ano os professores são iniciantes e, em muitos casos, inclusive em seu segundo e terceiro anos, podem ainda estar lutando para estabelecer sua própria identidade pessoal e profissional (ZaragaZa, 1997).

Já se tornou clássico o trabalho desenvolvido por simon Veenman (1984) que popularizou o conceito de “choque com a realidade” para se referir à situação que muitos docentes atravessam no seu primeiro ano de docência. segundo esse autor holandês, o primeiro ano se caracteriza por ser, em geral, um processo de intensa aprendizagem – do tipo ensaio e erro na maioria dos casos – e caracterizado por um princípio de sobrevivência e por um predomínio do valor do prático. os programas de iniciação tratam de estabelecer estratégias para reduzir ou reconduzir o chamado “choque com a realidade”. os professores iniciantes se deparam com certos problemas específicos de sua posição profissional. Valli (1992) explica que os problemas que mais ameaçam os professores iniciantes são a imitação acrítica de condutas observadas em outros professores; o isolamento de seus companheiros; a dificuldade para transferir o conhecimento adquirido em sua etapa de formação; e o desenvolvimento de uma concepção técnica do ensino. em uma revisão mais recente, Britton et al. (1999) e serpell (2000) confirmam que os problemas encontrados por Veenman continuam sendo atuais: como gerenciar a aula, como motivar os alunos, como se relacionar com os pais e os companheiros, definitivamente, como sobreviver pessoal e profissionalmente.

os primeiros anos de docência não só representam um momento de aprendizagem do “ofício” do ensino, especialmente em contato com os alunos nas classes. significam também um momento de socialização profissional. É durante as práticas de ensino que os futuros professores começam a conhecer a “cultura escolar” (KeNNedY, 1999). Mas é durante o período de inserção profissional que essa socialização se produz com maior intensidade. Nesse momento, os novos professores aprendem e interiorizam normas, valores

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e condutas, etc., que caracterizam a cultura escolar na qual se integram. entende-se que a socialização “é o processo mediante o qual um indivíduo adquire o conhecimento e as destrezas sociais necessários para assumir um papel na organização” (VaN MaaNeN; sCHeiN, 1979, p. 211).

Mas a realidade cotidiana do professorado iniciante nos indica que muitos professores abandonam a profissão e fazem isso por estarem insatisfeitos com seu trabalho devido aos baixos salários, a problemas de disciplina com os alunos, à falta de apoio e poucas oportunidades para participar na tomada de decisões. dizia Cochran-smith: “Para permanecer no ensino, hoje e amanhã, os professores necessitam de condições na escola que os apoiem e pressuponham oportunidades para trabalhar com outros educadores em comunidades de aprendizagem profissional em vez de fazê-lo de forma isolada” (CoCHraN-sMitH, 2004, p. 391). aprofundando-se nas causas, a National Comisssion on Teaching and America’s Future (Comissão Nacional de ensino e Futuro da américa) (1996) estabeleceu cinco razões pelas quais os professores abandonam a docência:

porque lhes é atribuído o ensino dos alunos com maiores dificuldades;porque são inundados com atividades extracurriculares;porque são colocados para ensinar numa especialidade ou nível diferente do que possuem;porque não recebem apoio da administração;porque se sentem isolados de seus companheiros (citado em HorN; sterliNg; sUBHaN, 2002).

3.3 OS PrOFESSOrES INICIANTES E A CULTUrA PrOFISSIONAL

o período de iniciação ao ensino representa o ritual que há de permitir transmitir a cultura docente ao professor iniciante (os conhecimentos, modelos, valores e símbolos da profissão), a integração da cultura na personalidade do próprio professor, assim como a adaptação do mesmo ao entorno social em que desenvolve sua atividade docente. tal adaptação pode ser fácil quando o entorno sociocultural coincide com as características do professor iniciante. No entanto, tal processo pode ser mais difícil quando deve se integrar a culturas que lhe são desconhecidas até o momento de começar a ensinar. sabar (2004) faz a comparação entre os dois processos de socialização do professor iniciante e dos imigrantes. do mesmo modo que os imigrantes se mudam para um país cuja língua normalmente não conhecem, assim como sua cultura e normas de funcionamento, “o professor iniciante é um estranho que muitas vezes não está familiarizado com as normas e símbolos aceitos na escola ou com os códigos internos que existem entre professores e alunos. Nesse sentido, os professores iniciantes parecem lembrar os imigrantes que abandonam uma cultura familiar para se mudar para um lugar atraente e, ao mesmo tempo, repelente” (Collis; WiNNiPs).

outros pesquisadores que revisaram o período da inserção assim como os programas que foram colocados em marcha são Wideen, Mayer-smith e Moon (1998). depois de sua revisão, concluem que houve muita pesquisa sobre o primeiro ano de ensino, confirmando-se a visão amplamente difundida de que esse ano supõe um choque cultural para os professores iniciantes, especialmente para os que estão mais mal preparados. Um aspecto negativo que os autores assinalam é o seguinte:

encontramos uma população homogênea de professores iniciantes tentando aprender a ensinar a uma população heterogênea de alunos nas escolas. também encontramos muitos programas

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que têm muito pouco efeito sobre as crenças fortemente assentadas acerca do ensino que os professores trazem a seus programas de formação. tais programas frequentemente parecem ter propósitos cruzados com as experiências que os professores em formação encontram durante suas práticas de ensino e seu primeiro ano como docentes (p. 159).

esses programas cumprem apenas uma função burocrática, mas não contribuem para criar uma identidade profissional nos docentes.

Nesse processo de inserção em uma nova cultura (em muitos casos não tão nova, já que alguns aspectos resultam reconhecíveis devido às milhares de horas de aprendizagem por observação como aluno), os professores iniciantes abandonam os conhecimentos adquiridos em sua formação inicial. em um relatório sobre a formação do professorado na europa, Buchberger, Campos, Kallos e stephenson (2000) concluem que muitos aspectos positivos da formação inicial dos professores se perdem quando os professores iniciantes chegam às escolas. afirmam: “embora essa perda de competência signifique uma perda de recursos individuais e públicos, ainda não levou a um esforço sistemático na maior parte dos estados membros da União europeia. além disso, a maioria das escolas em toda a europa ainda não desenvolveu uma ‘cultura da inserção’ para os professores iniciantes” (p. 54).

3.4 O QUE ACONTECE QUANdO OS PrOFESSOrES INICIANTES dESErTAm?

a consequência de não dar atenção aos problemas específicos que os professores iniciantes enfrentam está ficando muito cara em um elevado número de países: o abandono da docência. referindo-nos novamente ao relatório da oCde (Teachers matter: attracting, developing and retaining effective teachers, 2005a), vemos que o mesmo informa que em alguns países uma grande quantidade de professores iniciantes deixa a profissão nos primeiros anos de ensino. o abandono é particularmente alto em escolas de zonas desfavorecidas, supondo um alto custo social e pessoal. Por isso reduzi-lo se converteu numa prioridade política. ainda que os professores iniciantes não abandonem o ensino, um começo de sua carreira docente com dificuldades pode reduzir sua confiança na profissão e pode fazer com que os alunos e as escolas se ressintam.

e isso é particularmente importante já que, como nos disse o relatório da oCde:

(...) em alguns países, nos próximos cinco a dez anos, se incorporará à profissão um número de professores muito maior do que nos vinte anos passados. Por um lado, a chegada ao mercado de numerosos professores novos com capacidades atualizadas e ideias frescas oferece a possibilidade de renovar substancialmente as escolas. além disso, a ocasião oferece liberar recursos para a capacitação, porque um professorado jovem supõe menor pressão orçamentária. No entanto, por outro lado, se a docência não é vista como uma profissão atraente e não muda seus aspectos fundamentais, corre-se o risco de que vá diminuindo a qualidade dos centros educativos, e seria difícil recuperar-se de uma espiral de deterioração (oCde, 2005a, p. 8).

Portanto, os sistemas educativos têm atualmente apresentado dois problemas: como conseguir que a docência seja uma profissão atraente e como conseguir manter na docência o maior número possível de bons professores. ambos os problemas estão inter-relacionados e suas soluções, embora diferentes, são complementares. a realidade mostra que países como a Bélgica, a suíça, a Hungria, a Finlândia, a dinamarca

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ou a irlanda estão tendo sérias dificuldades para admitir docentes em matérias como tecnologia, matemática, ciências ou idiomas na educação secundária. Quando isso ocorre, a consequência é que os professores com menor qualificação do que a exigida cheguem à docência, que se aumente o número de alunos por salas de aula, que se desdobrem grupos ou até mesmo se deixe de dar essas matérias. Como podemos imaginar, nenhuma das opções é desejável enquanto supõem uma diminuição da qualidade do ensino e, como consequência, representam um elemento contra para atrair novos candidatos para a docência.

3.5 mELHOrAr A rETENçãO E A QUALIdAdE dOCENTE POr mEIO dOS PrOGrAmAS dE INSErçãO PrOFISSIONAL

Como vimos, os primeiros anos da docência são fundamentais para assegurar um professorado motivado, envolvido e comprometido com sua profissão. tradicionalmente, se tem considerado o período de inserção profissional na docência segundo um modelo “nade ou afunde”, ou como eu mesmo o denominei em outro trabalho, “aterrize como puder” (MarCelo, 1999a). Na realidade, se observarmos como as profissões incorporam e socializam os novos membros, perceberemos o grau de desenvolvimento e de estruturação que têm essas profissões. Não é comum que um médico recém-formado deva realizar uma operação de transplante de coração. Nem muito menos que um arquiteto com pouca experiência assine a construção de um edifício de moradias. sem falarmos que se deixe um piloto com poucas horas de voo comandar um airbus 340. Podíamos citar mais exemplos que nos mostrariam que as profissões tentam proteger seu próprio prestígio e a confiança da sociedade e de seus clientes assegurando-se de que os novos membros da profissão tenham as competências apropriadas para exercer o ofício. algo parecido acontecia na idade Média com os grêmios.

o que poderíamos pensar de uma profissão que deixa para os novos membros as situações mais conflitantes e difíceis? É isso que acontece com o ensino. em geral tem-se reservado para os professores iniciantes os centros educativos mais complexos e as aulas e os horários que os professores com mais experiência descartaram. Mas essa realidade começa a mudar, sobretudo motivada pelas causas que anteriormente expusemos e que têm a ver com o diagnóstico feito pelos relatórios internacionais que mostram que ou cuidamos dos primeiros anos do ensino ou teremos de reformular a função da escola em nossa sociedade. o relatório da oCde a que me referi ao longo deste trabalho deixa isso claro quando afirma:

inclusive nos países que não têm problemas para admitir professores, a falta de atenção para com os professores iniciantes tem um custo a longo prazo. a qualidade da experiência profissional nos primeiros anos de docência é entendida nesses momentos como uma influência determinante na probabilidade de abandonar a profissão docente. os programas de inserção e apoio aos professores iniciantes podem melhorar as porcentagens de retenção de professores, melhorando a eficácia e a satisfação dos professores iniciantes em relação ao ensino (oCde, 2005a, p. 117).

em um livro recente intitulado Comprehensive teacher induction, Britton, Paine, Pimm e raizen (2003) realizaram uma revisão de programas de formação de professores iniciantes em diferentes países, aos quais nos referiremos mais adiante. Mas apresentaram a ideia de que os programas podem ser bons ou não dependendo não só das atividades que incluam, mas também dos compromissos públicos que assumam, das metas que proponham, assim como dos esforços e das dinâmicas que ponham em marcha.

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os programas de inserção profissional para os professores iniciantes estão representando uma verdadeira alternativa ao que denominamos “aterrize como puder”. É preciso esclarecer que os programas de inserção devem ser entendidos como uma proposta específica para uma etapa que se diferencia tanto da formação inicial quanto da formação em serviço. em relação aos programas de inserção, os estudos mostram que há uma grande variedade quanto às características e aos conteúdos. a duração e a intensidade são dois aspectos importantes. os programas de inserção podem variar desde uma simples reunião no princípio do curso até programas muito estruturados que implicam múltiplas atividades. Uns estão desenhados para fazer crescer os professores iniciantes, enquanto outros estão orientados para a avaliação e remediar falhas (sMitH; iNgersoll, 2004).

3.6 SOB QUE CONdIçõES OS PrOGrAmAS dE INSErçãO Têm êxITO?

alguns dos princípios anteriores foram também destacados e matizados por outros pesquisadores no campo do desenvolvimento profissional dos professores. Um dos aspectos que destacam é a importância do trabalho colaborativo entre os professores. assim fazia Hargreaves (2003) ao demandar dos professores um novo profissionalismo para serem os catalisadores da sociedade do conhecimento. Um novo profissionalismo marcado, entre outros aspectos, pelo trabalho e a aprendizagem em equipe. little (2002) deixava claro que a pesquisa desenvolvida nas últimas décadas incide no potencial benefício educativo do trabalho em equipe. os pesquisadores concluem que as possibilidades de melhorar o ensino e a aprendizagem se incrementam quando os professores chegam a questionar de forma coletiva rotinas de ensino não eficaz, examinam novas concepções do ensino e da aprendizagem, encontram formas de responder às diferenças e aos conflitos e se envolvem ativamente em seu desenvolvimento profissional.

Mais recentemente, ingvarson, Neier e Beavis (2005) expuseram o mesmo problema e chegaram a conclusões bem interessantes. sua pergunta era: que componentes da formação têm um maior impacto na melhoria do ensino dos professores? Para responder a essa pergunta pesquisaram quatro grandes programas de formação continuada de professores na austrália. reproduzimos as descobertas dessa pesquisa porque nos oferecem uma considerável luz para responder à pergunta acima. trata-se de programas que:

“oferecem aos professores oportunidades para se centrarem no conteúdo que os alunos devem aprender, do mesmo modo que se concentram em como enfrentar as dificuldades que os alunos encontrarão ao aprender o conteúdo.

Utilizam o conhecimento gerado pela pesquisa sobre a aprendizagem do conteúdo pelos alunos.

incluem oportunidades para que os professores possam, de forma colaborativa, analisar o trabalho dos alunos.

Procuram que os professores reflitam ativamente sobre suas práticas e as comparem com padrões adequados de prática profissional.

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envolvem os professores para que identifiquem o que precisam aprender, e que planejem experiências de aprendizagem que lhes permitam cobrir essas necessidades.

Proporcionam tempo aos professores para experimentar novos métodos de ensino e receber apoio e assessoria em suas classes quando se deparam com problemas de implementação.

incluem atividades que incentivam os professores a tornar suas práticas menos privadas de maneira que possam receber retornos de seus companheiros” (p. 15-16).

smith e ingersoll realizaram alguns estudos para analisar o efeito que os programas de inserção estão tendo na redução do abandono e na rotatividade do professorado iniciante. esses autores comentam: “Vários estudos parecem apoiar a hipótese de que programas de inserção bem concebidos e bem implementados têm êxito em melhorar a satisfação no trabalho, a eficácia e a retenção dos novos professores” (sMitH; iNgersoll, 2004, p. 684). em seu estudo, analisam uma amostra que incluiu todos os professores iniciantes dos estados Unidos entre 1990-2000. se em 1990-1991, quatro em cada dez professores iniciantes participaram de algum programa formal de inserção, em 1999-2000 foram oito em cada dez. esses programas de inserção incluem programas de conselheiros (65,5%), atividades de inserção em grupos (62%) e redução de carga docente (10,6%).

além disso, esses autores descobriram que os professores que começaram sua carreira como professores de tempo integral deixaram o ensino em menor proporção do que os professores que a iniciaram como professores de tempo parcial. Por outro lado, os professores de educação especial tinham mais probabilidade de deixar a docência do que os outros.

encontraram três tipos de programas de inserção:

Inserção básica: que inclui dois componentes: apoio com o conselheiro da mesma matéria que o professor iniciante ensina ou de outras matérias, e comunicação com o diretor e/ou chefe do departamento. esses programas são oferecidos para 56% dos professores iniciantes.

Indução básica + colaboração: inclui o apoio de quatro componentes: os professores têm apoio de um conselheiro de sua mesma área de conhecimento, dispõem de comunicação com o diretor ou com o chefe do departamento, têm tempo para planejar em conjunto com outros colegas e participam de seminários com outros professores iniciantes. representam 26% dos programas.

Inserção básica + colaboração + rede de professores + recursos extras: esses programas são os mais minoritários (somente 1%) e incluem o anterior, mas também a participação numa rede externa de professores e a redução da carga docente.

Como conclusão de seu trabalho descobrem que algumas atividades parecem ser mais eficazes do que outras para reduzir a rotatividade do professorado. “o fator que mais se destacou foi dispor de um

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conselheiro de sua mesma especialidade, ter tempo para planejar juntamente com outros professores da mesma matéria e fazer parte de uma rede externa” (sMitH; iNgersoll, 2004, p. 706).

Por outro lado, temos de fazer referência ao trabalho de arends e rigazio-digilio (2000), em que revisam os resultados de pesquisas e nos oferecem a seguinte síntese:

a pesquisa sobre as preocupações dos professores iniciantes indica que os programas de inserção deveriam se voltar para abordar a gestão da classe, o ensino, o estresse e a carga do trabalho, a gestão do tempo, as relações com os alunos, pais, colegas e diretores.

a qualidade de um conselheiro eficaz tem a ver com sua habilidade para proporcionar apoio emocional, ensinar sobre o currículo e propiciar informação interna acerca das normas e dos procedimentos na escola.

a formação dos conselheiros repercute numa maior eficácia em seu trabalho como mentores.

o conteúdo dos programas de formação de conselheiros deveria incluir temas relacionados com o desenvolvimento e a aprendizagem adulta, destrezas de supervisão, habilidades de relação e comunicação.

É fundamental a redução de tempo ou de carga docente para conselheiros e iniciantes.

Um regulamento formal das reuniões entre professores iniciantes e conselheiros se relaciona com um sucesso no programa.

as tarefas dos professores iniciantes deveriam ser mais fáceis do que as dos professores com mais experiência.

os professores iniciantes valorizam e se beneficiam da discussão com colegas iniciantes, com professores da escola e com professores da universidade.

Um envolvimento e apoio efetivo do diretor é fundamental.

os programas de inserção melhoram a eficácia dos professores iniciantes como docentes e geram satisfação para eles.

Não há evidências de que os programas de inserção melhorem a proporção de retenção a longo prazo dos professores iniciantes.

ainda que alguns achados se repitam em relação às pesquisas examinadas anteriormente, parece-nos que na síntese de Wong há elementos interessantes que mostram as características dos programas de inserção eficientes:

Metas claramente articuladas

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recursos financeiros para apoiar as atividades de inserção

apoio do diretor da escola

aconselhamento com conselheiros experientes

Formação de professores conselheiros

redução do tempo ou carga docente para professores iniciantes e conselheiros

reuniões regulares e sistematizadas entre os professores iniciantes e seus conselheiros

tempo para que os professores iniciantes observem os professores mais experientes

Promoção de uma constante interação entre professores iniciantes e experientes

oficinas para os professores iniciantes antes e ao longo do ano

orientação que inclui cursos sobre temas de interesse

duração do programa de pelo menos um ou dois anos

Menor ênfase na avaliação e maior ênfase em assessoramento e apoio (WoNg, 2004).

esses resultados que examinamos nos mostram que já existe um considerável conhecimento acumulado em relação aos programas de inserção e às características de seus componentes. em seguida vamos nos aprofundar nesse aspecto.

3.7 QUAIS SãO OS COmPONENTES dOS PrOGrAmAS dE INSErçãO?

Como podemos comprovar, os programas de inserção ajudam os professores a se inserirem na realidade escolar de uma forma mais adequada e controlada. estamos falando de programas de inserção e talvez fosse conveniente nos determos para definir o que entendemos por tal processo. Zeichner (1979) definiu a inserção como “um programa planejado que pretende proporcionar algum tipo de apoio sistemático e sustentado especificamente para os professores iniciantes durante pelo menos um ano escolar” (ZeiCHNer, 1979, p. 6). depois, complementa sua definição dizendo que se refere a professores que completaram sua formação inicial, que receberam sua certificação e que tiveram acesso ao ensino numa escola. essa definição de Zeichner não é comumente aceita porque para muitos a inserção também é o ano de teste que se exige dos professores iniciantes antes de obterem a certificação.

a ampla difusão de programas de inserção e de conselheiros está criando a necessidade de compreender que espécie de atividade de aconselhamento tem algum tipo de influência nos novos professores e em

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seus alunos. os estudos mostram que os benefícios dos programas de inserção e aconselhamento são possíveis, mas não automáticos. em outro estudo, ingersoll e smith (2003) viram que participar de um programa de inserção e trabalhar com um conselheiro reduz a probabilidade de que o novo professor deixe o ensino ou vá embora para outra escola. Mas a mera presença do conselheiro não é suficiente. os conselheiros devem conhecer e ter destreza em suas funções como mentores.

Há uma visão estreita e limitada do aconselhamento que não o vê como uma tarefa para facilitar a entrada dos novos professores no ensino, ajudando-os nas perguntas e incertezas mais imediatas. e há uma visão do aconselhamento mais robusta, que o vê a partir de um ponto de vista evolutivo no processo de aprender a ensinar. são múltiplos, como vimos, os componentes dos programas de inserção. Horn, sterling e subhan (2002) os agrupam em nove elementos comuns aos programas de inserção:

orientação: essa atividade é introdutória e realizada antes que comece o curso para que os novos professores se situem na escola, no currículo e na comunidade.

Conselheiro: esse é talvez o fator mais importante dos programas de inserção. Muito difundido devido ao seu baixo custo.

ajustar as condições de trabalho: geralmente se reduz o número de alunos nas classes dos professores iniciantes e as atividades extracurriculares, proporcionando-lhes materiais, recursos e atividades de formação.

redução de tempo: permite que os professores iniciantes possam realizar atividades de formação.

desenvolvimento profissional: realizam-se atividades de formação que podem ter a ver com o ensino, a gestão da classe e disciplina, e com a relação com os pais.

Colaboração com os companheiros: essa colaboração é importante porque reduz a sensação de isolamento. a colaboração pode ser com grupos de professores que planejam ou analisam o ensino.

avaliação do professor: a cada certo tempo os professores iniciantes são observados quando ensinam para se detectar seus pontos fortes e suas fraquezas.

Como veremos mais adiante, totterdell, Budd, Woodroffe e Hanrahan (2004), autores ingleses que desenvolveram e avaliaram a implantação de programas dirigidos a professores iniciantes na inglaterra, definem o processo de inserção (induction, em inglês) como “um acesso apoiado e avaliado à profissão docente. os programas de inserção incluem redução de carga docente para os professores, apoio por parte de professores com experiência, atividade de formação continuada para dar resposta às necessidades dos novos professores e para a avaliação em relação aos padrões de atuação”.

a ideia de que os professores iniciantes requerem um sistema estruturado para apoiar sua entrada na profissão tem mudado nos tempos atuais, desde sendo considerada como algo acessório até sendo

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entendida como um elemento central no processo de retenção do professorado iniciante e na melhora da qualidade de seu ensino. Hoje é geralmente aceita como um componente fundamental de um enfoque compreensivo do desenvolvimento dos professores.

Um recente relatório do instituto de educação da inglaterra (JoNes et al., 2002) afirma que:

Há uma grande concordância entre os diretores de escola e os conselheiros em relação ao fato de que os programas de inserção ajudam os professores iniciantes a serem melhores professores.

a introdução do período de inserção melhorou os padrões de qualidade dos professores iniciantes, embora reste assegurar a redução de 10% da carga docente.

3.8 A INSErçãO PrOFISSIONAL COmO Um CONTíNUO

Na inglaterra, a pesquisa revisada por totterdell et al. (2002) mostra que o período de inserção se estabelece como uma parte do contínuo de formação continuada dos professores. afirma que a capacidade da inserção tem relação com a proporção de retenção dos professores na docência, com a satisfação no trabalho e com o desenvolvimento de expertise nos professores. desse modo, a inserção é entendida como um termo amplo que se refere a mecanismos de ajuda para os professores iniciantes. esse mecanismo tem cinco objetivos principais:

socializar os novos professores na cultura da escola

Melhorar as habilidades dos professores iniciantes

resolver as preocupações previsíveis dos professores iniciantes, tal como a pesquisa vem mostrando

assegurar o desenvolvimento profissional dos professores iniciantes, vinculando a formação inicial com seu desenvolvimento profissional

incrementar a retenção de professores iniciantes (serPell, 2000)

os programas de inserção geralmente têm três níveis de assistência: preparação, orientação e prática. o nível de preparação inclui uma orientação geral à escola e proporciona materiais sobre seu funcionamento; a orientação implica formação no currículo e na prática de ensino eficiente, oportunidades de observar classes e designação de um conselheiro; o nível de prática inclui a continuação do intercâmbio com o conselheiro, a redução da carga docente, participação em programas de desenvolvimento profissional, assim como avaliação.

ao rever as características dos programas de inserção profissional que podem ser catalogados como bem-sucedidos, autores com a trajetória profissional e investigativa de darling-Hammond, Hammerness, grossman, rust e shulman (2005) criticam o fato de que os programas dirigidos aos professores iniciantes

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no passado se caracterizaram por serem muito teóricos, com pouca conexão com a prática, oferecendo cursos fragmentados e incoerentes e sem uma clara concepção do ensino entre o professorado. embora a maior parte da pesquisa tenha se centrado no processo de aprender a ensinar, as evidências sugerem que aquilo que os professores aprendem, no mínimo, importa tanto quanto a forma como aprendem. assim, destacam que os resultados da pesquisa sobre os programas de formação de professores iniciantes mostram que é importante:

Uma visão compartilhada sobre o bom ensino que é consistente ao longo dos diferentes cursos e trabalhos práticos

alguns padrões de prática e atuação bem definidos que são utilizados para orientar o planejamento e a avaliação dos cursos

Um currículo comum baseado no conhecimento sobre o desenvolvimento, a aprendizagem e o conhecimento didático do conteúdo ensinado e seu contexto

Práticas de ensino extensas (no mínimo 30 semanas)

Forte relação entre a universidade e as escolas

Utilização de estudos de caso, pesquisa ação, portfólio para relacionar a aprendizagem do professor com a prática de classe.

3.9 Um ELEmENTO CHAvE NOS PrOGrAmAS dE INSErçãO: A FIGUrA dO CONSELHEIrO

alguns programas de inserção incluem, entre suas atividades, o assessoramento dos professores iniciantes por meio de outros professores que podem ser colegas ou “mentores”. Como reconhece galvez-Hjornevik (1986), por meio da revisão da literatura comprova-se que os conselheiros, em geral, são professores de universidade, supervisores, diretores de escola, mas, em muito poucas ocasiões, companheiros dos professores iniciantes. independentemente disso, Borko (1986) destaca a figura do conselheiro como elemento importante dos programas de inserção e assinala que suas características devem ser as seguintes: professor permanente, com experiência docente, com habilidade na gestão da classe, disciplina, comunicação com os companheiros, com conhecimento do conteúdo, com iniciativa para planejar e organizar, com qualidades pessoais (flexibilidade, paciência, sensibilidade), etc.

a tarefa que se designa ao “mentor” é a de assessorar didática e pessoalmente o professor iniciante, de forma que se constitui num elemento de apoio. Cada vez são mais numerosos os programas de inserção ao ensino que incluem a figura do conselheiro, como o professor experiente, selecionado para ajudar o professor iniciante: “(...) um professor com experiência que assiste o novo professor e o ajuda a compreender a cultura da escola” (galVeZ-HJorNeViCK, 1986). o conselheiro desempenha um papel de grande importância no programa de inserção, pois é a pessoa que ajuda e dá orientações ao professor iniciante, tanto no currículo como na administração da classe. Para Bolam:

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os mentores são professores experientes que se responsabilizam por ajudar os professores iniciantes. essa ajuda pode ser dada direta ou indiretamente. os conselheiros podem prover informação, orientar, observar classes e dar retorno sobre o que veem e ouvem, podem se envolver em grupos de discussão, proporcionam relações com outros professores, com as instituições de formação e com a Universidade, e, em algumas ocasiões, realizam a avaliação de professores iniciantes (BolaM, 1995, p. 614).

a figura do conselheiro, como mostra gold (1997), atende a três tipos de necessidades dos professores iniciantes: necessidades emocionais (autoestima, segurança, etc.); sociais (relações, companheirismo, etc.); e intelectuais. Bey e Holmes (1992) apresentaram alguns princípios do aconselhamento que consideramos ser de interesse reproduzir. em primeiro lugar, o aconselhamento é um processo e uma função complexa, que requer uma estrutura organizacional adequada, bem como uma elevada sensibilidade para se acomodar a diferentes situações. Um segundo princípio que esses autores enunciam é que o aconselhamento implica apoio, ajuda e orientação, mas não a avaliação do professor iniciante. em terceiro lugar, que a tarefa do aconselhamento exige tempo para que professores iniciantes e conselheiros entrem em contato, para que se possa estabelecer uma comunicação positiva.

Parece evidente, e assim constatamos nos diferentes estudos revistos, que os professores conselheiros que vão trabalhar com professores iniciantes devem possuir certas características pessoais (empatia, facilidade de comunicação, paciência, diplomacia, flexibilidade, sensibilidade) e profissionais (experiência demonstrada em suas classes, habilidade na gestão da classe, disciplina e comunicação com os companheiros, certa iniciativa para planejar e organizar). as qualidades que o professor conselheiro possui vão influenciar nas relações estabelecidas com o professor iniciante. Não obstante, o comportamento crucial é dispor da habilidade para trabalhar juntos, baseada na confiança mútua, no respeito e na crença de que cada um é capaz de se aperfeiçoar de forma competente (Flores, 2006).

a figura do conselheiro e o processo de aconselhamento estão recebendo grande atenção por parte dos pesquisadores no campo da formação dos professores. elliot e Calderhead (1995) se baseiam no modelo desenvolvido por daloz para configurar diferentes situações da relação conselheiro-iniciante. assim, os conselheiros podem planejar atividades inovadoras ou conservadoras. É o que daloz chama de “desafio”. a variável desafio se combina com o apoio que os iniciantes podem receber.

dessa forma, podem se apresentar quatro situações:

*Pouco apoio e pouco desafio conduzem a uma situação de estancamento e pouco progresso, porque o professor iniciante repete e imita o que observa.

* Muito desafio e pouco apoio levam ao retraimento e ao medo de errar pela falta de segurança no que se faz.

*Muito apoio e pouco desafio levam a confirmar o que existe, a manter o status quo.

*apoio e desafio em doses adequadas levam a um maior crescimento pessoal e profissional.

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Mais recentemente, a associação para a Formação de Professores (association for Teacher Education) (odell, 2006) apresentou seis dimensões importantes em relação à qualidade dos programas de aconselhamento.

Propósito e justificação do programa: os programas podem variar muito em relação a suas metas. os programas podem procurar ajudar os iniciantes a conhecer a cultura da escola e os procedimentos que nela se desenvolvem, podem procurar reter os iniciantes, ou, mais recentemente, derivar num compromisso com os padrões de ensino.

seleção de conselheiros e união com os iniciantes: as características dos conselheiros aparecem como um elemento importante no sucesso de um programa de incentivo. a seleção deve assegurar que são conselheiros professores que conheçam e superem os padrões do bom ensino, que analisem e desenvolvam sua própria prática de aula, que sejam capazes de trabalhar com adultos com diferentes antecedentes, que tenham um compromisso ético com a prática, que sejam sensíveis aos pontos de vista dos outros. a união dos conselheiros com os iniciantes também é um ponto importante: a matéria que se ensina, o nível, a proximidade física são aspectos importantes.

Formação de conselheiros: os professores que vão atuar como conselheiros devem receber formação para o desenvolvimento de sua prática, em aspectos como análise do ensino, comunicação com os iniciantes, apoio aos iniciantes, retroação construtiva, desenvolvimento de estratégias para o aconselhamento, papéis e responsabilidades de conselheiros, avaliação do ensino, etc.

Papéis e práticas dos conselheiros: insiste-se na necessidade de que os conselheiros percebam a si mesmos como formadores de professores, como modelos para os iniciantes. No que diz respeito às práticas, elas deveriam incluir: interação regular com os iniciantes, observação dos iniciantes e retroação, ajuda para reduzir o estresse dos iniciantes, etc.

administração, desenvolvimento e avaliação do programa: os programas de aconselhamento devem estar coordenados, adequadamente administrados, de modo que seja possível avaliar seus resultados.

culturas e responsabilidades de escola, distrito e universidade: é de grande importância que exista uma forte relação entre as universidades e as escolas ou que se estabeleçam padrões de prática que sejam coerentes com o professor iniciante.

Mas apesar dos aspectos claramente positivos que podemos encontrar na figura do conselheiro, não se deve esquecer aqueles autores que viram algumas limitações ou dificuldades em sua implementação como inovação nos programas de formação do professorado. little (1990) chamou atenção para a introdução do conselheiro como inovação, porque apresenta algumas complicações devido ao fato de ser uma inovação que não se situa no âmbito da classe ou metodológico, mas sim no nível de relações sociais que exigem aceitação. a unidade básica não é o indivíduo, e sim o par, o que determina que seja um fenômeno social e organizacional.

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a figura do conselheiro aparece como uma tentativa de aproveitar e tornar rentável o conhecimento prático derivado da experiência. e surge uma primeira dificuldade com relação a saber se esse conhecimento tácito, experimental, prático, é passível de ser ensinado. Uma segunda objeção que little apresenta refere-se ao fato de que:

a atividade de aconselhamento não está enraizada nas normas informais segundo as quais os iniciantes são introduzidos no ensino. os políticos da educação, administradores e acadêmicos promoveram a designação formal de conselheiros sob o pressuposto de que proporcionariam apoio e ajuda, o que permitiria uma avaliação mais estrita e, portanto, melhoraria a qualidade dos docentes. se focalizarmos nosso olhar nas tradições e preferências dos professores, observaremos que uma atividade de aconselhamento formalmente estabelecida pode constituir um caso de “coleguismo imposto” ao perseguir propósitos institucionais que os professores podem ou não subscrever” (1990, p. 323).

outras limitações têm a ver com a possibilidade de que os conselheiros, enquanto modelos, projetem os professores iniciantes em direção a práticas docentes conservadoras (WaNg; odell; stroNg, 2006). dessa forma, a relação conselheiro-professor iniciante corre o risco de se converter em rito de passagem, burocrático e asséptico, em que ambos os protagonistas – conselheiros e iniciantes – participem com propósitos diferenciados, mas que não contribua para uma inserção profissional realmente colaborativa e comprometida com o desenvolvimento da escola.

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artigos

A formação no ensino superior: quais trajetórias de formação tÊm os professores que formam professores para a escola básica?

Rejane CavalheiroSilvia Aguiar Isaia

Doris Pires Vargas Bolzan

Resumo

a pesquisa na qual o presente artigo se fundamenta insere-se na linha de Pesquisa: Formação, saberes e desenvolvimento Profissional do PPge/UFsM e volta-se para o estudo das trajetórias de Formação dos Professores que atuam nos cursos de Pedagogia da UFsM. seu objetivo é investigar a trajetória de formação que esses sujeitos vêm construindo e qual a repercussão da mesma na formação de futuros professores de educação infantil e anos iniciais. os docentes participantes, a partir de suas trajetórias formativas, indicam a necessidade do saber lidar com as incertezas inerentes à docência, alicerçados em um lastro teórico-prático que lhes permita dar conta das encruzilhadas desse caminho pontilhado de obstáculos, mas, contudo, prenhe de realizações.

PalavRas-chave: trajetórias de formação de professores; docência superior; concepções de formação.

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APrESENTAçãO

as análises presentes neste artigo se referem aos achados de pesquisa aplicada na Universidade Federal de santa Maria, mais especificamente junto aos professores que atuam nos cursos de Pedagogia – anos iniciais e educação infantil, concluída em outubro de 2006. as abordagens de análise estão organizadas em seis blocos, cada um deles com um eixo norteador que dá a direção desejada para investigação conforme quadro a seguir.

Bloco Tema

Bloco 1 eixo NorteadorIdentificação pessoala influência da família na escolha da profissão de professor(a) e o modelo de escola presente nos diferentes cotidianos dos formadores

Bloco 2 eixo NorteadorPosição profissional na uFsmtramas que tecem o caminho da profissão

Bloco 3 eixo Norteadoratuação nos cursos de Pedagogiaarmadilhas da formação

Bloco 4 eixo Norteadorexperiência na educação básicaVisão circular do tempo e as certezas da formação: não há mudança de fora para dentro

Bloco 5 eixo Norteadorapreciação da formaçãoo medo dos professores e uma relação com o possível: o surgimento de novas matrizes curriculares

Bloco 6 eixo Norteadorapreciação da pesquisaFortalecimento da universidade e enfraquecimento da formação

os blocos costuram teoricamente as três questões de pesquisa que, em primeiro lugar, buscam responder às possíveis origens nas escolhas futuras de profissão. em segundo, se propõem a investigar qual a concepção que os professores têm desenvolvido do que seja formação. e em terceiro, buscam trazer à tona o que pensam esses docentes que atuam nos cursos de formação sobre ser imprescindível estarem incluídos em suas trajetórias para que formem professores para atuar na escola básica.

são essas as três dimensões conceituais que dialogam com a realidade expressa nas narrativas dos entrevistados que tecem em uma mesma trama as vozes dos professores, dos autores escolhidos para referência teórica, entre eles a orientadora e coorientadora, e da autora da pesquisa.

Pontes de significado nas diferentes trajetórias

do cruzamento dos dados obtidos nas duas fases da pesquisa, de onde emergiram os blocos temáticos e eixos norteadores compondo a ambiência na qual se situa toda a análise que discute os resultados do entrelaçamento das narrativas, foram organizados os eixos norteadores que contextualizam os blocos temáticos, transversalizando a análise de conteúdo nos seus aspectos qualitativos, como discorremos a seguir.

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Bloco TemÁTIco 1 - Identificação pessoal. eixo norteador: a influência da família na escolha da profissão de professor(a) e o modelo de escola presente nos diferentes cotidianos dos formadores.

o Centro de educação (Ce) é um espaço de formação predominantemente constituído por docentes que têm entre 26 e 55 anos de idade. os dois extremos situam o período de formação referente à escolaridade inicial e acadêmica desses docentes em momentos político-educacionais vividos entre as décadas de 1965 e 1988.

É importante salientar que o entorno que circula a escola nesse período de tempo vivido foi marcado por profundas crises ideológicas que geraram grandes mudanças de natureza política, social, econômica e consequentes alterações culturais expressas através da arte, da música e do comportamento que privilegiou, com grande ênfase, o novo como o antídoto necessário para contestar o instituído. esse fenômeno sociológico, a passos lentos, provocou mudanças educativas no modo de ver e ouvir a voz dos mais jovens que descobriram a força política e social que representavam e uniram-se para comunicar como percebiam o mundo e qual relação estavam tentando desenvolver com ele, ainda que o reflexo de tudo isso fosse demorar uma ou duas décadas a mais para ter alguma visibilidade e consequente reflexo de mudança.

No viés de análise especificada, assinalamos uma questão importante, que é a predominância de 70,8% de professores do sexo feminino, enquanto apenas 29,2% são do sexo masculino no Ce. Na grande maioria dos espaços escolares, sejam eles de ensino superior ou anterior a esse nível de ensino, seria impossível desconsiderar o aspecto da presença feminina em massa.

Para Nóvoa (1992), a feminização do magistério, em especial o magistério que compreende o ensino na escola básica, tem em sua gênese como profissão características como a docilidade, a preocupação com o cuidado, aliado ao fato de a escola ter sido concebida como o espaço do controle, do silêncio, da obediência e da disciplina. entendemos que, historicamente, o papel feminino de organizar a vida familiar, em todos os aspectos que compreendem a formação de hábitos e atitudes, tenha migrado para espaços de ensino não somente de escola básica. No ensino superior, especificamente nesse ambiente de formação, a prevalência feminina sobre a masculina não acontece de outro modo.

os dados também apontam um expressivo índice de 25% de professores com formação inicial em cursos diversos que não apontam a Pedagogia como um deles. são eles: Medicina, Medicina Veterinária, Música, educação especial, engenharia Florestal, História, geografia e artes Visuais.

Um leque tão diversificado de escolhas profissionais, ao mesmo tempo que apresenta ênfases diferenciadas de formação, une-se na busca de ações que, obviamente, nem sempre são conjuntas, no entanto, são formadoras de pedagogos com um diferencial que, possivelmente, os qualifique tanto nos aprofundamentos teóricos quanto em suas práticas futuras, também pelos diferentes ângulos por onde passam as análises desses professores formadores. a diversidade das formações pode enriquecer o interior dos currículos, oxigenando atitudes do cotidiano pedagógico nesse espaço de ensino, considerando outros processos equitativamente tão relevantes como o de qualquer outra natureza didática. No entanto, essa constatação também pode se dar ao contrário.

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a diversidade nas ênfases de formação dos professores, hoje formadores de pedagogos, pode concorrer para uma pulverização de aspectos com ênfases, durante o tempo de curso, que não são consideradas imprescindíveis na formação daqueles que, especificamente, estão sendo preparados para atuarem em universos de educação infantil, anos iniciais e, opcionalmente, também com matérias pedagógicas em nível de ensino médio, nos cursos normais ou de magistério.

sobre o ensinar e o aprender a ser professor, Bolzan (2002) afirma: “(...) à medida que observamos como os professores aprendem podemos compreender por que ensinam desta ou daquela maneira. os construtos mentais dos docentes interferem diretamente nas suas proposições

pedagógicas, indicando novas formas de intervenção didática” (p. 20).

Considerando que, paralelamente à constatação anteriormente apresentada, 41,7% dos docentes que atuam nos cursos de Pedagogia da UFsM são pedagogos, procuramos saber se essa constatação no cotidiano de um curso de formação de pedagogos representa um diferencial por conter aspectos que podem ser considerados como imprescindíveis, independentemente de esses formadores terem ou não alguma trajetória construída diretamente com os sujeitos para os quais formam os futuros professores. No caso de esse aspecto não representar um ponto relevante, quais seriam os aspectos que representariam?

Bloco TemÁTIco 2 - Posição profissional na uFsm. eixo norteador: Tramas que tecem o caminho da profissão.

a análise quantitativa dos dados obtidos na questão tempo, que envolve o tempo de serviço, o de regime de trabalho, o da progressão funcional e o da carga horária efetivamente lecionada na semana, influi e também é influenciada pelo número de disciplinas que os professores lecionam, pela titulação de maior nível obtida, entre outros fatores relacionados. tecer essa identidade profissional/pessoal ao tentar estabelecer um perfil institucional para ter visibilidade de quem são os docentes que o constituem encontra o que Nóvoa (2000) define como: “Uma grande variedade de relações que se estabelecem. Há nessas relações uma actividade de autocriação e de transformação vividas entre a tensão e a harmonia, a distância e a proximidade, a integração e a desintegração. a pessoa é o elemento central, procurando a unificação possível e sendo

atravessada por múltiplas contradições e ambigüidades” (p. 139).

Nessas ambiguidades estão contidas as crises geracionais das quais nos fala isaia (2000, 2003, 2006), que perpassam o desenvolvimento dos construtos mentais transformados pelo exercício de permanente reconstrução dos conhecimentos compartilhados dos quais nos fala Bolzan (2002) isaia e Bolzan (2006).

talvez para dar conta dessas, entre outras questões semelhantes, tenham sido acrescidos às matrizes curriculares os espaços conhecidos como Peds.

todos os sujeitos participantes que apontam a inclusão das Peds na matriz curricular o fazem com o entendimento de que elas representam eixos articuladores dos diferentes saberes, objetos das disciplinas, no intuito de, prioritariamente, ser uma tentativa conjunta de provocação da tão necessária interdisciplinaridade.

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Bloco TemÁTIco 3 - atuação nos cursos de Pedagogia. eixo norteador: encruzilhadas da formação.

o bloco temático 3 apresenta os dados que revelam aspectos, entre outros, quanto à incidência de atuação dos professores nas duas formações da Pedagogia, bem como a quantidade de disciplinas com as quais trabalham nos cursos. o conjunto desses dados é constitutivo do perfil institucional específico de atuação dos professores na Pedagogia, e a análise deles revela o quão festo podem ser as armadilhas encontradas nas encruzilhadas desses caminhos formadores.

Numa incidência de 58,3% do total de professores da Pedagogia atuando diretamente em atividades de graduação, estes estão diluídos no percentual de titulação geral sobre a qual não sabemos se a maior parte dos professores formadores são os que possuem os mais altos níveis de titulação ou se a ênfase de professores com titulação mais alta está, predominantemente, nos que atuam concomitantemente nos níveis de graduação e pós-graduação.

alguns dos entrevistados revelam que não ter tido uma formação inicial que os preparasse para atuar como professores num curso que forma futuros professores e, ainda assim, terem que dar conta disso pode ser, de alguma maneira, revertido pelo planejamento reflexivo compartilhado entre outras formas de dividir o fazer pedagógico, desde que as escutas nesses espaços e fora deles se mantenham sensíveis. a falta de alguma tentativa nessa direção é que pode pôr em risco a possível abrangência mais significativa e isso, sim, é capaz de comprometer o trabalho da formação que precisa ser continuada.

Bloco TemÁTIco 4 - experiência na educação básica. eixo norteador: visão circular do tempo e as certezas da formação: não há mudança de fora para dentro.

o bloco temático 4 apresenta os dados que o eixo norteador denominado “Visão circular do tempo e as certezas da formação: não há mudança de fora para dentro” reúne, considerando que a análise revela aspectos relativos à experiência que os professores tenham tido em níveis de ensino em períodos anteriores à entrada como professores no ensino superior.

a intenção de pontuar o tempo de atuação em cada um dos níveis de ensino e para os quais os professores precisam formar é que, sem centrar a formação do professor, essencialmente, nos saberes da prática, e também não deixar de considerá-la como uma parte importante do construto mental docente que ao atuar diretamente com o nível superior desenvolve saberes teóricos e práticos, não somente exercita a projeção de um fazer firmado somente sob uma competência teórica, mas (re)elabora este saber com aprofundamento teórico tendo, como suportes de significação, as interações vividas.

esses saberes que são docentes não estão separados daqueles do cotidiano. a forma como nos constituímos pessoas e professores resulta dos diversos tipos de interação que, de alguma forma, utilizamos para nos comunicarmos nessa contínua transformação pessoal e profissional.

Por conseguinte, podemos afirmar que, sendo a grande maioria dos professores que atuam nos cursos de formação de docentes pesquisadores, também podemos, igualmente, afirmar que pesquisadores-professores

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estão formando pesquisadores-professores. Portanto, é possível dizermos que, com base nos dados coletados, os docentes dos cursos de Pedagogia da UFsM não têm a apropriação dos saberes da experiência nos referidos níveis que são parte importante e construtora do processo docente para o qual profissionalmente formam. este é um perfil casual ou reflete uma realidade dos cursos de formação do ensino superior no Brasil?

o professor em si é um sujeito pesquisador e, no entrecruzamento das análises, constatamos a predominância da formação que tende a estar desenvolvendo um novo perfil que se anuncia: o de pesquisador-professor, em razão do perfil da trajetória de formação dos professores que atuam nesses cursos. assim sendo, toda a tecnologia ou inovação na prática pedagógica está forçosamente implicada nas ideias e motivações do professor, levando-nos a refletir sobre a importância do seu pensamento e da sua ação. Há uma relação direta entre a ação do professor, a conduta e o rendimento dos alunos. dessa forma, interação e mediação são fatores preponderantes na construção do conhecimento compartilhado dos alunos e dos professores.

ressaltamos o significado que tem a formação continuada e a abertura ao novo que nos constituem como sujeitos em processo de transformação pessoal e profissional. essa análise parte do revelado na narrativa dos participantes, como a que segue: “(...) essa compreensão (...) tem que partir do Professor: que tu não vais sair um especialista em Políticas, em Metodologia, em Fundamentos... tu tens é que saber onde buscar! (...). (ar)

Bloco TemÁTIco 5 - apreciação da formação. eixo norteador: os medos dos professores e uma relação com o possível: o surgimento de novas matrizes curriculares.

Procuramos interpretar se, na opinião dos docentes, os cursos estão voltados para a formação dos futuros professores, bem como se constituem os níveis de satisfação dos professores como docentes dos cursos de Pedagogia. essas interpretações se dão a partir das narrativas colhidas com os participantes que apresentam suas próprias análises sobre o tema, demonstrando suas inquietações e possíveis alternativas de transformação.

as respostas divididas em dois subeixos temáticos indicam pontos que, na opinião deles, deveriam ser os de maior ênfase na formação dos alunos, bem como os requisitos que consideram imprescindíveis para que o professor atue na Pedagogia.

Constatamos que o percentual de 62,5% que considera que os cursos oferecem, em parte, subsídios para uma formação docente encontra-se refletido nas narrativas dos sujeitos que revelam o que pensam sobre a formação, como “rocha”.

acho que a gente vai continuar a reformular eternamente as matrizes curriculares de cursos, seja de graduação ou de mestrado. (...) a pressão dos “ismos” pedagógicos nos faz perder muito tempo com os meios e pouco tempo com os fins da educação. Disso resulta na reconhecida tendência de fazer reunião para marcar reunião. Preso a essa rotina burocrática, ou essa teia de compromissos, para debater “o óbvio do óbvio”, o professor muitas vezes (...) vai se esvaziando de sentido. Vejo que infelizmente a nossa

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academia está até certo ponto, doente. Noto isso perfeitamente quando, ao terminar uma reunião exaustiva de 4 horas, as pessoas, além de já terem marcado mais duas ou três reuniões, ainda saem dizendo: – Temos de nos reunir mais seguido. Sim, concordo que temos de nos reunir mais vezes, mas para debater idéias, leituras realizadas, teorias em voga, etc. E cadê o tempo para preparar bem as aulas, escrever bons artigos e livros, orientar bem os alunos, etc... (...) penso que, enquanto não invertermos essa lógica, estaremos

condenados a agir como sísifo, e rolar a pedra permanentemente até o alto da montanha...

Podemos dizer que o fato de rocha afirmar que a discussão do óbvio toma as reuniões se dê em razão das diferenças interpretativas em direções que nem sempre são as mesmas, acrescido de um desejo de avanço em questões que, dependendo da disciplina trabalhada, possam revelar maior visibilidade. logo, algumas questões se repetem em diferentes direções, enquanto outras conseguem ser resolvidas com maior propriedade porque são pontuais a situações também pontuais.

Consideremos também outro ponto trazido por rocha, que é a constância de propostas de mudança nas matrizes curriculares dos cursos. tal evidência também pode ser uma das causas responsáveis pelo alto índice de 62,5% dos professores que apontam que os cursos, em parte, estão voltados para a formação docente de futuros professores com os quais contribuem para formar. o processo de formar que não encontra espaço para discutir que formação é essa pode abrir um enorme vazio de significação sobre o que não compartilha e, com isso, sem se dar conta, gerar um sentimento de não estar engajado, considerando que, por não saber o que o colega formador faz em aula com os alunos que também são os seus, aumentam as dúvidas do que pensam ser essencial na formação e que sozinhos não conseguem suprir e, a partir disso, faz-se a afirmação que eleva esse percentual ao nível apresentado. esse sentimento talvez resulte da dúvida sobre o alcance do fazer do outro. a carência de interação pode causar também a falta de parâmetro que funciona como uma sinalização niveladora de possíveis aprofundamentos a serem estimulados. sem saber se a ação pedagógica tem algo que, de alguma forma, complete o que nem mesmo o próprio professor identifica como elemento faltante na sua ação docente, recolhe-se e assume-se uma culpa que não lhe pertence. Possivelmente aí esteja a origem do surgimento dessa impressão de estar subsidiando em parte a formação desses futuros professores.

Vemos repetir-se nas narrativas dos docentes a sensação de que algo está faltando. ao se depararem com as exigências, que nem sempre encontram respaldo diretamente na teoria da prática estudada, esses futuros professores cobram daqueles que lhes são referência uma competência que, naturalmente, ainda não têm, fazendo com que os docentes formadores, querendo suprir as faltas que certamente não demandam em decorrência de suas interações, sintam-se responsáveis e avaliem que a formação oferecida no curso corresponda, parcialmente, ao que esperavam ver demonstrado naqueles que contribuíram para formar. o lugar que, muitas vezes, leva a um percentual que poderíamos chamar de indicador de frustração pode também ser responsável pelos 62,5% apresentados.

Possivelmente seja o legado cultural do magistério que insiste em professar a direção certa das ideias, e que parecia tão distante da academia, o responsável por esse sentimento de não estar suprindo o conjunto de elementos formadores esperado por tais professores. essa representação assume competências que não lhes pertence. No esforço de dar conta da herança que, por ser cultural, invade todos os espaços, o docente que atua na formação de futuros professores é partícipe fundamental nesse processo que o

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envolve e se faz reproduzir por mais que, reflexivamente, contrarie e invista em ações pedagógicas que atuem na contramão da reprodução de tais mecanismos. ela é presente no professor, e uma das evidências dessa manifestação está na proposta de surgimento de, até poderíamos dizer, seguidas mudanças nas matrizes curriculares, pois uma nova já se estrutura, apenas três anos após a última.

a formação continuada é elemento-chave e alimentador da trajetória em processo permanente de transformação. destacá-la como um requisito imprescindível a ser buscado pelo professor formador nos cursos de Pedagogia é reconhecer que a linha condutora desse processo é tênue e fácil de provocar desequilíbrios nas interações que contribuem para formar, no entanto é, ao mesmo tempo, necessária, vital e transformadora.

Na narrativa de “Vento” podemos ver explicitada a ideia de tal pressuposto: “(...) eu acho que na educação eu me senti à vontade e gostei de trabalhar. (...) a gente tem uma autonomia, (...) eu sei que eu tenho influência sobre as coisas. Que eu posso interferir nessas coisas e, com isso, as coisas podem mudar e eu posso mudar (...).”

sobre a formação, apresentamos um outro subeixo que reúne proposições de cunho mais pessoal ao qual denominamos de “o escafandro da docência”.

as proposições agrupadas nesse subeixo são: gostar de ser professor; estar preparado para dizer “não sei”; gostar do contato com o outro; ter paciência; ter disponibilidade e estabelecer uma vivência democrática e ética na construção do fazer pedagógico.

o escafandro é um equipamento de mergulho, projetado para passar longos períodos de tempo submerso a grandes profundidades. É constituído por capacete, em que só aparecem, não muito visíveis, os olhos de quem está dentro, e uma roupa, ambos impermeáveis e, geralmente, construídos com material pesado, resistente e duro. a escolha que fizemos ao denominar este subeixo como “o escafandro da docência” tem a ver com o desejo semeado no professor, também resultado de um processo cultural, de ter que parecer ser duro, autossuficiente e não raro inatingível. dentro do escafandro, o mergulhador pode suar frio, ter medo, mover-se. Mas o que pode ser visto por fora é uma estrutura bem composta, articulada e, em muitos aspectos, até mesmo previsível. Por mais que o esforço seja contínuo para mudar essa concepção, a mesma continua dizendo presente no cotidiano de muitas relações docentes. Contudo, tenhamos a certeza de que também está presente, no interior de cada um de nós, o desejo de lidar com o medo de não conseguir estar em situação de querer aprender e a partir dele interagir com mediações, nossas e dos outros, que nos levam à superação dos medos sentidos. os professores que vivem suas trajetórias docentes como formadores nos cursos de Pedagogia do Ce da UFsM não tiveram receio de abrir seus escafandros contrariando todas as pressões a que, na condição de referência docente, estavam submetidos. Muito mais que as ideias, esses professores não hesitaram falar de seus temores, alegrias, realizações, memórias, planos e frustrações. as proposições manifestas por eles, neste subeixo de análise, sugerem o mostrar-se docente.

a outra proposição que se refere ao estar preparado para dizer “não sei” exige maturidade e comprometimento com o próprio conhecimento, e isso só quem teve a noção de interior de escafandro e a coragem para sair dele é que pode dizer.

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o gostar do contato com o outro, ter paciência, ter disponibilidade são relativos ao que postulam os professores sobre estabelecer uma vivência democrática e ética na construção do fazer pedagógico. são proposições que se intercomplementam e reafirmam que aqueles que não gostam do contato com o outro são impacientes e indisponíveis e, dificilmente, conseguem estabelecer a relação democrática de construção a que se referem.

Para “sol”, esses requisitos imprescindíveis estão necessariamente ligados à trajetória de experiência prática construída pelo docente, especialmente pelo entendimento de que não há como ensinar o que não se tem construído, presente somente no aspecto teórico.

(...) na minha concepção de formação (...) de professores em primeiro lugar (...) tem que trazer alguma experiência, ter passado pela prática com essa clientela que a gente está preparando (...) que são as crianças, os alunos dos anos iniciais, e também os adolescentes (...) isso é muito importante para quem lida com formação de professores (...) é trazer a sua trajetória profissional e não ficar só concordando (...) principalmente, as disciplinas que envolvem as metodologias, as práticas de ensino... (...)

Bloco TemÁTIco 6 - apreciação da pesquisa. eixo norteador: o fortalecimento da universidade e o enfraquecimento da formação.

todo esse movimento que estimula também concorre para a mudança de foco na formação dos futuros professores. Não sabemos se o maior índice de docentes com titulação mais alta está concentrado na graduação ou na pós-graduação. Pelas análises, podemos afirmar que há uma tendência de que os professores com titulações mais baixas liderem as atividades que são desenvolvidas na graduação, no entanto destacamos que o estímulo ao alcance de titulações cada vez mais altas para que a universidade esteja colocada entre as mais bem conceituadas do país e, com isso, conquiste o respeito ao trabalho oferecido, bem como um maior número de bolsas, verbas para novas pesquisas entre outros, estimula também seus docentes a optarem por atuar fora da graduação, no intuito de aproveitarem o conteúdo de suas pesquisas no entendimento que o retorno de interação seja mais rápido e, dessa maneira, mais aprofundado. Com isso, a escolha pelo nome do eixo norteador como “o fortalecimento da universidade e o enfraquecimento da formação” se justifica pela contrapartida que todo esse estímulo pode provocar como resultado involuntário.

Num trecho da narrativa de “ar”, essa constatação fica bastante clara quando diz:

(...) nos é cobrado enquanto política, de Professores universitários, prioridades diferentes da concepção que a gente tem como Professor (...) em 1º lugar, ele tem que ter uma titulação máxima: doutorado (...) tenha que mostrar o quê? Produtividade!

(...) trabalho produzido!

e nesse trabalho produzido, a quantidade. a publicação. e essa quantidade é que vai mostrar o recurso financeiro que retorna para a própria instituição. (...) Claro que se têm trabalhos muito relevantes, mas é tudo (...)muito tímido (...) porque de alguma forma quando a gente faz

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doutorado, (...) ...eu não fiz (...) e eu resisto um pouco em fazer (...) porque fazendo doutorado, ficamos muito voltados, e eu vejo isso pela prática da maioria dos meus colegas... (...), o voltar destes professores para a pós-graduação e o deixar dos professores para a graduação. então eu questiono:o que é a Universidade? a Universidade que a gente está (...) é para trabalhar com ensino, pesquisa e extensão. (...) na formação. a nossa profissão se faz (...) onde? Na graduação.

então a ênfase tem que ser dada a essa... (...)

Como fazer para despertar, naquele sobre quem nos debruçamos para ensinar, a atenção àquilo que julgamos ser interessante que saibam no intuito de qualificar suas aprendizagens? o processo que ensina é também o processo que se prepara para transformar aquilo que já foi aprendido e nesse vai e vem de altos e baixos os “insights” acontecem, no entanto o próprio significado justifica que não podem ser previsíveis.

as medidas que parecem fortalecer a universidade e enfraquecer a formação passam por esses entendimentos. Contudo, é preciso reconhecer o valor que tem o tempo na transformação de todos esses elementos que direcionam a formação, seja ela inicial e também continuada.

Um fragmento da narrativa de “Vento” destaca o que pensa sobre o processo da própria formação:

acho que meu processo de formação, de construção do meu ser, na verdade, essa busca, essa inquietação, esse não conformismo com as coisas (...) fazem que eu me sinta sempre assim... caminhando. Não estou dizendo que caminho para o lugar certo, mas estou caminhando... não estou parado (risos). Porque não tem como separar esse profissional da pessoa que ela é. (...) e isso para mim, tem a ver com o próprio processo de aprendizado. (...) quando a gente aprende

a gente muda. (...)

rEFLExõES ATUAIS: TECENdO A PArTIr dE FIOS AINdA SOLTOS

Nos fragmentos retirados das narrativas dos professores entrevistados sobre suas escolhas, impressões latentes de suas trajetórias e suas concepções a respeito de si mesmos desenvolvidas ao longo se suas vidas pessoais-profissionais, podemos constatar o que segue:

ar: a questão da formação está na cabeça... (...) é de tu te desprenderes daquelas certezas que tu tens... é sentar junto com teu colega, não ter vergonha de mostrar o que tu fazes... (...) ouvir... Porque o que a gente percebe (...) ouvindo os alunos ? (...) pra quê que existe um PPP, uma Matriz... É para que tu saibas mais ou menos o que está sendo trabalhado... (...) professores de um mesmo Departamento não sabem o que o outro trabalha... (...)

luz: e eu me cobro sempre é a questão de atualização, de leitura. Na área da educação tem sempre muitas coisas novas, muitas discussões novas, teorias enfim, pesquisas... é uma demanda grande e que nem sempre a gente dá conta. estou sempre me cobrando (...) dedico meus horários de lazer. Meus horários de lazer se transformam em estudar.

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terra: (...) no final de 89 eu tinha acabado de me formar (...) Como eu sempre busquei ver a educação Musical dentro da Pedagogia, não apenas pela visão de um bacharel ou pela visão de alguém que vem de uma licenciatura que estudou mais centrado de 5ª a 8ª série ou no ensino Médio, mas principalmente assim, a educação Musical vista no processo de desenvolvimento das crianças. Como é que os pensamentos são estruturados? Quais são as relações que a educação Musical mantém com a construção do conhecimento matemático?... Construção da linguagem? Com a questão da elaboração das grafias pra uma coisa e pra outra... como é que elas se juntam?

as respostas (...) em que medida são repassadas essas respostas pra língua portuguesa, para

língua matemática, no campo dos sociais.? (...)

Vento:então... trabalho nos dois cursos. Quando eu voltei, estava sendo implementada a matriz nova no curso de Pedagogia, inclusive acompanhei, trabalhei com a coordenadora do curso um pouco, em época de férias, estava começando o primeiro semestre no currículo novo... ajudei em algumas coisas e acabei conhecendo um pouco do curso que já tinha sido trabalhado na outra Matriz. (...) o Curso de Pedagogia é o curso que eu não tenho nenhum problema (...) já trabalhei com a educação Física, agora esse semestre estou trabalhando com a Matemática. e Pedagogia é o curso que eu mais gosto de trabalhar (...) trabalhei com educação infantil e anos inicias, esse semestre inclusive estou trabalhando com anos iniciais e está muito legal (...)

Quanto a um curso ou outro... nos anos iniciais e educação infantil, os currículos são diferentes, tem tópicos diferentes, nos próprios programas das disciplinas. Mas não (...) vejo dificuldades de um pra outro, as diferenças são(...) peculiares à modalidade(...) é feita a reforma da matriz

curricular, mas a reforma da cabeça do professor é mais difícil de fazer (...)

rocha:(...) Preso a essa rotina burocrática, ou essa teia de compromissos, para debater “o óbvio do óbvio”, o professor, muitas vezes, vai se distanciando do contato direto com as grandes fontes

do pensamento (...) Vejo que, infelizmente, a nossa academia está até certo ponto, doente. (...).

Água: (...) No Curso de Pedagogia, meu departamento vai atuar nos dois primeiros semestres. (...)

os alunos chegando (...) Nós (.. ) não acompanhamos mais essa turma... É muito complicado esse olhar assim. (...) eu não sei como é que saem essas meninas depois. inclusive se eu vou olhar no convite de formatura, a turma (...) não é mais a mesma. Me parece que nos perdemos. eu, enquanto Professora do meu departamento (...) vejo que (...) perdemos o bonde da formação (...) eu não converso com quem vai lá trabalhar no estágio com elas. (...) e, nesse sentido da gente articular... eu vejo que não há. o que eu penso que talvez, quem deva ter trabalhado na organização dessa Nova Matriz pensou em introduzir a Ped, esse eixo articulador de trazer um trabalho mais integrado, entre os Professores que estão em cada semestre, talvez seja isso. Articular uma disciplina ou trazer um eixo que vai ser responsável por nos unir de alguma forma. (...)

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os diferentes elementos que ao longo das análises foram aqui descritos explicitam de forma pontual o grau de importância que é atribuído à necessidade de formação permanente do professor, sinalizada através das narrativas que cruzaram a apresentação. É a partir delas que podemos afirmar que a necessidade do que precisam desenvolver com os alunos é um mobilizador das buscas dessa autoformação pessoal e profissional. a direção, a intensidade e a frequência dessas buscas são mediadas pelas interações entre os que formam, reconstroem a própria formação docente e contribuem no processo formativo daqueles que se propõem a serem futuros professores. a concepção de que os saberes docentes precisam estar fundados na relação que se dá entre a teoria e a prática num processo contínuo de compartilhamento fica explicitada, bem como as situações que são criadas para dar conta de uma também contínua e renovada demanda no nível de ensino para o qual se dedicam a formar.

Com isso podemos afirmar que para os professores dos cursos de Pedagogia do Ce da UFsM a trajetória pessoal e profissional é permeável a todos esses fatores.

a questão valorativa da professoralidade passa a representar um fator que problematiza a própria docência, incluindo nesse aspecto todos aqueles que se referem ao aprender, ao ensinar, ao construir-se professor, ao ter sempre à tona o sentido de inacabamento, às incertezas sobre as quais os aspectos procedimentais e atitudinais se fundamentam e, ao assumir, sem culpas, os inúmeros “não sei”, estes prestam-se ao papel de incentivos para que se dediquem e com isso avancem, cada vez mais, tanto no campo do saber teórico como no campo do saber que interpreta e lida com a prática que precisa ser reflexiva.

TECENdO FIOS AINdA SOLTOS

Cinco dos sete sujeitos participantes da dimensão qualitativa da pesquisa, logo, bem mais do que a metade dos docentes entrevistados revelou que ser professor é uma representação profissional por eles vivenciada desde a infância. os professores compartilham, reivindicam a plasticidade do tempo e exigem de si cada vez mais.

encruzilhadas dos caminhos de formação que mudam, fortalecem, relativizam e nos apresentam olhares singulares em direções que formam muito mais do que profissionais pseudopreparados, mas profissionais capazes de pensarem a própria docência como uma construção de saberes compartilhados de um fazer docente possível na impossibilidade.

Num curso que forma futuros professores com o foco na educação básica, é do conhecimento dos docentes que promovem institucionalmente tal formação que lidar com dúvidas e certezas em si já é a própria autoformação e para que o façam é preciso que tenham um lastro teórico consistente que dê conta das encruzilhadas e desestabilize o que constitui as chamadas armadilhas desse caminho, naturalmente cheio de obstáculos, contudo, muito mais de realizações.

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artigos

POLÍTICAS DE FORMAÇÃO DOCENTE NA BAHIA: UMA ANÁLISE A PARTIR DE PRESSUPOSTOS DA TEORIA SOCIAL DE HABERMAS

Daisi Teresinha ChapaniLizete Maria Orquiza de Carvalho

António Teodoro

Resumo

Num contexto de mudanças amplas e céleres nos mundos do trabalho e da cultura, como se situam os professores frente às normas que regulam sua formação? ao discutirmos esta questão, propomo-nos a colaborar com os debates sobre as políticas públicas, especialmente aquelas diretamente relacionadas à formação de professores de Ciências que atuam em determinada região no interior da Bahia, desvelando fatores que constrangem ou impedem a ação dos professores na configuração dessas políticas e apontando para outras possibilidades de formação docente. Para tanto, utilizamo-nos de dados de pesquisas acadêmicas, documentos, legislação e entrevistas realizadas com 15 docentes. Para a análise, apoiamo-nos em referenciais críticos, particularmente na teoria social de Habermas. Foi possível relevar a ausência do estado em determinados aspectos da formação desses profissionais, bem como sua presença incisiva e sufocante em outros. a participação restrita dos docentes, como grupo afetado, na produção das políticas de formação demonstra que a integração social não tem se fundamentado na comunicação, mas em processos não linguísticos, principalmente por meio do poder estatal que abriga os ditames do sistema econômico. Finalizamos o texto, chamando a atenção para as possibilidades apresentadas pelo conceito de esfera pública para o apontamento de novas possibilidades formativas.

PalavRas-chave: estado; mercado; esfera pública; formação de professores; políticas públicas.

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1 - INTrOdUçãO

Vieira (2002, p. 14) entende a formação de professores como parte da política educacional, que, embora envolvendo um amplo conjunto de agentes, expressa-se, “sobretudo, por meio de iniciativas direta ou indiretamente promovidas pelo poder público e, portanto, o estado é uma referência fundamental para a sua compreensão”.

Vivemos, no entanto, uma época de redefinição do papel do estado, pois, se por um lado, o estado nacional perde força frente a novas autoridades políticas, por outro, ele se ocupa cada vez mais das questões de produção, intervindo fortemente em nossa vida cotidiana.

Nesse contexto, como se situam os professores frente às normas que regulam sua formação? ao discutirmos essa questão, propomo-nos a colaborar com os debates sobre as políticas públicas, especialmente aquelas diretamente relacionadas à formação de professores de Ciências que atuam em determinada região no interior da Bahia, desvelando fatores que constrangem ou impedem a ação dos professores na configuração dessas políticas e apontando para outras possibilidades de formação docente.

Para tanto, nos municiamos de um referencial crítico, o qual nos fez caracterizar a formação como um processo vivo, constante, pelo qual aquele que é formado é colocado diante da cultura, apropriando-se subjetivamente da mesma. apoiamo-nos em adorno (1996) ao considerarmos que a cultura nunca é dada a priori, mas submete-se aos movimentos que ocorrem dentro da totalidade social; assim sendo, o processo formativo está sempre voltado para o futuro e exposto às suas próprias limitações e imperfeições (orQUiZa deValHo, 2005).

2 - FUNdAmENTOS TEórICOS

Fundamentamos nossas análises na teoria social de Habermas, apropriando-nos, particularmente, dos conceitos de sistema e de mundo da vida, por considerarmos que eles possibilitam identificar as condicionantes estruturais que determinam as políticas públicas sem ofuscar os movimentos dos agentes. enquanto isso, o conceito de esfera pública permite pensar em possibilidades de alargamento do raio de ação dos sujeitos individuais e coletivos numa realidade concreta.

2.1 - O SISTEmA E O mUNdO dA vIdA

Habermas (2001, 2003) concebe a sociedade moderna de forma bidimensional, por meio das categorias sistema e mundo da vida. o sistema é regido pela racionalidade instrumental e compreende dois subsistemas: o estado e o mercado. o mundo da vida compreende as intersubjetividades dos atores inseridos em situações concretas de vida, constituindo-se no pano de fundo sobre o qual ocorrem as ações.

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Com o desenvolvimento da modernidade, há o aumento da complexidade do sistema social, o que causa sobrecarga nos processos de obtenção de entendimento, possibilitando a existência e a manutenção de meios de controle independentes da linguagem: o dinheiro, instrumento do mercado, e o poder, instrumento do estado. os processos mediados linguisticamente vão tomando uma posição secundária e são colonizados pelo sistema, isso porque o “mundo da vida se constitui sempre em forma de um saber global intersubjetivamente compartilhado por seus membros”, mas que, no entanto, é estilhaçado pelo efeito que se produz a partir das diferenciações dos mundos objetivo, subjetivo e social, de tal forma que “a consciência cotidiana fica despojada de sua força sintetizadora, fica fragmentada” (HaBerMas, 2003, p. 501, grifos no original).

ou seja, o processo de colonização representa a dominação da racionalidade instrumental em instâncias em que deveria prevalecer a racionalidade comunicativa. “a penetração da racionalidade instrumental no âmbito da ação humana interativa, ao produzir um esvaziamento da ação comunicativa e ao reduzi-la à sua própria estrutura de ação, gerou, no homem contemporâneo, formas de pensar, sentir e agir – fundadas no individualismo, no isolamento, na competição, no cálculo e no rendimento –, que estão na base dos problemas sociais” (goNÇalVes, 1999, p. 131).

2.2 - O CONCEITO dE ESFErA PúBLICA

esfera pública é um conceito basilar da teoria social de Habermas. desde uma de suas primeiras obras (1984) ele vem discutindo o surgimento, desenvolvimento e declínio de uma esfera pública cujas características são: a universalidade e igualdade de participação, a racionalidade na busca de entendimento e a publicidade crítica. Para ele, o desenvolvimento da modernidade tem levado à privatização do estado e à estatização da sociedade, alterando-se a estrutura da esfera pública, uma vez que o poder vem encontrando novas formas de legitimação e as decisões políticas deixaram de fazer parte da discussão pública racional. o enfraquecimento dessa esfera permite que a racionalidade sistêmica avance para além de seus domínios (HaBerMas, 2003).

relacionado ao conceito de esfera pública, encontramos o de associações livres (HaBerMas, 1987, 1990), que se refere a organizações pouco institucionalizadas que se encarregam não da tomada de decisão, mas da formação de conceitos, visto que “são especializadas na geração e propagação de convicções práticas, ou seja, em descobrir temas de relevância para o conjunto da sociedade, em contribuir com possíveis soluções para os problemas, em interpretar valores, produzir bons fundamentos, desqualificar outros” (HaBerMas, 1990, p. 110).

No decorrer de sua produção teórica, Habermas foi sofisticando o conceito de esfera pública, mantendo-o, porém, em seus aspectos fundamentais. embasados principalmente nos trabalhos de sua fase intermediária (HaBerMas, 1987, 1990, 2003) e nos estudos de alguns comentadores (eFKeN, 2003; lUBeNoW, 2007; silVa, 2002), concebemos esfera pública como uma estrutura comunicacional amparada nas associações livres. Nestas associações, pessoas privadas, fazendo uso público da razão, debatem, em condições de liberdade e igualdade, temas de interesse comum, produzindo uma opinião pública capaz de orientar suas ações bem como de informar e criticar os direcionamentos sistêmicos. Múltiplas associações livres,

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assentadas no mundo da vida, interconectam-se em forma de redes discursivas que se configuram em esferas públicas ampliadas, capazes de se relacionarem com os meios decisórios institucionalmente estabelecidos, guiando-os quanto aos valores. É a partir dessa perspectiva que pretendemos relacionar políticas públicas e formação de professores.

3- méTOdO

Por meio de levantamento bibliográfico (pesquisas acadêmicas, documentos e legislação) e de campo (entrevistas com 15 docentes), que foram mais detalhadamente expostos em uma tese de doutoramento (CHaPaNi, 2010), buscamos construir um quadro de como tem se dado a formação de professores de ciências em Jequié-Ba, bem como delinear um horizonte no qual esse processo poderia ocorrer de maneira mais plena.

Buscamos compreender a construção das políticas públicas e da formação docente no contexto do desenvolvimento do capitalismo, particularmente no seu atual estágio, com a hegemonia do ideário liberal. assim, propusemo-nos a edificar um quadro geral das políticas de formação docente nas últimas décadas e de enredá-las com as histórias dos entrevistados. esse procedimento revelou-se bastante rico e possibilitou evidenciar as ações desenvolvidas para a formação de professores de Ciências na Bahia, bem como a participação dos professores nos processos de construção das políticas que ensejaram tais ações. este trabalho pretende, pois, apresentar uma síntese das considerações elaboradas na referida tese.

4 - O ESTAdO, O mErCAdO E A SOLIdArIEdAdE

Uma vez que o estado tem se aliado cada vez mais fortemente ao capital, considerar a intervenção estatal é, no mais das vezes, conceber, na mesma medida, a interpenetração do mercado no mundo vivido. os ideais do neoliberalismo apontam a educação como um dos pilares do desenvolvimento econômico, vinculando-a estritamente aos interesses do mercado.

a reestruturação econômica, orientada pelos princípios neoliberais, vem afetando a escola tanto porque demanda novas competências na formação do trabalhador quanto porque os programas de ajuste fiscal levam o estado a se desvencilhar de incumbências custosas como as relativas às políticas sociais.

esses fatos estão ocorrendo no contexto de novas relações e arranjos entre as nações, caracterizado por outra forma de divisão global do trabalho, integração econômica e crescente concentração de poder em organizações supranacionais. assim, estudos recentes (aFoNso, 2001; aPPle, 1996, 1997; Ball, 2001; dale, 2004; diaZ-Barriga; esPiNosa, 2001; leViN, 1998; loPes, 2004, 2005; teodoro, 2001, 2003, 2008; torres, 2002, entre outros) têm enfatizado o caráter complexo e dinâmico da concretização das políticas educacionais nacionais. Para Ball (2001), por exemplo, esse processo constitui-se como uma “bricolagem”, no qual diversos textos se sobrepõem de acordo com o poder dos grupos que os defendem.

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Vemos, assim, uma verdadeira “epidemia” (leViN, 1998) reformista a percorrer o globo, apresentando-se como única alternativa à tradição educacional centrada no estado e no bem-estar público, tornada ineficiente, pesada, custosa e anacrônica. a disseminação dessa política educacional globalizada tem se dado pela ação de agências financiadoras (FMi, BM, Bid, etc.) ou intergovernamentais (oea, UNesCo, etc.) que ao mesmo tempo legitimam e criam condições de efetivação dessas políticas (aPPle, 1989; aZeVedo, 2007; dale, 2004; teodoro, 2001, 2003).

Nesse contexto, o professor tem sido considerado executor das políticas educativas, as quais incluem sua formação profissional. assim, o estado, no âmbito operacional, define prioridades, financia e cria espaços de formação e, no âmbito curricular, desenha o currículo das licenciaturas, define os conteúdo e métodos das ações de formação continuada sob sua responsabilidade e controla o processo formativo por prêmios e sanções, avaliações e certificação.

o governo brasileiro busca meios diversos para que suas políticas sejam implantadas de maneira semelhante aos propósitos de sua formulação, contando, inclusive, com os recursos financeiros e a força chanceladora de agências transnacionais, as quais acabam por exercer grande influência nas políticas nacionais. Cabe destacar o papel do Banco Mundial que, além de financiador, é também importante agência de assistência técnica e fonte de referência de pesquisa educacional em todo mundo. Cabe notar que seus estudos e recomendações caracterizam-se por uma abordagem economicista (toMMasi; Warde; Haddad, 2000), sendo que, com relação à formação docente, tem recomendado que se enfatize o conhecimento da matéria a ser ensinada, em programas curtos de formação em serviço, preferencialmente, a distância (ead) (Freitas, 2002; saNtos, 2000).

No entanto, temos que considerar a transposição dessas recomendações para os diversos contextos brasileiros. No caso da Bahia, a proeminência da formação em serviço objetiva prioritariamente a formação “inicial” dos professores já empregados e, em última análise, sua urgente habilitação. Por sua vez, o uso da ead para formação de professores encaixa-se no mesmo quadro de dificuldades que já se apresentava para a formação presencial, sendo que os docentes não dispõem de mínimas condições para se dedicarem ao seu processo formativo, o que, muitas vezes, os leva ao abandono do curso ou à sua conclusão em condições francamente precárias, com consequente desqualificação frente a si mesmo e aos graduados em instituições tradicionais. em outra ocasião, já havíamos percebido entre professores de Ciências dessa região “certa hierarquia na valorização da formação acadêmica: no topo os licenciados oriundos dos cursos regulares, depois os que faziam cursos em serviço, seguidos por aqueles que se formaram a distância e, por último, aqueles que possuíam o nível médio. esta hierarquização era levada em conta, tanto na constituição de uma imagem pessoal, como em questões funcionais, como o processo de atribuição de classes” (raZera; CHaPaNi; dUarte, 2009, s.p.).

a despeito da enorme influência das agências transnacionais na formulação de políticas públicas, ainda é o estado nacional o responsável por justificar, produzir, legitimar, implantar e avaliar as políticas educativas e de formação docente. a mera observação da quantidade de normas, relativas ao assunto, produzida nos últimos anos já nos dá uma ideia da capacidade do estado em se esgueirar por todos os cantos do processo formativo, buscando definir previamente as escolhas dos docentes quanto à sua formação e

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carreira. as análises realizadas por diversos estudiosos (dias; loPes, 2003; eVaNgelista; sHiroMa, 2007; Freitas, 2002, 2007; silVa, 2006) não nos deixam dúvidas sobre o propósito de tal intervenção, qual seja, o de atrelar essa formação à esfera da produção.

No caso específico dos docentes por nós entrevistados, foi notado que, num primeiro momento, o estado brasileiro teve dificuldades em cumprir seu papel na universalização do ensino e na oferta de possibilidades para que os cidadãos possam desenvolver-se plenamente conforme seus interesses e potencialidades. assim, soubemos da luta de diversos professores para obtenção da educação formal, da mesma maneira que vários outros nos colocaram a par de suas angústias por se reconhecerem pouco preparados para a função que desempenhavam e, outros ainda, por exercerem a profissão frustrados por desejarem ter seguido outras carreiras, mas terem sido impossibilitados pela insuficiente oferta de ensino superior.

a incapacidade do estado de oferecimento universal de escolarização em todos os níveis com qualidade equitativa é escamoteada pelo apelo à meritocracia, revelada na aceitação da premissa de que são os menos capazes aqueles que se dirigem ao magistério. Uma formação fragmentada e aligeirada somente fortalece essa distorção, trazendo sérios danos à classe docente e reforçando a necessidade de tutelamento permanente, criando-se assim um círculo vicioso.

de tal maneira, o estado, que já desempenha forte papel regulador com relação à formação docente, intensifica ainda mais esse papel quando assume a função de empregador, pois, neste caso, é ele quem vai indicar a necessidade, o conteúdo, a forma, a ocasião, a circunstância, as finalidades, os condutores e as recompensas de engajar-se num processo “formativo”. os docentes, pelo acesso precário a outras possibilidades de formação, aproveitam-se dessas “oportunidades” tanto para sua realização pessoal quanto para aperfeiçoamento profissional e melhoraria de seus rendimentos, exaltando-as, embora também reconheçam algumas limitações.

Como empregador, o estado, principalmente na figura do governo da Bahia, já há algumas décadas, vem oferecendo capacitação em serviço, especialmente a fim de implementar suas políticas educativas, a exemplo da inserção da pedagogia construtivista, do Projeto de regularização do Fluxo escolar e do Programa de enriquecimento instrumental (Pei), citados pelos entrevistados, como Nani, por exemplo:

Porque o estado, a gente não pode negar, sempre ofereceu cursos, sempre que mudou uma política, por exemplo, quando começou a aplicar o construtivismo, aí só tinha curso sobre construtivismo. teve o curso para o fluxo também. estes cursos nunca deixaram de ser dados, mas aquele curso de uma semana e você ficava muito querendo saber mais e não tinha como você saber mais. Porque esses cursos ajudam, ajudam muito, mantêm o professor informado, mas fica faltando muita coisa (Nani).

No entanto, os professores também criticaram o clima de improvisação que cerca determinados pontos da política educativa, como a educação de jovens e adultos, por exemplo, para a qual não tiveram treinamento específico, ou o fato de serem obrigados a completar sua carga horária com disciplinas para as quais não possuem formação, ficando a seus encargos a resolução dos problemas que surgem dessas situações precárias.

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assim, embora não defendemos que venhamos a desistir da ação estatal na efetivação de políticas educativas e de formação docente, pois a consideramos necessária para contrabalancear a ação concentradora e excludente do mercado, não podemos deixar de denunciar a cumplicidade do estado com os princípios mercantilistas, sua ação reguladora incisiva, que reduz o espaço para a tomada de decisão autônoma dos indivíduos e grupos locais, e sua incoerência ao pregar e exigir “compromisso de todos com a educação” enquanto deixa ao acaso importantes aspectos da questão educativa. Não se trata de eliminar o papel administrativo do estado, mas conter sua atuação a uma dimensão reduzida, denunciando o caráter ideológico da sua suposta neutralidade e universalidade e ampliando os espaços da ação política.

durante a maior parte do período considerado em nosso estudo, ou seja, o último meio século, as políticas educativas tiveram principalmente uma ênfase expansionista, da mesma maneira que as ações relativas à formação docente visaram, sobretudo, prover as escolas de professores que apresentassem qualificação mínima. Cremos que seja justamente na superação desses problemas básicos que, não obstante, sobrevivem desde sempre no Brasil, que teremos condições de avançar concretamente no campo da formação de professores. Mas seria necessário que esse processo ocorresse concomitantemente à inserção na agenda política de questões relativas aos objetivos, aos pressupostos e à qualidade dessa formação, temas estes que a academia e os movimentos dos educadores têm insistido em manter em pauta.

a dimensão operacional das políticas de formação docente, por seu caráter mais técnico, é o que melhor cabe às atribuições administrativas do estado. Nesse sentido, o governo brasileiro tem garantido a centralidade do tema nas discussões políticas e nas ações administrativas e feito com que os programas formativos tenham aumentado em número, diversidade e cobertura. embora no século XXi possa parecer pouca coisa que professores leigos estejam sendo formados, mesmo que por meio de processos de natureza discutível, para os docentes envolvidos e, quem sabe, mesmo para seus alunos, certamente não é.

Porém, a dimensão curricular das políticas educativas, pelo seu caráter eminentemente político, deveria ser definida a partir do debate, da crítica e da participação democrática dos envolvidos. Nesse sentido, a ação do estado, que busca mediar de perto a atuação e a formação docentes, sufoca a emergência de práticas alternativas.

É justamente na participação dos professores em associações livres que convirjam na constante configuração de novas esferas públicas, intermediárias entre as dimensões administrativa e política do estado, que vemos possibilidades de formação emancipatória, pois apenas por meio da comunicação racional irrestrita seria possível gerar uma vontade coletiva, passível de ser expressa em decisões políticas.

Para esse propósito, destacamos as possibilidades apresentadas pela pesquisa de caráter crítico. No entanto, especialmente na formação continuada, os professores encontram dificuldades em se apropriarem e/ou se engajarem nessa produção crítica, bem como de se aglutinarem em fóruns coletivos. a atuação e a formação docentes ocorrem, via de regra, de maneira individualista, sendo que as ações formativas restringem-se, o mais das vezes, a atividades de treinamento. dessa maneira, a formação docente tem servido principalmente como socialização, eventualmente como expressão de alguma resistência por parte

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dos professores, mas pouco tem colaborado para a construção de propostas contra-hegemônicas,radicadas no mundo da vida. (Ver QUestÃo das Notas, QUe estÃo ao FiNal)

a fraca solidariedade advinda de um processo formativo no qual a comunicação é substituída pela racionalidade instrumental faz com que seja necessário que se empreguem meios de controle cada vez mais refinados para fazer com que se cumpram as determinações previamente definidas no âmbito sistêmico. Com isso, entra-se num processo cíclico, no qual a preocupação dos gestores das políticas passa a ser sempre e cada vez mais o domínio e a vigilância. a inserção dessa racionalidade nas instituições formativas é tão incisiva que chega a ser defendida por alguns professores, como por exemplo por Nani, para quem “a coordenadora devia ficar lá, fingindo que tá de bobeira e vendo tudo, sem se apegar em nada, e quando visse que o professor tava meio devagar, incentivava”.

embasada na racionalidade instrumental, a construção das políticas públicas de formação docente na atualidade toma os professores como objetos manipuláveis, para os quais podem ser previstos modos de agir mais eficazes, bastando, para isso, a eficiência e o controle do sistema estatal, enquanto os fins do processo formativo não são discutidos, uma vez que já foram previamente definidos pelo sistema econômico.

e, no entanto, os professores resistem. recusam a desumanização e persistem em julgar os processos formativos que lhes são impostos, embora nem sempre consigam transformar essa resistência em contra-ação, como notamos na fala de uma professora entrevistada: “Porque eu sei que não era daquele jeito, que eu não sou obrigada a fazer daquele jeito, não é porque a mais B dizem, que é assim que funciona na sala de aula. Porque, às vezes, acham que você é manipulado daquele jeito, então: ‘vai lá e faz’, mas não é assim com o professor e não pode ser assim” (Mari).

as análises de tedesco (2004, p. 94) a respeito da instituição escolar, nesse momento de crise, servem bem ao que aqui colocamos sobre a formação docente: “(...) estamos (...) diante de um leque de possíveis cenários sociais nos quais a integração e a coesão social com base em compromissos e acordos livremente discutidos assume um caráter claramente progressista, e são as opções conservadoras, ao contrário, que promovem seja a desintegração do tecido social através do individualismo a-social e a exclusão, seja a integração total (...) dos movimentos fundamentalistas.”

Consideramos o “individualismo a-social”, fomentado pelo neoliberalismo, o principal aspecto conservador do processo de construção das atuais políticas de formação docente no Brasil, pois o superdimensionamento do indivíduo é o efeito mais perverso da exacerbação da racionalidade fundamentada na relação sujeito-objeto, causando a fragmentação da consciência e obstando o fortalecimento da solidariedade. esta, por sua vez, só pode vicejar numa relação sujeito-sujeito, ou seja, em situações comunicativas, pois, “uma vez que encetamos uma práxis argumentativa, deixamo-nos enredar, por assim dizer, num vínculo social que se preserva entre os participantes mesmo quando eles se dividem na competição da busca do melhor argumento” (HaBerMas, 2004, p. 16).

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Como já discutido, Habermas entende que a modernidade configurou-se num processo de racionalização crescente tanto do sistema quanto do mundo da vida, porém, a racionalidade instrumental tem avançado sobre o mundo vivido, de tal maneira que este se encontra igualmente ameaçado pela mercantilização e pela burocratização, fazendo com que a necessidade de contenção e controle indireto não se refira apenas ao poder do capital, mas também à dinâmica interna da administração pública: “(...) a capacidade indispensável de reflexão e controle deve ser procurada em outro lugar, a saber, em uma relação completamente transformada entre as esferas públicas autônomas auto-organizadas, de um lado, e os domínios de ação regidos pelo dinheiro e pelo poder, de outro lado” (HaBerMas, 1987, p. 112).

Por isso, defendemos que o fortalecimento da solidariedade, representada pela consolidação de uma identidade coletiva durante o processo formativo, poderia colaborar na construção de resistências à invasão sistêmica. isso ocorreria se durante esse processo o professor tivesse possibilidade de se colocar criticamente, como sujeito histórico, frente às dimensões teórica e prática do seu saber profissional, desvelando e redefinindo as finalidades social e política do processo educativo do qual faz parte.

5 - O PrOFESSOr NO PrOCESSO dE CONSTrUçãO dAS POLíTICAS dE FOrmAçãO

os docentes por nós entrevistados afirmaram ter interesse em se qualificar e em aperfeiçoar seu trabalho, expressaram isso principalmente pela disposição em avançar na sua formação acadêmica, participando de cursos diversos. Mas também demonstraram impor resistência a determinadas ações, especialmente àquelas que correspondem à formação sistematizada em contexto de atuação, como as semanas pedagógicas e os horários de atividades complementares (aC). além disso, descreveram inúmeras dificuldades que enfrentaram em suas histórias formativas, corroborando as reflexões de Freitas, para quem, ao contrário do que defendem os movimentos dos educadores, que a colocam como um direito dos professores, a formação docente tem deixado de “fazer parte de uma política de valorização do magistério para ser entendida como um direito do Estado e um dever dos professores” (Freitas, 2002, p. 149, grifos da autora).

a despeito das incursões dos subsistemas, estado e mercado, sobre a práxis comunicativa cotidiana não podemos nos esquecer de que “o papel da ação humana aparece como elemento fundamental na dialética entre as condicionantes estruturais e históricas e a talvez aparentemente ilimitada capacidade de mulheres e homens de intervir e eventualmente mudar as circunstâncias históricas, culturais, simbólicas e estruturais que contribuem para moldá-los” (torres, 2003, p. 115).

Neste sentido, notamos papel desempenhado pelos professores no processo de implementação das políticas de formação, não apenas executando-as, mas também exercendo resistência a elas. No entanto, eles têm ação reduzida no processo de formulação dessas políticas.

Na execução das políticas, as ações dos docentes correspondem à aceitação das normas e seu cumprimento, inclusive à custa de muita luta e esforço pessoal. isso ocorre tanto pela confluência de seus interesses com aquilo que lhes é determinado quanto pela incapacidade de articulação no sentido de tentar modificar aquelas definições que eles não compreendem, nas quais não veem sentido ou acreditam infrutíferas ou

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mal elaboradas. Como exemplo, trazemos uma síntese do depoimento de Nani, no qual cita alguns dos inúmeros cursos que fez buscando uma melhor qualificação:

[eu era professora leiga e, então, a prefeitura daqui me mandou] à Caldas de Cipó, num centro de treinamento para professores, tinha um regime interno e lá nós fizemos o magistério. [depois], eu fiz o adicional de Ciências, pago, foi um ano, tinha aula sábado e domingo, eu queria ter nível superior e esse curso prometia nível superior. Fiz uma universidade a distância também, fiz um período e quando eu passei [em uma universidade pública], desisti [daquela] e fui pra lá. Quando veio esta cobrança agora, que o professor tinha que ter nível universitário, eu já estava era cansada de correr atrás. Não tinha um curso aqui que a secretária não mandasse me chamar, quando surgiu o construtivismo, botaram a gente [para] estudar construtivismo, uma semana, aí saiu o fluxo, fiz o curso do fluxo também. todos os sábados, no período que eu passei nesta escola, fiz todos os cursos do fluxo, me peguei com as coordenadoras do fluxo, falei: “olhe gente, vocês não me deixam fora, eu quero participar”, porque eu sempre participei, sempre corri atrás. Quando entrou aqui os PCNs, eu fiz todo o planejamento baseado no PCN, mas eu fiquei naquela dúvida, sem saber se estava certo, porque tava muito na moda, você tinha que citar os PCNs, mas ninguém, na verdade, sabia direito o que estava fazendo (Nani).

a aceitação das normas e seu cumprimento devem-se, inclusive, aos incentivos para promoção na carreira, de maneira que a formação profissional, transformada em mercadoria, é adquirida no mercado público ou privado e, depois, revendida ao estado empregador sob forma de salário e de “gratificação de estímulo ao aperfeiçoamento profissional”. Porém, essa intervenção sistêmica não é a única impulsionadora para as ações formativas, pois as razões alegadas pelos docentes para delas participarem incluem sua realização pessoal e seu aprimoramento cultural, bem como o aperfeiçoamento profissional (CHaPaNi orQUiZa de CarValHo, 2009), sendo que motivações éticas, relativas ao compromisso com os alunos, determinam, muitas vezes, o engajamento em ações formativas, sejam elas formais ou informais, como se nota, por exemplo, no trecho do depoimento da professora dina, destacado abaixo:

trabalhando com aqueles alunos, eu percebi que no final do ano houve um aproveitamento muito grande dos alunos de zona rural, eles conseguiram de alguma forma acompanhar o pessoal da zona urbana, acho que isso aí marcou realmente minha vida profissional e eu vi que poderia ser feito alguma coisa pela educação, mesmo com todos os problemas. e veio marcando e a cada ano eu procurava aperfeiçoar o que eu pudesse pra melhorar cada dia mais, o conteúdo na sala de aula, a questão de relacionamento, pra ver mesmo o crescimento daqueles alunos (dina).

a resistência às políticas de formação é realizada de diversas maneiras, mas corresponde basicamente à não execução da ação determinada, ou seja, a sua negação, ou à atribuição de novos sentidos a essa ação.

o caso da negação pode ser exemplificado na postura de alguns docentes com relação aos momentos de trabalho coletivo, como as semanas pedagógicas e as aC, as quais, apesar de as normas a respeito considerarem-nas como instância de formação, nem sempre são reconhecidas como tal. Para os professores entrevistados as dificuldades de articulação de trabalho coletivo resultam de vários fatores contingenciais, porém, consideramos que esses obstáculos estão relacionados a uma fraca solidariedade construída a partir de uma comunicação sistematicamente distorcida pelo poder coercitivo do estado. Como exemplo,

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citamos um trecho da entrevista do professor davi, no qual ele relata uma conversa com um colega a respeito da semana de planejamento, deixando-nos entrever como a burocracia cerceia a ação coletiva na escola, o que ajuda a explicar o descaso relatado pelos entrevistados com essa dimensão formativa:

No final do ano aconteceu algo que eu achei até estranho: o pessoal teve a semana pedagógica no final do ano letivo, aí eu falei: “imagine só você fazer o planejamento pedagógico antes de você saber quem vão ser os alunos no próximo ano”, eu achei aquilo estranho, na época eu falei: “vou participar disso assim?” Mas, eu falei com um colega lá, “não concordo muito, não”. aí eu lembro que um professor falou, “é, mas isso acontece aqui, já faz uns três anos que eu ensino aqui e é sempre desta forma, a gente vai falar, mas aí fica preso à secretaria de educação, porque são eles que dão essa data, tem que ser nesta data” (davi).

existem também situações descritas pelos professores nas quais eles desenvolveram as ações determinadas pelo estado, mas atribuíram a elas outro significado, por exemplo, nos casos em que participaram de treinamentos que visavam a sua capacitação para a execução de um dado programa nas escolas (Pei e Projeto de regularização do Fluxo escolar), mas os converteram em oportunidades de reflexão sobre a sua prática pedagógica e até mesmo sobre os próprios programas formativos a que eram submetidos, como disse Mari, a respeito de um curso do Projeto de regularização do Fluxo escolar:

eu tenho duas 8ª séries, o que eu trabalho em uma não é exatamente o que vou trabalhar em outra, porque são pessoas diferentes, são maneiras diferentes de entender, e eles [formuladores do curso] passavam pra gente que tinha que funcionar desse jeito: se eu aqui estou na aula 4, Jaquaquara tem que estar na aula 4, Jitauna tem que estar na aula 4, como pode existir uma coisa dessa? isso não existe. [o curso] contribuiu [para] isso, principalmente, a visão crítica, você não aceita qualquer coisa. serviu pra criticar eles mesmos e minha própria prática também (Mari).

Nas entrevistas notamos poucas indicações de que esses professores tenham participado consciente e deliberadamente da produção de políticas públicas de formação, quando foi o caso, por meio do sindicato. de maneira geral, eles se relacionam com tais políticas como algo produzido por uma entidade externa ao seu fazer e que imputa essas determinações, restando-lhes um raio de ação diminuto. Ficou evidente, nesse caso, racionalidade estratégica usada por eles para subsidiar ações individuais que visassem obter êxito o mais plenamente possível nesse contexto sobre o qual, embora às vezes questionado, não se veem possibilidades de ser modificado. Produtos de sua época, esses docentes vivem, assim como todos nós, as vicissitudes de um tempo de crise, em que a descrença num projeto utópico leva-os a se imbuírem “deste estado de espírito do homem contemporâneo que aparentemente desistiu de um projeto para si mesmo e para a sociedade e se entregou por inteiro aos cuidados da sobrevivência num sistema que se aceita como dado” (goergeN, 2007, p. 15).

a participação restrita dos docentes, como grupo afetado, na produção das políticas de formação demonstra que a integração social não tem se fundamentado na comunicação, mas em processos não linguísticos, principalmente por meio do poder estatal que, comportando-se como o cavalo de troia, vela-se com os preceitos da neutralidade e universalidade, conseguindo, assim, legitimidade para levar para o interior do mundo da vida os ditames do sistema econômico. Contudo, “a maneira mais eficiente e eficaz de proteção

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da esfera pública e da sociedade civil contra deformações consiste no empenho e no esforço permanentes de uma sociedade de sujeitos privados, viva e atuante, manter intactas as estruturas comunicacionais da esfera pública” (eFKeN, 2003, p. 222).

Notamos, nas falas de alguns docentes, possibilidades de concretização de uma interação que não seja previamente definida pelo sistema e que seja mais voltada para o entendimento (CHaPaNi; orQUiZa de CarValHo, 2007), como por exemplo a indicação, feita por davi, de possibilidades de relações mais equitativas entre universidade e escola básica, nas quais professores tivessem uma participação mais ativa, indicando suas necessidades e trabalhando junto com os docentes universitários na formulação de novos conhecimentos. Na escola, apesar de todos os entraves que dificultam ou impedem uma reflexão coletiva, essa possibilidade não está totalmente ausente, conforme nos mostrou Malu ao falar sobre as discussões que ocorrem onde ela trabalha como gestora: “olha, é mais técnica, sinceramente falando, é mais técnica, agora, a gente tem alguns professores que têm uma leitura maior, então eles fazem [uma reflexão mais crítica]. também não é uma unanimidade, até porque o horário é pequeno, então, é mais a parte técnica, mas há sim, uma pequena discussão, não vou dizer que não há” (Malu).

os entrevistados também fizeram alusões às situações em que se envolveram, com um ou outro colega, em algumas ações específicas, em discussão dos problemas das escolas e na solução de alguma dificuldade particular, assim como mencionaram também ocasiões em que realizaram questionamentos a certos procedimentos, na escola ou na universidade, que, embora nem sempre relatem sucesso, indicam que de alguma maneira eles perceberam outras possibilidades de interação.

evidentemente, não se trata de exemplos que explicitem casos de ação comunicativa no seu sentido mais estrito, pois, para tanto, seria necessário que os argumentos fossem expostos publicamente, fundamentados e se submetessem à crítica, porém, cremos que esses fatos sugerem a existência de um potencial comunicativo que pode ser aflorado e seria importante identificar os tipos de coerções que impedem que isso aconteça. Neste caso, pensamos ser possível apontar dois aspectos interdependentes que ajudam a aclarar essa situação: um de caráter político, e outro, epistemológico.

a respeito do aspecto político, observa-se a dificuldade de articulação dada pela condição individualista e, até mesmo, solitária da atuação docente. Neste sentido, os professores destacaram, da parte dos coordenadores pedagógicos e diretores de escola, a incapacidade de articular um projeto coletivo e a imposição de dificuldades para a formação em serviço. da mesma maneira, apesar de alguns se referirem a oportunidades de discussão e reflexão sobre a formação docente durante a graduação, também nesse contexto o envolvimento coletivo dos licenciandos, conforme narrado por eles, foi ligeiro.

além disso, ainda é muito forte a tradição que representa o professor como possuidor do saber a ser transmitido. ele pode admitir suas dificuldades para si mesmo ou para alguém de confiança, especialmente para aquele que o ajudará a superar essa deficiência, mas não em público, isso é mais fácil para os iniciantes, cuja falta de experiência justifica este ainda não saber. Uma mudança epistemológica, que ampliasse a compreensão dos docentes sobre a natureza intersubjetiva do conhecimento, poderia ajudar a romper essa coerção.

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daí porque consideramos que a autodefinição dos professores como membros de uma comunidade discursiva é imprescindível para a instauração de um espaço comunicacional que possa resistir à invasão sistêmica. No campo das micropolíticas, no qual o pertencimento a essa comunidade é mais presente, tal espaço, apesar de incipiente e sitiado por imperativos sistêmicos, ainda é notado, como por exemplo nas discussões, mesmo que eventuais e assistemáticas, que os entrevistados relataram a respeito da atuação e da formação docentes ou nas lutas dos professores para fazer valer seus direitos de formação em serviço. Porém, no campo das macropolíticas, é praticamente inexistente, uma vez que não foi possível perceber, entre os entrevistados, articulação coletiva no sentido de conhecer, interpretar, criticar e propor alternativas para as políticas de formação. Um processo formativo fundamentado em concepções positivistas e liberais, que privilegie a racionalidade instrumental e a busca individual pelo sucesso, só pode intensificar ainda mais essa limitação.

6 - A PrOFICUIdAdE dO CONCEITO dE ESFErA PúBLICA PArA FOrmAçãO dOCENTE

os professores fizeram críticas aos processos formativos aos quais estiveram submetidos e expressaram ideias sobre novas possibilidades de formação, sendo que muitos deles, inclusive, demonstraram ansiar apresentá-las publicamente. Porém, carecem de condições para colocar em circulação suas convicções e representações sobre o assunto em esferas públicas mais abrangentes e, assim, compartilharem com políticos e experts a elaboração de tais políticas. a presunção de que não podem participar dessas esferas por ilegitimidade ou incapacidade torna-se uma coerção que impede o estabelecimento de ações politicamente mais articuladas.

Com isso, as condições básicas que, segundo giroux (1997), caracterizam a ação do intelectual crítico, quais sejam, causar mudanças no cotidiano a fim de ampliar os espaços de práticas contra-hegemônicas e vincular a prática docente a outros movimentos emancipatórios ficam precarizadas tanto pelas condições objetivas colocadas pelas políticas educativas quanto pelas condições sociais e subjetivas que hierarquizam as relações no interior das instituições formativas e impedem que os professores vejam-se como agentes de mudanças.

Contra isso, o processo formativo necessitaria fundamentar-se na racionalidade comunicativa, o que permitiria sobrepor a integração social à integração sistêmica. a ação comunicativa pressupõe a possibilidade de os agentes envolverem-se em processos discursivos sempre que um dado ponto do mundo vivido se torna problemático, por isso, em termos concretos, a tematização de aspectos com aspirações generalistas, relativos à atuação e à formação docentes, deveria dar-se no âmbito de associações livres. isso requer a análise crítica das condições de atuação política dos professores e futuros professores, de modo a desvelar as coerções que impedem a fala entre livres e iguais, mas também demanda o exercício da argumentação, uma vez que os participantes devem sair de um estado de reflexão solipsista em direção à universalização das justificativas das ações no âmbito coletivo.

dessa maneira, consideramos imprescindível o processo de permanente configuração de esferas públicas das quais os professores efetivamente façam parte e possam colocar em discussão conhecimentos, valores e desejos construídos intersubjetivamente em instâncias que correspondessem às associações

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livres. estas, por sua vez, se constituiriam como campos vivos e mutantes, em constante processo de construção-reconstrução, instituídos no próprio processo formativo, consubstanciados como grupos de estudos, colegiados, fóruns de discussão, grupos de pesquisa, corporação da comunidade escolar na construção do Projeto Político Pedagógico, etc.

assim, este trabalho agrega-se a outros que têm demonstrado as potencialidades do pensamento de Habermas para fundamentar a formação de indivíduos mais livres e para a configuração de sociedades mais justas. as investigações de cunho teórico e empírico que têm utilizado essa abordagem (deUtsCH, 2005; garCia, 1999; goNÇalVes, 1999; loNgHi, 2005; Medeiros, 2005; MÜHl, 1999; orQUiZa de CarValHo, 2005; Prestes, 1995, sgrÓ, 2007, apenas para citar alguns exemplos) apontam para a produtividade do conceito de ação comunicativa na formulação de propostas para a formação de cunho emancipatório.

embora bastante promissor no contexto educativo, o conceito de ação comunicativa, por si só, mostra-se insuficiente quando buscamos relacionar políticas públicas e formação de professores, pois, neste caso, é necessário buscar meios de articular os âmbitos do sistema e do mundo da vida, não apenas a partir da perspectiva de contenção da invasão sistêmica, mas também no sentido oposto, ou seja, na orientação do sistema pelos conhecimentos e valores fomentados discursivamente. Para esse propósito, apontamos para a repolitização da esfera pública. os conceitos e valores a serem expressos e defendidos nessas esferas seriam produzidos em instâncias de livre discussão durante o processo de formação permanente.

evidentemente, tais proposições não podem ser consideradas isoladamente, mas se inter-relacionam com uma variedade outros aspectos da profissão docente, tanto de nível mais amplo, como a configuração do estado, por exemplo, ou mais particulares, como as questões que se relacionam diretamente com a sala de aula, os quais são aqui apenas mencionados.

CONSIdErAçõES FINAIS

a ênfase na formação dos professores nas políticas educativas contemporâneas parece indicar uma relação determinista entre formação e desempenho docente, daí para a aprendizagem do aluno e a qualidade de ensino e daí então para o desenvolvimento do país à superação dos problemas nacionais de toda ordem. Com isso se abstraem todas as demais determinantes históricas e sociais desse processo. No entanto, tomamos aqui uma posição mais cautelosa, parafraseando Paulo Freire, de que se a formação docente não pode sozinha mudar a sociedade, essa mudança também não pode prescindir de uma formação mais plena.

tal proposição é válida para a formação docente em geral, mas pensamos ser particularmente significativa com relação aos professores das disciplinas de Ciências Naturais. a ampla literatura que a área de ensino de Ciências tem produzido no Brasil a respeito das necessidades formativas desses docentes leva-nos a questionamentos a respeito de como concretizar a formação de um profissional que possa dar conta da complexidade crescente dos conteúdos científicos, das questões relativas à natureza da ciência, das

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tensões sociais que se manifestam na escola, das novas demandas de laboralidade, das exigências da cidadania, enfim, das possibilidades de conhecimento e de análise crítica dos pleitos da comunidade científica, do mundo do trabalho, dos anseios dos jovens, das demandas sociais, etc.

Portanto, é imperativo uma formação inicial ampla e sólida que inclusive possibilite ao corpo docente a definição autônoma e responsável de suas necessidades relativas à formação em serviço. os próprios professores, assim como acadêmicos, políticos, sindicalistas, enfim, todos aqueles interessados em uma educação verdadeiramente transformadora devem participar da construção dessa possibilidade. ao estado cabe responsabilizar-se efetivamente pela operacionalização dessa formação e fomentar a participação democrática na configuração curricular das ações formativas.

No entanto, vemos que, apesar da forte presença do estado na produção de normas e no fomento de ações que se apresentam como de “formação docente”, na Bahia não existem, de fato, políticas públicas de formação de professores se tomarmos o conceito de formação de maneira plena, ou seja, não há um conjunto articulado de ações estatais visando a uma formação que se preocupe em desenvolver a capacidade crítica, reflexiva, criadora e transformadora dos professores e que esteja, ao mesmo tempo, relacionado a outros aspectos da profissão docente, como a definição de condições dignas de trabalho.

Uma formação mais plena não pode se dar num contexto de burocratização das ações formativas. em nosso estudo vimos que, a despeito do poder do subsistema estado, alternativas são produzidas, algumas incorporadas à legislação, outras, colocadas em prática em determinadas instituições, porém, há dificuldade em se transpor essas alternativas para a formação em massa, uma vez que, ao serem institucionalizadas, essas propostas, muitas vezes, acabam por ser incorporadas à lógica sistêmica. ou seja, não apenas as determinações do mercado, impostas pela administração estatal, são modificadas no contexto da prática, mas também as propostas contra-hegemônicas são muitas vezes ritualizadas e incorporadas acriticamente ao fazer cotidiano.

Foi possível perceber que os professores pouco participam da formulação das políticas educativas e daquelas relativas à sua própria formação. tanto das análises que têm sido realizadas a respeito das atuais reformas quanto das falas dos próprios docentes emerge um quadro no qual os professores são considerados executores das políticas educativas, e a formação docente é entendida como estratégia de implementação dessas políticas.

Como os professores não tomam parte dos discursos teóricos e práticos que guiam seu trabalho, o nível de solidariedade permanece baixo, tornando-se necessário que, para a manutenção da coesão social, se imprima grande quantidade de força vinda do estado e do mercado. Uma vez que o poder e o dinheiro não são meios discursivos e, portanto, não geram solidariedade, a necessidade de intervenção torna-se cada vez maior, fazendo com que as políticas públicas de formação docente constituam-se como um intrincado mecanismo de controle, agindo desde o ingresso na licenciatura e perpassando toda a carreira docente.

apesar de a formação ser tomada, pelas atuais políticas e, muitas vezes, pelos próprios professores, por sua expressão adaptativa, houve situações em que os docentes a descreveram como um processo

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reflexivo, sendo que eles entendem que desempenhavam um papel ativo, selecionando o que consideram adequado, comparando mensagens advindas de diferentes instâncias socializadoras e emitindo juízos sobre os procedimentos. ou seja, como já afirmamos, os docentes não apenas executam as ações determinadas pelas instâncias sistêmicas, mas também exercem resistências às mesmas, muito embora encontrem dificuldade em propor e levar a cabo ações contra-hegemônicas.

Convém lembrar que se resistência pode ser exercida em nível individual, as ações de contra-hegemonia, ao contrário, ensejam organização coletiva, demandando a formação de sujeitos autônomos, capazes de se constituírem na busca pelo bem comum, que não sejam anulados no processo de socialização e nem se atomizem no processo de individualização.

tais propósitos poderiam ser alcançados se o processo formativo se amparasse na racionalidade comunicativa. entendemos que o fortalecimento da ação comunicativa nas instituições educacionais oferece possibilidades para o estabelecimento de uma educação criativa, solidária e emancipadora, o que depende de professores que façam uso sistemático da crítica e da reflexão, as quais devem permear todo seu processo formativo.

Vimos que o pensamento habermasiano mostrou-se produtivo na análise da participação dos professores na construção de políticas públicas de formação de professores. de fato, é um referencial bastante rico, por meio do qual foi possível tratar estas duas questões (políticas públicas e formação docente) de maneira articulada. ou seja, uma vez que a racionalidade comunicativa viceja no entremeamento dos mundos objetivo, social e subjetivo, vinculados pela linguagem cotidiana, a formação docente assentada sobre essa racionalidade apresenta perspectiva emancipatória, pois não considera a formação dos professores apenas como um processo de adaptação dos novos membros ou de constante adestramento daqueles que compõem esse corpo profissional, mas de indivíduos ao mesmo tempo diferenciados e socializados que, em interação, produzem e reproduzem a vida.

enfim, esperamos ter acrescentado novos argumentos em favor de se pensar a formação docente em termos de processos de construção de associações livres que se articulassem em esferas públicas democráticas, nas quais os professores e futuros professores possam interpretar coletivamente as demandas da sociedade com relação à educação, bem como as políticas destinadas a responder a essas demandas, o que inclui ações relacionadas à preparação dos neófitos e à formação permanente dos membros dessa comunidade. dessa maneira, os professores poderiam coordenar suas ações, tanto entre si quanto com os demais atores do processo educativo, compelidos pela força coercitiva do melhor argumento. afinal,

a educação, desde sempre, se inscreveu sob o thelos do diálogo, processo interativo, onde a constituição do sujeito se dá pela ação comunicativa entre os homens. essa ação não se enquadra no espaço da razão instrumental, da dedução, mas tem exigência ética, que pode ser ativada por uma razão comunicativa (...). ou seja, a recuperação da educação enquanto formadora do homem como sujeito de ação cognitiva, ética e política só se efetiva sob a rubrica de uma razão capaz de produzir entendimento (Prestes, 1995, p. 150).

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artigos

CONTRIBUIÇÕES AO DEBATE SOBRE A PESQUISA DO PROFESSOR DA EDUCAÇÃO BÁSICA

Menga LüdkeGiseli Barreto da Cruz

Resumo

Neste texto discutimos sobre a pesquisa do professor da educação básica, tal como avaliada por experientes pesquisadores da universidade. É a terceira etapa de um programa de investigação sobre as relações entre o professor e a pesquisa. Pedimos a 12 membros de comitês avaliadores (CNPq, CaPes, FaPerJ, FaPesP, etc.) que examinassem uma seleção de trabalhos feitos por professores e nos dissessem as razões pelas quais os consideram ou não como pesquisas. a partir da análise dos julgamentos emitidos pelos avaliadores, nosso estudo chegou a constatações teóricas e práticas interessantes para o debate sobre limites e possibilidades de pesquisas feitas por professores, de modo especial no que se refere ao rigor esperado de toda pesquisa.

PalavRas-chave: Pesquisa; Professor da educação básica; avaliação.

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1- INTrOdUçãO

a pesquisa realizada pelo professor da educação básica é algo que suscita caloroso debate no meio universitário, mais até do que no contexto de atuação desse professor. dados de pesquisa (lÜdKe; CrUZ, 2005) revelam que, na visão de professores e na de seus formadores, essa atividade vem sendo considerada importante, por todos eles, mas nem sempre assumida como imprescindível para o trabalho desse professor, sobretudo em função das condições para a sua realização e divulgação.

o artigo de Zeichner e Noffke (2001), sobre a pesquisa do practitioner (Practitioner Research), publicado no importante Handbook of research on teaching, da aera (american educational research association), em sua 4ª edição, continua a representar um dos pilares quando a discussão é a pesquisa do professor. em texto alentado e muito bem cuidado, os autores reúnem um conjunto de ideias básicas sobre o tema, ressaltando sua centralidade hoje, especialmente a partir dos conceitos de reflexividade no trabalho do professor, de propriedade específica de um saber elaborado pelo próprio professor e da importância da construção do conhecimento por esse profissional, pela proximidade com a realidade da sala de aula e em função de seu próprio desenvolvimento profissional.

ao lado desses aspectos positivos, favoráveis ao trabalho de pesquisa por parte do professor, os autores também assinalam fatores que dificultam o desenvolvimento dessa prática ainda hoje, apesar do reconhecimento de sua importância. entre esses fatores são destacados a falta de preparação adequada dos professores para o bom desempenho em pesquisa, o que concorre para que seus resultados sejam considerados menos rigorosos do que os obtidos pela pesquisa acadêmica, e também o valor questionável desse tipo de pesquisa, feita pelo professor, pela dificuldade de generalização a partir da análise de situações restritas e a falta de tempo disponível para que o professor se dedique a essa prática.

a despeito desses fatores negativos, os autores insistem na importância e na irreversibilidade desse novo tipo de pesquisa, a praticada pelo professor, trazendo em seu apoio a contribuição de vários autores muito conhecidos pelas suas posições assumidamente a seu favor, como lather (1993; 1986), roman (1989) e stevenson (1996), dentre outros.

Nessa direção, uma questão em especial mobilizou o estudo que desenvolvemos: o que é levado em conta por pessoas encarregadas de atribuir ou não recursos a uma pesquisa apresentada por um professor da educação básica, de aprová-la para apresentação em um encontro científico ou de aceitá-la para publicação em um periódico? trata-se da terceira etapa de um estudo investigativo sobre a relação entre a pesquisa e o professor da educação básica, focado essencialmente sobre o que conta como pesquisa. trabalhos como os de Zeichner e Noffke (2001), Cochran-smith e lytle (1999), anderson e Herr (1999), lagemann e shulman (1999) nos estados Unidos e os de andré (2001), diniz-Pereira e Zeichner (2002), Fiorentini (2004), entre outros, no Brasil, subsidiaram as discussões teóricas e as interpretações dos dados construídos no estudo.

os seguintes objetivos conduziram a pesquisa: levantar, junto a membros de comitês julgadores, quais os aspectos que consideram ao aprovarem trabalhos de pesquisa de professores para receberem financiamento, ou para serem aceitos para publicação em periódicos e apresentação em encontros

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científicos; e procurar, a partir dos aspectos indicados pelos avaliadores investigados, contribuir para a discussão de critérios amplos que possam abranger os vários tipos de pesquisas realizadas na área de educação em todos os níveis de ensino.

Já tivemos a oportunidade de publicar resultados desta pesquisa (lÜdKe, 2009; lÜdKe; CrUZ; BoiNg, 2009; lÜdKe, 2008). entretanto, dada a complexidade que cerca a temática, entendemos que a análise empreendida neste trabalho para a Formação Docente – Revista Brasileira de Pesquisa sobre Formação de Professores pode ser bastante contributiva ao debate sobre o professor e a pesquisa. dessa forma, neste artigo priorizamos explorar alguns dados relativos aos trabalhos de professores que submetemos aos avaliadores e aos pareceres por estes emitidos, com o propósito de destacar o que se leva em conta na hora de se decidir sobre o que é pesquisa.

2- A SELEçãO dOS TrABALHOS E dOS AvALIAdOrES

escolhemos alguns encontros científicos que costumam reunir professores da educação básica, ao lado de pesquisadores da universidade, como lócus preferencial de localização dos trabalhos visados. Nossa intenção era identificar trabalhos de professores com potencial para serem avaliados como pesquisa. assim, seria necessário para o desenvolvimento do processo de seleção que o trabalho fosse de autoria de professores da educação básica, mas que reunisse elementos comuns a um estudo investigativo, de modo a instigar o exame e pronunciamento dos avaliadores.

entendemos que os encontros científicos representavam o canal mais apropriado para a busca, visto que em tais encontros prevalece a organização de um corpo de normas para a submissão de trabalhos. saímos, então, em busca de trabalhos em diversos encontros científicos, porém a procura só resultou frutífera junto ao Xii eNdiPe – encontro Nacional de didática e Prática de ensino e ao ii siPeM – simpósio internacional de Pesquisa em educação Matemática, pois desses encontros conseguimos acessar os textos completos, além dos resumos, o que não se efetivou com os outros eventos.

o processo de análise dos trabalhos gerou um acervo de 60 textos do eNdiPe e 20 do siPeM. Uma vez completada a fase de catalogação dos textos, passamos ao exame detalhado de cada um deles, selecionando aqueles mais representativos da produção de pesquisa do professor, até chegar aos quatro trabalhos finais, dois de cada evento científico, que, depois de eliminados os traços que pudessem identificar seus autores, foram enviados aos avaliadores. Não deveríamos reunir muitos trabalhos, pois isso tornaria ainda mais complexo o processo de análise dos avaliadores. interessava-nos, isto sim, reunir alguns textos que fossem considerados bons trabalhos. Chegamos a um número de quatro trabalhos, que consideramos corresponder a essa expectativa.

a preocupação com a escolha dos avaliadores se deu de forma concomitante ao processo de seleção dos trabalhos. Para tentar divisar o que é considerado importante na avaliação de uma pesquisa em educação, nada melhor do que consultar quem exerce essa avaliação, em diferentes instâncias, em comitês científicos, como assessores ad hoc, em comissões julgadoras, por serem reconhecidos como pesquisadores experientes e qualificados em seus respectivos domínios de interesse.

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dessa forma, nossos avaliadores tinham que pertencer ao seleto grupo dos que se encontram no topo da carreira universitária, com reconhecida reputação e comprovada experiência de pesquisa e familiaridade com o sistema de avaliação empregado pelas principais agências de financiamento, mas ao mesmo tempo deveriam irradiar uma abertura em relação a critérios fixos e preestabelecidos, ou, pelo menos, à discussão sobre eles.

Nosso grupo de avaliadores é formado de 12 profissionais muito bem preparados em suas respectivas áreas de formação, com doutorado e pós-doutorado em quase todos os casos. todos têm vasta experiência de pesquisa e intensa produção em termos de publicações, nas quais se verifica plena confirmação sobre seu interesse e sensibilidade em relação às questões da formação de professores, inclusive no que se refere à dimensão da pesquisa. os quatro trabalhos por nós selecionados foram então enviados aos avaliadores, que os examinaram e nos enviaram seus pareceres.

3- OS rELATOS ANALISAdOS

3.1. O PrImEIrO TrABALHO

o trabalho “ensinar e aprender: uma aventura cotidiana” relata a experiência vivenciada por professores e alunos, durante um processo de reformulação da proposta curricular da 5ª e da 6ª séries (hoje 6º e 7º anos do ensino fundamental) de um colégio particular, a partir do ano de 2002.

os professores autores qualificam o trabalho como sendo um estudo de caso focado em uma experiência de reformulação curricular. Para tanto, introduzem a discussão, contextualizando o atual cenário social, ensejando outras formas de conceber a organização do tempo e do espaço escolar e, em consequência, o seu currículo. discutem alguns pressupostos pedagógicos, apoiados em autores que estudam o cotidiano escolar e o currículo, para justificar a opção por ensinar e aprender a partir do desenvolvimento de projetos de investigação. descrevem o percurso de concepção e implementação da proposta, apontando as etapas experimentadas e os projetos trabalhados. Finalizam esboçando conquistas e desafios e ressaltando os limites e as possibilidades da caminhada percorrida. o trabalho é entendido, também, pelos seus realizadores como sendo uma pesquisa-ação, uma vez que a prática foi transformada, passando a predominar, entre os sujeitos envolvidos, a ideia de cultura reflexiva sobre a ação de ensinar e aprender.

Para boa parte de nossos avaliadores (oito), o trabalho em questão não pode ser considerado pesquisa. trata-se de um relato de experiência. dos 12 avaliadores, somente um confirma a sua qualificação como pesquisa-ação, e dois outros consideram tratar-se de uma pesquisa, sem fazer referência ao seu tipo. o que mobiliza a análise dos avaliadores, em geral, é a experiência registrada.

É importante salientar que um relato de pesquisa é também um relato de experiência vivida. todavia, nem toda experiência é resultante de um processo de pesquisa. No caso do trabalho em questão, o relato refere-se ao importante movimento deflagrado entre o corpo docente e a equipe dirigente de um colégio, visando à reformulação curricular do ensino fundamental. o que a maioria de nossos avaliadores procurou demarcar é que o texto, relativo a uma experiência bem-sucedida e bem relatada, tal como

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registrado, não pode ser considerado mais do que um bom relato de experiência, o que é diferente de um relato de pesquisa.

No contexto da argumentação dos oito avaliadores que declaram que não é um texto de pesquisa, a ênfase recai sobre o conteúdo do relato. de modo geral, os pareceristas consideram que a descrição, apesar de bem redigida e fundamentada, foi feita de forma ampla e vaga, sem o necessário investimento em uma análise mais rigorosa e sistemática. a sua escrita possibilita ao leitor uma razoável visão do processo desencadeado no colégio, sobretudo entre os professores do 2º segmento do ensino fundamental, mas perde consistência na medida em que não investe na problematização e nos fundamentos das decisões tomadas.

Considerando, ainda, as análises desses oitos avaliadores, é importante destacar que os pareceres não desmerecem possíveis sinais de pesquisa nesse trabalho. No dizer de um avaliador: “tem conotações de pesquisa educacional? Creio que sim, porém não está relatado como pesquisa (...) Percebe-se que todo o processo compôs-se como uma pesquisa da possível mudança curricular, porém a descrição do processo deixa claro apenas a descrição do proposto e do realizado (...).” (parecerista C)

em suma, para a maioria dos avaliadores, apesar de boa escrita e fundamentação do relato, não é possível considerar esse trabalho uma pesquisa, pois carece de definição do problema, análise de dados mais rigorosa, explicitação de questões que emergem da prática, assim como um investimento maior em uma perspectiva crítica de suas experiências e conclusões. enquanto relato de experiência, representa um momento importante para a articulação dessa experiência e registro do processo e das interpretações para aprendizagem do grupo que a protagonizou.

diferentemente, três avaliadores consideram o trabalho como pesquisa. a justificativa elaborada por eles traz relevo ao processo desencadeado e experimentado por um grupo de professores, cujo resultado evidencia produção de conhecimento novo na educação. as falas, a seguir, extraídas dos pareceres desses três avaliadores ilustram essa constatação:

Caracterizo, desta forma, o trabalho apresentado como pesquisa, produzindo conhecimento novo e útil para modificar o processo ensino e aprendizagem de uma escola. (parecerista F)

(...) não se pode negar o processo de reflexão sistemática, coletiva a partir de objetivos e de suporte teórico, resultando em mudanças e transformações em processos de acesso ao saber novo construído por sujeitos que lhe dão sentido, incluindo elementos da avaliação final. Considero esse processo uma modalidade de pesquisa viável e adequada ao cotidiano escolar. (parecerista i)

(...) parece-me que o trabalho deve ser considerado um trabalho de pesquisa capaz de produzir conhecimento novo na educação. (parecerista J)

Como se vê, para os examinadores, a produção de conhecimento representa a força motriz de um trabalho de pesquisa. apesar de esses três avaliadores considerarem que o trabalho carece de mais investimentos,

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tanto na construção do objeto quanto na sua análise, o fato de se perceber nele indícios de elaboração de conhecimento o justifica como pesquisa.

dois dos três avaliadores que tomam o trabalho como pesquisa reforçam a argumentação daqueles que o consideram como relato de experiência, em função da forma como o texto foi elaborado. Para eles, a escrita parece não dar conta dos limites e possibilidades do processo investigativo vivido. esses avaliadores consideram que o relato, apesar de permitir a identificação de elementos essenciais a um projeto de pesquisa, padece de falta de sistematização dos dados e dos elementos de sua análise para dar suporte às conclusões. Como declara um deles: “as restrições que eu tenho referem-se à qualidade da análise. de um lado o autor parece privilegiar as referências teóricas e focalizar de maneira limitada detalhes nos relatos; de outro lado a interpretação do processo (...) é bastante restrita” (parecerista J).

Um avaliador, em especial, concorda com a categorização do trabalho como pesquisa-ação, pois o processo possibilitou que um grupo de professores protagonizasse o exercício de pesquisa, desenvolvendo a partir dele mudanças na proposta curricular de uma escola e atingindo novos níveis de compreensão do trabalho escolar. Para esse avaliador, o trabalho descreve bem o problema, apresenta fundamentação teórica, teoriza sobre o problema descrito, produz dados e busca soluções.

o avaliador que faz alusão às expressões estudo de caso e pesquisa-ação utilizadas no texto se insere entre aqueles que consideram o trabalho como relato de experiência. embora reconheça que o texto contém diálogo com a produção intelectual na área pedagógica, possuindo, inclusive, características de um relato científico, afirma que isso não é suficiente a um estudo que se caracterize como pesquisa científica. reconhece, ainda, que, de fato, a experiência relatada envolve um caso (a nova proposta pedagógica de um colégio) e, também, ênfase na ação, com vários sujeitos envolvidos no processo e experimentando a reflexão sobre a própria prática. todavia, no seu entender, isso não parece ser suficiente para se classificar o conteúdo do texto como pesquisa, seja ela do tipo estudo de caso e/ou do tipo pesquisa-ação.

3.2. O SEGUNdO TrABALHO

o texto “as atividades desenvolvidas com alunos do ensino fundamental sobre a temática da sexualidade: contribuições para construção autônoma de valores” descreve um estudo desenvolvido no contexto de uma sala de aula, voltado para a temática da sexualidade, tendo como objeto o desenvolvimento da autonomia do sujeito na tomada de decisões, frente a situações conflitantes na área da sexualidade. seus participantes são alunos da 7ª série de uma escola da rede de ensino público (hoje 8º ano de escolaridade), que desenvolvem discussões a partir da intervenção da professora pesquisadora, motivados por uma situação problema do cotidiano, estabelecendo uma interação em sala de aula que, segundo as conclusões da pesquisa, favoreceria o desenvolvimento moral dos estudantes. segundo a proposta de Josep Puig (1998), adotada no estudo, essas atividades passam pela clarificação de valores, compreensão crítica e discussão de dilemas morais.

o conteúdo das aulas partiu de uma situação problema proposta pela professora, com dados do cotidiano, envolvendo uma gravidez indesejada e/ou precoce. essas aulas foram audiogravadas e posteriormente transcritas para análise. Na apresentação dos resultados há descrição de uma das experiências realizadas,

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narrando-se a intervenção da professora e a dos alunos. afirma-se, também, com base no referencial teórico e na interação promovida em sala de aula, o acerto da prática desenvolvida com o fim de atingir o principal objetivo, qual seja, “a construção da personalidade moral dos alunos adolescentes, com o desenvolvimento autônomo dos valores para a tomada de decisões frente a situações conflitantes”.

Como conclusão, a autora admite que as práticas educativas, envolvendo a discussão sobre a temática da sexualidade, podem possibilitar que os alunos desenvolvam autonomia racional para exercer o livre-arbítrio sobre sua própria sexualidade, contribuindo para a construção de sua autonomia pessoal e para o exercício da cidadania.

Considerado por alguns avaliadores como o trabalho mais difícil de ser analisado, apenas dois pareceristas o tomaram por pesquisa. o parecerista i considera que o tema foi abordado de uma forma que pode ser considerada como pesquisa, já que ensejou uma “reflexão sistemática e fundamentada sobre uma problemática de formação que perpassa o cotidiano escolar”. ele continua a sua análise, percebendo o estudo como uma proposta “de intervenção fundamentada e acompanhada de reflexão avaliativa”. em seu parecer, procura definir uma concepção de intervenção como “processo de reflexão sistemática e dialogal dos sujeitos pesquisados sob a orientação da pesquisadora professora”.

Um segundo avaliador considera o trabalho como “pesquisa educacional possível em contexto de escola”, em função da possibilidade de estudantes se posicionarem diante de uma situação complexa a eles apresentada. Justifica seu ponto de vista, alegando que o trabalho evidencia um problema sobre o qual se produzem conhecimentos pela interatividade entre os alunos, professor e alunos e pesquisadora e alunos. reconhece, também, a descrição de um procedimento investigativo, com base em teóricos e, que, de alguma forma, “a pesquisadora fez uma comunicação, mesmo que pouco crítica, sobre outras possibilidades teóricas de desenvolvimento de valores morais, em contexto escolar e sua relação com o contexto social mais amplo” (parecerista F).

outro avaliador, que se aproxima da posição adotada pelos anteriores, apesar de afirmar que não consegue se separar dos critérios formais, através dos quais se baseia para fazer os julgamentos de pesquisa (parecerista a), atribui ao trabalho sobre sexualidade a categorização de “uma típica pesquisa do professor”. Justifica da seguinte forma: “define uma problemática do ensino; fundamenta-se em autores da literatura educacional, adequados ao problema; descreve (genericamente) os procedimentos de coleta de dados; analisa parte dos dados e tem um interesse muito local na problemática específica, porém não teoriza.” (parecerista a)

entretanto, esse avaliador conclui seu parecer revelando que não considera esse trabalho uma pesquisa, pelo fato de não localizá-lo dentro de um quadro mais amplo de conhecimento já sistematizado, não conter “uma descrição cuidadosa, nem uma autocrítica dos métodos de coleta de dados” (parecerista a). Nessa avaliação fica evidente o uso diferenciado do conceito de pesquisa acadêmica e pesquisa do professor, corroborando a ideia de que o avaliador admite na escola um tipo de pesquisa não inteiramente centrado sobre os critérios mais formais da academia.

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o parecerista B, apesar de também afirmar que o trabalho sobre sexualidade foi o mais difícil de ser analisado, classifica-o como “relato de pesquisa”. em seu parecer menciona critérios que, positivamente, a academia leva em conta para a realização de pesquisa: “uma fundamentação teórica bem feita, uma amostra de dados feita de forma clara e a análise desses dados relacionada com o referencial teórico apresentado”. referindo-se aos pontos negativos, destaca a metodologia da pesquisa como coincidente com a metodologia de ensino e “as conclusões muito gerais, pouco ligadas ao trabalho” (parecerista B).

distanciando-se dos anteriores, o parecerista C descreve esse trabalho como “relato de atividades”, em que o tema está bem situado na bibliografia, embora de modo breve, sem discussões e contrapontos. essa é uma observação recorrente na análise da maioria dos avaliadores: a falta de uma visão crítica no referencial teórico.

outro avaliador também afirma tratar-se de um “relato de atividades” com base em literatura específica. Comenta o aspecto referente ao conteúdo, levantando a questão “se recolher e contrapor opiniões é suficiente para fazer avançar o processo de autonomia por parte dos alunos”.

o parecerista e utiliza a mesma classificação do anterior, reconhecendo que “houve a preocupação de coletar e registrar dados, mas a conclusão ficou restrita a uma inferência genérica, que, de certa forma, independe dos dados”.

o parecerista g considera o trabalho, assim como os outros submetidos à sua análise, como “relato de experiência”. descreve o relato de experiência como

(...) momentos importantes para articulação das experiências, para registro de processos e interpretações, para aprendizagem do grupo ou convencimento da importância de tal vivência para outros interessados, mas as afirmações obtidas parecem mais reafirmações de crenças prévias e expectativas do que derivações das questões ou averiguações críticas das hipóteses de trabalho. (parecerista g)

o parecerista H parece ter adotado uma posição original. refere-se ao texto como um “exemplo de situação em que se estaria aprendendo a fazer pesquisa (...) e, com isto, contemplando aspectos e etapas de uma pesquisa”.

a expressão “aprendendo a fazer pesquisa” trouxe uma cogitação importante para o nosso estudo. iniciamos buscando pesquisas de professores da escola básica para submetê-las aos nossos avaliadores. a maioria dos avaliadores levantou questões de validação que, em nossas análises, buscamos verificar se podem ser aplicáveis tanto a pesquisas acadêmicas quanto a pesquisas do professor. esse avaliador reconhece diferenças entre um tipo e outro de pesquisa e fala da qualidade de certo nível de pesquisa, somente alcançado com seu aprendizado prático. Não seria a falta do exercício de pesquisa que estaria na base das diferenciações entre pesquisa acadêmica e pesquisa do professor, percebida em alguns pareceres?

referindo-se especificamente a aspectos metodológicos, esse avaliador comenta que não se observa uma sistematização ou controle das ações realizadas, pelos quais se possam apreciar as propriedades de

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validade e fidedignidade das análises, o que acaba “comprometendo a possibilidade de falsificação dos resultados do estudo”, que para esse avaliador parece indispensável (parecerista H).

o parecerista J não considera o trabalho em questão como relato de pesquisa educacional, apesar de buscar a articulação entre o referencial teórico e a fala da professora e dos alunos. Classifica-o como “projeto de pesquisa”. em sua opinião, “a pesquisa deveria focalizar o entendimento do contexto e dos efeitos da intervenção metodológica; o relato privilegia somente a fundamentação teórica da proposta, deixando pouco espaço para a apresentação e análise dos dados” (parecerista J).

Finalmente, gostaríamos de apresentar a análise do parecerista d, que não qualifica o trabalho como de pesquisa. restringe-se a fazer algumas observações sobre a metodologia empregada:

os autores fazem uma extensa introdução sobre o tema e em seguida apresentam uma das atividades realizadas durante a coleta de dados, cujo âmbito não é claramente delimitado. a análise é feita de forma geral, sem indicar em que elementos dos dados o pesquisador se apoia para chegar a conclusões amplas e genéricas. o papel das perguntas é um tema significativo

em pesquisa e nesse caso merece uma revisão para melhor informar o seu leitor. (parecerista d)

Como pôde ser observado, ao longo da exposição dos avaliadores relacionados à temática da sexualidade, procurou-se evidenciar uma sequência de classificações, iniciando-se com as opiniões dos avaliadores que consideraram esse trabalho como pesquisa científica, até aqueles que o analisaram como um relato de atividades realizadas em sala de aula. tal disparidade de avaliações ratifica a pertinência da temática da investigação, em relação ao universo profissional do professor da educação básica: o que conta como pesquisa?

O TErCEIrO TrABALHO

depois de criticar a descontextualização dos conhecimentos escolares organizados, tradicionalmente, por disciplinas que consideram o conhecimento estável e universal, fragmentado, compartimentado e fechado, o texto “grupo de trabalho em ensino de probabilidade e estatística: projetos de trabalho e o ensino da estatística no ensino fundamental” encontra nos Parâmetros Curriculares Nacionais um novo referencial para o ensino de Matemática. a partir daí busca fundamentação em autores que falam de interdisciplinaridade e transversalidade para apresentar um projeto interdisciplinar denominado “Matemática viva”.

Baseados na metodologia de projetos, os autores dividiram a turma em grupos de quatro alunos, onde cada grupo pôde escolher um tema de seu interesse para desenvolver uma “pesquisa” em que fosse necessário o uso da estatística para a sua compreensão. o projeto foi aplicado em três turmas da 8ª série do ensino fundamental (hoje 9º ano de escolaridade). os dados foram coletados durante todas as etapas do projeto, através de entrevistas, questionários abertos, verificação das anotações de campo, avaliação da equipe pedagógica, avaliação dos alunos participantes e avaliação do professor pesquisador. a análise final foi realizada pelo professor, com base nas teorias que fundamentaram a elaboração do projeto.

a maioria dos avaliadores não considera o trabalho uma pesquisa ou, pelo menos, não aceitaria o texto para publicação em periódico ou apresentação em evento científico.

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entretanto, alguns dos examinadores apresentam uma visão bastante positiva desse trabalho. o parecerista a, que reconhece no texto uma genuína “pesquisa do professor”, justifica seu enquadramento a partir de Fiorentini (1998) e destaca o fato de estar voltada para o ensino, de ter a preocupação bem localizada na situação de ensino, sendo uma investigação da prática do ensino.

Quando esse avaliador associa o artigo a uma “pesquisa do professor” na concepção de Fiorentini está se referindo a uma pesquisa sobre a prática pedagógica. No capítulo que escreveu no livro Cartografias do trabalho docente: professor(a) pesquisador(a) (FioreNtiNi, 1998), esse autor apresenta os saberes docentes como um desafio para acadêmicos e práticos. defende que o professor necessita da pesquisa para desvendar os caminhos concretos do ensino. sobre essa visão existe uma produção considerável do grupo de pesquisa ao qual pertence Fiorentini, o grupo de Pesquisa da Prática Pedagógica em Matemática (PraPeM), criado em 1995, vinculado à Faculdade de educação da Unicamp/sP.

o parecerista i também valoriza os aspectos ligados à prática do professor e busca neles a justificativa para considerar o texto como relato de pesquisa. em suas próprias palavras:

Pesquisa no chão da escola. duas dimensões de pesquisa caracterizam o presente relatório. de um lado, concebido e dirigido pelo professor, um projeto de intervenção de ensino/aprendizagem fundado nos princípios epistemológicos da pesquisa. do outro, os procedimentos de levantamento, organização, análise e apresentação de dados de pesquisa, com a devida dinâmica de interação

de grupos, pelos alunos envolvidos. (parecerista i)

em uma de suas afirmações, esse avaliador diz identificar-se com o grupo de pensadores chamados “epistemólogos da prática”, o que ajuda a explicar sua tendência a considerar o referido trabalho como uma pesquisa. É oportuno lembrar aqui o conceito de “epistemologia da prática” proposto por tardif, ao falar de práticas profissionais: “(...) o estudo do conjunto dos saberes utilizados realmente pelos profissionais em seu espaço de trabalho cotidiano para desempenhar todas as suas tarefas” (tardiF, 2000, p. 10).

assim, as opiniões dos avaliadores ao caracterizarem o trabalho como uma pesquisa se enquadram no contexto da pesquisa do professor, aberto à compatibilidade entre ensino e pesquisa e à possibilidade de construção de conhecimentos.

Uma segunda observação que aos olhos desses examinadores valoriza o trabalho em análise é o fato de ter objetivos e problemática bem definidos. de fato, ao iniciar a descrição do Projeto interdisciplinar “Matemática viva”, os autores do artigo dizem que o objetivo do projeto foi investigar a possibilidade de a Matemática ser geradora de um trabalho interdisciplinar, capaz de criar um ambiente que favorecesse a reflexão sobre temas transversais e desenvolvesse, a partir dessas reflexões, atitudes positivas que auxiliassem na formação de um cidadão crítico, responsável e autônomo.

Para o parecerista H, a formulação do objetivo do estudo é compatível com a de um objetivo de pesquisa. ele aponta ainda mais dois objetivos secundários enunciados no texto, concorrendo para a caracterização do trabalho como uma pesquisa, como o próprio avaliador observa: “(...) pelo menos em relação ao primeiro dos objetivos do trabalho (...) o projeto contém intenção própria de uma pesquisa científica e,

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obviamente, um caráter problematizador, implicando, também, uma questão de pesquisa: a possibilidade ou não de a Matemática ser geradora...” (parecerista H).

a temática, os objetivos e a problemática descritos no artigo levam o parecerista F a perceber aí pelo menos uma tentativa de pesquisa: “Há uma pesquisa que acompanha o processo, buscando verificar se os objetivos de significação e aprendizagem de conceitos de Matemática, estatística e de outros campos disciplinares permitem compreender em novos níveis determinados contextos ou situações” (parecerista F).

Não há dúvidas quanto à clareza dos objetivos no texto. No entanto, como explica o parecerista F, não parece que tais objetivos sejam os colocados pelos professores-autores na sua investigação. Pelo relato que fazem, segundo o avaliador, os objetivos enunciados referem-se ao projeto interdisciplinar que desenvolveram com os alunos na escola. acreditamos também que vários avaliadores fizeram um esforço para encontrar uma definição do problema, pois, como acontece com os objetivos, não fica claro se estamos diante do problema da pesquisa que sustentou a experiência pedagógica interdisciplinar, ou se se tratava dos problemas de ordem prática que foram surgindo durante a execução do projeto. Parece, assim, que sobram questões de ordem prática e falta enunciação do problema gerador da investigação sobre tais práticas.

a maioria dos avaliadores que optou por não caracterizar o artigo como de pesquisa definiu-o como um relato de uma experiência escolar bem-sucedida. até aqueles que o consideram como pesquisa fazem ressalvas quanto ao relato. Mesmo havendo uma pesquisa de fato, seria preciso melhorar seu relato para poder ser aprovada como comunicação em eventos científicos ou publicação em periódicos. o problema do relato é destacado pelos nossos avaliadores como um aspecto a merecer cuidado por parte do professor que deseja se encaminhar para a pesquisa, como se percebe nos pareceres de diversos deles ao avaliarem o artigo em questão.

aos olhos dos nossos avaliadores, fica evidente que não basta ao professor fazer uma pesquisa de fato. Para que ela tenha o reconhecimento público, é fundamental que seja relatada como uma pesquisa. Não se trata apenas da qualidade da expressão escrita, uma vez que alguns avaliadores até elogiaram esse aspecto. o problema é relativo ao conteúdo da redação. o relato de uma pesquisa não pode ser aligeirado. Não é aceitável deixar subentendidas questões que se encontram na prática do pesquisador. No trabalho em questão parece ter havido grande investimento numa discussão bibliográfica, mais retórica que teórica, e pouca descrição da realidade concreta. Nessa linha vão as críticas dos avaliadores que solicitam mais detalhes sobre a dinâmica da pesquisa, os impasses, as dificuldades, os desafios, as vicissitudes, os eventos e o que ficou sem solução. de fato, como assinala um avaliador, o relato ficou muito linear, apresentando somente os aspectos positivos.

Fica claro, pela insistência dos avaliadores, que tais preocupações, especialmente aquelas descritivas do processo de pesquisa, são imprescindíveis, tanto para a sua própria avaliação como para o debate científico para o qual o texto se destina.

alguns avaliadores insinuam que pode ter havido uma pesquisa de fato, mas que a forma como foi descrita a transforma num relato de experiência. É bem provável que a criação do Projeto interdisciplinar

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Matemática Viva tenha sido fruto de uma investigação minimamente científica. Mas o tratamento dado ao relato fez com que o texto se distanciasse da pesquisa, no parecer de alguns avaliadores, e se centrasse demasiadamente na experiência pedagógica.

o parecerista J diz textualmente que o relato, “para se tornar convincente, deve explorar sistematicamente os eventos e as falas objetivas”, e o parecerista K afirma que “a ausência de exemplos concretos da relação estabelecida entre conhecimento e aprendizagem não permite ao leitor avaliar o seu êxito”. os dois cobram a ausência de falas, exemplos e outros dados empíricos que poderiam dar ao leitor alguns parâmetros para avaliar e discutir as conclusões apresentadas pelos autores do texto. de fato, o trabalho não apresenta exemplos dos dados que levaram às suas conclusões. o que traz são apenas avaliações de três alunos sobre o projeto.

outro aspecto assinalado pelos avaliadores diz respeito ao diálogo com os conhecimentos já acumulados na área: “a fundamentação teórica é bastante interessante, porém muito ampla e não relacionada diretamente com o ensino de probabilidade e/ou de estatística. É uma boa fundamentação teórica para uma experiência pedagógica. Faltou uma revisão bibliográfica sobre o assunto que está sendo pesquisado” (parecerista B).

os autores do texto trazem diversos teóricos para o debate. No entanto, a forma como trabalham com a bibliografia de apoio acaba dividindo a opinião dos avaliadores. de um lado, aqueles que veem no artigo um relato de experiência (pareceristas B, F e g) consideram a abordagem teórica suficiente para tal. de outro, os que mantêm maior exigência (pareceristas a e J) acham que a discussão teórica feita pelos autores não é suficiente para uma pesquisa que pretenda ser científica. o parecerista i é uma exceção em relação a essa abordagem teórica, pois, além de reconhecer o artigo como pesquisa, aceita como suficiente a discussão teórica colocada pelos autores, pois acha que é a discussão possível em se tratando de pesquisa de professores...

ainda um problema levantado pelos avaliadores, que deveria ser trabalhado melhor pelos professores que buscam fazer pesquisa, diz respeito às análises. em relação a esse trabalho, os autores criaram certas expectativas de análise que não foram atendidas dada a simplicidade das reflexões feitas ao final do texto. eles apenas citam as principais conclusões tiradas do processo, mas não as confrontam com a rica teoria que apresentam no corpo do texto. tampouco se mostram críticos, considerando a possibilidade de tais conclusões fazerem parte da experiência prévia dos professores envolvidos ou terem surgido durante o processo, independentemente do desenvolvimento da pesquisa.

em relação ao que os autores apresentaram como conclusão, a análise do parecerista i aparece novamente como uma exceção, pois considera que o contexto do professor é muito diferente daquele do pesquisador profissional ou acadêmico. Para ele, nas condições limitadas do professor em relação à pesquisa, não se podem esperar muitas reflexões conclusivas, apesar de também cobrar mais crítica dos autores do artigo. Mesmo reconhecendo os diferentes contextos, temos ressalvas em relação à opinião desse avaliador, pois, ao aceitar com maior benevolência as análises dos professores, poderia estar ensejando a própria desqualificação dessa pesquisa. em nossa opinião, reconhecer que existem diferenças entre as pesquisas realizadas pelos professores da escola básica e aquelas que acontecem nas universidades não

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significa estabelecer hierarquização entre elas. dizer que são diferentes não é afirmar ser uma superior à outra, o que pode acontecer quando se admitem diferenças de rigor nas possibilidades de análises de uma e de outra.

3.4. O QUArTO TrABALHO

o trabalho “o professor, seus alunos e a resolução de problemas de estrutura aditiva” apresenta um estudo que descreve e analisa, segundo a teoria dos campos conceituais de gérard Vergnaud (1993), o modo como uma professora de Matemática de uma escola pública interpretou as notações de seus alunos de 6ª série (hoje 7º ano de escolaridade), quando estes resolveram problemas de estrutura aditiva.

No referido estudo, os problemas de estrutura aditiva, conforme a categorização do autor, são as diversas situações que conduzem a uma adição, a uma subtração ou à combinação dessas duas operações.

o estudo considera duas classes de situações: aquelas para as quais a criança dispõe das competências necessárias ao tratamento da situação, e outras, em que ela, por não deter todas as competências necessárias, carece de um tempo maior para refletir, explorar e fazer tentativas que poderão conduzi-la, ou não, ao sucesso.

analisando o modo como os professores interpretam as notações produzidas por seus alunos ao resolverem problemas de estrutura aditiva, estão colocadas para o estudo as seguintes perguntas: que dificuldades os professores manifestam ao fazer tais interpretações? eles reconhecem a presença das estruturas aditivas nos conteúdos que estão ensinando na 6ª série?

embora as interpretações da professora sobre as notações de seus alunos constituam o foco principal da investigação, esse estudo baseou-se no material colhido com ambos: alunos e professora. o que foi obtido das realizações dos alunos foi, em um primeiro momento, importante objeto de análise; em um segundo momento, essas realizações foram objeto das interpretações da professora. isso quer dizer que a coleta de dados foi feita a partir de material escrito contendo problemas resolvidos pelos alunos, nos quais os erros mais frequentes e as notações utilizadas foram identificados, e material produzido pela professora, através do qual ela comentou suas correções e interpretações sobre as notações dos alunos.

o estudo destaca alguns pontos de grande importância para professores e pesquisadores da área: o tempo necessário à formação de conceitos pelo aluno; a importância da construção de representações simbólicas durante a solução de problemas para a formação de conceitos; o lugar, no processo de ensino, das interpretações dos professores sobre as notações de seus alunos. a experiência relatada nesse trabalho foi considerada por 11 dos 12 avaliadores como uma pesquisa.

em uma visão geral da tarefa que lhe foi solicitada, o parecerista J diz que, diante de cada um dos trabalhos, buscou encontrar “uma questão a ser investigada, se a investigação foi conduzida mediante um procedimento sistemático e se produziu algum tipo de novo conhecimento”. No caso do quarto trabalho, aqui focado, esse avaliador classifica-o como um “típico trabalho acadêmico”. Para ele, destacam-se o uso

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sistemático do referencial para a análise dos dados, o detalhamento dessa análise e a estreita articulação entre os dados e o referencial. o estudo foi considerado por ele como tendo status acadêmico, como afirma claramente: “Certamente deve ser considerado como uma pesquisa acadêmica que procura interpretar os eventos de uma escola do ponto de vista acadêmico, ou seja, analítico, focando e articulando os elementos cognitivos envolvidos” (parecerista J).

observa-se, segundo esse avaliador, que a análise dos dados feita pelo pesquisador à luz do referencial teórico produziu um conhecimento novo. além disso, as “discussões e conclusões deste trabalho podem contribuir para a formação de futuros professores de Matemática, no que diz respeito ao processo de conceptualização dos conteúdos pelo aluno”.

ao classificar esse estudo como pesquisa, o parecerista e destaca a existência de questões norteadoras, o tratamento rigoroso e meticuloso dos dados, analisados à luz do referencial teórico adotado, e o conteúdo das considerações finais, em que se percebe o compromisso cumprido de responder às questões centrais que orientaram o estudo.

a importância da análise cuidadosa, da relação contínua e estreita entre a teoria e os dados, das questões bem formuladas e da produção de um conhecimento novo fundamentaram seus critérios para analisar o estudo em questão como sendo pesquisa.

o estudo em foco foi classificado por outro parecerista, C, como “pesquisa clássica”. Quando assim se refere ao estudo, o avaliador ressalta o espírito investigativo evidente, presente no texto. destaca, também, a clareza do problema estudado e das questões. Para o avaliador, os procedimentos de coleta de dados em função do objeto e dos objetivos estão devidamente apresentados e esclarecidos.

a avaliação do parecerista K a respeito desse estudo não é tão clara quanto ao fato de ser considerada, ou não, como pesquisa, embora o caracterize como um “consistente artigo” e o reconheça como um texto que relata uma pesquisa.

de acordo com outro parecerista, i, trata-se de uma pesquisa em educação, em que o autor evidencia o referencial teórico, define conceitos e estabelece categorias de análise. a amostra encontra-se bem delineada, bem como os procedimentos de coleta de dados. esse avaliador valoriza, ainda, a natureza reflexiva das conclusões gerais, que se voltam para o ensino/aprendizagem de Matemática e para a formação de professores.

Para o parecerista F, o trabalho em foco é um trabalho de pesquisa, que envolve um problema relevante, em contexto prático. aponta que “esta pesquisa tem foco voltado para o tradicional problema da não compreensão das dificuldades no desenvolvimento das competências e habilidades em Matemática”. em suas análises acerca do referido trabalho, o avaliador mostra valorizar o referencial teórico explícito, atual, os procedimentos metodológicos claros e bem executados e as categorias de análise muito bem descritas e aplicadas ao material analisado. Contudo, segundo o avaliador, “ainda falta à pesquisa uma análise crítica do próprio referencial e a indicação de outras possibilidades de análise dos resultados apontados”.

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a guisa de conclusão, o parecerista F reflete acerca dos frutos que essa pesquisa pode dar à comunidade escolar, favorecendo transformações na prática pedagógica dos professores e produção de pesquisa educacional pelos próprios professores de escola. segundo ele, para isso é preciso que haja uma interação entre pesquisadores e professores e uma comunicação da produção dos professores.

o parecerista H considera ser esse trabalho um exemplo do que é a “pesquisa científica”. e justifica a avaliação que fez do referido trabalho considerando que ele apresenta um bom relatório, evidenciando a relevância do estudo, boa contextualização e questões claramente formuladas. segundo esse avaliador, seu relato envolve “cinco etapas importantes que são a contextualização, os procedimentos metodológicos, coleta e tratamento das informações e suas interpretações, e que possibilita o entendimento de outros pesquisadores sobre a pesquisa e as conclusões sobre a matéria” (parecerista H).

Na concepção do parecerista a, trata-se de uma pesquisa, em função de haver uma questão claramente posta; uma descrição dos passos para investigar a problemática; uma formulação teórica muito bem definida e apropriada ao problema; uma discussão que nela se apoia; uma teorização ao final, onde se apontam contribuições, extraídas da análise dos dados coletados e da sua relação com a teoria.

o parecerista B se refere, nas suas conclusões acerca do trabalho, como sendo esse um relato de pesquisa. sua avaliação considera a fundamentação teórica precisa e de base; metodologia bem definida e apresentada ao leitor; a análise de dados benfeita e articulada com a teoria; as conclusões em que não só são relatados os resultados, como são feitas relações com o ensino e a aprendizagem em geral.

Nas concepções do parecerista d, “toda pesquisa deve ter objetivos claros, metodologia adequada para atingi-los e replicabilidade”. Por essa razão, esse avaliador classifica tal trabalho como pesquisa, pelas questões que o pesquisador levanta, pela descrição dos dados realizada e pela interpretação benfeita dos dados. destaca, ainda, o fato de as conclusões estarem adequadamente sustentadas nesses dados.

Para um único parecerista, g, trata-se de um relato de experiência, de consistência. dentro das concepções desse avaliador, apesar de o texto apresentar com clareza as questões que buscou responder, essas questões não se apresentam formuladas cientificamente. se assim estivessem, deveriam se mostrar comprometidas com uma universalização em seus achados, o que não está feito: “este trabalho mostra claramente o que estavam procurando desvendar (...) acho que tais questões poderiam ser consideradas como científicas se estivessem formuladas de maneira a buscar uma certa universalização em seus achados” (parecerista g).

No sentido da universalização citada, teria sido importante, segundo ele, estabelecer algumas relações, que ficaram por fazer: “o que esses professores pesquisados representam no universo dos professores de Matemática? o que já foi pesquisado no resto do mundo sobre estas questões e similares? o que os resultados encontrados implicam em relação ao conhecimento aceito na área?” (parecerista g).

entre os aspectos positivos do estudo, foram destacados pelo parecerista g o trato cuidadoso das questões, o texto bem escrito e a pertinência das conclusões derivadas do estudo.

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Quando defende a sua ideia de que nenhum dos trabalhos apresentados é pesquisa, o parecerista g faz uma distinção entre conhecimentos construídos pela pesquisa e por outras vias: “as lições tiradas podem estar certíssimas e serem de grande valia. Nem todas as lições importantes são frutos de pesquisa e, talvez, raramente advenham de pesquisas científicas. Mas se o que está em questão é se esses trabalhos devem ser julgados como pesquisas científicas, minha resposta é que não” (parecerista g).

apesar, então, de deter uma concepção um tanto rigorosa de pesquisa, o avaliador afirma a importância que atribui às experiências como um caminho de produzir melhorias e transformações das práticas. ele afirma que “esses efeitos podem ser mais significativos do que os oriundos de uma discussão abstrata e menos local sobre a educação”.

No nosso entendimento, o trabalho que está no centro dessa discussão é o que apresenta, aos olhos do conjunto de nossos avaliadores, o maior número de características de pesquisa, ou melhor, que tem como relato um texto que permite conhecer claramente o problema de pesquisa e suas questões, a fundamentação teórica adotada, a metodologia utilizada no estudo, um processo analítico consistente e os resultados do estudo. a leitura dos pareceres dos nossos avaliadores nos permite levantar elementos que ratificam a importância do relatório, a partir do qual são analisados os trabalhos de pesquisa, e da necessidade de que ele retrate, de forma o mais fiel e completa, as etapas do estudo realizado.

4- CONTrIBUIçõES AO dEBATE SOBrE PESQUISA

depois de uma longa caminhada em busca do que é considerado como pesquisa, no campo da educação, quando se trata de trabalhos efetuados por professores da educação básica, a que chegamos? Partimos da intenção de ver concretamente manifestada essa consideração, em função de instâncias reais de julgamento, e não apenas de ponderações ou reflexões sobre o que deve ou não deve ser uma pesquisa. e queríamos que essa manifestação proviesse de fontes de autoridade e autenticidade indiscutíveis. investimos muito esforço na busca dessas instâncias concretas de avaliação, constituídas pelos trabalhos de pesquisa propostos por professores, para apresentação em eventos científicos e que passaram a representar os objetos sobre os quais se projetaram as avaliações de julgadores abalizados.

as informações recebidas foram, portanto, sempre analisadas e consideradas como peças-chave de nossa investigação e foram sendo confrontadas com ideias constantemente recolhidas junto a autores interessados em nosso tema: Beillerot (1991/2001); andré (2001); Zeichner e Nofke (2001); Fiorentini (2004); dentre outros. a partir das muitas discussões no grupo de pesquisa sobre as informações recebidas dos avaliadores, das muitas reflexões de cada membro em torno delas, em conjugação com as sugestões extraídas da literatura pertinente e, também, depois de certa decantação sofrida por todo esse material trabalhado, resolvemos apontar, de modo um tanto ousado, alguns aspectos destacáveis de nossas análises. Não se trata de predominâncias, menos ainda de unanimidades, coisas que não constituem preocupações primordiais das pesquisas de abordagem qualitativa. são fios condutores que perpassam o emaranhado de dados que conseguimos reunir e nos levam a certo número de traços, que consideramos como esperados de uma pesquisa pelo conjunto de nossos avaliadores. Não são exatamente consensuais, isto é, não foram verificados por nós em todos e cada um de nossos pareceristas. Não é esse tipo de

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constatação ou de análise que nos levou a eles. Foi antes uma reflexão conjunta, de todos os membros do grupo, a partir de nossa própria compreensão das informações recebidas, com todas as suas nuances explícitas ou implícitas, suas pequenas incoerências ou até contradições aparentes, suas insistências e reticências, suas certezas e hesitações. eis os aspectos:

a) são muito valorizados os traços que se referem a uma boa apresentação geral do trabalho, tanto em relação à própria correção e adequação da linguagem, quanto, e principalmente, no que tange à concatenação das ideias, à articulação entre os diferentes componentes do trabalho, de modo especial à lógica que liga o estabelecimento do problema ao desenvolvimento do estudo, até suas conclusões.

b) observa-se a distância que muitas vezes existe entre a pesquisa e seu relato, comprometendo seriamente a possibilidade de um julgamento que faça justiça ao trabalho realizado efetivamente. Fazer bem uma pesquisa não é coisa fácil, mas é preciso também fazer bem o seu relato, o que constitui ainda maior desafio quando se trata de um texto de dimensões limitadas e formato estipulado, como é o caso, em geral, das agências financiadoras, dos encontros científicos e das publicações periódicas especializadas. a preocupação dos formadores de futuros pesquisadores dificilmente inclui essa incumbência em sua programação, como se pode notar, aliás, pela precariedade com que são feitos, em geral, os resumos das teses e dissertações.

c) são sempre ressaltados os problemas que comprometem o desenvolvimento do estudo, desde a própria formulação do problema, passando pela proposição da amostra, dos instrumentos para a obtenção das informações, e, de modo especial, o desafio da construção dos dados, das análises efetuadas e das conclusões às quais chega o estudo. a palavra rigor continua muito evocada, assim como a preocupação com a coerência entre conclusões finais e problema, ou questões iniciais.

d) o apoio teórico é um quesito muitas vezes apontado como particularmente frágil, não apenas na pesquisa realizada pelo professor, mas em toda a área da educação. Parece que se vem registrando uma melhora nesse aspecto, com as pesquisas procurando superar um padrão bastante corrente, em tempos passados, de articulação muito precária entre uma discussão teórica introdutória eloquente e o desenvolvimento do trabalho de pesquisa bem pouco correspondente, por vezes até bastante descolado das intenções iniciais. essa desarticulação foi notada por nossos avaliadores em alguns dos trabalhos examinados, tendo sido ressaltada de modo especial a carência do componente crítico nas análises apresentadas. o trabalho de tratamento dos dados, em sua articulação com a discussão teórica envolvida no estudo, parece-nos um aspecto de particular importância, que merece cuidado especial por parte dos professores formadores de futuros pesquisadores, constituindo mesmo um dos maiores desafios enfrentados pelo investigador iniciante.

e) ainda que a preparação do professor para a pesquisa seja um alvo bastante consensual, integrando já grande parte dos programas dos cursos de formação de professores e até a própria legislação, é conveniente insistir sobre sua importância. dedicamos a esse tema a segunda etapa do nosso estudo (lÜdKe, 2002), na qual pudemos constatar as ambiguidades e dificuldades vividas por professores formadores, nos cursos de licenciatura, que reconhecem a importância e a urgência da preparação do futuro professor para a

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prática de pesquisa. entretanto, esse reconhecimento não basta para que percebam com clareza quais os caminhos mais eficientes a serem seguidos, quais os melhores recursos a serem empregados, qual o papel da monografia, ou da disciplina metodologia de pesquisa. Nossos informantes, nessa etapa, se mostraram bastante divididos em relação a essas questões, mostrando, entretanto, grande convergência ao reconhecer a importância da participação do estudante em grupos de pesquisa liderados por seus professores. É importante atentar, também, para o papel da formação continuada em relação a essa questão. ainda é pouco desenvolvida entre nós a prática do envolvimento de professores da educação básica em projetos de pesquisa desenvolvidos em colaboração ou em cooperação com pesquisadores da universidade, o que representa excelente oportunidade para a preparação daqueles professores, além de propiciar condições para o desenvolvimento de pesquisas muito mais próximas e significativas para problemas da educação básica, do que boa parte das que vêm sendo realizadas no meio acadêmico.

f) subjacente a toda a discussão em torno dos pareceres de nossos avaliadores se encontra a suposição de que a pesquisa se volta, se dedica, se define pela construção de conhecimento. É preciso atentar para a relevância que esse conhecimento tem para a área, para o domínio no qual se desenvolve o estudo, para a contribuição que seus “achados” podem oferecer no enfrentamento dos problemas vividos por alunos e professores de nossas escolas, dizem nossos pareceristas. Mas não questionam que a pesquisa deve se consagrar à produção de conhecimento, embora não seja, por certo, a única via para essa produção, como observou muito claramente um deles. Há outras maneiras de produzir conhecimento, lembra ele, por vezes bem mais aproximado das necessidades reais de nossa educação, do que o produzido pela pesquisa. Certo, consideramos muito oportuno atentar para a reflexão de nosso avaliador. Mas também é preciso lembrar a importância que a prática de pesquisa pelo professor confere ao conhecimento por ele produzido. sobre esse aspecto nosso estudo pretende contribuir, com todos os seus “achados”, voltados para despertar no professor, tanto o que já está atuando no magistério, como o que se encontra em formação, a sua dimensão como pesquisador e a importância da preparação para ela. Neste ponto se cruzam as necessárias discussões sobre estratégias de formação para a pesquisa, condições e recursos para a sua realização em nossas escolas, tipos e modalidades ou modos de fazer pesquisa e até sobre o próprio conceito de pesquisa, que merece bem mais questionamento do que tem recebido, como se percebe pelo artigo muito citado de J. Beillerot (1991/2001).

g) a relação entre ensinar e pesquisar foi muito debatida no grupo de pesquisa, pois estamos bastante conscientes e sensíveis à discussão levantada na literatura sobre as relações e os distanciamentos entre ensino e pesquisa, tais como são discutidos por vários autores nossos conhecidos. devemos lembrar, a essa altura, a discussão frequente sobre a propriedade de certa pesquisa, ou um tipo de pesquisa, particularmente indicado para o professor. esse tipo seria “diferente” daquele praticado pelo pesquisador da universidade. sabemos que há muitos pensando assim entre os membros da comunidade de pesquisadores da área de educação. receamos que essas “diferenças” que marcam a pesquisa do professor, em relação à do universitário, possam marcar também certa inferioridade, ou uma certa hierarquização entre os tipos de pesquisa. e também receamos que elas possam significar uma orientação ou mesmo destinação do trabalho de pesquisa do professor para certos tipos de problemas encontrados em sua prática, o que limitaria seu trabalho de pesquisa a esses tipos de problemas, e não o abriria para todos os problemas e temas que possam ser do seu interesse e, quando possível, do seu alcance.

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temos tido a chance de compartilhar este estudo com professores da educação básica de diferentes lugares de nosso país. em todos os contatos, através de conferências, mesas de debates, conversas, os questionamentos dos professores apontam a necessidade de formação para a pesquisa, a importância de seu exercício e a urgência de investimento nas condições básicas à sua realização. a aproximação com a universidade é apontada por eles como uma exigência face aos desafios que estão postos ao trabalho docente e aos dilemas, velhos conhecidos nossos, que permeiam a sua formação. a pesquisa se insere no contexto da aproximação requerida, sem a preocupação de delimitar o que é pesquisa do professor da educação básica e o que é pesquisa do professor da universidade. sem dúvida, essa é uma questão mais discutida no âmbito acadêmico. diante das premências que sofre a escola hoje, o que se espera é que esforços sejam empreendidos por ambos os espaços, escola e universidade, para que professores e todos os demais profissionais da educação se reconheçam protagonistas do processo de pensar e praticar a educação, e que a pesquisa sobre a sala de aula, sobre a escola, sobre as políticas educacionais ou sobre tudo o que se volte para a qualidade da educação que se desenvolve nos espaços escolares cumpra seu papel em consonância com o trabalho do professor.

Nessa perspectiva, reafirmamos que vemos com muito cuidado qualquer diferenciação entre pesquisa acadêmica e pesquisa do professor. diferenças existem e são reconhecidas tanto por pesquisadores das universidades quanto pelos próprios professores da educação básica. No entanto, elas não implicam o estabelecimento de hierarquia entre ambas, em que a pesquisa do professor passaria a ser vista como uma pesquisa menor. os estudos sobre a pesquisa do professor ainda são incipientes para explicar a natureza das diferenças entre as duas pesquisas. Por isso cuidamos para não nos precipitarmos nas conclusões. Não encontramos critérios ligados à pesquisa acadêmica que não possam ser aplicados à pesquisa do professor. Parece-nos que as diferenças ultrapassam os critérios tradicionais de validação da pesquisa, que continuam pouco questionados, mas sempre questionáveis...

a contribuição principal esperada por nós com este texto é trazer a opinião de pesquisadores muito credenciados, pela sua formação, experiência de pesquisa e interesse pela formação de professores, sobre como consideram a pesquisa feita pelo professor, a partir do exame de relatos selecionados de modo especial para representá-la. todo o trabalho realizado pelo nosso estudo e, sobretudo, pelo exame cuidadoso desses avaliadores constitui garantia de lições valiosas a serem extraídas desse esforço comum entre o grupo de pesquisa e o trabalho dos examinadores.

ao lado das oportunidades para apresentar e publicar nossas constatações (lÜdKe, 2009; lÜdKe; CrUZ; BoiNg, 2009; lÜdKe; CrUZ, 2009), quisemos focalizar neste texto, de maneira mais explícita, as afirmações dos próprios examinadores dos trabalhos selecionados, acompanhadas de nossos comentários para que os leitores tenham acesso direto a manifestações de um corpo de julgadores representativo de modo especial da comunidade de pesquisadores em educação em nosso país. eles reúnem as características de qualificação e experiência de pesquisa na área, com o interesse assumido pela formação de professores, como já assinalamos. Por isso sua avaliação tem um significado diretamente ligado ao tema central do nosso estudo: o que conta como pesquisa.

suas manifestações expressam, ao mesmo tempo, expectativas próprias da academia, e das organizações que a regem, em relação à produção de pesquisas, ao lado de sugestões e orientações para a melhor

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realização de trabalhos de pesquisa pelos professores, assim como para seu próprio desenvolvimento profissional. a transcrição dessas manifestações mostra também a variedade de ideias e mesmo de concepções que cercam o conceito de pesquisa, em particular quando se trata daquela realizada pelo professor. ela se situa no centro de um grande debate, ao nosso ver apenas incipiente.

Consideramos importante trazer para esse debate a contribuição de um estudo específico sobre o tema, que sinaliza para os professores o caminho da pesquisa esperado pela academia e para esta a combinação de trilhos e trilhas que compõem esse caminho: os trilhos representando a via reconhecida e consolidada, as trilhas, a variedade de possíveis vias para se chegar ao mesmo destino.

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artigos

EM FOCO: A GESTÃO DAS RELAÇÕES EM SALA DE AULA

Maricéa do Sacramento SantosCarlos Henrique de Souza Gerken

Resumoo presente artigo tem por objetivo analisar as relações interpessoais estabelecidas entre os atores sociais (professora, alunos e suas famílias) que protagonizam uma prática pedagógica bem-sucedida no contexto de uma escola pública, focalizando a gestão das relações em sala de aula e destacando a afetividade como uma das condições determinantes para a superação de dificuldades de aprendizagens, elevação da autoestima e alcance do sucesso escolar por sujeitos socialmente vulneráveis e fadados ao fracasso em razão de seus históricos escolares anteriores. Baseia-se nos dados do trabalho de pesquisa intitulado Reflexões e prática de uma professora bem-sucedida, apresentado em forma de dissertação de mestrado ao Programa de Pós-graduação da UFsJ (2010), cujo propósito foi compreender o saber fazer da docente, focalizando os seguintes aspectos: a dimensão institucional, a gestão das relações em sala de aula, o planejamento do trabalho diversificado e a opção pela avaliação diagnóstica da aprendizagem.

PalavRas-chave: afetividade; prática pedagógica; dificuldade de aprendizagem; sucesso escolar.

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INTrOdUçãO

o contexto desta investigação é uma escola pública da rede estadual de ensino do estado de Minas gerais, a escola estadual dr. garcia de lima, em são João del rei, onde identificamos como sujeitos da pesquisa: a professora rosária, efetiva, devidamente habilitada para o trabalho docente, com 20 anos de experiência profissional e cuja prática pedagógica é considerada bem-sucedida por toda a comunidade escolar (direção, supervisão pedagógica, colegas professoras, funcionários, pais e alunos) e seu grupo de 23 alunos, agrupados em razão de suas necessidades específicas de aprendizagem, com os quais trabalhou por dois anos consecutivos (2007-2008), visando garantir-lhes os conhecimentos básicos necessários para a consolidação do processo de alfabetização e letramento, condição fundamental para o progressivo avanço na trajetória escolar.

optamos por uma proposta de pesquisa crítico-colaborativa, que se fundamenta num esforço de reflexão conjunta, em que pesquisadora e sujeito (professora investigada e também pesquisadora de sua própria prática), de acordo com Pimenta (2005), analisam criticamente as ações pedagógicas realizadas em sala de aula, visando a problematizá-las para entender melhor as razões de agir da docente, colaborando, assim, para a compreensão das condições de emergência e para a consolidação de uma prática pedagógica ainda mais eficiente, realmente comprometida com o sucesso escolar de todos os educandos. Por meio de observações em sala de aula, dos registros em diários de campo, de memórias das conversas informais com a professora sobre os episódios observados, de entrevistas com a docente gravadas e transcritas, da autobiografia da professora, da análise documental dos registros de planejamento da prática docente e de depoimentos dos atores sociais envolvidos no processo ensino-aprendizagem, os dados da pesquisa foram produzidos e analisados, seguindo orientações de Bardin (1994), que propõe a análise de conteúdo.

este estudo se apoia em alguns conceitos fundamentais como o de “prática pedagógica”, discutido especialmente sob a perspectiva teórica de Freire (2002); o conceito de “professor reflexivo”, a partir dos estudos de schön (1995, 2000), Zeichner (1993, 2008) e Pimenta (1996, 2005, 2008), com enfoque maior na docência, no ensino e na prática pedagógica dos professores no cotidiano da sala de aula; e os conceitos de “saberes e formação docente”, tendo como referência os estudos de tardif (2000, 2002). Faz também uma breve revisão de literatura, consultando algumas pesquisas significativas já realizadas sobre práticas pedagógicas bem-sucedidas como as coordenadas por Kramer e andré (1984), Cunha (1997), ambrosetti (1999), abramovay (2003), Crahay (2007), gatti (2008) e ladson-Billings (2008), buscando dialogar com esse campo de conhecimentos com o objetivo de compreender melhor o saber ser e o saber fazer da professora investigada com seus alunos para favorecer-lhes a aprendizagem.

segundo Freire (2002), que defende um modelo de educação progressista e libertadora, é fundamental para o sucesso do processo ensino-aprendizagem que o professor conheça a realidade de seus alunos, saiba ouvi-los com atenção, respeite seus limites e saberes, estimule suas capacidades de raciocínios e suas habilidades, promova sempre o diálogo, reflita sempre sobre o seu saber fazer pedagógico, tenha paciência, tolerância, criatividade, criticidade, compromisso, alegria, disponibilidade, planejamento, aceitação do novo, rejeite qualquer forma de discriminação e tenha, sobretudo, afetividade, para lidar com mais destreza diante dos desafios que o complexo espaço da sala de aula apresenta.

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Corroborando esse princípio, é válido destacar o pensamento de ladson-Billings (2008) que, com foco nas práticas pedagógicas observadas em sua pesquisa, conduz à constatação de que “crianças diferentes têm necessidades diferentes, e voltar-se para essas necessidades diferentes é o melhor caminho para lidar com elas de maneira justa, especialmente na sala de aula” (p. 52). Nessa perspectiva, o estudo identifica os professores com práticas culturalmente relevantes e, consequentemente, bem-sucedidos como aqueles que têm elevada autoestima e grande respeito pelos outros; que veem o magistério como uma arte; que acreditam que todos os alunos podem ser bem-sucedidos; que respeitam a identidade cultural, étnica e racial dos alunos; que estabelecem relações flexíveis e de afetividade com seus alunos; que incentivam a participação dos alunos em atividades coletivas e os estudos cooperativos; que trabalham criticamente com os conteúdos curriculares; que ajudam os alunos a desenvolver as habilidades necessárias; e que consideram a diversidade dos alunos e as diferenças individuais.

À luz desse arcabouço teórico, este texto buscará evidenciar a gestão das relações estabelecidas pela professora rosária e seus alunos em sala de aula e com suas famílias, como uma das dimensões fundamentais para o sucesso da prática pedagógica em questão.

1 A gestão dAs relAções em sAlA de AulA

Comumente, históricos de alunos com dificuldades de aprendizagem, reprovações consecutivas e que vivem em condição de vulnerabilidade social são atrelados a problemas de indisciplina, gerando agressividade nas relações interpessoais, pouca motivação para os estudos e baixa autoestima, de acordo com as conclusões apontadas por abramovay (2003) num estudo em que destaca experiências bem-sucedidas em escolas públicas brasileiras, com o objetivo de neutralizar ocorrências de violência escolar e de discriminação de qualquer natureza. sugere a pesquisa que essa perspectiva de problemas escolares e pedagógicos, entretanto, pode ser passível de solução por meio da adoção de práticas pedagógicas mais consistentes, efetivamente adaptadas às realidades a serem transformadas. também o estabelecimento de relações interpessoais mais afetivas e amistosas entre os atores sociais envolvidos no processo ensino-aprendizagem pode favorecer o sucesso escolar desses sujeitos.

Foi exatamente essa a conduta adotada pela professora rosária com seu grupo de alunos, determinada a oferecer-lhes uma oportunidade diferente de aprendizagem, para superação das dificuldades já diagnosticadas nas experiências escolares anteriores, marcadas pelo fracasso da reprovação, pela discriminação advinda dos problemas de indisciplina e dos históricos de vulnerabilidades familiares.

Vamos analisar então, nos próximos itens, a gestão das relações interpessoais entre alunos e alunos, a professora e os alunos no contexto da sala de aula e, ainda, a interação com as famílias consideradas parceiras nessa tarefa educativa.

1.1 A AFETIvIdAdE COmO dImENSãO dA SUPErAçãO

o perfil inicial do grupo de alunos recebidos pela professora rosária em 2007 desafiou a docente para repensar sua prática pedagógica e eleger, na gestão das relações interpessoais na sala de aula, a afetividade

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como elemento indispensável para superação das dificuldades apresentadas pelos alunos. ela comenta sobre a complexidade de seu desafio profissional:

(...) meu maior desafio foi mostrar para eles que ali nós seríamos uma turma de amigos e que entre amigos existem regras, existem combinados – eu não posso invadir, eu não posso prejudicar o meu amigo, eu não posso invadir o espaço dele, entendeu? eu tenho que respeitar. essa questão foi muito desafiadora porque você trabalhar com o menino, ou com o aluno que tem um déficit de aprendizagem não é fácil, mas eu ainda acho mais fácil do que você trabalhar com o aluno que, além do déficit de aprendizagem, ele tem também problemas de comportamento.

(entrevista gravada em 27/07/09)

em sua fala, a docente mostra que procurou basear suas relações iniciais com os alunos nos princípios da amizade e do respeito, estabelecendo com eles regras de convivência social, para afetivamente conseguir conquistar o grupo e estabelecer um clima de confiança que favorecesse o desenvolvimento de sua proposta educativa. Vencer essa primeira barreira da falta de motivação para os estudos, da dificuldade de concentração, da indisciplina, exigiu da professora muita paciência, dedicação, abertura para o diálogo, no sentido de abrir realmente o coração para acolher e amar como fazem as mães mesmo diante das maiores limitações ou falhas de um filho.

alves-Mazzotti (2008) discute essa questão do “sentido da dedicação” na profissão docente, ajudando-nos na compreensão de que alguns fatores, como a idade das crianças (correspondente à faixa etária nas séries iniciais do ensino fundamental) e o tempo de permanência delas com a professora, aliados à carência e ao desamparo, desempenham papel fundamental na produção do sentido de dedicação, associado à maternidade, ao cuidar, ao proteger. analisando por essa perspectiva, vejamos como a professora rosária descreve suas primeiras abordagens com a turma:

(...) eu procurei colocar muito nesse sentido assim: primeiro, que sala de aula é aquele lugar de amigos, é um lugar seguro, é um lugar que você pode dar a sua opinião, é um lugar de respeito, para eles se sentirem seguros (...) Um dia, nós elaboramos: o que seria legal de acontecer na nossa sala? em outras palavras, quais seriam as regras? Mas eu não quis colocar assim de cara “regras”. o que seria bom que acontecesse? seria bom se todo mundo respeitasse, seria bom se a gente fizesse atividades bacanas. então, eu fui tentando puxar com eles essas coisas, para ver o que eles gostavam, quais as expectativas deles, para eu poder entender. aí, foi o que eu fiz, e é o que eu sempre falo muito com eles e o que eu faço com todos os meus alunos. eu amo vocês de paixão! e quando a gente é apaixonada, a gente não quer que as pessoas façam coisas erradas e vão pro buraco. eu amo vocês de paixão! eu sempre usava isso com eles. Porque é uma turma que sentia essa carência de abraço, de beijo, de atenção, de toque. então, minha relação com eles, minha proposta só deu certo por causa desse início, que foi um início em que a gente conseguiu costurar muita coisa, eu queria fortalecer o grupo. (entrevista gravada em 27/07/09)

o eixo central colocado pela docente foi a questão dos limites e das consequências das atitudes dos alunos numa convivência grupal. o amor a que se referiu em seu depoimento não compactua com uma postura permissiva da educadora sem o estabelecimento de regras, mas, ao contrário, refere-se a uma

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orientação equilibrada que conjuga tratamento carinhoso e firmeza de posicionamentos ao mesmo tempo, propondo à turma atividades desafiadoras, instigantes, interessantes, que conseguissem envolver e motivar os alunos para os estudos e que conferissem à docente um manejo competente de classe.

oportunamente, refletindo junto à pesquisadora, a professora sintetiza em suas palavras as características da turma que justificaram a necessidade de uma postura mais carinhosa e reflexiva nas relações com seus alunos:

eles percebiam que eram diferentes. então, quando eu assumi a 3ª série (4º ano) com eles, eu tentei dar uma roupagem nova, procurei trabalhar com eles de forma diferente para que eles se sentissem parte da escola e não aquele grupo que era o grupo que ninguém queria, o grupo que ficava fazendo trabalhos “atrasados” na concepção deles. discriminados! (...) Procurei inicialmente trabalhar mais a questão dos valores, para mudar um pouco a imagem deles: de agressivos para comportados, educados. (...) Porque, dois anos que eles passaram na escola, eles receberam uma carga de repressão: tem que fazer assim, tem que ser assim, faça isso, não faça isso! sem muita reflexão. eles ficaram (...) como eu vou dizer, “domesticados”, acho

que é a palavra certa. (entrevista gravada em 11/02/09)

a fala da professora explicita que desfazer um quadro de discriminação sentido pelos alunos e veiculado no contexto escolar e, além disso, habituá-los a refletirem sobre suas ações e possíveis consequências delas, ao invés de somente receberem punições e represálias pelas faltas cometidas, eram exigências prioritárias naquele contexto. então, o desafio que se impunha à professora diante dessa realidade era, necessariamente, de uma prática pedagógica diferenciada, baseada não só na recuperação dos conhecimentos defasados, mas, sobretudo, ancorada em relações de afetividade entre docente e discentes, estabelecendo o respeito e a confiança essenciais que devem alicerçar os processos educativos. assim, a professora rosária explica sua relação com os seus alunos:

então, como eu fiz? Comecei a trabalhar com eles não a questão de ter piedade, dó deles (não é isso!), mas a questão de que eles eram alunos da escola, precisavam avançar e eu estava ali para ajudar. então, eu me coloquei muito como amiga, com os limites, é claro, com as regras, com os combinados. e nesse período, para você ver, eram casos de meninos com fichas de advertência na secretaria “quilométricas” e que, graças a deus, durante esses dois anos, eu não precisei alterar nada. eles continuaram com as fichas quilométricas dos anos anteriores, não do meu trabalho. e sempre lembrando: gente, nós estamos aqui este ano, vamos trabalhar, nós estamos juntos, nós vamos conseguir avançar. Quer dizer, tentei! acredito que consegui legal mudar esse lado deles, acho que devido à minha formação, meu jeito, meu perfil, tudo, consegui avançar nesse sentido de socialização do grupo, de trabalhar muito com eles em círculo, em grupos sempre, em duplas. eles quase nunca trabalhavam individualmente. É claro que, quando necessário, tinham momentos de atividades individuais, mas eles mesmos pediam

para trabalhar com o colega. (entrevista gravada em 11/02/09)

Consciente de que atitudes “piegas” em função dos históricos de vida de seus alunos não iriam favorecer o crescimento deles nos aspectos cognitivos, emocionais e relacionais, a professora demonstra em seu depoimento que apostou nas vantagens de relações fortalecidas pela afetividade e regidas pela amizade,

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pelo companheirismo, pelo respeito às regras e aos outros, usando sempre uma linguagem clara e simples, com palavras de incentivo para estimular o grupo a avançar nas aprendizagens, principalmente na questão da socialização. Com ênfase nas atividades coletivas e em grupos, criou em sala de aula o espaço para as práticas dialógicas, tanto nos momentos de construção de novos conhecimentos como em situações de resolução de conflitos. sobre os laços afetivos de amizade e confiança estabelecidos em suas relações, a professora revela: “os meninos tinham muita liberdade de me procurar para conversar não só sobre questões escolares, pedagógicas, mas sobre as pessoais também. (...) e continuam até hoje. eles já foram lá para o 6º ano (5ª série) e continuam chegando, me procurando como se eu fosse um porto seguro. Qualquer coisa, qualquer dificuldade, eles me procuram. (entrevista gravada em 11/02/09)

a abertura encontrada pelos alunos para procurar a professora, durante o período de trabalho juntos (2007-2008) e mesmo depois, já cursando as séries finais do ensino fundamental, buscando aconselhamentos e orientações diversas, reforça o clima de confiança e amizade que a docente conseguiu estabelecer com esse grupo de alunos e que, certamente, contribuiu em grande escala para o sucesso das propostas pedagógicas desenvolvidas. retomando as proposições de Freire (2002), é fundamental que o professor queira bem aos seus educandos e tenha disponibilidade para o diálogo, possibilitando-lhes espaços para apresentarem suas dúvidas e questões, discutirem diferentes pontos de vista, expressarem opiniões, relatarem novidades, num ambiente de interatividade, para que realmente a prática educativa aconteça.

durante o período de observação na escola da prática da professora investigada, foram testemunhadas várias cenas em que a docente conversava individualmente com um aluno, por exemplo, no banco do pátio durante o recreio, em função de algum problema detectado; ou permanecia com alguns alunos em sala, durante o horário de aulas especializadas (educação Física, ensino religioso e/ou Musicalização), fixando algum conteúdo, reavaliando ou auxiliando numa tarefa não cumprida; ou mesmo permanecendo em sala após o sinal de final do turno, dando atenção a algum aluno que solicitou uma conversa particular e/ou alguma explicação mais detalhada de uma questão sobre a qual tenha ficado em dúvida. todos esses procedimentos demonstram a disponibilidade e a atenção dispensadas pela professora para com seus alunos, buscando dar-lhes uma assistência mais individualizada, ampliando o tempo de atendimento escolar, sempre necessário para alunos com dificuldades de aprendizagem. Vejamos o registro de um episódio ilustrativo dessa postura da docente testemunhado pela pesquisadora:

após o sinal e saída dos alunos, o aluno “Francisco” pediu a ajuda e atenção da professora para entender uma situação real de uma compra feita pela mãe envolvendo “juros” de 5%. o conteúdo “juros” foi trabalhado em matemática durante o mês (informou-me a professora). a professora forneceu as explicações com paciência e conferiu os cálculos feitos pelo aluno, que estavam corretos. o aluno concluiu que a mãe não fez bom negócio e iria alertá-la. rosária aproveitou a oportunidade para aconselhar o aluno sobre seu comportamento em casa (a partir de queixas apresentadas pela mãe), pois, na escola, ele estava cada vez melhor. ele ouviu com atenção. Mostrou-se satisfeito com as explicações matemáticas, agradeceu, comprometeu-se em melhorar as atitudes com a mãe em casa e despediu-se, saindo em disparada para alcançar

os colegas no portão da escola. (Notas do diário de campo, data: 29/08/10, quarta-feira)

o episódio registrado é um indicativo da relação de proximidade e amizade da professora com seus alunos e suas respectivas famílias, permitindo extrapolar as aprendizagens em sala de aula para situações reais vividas em seus cotidianos e ainda auxiliar na questão da formação de hábitos e atitudes em parceria com os pais.

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até aqui, tratamos de compreender como a professora se preocupou em estabelecer uma relação de confiança com os seus alunos para favorecer a prática pedagógica. No próximo segmento do texto, procuraremos entender como se deram as relações entre os próprios alunos no contexto da sala de aula.

1.2 CrIANdO POSSIBILIdAdES dE dIáLOGO ENTrE OS ALUNOS

apostando nos benefícios da interação “alunos e alunos”, em que as trocas são mais efetivas por se processarem numa mesma linguagem e em níveis próximos de desenvolvimento cognitivo e na eficácia das práticas dialógicas para resolução de conflitos, conscientização das responsabilidades e motivação para estudar, a professora investigada procurava conduzir sua ação pedagógica sem perder de vista a diversidade da turma, suas diferentes origens e vivências sociais e culturais, suas necessidades e anseios. essa postura ética, que permite ao docente estabelecer relações flexíveis e de afetividade com seus alunos, remete-nos à concepção do “bom professor”, discutida por Cunha (1997), e também à de “professores com práticas culturalmente relevantes”, investigadas por ladson-Billings (2008), que incentivam a participação dos alunos em atividades coletivas e estudos cooperativos, que trabalham criticamente com os conteúdos, que acreditam que todos os alunos podem ser bem-sucedidos, que têm grande respeito pelos outros, que encaram o magistério como uma arte e que procuram ajudar os alunos a desenvolverem as habilidades necessárias para avançarem em suas trajetórias escolares.

a professora rosária destaca em sua fala os avanços alcançados com sua turma em termos de socialização por criar em sua sala de aula um ambiente favorável ao diálogo:

Porque, apesar de que no primeiro ano de trabalho foram apenas alguns avanços, mas foram significativos: eu já conseguia fazer a turma assentar em círculo, em grupo, sem um agredir o outro, sem falar palavrões com o outro. isso foi um avanço. eu consegui, por exemplo, dos 23 alunos, que pelos menos uns 15 cumprissem as tarefas na íntegra, cumprissem uma atividade, fossem até a minha mesa para expressar uma dúvida, perguntar, mostrando interesse em

aprender. (entrevista gravada em 11/02/09)

Conseguir neutralizar a agressividade sempre presente nas relações entre os alunos da referida turma e que era a queixa recorrente dos professores que antecederam o trabalho da professora rosária foi o mais significativo resultado do primeiro ano de suas intervenções pedagógicas quando foram priorizadas as atividades em duplas, trios, pequenos e grandes grupos, em rodas, contribuindo para o exercício do diálogo, das trocas entre os pares, das atitudes colaborativas (alunos mais avançados orientando colegas com mais dificuldades) e para a livre expressão de todos os alunos, participando ativamente das atividades propostas e manifestando opiniões, dúvidas e curiosidades. a rotina dessas práticas favoreceu o processo de socialização da turma, ajudando na mudança de seu perfil, e uma aproximação maior entre alunos e alunos, professora e alunos.

Fiel ao papel de pesquisadora, a quem cabe a função de problematizar a realidade investigada, objetivando oportunizar um repensar das ações e decisões tomadas durante o processo

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ensino-aprendizagem, indaguei a professora sobre como ela procedia em situações de conflitos em sala de aula: “então, sempre que possível, eu trabalhava com os combinados construídos com eles, a fim de que nossa sala ficasse um ‘céu’, um lugar legal! Quando os conflitos apareciam, eu parava o trabalho, voltava com eles aos combinados para resolvermos juntos o problema. se

não dávamos conta, então solicitava ajuda à escola.” (entrevista gravada em 11/02/09)

É mais uma vez observável no discurso da professora a opção pelo diálogo e pela reflexão permanentes com os alunos em todas as situações de conflitos, relembrando-lhes os combinados por eles mesmos elaborados e procurando conscientizá-los da importância de um ambiente tranquilo e saudável para os estudos. essa postura é convergente com uma das principais conclusões dos estudos de abramovay (2003), que apontam a eficácia da opção por práticas dialógicas no enfrentamento de situações adversas e resolução de conflitos, consideradas como mecanismos de prevenção para evitar punições mais severas. Vale ressaltar que não foram observadas na docente atitudes e/ou decisões autoritárias, ou abuso de sua autoridade como professora, devolvendo sempre ao grupo a responsabilidade de pensar o problema e a solução mais viável, sem perder de vista as regras estabelecidas e a dimensão institucional, pela condição hierárquica e como instância de apoio ao trabalho do professor em sala de aula.

além de estimular o diálogo e a participação dos alunos em sala de aula, a professora preocupava-se também em estabelecer uma boa interação com as famílias, consideradas, por ela, importantes parceiras para o alcance de seus objetivos educacionais. Na sequência do texto, tentaremos mostrar como a docente procedia para sensibilizar e envolver os pais no processo educativo.

A PArCErIA COm AS FAmíLIAS

Conforme observa gatti (2008), o sucesso escolar está associado tanto à qualidade do ensino oferecido, incluindo as práticas pedagógicas dos professores e o contexto escolar, como também depende de vários fatores relacionados aos alunos e suas famílias. os reflexos positivos do acompanhamento por parte dos pais na vida escolar dos filhos e da participação e colaboração dos mesmos na gestão colegiada e democrática da escola são apontados também nas conclusões das pesquisas organizadas por abramovay (2003) como caminhos possíveis que levam à construção de histórias bem-sucedidas.

estabelecer essa parceria com as famílias, no sentido de conquistá-las para um trabalho educativo conjunto entre professora e pais e aproximá-los do ambiente escolar como um espaço de formação também para eles, foi uma das metas perseguidas pela professora rosária e/ou estratégias adotadas por ela, conhecendo a realidade em que viviam seus alunos:

eu tinha sempre essa preocupação de mostrar para eles que existia outro caminho, o caminho da não-violência, o caminho da paz, do respeito pelo outro. Porque, se você pegasse todos os históricos (eu acho que a gente podia estar garantindo, assim, 100% da turma), tinha casos de violência familiar, tinha casos de problemas sérios entre pais e filhos, entre irmãos. então, é uma situação muito complicada e isso refletia muito dentro da escola e principalmente dentro da sala de aula.

(entrevista gravada em 11/02/09)

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o diagnóstico dos contextos familiares em que viviam seus alunos indicava uma triste estatística de problemas relacionados à violência e à falta de estruturas emocional e material que atingiam a turma quase que em sua totalidade, segundo a avaliação da professora, e cujos efeitos eram vistos nitidamente refletidos em sala de aula. Por isso a necessidade de aproximação dessas famílias para uma melhor compreensão de suas realidades e a tentativa de estabelecer propostas de um trabalho educativo em parceria entre professora e pais ou responsáveis, visando a sensibilizá-los e a conscientizá-los da importância do acompanhamento da vida escolar dos filhos como estratégia para o sucesso escolar. assim a professora rosária descreve o seu relacionamento com os pais dos alunos:

então, nessa perspectiva, eu conseguia ter um bom relacionamento com os alunos e com as famílias. sabe! Claro que eu não conseguia muitas vezes o apoio que eu gostaria de ter em questões escolares, porque a maioria se tratava de famílias muito problemáticas, mas eu conseguia chegar para conversar. (...) Quando eu solicitava a presença deles, eles compareciam. (...) Nas minhas reuniões de pais, eu contava com as presenças de quase todos, com exceção de dois ou três pais, às vezes, por problemas pessoais. Mas as reuniões eram participativas.

(entrevista gravada em 11/02/09)

2.1 AS rEUNIõES dE PAIS

as reuniões de pais realizadas bimestralmente e previstas no calendário escolar foram oportunidades oficiais de encontros periódicos com os pais, com o objetivo de mostrar-lhes os avanços significativos alcançados pela turma naquele período de trabalho. Para isso, as reuniões eram sempre planejadas com a participação dos alunos, fazendo alguma apresentação (jogral, peça teatral, dramatização, exposição de trabalhos, coral, dança, etc.) relacionada aos conteúdos estudados, o que motivava a presença dos pais.

esse contexto de interação com as famílias foi também observado e comprovado pela pesquisadora, que teve oportunidade de acompanhar uma reunião de pais realizada em 03/10/08, para análise dos resultados do 3º bimestre letivo, autorizada e convidada pela professora rosária.

Na oportunidade, foi possível constatar um clima de relações amistosas entre professora e pais, que apoiavam e valorizavam o trabalho da docente, embora se declarassem, em sua maioria, despreparados para orientarem possíveis dificuldades apresentadas pelos filhos e com pouco tempo disponível para dar-lhes atenção nos estudos em casa, uma realidade comum a muitos brasileiros, com baixo nível de escolaridade, pertencentes às camadas populares mais desfavorecidas da sociedade, cujos filhos estudam em escolas públicas e que, em função do trabalho para sustento de suas famílias, precisam permanecer fora de casa o dia todo e não conseguem acompanhar a vida escolar das crianças. Porém, lidar com essas adversidades exige do educador sensibilidade e postura ética, como nos lembra Freire (2002). e isso é o que demonstra a professora em seus posicionamentos e depoimentos:

Muitas vezes, os pais não gostam muito de ir à escola para reuniões porque costumam ouvir muita falação, muitas reclamações sobre os filhos. então, eu procurava ouvi-los mais, porque precisamos desenvolver mais a nossa escuta. sempre perguntava primeiro: como está “fulano” em casa? o que está achando do seu desenvolvimento? aqui, na escola, ele está se desenvolvendo

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gradativamente nos seguintes aspectos: (...) então, procurava destacar os aspectos positivos primeiro, sempre tem alguma coisa boa, para depois solicitar ajuda no que precisava melhorar.

(entrevista gravada em 20/07/09)

essa postura adotada pela docente diante dos pais, abrindo espaço para suas falas, levando-os a uma reflexão conjunta sobre os percursos escolares dos filhos, permeados de avanços e também dificuldades, mas, sobretudo, de valorização daquilo que cada criança possuía de melhor, incentivava a participação dos mesmos nas reuniões escolares, momentos institucionais oficiais de interação com as famílias e ainda de oportunidades informativas sobre a complexa tarefa de educar.

demonstrava também o entendimento de que principalmente as crianças marcadas por históricos familiares tão complicados merecem receber da escola, e de maneira especial do professor, um tratamento afetivo e de respeito à sua condição de vulnerabilidade, procurando oferecer-lhes, no tempo de atendimento escolar, que é sempre inferior ao tempo de convívio com a família, as informações, os conhecimentos e os valores essenciais que possam auxiliá-las na transformação de suas realidades.

2.2 O ENvOLvImENTO NO “PArA CASA” E PArTICIPAçãO NOS EvENTOS ESCOLArES

outra forma de abordagem ou tentativa de aproximação das famílias usada pela professora era a estratégia de envolver os pais por meio das propostas do “Para Casa”, sugerindo propositalmente o acompanhamento e a participação dos mesmos na execução da tarefa. as atividades propostas eram geralmente decorrentes dos projetos de estudos desenvolvidos em sala de aula e não exigiam dos familiares níveis aprofundados de conhecimentos sobre os temas em discussão, mas, simplesmente, relatos de suas vivências, opiniões, sugestões ou críticas, com o único objetivo de fazê-los participar, de alguma forma, do processo ensino-aprendizagem dos filhos. a proposta de tarefa a seguir, sugerida pela professora, ilustra essa afirmativa:

essa simples proposta de atividade destacada, elaborada pela professora, refletiu a sua intenção de trabalhar em parceria com as famílias, favorecendo a necessária aproximação entre pais e filhos, a reflexão crítica sobre a realidade em que viviam e interativas trocas de informações e conhecimentos em sala de aula a partir dos dados os

as possibilidades de trabalho a partir dos dados coletados na tarefa revelam mais um indicativo de uma prática pedagógica criativa e diversificada, comprometida também com as práticas sociais.

outra estratégia usada pela professora e pela escola para o envolvimento dos pais nas práticas escolares foi o convite para a participação das famílias nas festas e nos eventos culturais promovidos pela instituição, justificados pelos projetos de estudos. suas presenças, como espectadores e/ou auxiliares das professoras, valorizam o desempenho dos filhos nas apresentações organizadas e reforçam a interação família e escola. são exemplos dessas ocorrências que sempre fazem parte do calendário oficial da escola: Festa de Páscoa, dia das Mães, Festa Junina, Festa da Família, aniversário da escola, semana da Criança, Feira Cultural anual e excursões pedagógicas, entre outras.

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3 CONSIdErAçõES FINAIS

Neste artigo procuramos retratar como foram estabelecidas as relações interpessoais entre os principais atores que participam da prática pedagógica que investigamos. a realidade observada evidenciou reflexos positivos de uma boa interação entre professora, alunos e pais, acolhidos em um ambiente institucional favorável, para um melhor desenvolvimento cognitivo e emocional dos alunos, com dificuldades de aprendizagem, que buscavam o sucesso escolar.

a postura afetiva da professora rosária com seus alunos e também com suas famílias serviu de referência para interações amistosas entre os próprios alunos, estabelecendo um clima harmonioso em sala de aula, propício para aprendizagens significativas. esse ambiente interativo e acolhedor, que favorecia o diálogo entre docente e discentes e motivava a participação das famílias no processo educativo de seus filhos, foi fundamental para o sucesso escolar desse grupo de 23 alunos, inicialmente desacreditados de qualquer possibilidade de avanço cognitivo e escolar.

Portanto, além da dimensão institucional favorável à reflexão e à formação continuada em serviço da docente, além da adoção de práticas pedagógicas diversificadas que atendessem às diferenças individuais de seus alunos e além da adequação do sistema de avaliação adotado, foi decisivo para o sucesso escolar dos alunos da professora rosária a afetividade presente nas relações interpessoais que se estabeleceram entre os atores sociais que participaram de todo o processo ensino-aprendizagem, garantindo-lhes a confiança na professora e em si próprios, para acreditarem que eram, sim, capazes de aprender e de alcançar o sucesso escolar.

Finalmente, é importante ressaltar que o cuidado especial da professora rosária com seus alunos, traduzido em relações afetivas de carinho e respeito extensivos também às famílias, além da criatividade para reinventar o conhecimento, adaptando-o às reais necessidades da turma, foram elementos essenciais e motivadores para o envolvimento e a participação ativa de todos na proposta educativa apresentada, que se revelou uma prática pedagógica bem-sucedida.

rEFErêNCIAS

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artigos

As narrativas de professores sobre a escola e a mediação de um Grupo de Pesquisa-Formação

Leny Rodrigues Martins Teixeira

Resumo o presente texto discute aspectos da formação profissional de um grupo de professores, com base na reflexão sobre as narrativas de suas histórias de vida e no âmbito de uma Pesquisa-Formação que teve como objetivos compreender os processos mediante os quais professores da educação Básica se constituem como são e propiciar condições para que os envolvidos na pesquisa sejam conduzidos à reflexão, partilhada com os pares, sobre seus percursos formativos e as origens de suas práticas pedagógicas. a análise aqui apresentada desvela os diferentes olhares desses professores e suas percepções sobre a escola que conheceram como discentes, a que encontraram como professores e a que desejam para seus alunos. são também discutidas as concepções que permeiam o imaginário dos professores e a importância de transformar os relatos experienciais e relacionais, que aparecem de forma predominante nas narrativas, em atos reflexivos mais críticos que propiciem um processo de construção de um caminho possível para uma nova escola e um novo professor.

PalavRas-chave: formação de professores; pesquisa-formação; narrativas autobiográficas; concepções de escola.

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INTrOdUçãO

o estudo ora apresentado foi produzido na experiência de construção de uma pesquisa que se propôs a tornar-se espaço de reflexão a respeito dos percursos formativos de seus participantes, tendo em vista as transformações da sua prática profissional. Com esse propósito, pesquisadores acadêmicos e professores da educação básica constituíram um grupo de Pesquisa-Formação no qual as histórias de vida de cada um ocuparam o lugar central do trabalho realizado, orientando as discussões deflagradas pelo questionamento retroativo e prospectivo acerca do como aprenderam a ser os professores que são.

entre os pressupostos que balizaram o trabalho do grupo destaca-se a ideia de formação do professor como um processo permanente, sempre inconcluso e que requer aprendizagens sobre a profissão e também sobre si mesmo obtidas ao longo de toda a sua história de vida, no ambiente familiar, como aluno da educação básica, nos cursos de formação específica para o magistério, bem como na reflexão exigida pelos desafios da experiência prática. destaca-se, ainda, a concepção de desenvolvimento profissional como resultante não só dessa formação, mas também influenciado pelo contexto social e histórico organizador de situações profissionais que o facilitam, dificultam, delimitam ou incrementam. tais ideias estão sintonizadas com as defendidas por donald schön, Kenneth M. Zeichner, Francisco imbernón, antonio Nóvoa e Maurice tardif, entre outros autores.

a heterogeneidade dos membros que constituíram o grupo e a disposição para o diálogo foram algumas das condições favoráveis à emersão de diversos temas para reflexão. entre estes, sobressaíram temas como os desafios do início da docência, os indicadores das aprendizagens profissionais dos professores, os determinantes da escolha (ou não) da carreira do magistério e o papel dos cursos de formação inicial no desempenho profissional.

No trabalho de sistematizar as reflexões produzidas no trabalho do grupo, pudemos pontuar certos elementos que nos pareceram de fundamental importância no processo de formação do professor. Para este texto trazemos um desses elementos cuja emersão se deu nas discussões deflagradas, especialmente, por meio de processos de mediação conduzidos por nós, pesquisadores, processos estes que instigaram o professor a produzir narrativas de suas histórias de vida, bem como a refletir sobre elas. o tema em questão refere-se às concepções dos professores sobre a escola, mais precisamente, como eles a concebem em três momentos: quando viveram suas experiências como discentes, quando a reencontraram como professores e quando a projetam para seus futuros alunos.

antes de discorrermos sobre a temática proposta, convém esclarecer que, embora não houvesse, a priori, intenção de aprofundar estudos sobre as concepções dos professores, estas emergiram nas suas narrativas de vida. decidimos ficar atentos às concepções dos professores sobre a escola por entendermos que estas poderiam possibilitar uma maior compreensão sobre a formação docente. sabemos que as concepções são construídas ao longo da história de vida e nas relações das pessoas com o mundo e que elas compõem o arcabouço cognitivo dos sujeitos, constituindo-se em um elemento de sua matriz de percepção, organização e ação no mundo.

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No caso do professor, as suas concepções sobre escola são construídas com base nas suas experiências como alunos e professores, nas opiniões de seus mestres, nos conhecimentos construídos nas relações socioculturais que os influenciaram e que, por sua vez, vêm sendo transmitidas de geração em geração, ao longo dos tempos (CUrY, 1999).

se admitimos que as concepções podem se constituir em um construto cognitivo e influenciar as ações do professor, o investimento na sua formação requer que se dê atenção especial a elas, no sentido de identificá-las e problematizá-las, de promover a reflexão, a tomada de consciência dos processos que as originam e que dificultam a prática docente.

Na tentativa de compreensão da realidade, a investigação narrativa – que valoriza a subjetividade na medida em que dá a palavra ao professor, que o convida a falar de si – pode constituir-se em um instrumento propício à emersão das concepções dos professores e a suscitar neles a reflexão, explorando as dimensões pessoais e sociais que compõem suas ideias, suas crenças, seus modos de pensar e estar no mundo. a investigação narrativa promove, pois, condições para que os professores interpretem suas próprias ações, com vistas a compreender as causas e intenções que subjazem a elas. assim, as narrativas de vida de professores são um instrumento privilegiado de pesquisa e formação.

Com essa compreensão, apresentaremos, a seguir, as argumentações que colocam a Pesquisa-Formação e as investigações com narrativas de vida como alternativa às perspectivas tradicionais de pesquisa, à medida que não se limitam a recolher e analisar dados, mas promovem a formação dos sujeitos pela pesquisa, instigando a reflexão sobre os dados que são levantados pelo pesquisador. Mais adiante colocaremos alguns aspectos da composição do grupo a fim de contextualizar a pesquisa realizada.

NArrATIvAS dE vIdA dE PrOFESSOrES: POTENCIALIdAdES NA PESQUISA-FOrmAçãO

Nosso grupo de Pesquisa-Formação foi se constituindo como uma possibilidade de os seus participantes (pesquisadores e professores) serem conduzidos à reflexão sobre seus percursos formativos, bem como ao questionamento retroativo e prospectivo de suas aprendizagens e projetos de vida, e também à exposição ampla de ideias, ao esclarecimento das lógicas que as organizam.

a modalidade de pesquisa que denominamos Pesquisa-Formação, e que nos inspirou a nomear o nosso grupo, congrega a dimensão formativa como elemento potencial e primordial da investigação. de acordo com Josso (2004, p. 113), nessa modalidade, cada etapa da pesquisa é “uma experiência a ser elaborada para que quem nela estiver empenhado possa participar de uma reflexão teórica sobre a formação e os processos por meio dos quais ela se dá a conhecer”.

Um dos maiores desafios da Pesquisa-Formação é, justamente, a articulação dessas duas dimensões. Conforme alerta Josso (2004, p. 215):

(...) a pesquisa só avança se houver, por parte de cada um, interesse por aprendizagens e formulações de conhecimento. a formação tem lugar quando a pesquisa enriquece o olhar de descobertas sobre si mesmo, de novas perspectivas, de tomadas de consciência sobre temáticas

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criadoras ou de dialéticas ativas ou/e quando a pesquisa permite uma ou várias aprendizagens conscientemente aprofundadas.

Uma opção metodológica que nos pareceu potencialmente promissora e favorável à articulação entre pesquisa e formação foram as narrativas das histórias de vida dos professores, utilizadas como dispositivo para reflexão sobre os itinerários de formação.

a argumentação em favor das narrativas de vida como um recurso metodológico dessa forma de pensar e fazer ciência (Pesquisa-Formação) é algo recente. segundo alves e gonçalves (2001, p. 92),

(...) parece certo que, só recentemente, o termo narrativa não nos transporta apenas para o mundo da literatura e da criação literária. atualmente é já um dado adquirido que a narrativa se constitui como uma metáfora e o instrumento de um novo paradigma de entendimento, de observação e de compreensão psicológica e educativa.

essa nova visão reconhece e valoriza as narrativas como um recurso construído na comunicação com o outro e também como revelador da complexidade da vida humana. Nesse sentido, “a narrativa não é um relatório de acontecimentos, mas a totalidade de uma experiência de vida que ali se comunica” (BUeNo, 2002, p. 20). a pesquisa com narrativas caminha em direção a um mergulho interno, ampliando o processo de autoconhecimento de todos e de cada um que com ela se envolve. assim sendo, os relatos presentes nas narrativas só podem ser submetidos à interpretação e não à explicação (BUeNo, 2002).

Bruner (2001, p. 119) afirma que “uma das primeiras e mais naturais formas pela qual organizamos nossa experiência e nosso conhecimento é em termos narrativos”. se narrar é um modo de organizar a nossa experiência, a escrita de si constitui-se um instrumento com potencial (trans)formador. a esse respeito, Josso (2007, p. 414) assinala: a pesquisa e a reflexão, a partir “da narrativa da formação de si (pensando, sensibilizando-se, imaginando, emocionando-se, apreciando, amando)”, é uma forma de “estabelecer a medida das mutações sociais e culturais nas vidas singulares e relacioná-las com a evolução dos contextos de vida profissional e social”.

Josso (2004) faz uma associação entre história de vida, narrativa e formação. Para a autora, as histórias de vida, tendo como perspectiva “transformar a vida socioculturalmente programada numa obra inédita a construir” (p. 58), constituem um importante elemento para a formação. Na medida em que “a narrativa de formação obriga também a um balanço contábil do que é que se fez nos dias, meses e anos relatados, ela nos permite tomar consciência da fragilidade das intencionalidades e da inconstância dos nossos desejos” (p. 45). Pode-se afirmar que propicia, ao participante da pesquisa, a reflexão e a tomada de consciência sobre sua própria existencialidade, sobre como e por que se tornou no que é. Josso (2008, p. 27) esclarece:

a história de vida narrada é assim uma mediação de conhecimento de si em sua existencialidade, que oferece à reflexão de seu autor oportunidades de tomada de consciência sobre seus diferentes registros de expressão e de representações de si, assim como sobre as dinâmicas que orientam a formação.

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Como uma metodologia de Pesquisa-Formação, as histórias de vida, ao serem narradas, colocam a própria pessoa, simultaneamente, na condição de objeto e sujeito da pesquisa. os participantes da pesquisa, aprendentes, constroem suas capacidades de escuta de si mesmo e de partilha, atentos às considerações sobre formação, tecidas no trabalho de narrar suas experiências e seus processos formativos (Josso, 2004). É um aprender com a própria experiência, produzindo conhecimento durante o trabalho da escrita de si.

ao descrever os processos que afetam a identidade e a subjetividade, pode-se constituir um caminho para que o “sujeito oriente, com lucidez, as próprias aprendizagens e o seu processo de formação” (Josso, 2004, p. 41), sendo, portanto, um suporte para possíveis transformações. Para a autora, a formação é sempre experiencial, do contrário não é formação, pois implica um trabalho reflexivo sobre o que se passou, como foi observado, percebido e sentido pelo sujeito, articulando aqui atividade, sensibilidade, afetividade e imaginação. daí a formação ser compreendida como “a procura de uma arte de viver em ligação e partilha”, que se desenvolve em torno de quatro eixos: a busca da felicidade, a busca de si e de nós, a busca de conhecimento ou do “real” e a busca de sentido. Por meio da abordagem das histórias de vida é possível ao sujeito tomar consciência desses eixos, que estruturam a formação da sua existencialidade, na busca de uma “sabedoria de vida”:

Mas é preciso considerar, ainda, que

(...) a narrativa de vida não tem em si poder transformador mas, em compensação, a metodologia de trabalho sobre a narrativa de vida pode ser a oportunidade de uma transformação, segundo a natureza das tomadas de consciência que aí são feitas e o grau de abertura à experiência das

pessoas envolvidas no processo (Josso, 2004, p. 153).

Nesse sentido, fica clara a necessária implicação dos envolvidos no processo. o trabalho com as narrativas exige que cada um observe e escute o que se passa consigo mesmo e com os outros do grupo, o que implica respeito, disponibilidade e humildade. Nem sempre essas atitudes estão postas a priori, por isso, o planejamento dos encontros, com atividades que propiciem um clima de confiança para que os professores possam compartilhar e discutir no grupo as suas histórias de vida, é um aspecto muito importante para o sucesso desse tipo de pesquisa e de formação.

O PrOCESSO dE CONSTITUIçãO dO GrUPO dE PESQUISA-FOrmAçãO: CENárIO dA PrOdU-çãO dAS NArrATIvAS dOS PrOFESSOrES

o grupo de Pesquisa-Formação foi-se se constituindo entre os anos de 2008 e 2010. desde o seu início até a sua finalização, a pesquisa transcorreu durante encontros mensais entre os pesquisadores acadêmicos e professores da educação básica, e também em encontros semanais ou quinzenais restritos aos pesquisadores.

três grupos diferentes de professores participaram da pesquisa durante esse período. No primeiro ano houve a participação de dois grupos, somando-se 35 professores voluntários, de escolas públicas e privadas, vinculados ao ensino fundamental e/ou médio. No segundo ano participaram 15 professores, todos das séries iniciais.

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as reuniões quinzenais ou semanais, restritas aos pesquisadores acadêmicos, eram dedicadas ao estudo de teóricos e planejamento das pautas das reuniões com os professores. Já os encontros mensais dos pesquisadores com os professores da educação básica caracterizavam-se por atividades de estudos teóricos, troca de experiências, produção de narrativas de vida e formação e discussões dos dados que emergiam da pesquisa.

dada a constatação inicial da dificuldade e/ou resistência de alguns professores falarem e/ou escreverem sobre si mesmos, os pesquisadores lançaram mão de alternativas visando à mobilização da memória dos participantes e à criação de condições para a produção das narrativas autobiográficas.

Uma das alternativas que se revelou de grande potencial nessa direção foi a utilização de metáforas como forma de trazer para o presente a memória do professor. a opção pelas metáforas apoiou-se em autores que, como Marcelo garcia (1999, p. 159), as concebem, na pesquisa educacional, como elementos capazes de permitir “averiguar algo sobre a natureza do pensamento do professor e sua relação com o contexto no qual adquire significado”.

além das metáforas (na forma de figuras, objetos biográficos, textos e filmes), foram apresentados para discussão estudos de caso e textos teóricos. Palestras com professores pesquisadores convidados, bem como troca de experiências com outros professores, também foram utilizadas.

em cada encontro, sempre que possível, as falas dos participantes eram gravadas e transcritas, objetivando um estudo posterior, mais detalhado e aprofundado. o estudo ocorria primeiramente no interior do grupo de pesquisadores e, posteriormente, era partilhado e discutido com os professores, nos encontros mensais.

AS NArrATIvAS dOS PrOFESSOrES: O QUE rEvELAm SOBrE A ESCOLA

Como já foi dito, as narrativas dos professores propiciam múltiplas vias de análise dos seus percursos formativos. a opção que fizemos por analisar o componente “escola” nas narrativas dos professores justifica-se não pelo fato de estar relacionada à tentativa de compreendê-los na sua individualidade, mas, sim, a uma forma de obter elementos para entender um fragmento da sua realidade sócio-histórica, vista como objeto social. Como explica Bertaux (2010, p. 60):

a abordagem etnossociológica visa compreender um objeto social “em profundidade”: se ela

recorre às narrativas de vida, não é para compreender essa ou aquela pessoa em profundidade,

mas para extrair das experiências daqueles que viveram uma parte de sua vida no interior

desse objeto social as informações e descrições que, uma vez analisadas e reunidas, ajudem a

compreender seu funcionamento e dinâmicas internas.

Neste sentido, consideramos que as narrativas constituem um discurso motivado pela tentativa de descrever uma história real. No entanto, também sabemos que tal motivação, no âmbito da Pesquisa-Formação que construímos, não se deu de forma espontânea, uma vez que atendeu a uma solicitação do pesquisador; uma outra limitação se revela no fato de que a pesquisa está marcada ainda pelos

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recortes que a mesma se impõe, ou seja, narrar um aspecto específico do percurso biográfico, no caso, as percepções de escola.

em que pesem esses elementos intervenientes no processo da pesquisa, é preciso salientar que a dinâmica desse tipo de investigação acabou por constituir não só uma fonte para conhecer o contexto social no qual o professor se insere, mas, e por esta mesma razão, um forte componente que aciona mecanismos reguladores da consciência, possibilitando ao narrador uma escrita reflexiva de si e, assim, uma compreensão da historicidade dos seus percursos individuais.

Na medida em que as dimensões – do histórico-social e do individual – se interpenetram, a investigação ganha caráter de pesquisa que, ao mesmo tempo, se faz formadora, segundo souza (2008), porque o processo de escrita possibilita ao narrador conectar-se com sua singularidade e mergulhar na sua interioridade, tomando consciência de si.

em síntese, como aponta souza (2008, p. 95),

(...) a pesquisa com narrativas (auto)biográficas ou de formação inscreve-se neste espaço onde o ator parte da experiência de si, questiona os sentidos de suas vivências e aprendizagens, suas trajetórias pessoais e suas incursões pelas instituições, no caso, especificamente a escola, pois as nossas histórias pessoais são produzidas e intermediadas no interior e no cotidiano das

práticas sociais institucionais e institucionalizadas.

de acordo com Ferrarotti (1988, p. 27), a análise interpretativa das histórias de vida deve “ordenar, compreender sem desnaturar, sem violentar, sem sobre-impor um esquema pré-estabelecido”. Como assinala Bertaux (2010), na análise “não se trata de extrair de uma narrativa de vida todas as significações que ela contém, mas somente aquelas pertinentes ao objeto de pesquisa” (p. 89). tais significações constituem indícios que permitem compreender os fatos diacronicamente, os seus contextos, bem como as relações existentes entre eles.

Com base nas ideias dos autores apresentados até aqui, procuramos desvelar, nas narrativas dos professores, produzidas no âmbito da Pesquisa-Formação, a trama que constitui o tornar-se professor e as suas práticas pedagógicas.

a interpretação que fizemos do que os professores disseram sobre a escola permitiu-nos agrupar excertos que deixam entrever as suas concepções (ou ideias, imagens, crenças, impressões, percepções) a respeito de alguns elementos da sua vida profissional, como por exemplo a relação professor-aluno, as metodologias empregadas em sala de aula, os entretempos e outras atividades vivenciadas na escola. tais elementos, pensados de forma articulada, nos forneceram uma visão abrangente, como poderá ser visto a seguir, de alguns aspectos que podem ser considerados relevantes no processo de tornar-se professor, entre os quais se incluem as imagens da escola e sua influência no exercício da docência.

de modo geral, pode-se dizer que em suas narrativas os professores relataram vivências tanto positivas como negativas, da fase de início da vida escolar. Muitas vezes, mostraram certa ambiguidade de

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sentimentos em relação à entrada na escola. apresentaram, também, a expectativa e o desejo de outro tipo de entrada na vida escolar, diferente daquela que ele, professor, teve.

as imagens da escola de ontem, isto é, aquela escola que os professores frequentaram no início de sua escolarização, parecem estar associadas a algo distante, inatingível, um mundo vagamente explorado. expressam uma escola que, na maior parte das vezes, figurava nas narrativas como provocadora de frustração e vergonha e geradora de medo do novo, do não saber. em menor proporção, as narrativas sugeriam imagens de uma escola que “leva o aluno a novos horizontes” que mostra “um mundo de possibilidades” e que “traz o novo” como “incentivo ao desenvolvimento e crescimento”.

os “bons” e os “maus” professores também foram lembrados. aqueles que marcaram de forma positiva a vida escolar dos professores apresentavam-se com as seguintes características: eram dedicados, explicavam bem o conteúdo, usavam metodologias ativas, estimulavam e tratavam a todos de modo igual, com carinho e afeto. os trechos a seguir são ilustrativos:

isso é algo que marca muito... a preocupação com o estímulo e o sentimento do aluno, principalmente aquele que possui maior dificuldade... ela [a professora] tratava a todos por igual, independente da raça, cor, classe social, religião. (M.)

a professora X, vendo minha vontade de ler mais e mais, começou a me emprestar os livros que comprava para o filho dela; acredito que seja por isso que não a esqueço. (g.)

ela nos ensinava o alfabeto com tanta dedicação que tudo aquilo se transformava em mágica, os meus olhos brilhavam cada vez que ela nos ensinava. (a.)

tive vários professores que explicavam muito bem o conteúdo... usavam vários recursos didáticos... as avaliações eram questões práticas e de raciocínio... eu não precisava decorar para tirar nota. (r.)

de outro lado, os “maus professores” foram distinguidos pelo autoritarismo, impaciência, rigidez e cobrança exagerada, tanto em relação à aprendizagem quanto aos comportamentos em sala de aula. esses professores seriam os responsáveis por traumas e desmotivação que marcaram a vida escolar dos alunos que se tornariam futuros professores.

Na primeira série tive uma professora muito brava, exigente e que me cobrava, pois [eu] era filha da secretária... Fui chamada várias vezes na sala da direção por causa do comportamento e notas. (M.)

a maioria dos meus professores foi autoritária. e muitos deles tinham disciplina muito rígida. Não deixava seus alunos sair nem para tomar água. (r.)

Havia um professor da disciplina de matemática que não tinha nem um pouco de paciência para ensinar, e eu sempre fui muito esforçado e perguntava o tempo todo para esclarecer minhas dúvidas. Como esse professor não tinha paciência ele se irritava com as perguntas. Certo dia eu

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fiz uma pergunta e ele me disse: – Menina, você toma banho de chapéu? e todos os colegas riram de mim... a partir daquele momento eu perdi a motivação e a vontade de ir para a escola. (g.)

a professora da terceira série massacrava tanto que tínhamos que aprender a tal da tabuada... que acabei com trauma... (s.)

em alguns casos, a rigidez da escola, o autoritarismo e a impaciência dos professores pareciam guardar certa continuidade com o ambiente familiar: “a mãe me bateu com vontade e naquele dia após várias chineladas não consegui aprender mais nada... a pressão atrapalhou o aprendizado até hoje...” (d.).

outra imagem recorrente nas narrativas foram os recursos didáticos e as metodologias utilizadas pelos professores de ontem. a predominância do uso do quadro-negro e dos exercícios de fixação sugeria uma prática norteada por uma concepção de ensino tradicional.

Quando eu era criança a professora passava os exercícios e depois fazia correção, pedia para os alunos irem fazer no quadro-negro. Para mim era um momento desesperador, pois tinha um trauma tão grande de ir ao quadro e errar e isso me deixava muito triste, me lembro que quando chegava em casa, eu falava para eu mesma: vou perder esse medo! e isso me deixava muito triste... (M. i.)

as narrativas revelaram, entretanto, que alguns professores de ontem (raros), mesmo com poucos recursos materiais, pareciam resistir ao ensino tradicional e optavam por utilizar metodologias que propiciavam ação que tornava a escola um lugar agradável e desejado. Peças teatrais, filmes e competições foram algumas alternativas citadas:

ao relembrar este período me recordo de momentos dos quais sinto saudades; amigos, brincadeiras, o acompanhamento da família. (N.)

das brincadeiras de roda no intervalo, elas sempre participando. tenho muitas saudades. Volto a ser aquela criança, no pensamento. (M. l.)

os entretempos da escola, as brincadeiras e as festas foram recorrentes nas narrativas de todos os professores participantes do grupo. segundo eles, esses momentos e atividades transformavam a escola “em lugar de fazer amigos”.

ao revisitarem a escola que tiveram, foi inevitável a comparação com a escola de hoje, em que atuam como professores. alguns apontaram semelhanças entre certos aspectos que consideravam inadequados em ambas: “sempre estudei em escola pública e o cotidiano era quase como agora. tudo em fila, professores chorosos e cansados... alunos não querendo estudar... enfim, quase tudo se parece com a realidade de hoje.” (d.)

outros, porém, indicaram elementos que diferenciavam a escola de hoje da escola de ontem. a principal diferença residia no “tipo de aluno”. Para os professores, os alunos da escola atual “são muito diferentes”, são “bagunceiros, agressivos, dispersos e não querem estudar”. eles “dificultam o trabalho do professor”.

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diante dessa nova realidade, os professores buscavam alternativas que se mostraram exitosas e que, segundo eles, foram aprendidas com os “bons professores” da escola de ontem. o tratamento paciente e afetuoso com o aluno e o uso do lúdico foram as alternativas citadas: “Quando comecei a trabalhar no CeiNF, eu tive crianças muito agressivas. recém estava entrando na faculdade, mas trabalhei muito a afetividade e fui conquistando a sala através de música, teatro, etc...” (r.)

tais iniciativas, voltadas ao enfrentamento dos problemas de disciplina, marcaram presença nas narrativas de quase todos os professores. entretanto, não foi observada em nenhuma delas a alusão ao uso de recursos didáticos e metodologias diferenciadas, embora tenham dito que isto seja necessário para “tornar seu trabalho mais interessante e mais produtivo”: “Hoje cada disciplina é um professor que leciona, então a mudança é grande... não se usam mais os

métodos tradicionais [a professora se refere às salas multisseriadas]” (M.)

os entretempos, as brincadeiras e as festas, lembrados como algo que marcou muito a escola de ontem, não foram lembrados nos relatos sobre a escola de hoje. desta escola, os professores falaram da relação com os pais dos alunos, “muito diferente” da que acontecia na escola de ontem. Na escola de hoje, a participação dos pais na vida escolar de seus filhos é “quase nula”, e isso acarreta uma sobrecarga de trabalho e de tensão nos professores.

Pude perceber em pouquíssimo tempo que as crianças e seus comportamentos eram um reflexo de sua própria vida, alguns não tinham pais, outros a mãe apanhava do marido, outra viu a mãe ser morta pelo pai, e muitas outras situações. de posse dessas terríveis informações comecei a me aproximar mais daquelas crianças, transmitindo-lhes muito afeto e sendo correspondida. (K.)

se alguns professores procuraram alternativas para lidar com o problema, outros acreditavam que essa situação tirou “a seriedade e o orgulho” da profissão e, sendo assim, sentiam-se agora “sem esperança, sem ânimo para continuar tentando melhorar”.

apesar dos pesares, a escola de amanhã – aquela desejada para seus alunos – apresentava-se, nas narrativas dos professores, unanimemente, como um lugar que “aguce a curiosidade”, que “permita a liberdade e a exploração das possibilidades de um mundo a ser aberto”, que “propicie experiências com o mundo natural, onde se possa ver um mundo bom” e que “traga oportunidades...”.

Nesse novo contexto, a escola que desejam para o amanhã estaria relacionada, necessariamente, com as boas condições de trabalho, boa formação e envolvimento com a profissão: “(...) professores [devem ser] formados, compromissados, (...) que conseguem trabalhar eficientemente a despeito da falta de apoio, que são movidos e se rebelam frente às insatisfações, desde o livro didático até os decretos governamentais.” (g.)

os professores vislumbram a escola de amanhã com docentes mais próximos dos alunos e mais envolvidos com a sua realidade social:

a escola deve ter professores que planejam com base no contexto social do aluno. (K.)Hoje vejo que tenho que ser mais atenciosa com os alunos nas questões de suas necessidades. (N.)

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os alunos, nessa mesma via de raciocínio, são apresentados nas narrativas com imagens idealizadas, com perfil de aluno exemplar, traduzido como aquele que é “interessado, curioso e participativo”.

os recursos didáticos e as metodologias da escola do amanhã relembram aquelas consideradas positivas na escola de ontem e incluem atividades lúdicas, brincadeiras, aulas atrativas e estímulo à curiosidade: “devemos trabalhar o lúdico, porque se torna uma aula atrativa e fazer com que eles participem e interajam com as atividades e com os colegas.” (r.)

a análise que fizemos das narrativas dos professores sobre a escola pode ser assim sintetizada:

as lembranças sobre a escola de ontem, que vieram à tona nas narrativas dos professores do grupo, foram marcadas por experiências polarizadas, ou seja, ora envolviam imagens positivas (o lugar do novo, do desenvolvimento e crescimento pessoal), ora imagens negativas (como o lugar distante, inatingível, de vivências de frustração e provocadoras de vergonha e medo). os professores da escola de ontem foram lembrados pelo sentimento que provocaram no aluno ou pela forma de relacionamento pessoal com ele estabelecida. a ideia de bom professor parece estar fortemente associada ao tipo de tratamento dado ao aluno (um misto de carinho, estímulo, afeto, somado com momentos de “ser enérgico, bravo e exigente”) e também à capacidade de “explicar bem a matéria”. esse professor, com sua prática tradicional de sala de aula, temperada de atividades como teatro, filmes, competições, tornava a escola um espaço sisudo e sério, mas, ao mesmo tempo, um lugar de aprender e fazer amigos; um lugar não só de experiências de tensão, mas, também, de vivências prazerosas. todos esses elementos, juntos, parecem sintetizar o que os professores participantes da Pesquisa-Formação ora relatada concebiam como ingredientes centrais da eficácia de ensino.

em oposição aos professores de ontem – severos, exigentes, respeitados socialmente –, a imagem do professor de hoje, apresentada nas narrativas, é a do profissional “descompromissado”, “perdido”, “choroso e cansado”. Nesse contexto, também a imagem do aluno atual – “bagunceiros, agressivos, dispersos e sem vontade de estudar” – se contrapõe à do passado – “estudioso, responsável, obediente”. em síntese, a escola de ontem e a de hoje são caracterizadas por binômios: na de ontem a imagem de seriedade e exigência por parte do professor está associada à do aluno esforçado, estudioso, obediente; na de hoje, pelo binômio oposto, com professores descompromissados e alunos desinteressados.

as narrativas projetam para o futuro uma escola idealizada como um espaço de estímulo à curiosidade, ao lúdico e a novas experiências, com professores que trabalham de forma autônoma e eficiente, mesmo sem apoio técnico. as imagens do amanhã também evocam alunos exemplares, curiosos e participativos. as projeções para o futuro são reveladoras também da importância dada pelos professores a um ambiente de trabalho prazeroso, sem tensões ou conflitos, condição irreal se pensamos e queremos uma escola plural.

mETArrEFLExõES E ENCAmINHAmENTOS

em que pesem todas as dimensões que incidem sobre a formação do professor, desde as biográficas (relativas às histórias de vida pessoal) às contextuais mais amplas, consideramos que a escola ocupa

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uma posição de destaque como lugar de aprendizagem do professor. a escola é um espaço em que ele não só desenvolve sua prática, mas também vivencia experiências como aluno e estas repercutem na sua atuação como docente. Como defende Canário (1998), a escola é o lugar onde os professores aprendem. Neste sentido, em sintonia com o pensamento desse autor, advogamos a importância de abrir o espaço escolar às reflexões sobre a constituição identitária dos professores, processo que passa necessariamente pela compreensão de suas trajetórias pessoais e profissionais em um determinado tempo e contexto sócio-histórico.

as narrativas aqui interpretadas corroboram essa afirmativa, na medida em que nelas os professores destacam as experiências escolares que marcaram suas práticas, seja como modelo, seja como contramodelo para o que pretendem ser como docentes. dito de outra forma, o professor não chega à escola despido de sua história, nem de seu projeto de futuro. assim, suas práticas terão, sempre, alguma marca das experiências vividas e das expectativas em relação aos resultados de seu trabalho. as lembranças pessoais das vivências do período escolar contribuem para a construção das diferentes imagens de escola, professor e aluno, e estas são marcadas por aprendizagens calcadas na experiência e nas relações pessoais.

apoiados em Josso (2007) podemos tipificar tais aprendizagens como sendo predominantemente experienciais e relacionais. Contudo, é preciso dizer que outros tipos de aprendizagens – as instrumentais (procedimentos da vida prática) e reflexivas (explicações baseadas em referenciais explicativos) – também puderam ser evidenciadas nas narrativas, ainda que discretamente.

a ênfase dada aos aspectos experienciais e relacionais deixa transparecer o quanto as aprendizagens dos professores estão associadas às suas vivências, ao seu modo de sentir e agir na prática. isso equivale a dizer que a experiência é visceral e como tal está marcada por sensações, sentimentos, ideias valorativas mais do que por abstrações a respeito do trabalho. esses achados corroboram o que afirma tardif (2009, p. 17): o “saber dos docentes era, antes de qualquer coisa, narrativo e experiencial, e não apenas teórico e conceitual”.

admitir o valor da experiência na formação do professor não é, entretanto, fazer apologia à prática ou aos aspectos experienciais e relacionais como definidores desse processo. a formação do professor não se restringe às vivências, nem tampouco aos espaços confinados de cursos, mas abrange o contínuo da vida, nos seus diferentes momentos, e se faz, necessariamente, por uma atividade reflexiva ao longo desse percurso, tarefa extremamente dificultada se empreendida solitariamente.

se as narrativas dos professores expressavam, marcadamente, o nível experiencial e relacional da aprendizagem docente, nosso desafio, como pesquisadores e mediadores do processo que propiciou condições para que os professores pudessem falar de si, seria o de compreender as razões dessas e de outras formas de aprendizagem, remetendo-as a explicações contextualizadas histórica, política, social e economicamente. em outras palavras, a questão que se coloca, do ponto de vista da formação, é como interpretar as experiências existenciais e relacionais – tão próximas ao real particular do sujeito e do espaço imediato de sua vivência – de modo a transformá-las em experiências mais complexas, amplas e abrangentes, produzidas por meio da reflexão crítica dos fatos narrados e contextualizados.

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Marli andré (2010) tece algumas considerações, com as quais concordamos, a respeito do estudo das concepções dos professores. Para a autora, pode-se indagar:

(...) investigar as opiniões, representações, saberes e práticas do professor, para que? Para constatar o que eles pensam, dizem, sentem, fazem? Não seria isso muito pouco? Parece importante ir muito além, procurar entender o contexto de produção desses discursos e práticas. Queremos conhecer mais e melhor os professores e seu trabalho docente porque temos a intenção de descobrir os caminhos mais efetivos para alcançar um ensino de qualidade, que se reverta numa aprendizagem significativa para os alunos. isso supõe, por um lado, um trabalho colaborativo entre pesquisadores da universidade e os professores das escolas, e por outro lado um esforço analítico muito grande, seja no interior dos grupos de pesquisa, seja entre grupos

para reunir elementos que ajudem a reestruturar as práticas de formação.

entendemos que, dado o seu caráter particular e contextual, a prática necessita de contrapontos que a façam sair de si mesma e ser olhada de um ponto de vista mais amplo. isso envolve, necessariamente, um processo de metacognição. este processo não se constitui espontaneamente. antes, deve ser propiciado pela instauração de uma comunidade reflexiva, que instigue, constitua e possibilite a sua consolidação.

É justamente essa a perspectiva que orientou o nosso grupo de Pesquisa-Formação, no trabalho desenvolvido com os professores da educação básica. o uso que fizemos das narrativas como forma de dar voz aos professores, oportunizando-os a expressarem suas ideias a respeito da escola, e também como estratégia de fazer emergir as concepções subjacentes às suas falas, funcionaram como um catalisador das reflexões do professor.

Contudo, isso só não basta. sabemos que a relação entre as concepções e as decisões e ações do professor não é simples, ao contrário, envolve uma série de fatores relacionados à concretude da escola (condições salariais, regime de trabalho, apoio dos pares, perfil dos alunos, disponibilidade de recursos pedagógicos, etc.), os quais nem sempre respondem às questões situadas no âmbito das concepções, sejam elas conscientes ou não. da mesma forma, a relação entre reflexão e transformação da prática não é automática.

No percurso do grupo procuramos oferecer condições para a atividade metacognitiva do professor, tendo em vista as transformações de suas concepções de escola e, também, de sua prática como docente. Nessa perspectiva, privilegiamos situações de aprendizagem coletiva reflexiva, tomando as histórias de vida como um ponto de partida para a tomada de consciência sobre a própria reflexão, suscitada na e pela escrita, de forma a “compreender melhor a atividade mental realizada e promover as regulações necessárias” (aNdrÉ et al., 2006, p. 59).

regular pressupõe ponderar, negociar, confrontar, redimensionar, insistir, corrigir, ajustar, orientar. o ato implica gerenciar a própria aprendizagem. esse gerenciamento tem início com a orientação de pessoas mais experientes, e com o tempo e a experiência o sujeito é capaz de se auto-regular, acenando-nos a importância de considerar o desenvolvimento de atividades metacognitivas nas

atividades de formação de professores (aNdrÉ et al., 2006, p. 59).

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Nessa compreensão, o grupo procurou investir em atividades que auxiliassem o processo reflexivo e metarreflexivo dos professores, entre as quais se destacam (a) a preparação de um simpósio com foco na temática das narrativas autobiográficas, do qual participaram os pesquisadores e professores da educação básica em discussões com convidados externos que se dispuseram a trocar experiências e subsidiar teoricamente o nosso grupo de Pesquisa-Formação; (b) a participação de pesquisadores convidados nas reuniões mensais com os professores, em especial na condução de estudos teóricos a respeito de aspectos sócio-históricos da educação brasileira; (c) estudos teóricos com os professores, conduzidos pelos pesquisadores do grupo, sobre temas relacionados à formação do adulto professor e à metarreflexão como componente desse processo; (d) atividades que visavam fortalecer o vínculo entre pesquisadores e professores, por meio da identificação de suas histórias de vida.

ao final desse esforço, foi possível observar algumas mudanças. as reuniões tornaram-se mais dialogadas, as discussões, mais aprofundadas, e algumas narrativas de vida dos professores já pareciam dar sinais de passagem do nível da descrição experiencial para o reflexivo. sabemos, todavia, que não se resolvem, num curto espaço de tempo, os problemas cujas origens situam-se em tempos remotos da história pessoal, da vida escolar, da formação inicial dos professores. sabemos também que, apesar disso, na trama dos processos de transformação da prática do professor, a Pesquisa-Formação pode ser um fio que auxilia na sua tessitura.

CONSIdErAçõES FINAIS

a participação dos professores da educação básica no grupo de Pesquisa-Formação possibilitou a reflexão sobre seus percursos formativos, auxiliando a desconstrução de representações forjadas durante as experiências da vida escolar e subsidiando a construção de novos caminhos para uma nova escola e um novo professor. a análise crítica das experiências relatadas nas histórias de vida pressupõe um processo coletivo de reflexão, evidenciando o papel mediador dos pesquisadores do grupo no desenvolvimento dessa modalidade de pesquisa, na medida em que a narrativa possibilita não só a emergência de um sujeito narrador, como também a instauração de uma comunidade reflexiva narradora, que instiga, constitui e possibilita a consolidação de saberes e fazeres.

Nesse sentido, uma pesquisa que se pretende formadora precisa ir além da identificação dessas concepções. Faz-se necessário propiciar, aos professores, condições para que reflitam sobre as suas concepções (o âmbito de sua validade, o modo como foram constituídas, de que forma influenciam a sua prática e como podem ser modificadas).

acreditando que a transformação da escola esteja fortemente vinculada às possíveis mudanças de concepções sobre o trabalho docente que permeiam o imaginário do professor, buscou-se, neste estudo, conhecer os diferentes olhares dos professores sobre a escola e como estes foram construídos, a fim de transformá-los, por meio de um processo de reflexão sobre as relações professor-conhecimento, professor-aluno e aluno-conhecimento, favorecida no grupo de Pesquisa-Formação.

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artigos

CURSO DE PEDAGOGIA: FORMAÇÃO DO PROFESSOR DA EDUCAÇÃO INFANTIL E DOS ANOS SÉRIES INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL

geslani Cristina grzyb PinheiroJoana Paulin romanowski

Resumoa formação do professor para atuar na educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental é preocupação constante nas discussões acadêmicas. atualmente, os cursos de licenciatura preparam o professor para a educação básica, porém, é o curso de Pedagogia que assume a responsabilidade em formar esse profissional para a docência na educação infantil e nos primeiros anos do ensino fundamental, conforme instituído na ldBeN/96 e nas diretrizes Curriculares para o curso de Pedagogia (dCNs). Partindo desse pressuposto, o presente texto expressa resultado de investigação realizada com o objetivo de compreender como se institui a formação do professor para educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental no curso de Pedagogia. a metodologia da pesquisa caracteriza-se como um estudo de caso, de abordagem qualitativa de um curso de Pedagogia de uma instituição de ensino superior privada de Curitiba-Pr. a proposta deste curso prioriza a formação docente no curso. Foram realizadas entrevistas com professores e coordenadora, questionários com alunos e análise dos tCCs e da proposta do curso. os referenciais teórico metodológicos que embasam o estudo consideram gatti (2009), Brzezinski (1996), Martins (1998), Waschowicz (2009), scheibe e aguiar (1999), gauthier (1998), Veiga (2009), garcia (1999), romanowski (2007), libâneo e Pimenta (2006), Pimenta (2004). os resultados apontam que a docência é a base da formação do pedagogo no curso investigado, nos conteúdos de todas as disciplinas, fundamentos teóricos e conhecimentos específicos da prática de ensino, a ênfase é o método.destarte, a formação para a docência na educação infantil indica aponta lacunas, o enfoque da docência são os anos iniciais do ensino fundamental.

PalavRas-chave: formação do professor; curso de Pedagogia; conteúdos da docência.

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INTrOdUçãO

diante dos atuais desafios da educação básica, a formação do professor para atuar na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental é alvo de políticas públicas, de inúmeros estudos, pesquisas e debates, considerando o atual contexto de intensificação dos trabalhadores da educação como comprometidos com a resolução dos problemas do ensino e responsáveis pelo desenvolvimento da escola (KUeNZer, 1998).

assim, a formação do professor requer que se observe e se dê atenção aos cursos responsáveis por essa tarefa. atualmente, a responsabilidade pela formação desses profissionais em nível superior é dos cursos de licenciatura. Conforme art. 62º da lei de diretrizes e Bases da educação Nacional- ldBeN, lei nº 9.394/96,

(...) a formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e institutos superiores de educação, admitida, como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade Normal.

o teor do caput do artigo pressupõe que o conjunto dos cursos de licenciatura forma professores para as modalidades da educação básica. Porém, historicamente, as licenciaturas de conhecimentos específicos preparam o professor para os anos finais do ensino fundamental e ensino médio, anteriormente 5ª a 8ª série do primeiro grau, segundo grau, ginásio e científico. Cabia ao magistério de segundo grau a formação do professor para 1ª a 4 ª série do primeiro grau, e no contexto das leis 5.992/71 e 4.024/61, o Curso Normal de nível médio era incumbido do professor primário., no contexto das leis 5.992/71 e 4.024/61, respectivamente.

destarte, a reformulação do Curso de Pedagogia gestada durante a década de 1980, e regulamentada a partir de 1996, elevou o nível de ensino médio para superior da formação do professor da educação infantil e do ensino fundamental, anos iniciais. Cabe destacar que a lei nº 9.394/96 definiu este nível e responsabilidade para o Curso Normal superior, no entanto, o movimento de profissionais da educação, aNFoPe, aNPae, ForUNdir, aNPed, e de estudantes dos Centros acadêmicos do curso de Pedagogia, interpelou aos órgãos reguladores para que a formação do professor ocorra no curso de Pedagogia. o pressuposto é de que a formação do professor prescinde de uma formação teórica prática em docência articulada aos fundamentos pedagógicos e sociopolíticos no contexto da organização do trabalho da escola, e não é restrita à formação técnica, centrada no domínio dos conteúdos escolares e suas metodologias (sCHeiBe, agUiar, 1999; sCHeiBe, 2007, 2010; gatti, 2009).

reafirmam os estudos de gatti (2009), publicados pela UNesCo, que o foco das demais licenciaturas é voltado para a atuação do professor nos anos finais do ensino fundamental (6º ao 9º ano) e ensino médio, porém, esses estudos indicam uma lacuna quanto à formação de professores para a educação infantil nos cursos de licenciatura, inclusive na Pedagogia. a resolução nº 01 CNe/CP, de maio de 2006, que define as diretrizes Curriculares para o curso de Pedagogia, atribui como base da formação do pedagogo a docência, corroborando as indicações do movimento de professores.

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a pesquisa, focalizada neste artigo, foi realizada com o objetivo de compreender a formação do professor efetivada no curso de licenciatura em Pedagogia, uma vez que este curso está incumbido de formar para a docência, constituído como um dos eixos dos princípios básicos da formação inicial do professor. este princípio é reafirmado em documentos dos encontros nacionais da aNFoPe, desde 1983.

Constituem os elementos examinados na investigação a organização do curso de Pedagogia, a composição dos conhecimentos priorizados nas disciplinas, a prática dos formadores nas aulas, a percepção dos alunos quanto ao seu processo de formação, as escolhas dos temas no trabalho de conclusão do curso.

a metodologia fundamenta-se nos aportes teóricos de santos (2005), que estabelece, em termos didáticos, diferentes níveis de conhecimento, quais sejam, o nível descritivo, o explicativo e o compreensivo. assim, a empiria tomou como referente um estudo de caso, a partir de abordagem qualitativa, de um curso de Pedagogia da cidade de Curitiba (Paraná), considerando o exame da proposta de curso, as respostas coletadas por meio de entrevista semiestruturada com o coordenador de curso e com os professores, questionários respondidos pelos alunos e levantamento dos temas e focos do trabalho de conclusão de curso.

os aportes teórico metodológicos que embasam o estudo quanto à docência apóiam-se em Martins (1998), Wachowicz (2009), gauthier (1998), Veiga (2009), Pimenta e lima(2004); sobre formação de professores, em Marcelo (1999), romanowski (2007), gatti (2009); e quanto ao curso de Pedagogia, nos estudos de Brzezinski (1996), scheibe e aguiar (1999), scheibe (2007, 2010).

dA OrGANIzAçãO dO CUrSO AOS CONHECImENTOS PráTICOS E TEórICOS dA dOCêNCIA: O QUE ExPrESSAm AS dISCIPLINAS?

a escolha desse curso como um caso a ser investigado foi precedida de verificação junto às instituições de ensino superior que ofertam curso de Pedagogia sobre qual ou quais propostas de curso assumem a docência como estruturante do curso. entre as instituições contatadas, essa instituição foi identificada com a proposta de maior intensidade nessa perspectiva; trata-se de um curso de Pedagogia de uma instituição de ensino superior privada de Curitiba-Pr. o depoimento da atual coordenadora confirma a escolha, quando afirma que desde a proposta inicial, a composição dos conhecimentos e das disciplinas busca uma interação entre disciplinas, teoria e prática, conteúdo e método. Cada período do curso elege uma disciplina de pesquisa e prática profissional como articuladora das demais disciplinas. É um dos poucos cursos a elencar disciplina sobre a formação e o desenvolvimento profissional do professor como componente curricular.

o exame da composição curricular na proposta do curso foi realizado pela análise das ementas das disciplinas e complementado pela sistematização dos depoimentos dos professores.

Na fala da coordenadora (C. C.) depreende-se esta intencionalidade: : “(...) o curso já formava tanto para a gestão e para a docência e após as dCNs passou a atender a formação tanto para a educação infantil e disciplinas do magistério, nível médio.”

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a partir dos objetivos definidos configura-se o perfil do licenciado, que, segundo a Proposta Pedagógica do curso (PPP, 2007, p. 5), estará apto a “atuar na docência do ensino fundamental, na gestão e pesquisa educacional em instituições escolares, empresas e organizações sociais; na valorização dos paradigmas da interdisciplinaridade, da aprendizagem colaborativa e dos processos democráticos”.

da análise da proposta foi depreendida a categorização das disciplinas em: (i) disciplinas voltadas para a prática docente em que a teoria pedagógica é expressão da prática (MartiNs, 1998); (ii) disciplinas voltadas para os fundamentos da educação; (iii) disciplinas relacionadas à gestão da escola; (iv) disciplinas e conhecimentos específicos; (v) estágio.

No Quadro 1( em anexo) estão distribuídas as disciplinas conforme segue: o número de disciplinas destinadas à prática docente é dominante no curso, do total somam 18 direcionadas para a didática e as metodologias de ensino. as ementas focalizam os conteúdos escolares, especialmente dos anos iniciais do ensino fundamental, e uma disciplina de cada uma das modalidades de ensino, como educação de jovens e adultos. embora a disciplina de literatura infantojuvenil esteja nomeada como conhecimento específico, a abordagem é da articulação conteúdo e método.

as disciplinas de fundamentos de educação são em menor número e com um semestre para cada uma das áreas: História da educação, Psicologia da educação, sociologia e antropologia.

No exame das ementas destacam-se na didática abordagem para os “paradigmas da docência; estratégias pedagógicas; planejamento e organização do ensino”. Nas disciplinas de teoria e Prática de ensino (metodologias da geografia, Matemática, etc.) são propostos os conhecimentos específicos dessas ciências, a organização das atividades, o planejamento, os processos avaliativos e as estratégias de ensino. em teoria e Prática de ensino, referente à alfabetização, são trabalhados os conhecimentos sobre os fundamentos históricos dos métodos de alfabetização, a formação do professor alfabetizador, etc. em literatura infantojuvenil aborda-se o ensino da literatura infantil, da aprendizagem da língua e ludicidade, os objetivos e as técnicas de abordagem. Nos conteúdos de artes, apresentam-se o ensino da arte nas escolas, o arte-educador, a artes e os alunos com necessidades especiais.

Nas disciplinas de teoria e Prática de ensino de História, geografia, Matemática, Ciências Naturais, língua Portuguesa e Corporeidade, propõe-se o conhecimento do conteúdo específico dessas ciências para as séries iniciais do ensino fundamental, bem como a forma de ensino desses conteúdos.

depreende-se dessa análise a prioridade dada ao ensino dos conteúdos e métodos para os anos iniciais. Neste sentido, referendam-se os estudos de gatti (2009) de que os cursos não promovem o aprofundamento da formação na educação infantil.

No conjunto de disciplinas de Pesquisa e Prática Pedagógica, em relação às diferentes dimensões da prática docente e de organização do trabalho pedagógico, tais como sobre a escola, os conhecimentos sobre “as relações educativas no cotidiano escolar, mapeamento da realidade escolar”; docência da educação infantil, “especificidade do trabalho pedagógico na educação infantil, observação, participação e planejamento de

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ações a serem desenvolvidas com crianças de 0 a 5 anos”. Na disciplina de Pesquisa e Prática Pedagógica – docência ensino Fundamental, docência nesta modalidade de ensino: “desenvolvimento da prática pedagógica: análise, planejamento e atuação”, e na docência ensino Médio, propõe “aspectos teórico-metodológicos no planejamento de aulas das disciplinas pedagógicas, da docência no ensino médio, pesquisa e planejamento de docência, plano de aula e oficinas”.

em Pesquisa e Prática Pedagógica – desenvolvimento Profissional, desenvolvem-se os conhecimentos e o contato do aluno com a profissão. os conteúdos abordam “o papel do pedagogo dentro e fora do ambiente escolar, enquanto docente dentro e fora da sala de aula”. em Pesquisa e Prática Pedagógica – Propostas educacionais, é proposta “a análise e reflexão dos processos educativos no interior das escolas e/ou instituições formais e não formais, governamentais e não governamentais”. esses estágios possibilitam a compreensão da história da profissão do pedagogo, tanto enquanto gestor como professor, proporcionando o reconhecimento dos espaços de atuação desse profissional, tanto escolares como não escolares; apresenta o reconhecimento do espaço escolar, a sua estrutura e organização.

os estágios se realizam na educação infantil, educação de jovens e adultos, ensino fundamental, ensino médio, alfabetização e gestão escolar. a proposição é de possibilidade para aproximar o aluno da realidade educacional, da escola, da área de atuação, da prática docente, ultrapassando a observação da prática para a reflexão da realidade, bem como possibilita aprender a planejar suas atividades docentes. Para Pimenta e lima (2004, p. 111), “ao transitar da universidade para a escola e desta para a universidade, os estagiários podem tecer uma rede de relações, conhecimentos e aprendizagens, não com o objetivo de copiar ou criticar apenas os modelos, mas no sentido de compreender a realidade para ultrapassá-la”.

as disciplinas de estágio voltam-se para a prática, para o contato direto com o campo de atuação do professor. Nessas disciplinas, parte-se dos seguintes princípios: análise e reflexão dos processos educativos no interior das escolas; reflexão sobre o espaço da sala de aula na construção do trabalho docente; desenvolvimento da prática pedagógica: análise, planejamento e atuação; relação professor e aluno e conhecimento na configuração do processo educacional. assim, os estágios possibilitam ao aluno conhecer a realidade da escola, da atuação do pedagogo tanto na docência quanto na gestão, conhecer e refletir sobre a profissão do pedagogo, tanto na escola como em outras organizações, ou seja, sobre o contexto da prática do professor como um todo, de forma ampla, e não especificamente da sala de aula, de acordo com Pimenta e lima (2004), ao referir-se ao estágio em atividades não docentes, ou seja, entre a sala de aula e os sistemas de educação.

as disciplinas que mais se aproximam da formação prática do professor na visão dos alunos, a partir das repostas nos questionários, são os das disciplinas de didática, Pesquisa e Prática Pedagógica e estágio, em menor proporção as disciplinas de teoria e Prática de conhecimentos específicos (metodologias). Vários relatos contêm essa indicação, como por exemplo este, ao referir-se à didática e teoria e Prática de ensino: “(...) estas disciplinas são disciplinas que discutem de forma mais direta a atuação específica do professor, enquanto as demais discutem o processo educativo de maneira mais ampla, englobando a escola, equipe pedagógica, família e outros espaços educativos” (a. B).

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ainda, outro aluno que descreve: “(...) ser professor é cercar-se de um conjunto de conhecimentos e ações capazes de subsidiar um trabalho que venha a contribuir para a formação de pessoas participativas, críticas, solidárias e que possam transformar realidades” (a. e.).

esse depoimento do aluno articula-se com a compreensão da dimensão educativa de humanização da escola, um professor humano, como indicam libâneo e Pimenta (2006, p. 44):

(...) um profissional do humano: que ajuda o desenvolvimento pessoal, intersubjetivo do aluno;

um facilitador do acesso do aluno ao conhecimento (informador/informado); um ser de cultura

que domina de forma profunda sua área de especialidade (científica e pedagógico/educacional)

e seus aportes para compreender o mundo; um analista crítico da sociedade, que nela intervém

com sua atividade profissional; um membro de uma comunidade de profissionais, portanto

científica (que produz conhecimentos sobre sua área) e social.

Nas disciplinas de fundamentos da educação, teorias do Conhecimento Pedagógico, por exemplo, a ementa propõe o entendimento das “teorias pedagógicas dos educadores tradicionais aos progressistas, as concepções pedagógicas e suas práticas, educação como prática social”. os conhecimentos propostos na disciplina de Paradigma Curricular e avaliação possibilitam a “compreensão do processo de estruturação curricular, relações com o planejamento e a prática pedagógica”. Na disciplina de avaliação da aprendizagem, desenvolvem-se os conhecimentos sobre “as modalidades de avaliação, critérios e instrumentos de avaliação”. Prof. a: “(...) eu compreendo que o principal objetivo desta disciplina é puxar o tapete do senso comum, com o qual os alunos vêm para o curso.”

esses conteúdos fundamentam a formação para a docência, ultrapassam o conhecimento dos conteúdos que serão objeto de ensino nas séries iniciais. gauthier (1998) expressa como saberes das Ciências da educação, relacionados a um saber profissional específico que não está diretamente ligado à ação pedagógica da sala de aula, são saberes que o professor adquire durante a sua formação e em seu trabalho e que contribuem para compreender a educação, as suas atividades como professor.

Na percepção dos alunos do curso, as disciplinas que possibilitam uma formação em teoria da educação são as disciplinas de Filosofia, Paradigma Curricular e avaliação e a sociologia. essa percepção dos alunos demonstra que disciplinas teóricas são aquelas que não discutem diretamente a ação de ensinar do professor. Conforme gauthier (1998, p. 31), o conteúdo das Ciências da educação é “um saber profissional específico que não é diretamente relacionado com a ação pedagógica, mas serve de pano de fundo tanto para ele quanto para os outros membros de sua categoria socializados da mesma maneira”. além disto, os conteúdos das Ciências da educação são os que assumem a dimensão da formação para o domínio das relações entre conhecimentos explicativos, compreensivos da complexidade das relações sociais determinantes e determinadas na prática (saNtos, 2005).

a intencionalidade das atuais propostas de formação de professores direcionadas pelas proposições da racionalidade prática fragilizam essa compreensão de totalidade, ao centrarem o fazer docente, cunhado na expressão iluminismo às avessas por Moraes (2003). destarte, a pesquisa de Bernadete gatti (2009)

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sobre os currículos das instituições que formam os docentes do ensino fundamental identifica uma composição de conhecimentos teóricos fragilizada, aligeirada.

A rELAçãO dE INdISSOCIABILIdAdE CONTEúdO E FOrmA: êNFASE POSSívEL?

Nos depoimentos dos professores destaca-se o empenho na abordagem das disciplinas de teoria e Prática de ensino, e em outras disciplinas, a proposição de desenvolver indissociavelmente conteúdo e forma, expressa categoricamente como intenção na proposta do curso. diz um professor (Prof. g): “No meu entender, a relação conteúdo-forma, ela é indissociável, você não pode e não tem como separar isso. se o conteúdo é crítico, ele suscita indagações, suscita questionamentos, a forma que eu tenho que usar não deve ser uma forma fechada. então, mesmo quando eu falo em aulas expositivas, essas aulas são sempre dialogadas.

a intenção é de não se priorizar o conteúdo e a forma, e sim a relação permanente em que conteúdo e forma não se separam. essa relação é explicada por Waschowicz (2009, p. 10):

os conteúdos quando postos em movimento numa boa aula, daquelas de buscar a realidade e não achá-la, mas voltar com o indizível, esses conteúdos da realidade criam um sentido, pela forma que tomam no pensamento e pelo pensamento. ou seja, a forma pode alterar o conteúdo porque se refere a uma construção lógica realizada pelo sujeito que pensa e até o limite que suas condições emocionais lhe permitirem alcançar.

a forma assume sentido ao conteúdo, e vice-versa, processo realizado pelo sujeito em seu pensamento, em sua prática. assim, conteúdo não existe sem forma e mutuamente, por isso não condiz dizer que pode existir articulação entre ambos, pois estão imbricados e não separados para ter que se articular, assim expresso em Waschowicz (2009, p. 11):

Na prática de ensino, observamos com muita freqüência o fato de que os professores considerados como sendo aqueles que têm o domínio do conhecimento do qual tratam em suas aulas, são também os que têm mais possibilidades do que os outros de compreender a ação educativa na sua contingência radical: a via da produção do conhecimento pelos alunos, em parceria com o professor em aula, no coletivo escolar. esse fato prova a capacidade que tem conteúdo e forma de estabelecerem relações vivas na conquista do conhecimento. Poderíamos então afirmar: a forma de ensinar é o conteúdo em movimento.

os conteúdos de ensino, postos em movimento, assumem as suas forma de existir na realidade e no pensamento. assim, dominar os conteúdos é essencial, porém, não o suficiente. Para Waschowicz (2009, p. 24), “a maneira de trabalhar do professor é que vai conferir ou não a qualidade ao ensino e cumprir com a finalidade da instituição escolar, que é a aprendizagem dos alunos”.

essa relação conteúdo-forma implica valorizar os conhecimentos que os alunos já possuem e o contexto social em que eles estão inseridos, o que permite avançar no processo de ensino e aprendizagem e na

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possibilidade de transformação da realidade social. Nesse sentido, o professor, ao conhecer seus alunos, sua realidade, seus problemas sociais, como assevera Martins (1998), estabelece uma relação com a realidade, circunstancia o conhecimento, propicia sua valoração sócio-histórica. a relação decorrente recompõe esse conhecimento em uma nova relação com esses sujeitos e seu grupo social, para transpor-se nas relações sociais. o movimento toma o local para transversalizar com o universal, e isso é constituir práxis social.

a organização do currículo favorece a composição da relação conteúdo-forma, pois os períodos são organizados em unidades temáticas de aprendizagem (Utas), viabilizando a inter-relação entre os campos disciplinares. em cada Uta é estabelecido um tema articulador para o aprofundamento da abordagem das disciplinas e que culmina com uma produção escrita de conhecimentos pelos alunos e uma avaliação interdisciplinar. em cada Uta são indicadas disciplinas de natureza teórica e prática, todas contêm uma prática profissional e estágio.

o o entendimento da proposta do curso e o comprometimento com a articulação dos conteúdos trabalhados na unidade de aprendizagem (Ua) estão expressos no eixo temático que articula os conhecimentos das disciplinas.. a integração dos conteúdos das disciplinas em torno de cada temática, por exemplo, é noticiada no depoimento do professor de uma disciplina dessa Ua (Prof. P): “(...) o tema da unidade de aprendizagem neste semestre é educação e sociedade, assim, todas as disciplinas abordam sobre as concepções de sociedade e suas repercussões na escola.”

Para alguns professores, essa proposta favorece o desenvolvimento de uma prática pedagógica articulada, conforme depoimento (Prof. N): “a gente tem um trabalho excelente interdisciplinar nesse semestre com esse grupo.”

Um segundo esforço, nessa direção, no desenvolvimento do curso, é a decisão de composição do corpo docente, a maioria dos professores que ministram as disciplinas de teoria e Prática de ensino são profissionais com formação específica na área, por exemplo, o professor de teoria e Prática do ensino de geografia é formado em geografia. somente os professores das disciplinas de teoria e Prática de ensino – História e teoria e Prática de ensino – Matemática – não são especialistas na área, e sim pedagogas, no entanto, com experiência no ensino de História e de Matemática nas séries iniciais do ensino fundamental. a formação específica é condição, mas não é suficiente, esses profissionais possuem também formação na área de educação e/ou experiência consolidada de prática de ensino na educação básica.

soma-se à organização da proposta do curso o perfil dos alunos do curso que indicam escolha pelo magistério como intenção na realização de curso superior, alguns com formação anterior de magistério no nível médio, e a significativa maioria manifestou intenção de atuar como professores após a conclusão do curso (uma minoria pretende atuar em gestão escolar).

essa escolha é marcada devido à acessibilidade acadêmica (alguns alunos consideram pedagogia um curso fácil), na perspectiva financeira (custo da mensalidade) e na conciliação entre formação e trabalho (quase todos os alunos trabalham). destaca-se que os alunos são provenientes de famílias com renda

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per capita de classe média, em que o magistério configura-se como escolha profissional por influência familiar e gênero (a maioria dos alunos é do sexo feminino).

a indicação do magistério manifesta-se em relatos dos alunos, como por exemplo: “(...) sou fascinada pelo processo de ensino-aprendizagem” (a. B); outro complementa com a seguinte expressão: “(...) porque me identifico com a profissão e acho uma bela profissão” (a. C.).

essa escolha pode ter respaldo na falta de opção, de acordo com libâneo (2007): pelo descrédito da profissão, a escolha pelo curso de Pedagogia é feita como última opção, o que presume a problemática da formação de menor exigência. reafirma libâneo (2007, p. 93): “(...) a desvalorização econômica e social do magistério, além de comprometer o status social da profissão, também retira o status acadêmico dos campos de conhecimentos que lhe correspondem, tornando o ensino uma linha de pesquisa menos nobre.” assim, a desvalorização do profissional professor reflete na sua formação, no seu comprometimento com o ensino e na aprendizagem de seus alunos. as profissões valorizadas demandam maior procura de vagas, o que acarreta maior exigência de nível de desempenho acadêmico no ingresso, e mesmo durante o curso.

ainda em relação aos alunos ressalta-se que estudos de acompanhamento realizados ao longo de cinco anos indicam que eles, ao ingressarem no curso, exercem atividades laborais em diferentes áreas de ocupação de trabalho, tais como caixas de supermercado, auxiliares administrativos, atendentes de telefonia, enfim, ocupações na área de prestação de serviço e nos anos finais. a atividade laboral se efetiva na área educacional, como auxiliar de ensino, de coordenação, na secretaria escolar e outras. (roMaNoWsKi; roUsseNaU; UrBaNetZ, 2005).

o processo de opção de escolha, não definido pelos alunos como magistério, no início do curso transforma-se durante a formação, ou seja, o aluno toma consciência de sua profissionalidade se constituindo, determinando-se como professor no decorrer de seu desenvolvimento profissional, iniciado na formação inicial.

o exame dos trabalhos de conclusão de curso dos alunos reafirma os indicativos de que o curso examinado é um caso de curso em que as propostas e seu desenvolvimento priorizam a formação do docente. Foram examinados os temas dos trabalhos de conclusão de curso dos alunos concluintes da turma 2008. do conjunto dos 43 trabalhos, obteve-se o seguinte indicativo: a maioria dos trabalhos (83%) elege a docência como tema de investigação.

os trabalhos que investigam a docência focalizam como objeto de estudo o processo ensino-aprendizagem: o lúdico e o brincar em educação infantil; a aprendizagem da Matemática; a aprendizagem na educação a distância; as metodologias do ensino religioso, das tecnologias educacionais, da literatura infantil; a avaliação da aprendizagem e a reflexão na prática do professor. Uns poucos trabalhos focalizam a relação entre professor e alunos, especialmente a disciplina em sala. de modo singular, há estudos sobre a condição socioeconômica do aluno e o sucesso na aprendizagem; bem como sobre Paulo Freire e a influência do seu pensamento na prática do professor.

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após a análise dos trabalhos, foi possível perceber a opção dos alunos concluintes em desenvolver seus trabalhos de conclusão de curso com temáticas voltadas à docência nas séries iniciais do ensino fundamental. isto é, a opção de assuntos de tCC aponta indícios de que os alunos do curso investigado valorizam a formação para a docência. os alunos distinguem a preocupação em compreender as dificuldades da prática de ensino do professor e demonstram interesse na busca de possibilidades de melhorias nesse processo.

Cabe destacar na análise dos trabalhos que apenas um trata especificamente do ensino nos anos iniciais do ensino fundamental, a maioria dos alunos concluintes optou em pesquisar sobre a modalidade da educação infantil. destarte, os primeiros resultados indicam que os alunos, em sua maioria, focam as atividades direcionadas à docência. a opção de estudos sobre temas direcionados à gestão em espaços escolares e não escolares foi encontrada em menor número na amostra investigada.

dA CrIAçãO dO CUrSO dE PEdAGOGIA àS ATUAIS dIrETrIzES: FOrmAçãO PArA A dOCêNCIA?

Na institucionalização do curso de Pedagogia, na Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil, pelo decreto lei nº 1.190, de 4 de abril de 1939, o curso formava o bacharel e o licenciado, no esquema conhecido como 3 + 1, sendo nos primeiros três anos a formação do bacharel em Pedagogia, e a opção em cursar mais um ano, no caso a 4ª série, voltada para o ensino da didática, conferia o título de licenciado. Para os bacharéis que quisessem obter o título de licenciados, havia a possibilidade de fazer o curso de didática, para que os alunos tivessem interesse em realizar esse complemento na formação do pedagogo para exercer a docência no Curso Normal.

essa área de atuação do licenciado em Pedagogia apresentava ambiguidades: enquanto o decreto nº 1.190/39 determinava que o pedagogo licenciado atuasse como docente do Curso Normal – nível médio, o decreto que regulamentava o Curso Normal, na época, decreto nº 8.530/46, definia que os professores do ensino normal deveriam ser formados em nível superior, sem especificar esses professores como oriundos do curso de Pedagogia. segundo scheibe e aguiar (1999), para lecionar no Curso Normal bastava o diploma de ensino superior, não sendo, então, um trabalho exclusivo do pedagogo.

a formação para a docência na educação infantil e nas séries iniciais, denominada à época de ensino primário, ocorria no Curso Normal, conforme o decreto nº 8.530/46 (lei orgânica do ensino Normal). a lei orgânica, em seu artigo primeiro, indicava o Curso Normal como responsável em prover a formação docente necessária às escolas primárias e também em habilitar administradores escolares destinados às mesmas escolas. a formação, no entanto, para atuar no ensino primário não era atribuída ao curso de Pedagogia, o que impedia o pedagogo de atuar nessa modalidade de ensino.

assim, a formação do professor no curso de Pedagogia teve início com um paradoxo. o curso formava o pedagogo para a docência no Curso Normal, tendo a responsabilidade de formar os professores para atuar no ensino primário, mas os pedagogos não poderiam lecionar como docentes no ensino primário. segundo Brzezinski (1996, p. 45), “o pedagogo, no exercício profissional, deveria saber e saber fazer uma educação que não tinha aprendido nem vivido”.

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a formação do pedagogo é marcada pela fragmentação bacharelado-licenciatura, refletindo a nítida concepção dicotômica que orientava o tratamento de dois componentes do processo pedagógico: o conteúdo e o método. segundo Brzezinski (1996, p. 44), “o esquema 3 + 1 provocou a ruptura entre o conteúdo dos conhecimentos específicos e o método de ensinar este conteúdo”, o que perdura em muitos cursos até os dias atuais.

Mais tarde, com o Parecer CFe nº 251/62, o relator indicou a necessidade de o professor primário ser formado no ensino superior e fixou o currículo mínimo do curso de Pedagogia e a sua duração. o referido Parecer definiu também a duração do curso para quatro anos, para formar tanto o bacharel como o licenciado, extinguindo o esquema 3 + 1, para, dessa maneira, superar a dicotomia de conteúdo e forma. Porém, para Brzezinski (1996), na prática, o esquema não foi extinto, apesar de o último ano não ser optativo, dedicando ainda a maior parte do curso, isto é, três anos direcionados à formação específica e o último à prática de ensino. isso se deve à manutenção da organização das ordens das disciplinas: os três primeiros anos dedicados às disciplinas teóricas e os quatro anos às disciplinas didático-práticas.

apesar do Parecer CFe nº 251/62 não estabelecer o fim da dicotomia entre bacharelado e licenciatura, ele aponta o indicativo de elevação da formação do professor para o nível superior em curso de graduação licenciatura, no entanto os sistemas de ensino continuaram a admitir o formado no Curso Normal colegial na composição do quadro de professores para os não iniciais do ensino fundamental.

ainda na década de 1960, com o Parecer do CFe nº 252/69, foi definida a abolição da distinção entre bacharelado e licenciatura, introduzindo a proposta de formação dos especialistas em educação com as habilitações em administração escolar, inspeção escolar, supervisão pedagógica e orientação educacional, concomitante à habilitação para a docência nas disciplinas pedagógicas para habilitar a atuar nos cursos de magistério.

o curso de Pedagogia a partir do Parecer n° 252/69 padronizou o título de licenciado a qualquer das habilitações, não separando mais a formação do bacharel e do licenciado. em relação ao direito de exercer a docência no ensino primário pelos pedagogos, o referido Parecer indica que “quem prepara o professor primário tem condições de ser também professor primário”. assim, o pedagogo poderia atuar como docente na educação infantil e nas séries iniciais, para isso, “incluiu-se (sic) mais alguns estudos no currículo do curso: Metodologia do ensino de 1º grau e Prática de ensino na escola de 1º grau, com estágio supervisionado” (silVa, 2000, p. 50).

a formação dos especialistas no curso de Pedagogia foi forjada no contexto educacional da época, o qual, devido à necessidade da mão de obra qualificada para atender o modo de produção capitalista, visava especificamente à divisão científica do trabalho na escola para aumentar a produtividade. Naquele período, a organização da escola referencia-se nos princípios da administração empresarial. o trabalho pedagógico assumiu os princípios da administração científica com base em taylor e Fayol. desse modo, a divisão do trabalho escolar, segundo romanowski (2007), retirou do professor o processo de ensino em sua totalidade.

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Para Brzezinski (1996), a formação do especialista no curso de Pedagogia, imposta pela lei, no caso, o Parecer n° 252/69, conduziu a uma visão desintegradora do trabalho pedagógico, provocando embates entre especialistas e professores. os especialistas, mesmo sem possuir a formação apropriada, desempenhavam uma função que lhes conferia um lugar de status na hierarquia escolar. assim, os professores sentiam-se inferiores e impotentes diante de sua condição profissional em seu ambiente de trabalho.

ao final da década de 1970 e início dos anos 1980, professores e pedagogos organizaram-se para discutir os problemas que atingiam a categoria e começaram a exigir participação nas definições de políticas educacionais para o país. Naquela época, discussões ocorreram a respeito da formação do professor e da função do especialista formado pelo curso de Pedagogia. a tendência pedagógica naquele período mostrou uma perspectiva mais crítica, influenciando a formação dos professores.

No bojo das discussões acerca da formação do professor, foi criada, então, a Comissão Nacional de reformulação dos Cursos de Formação de educadores – Conarcfe. No i encontro Nacional organizado por essa comissão, teve início a formulação de princípios de uma base comum nacional para a formação de todos os educadores. segundo Brzezinski (1996, p. 156), “era consenso em todas as propostas e o curso de Pedagogia deveria assumir, prioritariamente, a formação do professor para depois formar o especialista em educação”.

Nessa discussão, apresentou-se a formação do professor como identidade do curso de Pedagogia, e não mais a de especialista. outros encontros do Conarcfe foram realizados sobre a mesma questão, para reformulação dos cursos de licenciatura, consequentemente do curso de Pedagogia. estava iniciado o processo de defesa da docência como identidade profissional dos educadores, ocasionando o sentido de formação do pedagogo, e não do especialista em educação. Mais tarde, o Conarcfe transformou-se em associação – associação Nacional pela Formação dos Profissionais da educação (anfope) –, que mantém como eixo comum a formação do professor.

a defesa em prol da formação do professor no curso de Pedagogia persistiu e, a partir da década de 1990, o magistério primário tornou-se uma das habilitações do curso de Pedagogia em razão, conforme scheibe e aguiar (1999), da compreensão de que a docência constituía a base da identidade do profissional de Pedagogia.

ainda, durante essa mesma década (1990), o curso de Pedagogia, o qual passara a ser responsável pela formação do professor da educação infantil e séries iniciais do ensino fundamental, recebeu nova reformulação com a lei de diretrizes e Bases da educação Nacional (lei nº 9.394/96), a qual define a formação do professor para a educação básica em seu artigo 62, considerando que a

(...) formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e institutos superiores de educação, admitida, como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nas quatro

primeiras séries do ensino fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade Normal.

o referido artigo, ao mesmo tempo que faz a exigência de nível superior para o professor atuar na educação básica, explicita também que a formação mínima exigida para atuar como professor na educação infantil

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e nas séries iniciais do ensino fundamental é o Normal – nível médio. o anúncio da formação mínima em curso superior é um avanço, no entanto, não em plenitude ao manter o nível médio.

após a aprovação da ldBeN/96, um longo debate foi travado entre os órgãos reguladores dos cursos e as associações de professores com os órgãos reguladores (MeC, CNe, anfope, Forumdir, anped, anpae) e diretórios de estudantes de cursos de Pedagogia. Finalmente, em 2006, as novas diretrizes curriculares para o curso, resolução CNe/CP nº 01/06, foram estabelecidas.

Nessas diretrizes, a formação do professor para atuar na educação infantil e nas séries iniciais do ensino fundamental é de responsabilidade do curso de Pedagogia quando define, em seu artigo 2º, que as diretrizes para o curso de Pedagogia “se aplicam à formação inicial para o exercício da docência na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental, nos cursos de ensino médio, na modalidade Normal, e em cursos de educação profissional na área de serviços e apoio escolar, bem como em outras áreas nas quais sejam previstos conhecimentos pedagógicos”. a base da formação do pedagogo segundo as diretrizes curriculares é a docência, mas, além disso, prevê a formação para diversas áreas de organização da escola. destarte, nas considerações finais da resolução 01/06, ficou estabelecido que o Curso Normal superior poderia ser transposto para curso de Pedagogia, o que de fato ocorreu, extinguindo praticamente aquele curso. dos 798 cursos de Normal superior existentes em 2006, já apresentam uma redução para 215 em 2007 (Fonte: iNeP, sinopses estatísticas).

a importância da formação docente no curso de Pedagogia é, de acordo com scheibe e aguiar (1999), uma forma de romper com a “tradição tecnicista de separar o saber e o fazer, a teoria e a prática”. isso impulsiona o curso a centralizar a formação do professor, pois para as autoras existe uma trajetória histórica do curso como espaço de formação para a docência.

CONSOLIdA-SE A FOrmAçãO dO PrOFESSOr?

À guisa de considerações finais, do nível explicativo para indicações compreensivas, a partir do estudo realizado e da análise dos resultados obtidos, constata-se a intencionalidade da proposta e do esforço em seu desenvolvimento sobre a formação do docente como eixo articulador do curso, indícios de formação bem-sucedida, pois verifica-se entre os ex-alunos que a maioria tem obtido êxito nos resultados de concursos públicos de que participam.

No entanto, o aligeiramento perpassa o processo de formação: o tempo para o desenvolvimento das disciplinas de fundamentos, à compreensão da natureza do conhecimento sobre o currículo da educação infantil, dos anos iniciais do ensino fundamental e de suas modalidades, é exíguo. É notória a fragilidade de formação docente à educação infantil.

No que se refere ao perfil do aluno que escolhe cursar Pedagogia e ser professor, apesar da opção inicial ter sido por inúmeros outros motivos, menos a docência, há indícios de que durante o curso a maioria dos alunos assume ser professor. isso fomenta um paradoxo, pois ao exercer o trabalho na área de atuação profissional o aluno se aproxima da prática. No entanto, esta prática experienciada não é examinada no

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curso, de onde a desarticulazação teoria e prática. o aluno mantém uma compreensão dos determinantes da prática limitada, compreende como fazer e busca respostas imediatas aos problemas emergentes no cotidiano escolar. o que se tem é um trabalhador sem compreensão da totalidade dos nexos explicativos (saNtos, 2005; MartiNs, 1998), sem condições concretas de ultrapassar a centralidade deste fazer. delineia-se uma formação no trabalho, desprovida da compreensão das relações sociais que o determinam. destaca-se que não se trata de responsabilizar os alunos e professores, mas de indicar as condições em que se efetiva a formação.

os professores desenvolvem suas práticas enquanto formadores na perspectiva da indissociabilidade conteúdo e forma, em que o conteúdo contém a forma e vice-versa (WasCHoWiCZ, 2009). essa concepção está instituída no curso, tanto na proposta pedagógica quanto nas práticas dos professores. Contudo, as concepções do processo de formação de professores assumem como basilar o domínio de conteúdos.

dadas as atuais políticas formativas fundadas na racionalidade prática, os limites de valorização do professor, é possível afirmar que o esforço desprendido para realização de uma formação docente consistente, densa e coerente não é em vão, nem ocorre por acaso, mas no limite das relações sócio históricas que o determinam.

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artigos

Pesquisa sobre Formaçao de Professores: Síntese do II Simpósio de grupos de pesquisa do GT 8 da ANPEdII SImPóSIO dE GrUPOS dE PESQUISA SOBrE FOrmAçãO dE PrOFESSOrES GT 8 ANPEd

PUC-Pr, 24 e 25 de março, 2011 Marli andré

iria BrzezinskiMenga lüdke

Maria do Céu roldão

Resumoo presente texto sintetiza o registro dos dois simpósios realizados pelo gt 8 Formação de Professores da associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em educação – aNPed com a finalizade de socializar para todos os membros do referido grupo de trabalho, sobretudo daqueles que não puderam estar presentes nos encontros, os resultados dos debates. o texto comenta e discute as constatações destacadas nas reuniões anuais do grupo, procurando avançar na discussão do grande tema da formação de professores como campo de pesquisa, que tem sido objeto de nossa reflexão há bastante tempo. esse relato significa a síntese das quatro observadoras que assinam este texto no qual procuraram destacar os pontos mais importantes na discussão e no debate nos simpósios.

PalavRas-chave: formação de professores; campo de pesquisa; relato.

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rEGISTrO SINTéTICO dA mESA-rEdONdA

alguns anos nos separam do i simpósio de grupos de Pesquisa sobre Formação docente, realizado na PUC/sP nos dias 24 e 25 de julho de 2006. Naquele encontro tivemos a presença de mais de 70 grupos, que relataram seus trabalhos, e procuramos reunir em uma mesa-redonda as principais reflexões possíveis de serem extraídas em tão curto tempo pelos observadores convidados para acompanhar a apresentação desses trabalhos.

Neste segundo simpósio, realizado nos dias 24 e 25 de março de 2011 na Universidade Católica do Paraná, em Curitiba, tivemos um número menor de grupos participantes, 33, mas pudemos desenvolver uma estratégia de trabalho que envolveu o envio prévio dos textos de cada grupo, devendo conter uma informação sobre o próprio grupo, além do relato relativo à pesquisa realizada. durante o evento os representantes dos grupos foram reunidos em quatro conjuntos de oito componentes (um deles com nove) para proceder à apresentação dos trabalhos de cada um dos grupos, sob a coordenação de um dos participantes, que assumiu também o papel de relator do conjunto. algumas pesquisadoras foram convidadas para atuar como observadoras, procurando acompanhar, na medida do possível, o desenvolvimento dos trabalhos dos quatro conjuntos. essa atividade tomou praticamente todo o primeiro dia do encontro. Na manhã seguinte todos os grupos se reuniram para ouvir o relato elaborado pelos quatro participantes destacados como relatores. esses relatos foram entregues às quatro observadoras que, em uma breve reunião, procuraram destacar os pontos mais importantes para serem comentados ainda durante o decorrer do encontro. Foi o que ocorreu na tarde do segundo dia, em uma mesa-redonda cuja síntese se encontra a seguir.

Consideramos importante trazer o registro dos dois simpósios para conhecimento de todos os membros do nosso gt 8, sobretudo daqueles que não puderam estar presentes nos encontros. Vamos comentar e discutir na reunião anual da aNPed as constatações destacadas, procurando avançar na discussão do grande tema da formação de professores como campo de pesquisa, que vem nos ocupando no gt há bastante tempo.

Convidadas para compor uma mesa-redonda que, ao final do encontro, procuraria apresentar uma apreciação geral dos seus aspectos principais, Marli andré, iria Brzezinski, Menga lüdke e Maria do Céu roldão acompanhamos os trabalhos dos grupos, examinamos os resumos feitos pelos relatores de cada sala onde eles se reuniram e procuramos, juntas, chegar a uma configuração que pudesse comunicar de forma sintética nossa percepção.

dividimos entre nós a responsabilidade sobre os itens que consideramos importante focalizar na rápida apresentação, que são: a concepção de pesquisa, questões ligadas a aspectos metodológicos e ao referencial teórico e, finalmente, uma consideração sobre a formação de professores vista como campo específico de pesquisa.

Neste texto apresentamos um rápido registro do trabalho efetuado, sem a preocupação, ou mesmo a possibilidade, de aprofundarmos o tema, cuja importância merece e receberá, por certo, análises e discussões dentro do nosso gt 8, para as quais esperamos contribuir com este registro sintético.

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entendemos que a mesa não se encarregaria de apresentar uma avaliação, mas uma reflexão analítica sobre aspectos emergentes do simpósio.

SOBrE A CONCEPçãO dE PESQUISA

Ficou claro tratar-se de um simpósio que ilustra o trabalho de um conjunto de grupos do gt 8, não representativo do total de grupos que o integram. evidenciou-se um ritmo de consolidação diferenciada entre os grupos, vários em fase de construção de percurso para fazer avançar a pesquisa no campo da formação de professores. Nem sempre ficou claro se os projetos descritos correspondiam a pesquisas sobre essa formação.

Como fragilidades, ou zonas a aprofundar, observamos:

Falta de clareza da base da pesquisa, entendida como construção fundamentada e rigorosa de conhecimento sobre uma realidade que se pretende compreender, com clareza do problema de pesquisa, ou seja, o que se pretende questionar, analisar, esclarecer, fundamentar face ao campo. Qual é a questão geradora da pesquisa e, a partir dela, qual a via metodológica para criar conhecimento sobre ela, e qual é esse conhecimento esperado?

Confusão entre problemas da prática vivida (que podem ser pontos de partida, mas não são por si problemas de pesquisa) e o problema epistemológico, isto é, que precisamos saber, que perguntamos a essa realidade ou problema prático para obter sustentação mais sólida para agir?

sobreposição entre pesquisa, intervenção e ação. intervenção e ação podem integrar-se no objeto ou no percurso da pesquisa, mas esta requer o questionamento e a produção sustentada de conhecimento sobre essa ação.

Necessidade de interpretar os achados, teorizando os elementos, os dados, numa lógica analítica e aberta a novo questionamento.

SOBrE O ASPECTO mETOdOLóGICO

a pesquisa pode enquadrar-se em diversas tipologias, produzir-se em diversos contextos e com várias finalidades, mas constitui em todos esses casos uma produção de conhecimento novo, baseado num questionamento claro, na construção de um percurso rigoroso de busca metodológica que fundamenta conhecimento e pode ser comunicada e útil a outros, para além do contexto envolvido.

Uma questão que se destacou na apresentação dos relatores dos grupos de pesquisa foi a falta de descrição ou a pouca clareza na indicação das metodologias utilizadas por esses grupos, questão evidenciada seja nos relatos orais dos participantes, seja no documento enviado para inscrição neste ii simpósio. essa constatação nos levou a indagar por que a apresentação da metodologia estaria (quase) ausente e a levantar uma possível hipótese: talvez as questões de metodologia de pesquisa sejam consideradas muito complexas e pouco dominadas pelos pesquisadores de forma geral, em particular no caso dos

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pesquisadores iniciantes. lembramos que no período de crítica ao positivismo e ao tecnicismo houve uma tendência a banir as disciplinas de metodologia da pesquisa dos cursos de pós-graduação, porque eram identificadas com as perspectivas criticadas. essa interpretação equivocada fez com que muitos pesquisadores, hoje orientadores de dissertações e teses, não tenham tido oportunidade de discutir muitas questões de metodologia de pesquisa em seus cursos de formação e consequentemente sintam certa dificuldade de enfrentá-las na tarefa de orientação de seus estudantes. Há, de fato, uma falta de domínio geral dos princípios que orientam as opções metodológicas.

outra questão, muito vinculada à anterior, é a indicação nos relatos de alguns grupos de pesquisa de novos procedimentos de coleta de dados, como narrativas, registros escritos, grupos focais, grupos de discussão, o que deixa uma interrogação sobre como têm sido tratados os dados coletados com eles. os manuais de metodologia de pesquisa nem sempre abordam essas temáticas, ainda muito novas, ficando sob a responsabilidade dos pesquisadores o controle do rigor que toda pesquisa requer.

Como enfrentar essas questões? Uma das possibilidades, talvez a mais proveitosa, seja a de tornar os grupos de pesquisa espaços genuínos de formação dos pesquisadores, com o enfrentamento coletivo das questões metodológicas, que são realmente complexas, mas podem ser superadas com o estudo em conjunto e com a construção de consensos provisórios, o que em muitos casos é o máximo que se pode alcançar.

Quando se trata de tipos de pesquisa muito utilizados, como o estudo de caso, a questão é o não cumprimento das exigências indicadas na bibliografia disponível. Nessa situação, torna-se necessário chamar a atenção dos pesquisadores para os princípios básicos envolvidos nessa abordagem: análise aprofundada de uma situação particular em seu contexto e em suas peculiaridades, com a utilização de múltiplas formas de coleta de dados.

É oportuno destacar a importância do preparo de bons instrumentos de coleta de dados, para o que são necessários conhecimentos técnicos, planejamento, testagem.

outra questão metodológica que mereceu atenção no exame dos relatos dos grupos foi a falta de estudos que utilizassem dados quantitativos. Por que essa omissão? ressaltamos a necessidade de pesquisas que investiguem situações mais amplas e extensivas para propiciar fundamentos às políticas educacionais. Caso contrário, as políticas continuarão sendo subsidiadas por especialistas de outras áreas, como economistas e cientistas sociais que recorrem a estudos extensivos.

enfatizamos que não deve haver preocupação com nominalismos, ou seja, com a definição exata do tipo de pesquisa realizada, mas deve haver, sim, preocupação com a descrição do caminho percorrido, que começa com a retomada dos objetivos da pesquisa e prossegue com a descrição de todos os passos seguidos, com as devidas justificativas do pesquisador para cada medida ou opção tomada.

Finalmente, destacamos a importância de que o relato seja fiel e cuidadoso com relação a todo o desenrolar da pesquisa e nele fiquem evidenciados quais foram os resultados alcançados, referindo-os aos objetivos propostos, para que fique evidente a contribuição do estudo para a área de conhecimento.

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SOBrE O rEFErENCIAL TEórICO

intrigou-nos uma questão recorrente durante as conversas na maioria dos 33 grupos presentes: todos os pesquisadores que apresentaram seus projetos de pesquisa no ii simpósio são integrantes de grupos de pesquisa?

esse questionamento nos leva a observar com muito cuidado recomendações de limoeiro Cardoso:

(...) desenvolver pesquisa é difícil, uma vez que a teoria está sempre sendo transformada, a escolha e uso do método é processo complexo, e algo sempre perturba a tranqüilidade da análise que merece ser refeita; ao concluir seu trabalho um pesquisador não dirá: “– agora, sim conheço.” sua posição exige um rigor maior, e ele dirá: “– agora o conhecimento é mais perfeito do que aquele de que partimos” (Cardoso, 1971, p. 16).

a produção de conhecimento, ainda que não seja perfeita, como menciona a autora, requer muito rigor ao desenvolver uma pesquisa, em relação a todos os seus componentes, entre eles o referencial teórico e os desdobramentos dele decorrentes.

Quanto à fundamentação teórica de pesquisas, considere-se a crítica feita por gatti (2002, p. 22) aos estudos que se baseiam em referenciais tecidos de modo simplificado e entremeados de modismos, que “evidentemente se associam a determinadas condições histórico-conjunturais”. ou ainda, aquelas investigações que se sustentam em referenciais que permanecem associados às produções que se impõem institucionalmente pelas lutas travadas nas arenas de poder da academia, cujo ideário se torna hegemônico, em determinadas épocas, no desenvolvimento de pesquisas em um país ou em vários países.

Neste sentido, deve ser considerada a historicidade do conhecimento científico, e não o “modismo” momentâneo, compartilhando ideias de Köche (2004, p. 35) de que “não há racionalidade científica abstrata, autônoma, que independa dos fatores culturais de cada época”, assim como não há neutralidade na construção do conhecimento e a objetividade nessa construção é sempre relativa. o pesquisador não pode negar que é enredado pela cultura do tempo e dos espaços em que vive, pois é histórico e, na sociedade capitalista, vive e sofre influência da luta de classes atravessada por interesses conflitantes.

observa-se, entretanto, que algumas pesquisas do campo da formação de professores se pautam pelo imediatismo e pretendem a busca de soluções para “pequenos impasses do cotidiano” (gatti, 2002, p. 23), confundindo o próprio pesquisador que pensa estar “desvelando o real concreto” ao satisfazer-se com respostas evidentes. ou ainda, se constata nas investigações, como revela roldão (2011), que os pesquisadores da área “vivem com uma obsessão pelo nominalismo”. Não resta dúvida de que tanto o imediatismo que conduz a equacionamentos rápidos de questões fundamentais da formação de professores quanto o excesso nominalista padecem de pobreza teórica e tampouco permitem explicitar a significação de conceitos à luz dos marcos teóricos da investigação.

empobrecimento teórico ainda se evidencia quando em uma pesquisa, por equívoco, o investigador toma a revisão de literatura por referencial teórico. aquela é pré-requisito para o autor da pesquisa passar à

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fase inicial da tessitura deste, visto que o referencial teórico se constitui por meio de densa e consistente teorização, da crítica aguçada, da construção de conhecimento, pela decisão na escolha do método e da afiliação às ideias dos autores consultados.

a tessitura do referencial teórico pode ser representada pela metáfora de uma rede. em suas tramas trançam-se e entrelaçam-se as análises feitas acerca das ideias e dos autores principais referenciados pelo pesquisador. o nó, por sua vez, une as tramas e representa a presença do pesquisador em sua tomada de decisão política frente às diferentes teorias que podem apontar consensos, mas também desnudar posições antagônicas e contraditórias entre elas. o nó, então, representa a construção nova de autoria de quem está tecendo a base teórica, na tentativa de delimitar e apreender o problema de pesquisa, que “não é prático” (roldÃo, 2011), mas pertence ao campo teórico.

a propósito, Joel Ulhôa ajuda a elucidar a asssertiva de roldão, pois ele concebe assim o problema de pesquisa.

Um problema – no sentido em que venho considerando esse conceito, ou seja, no sentido de uma espécie de “cegueira”, que me incomoda e exige esclarecimento, luz, explicação, e de que, portanto, desejo me livrar – é uma questão teórica, uma questão que afeta o theorein, o ver, a compreensão e a explicação do real (UlHÔa, 1998, p. 5).

Há concordância nos encaminhamentos da avaliação das atividades realizadas durante o ii simpósio de que, na produção dos grupos de pesquisa participantes, foi possível identificar certas tendências balizadoras da formação de professores, porém, mais uma vez, constatou-se a impossibilidade de, neste momento histórico, traçar um delineamento do campo.

SOBrE A FOrmAçãO dE PrOFESSOrES COmO CAmPO dE PESQUISA

o estabelecimento de limites ou fronteiras do campo destina-se a clarificar o objeto que se estuda focadamente, distinguindo-o de outros, embora sabendo que cada campo se inscreve na interface de outros campos que integram um sistema de conhecimentos mais vasto. o mesmo se passa no plano das diferentes ciências. Porém, sem clarificar os focos, em vez de integração, podemos ter confusão ou sobreposição, que empobrece o conhecimento que permita estabelecer relações entre os vários campos. limites não são fechamentos. são escolhas de lentes que clarificam a visão – da parte e do todo.

Como âmbito ou objeto global do campo de pesquisa sobre formação de professsores podemos propor: estudo do processo de construção, desenvolvimento e aprofundamento do conhecimento e das competências necessárias ao exercício da profissão de ensinar, seus impactos e resultados.

sugerimos alguns elementos do campo que podem ser temas e gerar um sem-número de questões-problemas:

Modalidades, tipologias e contextos de formação e seus fundamentos teóricos. Componentes e intencionalidades de currículos e programas de formação, suas relações, organização, gestão e valoração (ex.: papel dos estágios, ligação entre as disciplinas, relação com as situações da prática, lugar e atores da supervisão, etc.).

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158 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 03, n. 03, p. 152-159, ago./dez. 2010.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

Modos de organização da formação, contextos e atores envolvidos.

atores e organizações/instituições envolvidos nos processos formativos (os sujeitos, os atores, os líderes, os papéis ,os poderes, as perspectivas de cada um…).

avaliação da qualidade da formação:

face aos objetivos e intencionalidades assumidos

face à adequação e utilidade dos processos formativos postos em ação (ex.: importância formativa da supervisão, individual ou entre pares, ou do envolvimento em projetos colaborativos)

face à competência e saber evidenciados e percepcionados no desempenho profissional, pelos próprios, por outros, pela eficácia da ação ou sua melhoria

face aos níveis de satisfação dos formados

face ao uso e à mobilização da formação, prática individual, coletiva e organizacional da escola

em relação à comunicação e usabilidade do saber produzido, é importante lembrar que a pesquisa produz sempre saber que pode e deve – porque, e se foi rigorosamente construído, independente do tipo de estudo – ser passível de uso por outros. Para isso ele tem de ser comunicável e comunicado com clareza, permitindo o juízo dos pares.

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159Form. Doc., Belo Horizonte, v. 03, n. 03, p. 152-159, jan./jul. 2010.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

rEFErêNCIAS

Cardoso, M. l. o mito do método. trabalho apresentado no seminário de Metodologia estatística, realizado na PUC/rJ, rio de Janeiro, p. 1-24, jan./fev.1971. Publicado no Boletim Carioca de Geografia, 1976.

gatti, B. a. A construção da pesquisa em educação no Brasil. Brasília: Plano, 2002.

KÖCHe, J. C. Fundamentos de metodologia científica: teoria da ciência e iniciação à pesquisa. 22. ed. Petrópolis: Vozes, 2004.

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UlHÔa, J. apontamentos para reflexão sobre o conceito de problema e sua aplicação em trabalhos acadêmicos. goiânia, maio 1988. (texto elaborado para discussão em sala de aula).