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1 Formação Continuada centrada na escola: O trabalho docente a partir da reflexão teoria e prática. Maria Gorete Stival Paula RESUMO Este artigo destaca a importância da formação continuada e se propõe a levantar alguns indicadores de reflexão para uma política de formação continuada de professores centrada na escola, objetivando a construção de uma política de formação em serviço que promova o desenvolvimento profissional docente e possibilite uma maior autonomia profissional. Para tanto, será imprescindível um projeto de formação continuada que valorize tanto a prática realizada pelos docentes no cotidiano escolar, quanto o conhecimento que provém das pesquisas realizadas na universidade, de modo a articular teoria e prática na formação e na construção do conhecimento profissional do professor. Vale ressaltar que tais procedimentos foram pensados segundo as reflexões apresentadas por Contreras (2002) que discute a autonomia de professores, quanto ao seu papel com relação à educação e a sociedade. A discussão envolverá aspectos relacionados ao processo de enfrentamento de situações problemáticas pelo professor na prática docente, das competências envolvidas, da reflexão crítica e busca de soluções pelo grupo de professores. Palavras- chaves: formação continuada — autonomia profissional — formação em serviço ___________________________________________________________________________ ABSTRACT This article detaches the value of a continued formation and proposes to bring some indicators of reflection for a politician of continued formation from the teachers, that should be center on school with the objective of build a politic of formation at work, which will raise the professional development of the professors, and make possible for the teachers to reach a better level of autonomy. For achieve this goal, it will be indispensable a project of continued formation that valorizes the practice lived by the teachers quotidian in school as much as the knowledge that comes from the research made at the university. In this way, theory and practice can be together in the formation and development of the teacher professional knowledge. This procedures were thinked by the reflections presented by Contreras (2002) that argues about the teachers autonomy and what is the teachers influence in the concern of education and society. The discution envolves the aspects related to the process of fighting problematic situations lived by the teacher in the school quotidian, of the necessary abilities, reflection, critics and investigation of new situations by the team of professors. KEYWORDS: continued formation - professional autonomy - work formation

Formação Continuada centrada na escola: O trabalho … · Gimeno Sacristán (2006) faz três advertências sobre a questão em relação a investigação sobre a formação de professores

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Formação Continuada centrada na escola: O trabalho docente a partir da reflexão

teoria e prática.

Maria Gorete Stival Paula

RESUMO

Este artigo destaca a importância da formação continuada e se propõe a levantar alguns indicadores de reflexão para uma política de formação continuada de professores centrada na escola, objetivando a construção de uma política de formação em serviço que promova o desenvolvimento profissional docente e possibilite uma maior autonomia profissional. Para tanto, será imprescindível um projeto de formação continuada que valorize tanto a prática realizada pelos docentes no cotidiano escolar, quanto o conhecimento que provém das pesquisas realizadas na universidade, de modo a articular teoria e prática na formação e na construção do conhecimento profissional do professor. Vale ressaltar que tais procedimentos foram pensados segundo as reflexões apresentadas por Contreras (2002) que discute a autonomia de professores, quanto ao seu papel com relação à educação e a sociedade. A discussão envolverá aspectos relacionados ao processo de enfrentamento de situações problemáticas pelo professor na prática docente, das competências envolvidas, da reflexão crítica e busca de soluções pelo grupo de professores. Palavras- chaves: formação continuada — autonomia profissional — formação em serviço

___________________________________________________________________________

ABSTRACT This article detaches the value of a continued formation and proposes to bring some indicators of reflection for a politician of continued formation from the teachers, that should be center on school with the objective of build a politic of formation at work, which will raise the professional development of the professors, and make possible for the teachers to reach a better level of autonomy. For achieve this goal, it will be indispensable a project of continued formation that valorizes the practice lived by the teachers quotidian in school as much as the knowledge that comes from the research made at the university. In this way, theory and practice can be together in the formation and development of the teacher professional knowledge. This procedures were thinked by the reflections presented by Contreras (2002) that argues about the teachers autonomy and what is the teachers influence in the concern of education and society. The discution envolves the aspects related to the process of fighting problematic situations lived by the teacher in the school quotidian, of the necessary abilities, reflection, critics and investigation of new situations by the team of professors.

KEYWORDS: continued formation - professional autonomy - work formation

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1. Introdução

O presente texto apresenta uma reflexão sobre o processo de formação continuada,

enfatizando a importância de o professor buscar sua autonomia para alcançar uma prática

pedagógica mais significativa mas, como bem afirma Contreras:

A autonomia [...] não consiste nem no isolamento nem no abandono de escolas e professores à própria sorte. Parte, mais precisamente, de conceber as relações entre professores e sociedade sob outras bases (as da constituição comunitária), de forma que os vínculos não sejam de natureza burocrática nem mercadológica, mas política e pessoal (CONTRERAS, 2002, p.269).

A autonomia do professor só acontece verdadeiramente a partir do momento em que

ele passa a refletir criticamente sobre sua prática. Quando se pensa em prática não se pode

pensar somente na ação pedagógica na sala de aula, que é imbuída de intenção, consciente e

organizada. Esse processo de reflexão deve ser metódico onde o professor poderá produzir os

seus próprios conhecimentos mediante a busca de várias informações.

Essa busca incessante a novas informações se deve a velocidade das mudanças que

vem ocorrendo no mundo, pois a todo o tempo surgem novos conhecimentos. Muitos

profissionais especialistas fazem descobertas em todos os campos de atuação. Para que os

trabalhadores se mantenham atualizados, devem buscar cursos de atualização ou outras

formas de capacitação principalmente quando falamos de professores. Esses não podem ficar

desatualizados na medida em que a sociedade, a cultura, a tecnologia, a ciência e as

informações se desenvolvem. O profissional competente deve estar aberto a receber

informações de diversas contingências sejam elas políticas, sociais ou tecnológicas. Além

disso, deve ter um amplo domínio dos conteúdos a serem trabalhados como afirma Libâneo:

Não pode haver dúvidas: não há preparação para a modernidade, para os tempos pós-modernos, sem um investimento maciço no domínio sólido e duradouro dos conteúdos. Não conteúdos como mera transmissão de conhecimentos ou inculcação de informações, mas envolvendo ensino e aprendizagem de conceitos, habilidades, de procedimentos (modos de ação), atitudes e convicções. Não faz sentido a transmissão verbal de conhecimentos cristalizados, compartimentalizados, fora de toda e qualquer referência ao mundo real e desvinculados de modos de ação como são as habilidades, os procedimentos, atitudes e convicções. Evidentemente não há como materializar esse papel da educação formal se os professores não dominarem os conteúdos de sua matéria, dentro desse entendimento ampliado (LIBÂNEO, 2007, p. 204).

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Portanto, é nesse contexto, que a formação continuada encontra o seu espaço nas

necessidades pedagógicas, visto que, conforme afirma Libâneo:

[...] as novas realidades do mundo contemporâneo estão exigindo inovações didático-pedagógicas que propiciem melhor cumprimento dos objetivos da escola por meio do ensino aprendizagem. [...] é preciso evitar a tentação dos professores de imaginar um “ensino fácil”, por meio dessas idéias banalizadas de ensino pelo concreto, ensino a partir da experiência da criança, uso de sucata etc., tomados como grandes inovações. Tornar o professor co-construtor de seu processo de trabalho implica que ele avalie judiciosamente sua prática a partir da reflexão em cima de seu trabalho, com base na teoria (LIBÂNEO, 2007, p. 204).

É fato que a formação continuada quando realizada com o intuito de formação de um

cidadão para um mundo em transformação é imprescindível. Ela deve proporcionar ao

professor atualização com o que há de novo sobre as pesquisas na didática de cada disciplina

e também em questões teóricas mais amplas.

O profissional desinformado das pesquisas recentes sobre educação, ou mesmo aquele

que não domina os conhecimentos teóricos necessários para a prática pedagógica, é incapaz

de diagnosticar aquilo que é necessário que o aluno aprenda, bem como levar esse aluno a se

apropriar dos conhecimentos essenciais para seu pleno desenvolvimento como cidadão. Dessa

forma, a atualização do professor tem uma influência direta no resultado da aprendizagem do

aluno.

Em tese, quando nos referimos à formação continuada deveria ser entendida como

algo que deva ser levado adiante, contínua e de longa duração. Ela deve ocorrer durante toda a

vida do profissional para uma constante atualização de métodos, conceitos, teorias referente à

área profissional na qual atue.

No entanto, nem sempre os professores têm condições financeiras e algumas vezes o

tempo é escasso para buscar capacitação por meio de palestras, cursos, seminários e simpósios

os quais muitas vezes são onerosos. Mas esse fator não pode ser impedimento para o

professor se atualizar. É essencial que a escola procure parcerias e meios de propiciar

capacitação aos profissionais que nela atuem. Quanto aos profissionais, estes devem se

empenhar em buscar atualização para garantir a competência ao ensinar.

Gimeno Sacristán (2006) faz três advertências sobre a questão em relação a

investigação sobre a formação de professores que serve para reflexão:

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A primeira é de que os professores trabalham, enquanto nós fazemos discursos sobre eles. Não falamos sobre a nossa própria prática, mas sobre a prática de outros que não podem falar que não tem a capacidade de fazer discursos. Esta situação sociológica, política e epistemológica pode ser uma explicação do que tem sido a investigação sobre os professores. A segunda advertência é de que não é possível falar sobre professores, porque entre minha pessoa e um professor do ensino fundamental há muito poucas semelhanças. Diz-se que fazemos o mesmo tipo de trabalho, mas, na realidade, fazemos coisas muito diferentes, a preços muito diferentes, com status muito distintos, com poderes muito diferentes. Isso quer dizer que o fato de o professor da universidade falar sobre o professor em geral, que quase sempre é o professor do ensino fundamental, é algo suspeito. A terceira advertência: quando consultamos os repertórios bibliográficos da produção científica em revistas e catálogos que editam livros sobre nossa especialidade, encontramos o professorado como um dos temas de investigação preferidos [...]. Suspeito que a maior parte da investigação sobre os professores é uma investigação enviesada, parcial, desestruturada e descontextualizada, que não entra na essência dos problemas (GIMENO SACRISTÁN , 2006, p.81).

Existe assim, um distanciamento muito importante entre o professor que atua

diretamente em sala de aula e os pesquisadores em educação. Por isso muitos dos programas

de formação continuada como cursos, palestras e seminários são implantados pela

mantenedora sem critérios bem definidos e não alteram a prática pedagógica.

A partir dessa perspectiva apresentada, percebemos que o processo de formação

continuada do professor é uma tarefa árdua, mas que não deve ser considerada impossível. A

idéia principal a ser desenvolvida, tendo em vista as considerações descritas acima, é a de

fortalecer a escola enquanto espaço de formação dos professores a fim de desenvolver suas

potencialidades e qualificar o desempenho no trabalho, por meio da organização de grupos de

estudos, palestras, seminários e simpósios, construindo um comprometimento coletivo com o

processo de ensino e aprendizagem. Esses estudos poderão ser estabelecidos a partir das

necessidades apontadas pelos professores na prática diária e na busca de soluções para os

problemas apresentados.

A formação continuada para profissionais que atuam na escola é um dos elementos

básicos do Projeto Político Pedagógico e uma exigência necessária para a manutenção de sua

proposta sócio-educativa. Aprofundar conhecimentos sobre os temas estruturantes do Projeto

Político Pedagógico e da prática educativa exige constantes momentos de ação/reflexão, de

articulação entre teoria/prática, como construção coletiva, participativa e integrada de modo

que a equipe de educadores, pedagogos, funcionários e gestores sejam responsáveis pelo

processo.

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A formação continuada do professor dá-se basicamente na escola, pois este é o espaço

da sua atuação diária, como também em eventuais congressos, palestras, cursos promovidos

pela escola, mantenedora ou outras entidades.

O pedagogo terá um papel essencial na formação da equipe de profissionais da escola,

pois será o agente articulador do processo educacional, será o mediador, deverá estimular o

professor a refletir sobre a sua prática, partilhando com o grupo suas experiências em sala de

aula, e permitindo a atualização de conhecimentos através de constantes estudos e reflexões.

Para LIBÂNEO (2007):

[...] pedagogo é o profissional que atua em várias instâncias da prática educativa direta ou indiretamente ligadas à organização e aos processos de transmissão e assimilação dos saberes e modos de ação, tendo em vista objetivos de formação humana previamente definidos em sua contextualização histórica (LIBÂNEO, 2007, p.33).

Podemos nos perguntar: Em que medida um processo de formação continuada

centrado na escola pode fortalecer o grupo de professores na busca de autonomia em sua

prática pedagógica?

Para que esse processo de formação ocorra com resultado satisfatório, ele deve

acontecer ininterruptamente. Essa formação deve favorecer o desenvolvimento de uma

postura crítica diante das diferentes interpretações acerca do ato de aprender, justificando que

a ação do professor deve ser pensada a partir de respostas coerentes, como um processo

buscando alcançar a construção e/ou reconstrução do trabalho coletivo no ambiente escolar. O

ser humano é dotado de criatividade que poderá ser despertada e desenvolvida. Ela será muito

importante num processo de tomada de decisões para resolver problemas do cotidiano.

Essa mudança na maneira de fazer acontecer a formação pode ser concretizada nos

momentos de leitura, cursos, reflexões e debates relacionados à prática pedagógica,

constituindo momentos privilegiados de formação continuada, num processo em que a própria

prática em sala de aula passa a ser repensada.

Quanto à formação do educador, a LDB cita diretamente o princípio da valorização do

magistério em vários artigos. O inciso II do Art. 67, cria alguns direcionamentos promissores

voltados tanto para a melhoria da formação como para o “aperfeiçoamento profissional

continuado”, incluindo-se o “licenciamento periódico remunerado”, consagrando a idéia

essencial de que o aprimoramento profissional faz parte da profissão e é de responsabilidade

dos sistemas de ensino.

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Segundo Ferreira (2006, p. 19):

A ‘formação continuada’ é uma realidade no panorama educacional brasileiro e mundial, não só como exigência que se faz devido aos avanços da ciência e da tecnologia que se processaram nas últimas décadas, mas como uma nova categoria que passou a existir no “mercado” da formação contínua e que, por isso, necessita ser repensada cotidianamente no sentido de melhor atender a legítima e digna formação humana.

Ainda segundo a autora a “formação continuada hoje precisa ser entendida como um

mecanismo de permanente capacitação reflexiva de todos os seres humanos às múltiplas

exigências/desafios que a ciência, a tecnologia e o mundo do (não) trabalho colocam

[...]”(FERREIRA 2006, p.20). Nesta perspectiva, a Formação Continuada deve ser realizada

através de momentos diários de estudo, reflexão, planejamento e avaliação, de modo a

assegurar esse processo. Portanto, não faz sentido os educadores pensarem que, ao concluírem

a graduação, ou seja, sua formação inicial, não precisam mais se dedicar aos estudos para

atuar na profissão docente.

A profissionalização docente requer mais que uma apropriação do conhecimento,

requer um compromisso com a função que se exerce. Nesse sentido se faz a autonomia

docente, cujas bases podem estar no comprometimento, na criatividade, na inovação, na

determinação, enfim a partir da responsabilidade na ação da prática educativa.

Para legitimar essa autonomia o professor deve participar na definição dos objetivos e

métodos de trabalho. Dessa forma, é uma maneira do professor se sentir respeitado, ouvido,

envolvido como profissional da educação, capaz de atuar, perceber e compreender os

processos pedagógicos. Essa não deve ser uma função exclusivamente do especialista para

que não se torne uma prática descontextualizada, como citou Gimeno Sacristán (2006)

anteriormente. Para ele os especialistas fazem discursos da prática do professor, eles não são

ouvidos e não discursam sobre como fazem ou o que pensam, ficando nítido que o professor

não participa das decisões.

Para Libâneo, “maior qualidade do ensino requer investimento prioritário na

profissionalização dos professores, implicando formação pré-serviço, a formação continuada

no trabalho, salários dignos e plano de carreira” (LIBÂNEO, 2007, p.202).

Por tudo que foi exposto até o momento é possível enfatizar a necessidade de se

institucionalizar uma formação contínua de professores que permita agir junto com eles

definindo as melhores estratégias.

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Silva (2002) ressalta que é primordial que a formação continuada ocorra no contexto

escolar, para que através da construção coletiva dos saberes, se possam acompanhar as

transformações. É na reflexão, na participação do projeto educativo e curricular da escola que

se produzirá conhecimento pedagógico que seguramente contribuirá no resgate da relevância

de seu papel no sistema educativo e, principalmente, na vida do aluno, transformando-o em

cidadão consciente, crítico e atuante na comunidade e na sociedade.

Defendemos a proposta de que a formação continuada deve se dar com base na realidade da própria escola, em suas reais necessidades e seu projeto pedagógico. Não se pode pensar a perspectiva de uma nova escola sem colocar como meta primordial a formação continuada. Para tanto é necessário que a escola se constitua num espaço de crescimento do professor como destaca Nóvoa: ‘ Não há ensino de qualidade, nem reforma educativa, nem inovação pedagógica, sem uma adequada formação de professores “(SILVA, 2002, p.15).

Deste modo as atividades de formação continuada devem acontecer de forma contínua

e com uma organização interna sólida, em que se priorize a articulação das funções de ensino

e aprendizagem, sendo dinâmica e preocupada com o avanço do processo formativo do

professor.

2. A proletarização dos professores e a perda da sua autonomia

A profissão de professor é complexa e requer permanente adaptação às condições de

trabalho, bem como, a constante atualização científica, pedagógica e didática. Mesmo que a

formação inicial seja de elevada qualidade, a formação contínua é, ainda, uma necessidade

para garantir qualidade de ensino.

Portanto, para falarmos em formação continuada do professor devemos compreender

que o professor precisa superar o modelo da racionalidade técnica apontado por Contreras

(2002). Nesse modelo é suprimido ao profissional a capacidade de reflexão na formação e

atuação profissional.

O autor reflete sobre a autonomia perdida e o caminho da proletarização docente, por

meio da racionalização do trabalho. A tese básica da proletarização de professores é que o

trabalho docente sofreu uma subtração progressiva de uma série de qualidades que conduziu

os professores a perda de autonomia, tanto do controle técnico ao qual possam estar

submetidos e também como resultado da desorientação ideológica na qual possam se ver

mergulhados.

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Para Contreras (2002), os controles básicos que explicam esse fenômeno de

racionalização do trabalho que conduziram a proletarização são:

a) a separação entre concepção e execução no processo produtivo, onde o trabalhador passa a ser um mero executor de tarefas sobre as quais não decide; b) a desqualificação, como perda dos conhecimentos e habilidades para planejar, compreender e agir sobre a produção; c) a perda de controle sobre seu próprio trabalho ao ficar submetido ao controle e as decisões do capital, perdendo a capacidade de resistência (CONTRERAS, 2002, p.35).

Partindo desses pressupostos básicos, Contreras destaca que, o trabalhador passa a

depender dos processos de racionalização e controle da gestão administrativa da empresa e do

conhecimento científico e tecnológico dos experts. Para sustentar a acumulação do capital,

tanto ao conteúdo da prática educativa como o modo de organização e controle do professor,

as escolas começaram a introduzir critérios de seqüência e hierarquia. Assim, “[...] o currículo

começou a conceber também uma espécie de processo de produção,organizado sob os

mesmos parâmetros de decomposição em elementos mínimos de realização – os objetivos”

(CONTRERAS, 2002, p.35).

A racionalização do ensino, então, introduz um sistema de gestão do trabalho do

professor que favorece seu controle. Ao torná-lo dependente de decisões que passaram para a

esfera dos especialistas e da administração, acontece uma ruptura justificando assim a

separação entre os que detêm o conhecimento científico, tecnológico e que concebem as

técnicas e os docentes que executam as tarefas e técnicas pré-determinadas, reproduzindo-as,

caracterizando assim, o processo de racionalidade técnica.

Com isso, o docente perde autonomia. O professor perde de vista o conjunto e o

controle sobre sua tarefa, sendo estes delegados às competências técnicas dos especialistas e

gestores, mergulha no processo de desqualificação, que o condiciona a buscar novas formas

de qualificação, tendo que desenvolver novas habilidades de acordo com esse processo de

racionalização como novas técnicas de programação e avaliação.

Esse professor é aquele que representa o que consta no plano, obedecendo às

orientações, técnicas de ensino e metodologias criadas a partir de realidades vivenciadas por

especialistas da educação.

O autor salienta ainda que a forma como o Estado racionaliza a educação, com um

currículo detalhado nas escolas, técnicas de diagnóstico, avaliação de alunos, projetos

curriculares estabelecidos com todos os passos que o professor e aluno devem fazer , reflete :

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O espírito de racionalização tecnológica do ensino, na qual o docente vê sua função reduzida ao cumprimento de prescrições externamente determinadas, perdendo de vista o conjunto e o controle sobre sua tarefa. Esse processo de desqualificação dos professores vem acompanhado de novas formas de requalificação (Apple, 1987; Apple e Jungck, 1990), na medida em que tiveram de desenvolver novas habilidades de acordo com esse processo de racionalização (CONTRERAS, 2002, p. 36-37).

Ainda, o autor afirma que ao pensar na proletarização do professor, ele passa a ser um

mero cumpridor de tarefas e obrigações. Ele aponta em primeiro lugar, que o Estado não se vê

apenas como o controlador do capital, mas que se encontra submetido à população e tem

como função legitimar seu papel e de suas instituições. No entanto, ressalta que nas

instituições escolares é impossível a racionalização total, fazendo com que a escola e os

professores tenham um espaço de relativa autonomia, pois como afirma Apple(1987:155),

citado por Contreras (2002, p.39) “nós podemos fechar a porta e não ser incomodados”.

Assim fica difícil o controle burocrático, cabendo resistência à imposição racionalizadora.

Em segundo lugar, os professores apresentaram resistência em função de seus

interesses individuais e coletivos, igualando-se aos demais trabalhadores. Sendo assim,

dialeticamente, a profissão do professor foi afetada, de certo modo positivo, pelo processo de

proletarização, pois esta dinâmica de resistência e organização, na opinião dos teóricos,

permite igualar os professores à classe operária, no qual o processo natural será o de aliar-se

nas lutas e reivindicações.

Neste processo seguido pelos professores, da perda progressiva do controle sobre o

conteúdo e finalidades do ensino, produto da separação entre concepção e execução, e o

intenso controle ideológico sobre os conteúdos do ensino, a formação do professor deve ser

encarada como uma das formas de resistência à imposição racionalizadora, com o objetivo de

resgatar a autonomia “perdida”. No contexto educativo, está relacionada à perda de um

sentido ético tácito no trabalho do professor.

Considerando a idéia apresentada pelo autor, o professor precisa ser visto como

alguém que pensa, que pode refletir sobre sua prática e capaz de construir um novo modelo

de trabalho intelectual a serviço da transformação social. Há que se convir que seja

indispensável caminhar em outra direção e superar o modelo de formação que considera o

professor um mero transmissor de conhecimento.

Neste sentido, Libâneo assinala que:

É certo que o professor deve ser um profissional competente e compromissado com seu trabalho, com visão de conjunto do processo do

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trabalho escolar. Deseja-se um profissional capaz de pensar, planejar e executar o seu trabalho e não apenas um sujeito habilidoso para executar os que os outros concebem (LIBÂNEO, 2007, p.61).

Portanto, o professor deve ultrapassar os limites apontados em seu trabalho, vencendo

a visão puramente técnica no qual os problemas se reduzem a cumprir as metas estabelecidas

pela escola e pelos especialistas. Ele deve problematizar a sua prática docente, suas intenções

e seus objetivos, desenvolver a capacidade crítica e construir suas convicções.

Após todos os argumentos apresentados é compreensível a importância de uma

formação continuada que auxilie o professor a se adequar a essa escola que aí está com

características próprias da atualidade.

A partir das idéias de Contreras (2002), é necessário resgatar a base reflexiva da

atuação profissional com o objetivo de entender a maneira em que verdadeiramente se

abordam as situações problemáticas da prática. O professor necessita de condição para

compreender o contexto social no qual ocorre o processo de ensino/aprendizagem, contexto

no qual se combinam diversos interesses e valores, bem como, necessita de clareza para

examinar criticamente a si próprio em relação aos valores, cultura e práticas nas quais atua.

Assim, a partir da consciência do trabalho o professor apresenta igualmente a autonomia

como valor profissional.

Entretanto, para conceber o problema da autonomia a partir de uma perspectiva

educativa é necessário, segundo Contreras (2002), analisar três dimensões da

profissionalidade: a obrigação moral, o compromisso com a comunidade e a competência

profissional.

Quanto à obrigação moral, o ensino supõe um compromisso de caráter moral para

quem o realiza, estando o professor comprometido com seus alunos e alunas em seu

desenvolvimento como pessoas, mesmo sabendo que isso costuma causar tensões e dilemas: é

preciso atender os avanços na aprendizagem sem esquecer as necessidades e reconhecimentos

do valor que o alunado merece.

Contreras cita a afirmação de Hargreaves o qual fala que, “embora os professores não

tenham uma intenção moral consciente com respeito ao seu trabalho, o certo é que quase tudo

o que fazem tem conseqüências que são morais” (CONTRERAS, 2002, p.77).

Esta consciência moral sobre seu trabalho traz emparelhada a autonomia como valor

profissional, exigindo dos professores sua consciência e desenvolvimento sobre o sentido do

que é desejável educativamente.

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Quanto ao compromisso com a comunidade, a questão da moralidade não é apenas

uma questão pessoal, é também uma questão política, um fenômeno social, produto de nossa

vida em comunidade. A educação não é um problema da vida privada dos professores.

Assim, é necessário entender que a responsabilidade pública envolve a comunidade na

participação das decisões sobre o ensino. O professor só pode assumir seu compromisso

moral a partir da autonomia, não da obediência, porque não é possível resolver os conflitos e

dilemas senão a partir da autonomia dos mesmos. Parte de sua profissão deve consistir em

mediar conflitos de maneira que se possa entender o sentido e o valor de cada posição e

encontrar a forma em que a escola possa realizar sua obrigação. O professor deve reconhecer

que está num jogo político, mas que o seu profissionalismo deve atribuir sentido a tudo isso.

A estipulação, a partir dos aparelhos administrativos, do currículo das escolas reduz a

participação da comunidade a procedimentos burocratizados, forçando os professores ao papel

de funcionários obedientes e o restante da sociedade ao de espectadores. Cabe ressaltar, que

existem escolas onde a participação é efetiva do Conselho Escolar. Portanto é necessário

estimular a participação de todos os membros principalmente os que representam a

comunidade.

As instituições educativas são lugares nos quais os alunos e alunas se introduzem em

formas particulares de vida que, por sua vez, supõem uma preparação para suas vidas (Giroux,

citado por Contreras, 2002). Estas experiências não possuem somente um significado

individual, mas representam perspectivas sobre o sentido tanto público como privado da vida

e do social que fazem parte do próprio ato de ensinar, já que as experiências colocadas em

andamento na escola refletem as oportunidades de análise sobre a vida e sobre suas

alternativas e suas esperanças para eles.

Pesquisas realizadas com professores afirmam que o êxito do processo educacional

depende, e muito, da atuação e participação da família, que deve estar atenta a todos os

aspectos do desenvolvimento do educando. As famílias devem perceber o grande poder que

têm para redirecionar as escolas no sentido de que propiciem um ensino de qualidade para

seus filhos, estimulando-os a estudar, pesquisar e a se tornarem cidadãos críticos.

Sendo assim, a escola é uma instituição que desempenha funções de regulação social e

de seleção, numa sociedade na qual as conquistas em matéria de igualdade, liberdade e justiça

são assuntos de discussão, e, a prática docente pode incluir dentro de sua própria reflexão a

forma em que estes valores políticos se realizam (BEYER e WOOD, citados por Contreras,

2002).

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Quanto à competência profissional, a realização do ensino necessita, como qualquer

outro trabalho, de certo domínio de habilidades, técnicas e, em geral, de recursos para a ação

didática, da mesma forma que deve conhecer aqueles aspectos da cultura e do conhecimento

que constituem o âmbito ou o objeto do que se ensina. Não será possível falar em assumir um

compromisso moral com suas repercussões sociais em relação ao ensino se não se dispuser de

competência profissional que combina competências e habilidades, princípios e consciência

do sentido e das conseqüências das práticas pedagógicas adotadas.

A competência profissional é uma dimensão necessária para o desenvolvimento do

compromisso ético e social, porque proporciona os recursos que a tornam possível. É o que

capacita o professor para assumir responsabilidades, mas que dificilmente pode desenvolver

sua competência sem exercitá-la, isto é, se carecer de autonomia profissional, porque, como

afirmou Gimeno Sacristán, citado por Contreras “[...] um professor não pode se tornar

competente naquelas facetas sobre as quais não tem ou não pode tomar decisões e elaborar

juízos arrazoados que justifiquem suas intervenções”(Contreras 2002, p. 85).

Formar um profissional intelectual crítico só será possível por meio de uma prática

reflexiva, ou seja, transformando a prática educativa mais justa e democrática, capacitando o

professor para assumir responsabilidades, exercitando sua competência, aprender-fazendo o

que ainda não se sabe fazer e refletir sobre o que já se faz.

Vale ressaltar que essas três dimensões: a obrigação moral, o compromisso com a

comunidade e a competência profissional, devem estar previstas num processo de formação

continuada centrada na escola.

3. O professor como artista reflexivo e o professor como intelectual crítico: modelos em

disputa.

Segundo o autor estudado há três concepções de profissional: o professor como

técnico, o profissional reflexivo e o papel do professor como intelectual crítico. Contreras

(2002) analisa as várias faces da autonomia em cada uma delas, que podem ser concebidas de

maneiras diferentes em função das concepções profissionais das quais se parta, bem como

sobre a forma como se entende o ensino. No contexto deste estudo serão analisados os dois

últimos modelos do ponto de vista dos seus limites e possibilidades, para o desenvolvimento

da autonomia profissional. 1

1 O professor como técnico já foi descrito nas páginas anteriores e tem seu processo de autonomia prejudicado, pois é visto como um mero aplicador de técnicas.

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Contreras apresenta o conceito do profissional reflexivo desenvolvido por Schön

(1983;1992) como uma das tendências mais recentes nos estudos sobre a formação de

professores. Schön é um dos autores que mais tem contribuído para a difusão do conceito de

reflexão, propôs o conceito de reflexão-na-ação como o processo pelo qual os professores

aprendem a partir da análise e interpretação de sua própria atividade.

Trata justamente de dar conta da forma pela qual os profissionais enfrentam aquelas situações que não se evoluem por meio de repertórios técnicos; aquelas atividades que, como o ensino, se caracterizam por atuar sobre situações que são incertas, instáveis, singulares e as quais são conflitos de valor. Para isso, Schön parte da forma com que habitualmente se realizam as atividades espontâneas da vida diária, distinguindo entre “conhecimento na ação” e “reflexão na ação” (CONTRERAS, 2002, p.106).

A grande crítica que se coloca contra Schön não é tanto a realização prática de sua

proposta de formação, mas seus fundamentos pragmáticos, ou seja, o problema foi ele ter

reduzido a reflexão como proposta alternativa para a formação, ao espaço da própria técnica.

Esta crítica não é exclusiva ao autor, mas à razão técnica, pois a racionalidade técnica consiste

numa epistemologia da prática que deriva da filosofia positivista e se constrói sobre os

próprios princípios da investigação universitária contemporânea. Segundo Gimeno Sacristán:

O pós-positivismo apresenta-se em metáforas muito atraentes, como a de converter os professores em profissionais reflexivos, em pessoas que refletem sobre a prática, quando, na verdade, o professor que trabalha não é o que reflete, o professor que trabalha não pode refletir sobre sua própria prática porque não tem tempo, não tem recursos, até porque, para sua saúde mental, é melhor que não reflita muito. Tem-se, pois, a elaboração da metáfora reflexiva, que é a metáfora com mais cotação no mercado intelectual da investigação pedagógica atualmente. E dar importância à metáfora reflexiva significa reconhecer que, se com a reflexão busco a prática, é porque a ciência não a pode me dar. Esta afirmação deveria levar-nos a pensar, a nós que acreditamos estar fazendo ciência ( GIMENO SACRISTÀN , 2006, p. 82).

Para Perez Gomez (2000), o modo de conceber a reflexão deve ir além da proposição

de Schön. A reflexão é desenvolvida como forma de praticar a crítica com o objetivo de

provocar a emancipação das pessoas, quando percebem que a prática educativa é uma

construção social da realidade, e que responde(m) a interesses políticos e econômicos e que

podem mudar historicamente. Neste sentido, o autor afirma que é necessário:

Reconstruir os pressupostos aceitos como básicos sobre o ensino. A reflexão é uma forma de analisar criticamente as razões e interesses individuais e coletivos subjacentes aos princípios e formas dominantes de conceber o

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ensino. Que valores éticos e que interesses políticos sustentam os pressupostos teóricos ou os modos de ação que aceitamos como básicos e indiscutíveis (PÉREZ GÓMEZ, 2000, p.372).

Segundo Contreras, ao referir-se às práticas cotidianas, que muitas vezes se repetem, o

profissional desenvolve um repertório de técnicas, expectativas e imagens que servem de base

para suas decisões. Para ele, essa experiência pela qual o profissional passa é o que sustenta

seu conhecimento da prática. Observa que, caso esse conhecimento profissional seja

insuficiente para dar conta das indeterminações presentes no ato pedagógico, o professor é

motivado a envolver-se na análise e reflexão de sua prática, tentando construir respostas aos

desafios e conflitos vivenciados. Nesse sentido, realça que o profissional:

Conforme sua prática fica estável ou restritiva, seu conhecimento na prática se torna mais tácito e espontâneo. É esse conhecimento profissional que lhe permite confiar em sua especialização. Porém, à medida que os casos reflitam diferenças, ou lhe criem dúvidas com respeito a seu sentido, ou exijam atuações que parecem incompatíveis, ou propõem situações de conflitos que não havia encontrado anteriormente, o profissional tem a necessidade de entender e solucionar o novo caso em relação às características novas e singulares que apresenta. Seu conhecimento profissional acumulado e tácito se mostra insuficiente para dar conta deste caso e são outros os recursos que irá utilizar. Necessita refletir, confrontar seu conhecimento prático com a situação para a qual o repertório disponível de casos não lhe proporciona uma resposta satisfatória (CONTRERAS, 2002, pp. 107-108).

Contreras diz que o processo de reflexão na ação transforma o profissional, segundo

Schön, em um “pesquisador no contexto da prática” e ressalta que “ Nessas situações ele não

depende de teorias e técnicas preestabelecidas, mas constrói uma nova maneira de observar o

problema que lhe permita atender suas peculiaridades e decidir o que vale a pena salvar ou

colocar um ponto final” (CONTRERAS 2002, p.109).

Segundo Contreras (2002), Schön considera que a atuação do profissional não se

limita à aplicação de técnicas, mas que se abre aos efeitos por ela desencadeados. Sendo assim

a prática profissional integraria necessariamente as conseqüências sociais que provocaria não

havendo uma distinção entre o pensar e o fazer.

Deste modo vale ressaltar que, ainda que com problemas, a obra de Schön permite

recuperar, dentro do trabalho legítimo e imprescindível dos profissionais, uma concepção da

prática que, sob a racionalidade técnica, ficava excluída de toda compreensão e marginalizada

em seu valor ao não ser produto da aplicação do conhecimento técnico-científico.

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Ao reconstruir a dimensão reflexiva da prática, Schön conseguiu legitimar outra forma

de entendê-la que pode ser apresentada como racional, embora não seja técnica, mas

“artística” (CONTRERAS, 2002, p. 113).

Outro aspecto de diferenciação entre o especialista técnico e o profissional reflexivo é

que o primeiro excluía do racional a discussão dos fins, uma vez que os tratava como estados

finais, enquanto que o segundo consegue estabelecer a diferença e passa a fazer a transposição

para o seu cotidiano. A prática reflexiva está guiada por valores profissionais que cobram

autêntico significado não como objetivos finais, mas como regras que estão presentes no

próprio desempenho profissional.

Contreras conclui que a educação não pode ser determinada de fora. São os próprios

profissionais do ensino que decidem, em última instância, a forma como planejam suas aulas.

Para ele, isso mostra o problema do direito da comunidade intervir sobre um assunto público,

legítimo e de interesse social, como é a educação.

[...] os docentes reflexivos, ao deliberarem sobre sua prática, adotam decisões que estão em consonância com suas próprias perspectivas e valores, e se a assunção, por parte dos professores, da complexidade das situações de ensino e sua resolução só pode ser feita a partir de uma deliberação e julgamento profissional autônomo, parece que se está reconhecendo que, inevitavelmente, a comunidade fica excluída de sua participação nas decisões educativas (CONTRERAS, 2002, p.130).

Ainda segundo o autor, “deixar para a exclusiva decisão profissional, justificada em

sua necessária autonomia, as decisões educativas, é resolver de modo unilateral o que é

plural” (Contreras 2002, p.131). Sendo assim, interesses e valores que o professor assume nas

situações concretas e considera educativamente bom para o caso, acabam escapando do

controle público como acontecia com a racionalidade técnica.

Contreras ressalta que Schön criticou a defesa da autonomia profissional, que foi feita

com o abrigo da racionalidade técnica, para ele “o conhecimento com o qual se legitima o

especialista, se impõe interesses e valores que escapam ao escrutínio e controle públicos”

(CONTRERAS, 2002, p.131).

Em relação ao profissional reflexivo, a autonomia é compreendida como

responsabilidade moral individual, considerando os diferentes pontos de vista e equilíbrio

entre a independência de juízo e a responsabilidade social, privilegiando a capacidade para

resolver criativamente as situações-problema, para a realização prática das pretensões

educativas.

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A atuação prática aliada à teoria, quando questionada é fundamental para a mudança

da práxis que ocorre a partir da ação-reflexão-ação. O indivíduo passa a alienar-se quando

separa a teoria da prática e age sem pensar.

A reflexão crítica sobre o fazer educativo deve acontecer constantemente e ser austera

construindo novas formas de atuação e métodos educativos. Para enfrentar esse desafio, o

professor precisa de vontade e coragem de romper com os velhos paradigmas a fim de

instaurar uma nova compreensão da ação e gerar nova ação reflexiva, a fim de construir uma

sociedade democrática.

4. As vicissitudes do Profissional Reflexivo e a perspectiva ao Profissional Intelectual Crítico O terceiro modelo analisado por Contreras é do professor como intelectual crítico, no

qual se apóiam os fundamentos filosóficos e os processos de reflexão crítica coerentes com a

visão do exercício profissional, contrapondo-se aos limites do professor como artista

reflexivo, tal como fora descrito por Schön.

Contreras (2002 p.158) destaca que para Giroux, os professores :

[...] têm por obrigação moral tornar problemáticos os pressupostos por meio das quais se sustentam os discursos e valores que legitimam as práticas sociais e acadêmicas, valendo-se do conhecimento crítico do qual são portadores, com objetivo de construir um ensino dirigido à formação de cidadãos críticos e ativos.

Ele critica Giroux dizendo:

[...] tem-se a sensação de que uma única fórmula pela qual os professores chegariam a assumir um compromisso intelectual crítico e transformador é por meio da leitura de sua obra. Dada a ausência de análise sobre os quais são circunstâncias reais – sociais, institucionais e históricas – em que os professores se encontram no trabalho, e as conseqüentes dificuldades práticas que teriam de vencer para modificá-las, parece assumir-se que a mera leitura e iluminação por essas idéias, juntamente com a vontade política de empreender as transformações, são elementos suficientes para que os docentes passem a se transformar em intelectuais críticos.”(CONTRERAS, 2002 p. 161).

Ainda para Contreras (2002, p. 162), numa análise comparativa entre intelectual

crítico e o professor reflexivo, diz que “Giroux representa o conteúdo de uma nova prática

profissional para os professores, mas não expressa as possíveis articulações com as

experiências concretas dos docentes”, por outro lado, o paradigma do professor reflexivo

expressa essas articulações com a prática, mas não indica uma orientação finalística para a

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prática. Daí, propõe a concepção de reflexão crítica, baseando-se, principalmente, nas

proposições de Stephen Kemmis.

Para Contreras a reflexão crítica não se refere apenas ao tipo de ponderação feita pelos

docentes sobre suas práticas, pois:

A diferença fundamental em relação a proposta que já tínhamos visto sobre a reflexão é que a reflexão crítica não se refere apenas ao tipo de meditação que possa ser feita pelos docentes sobre suas práticas e as incertezas que estas lhe provoquem, mas supõe também “uma forma crítica” (Kemmis, 1987:75) que lhes permitiria analisar e questionar as estruturas institucionais em que trabalham” (CONTRERAS, 2002, p. 162).

E complementa dizendo que:

A reflexão crítica não se pode ser concebida como um processo de pensamento sem orientação. Pelo contrário, ela tem um propósito muito claro de definir-se diante dos problemas e atuar conseqüentemente, considerando-os como situações que estão além de nossas próprias intenções e atuações pessoais, para incluir sua análise com problemas que têm uma origem social e histórica (CONTRERAS, 2002, p. 163).

A prática reflexiva deve ser analisada mediante o tipo de ação que pretende se

estabelecer, sob que relações sociais serão realizadas e quais interesses irão servir e qual

construção social serão apoiadas nela. Para Contreras (2002, p. 164), a crítica apóia-se no

caso de que:

Essa perspectiva (professor reflexivo) não reconhece os contextos e supostos que atuam implicitamente, em muitas ocasiões de modo inconsciente, em qualquer processo reflexivo. A reflexão crítica, pelo contrário, pretende analisarmos condições sociais e históricas nas quais se formaram nossos modos de entender e valorizar a prática educativa, problematizando assim o caráter político da prática reflexiva (Kemmis, 1985:146). Para isso, é necessário tanto reconstruir os processos de formação e de construção social que nos levaram a sustentar determinadas idéias, quanto estudar as

contradições e as estruturas sociais e institucionais que condicionam a

prática educativa(grifos meus).

É possível dizer, de acordo com Contreras que aquilo que move a reflexão crítica é a

emancipação. Para ele, nesse sentido:

A reflexão crítica é libertadora porque nos emancipa das visões acríticas, dos pressupostos, hábitos, tradições e costumes não questionados e das formas de coerção e de dominação que tais práticas supõem e que muitas vezes nós sustentamos, em um auto-engano (CONTRERAS, 2002 p.165).

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Na perspectiva de Contreras (2002), conceber o trabalho dos professores como

trabalho intelectual quer dizer, pois, desenvolver um conhecimento sobre o ensino que

reconheça e questione sua natureza socialmente construída e o modo em que se relaciona com

a ordem social, assim como analisar as possibilidades transformadoras implícitas no contexto

social das aulas e do ensino.

A partir dessa perspectiva é necessário promover entre os professores um

questionamento daquilo que tinham como certo, de maneira que percebam que agora se

transforme em algo problemático, essa reconstrução da prática e sua natureza ideológica,

permite detectar as diferença entre o que fazemos com uma idéia libertadora da educação e

desenvolver nosso papel como intelectuais transformadores. Por conseguinte,

Um processo de reflexão crítica permitiria aos professores avançarem para um processo de transformação da prática pedagógica, mediante sua própria transformação como intelectuais críticos, e isso requer, primeiramente, a tomada de consciência dos valores e significados ideológicos implícitos nas atuações de ensino e nas instituições que sustentam, e, em segundo lugar, uma ação transformadora dirigida a eliminar a irracionalidade e a injustiça existente em tais instituições (CONTRERAS, 2002, p. 165).

Sendo assim, a tomada de consciência dos valores e significados ideológicos

implícitos nas atuações docentes e nas instituições poderia orientar uma ação transformadora

capaz de atenuar a injustiça na instituição escolar. O processo de reflexão crítica permitiria

aos professores avançar num processo de transformação da prática pedagógica mediante sua

própria transformação como intelectuais críticos.

Outro aspecto a considerar é a ênfase dada na atualidade ao desenvolvimento

profissional dos docentes, compreendido como uma série de situações de aprendizagens que

afetam o processo de aprender a ensinar e o crescimento intelectual e profissional dos

professores.

Para Contreras, é imprescindível o desenvolvimento que identifique as injustiças

sociais e uma linguagem da imaginação que auxilie a considerar aqueles aspectos da vida

pública que apresentam possibilidades não realizadas.

O compromisso com a comunidade, para o intelectual crítico, não só consiste em um ideal de servir à sociedade. Tem a ver também com a convicção de que as tentativas de transformar o ensino em uma prática mais justa e democrática não se podem desligar de uma pretensão semelhante para toda a sociedade. Segundo vimos em Giroux, a educação só pode se transformar atuando também, e simultaneamente, na comunidade na qual tem lugar. Portanto, a transformação do ensino para torná-lo mais justo e educativo deve

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ser realizada em conexão com os movimentos sociais (e não só profissionais) que aspiram à democratização da sociedade. Nesta perspectiva, a autonomia não estaria desligada desse último propósito político, porque autonomia profissional dos professores, entendida como processo progressivo de emancipação, não estaria desconectada da autonomia social, ou seja, das aspirações das comunidades sociais por criar seus próprios processos de participação e decisão nos assuntos que afetam suas vidas (CONTRERAS, 2002, p. 186).

A autonomia, para a referida concepção de profissional, é entendida como um

processo de construção da emancipação coletiva, possibilitada pela consciência crítica e pela

linguagem, através das quais se superam as distorções ideológicas, assumindo-se

responsabilidade pela transformação das condições institucionais e sociais.

5. Do intelectual crítico ao intelectual transformador: a busca da autonomia

verdadeiramente democrática.

O modelo do professor como intelectual crítico, difere do professor reflexivo

desenvolvido por Schön. Esse modelo do professor reflexivo é aplicado individualmente aos

profissionais e esses não conseguem alterar as situações para além das salas de aula. Enquanto

que o modelo do intelectual crítico recomenda que seja analisada a compreensão dos fatores

sociais e institucionais, que condicionam a prática educativa, como a emancipação das formas

de dominação, que afeta o pensamento e a ação, e esses processos não são espontâneos. Esse

profissional deve participar ativamente para desvendar o oculto, para aprofundar a origem

histórica e social dos fatos que se apresentam como “natural” e que capta e mostra os

processos pelos quais a prática educativa fica vinculada em pretensões, relações e

experiências de valor educativo duvidoso.

Contreras recomenda que o professor deva desempenhar não somente o papel de

intelectual crítico, concebido por Giroux (1997), mas de um intelectual transformador, que

combine reflexão, produção de conhecimento e ações que desenvolvam uma sensibilidade

moral a tudo que ocasione sofrimento humano.

No encontro com os outros (tanto alunos como mães e pais, colegas e outros setores sociais), a autonomia profissional ou, caso se queira, a emancipação, deveria começar juntamente com essa sensibilidade moral, pelo reconhecimento de nossos próprios limites e parcialidades na forma de compreender os outros. Um reconhecimento que não é espontâneo, mas buscado de forma auto-exigente e trabalhosa, mas tampouco imposto ou dogmaticamente estabelecido mediante verdades já libertadoras. Vista assim,

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a autonomia profissional perde seu sentido de auto-suficiência para aproximar-se da solidariedade. (CONTRERAS, 2002, p. 188)

Sendo assim, a construção de professores como intelectuais críticos e transformadores

engajados e capacitados para a construção da cidadania na sala de aula é desafio emergente e

indispensável em qualquer tentativa procedente de transformação da escola. Favorecer,

incentivar, estudar e motivar criando condições para que isso ocorra, capacitando os

professores para enfrentar os desafios contemporâneos, é uma tarefa que as universidades, o

sistema e as escolas não podem mais se furtar.

Pimenta após analise crítica contextualizada do conceito de professor reflexivo, afirma

que o conceito de caráter político-epistemológico necessita de acompanhamento das políticas

públicas para sua conseqüente efetivação. Caso contrário torna-se um mero discurso

mentiroso que simplesmente culpa os professores pelos maus resultados e exime dos

governantes de suas responsabilidades e compromissos. A autora salienta:

Assim, a análise das contradições presentes na apropriação histórica e concreta desse conceito, evidenciadas na pesquisa teórica e empírica empreendida, subsidia a proposta de superar-se a identidade necessária dos professores de reflexivos para a de intelectuais críticos e reflexivos (Pimenta, 2006 p.47, grifos da autora).

Contreras (2002) ao falar de autonomia se empenha em compreender a autonomia

profissional dos professores. Para ele é importante ter um equilíbrio entre a diversidade de

necessidades e as condições de realização da prática docente, a partir das condições pessoais,

institucionais e sócio políticas nas quais esses profissionais estão inseridos, visando uma

autonomia profissional necessária sob essa ótica.

[...] a autonomia, no contexto da prática do ensino, deve ser entendida como um processo de construção permanente no qual devem se conjugar, se equilibrar e fazer sentido muitos elementos. Por isso, pode ser descrita e justificada, mas não reduzida a uma definição auto-explicativa (CONTRERAS, 2002, p. 193).

O autor reconhece, enfim, que a autonomia requer uma reformulação nas relações e

construções de vínculos entre os professores e a sociedade que, mesmo sugestione

inconfundível, deverão estar visivelmente definidas nas políticas educacionais, propondo a

ampliação das idéias, aspirações e valores comuns à prática docente.

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Um aumento da regulamentação prescrita na prática docente, no contexto das formas burocráticas que dominam as relações institucionais, exige necessariamente um aumento da prescrição indiscutível dos resultados para que possam agir de maneira efetiva como critérios de controle no cumprimento das referidas prescrições. Isso significa que os valores educativos, que guiam teoricamente a prática do ensino, transformam-se em condutas e resultados previstos (CONTRERAS, 2002, p.194).

6.. Considerações Finais

Para concluir, é possível perceber por meio dos estudos de Contreras que é imperioso

favorecer ações que promovam a autonomia do professor, entendendo que sua construção

decorre de processo de auto-avaliação. Por isso, o processo de reflexão consolida-se à medida

que o professor redimensiona sua consciência profissional, entre o saber e o fazer. Sugere que

o profissional tenha domínio dos saberes característicos ao seu trabalho. Para que isso ocorra,

os profissionais devem refletir criticamente, sistematicamente, individualmente e com os

demais docentes no decurso da ação, assim como com a comunidade.

Nesta perspectiva, é possível se pensar numa formação continuada que tenha como

propósito atender aos interesses do professor, de instituir um espaço de diálogo referente aos

valores educativos embutidos nas práticas pedagógicas. Essa prática poderá vir a contribuir

para a melhoria do processo ensino aprendizagem, organizando e gerenciando ações de

ensino, percebendo situações e condições de trabalho, identificando rotinas estabelecidas e

refletindo de forma crítica sobre elas tendo sempre presente a dimensão moral e social de sua

ação pedagógica, isto é, o sentido de finalidade que preside toda decisão docente.

Atualmente, para ser profissional que atenda às demandas, o professor deve participar

da formação continuada que propicia qualificação para melhorar sua prática pedagógica. Com

isso, o professor pode resgatar sua identidade e autonomia em seu próprio espaço de trabalho,

sendo reconhecido como autoridade de seu próprio conhecimento, tornando-se um

investigador que se apropriará do seu objeto de trabalho, melhorando sua qualificação para

que possa atender sistematicamente essas necessidades na prática.

Uma das diretrizes principais deste estudo foi considerar a importância no contexto

atual de práticas que possibilitem desenvolver um perfil de professor autônomo. O professor

deve pensar na legitimação da profissionalização docente tendo em vista a autonomia do

professor, seja ela em sala de aula a partir de suas práticas pedagógicas ou através de sua

valorização na organização escolar.

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Parte-se do pressuposto de que todo processo de formação continuada deve conduzir à

autonomia profissional e de que um bom profissional é um ser reflexivo e crítico, capaz de

interferir pedagogicamente, socialmente e politicamente promovendo uma educação para a

equidade e a justiça .

A reivindicação da autonomia não é apenas uma exigência trabalhista para o bem dos

professores, mas ao mesmo tempo, em benefício da própria educação. Não se pode falar em

autonomia sem a consciência do papel social e político que a escola desempenha e como se

efetiva em cada caso.

A autonomia deve ser entendida como uma maior capacidade de intervir nas decisões

políticas pelas quais se cedem responsabilidades as escolas, em função do desenvolvimento

do coletivo e de como contribui para que se efetive a igualdade ou desigualdade social.

Nessa direção, a consideração de algumas contribuições teóricas apontadas neste texto

propicia um novo olhar para o processo da formação continuada de professores.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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